inflação brasileira: um diagnóstico sobre o atual momento

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INFLAÇÃO BRASILEIRA: UM DIAGNÓSTICO SOBRE O ATUAL MOMENTO Hugo Clapton Nogueira * Gildásio Santana Júnior** RESUMO Apesar da crise econômica mundial e do baixo dinamismo, a economia brasileira experimenta elevação dos índices de preços. A inflação é um dos fenômenos que afeta diretamente o poder de compra da moeda e desorganiza a lógica de preços relativos do sistema econômico. Logo, o controle da inflação torna-se uma das preocupações principais dos governos. A recente aceleração da inflação na economia brasileira recoloca em cena o debate sobre as causas do processo inflacionário e a condução da política econômica. Considerando estes aspectos, o objetivo deste trabalho foi de analisar as causas da inflação atual. A inflação seria proveniente de excesso de demanda, de custos, ou resultado da quebra da confiança na autoridade monetária? A hipótese de trabalho considera que a inflação atual tem como causa a elevação de custos. Para alcançar os objetivos propostos a metodologia utilizada lançou mão de revisão bibliográfica e análise comparativa. A revisão versou sobre o processo inflacionário no Brasil e a análise comparativa debruçou-se sobre matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, Valor Econômico, Estadão e no sítio da Carta Maior. Os resultados da investigação apontam que as categorias centrais do debate são: expectativas, índice de difusão de preços, choque de oferta e nível da atividade econômica. Observou-se que o governo tem utilizado de instrumentos heterodoxos de política monetária (postergação e contenção de reajustes de preços e desoneração fiscal) para conter a escalada da inflação e sem esta ajuda, a inflação estaria no patamar mais elevado. Percebe-se também que a inflação brasileira recente foi causada, sobretudo, por fatores climáticos e aumento de preços do grupo de serviços. O estouro do teto da meta do Banco Central teve o grupo da alimentação como principal vilão, pois, houve um choque agrícola na oferta de alimentos. Portanto, a inflação no Brasil, neste momento, se caracteriza como uma inflação de custos. No tocante ao noticiário econômico, por um lado aparece à defesa de adequar a política monetária às expectativas dos agentes, logo para o BC ser respeitado ele deve entregar a inflação mais próxima do centro da meta estabelecida (Celso Ming e Rolf Kuntz/ Estadão). Daí advoga-se aumentos da taxa Selic para a situação atual, independente do nível de atividade econômica. Por outro, há os defensores do não aumento da taxa Selic, considerando suas consequências negativas no nível de atividade econômica (Paulo Kliass/Carta Maior). Além desses, foi identificada uma terceira posição, dos que salientam que aumento na taxa Selic não produz efeitos na formação dos preços dos alimentos e dos serviços, grupos que mais pressionam a inflação brasileira na atualidade (Delfim Neto). O noticiário também explicita um lobby dos principais grupos financeiros para elevação da taxa SELIC, já que eles foram prejudicados com sua redução. Por fim, entende-se que, no momento, um aumento na taxa SELIC não conseguirá reverter à alta de preços de alimentos e serviços e contribuirá para deteriorar as contas públicas com aumento da dívida do governo e dificultar a retomada da atividade econômica. Palavras-Chave: Inflação; Custos; Choque agrícola; Impostos. * Discente do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e bolsista do Programa de Educação Tutorial em Ciências Econômica da UESB/MEC. ** Professor Adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Tutor do Programa de Educação Tutorial em Ciências Econômica da UESB/MEC.

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Page 1: inflação brasileira: um diagnóstico sobre o atual momento

INFLAÇÃO BRASILEIRA: UM DIAGNÓSTICO SOBRE O ATUAL MOMENTO

Hugo Clapton Nogueira * Gildásio Santana Júnior**

RESUMO Apesar da crise econômica mundial e do baixo dinamismo, a economia brasileira experimenta elevação dos índices de preços. A inflação é um dos fenômenos que afeta diretamente o poder de compra da moeda e desorganiza a lógica de preços relativos do sistema econômico. Logo, o controle da inflação torna-se uma das preocupações principais dos governos. A recente aceleração da inflação na economia brasileira recoloca em cena o debate sobre as causas do processo inflacionário e a condução da política econômica. Considerando estes aspectos, o objetivo deste trabalho foi de analisar as causas da inflação atual. A inflação seria proveniente de excesso de demanda, de custos, ou resultado da quebra da confiança na autoridade monetária? A hipótese de trabalho considera que a inflação atual tem como causa a elevação de custos. Para alcançar os objetivos propostos a metodologia utilizada lançou mão de revisão bibliográfica e análise comparativa. A revisão versou sobre o processo inflacionário no Brasil e a análise comparativa debruçou-se sobre matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, Valor Econômico, Estadão e no sítio da Carta Maior. Os resultados da investigação apontam que as categorias centrais do debate são: expectativas, índice de difusão de preços, choque de oferta e nível da atividade econômica. Observou-se que o governo tem utilizado de instrumentos heterodoxos de política monetária (postergação e contenção de reajustes de preços e desoneração fiscal) para conter a escalada da inflação e sem esta ajuda, a inflação estaria no patamar mais elevado. Percebe-se também que a inflação brasileira recente foi causada, sobretudo, por fatores climáticos e aumento de preços do grupo de serviços. O estouro do teto da meta do Banco Central teve o grupo da alimentação como principal vilão, pois, houve um choque agrícola na oferta de alimentos. Portanto, a inflação no Brasil, neste momento, se caracteriza como uma inflação de custos. No tocante ao noticiário econômico, por um lado aparece à defesa de adequar a política monetária às expectativas dos agentes, logo para o BC ser respeitado ele deve entregar a inflação mais próxima do centro da meta estabelecida (Celso Ming e Rolf Kuntz/ Estadão). Daí advoga-se aumentos da taxa Selic para a situação atual, independente do nível de atividade econômica. Por outro, há os defensores do não aumento da taxa Selic, considerando suas consequências negativas no nível de atividade econômica (Paulo Kliass/Carta Maior). Além desses, foi identificada uma terceira posição, dos que salientam que aumento na taxa Selic não produz efeitos na formação dos preços dos alimentos e dos serviços, grupos que mais pressionam a inflação brasileira na atualidade (Delfim Neto). O noticiário também explicita um lobby dos principais grupos financeiros para elevação da taxa SELIC, já que eles foram prejudicados com sua redução. Por fim, entende-se que, no momento, um aumento na taxa SELIC não conseguirá reverter à alta de preços de alimentos e serviços e contribuirá para deteriorar as contas públicas com aumento da dívida do governo e dificultar a retomada da atividade econômica.

