influências do expressionismo alemão na cenografia de vestido de noiva, de nelson rodrigues

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Pequeno artigo de teatro sobre cenografia

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Influncias do Expressionismo alemo na cenografia de Vestido de Noiva, de Nelson RodriguesHenrique de Paula dos Santos

Resumo Paralelos entre a esttica do Expressionismo alemo, a dramaturgia de Nelson Rodrigues e a encenao do polons Ziembinski sempre foram traados. Ambos trabalharam com Toms Santa Rosa Junior (1909-1956), cengrafo, na montagem que marcaria o incio do teatro moderno no Brasil, Vestido de Noiva (1943), o que resultou na criao de uma cenografia com influncias formais da vanguarda alem, algumas oriundas do cinema, outras da prpria enceno do perodo. A partir da, toda a forma de se pensar cenrio e iluminao teatral no Brasil sofreu uma grande mudana, aplicando esses elementos valor significante dentro da composio cnica, e tornando possveis uma maior abstrao do uso do espao cnico, facilitando recursos como a simultaneidade e os saltos temporais.

Palavras-chave Cenografia, Iluminao, Expressionismo alemo, Santa Rosa.

Abstract Parallels between the aesthetics of German Expressionism, Nelson Rodrigues playwriting and the staging of the polish Ziembinski has always been drawn. Both of them worked with Toms Santa Rosa Junior (1909-1956), stage designer, in the staging that would mark the beginning of modern theater in Brazil, The Wedding Dress (1943), that resulted in the creation of a set with expressionists influences, some from the cinema, other from the expressionist staging itself. From them, all the way of thinking stage desining and lighting in Brazil went by a big change, applying to those elements a significant value in stage composition, and making possible an major abstraction of the scenic area, facilitating resources like simultaneity and time hops.

Keywords Stage desining, lighting, expressionism, Santa Rosa

Influncias do Expressionismo alemo no cenrio de Santa Rosa para Vestido de Noiva, de Nelson RodriguesHenrique de Paula dos SantosIntroduoNo dia 28 de dezembro de 1943, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, estreava a pea Vestido de Noiva, texto de Nelson Rodrigues, com direo do artista polons Zbigniew Ziembinski. Essa montagem ficou conhecida mais tarde por inaugurar a cena moderna no Brasil, principalmente por romper com a estrutura dramtica das peas que por aqui eram encenadas, a maioria baseada no modelo francs ou na representao naturalista.O texto trazia uma percepo fragmentada da realidade, reflexo da subjetividade da protagonista da pea, Alade, que est na cama de um hospital aps ter sido atropelada. Misturando realidade, alucinao e memria, o enredo descontrua a noo causal de tempo, recortando as cenas a serem vistas em episdios que se entrelaavam e se sobrepunham.Acompanhando essa forma de escrita, com caractersticas facilmente associadas s do Expressionismo alemo, Ziembinski, que era formado numa escola expressionista, juntamente com Toms Santa Rosa Jnior, com quem h pouco tempo j havia trabalhado em Plleas e Melisande, de Maeterlinck, constituram um cenrio sinttico e sugestivo, com diferenciao de planos e espaos, que aliado iluminao, que desenhava e editava o espao, e no s o deixava visvel ao pblico, como era de costume, conseguia expressar as diferentes formas de expresso do subjetivo de Alade. O Expressionismo na dramaturgia de Nelson RodriguesTalvez no por vir de uma formao do gnero ou por se inspirar nas vanguardas do modernismo europeu, mas sim por uma semelhana na forma de pensar ou de se relacionar com a realidade sua volta, Nelson Rodrigues trazia j em sua escrita, antes de entrar em contato com Ziembinski, traos muito semelhantes aos que vemos na dramturgia expressionista. Eudinyr Fraga, por exemplo, vai dizer sobre os textos de Nelson: A ao desenvolve-se em cenas rapidas, fragmentadas, visando a transmitir uma sensao de conjunto, seja de angstia, seja de incomunicabilidade, seja de nausea; seja de desvario. um drama de farrapos () (FRAGA, 1994); o que se assemelha s referncias de Kasimir Edschmid e de Erich Auerbach que Maringela Alves de Lima traz em seu artigo sobre dramaturgia expressionista:Agora no existe mais a cadeia dos fatos: fbricas, casas, doena, prostitutas, gritaria e fome. Agora existe a viso disso. Os fatos tm significado somente at o ponto em que a mo do artista os atravessa para agarrar o que se encontra alm deles (EDSCHMID, apud LIMA, 2002); Um mtodo que dissolva a realidade nos mltiplos e polivalentes reflexos da conscincia (AUERBACH, apud LIMA, 2002).Nota-se em ambos uma despreocupao com a ordem causal dos fatos, sendo esta modificada pela conscincia, pelo subjetivo. Em vez disso, os fatos se apresentam como imagens, organizadas por esse subjetivo, mescladas, sobrepostas, recortadas, fragmentadas. Quem dita o em torno a conscincia, distorcendo-a e transformando-a. Como se a realidade se subjetivasse ou o ser se objetificasse em expresso.Fraga ainda diz sobre Nelson:A linguagem acompanha a natureza fragmentada do drama. So frases curtas, telegrficas, de extrema objetividade, visando a comunicao fcil com o leitor. () Tal clareza fruto de extrema elaborao, estilizao requintada. () A aparente facilidade do diIogo pode ser tambm urna armadilha, porque o excessivo despojamento descaracteriza a frase e torna-a ambgua.Curiosssima a funo quase mgica atribuda pelo dramaturgo a palavra: por diversas vezes ela configura as personagens, e por extensao, o mundo. (FRAGA, 1994)E se nos voltarmos s caractersticas do texto expressionista:A palavra como som interior, o objeto desmaterializado para provocar sensaes so recursos utilizados no texto teatral com o intuito de atenuar as referncias ao mundo exterior e penetrar na percepo inconsciente. () Esse tratamento fragmentrio do discurso verbal denominado posteriormente estilo telegrfico ser uam constante nas obras de outros dramaturgos filiados ao movimento expressionista (LIMA, 2002)Outras relaes ainda podem ser feitas entre as peas rodrigueanas e as expressionistas, no que diz respeito recusa violenta da realidade (embora esteja nela alicerada), a distoro exagerada da sociedade que nos cerca, no privilegiar do grotesco do comportamento humano, no embate de geraes, do racional e do moral contra o instintivo.

