inflação: menos dinheiro para o trabalhador mais lucro...

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CONT A-CORRENTE R A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 04, N° 48 - 15 de Setembro de 2014 Inflação: menos dinheiro para o trabalhador mais lucro para o patrão por Eric Gil Dantas A inflação voltou a ser um tema importante nas nossas vidas. As taxas de inflação já ultrapassam o que o governo define como o seu teto, que é de 6,5%. Em agosto o resultado foi de 6,51%. O tomate está mais caro, mas os alugueis e a educação também estão. No entanto, assim como todos os outros temas econômicos, este fenômeno se traveste de algo complexo, fazendo com que os trabalhadores não o entendam da forma necessária. O que é um índice de inflação? Quem define isto? Qual é o impacto da inflação em nossas vidas diretas? Será que tem jeito de a combatermos? Mas, afinal, quem ganha com as políticas que serviriam para combatê-la? Nas Jornadas de Junho os trabalhadores e a juventude deram um recado para os governos, e fizeram com que os preços dos transportes públicos não aumentassem. Ou seja, política e inflação são duas coisas intrinsecamente relacionadas. O Boletim Contra- Corrente do mês de agosto se debruça sobre estes questionamentos em torno do fenômeno para esclarecermos um pouco mais o que é a inflação e qual é o papel dos sindicatos e movimentos sociais para, de fato, combatê- las.

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CONT A-CORRENTERA análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais

Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 04, N° 48 - 15 de Setembro de 2014

Inflação: menos dinheiro para o trabalhador mais

lucro para o patrão

por Eric Gil Dantas

A i n f l a ç ã o voltou a ser um tema

importante nas nossas vidas. As taxas de inflação já ultrapassam o que o governo define como o seu teto, que é de 6,5%. Em agosto o resultado foi de 6,51%. O tomate está mais caro, mas os alugueis e a educação também estão.

No entanto, assim como todos os outros temas econômicos, este fenômeno se traveste de algo complexo, fazendo

com que os trabalhadores não o entendam da forma necessária. O que é um índice de inflação? Quem define isto? Qual é o impacto da inflação em nossas vidas diretas? Será que tem jeito de a combatermos? Mas, afinal, quem ganha com as políticas que serviriam para combatê-la?

Nas Jornadas de Junho os trabalhadores e a juventude deram um recado para os governos, e fizeram com que os preços dos

transportes públicos não aumentassem. Ou seja, política e inflação são duas coisas intrinsecamente relacionadas.

O Boletim Contra-Corrente do mês de agosto se debruça sobre estes questionamentos em torno do fenômeno para esclarecermos um pouco mais o que é a inflação e qual é o papel dos sindicatos e movimentos sociais para, de fato, combatê-las.

DIEESE faz a pesquisa apenas no município de São Paulo.

Mas o que um índice destes quer dizer? De janeiro até agosto deste ano, por exemplo, a inflação calculada pelo IBGE foi de 4,02%. Isto equivale a que a mesma nota de 20 reais em agosto só compraria o equivalente a 19 reais e 19 centavos em produtos em janeiro, ou equivalente a duas cebolas a menos no supermercado.

Um índice como este não refletirá a realidade de cada um, obviamente, pois é o próprio Instituto que escolhe uma combinação de produtos e serviços que eles acham ser o melhor reflexo de um cidadão comum.

Se um trabalhador gasta mais com transporte do que o IBGE diz ser o “normal” este sentirá mais o peso do seu aumento do que diz o IPCA, mesmo caso será se ele tiver algum problema de saúde na família, senso mais sensível ao aumento do conjunto dos preços de remédios. Mas vejamos na próxima página quanto cada produto aumentou nos últimos tempos.

Ano 04, N° 48 - 15 de Setembro de 2014 02CONT A-CORRENTER

Indo ao mercado, no dia-a-dia, o nosso dinheiro

parece estar valendo cada vez menos. Vamos com uma nota de 20 reais para comprarmos alguns poucos mantimentos e esta mesma cédula a cada nova visita traz menos e menos produtos. Esta tal de inflação não para de nos atormentar.

Lemos e vemos nos jornais e telejornais que a inflação voltou a ser um problema para os brasileiros. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou recentemente

o índice chamado de Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) que tenta mensurar quanto que a inflação pesou no bolso das pessoas no mês de março. Ele não é o único, o próprio instituto possui outros índices para mensurar a inflação, e nem sequer o IBGE é a única organização que calcula inflação em nosso país, vide o do DIEESE, que também divulga o seu próprio índice, o Índice de Custo de Vida (ICV). Em agosto, último resultado para ambos, o IPCA foi de 6,51% para os últimos

12 meses, enquanto que o ICV foi de 6,65%. Ou seja, índices diferentes, resultados diferentes.

Uma grande diferença entre ambos os índices de inflação é sua abrangência geográfica. Enquanto que o IBGE calcula este índice pesquisando preços em 13 regiões (as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador, Curitiba e Vitória, além do Distrito Federal e dos municípios de Goiânia e Campo Grande), o

O que é inflação e como é medidaVárias são as formas de mensurar a inflação, além disto, o IBGE não é o único responsável por criar estes índices

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A inflação deste mês já foi n o t i c i a d a

nos jornais, o aumento do IPCA para agosto foi de 0,25%, muito acima do que em julho (0,01%). Mas se considerarmos os 12 últimos meses este valor chegou a 6,51%. Como já dissemos isto não quer dizer que tudo subiu na mesma proporção, então vejamos o que mais está pesando em nossos bolsos. Vejamos no gráfico.