Palavras-Chave: Inflação; Custos; Choque agrícola; Impostos.

* Discente do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e bolsista do Programa de Educação Tutorial em Ciências Econômica da UESB/MEC. ** Professor Adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Tutor do Programa de Educação Tutorial em Ciências Econômica da UESB/MEC.

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1INFLAÇÃO BRASILEIRA: UM DIAGNÓSTICO SOBRE O ATUAL MOMENTO

1. INTRODUÇÃO

No que pese o baixo dinamismo da economia brasileira, o Brasil experimenta elevação dos

índices de preços. Considera-se a inflação como um aumento persistente dos preços em geral,

de que resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da moeda. A inflação, sem dúvida, é

um dos fenômenos que mais incomoda os agentes econômicos por causa das distorções que a

mesma produz, causando perda de qualidade de vida, e, sobretudo, por desorganizar o sistema

de preços relativos na economia. Portanto, é de suma importância os governos estarem atentos

ao controle da inflação, pois, caso contrário, pode causar obstáculos à dinâmica econômica

com reflexos de toda ordem.

O Brasil já experimentou diversas conjunturas com índices de inflação elevados. Pode-se

afirmar que a população tem uma memória recente de hiperinflações, como no período do II

Plano Nacional de desenvolvimento (PND) em que a inflação ultrapassou os três dígitos e no

Governo Sarney no qual chegou a atingir 1782,8% a.a.. Então, pode-se verificar que a

inflação é um fenômeno com o qual a população brasileira convive há muito tempo, apesar da

recente estabilização com a chegada do Plano Real, em 1994. Pode-se afirmar que rumores de

descontrole da inflação causam desconforto geral, tanto para a população, quanto para os

mercados e coloca em cheque a credibilidade do governo.

Períodos de aceleração da inflação geram um acirrado debate entre monetaristas e

estruturalistas2, principalmente no tocante às políticas de controle da inflação. Apesar de

caminhos distintos, os dois grupos debitam ao governo a responsabilidade pela manutenção

ou estancamento do processo inflacionário e têm como norte uma estabilização da economia.

A recente aceleração da inflação na economia brasileira recoloca em cena o debate sobre as

causas do processo inflacionário e a condução da política econômica em terras Brasilis. E

com o regime de metas de inflação adotado a partir de 1999, este debate fica mais intenso a

cada reunião do Comitê de Política Econômica (COPOM)3 do Banco Central. Nesses

encontros os rumos da taxa básica de juros da economia brasileira (taxa Selic) são decididos;

2 Além dos monetaristas e dos estruturalistas, há autores de posição mais crítica no espectro da teoria econômica que defendem que a inflação é ocasionada pelo conflito distributivo lucro/salário. Por exemplo, João Sayad. No entanto, não utilizaremos tal argumentação por fugir ao escopo do trabalho. 3 O Conselho de Política Monetária (Copom), formado pelo presidente e diretores do Banco Central (BC).

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são momentos cruciais nos quais o confronto entre os aportes teóricos (ortodoxos versus

heterodoxos) e os interesses setoriais (setor produtivo versus setor financeiro) disputam com

veemência os holofotes tentando justificar suas posições e interferir na decisão do COPOM.

O objetivo deste artigo é analisar as causas da inflação atual e especificamente identificar

como tal debate aparece no noticiário econômico. Percebe-se que há uma diversidade de

opiniões, sendo que alguns grupos utilizam a mídia para se beneficiar, convencendo de que

somente a adoção de certa posição pelo COPOM seria interessante para nação brasileira

naquele momento. A problemática que guia a investigação é a seguinte: a inflação brasileira atual

seria proveniente de excesso de demanda, de custos, ou resultado da quebra da confiança na

autoridade monetária? A hipótese de trabalho considera que em vista da quebra da safra de

alimentos e desvalorização na taxa de câmbio a inflação atual é caracterizada como uma

inflação de custos.

Para alcançar os objetivos propostos utilizou-se de revisão bibliográfica e análise

comparativa. A revisão versou sobre o processo inflacionário no Brasil e a análise

comparativa debruçou-se sobre matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, Valor

Econômico, Estadão e nas revistas da Carta Maior e da Carta Capital. Os textos analisados

concentraram-se no período anterior a reunião do Copom de abril. Buscou-se perceber a

inclinação que as matérias assumiam e as categorias contidas em cada texto analisado.

No jornal Folha de São Paulo/ portal uol foram analisadas as reportagens de Pedro soares,

Braúlio /borges, Anderson Figo, Mariana Carneiro/ Érica Fraga, Gustavo Patú, Renata

Agostini/ Caroline Oms e Lucas Vitorazzo. As análise concentraram-se entre 10 e 11 de abril

do corrente.

No Valor Econômico, na sua versão eletrônica, analisou uma matéria e as reportagens de

Juliana Elias publicadas no dia 10 de abril. Além da reportagem de Lucinda Pinto de 11 de

abril. Também foram analisadas no Valor duas reportagens da seção Casa das Caldeiras,

assinadas por Angela Bittencourt e Leandra Peres. No sítio do jornal Estadão foram

analisados 3 artigos de José Paulo Kupfer (publicados nos dias 5, 9 e 11 de abril), 2 artigos de

Rolf Kuntz (6 e de abril), um artigo do colunista Celso Ming, publicado em 10 de abril de

2013. Da revista Carta Capital, versão eletrônica, foi analisado um artigo de Delfim Neto de

Abril. Por fim foi analisado um artigo de Paulo Kliass, publicado no dia 18 de abril no sítio da

revista Carta Maior.