Cinema e teatro expressionistas: Caractersticas em Vestido De Noiva.Apoiado caractersticas que a dramaturgia trazia em si, Santa Rosa e Ziembinski construram o espao que daria vida aos espaos fragmentados de Nelson. Ziembinski dizia que o expressionismo estava mais presente na forma, ou evidncia visual do espetculo cenrio, luz e gestos. (DRAGO, 2012), contrastando com uma interpretao mais realista dos atores, e aprofundando esse realismo com as vrias facetas da consciencia humana. Essas referencias formais vinham tanto do cinema quanto da prpria encenao do perodo.Da encenao teatral, Santa Rosa buscou um cenrio que sugerisse, mais que representasse mimticamente, os espaos fictcios, reduzindo-o ao essencial. Fugindo da abordagem naturalista, Ele cria um espao nico, dividido em planos, composto por escadarias, nveis e arcos que, em consonncia com a luz de Ziembinski, criavam trs planos na narrativa: o da realidade, o da alucinao e o da memria.

J do cinema, Santa Rosa trouxe as linhas diagonais, os traos angulosos, e levemente uma certa distoro da realidade concreta. Muito amenizada, a deformao aparece como recurso na truncagem do arco superior do cenrio de Vestido de Noiva () Santa Rosa os usa de forma extremamente cuidadosa, mantendo certa formalidade () Do Expressionismo em si, o cengrafo interessa-se mais pela deformao de escala, ou seja, a ampliao de determinados objetos, e pelos efeitos de luz. (DRAGO, 2012)

Aliada iluminao que conseguia focar, recortar espaos, criar simultaneidades e cortes rpidos de um espao para outro, o que possibilitava o efeito de saltos temporais. Todas essas tcnicas so, de alguma forma, apropriadas da linguagem cinematogrfica, e funcionam como adaptaes dos zooms, dos cortes e dos flashbacks. O uso dos efeitos de luz e sombra tambm eram caractersticas expressionistas que eram possibilitadas pela cenografia, criando atmosferas lgubres e distorcidas.Os testemunhos de espectadores e crticos permitem concluir que a aproximao com o Expressionismo decorria da estratgia de distribuio dos refletores e do entrosamento orgnico dos focos, funcional para o sccionamento do texto e para a construo dos climas luminosos, usados para sugerir os diferentes estados dramticos. O maior impacto de beleza plstica vinha do jogo de feixes riscando a contra luz em tons de spia, azul e branco, que parecia desenhar a imagem cnica. (FERNANDES, 2002)Em sua descrio da montagem, Ruy Castro afirma que o prprio Ziembinski fala em 174 mudanas de luz movimentando o palco dividido em trs planos. J Santa Rosa declara que as mudanas de luz chegaram, durante os trs atos, a um total de 134 planos de suporte para as diversas situaes do texto. (CASTRO, 1992)

ConclusoEsta montagem considerada um grande marco no teatro brasileiro por revolucionar o modo de pensar a encenao teatral. A dramaturgia nada convencional para a poca de Nelson, juntamente com a cenografia sinttico e no-realista de Santa Rosa, aliados ao olhar do diretor Ziembinski, abriram novas possibilidades para a escritura cnica brasileira.Desde ento, a imagem cnica, composta pela relao entre cenrio, luz, indumentria e atores, ganho importancia equivalente ou at maior que o texto teatral, o grande foco das montagens at ali. O valor da imagem e de seus mltiplos significados, o seu poder de sugesto viraram o grande centro da encenao teatral. Ziembinski e Santa Rosa representam um marco, juntamente com Nelson, por serem os primeiros no Brasil a darem sentido ao que nos mostrado visualmente no palco.BIBLIOGRAFIAFRAGA, Eudynir. Nelson Rodrigues e o Expressionismo. Travessia - Revista de Literatura Brasileira n 28 - UFSC - Florianpolis, 1994.LIMA, Maringela Alves de Lima. Dramaturgia Expressionista. IN: O Expressionismo (org. Jac Guinsburg). Ed. Perspectiva, So Paulo, 2002.FERNANDES, Sylvia. A Encenao Teatral no Expressionismo. IN: O Expressionismo (org. Jac Guinsburg). Ed. Perspectiva, So Paulo, 2002.DRAGO, Niuxa Dias. O vis expressionista da cenografia de santa rosa: entre escadas e efeitos luminosos. O Percevejo Peridico do Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas PPGAC/UNIRIO v.4, n1 Rio de Janeiro, 2012.CASTRO, Ruy. O Anjo Pornogrfico. Cia. Das Letras, So Paulo, 1992.