O maior aumentou em um ano se deu em despesas pessoais, seguido por habitação e educação.

“Alimentos e bebidas” também ficaram acima do que é a “taxa de inflação oficial”, 1,02% a mais para ser mais preciso.

O tomate, símbolo deste aumento absurdo dos preços, em 12 meses ficou 26,56% mais caro (nenhum salário de trabalhador resiste a este aumento), o alimento que mais subiu de preço dentre todos os que o IBGE pesquisa. Mas carnes (+16,93%) e frutas (+10,64%) não ficam para trás. Um importante componente deste aumento se deu com a entrada das chamadas commodities nas “bolsas de futuros”, onde os especuladores põe sacas de feijão, café, açúcar e outros alimentos na mesma lógica de especulação a que já faziam com as ações de empresas, aumentando seus preços para ganhar dinheiro na compra e venda das bolsas de valores.

Habitação, com aumento de 7,17% nos alugueis (um dos seus componentes), também se dá pela lógica do favorecimento à especulação imobiliária. Com programas tais como “Minha casa, Minha vida”, que favorece o empresário da construção, ao invés de quem precisa de habitação, fez com que houvesse uma crescente nos preços dos imóveis. É importante contrapormos ao modelo anterior, quando o governo era responsável pela construção das casas, o que fazia com que o preço destas não se elevassem para favorecer estes empresários.

Mas será que isto atinge igualmente os ricos

e os pobres? Os patrões e os trabalhadores? Quanto da sua renda o patrão gasta em comida e em habitação? Quanto um trabalhador gasta com estes mesmos dois itens? O salário do trabalhador é basicamente para isto, comer e morar, diferente dos empresários, que gastam com viagens, roupas da moda, educação e saúde privadas, e muitas outras coisas que o trabalhador sequer sonha.

Ainda percebam que um item que sempre tem aumento certo teve uma elevação menor do que quase todos, o do transporte. Mas sabia que ano passado a inflação dos transportes no Brasil foi de praticamente 0%? Vejamos na próxima página.

A inflação de agostoO tomate segue sendo um vilão, mas isto só mostra como o conjunto dos alimentos está ficando cada vez mais caro

Fonte: IBGE

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais.Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - [email protected] - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas.

Ano 04, N° 48 - 15 de Setembro de 2014 04CONT A-CORRENTER

EXPEDIENTE

A inflação e os protestos

O q u e a c o n t e c e q u a n d o

milhões de pessoas tomam as ruas para protestar? Enquanto que em 2012 o aumento do preço de ônibus urbano foi de 5,56%, e metrô de 3,39%, em 2013, por conta das grandes manifestações de junho, as Jornadas de Junho, os resultados foram de 0,02% e 0% respectivamente. Das 11 cidades que participam da pesquisa do IBGE, apenas Fortaleza (10%) e Curitiba (6,74%) tiveram aumentos nos preços dos ônibus urbanos, tendo as outras capitais revogado este aumento, ou mesmo diminuído o preço da passagem.

Isso deixa a lição de que os preços, em muitos casos, são decisões políticas. Os preços administrados – que são aqueles estabelecidos por contrato, por órgão público ou agência reguladora – compõe, aproximadamente, 24% da cesta total do IPCA. Eles são, diretamente, decisões do governo,

escolhendo se aumentará os preços da passagem de ônibus, da energia elétrica, da água etc. No Paraná, por exemplo, o aumento médio da energia elétrica que foi de 32,13% passou a vigorar no mês passado, esta foi uma decisão do governo do Paraná e da Agência Nacional de Energia Elétrica.

Mas não só isto, outras políticas como a de reforma agrária e os incentivos ao pequeno agricultor, em detrimento do agronegócio, podem baratear o preço dos alimentos, além de distribuição de renda.

O que os protestos podem, e sempre poderão,

é ajudar os trabalhadores a melhorarem suas condições de vida, no sentido de dizer aos governos que se deve olhar para o cumprimento das necessidades da população, e não para os altos lucros da burguesia brasileira.

A política de combate a inflação

Isto porque a burguesia sabe muito bem cobrar o governo que eles financiam (como podemos ver acentuadamente em época de eleições, com contribuições milionárias para as campanhas eleitorais). Qual é a única política do governo para combater a inflação?

Aumento de juros. Esta é a forma de aumentar a dívida pública e deixar ainda maior a taxa de lucro dos bancos no Brasil.

Quando o governo anuncia que irá aumentar a SELIC para combater a inflação, na verdade ele pagará mais juros dos títulos da dívida pública, enriquecendo os donos da dívida, aquele mesmo gasto que já toma mais de 40% do orçamento federal a cada ano, além de que sinaliza aos bancos que estes poderão aumentar ainda mais os juros cobrados em empréstimos, financiamentos e em outros serviços.

As Jornadas de Junho mostraram que os trabalhadores e a juventude podem frear a inflação