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O texto está organizado em 3 partes além desta introdução. Na seção seguinte efetua-se um

relato histórico da inflação no passado recente na economia brasileira. A partir do Governo de

Castelo Branco até o estabelecimento da política de metas de inflação em 1999, coloca os

elementos e características de cada período. Aqui explicitamos a explicação monetarista,

estruturalista e de conflito distributivo para entendimento e combate da inflação. Na seção 2,

discorre sobre a conjuntura atual inflacionária, abordando os índices e causas da aceleração do

fenômeno na atualidade, as ações do governo e o debate travado na mídia em torno das causas

e rumos que a política financeira deve tomar. Na sequência, correlaciona o IPCA com

algumas variáveis econômicas importantes. Por fim, a última seção é consagrada às

considerações finais.

1. PERÍODOS INFLACIONÁRIOS RECENTES NO BRASIL E AS

INTERPRETAÇÕES DAS CORRENTES TEÓRICAS

No governo de Castelo Branco (1964-1967), o combate à inflação foi uma de suas políticas

centrais. Sendo adotada uma série de medidas, no final o Plano de Ação Econômica do

Governo (PAEG) foi bem sucedido no combate à inflação, tendo passado de 94%, em 1964,

para 34% e 39%, em 1965 e 1966, respectivamente.

Em 1968 até 1973, período do milagre econômico brasileiro, houve um crescimento médio de

11% a.a., neste período houve uma mudança no diagnóstico da inflação, em que deixa de ser

causada por fatores de demanda e passa a ser associada a fatores de custos. Neste período foi

possível obter crescimento econômico sem haver crescimento inflacionário.

No II PND, 1974 até 1978, aspirava-se o controle inflacionário, afetado pela elevação dos

preços do petróleo e seus derivados, ao longo desse plano a inflação apresentou valores entre

30% e 40% a.a..

Durante o governo Figueiredo (1979-1985), a inflação beirou os 80% a.a. A política

econômica aplicada no Brasil seguiu os preceitos dos monetaristas. A compreensão da

corrente monetarista sobre o sistema econômico advoga um equilíbrio entre oferta (nível de

produção física) e demanda (velocidade renda da moeda) na economia. Dessa forma, a moeda

(estoque de moeda) seria um intermediário das transações. A partir dessa equação, a teoria

monetarista aponta as causas do processo inflacionário.

Segundo os monetaristas, o índice de preços depende do nível de produção física, da velocidade-renda da moeda e do estoque nominal de moeda. Como os dois primeiros (oferta e demanda) mudam de forma estável no mercado livre, os movimentos do índice geral de preços refletiriam unicamente os movimentos do estoque de moeda, determinados pela política econômica.

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(Sandroni, 1985, p. 208)

Logo, a inflação seria um sintoma de desequilíbrio, de que algo não estaria funcionando bem.

A causa desse mau funcionamento seria uma interferência (indevida) no livre curso do

mercado, geralmente provocado por intervenção do Estado.

Para os monetaristas, o sistema econômico funcionaria de acordo com as proposições da Lei

Say, ou seja, toda oferta cria sua demanda e a moeda age como um intermediário das

transações. A solução monetarista para resolver o problema da inflação seria uma adequação

da quantidade de moeda em circulação na economia, pois as outras variáveis, em decorrência

daquela providência, ajustar-se-iam caminhando para um novo ponto de equilíbrio.

A principal decorrência dessa formulação é apontar o governo como principal responsável

pela inflação. Pois, caso o governo fosse um guardião competente da moeda, insensível a

apelos politiqueiros e eleitoreiros, regularia adequadamente a quantidade de moeda na

economia e não teríamos inflação.

Os planos de gastos do governo, excessivos em relação à capacidade de tributação e endividamento do Tesouro Nacional, devidos a créditos subsidiados, ou uma política econômica incompetente (por exemplo, taxas de juros abaixo do nível de equilíbrio), fariam com que se expandissem os meios de pagamentos para coibir esses gastos. Como não haveria aumentos equivalentes no produto real ou na velocidade com que a moeda circula, os preços subiriam.

O combate à inflação deveria respeitar a "espontaneidade" do mercado (aumentando o desemprego se necessário) para procurar reverter as expectativas inflacionárias. Seria necessário emitir títulos, aumentar os impostos e, sobretudo, neutralizar a ação dos mecanismos de reajustes, espontâneos ou não, de preços, salários, câmbio e taxa de juros” (Sandroni, 1985, p. 209).

No governo da Nova República (1985-1989), o país experimentou políticas de cunho

estruturalista/heterodoxas, quando da vigência dos Planos Cruzado, Bresser e Verão.

Os estruturalistas lembram o impacto inflacionário do aumento de salários, do custo de certos insumos, da indexação dos preços de certos produtos ao custo de produção, da estagnação da produtividade de bens de consumo etc. Para combater a inflação, o governo deveria intervir diretamente nos reajustes de preços, salários, câmbio e juros, para eliminar o poder de barganha dos agentes econômicos-sociais ‘inflacionantes’ (por exemplo, as grandes empresas e os sindicatos) (Sandroni, 1985, p. 208).

Mas tais políticas não lograram êxito, tanto que no último mês do governo Sarney,

fevereiro/1990, a inflação registrou 84%. Os diversos fracassos acumulados na tentativa de

controlar tais índices denotavam a gravidade do problema.

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Em 1990 até 1992 houve o Plano Collor I, um plano anti-inflacionário em que ocorreu

bloqueio dos ativos financeiros, trazendo grandes transtornos para a população. Conseguindo

reduzi-la no mês de março de 1990 de 80% para 7,6% em maio de 1990. Porém, nesse

período, a inflação flutuava e atingiu patamares de 25% ao mês. No início do Plano Real

houve forte redução dos índices inflacionários, declinando de 47,43%, em junho de 1994,

para 1,53%, em setembro do ano corrente.

O Plano Real, diferentemente dos planos anteriores, foi eficiente em reduzir a inflação. Segundo dados do IPCA/IBGE, o crescimento dos níveis de preços em 1993, último ano antes da adoção do Real, foi de 2.447,15%. No ano seguinte, 1994, quando foi inaugurado o Plano Real (no segundo semestre), a inflação foi de 916,46%. Por fim, nos anos seguintes do Plano, 1995, 1996, 1997 e 1998, a inflação foi de, respectivamente, 22,41; 9,56; 5,22 e 1,66% (SOARES, 2011, p. 153).

A partir do ano de 1999 é iniciada a adoção do regime de metas para a inflação que o IPEA

conceitua da seguinte forma

A versão contemporânea da meta de inflação (inflation targeting) surgiu em 1990, na Nova Zelândia, e ganhou notoriedade dois anos depois, quando a Grã Bretanha a utilizou como uma alternativa para abandonar o sistema cambial europeu, mantendo a libra esterlina fora da zona do euro. O sistema também é adotado por Canadá, Suécia, Finlândia, Espanha, Coréia do Sul, África do Sul, Egito, Austrália, Israel, Chile, Colômbia e México. A solução típica para cumprir a meta, inclusive no caso brasileiro, é usar a taxa de juros. Por norma legal, se a meta não for atingida, o presidente do BC é obrigado a divulgar uma carta aberta dando os motivos do descumprimento. Isso já ocorreu algumas vezes.

Flávio Fligenspan (2013) conceitua da seguinte maneira.

Ele se constrói sobre três pilares: primeiro, uma meta de inflação a ser atingida no ano calendário, com intervalo de tolerância (banda) para mais ou para menos; segundo, uma meta de superávit primário das contas públicas, para dar credibilidade ao sistema e pagar pelo menos parte da conta anual de juros, permitindo a redução do montante da dívida em relação ao PIB; e terceiro, uma taxa de câmbio flutuante, diferente do que vigorou nos primeiros anos do real, quando o Governo manipulava explicitamente a taxa no sentido de tornar as importações muito baratas – era o tempo da chamada “âncora cambial”.

A meta de inflação no Brasil é estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e mensurada

pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA). Atualmente a meta é de 4,5%, podendo

variar dois pontos para cima ou para baixo. Cabe o COPOM a cada 45 dias, mediante a

análise da economia brasileira, tomar a decisão no sentido de orientar o Banco Central (BC) a

aumentar, diminuir ou manter neutra a taxa Selic, sendo que as decisões são expostas e

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esclarecidas mediante a ata do COPOM gerada em todas as suas reuniões e disponibilizada

oito dias após cada reunião do Comitê.

Portanto, o BC órgão regulador da oferta de moeda no mercado toma suas decisões baseadas

no seu objetivo central: conter a inflação, sendo que o instrumento clássico para isto é a

elevação dos juros4.

2. INFLAÇÃO NA CONJUNTURA ATUAL O IPCA mede a variação nos preços de produtos e serviços consumidos pelas famílias com

rendas entre 1 e 40 salários mínimos. O período de coleta de preços vai do primeiro ao último

dia do mês corrente. O índice é composto por nove grupos de produtos e serviços:

alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde/cuidados

pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação. O comportamento do índice desde

janeiro de 2012 variou conforme quadro abaixo

Quadro 1 - Variação do IPCA 2012 e 2013 em % Mês/ano Índice do mês no ano últimos 12 meses Abr/2013 0,55 2,5027 6,4933 Mar/2013 0,47 1,9420 6,5887 Fev/2013 0,60 1,4652 6,3128 Jan/2013 0,86 0,8600 6,1543 Dez/2012 0,79 5,8386 5,8386 Nov/2012 0,60 5,0090 5,5340 Out/2012 0,59 4,3826 5,4500 Set/2012 0,57 3,7705 5,2824 Ago/2012 0,41 3,1823 5,2405 Jul/2012 0,43 2,7610 5,1986 Jun/2012 0,08 2,3210 4,9157 Mai/2012 0,36 2,2392 4,9892 Abr/2012 0,64 1,8725 5,1042 Mar/2012 0,21 1,2246 5,2399 Fev/2012 0,45 1,0125 5,8491 Jan/2012 0,56 0,5600 6,2178

Fonte: IBGE

Pode observar que janeiro a junho de 2012, a trajetória do IPCA é de queda, chegando a quase

variação nula (0,08%). A partir de julho de 2012 o índice começa aumentar a taxas crescentes, 4 O grande complicador da utilização dos aumentos da taxa de juro para combater a inflação é o aumento da dívida pública, pois parte considerável desta dívida tem como referência a taxa Selic. Neste sentido, o aumento dos juros compromete as finanças do Estado. Conforme Fattorelli; Ávila (2012, p.2) “O valor destinado à Dívida Pública corresponde a 47,19% de todo o orçamento [...]”.

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chegando ao pico de 0,86% no mês de janeiro de 2013. Em março de 2013, o Brasil viu o

IPCA acumulado de 12 meses estourar a meta estabelecida pelo Banco Central, cravando a

marca de 6,59%. No que pese o percentual ter caído em março de 2013 e atingindo a casa de

0,47%, contrariando as expectativas do mercado, voltou a subir em abril para o patamar de

0,55%, ficando muito próximo de romper a meta novamente. Caso o índice de maio de 2003

seja superior a casa de 0,36% a meta será superada novamente.

No regime de meta de inflação, quando o valor supera as metas estabelecidas o Banco Central perde credibilidade e a política monetária fica em cheque.

Quadro 2 - Histórico das taxas de juros fixadas pelo Copom

Reunião Meta SELIC % a.a.

nº data viés

174ª 17/04/2013 7,50 173ª 06/03/2013 7,25 172ª 16/01/2013 7,25 171ª 28/11/2012 7,25 170ª 10/10/2012 7,25 169ª 29/08/2012 7,50 168ª 11/07/2012 8,00 167ª 30/05/2012 8,50 166ª 18/04/2012 9,00 165ª 07/03/2012 9,75 164ª

18/01/2012 10,50 Fonte: Ministério da Fazenda

No quadro sobre o histórico das taxas de juros observamos que de janeiro a outubro de 2012,

por sete reuniões consecutivas do COPOM, os juros foram reduzidos, saindo do patamar de

10,5% a.a., até chegar à casa de 7,25%a.a. Daí até a reunião de março de 2013, a taxa foi

conservada nos mesmos 7,25%. Em função da alta inflacionária no primeiro trimestre de

2013, na reunião de abril a taxa voltou a subir chegando à casa de 7,5% a.a. Por fim,

explicitamos a taxa de crescimento do PIB trimestral.

Quadro 3 - PIB trimestral 2012 a 2013% Período Variação % do PIB

I Trimestre 2012 0,1 II Trimestre 2012 0,2 III Trimestre 2012 0,6 IV Trimestre 2012 0,6 I Trimestre 2013 1,04

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ministério da Fazenda

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No gráfico abaixo visualizamos conjuntamente a variação do IPCA, da SELIC e do

PIB trimestral 2012 e 2013.

Gráfico 1 - Variação do IPCA, SELIC e PIB trimestral %

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ministério da Fazenda

2.1 - POSSÍVEIS CAUSAS DA INFLAÇÃO

Quais as causas da inflação no momento atual da economia brasileira? A resposta a

esta pergunta sempre será dada de acordo o viés teórico de quem responde a indagação. E

lendo o noticiário econômico qual resposta pode-se encontrar?

A alta dos preços obteve uma forte repercussão na mídia, principalmente nos veículos

mais especializados no noticiário econômico. Ao observar as manchetes abaixo, verifica-se

que o noticiário econômico carregou nas tintas e tratou o repique inflacionário como uma

situação desesperadora e que tendia a fugir do controle e prestes a contaminar todo tecido

econômico. Nota-se um tom alarmista.

“Inflação entre janeiro e março é incompatível com teto da meta para 2013”; “Mesmo com

inflação abaixo do esperado mercado aposta em alta da Selic este mês”; “Inflação alta e

incerteza em relação aos juros criam instabilidade, diz CNI”; “Ex-diretor do BC defende alta

dos juros para controlar inflação”; “Mercado de juros aumenta aposta em alta da Selic em

abril”; “Governo aceita inflação acima da meta, diz economista”; “Inflação desacelera, mas

dinâmica de alta persiste”; “Da Ilha da Fantasia à Ilha do Tesouro”; “Teto perfurado”; “Sem

governo, inflação estaria acima da meta desde julho, diz analista”.

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

IPCA SELIC PIB (%Trimestral)

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10

Por outro lado, algumas reportagens demonstravam o esforço do governo em afirmar

que a situação estava controlada e a inflação efetivamente contida:

“Difusão mais baixa no IPCA dá alívio para o Copom, diz Fator”; “IPCA deve fechar o ano

abaixo do teto da meta, aposta Fazenda”; “Inflação está menos disseminada e BC não vai

subir juros, diz economista”; “Planalto dobra aposta em melhora da economia no 2º

semestre”; “Inflação deve cair ao longo do ano, acreditam analistas”.

No tocante ao noticiário econômico, por um lado aparece à defesa de adequar a

política monetária às expectativas dos agentes, logo para o BC ser respeitado ele deve

entregar a inflação mais próxima do centro da meta estabelecida (Celso Ming e Rolf Kuntz/

Estadão). Daí advoga-se aumentos da taxa Selic para a situação atual, independente do nível

de atividade econômica.

Por outro, há os defensores do não aumento da taxa Selic, considerando suas

consequências negativas no nível de atividade econômica (Paulo Kliass/Carta Maior). Além

desses, foi identificada uma terceira posição, dos que salientam que aumento na taxa Selic não

produz efeitos na formação dos preços dos alimentos e dos serviços, grupos que mais

pressionam a inflação brasileira na atualidade (Delfim Neto).

O noticiário também explicita um lobby dos principais grupos financeiros para

elevação da taxa SELIC, já que eles foram prejudicados com sua redução. Por fim, entende-se

que, no momento, um aumento na taxa SELIC não conseguirá reverter à alta de preços de

alimentos e serviços e contribuirá para deteriorar as contas públicas com aumento da dívida

do governo e dificultar a retomada da atividade econômica.

2.1.1 O grupo alimentação e bebidas

O grupo alimentação e bebidas acumulou alta expressiva nos últimos 12 meses. Variou

de 7,3 em junho de 2012 para 13,5% em março do corrente ano. No quadro abaixo

percebemos a variação percentual dos preços em março no primeiro trimestre de 2013 e no

acumulado dos últimos 12 meses encerrado em março.

Page 11: inflação brasileira: um diagnóstico sobre o atual momento

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Quadro 4 - Evolução dos preços dos alimentos em % PRODUTO Março Ano 12 meses PRODUTO Março Ano 12 meses

Cebola 21,43 54,88 76,46 Hortaliças 2,46 20,71 25,45 Açaí (emulsão) 18,31 55,66 40,58 Macarrão 1,94 6,12 10,25 Cenoura 14,96 53,3 50,67 Feijão-preto 1,83 4,72 24,79 Feijão-carioca 9,08 22,85 26,47 Biscoito 1,8 4,46 8,8 Batata inglesa 6,14 38,11 97,29 Pescados 1,78 4,9 8,51 Tomate 6,14 60,9 122,13 Leite longa vida 1,76 2,49 8,81 Alho 5,77 2,5 53,13 Leite em pó 1,63 2,78 12,71 Ovo 5,68 12,13 29,75 Creme de leite 1,54 -1,89 8,17 Farinha de mandioca

5,11 35,18 151,39 Refrigerante fora 1,4 3,9 11,63

Farinha de trigo 4,6 12,02 22,13 Queijo 0,92 3,01 8,53 Pão de forma 4,54 9,21 19,22 Refeição 0,89 2,68 8,88 Frutas 4,51 7,86 11,66 Carnes

industrializadas 0,75 2,59 15,47

Pão doce 2,63 4,29 11,61 Pão francês 0,69 3,87 15,3 Fonte: IBGE

O gráfico abaixo apresenta os produtos com aumentos de preços expressivos nos últimos 12

meses

Gráfico 2 - Alimentos com maiores altas em % 2012/2013

Elaboração própria com base nos dados do IBGE

Pode-se observar que as variações estão bem acima da média de preços e alguns casos se

constatou altas espetaculares como o gráfico acima demonstra. Excluindo o grupo

alimentação, ou se o comportamento de preços deste seguimento fosse estável, o IPCA teria

passado de alta de 4,2% em junho para 4,5% em março de 2013. A boa notícia é que as

expectativas são alvissareiras para este grupo. Os analistas estimam que a tendência é de

queda em função da entrada da safra, o que normalizara a oferta.

2.1.2 Taxa de câmbio

Outro fator que pesou na elevação dos preços foi a depreciação cambial do R$/US$,

pois no ano de 2012 houve uma forte desvalorização, haja visto o dólar americano em janeiro

020406080

100120140160

Março Ano 12 meses

Farinha de mandioca

Tomate

Batata inglesa

Cebola

Alho

Cenoura

Feijão-carioca

Page 12: inflação brasileira: um diagnóstico sobre o atual momento

12

custava R$1,7391 e encerra o ano valendo R$2,0435. Com a desvalorização do câmbio, os

agentes econômicos internos se veem obrigados a importar a preços mais altos a mesma

mercadoria, porque o real está desvalorizado. Essa medida foi tomada pelo governo para o

fortalecimento da indústria nacional, com o objetivo de fomentar maior competitividade e

aumentar seus níveis de exportação. Entretanto, essa medida interfere diretamente nos preços,

já que haverá uma oferta menor de produtos no mercado, portanto, aumento dos preços. Ou

seja, neste momento, o produtor estabelece preços mais elevados (aumentando o excedente do

produtor) obrigando o consumidor a comprá-los, por não ter muitas opções ou elevada oferta

de produtos (diminuindo o excedente do consumidor). Percebe-se que o aumento do

excedente do produtor é em detrimento do excedente do consumidor, como foi visto na figura

1 - Ganho dos produtores em períodos inflacionários. O BACEN (2013, p. 85) afirma

“Considerando a taxa média de câmbio, a depreciação foi de 16,7% em 2012 em relação

2011”.

Gráfico 3: Taxa de câmbio brasileira em 2012/2013* (R$/US$)

Fonte: BACEN. *Refere-se até o mês de abril de 2013.

2.1.3 - Crédito e Produção

A concessão de crédito rural no período de 2012 foi maior que no período de 2011,

tendo alcançado R$77 bilhões e R$69 bilhões, respectivamente. Portanto, percebe-se o

esforço das autoridades governamentais na concessão de aumentar a oferta de crédito para que

a produção seja financiada e evoluída, sobretudo, tentando minimizar os efeitos da seca.

00,5

11,5

22,5

R$/U

s$

jan/12

fev/12

mar/12

abr/12

mai/12

jun/12

jul/12

ago/12

set/12

out/12

nov/12

dez/12

jan/13

fev/13

mar/13

abr/13

TAXA 1,88 1,74 1,72 1,82 1,89 2,04 2,02 2,04 2,04 2,03 2,03 2,11 2,04 1,98 1,98 2,02

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13

Tabela 1: Desembolso de Custeio, Investimento e Comercialização - Agrícola – 2010/2011 2011/2012

AÇÕES/ANO 2011 2012 Custeio (1) 29.863.787,26 (43,26%) 35.909.412,79 (46,58%)

Investimento (2) 10.815.443,19 (15,67%) 17.778.814,77 (23,07%)

Comercialização (3) 13.016.402,10 (18,86%) 13.373.929,17 (17,35%)

Créditos especiais e Cooperativas (4) 15.332.798,67 (22,21%) 10.022.062,58 (13%)

TOTAL (1+2+3+4) 69.028.431,23 (100%) 77.084.219,31 (100%) Fonte: BACEN apud Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Todavia, no período de 2011/2012, houve uma produção menor de alimentos, contribuindo

para a menor oferta e aumento dos preços, já que as necessidades sociais, ano após ano,

aumentam devido ao aumento da população mundial, pelo fato de ser um país agroexportador,

toda a população mundial demanda alimentos brasileiros. Contudo, o problema da escassez de

alimentos deve ser amenizado, visto que, neste ano, a previsão de safra será de 181,3 milhões

de toneladas, batendo novo recorde.

Gráfico 4: Produção de grãos no Brasil - período de 2010/2013* (em milhões de toneladas)

Fonte: IBGE * A produção do ano de 2013 é uma estimativa.

2.2 – Ações do governo

Diante desse quadro o governo agiu no sentido de conter uma elevação maior dos índices

inflacionários. Suas ações concentraram em postergar alguns aumentos e desonerar alguns

produtos de impostos.

Em reportagem de Mariana Carneiro e Érica Fraga, do jornal folha de São Paulo, o

economista Fernando Guenta, da consultoria MCM, afirma que se o governo não tivesse

agido nos setores de móveis, eletrodomésticos, gasolina, álcool e energia elétrica estariam

com preços bem acima, o que contribuiria para índices maiores. O que parece ser uma ação

acertada do governo é questionada pelo economista por considerar que tal ação tem efeito

temporário. Nesta mesma reportagem o economista José Márcio de Camargo, professor da

162,8 161,9

181,3

150

160

170

180

190

2010/2011 2011/2012 2012/2013

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PUC-Rio e sócio da Opus Investimentos, aponta similar tendência e corrobora com a tese de

Guenta afirmando que, “as medidas reduziram o índice que mede a inflação, mas não

mexeram em nada na inflação em si, que é uma tendência de alta generalizada de preços".

Além das desonerações, o governo vem agindo no sentido de postergar aumentos, como fez

no início do ano que solicitou das prefeituras do Rio de Janeiro e São Paulo a postergação das

majorações dos preços das passagens de coletivos. As afirmações dos economistas são

sintetizadas no gráfico abaixo

Gráfico 5- Efeito da ação do governo na inflação recente

Há o argumento de que as medidas tomadas só foram úteis para reduzir as estatísticas,

entretanto a essência do problema inflacionário permanece, ou seja, as medidas tomadas

foram paliativas.

Sendo necessário um aperto monetário, para que seja restaurada a credibilidade do BACEN,

advogando que o problema do fenômeno inflacionário no Brasil é do lado da oferta.

Corroborando com esta tese Kuntz, colunista do Estadão, critica de maneira categórica o

COPOM pela decisão de manter as taxas de juros inalteradas na reunião de março de 2013.

De toda forma, os responsáveis nominais pela política monetária agiram por longo tempo como se nada preocupante ocorresse nos mercados. Isso reforçou a suspeita, para dizer o mínimo, de serem outros os responsáveis reais. Como pensar de outra forma, quando se apresenta o corte de juros como conquista política e quando o Executivo interfere

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repetidamente na formação de preços – da gasolina, da eletricidade e de tantos bens de consumo?

A mais recente façanha desse tipo foi a redução da conta de energia elétrica. Não se pode atribuir o barateamento da eletricidade a um aumento da oferta ou a uma elevação da produtividade do setor. Todo o efeito foi produzido por uma decisão fiscal tomada no Palácio do Planalto. O resultado começou a aparecer há algumas semanas e já foi bem visível no IPCA-15, divulgado em 22 de fevereiro, e no Índice de Preços ao Consumidor da Fipe-USP, publicado nesta segunda-feira.

No sentido contrário destas interpretações Paulo Kliass, na Carta Maior, afirma

O fenômeno inflacionário, no entanto, é muito mais complexo do que uma simples elevação na SELIC possa resolver. E ainda mais em uma realidade como a brasileira, onde o histórico de taxas bastante elevadas de inflação (anteriores ao Plano Real, de 1994) e os recordes catastróficos de taxa real de juros (pós Plano Real) comprometem de forma substantiva aquilo que o economês chama de “eficácia da política monetária no combate à inflação”. Se por acaso o governo estiver mesmo convencido da tese (equivocada, diga-se de passagem) de que o problema atual da subida dos preços está associado a um excesso de demanda agregada no conjunto da sociedade, então que lance mão de outros instrumentos para conter esse suposto sobre-consumo. Já escrevi a respeito de alternativas como, por exemplo, o depósito compulsório, instrumento presente em qualquer manual básico de macroeconomia. Mas o financismo morre de medo dessa medida e, espertamente, esquece de mencioná-la como alternativa à elevação da taxa de juros. Afinal, deixaria de ser aquinhoado com a transferência graciosa de recursos bilionários do orçamento federal

Ou seja, há o apoio, em determinados setores, das medidas recentes tomadas pelo governo

afirmando que o Estado deve buscar medidas alternativas a majoração da taxa de juros, em

função dos efeitos colaterais que juros altos provocam na economia brasileira.

Delfim Netto, em 6 de abril de 2013, na Revista Carta Capital, sai em defesa da decisão do

COPOM de março e diz

Ninguém sabe se agora é o momento apropriado para mexer nos juros nem quando será. A ata da mais recente reunião do Copom fala de incertezas “remanescentes” e recomenda explicitamente a administração “com cautela” da política monetária. Acredito que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tenha razões muito seguras para também pedir cautela no trato da questão dos juros. Na verdade, usa-se mais uma vez o axioma do também famoso economista Brainard, que diz o seguinte: “Quando você não sabe muito bem o que está fazendo, por favor, faça devagar”!

O grau de incertezas está refletido no parágrafo 28 da referida ata: “Embora a dinâmica inflacionária possa não representar um fenômeno temporário, mas uma eventual acomodação da inflação em patamar mais elevado, o Comitê pondera que incertezas remanescentes (de origem externa e interna) cercam o cenário prospectivo e recomendam que a política monetária deva ser administrada com cautela”.

O Banco Central tem razão ao recomendar cautela e notar a existência de muita incerteza. Há mais incertezas ainda capazes, se verificadas, de levar a

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uma redução da taxa de inflação e não a pressões de alta. É uma constatação evidente de que o aumento da safra agrícola, hoje em fase de colheita, terá consequências importantes no combate à inflação. No momento sofremos ainda os efeitos do choque de oferta produzido pela queda da produção agrícola no ano passado, a ser corrigida provavelmente com a maior oferta da safra 2012-2013.

Delfim chama atenção para complexidade da economia brasileira e alerta que

O grande drama disso é aceitar o cabo de guerra com os [rentistas]. Caso ceda e comece a corrigir os juros já, quando se verificarem [as medidas econômicas adotadas], todos sem relação com a alta dos juros, as pessoas dirão: “Está vendo, foi porque subiu o juro que a inflação baixou”. Será uma mistificação a mais nesse processo.

Com base no que foi apresentado podemos constatar que a inflação no Brasil está em alta.

Mas qual a correlação do IPCA com alguns dos seus determinantes e outras variáveis sínteses

da economia brasileira? Tratar-se-á destes aspectos a seguir.

3 – A INFLUÊNCIA DE DETERMINADAS CATEGORIAS NO IPCA

Abaixo tem-se uma comparação de variáveis que impulsionam a demanda e os custos, as que

mais pesarem e determinarem a tendência do IPCA serão as responsáveis pelo fenômeno, ou

seja, se os fatores da demanda possuírem mais correlação com o IPCA, a inflação será de

demanda. E se os fatores que compõem os custos possuírem maior correlação com o resultado

do IPCA, a inflação será caracterizada como inflação de custos.

Gráfico 6: Comparação dos fatores que afetam a demanda com o IPCA

Fonte: IBGE e BACEN

Neste gráfico foram comparados os principais fatores de demanda que afetam a inflação,

verificando durante os últimos cinco anos as principais variáveis que determinaram a

tendência do IPCA.

Percebe-se que a Taxa Básica de Juros (SELIC) acompanha os movimentos do IPCA,

entretanto, ela deve apresentar movimento inverso, ou seja, quando a taxa desce a inflação

-6-4-202468

10

2008 2009 2010 2011 2012

Δ Consumo das famílias %

Δ Consumo dos Governo %

Δ da oferta de Crédito %

Δ SELIC %

Δ IPCA %

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17

deveria subir, e vice-versa, por causa dos custos de financiamentos ficarem mais baratos e não

é o que se apresenta no gráfico.

O índice da inflação não seguiu o movimento da oferta de crédito, pois em alguns momentos

seus comportamentos são inversos, veja que em 2010 a oferta de crédito desacelera, mas o

IPCA continua sua trajetória de crescimento.

Quando a oferta de crédito começa a crescer a taxas crescentes, o IPCA começa a se

desacelerar. O índice da inflação é mais sensível ao consumo das famílias, entretanto, não é o

seu principal determinante, mas percebe-se que o índice acompanha as tendências do

consumo das famílias. Este fato tem origem no aumento real dos salários, nos últimos cinco

anos o trabalhador brasileiro incorporou 23,47% de renda real.

E, por fim, a variável consumo do Governo não segue a tendência do IPCA, visto que sua

variação é em direção inversa, ou seja, o Estado só aumenta seus gastos para estimular a

Demanda Agregada. Percebe-se que as principais variáveis que compõem a demanda

agregada não determinaram o movimento da inflação e que, em algumas situações, houve

estímulos para aquecer a demanda e a inflação não acompanhava a tendência. Um dos fatores

que mais pesou neste cenário é o baixo dinamismo da economia interna e o cenário

internacional desfavorável, contribuindo para a desaceleração da inflação.

Gráfico 7: Comparação dos fatores que afetam os custos com o IPCA

Fonte: IBGE e BACEN

Neste outro gráfico há uma comparação dos fatores que afetam os custos das mercadorias

com a variação do IPCA. Percebe-se que as variações no câmbio têm a capacidade de

determinar a tendência do índice de preços, não variando na mesma proporção, entretanto, o

IPCA, segue uma tendência semelhante a da taxa de câmbio. Visto que, quando o câmbio se

valoriza o IPCA decresce, aumentando a quantidade de importações. E quando o câmbio se

desvaloriza, o IPCA volta a subir, visto que as quantidades de importações diminuem e as

exportações aumentam. Analisando as variações nos salários reais, percebe-se que suas

-30

-20

-10

0

10

20

30

40

2008 2009 2010 2011 2012

Δ Salário Real %

Δ Tributação %

Δ Taxa de Câmbio %

Δ IPCA %

Δ SELIC %

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18

variações são inversas às variações no IPCA, entretanto isso só é possível graças às quedas na

taxa de câmbio, pois os aumentos nos salários cooperam na formação do custo das

mercadorias, encarecendo-as. O IPCA segue a mesma tendência da tributação, visto que

aumentos na alíquota dos impostos encarecem o produto e o seu valor é repassado ao

consumidor final. Pode-se verificar que, mesmo a Taxa SELIC em queda o IPCA também

decresce, visto que a atividade econômica nacional está debilitada, ou seja, neste momento, a

Taxa SELIC não é o principal causador da inflação. Todavia, as variáveis que compõem os

custos das mercadorias, neste momento, apresentam uma correlação maior com o aumento de

preços, ou seja, os fatores que contribuem para o aumento dos custos foram mais

determinantes para o aumento generalizado dos preços.

Ou seja, apesar do aumento da demanda agregada contribuir para a elevação dos preços, o

fato que mais contribuiu para a inflação, neste momento, foi a elevação dos custos, na

formação dos preços dos produtos, e o choque agrícola, causado pela quebra da safra.

Segundo Castoldi (2007, p. 127) “Embora a distinção entre inflação de demanda e custos

evidencie a importância do diagnóstico sobre as causas da inflação (para que se possa aplicar

a terapia), na prática, os dois tipos normalmente estão interligados”. Portanto, após

observação dos fatores geradores da atual inflação no Brasil, constata-se que a mesma se

enquadra em uma inflação de custos, segundo a ótica Keynesiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da investigação apontam que as categorias centrais do debate são: expectativas,

índice de difusão de preços, choque de oferta e nível da atividade econômica. Observou-se

que o governo tem utilizado de instrumentos heterodoxos de política monetária (postergação e

contenção de reajustes de preços e desoneração fiscal) para conter a escalada da inflação e,

sem esta ajuda, a inflação estaria no patamar mais elevado. Percebe-se também que a inflação

brasileira recente foi causada, sobretudo, por fatores climáticos e aumento de preços do grupo

de serviços. O estouro do teto da meta do Banco Central teve o grupo da alimentação como

principal vilão, pois, houve um choque agrícola na oferta de alimentos.

A partir do ferramental teórico das escolas econômicas, foi feito uma comparação e, neste

momento, os fatos que originaram a inflação se assemelham a ótica Keynesiana.

Em relação ao controle da inflação via elevação da taxa selic, apesar dos ortodoxos

pressionarem e grande parte dos especialistas e os meios de comunicação recomendarem uma

política conservadora, neste momento, não é o mais recomendável. Porque a inflação se

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origina pelo excesso de custos e aumentar a taxa de juros básicos da economia só irá

contribuir para aumentar a remuneração dos rentistas, já que a dívida nacional consome a

maior parte do orçamento da união. Outro fator importante é o baixo dinamismo da economia

nacional e mundial, a lenta recuperação da economia mundial impacta a economia nacional,

que também já está abatida. A queda da taxa de juros básica contribuiu para o aumento da

eficiência marginal do capital, que irá contribuir para o aumento dos investimentos e o

consequente aumento de produtividade. E, por fim, com uma taxa de juros reduzida, o

governo terá margem para desonerar as empresas, ou seja, com uma taxa de juros baixa, o

Estado gastaria menos recursos com a dívida pública e a parte não gasta do seu orçamento

poderia ser utilizada para a redução da excessiva tributação, o que diminuiria a formação de

custos das mercadorias e dinamizaria a produção, contribuindo para a queda da inflação.

No tocante ao noticiário econômico, por um lado aparece à defesa de adequar a política

monetária às expectativas dos agentes, logo para o BC ser respeitado ele deve entregar a

inflação mais próxima do centro da meta estabelecida (Celso Ming e Rolf Kuntz/ Estadão).

Daí advoga-se aumentos da taxa Selic para a situação atual, independente do nível de

atividade econômica. Por outro, há os defensores do não aumento da taxa Selic, considerando

suas consequências negativas no nível de atividade econômica (Paulo Kliass/Carta Maior).

Além desses, foi identificada uma terceira posição, dos que salientam que aumento na taxa

Selic não produz efeitos na formação dos preços dos alimentos e dos serviços, grupos que

mais pressionam a inflação brasileira na atualidade (Delfim Neto).

O noticiário também explicita um lobby dos principais grupos financeiros para elevação da

taxa SELIC, já que eles foram prejudicados com sua redução. Por fim, entende-se que, no

momento, um aumento na taxa SELIC não conseguirá reverter à alta de preços de alimentos e

serviços e contribuirá para deteriorar as contas públicas com aumento da dívida do governo e

dificultar a retomada da atividade econômica.

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