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Infecções Bacterianas em 100 Pacientes Submetidos a TransplanteCardíaco

David Everson Uip, Vicente Amato Neto, Tânia Mara Varejão Strabelli, Edimar Alcides Bocchi, AlfredoFiorelli,Noedir Stolf, Giovanni G. Bellotti, Fúlvio Pileggi, Adib D. Jatene

São Paulo, SP

Objetivo - Analisar as ocorrências, os agentesetiológicos e a apresentação clínica referentes às infecçõesbacterianas diagnosticadas em grupo de pacientes subme-tidos a transplante (Tx) cardíaco.

Métodos - Foram considerados 100 doentes, observa-dos consecutivamente, após Tx cardíaco. O período de se-guimento variou de 3 a 90 (média 25,38±25,97) meses. Oreconhecimento das infecções bacterianas levou em contaos critérios estabelecidos pelos Centers for DiseaseControl.

Resultados - As infecções pulmonares bacterianascompareceram em maior número, havendo dificuldade paradiagnosticá-las depois do Tx. Ocorreram comprometimen-tos motivados por bactérias em pele, mucosas, partes mo-les, ferida operatória, pericárdio, pleura, loja domarcapasso e vias urinárias, tendo também sido constata-das bacteremias e endocardites. Os agentes etiológicos,quando reconhecidos,ficaram devidamente especificados.

Conclusão - O período pós-operatório inicial é crí-tico, pois nos 30 dias subseqüentes a ele as infecçõesbacterianas surgem com maior freqüência. Elas tambémsuscitam maior preocupação nas fases de tratamento dosepisódios de rejeições. Diagnóstico precoce e rápida ado-ção de medidas coercitivas podem evitar gravidade e evo-lução para óbito.

Palavras-chave: transplante cardíaco, infecçõesbacterianas, agentes etiológicos

Bacterial Infections in 100 PatientsSubmitted to Heart Transplantation

Purpose - To evaluate clinical findings and etiologyof bacterial infections diagnosed in 100 consecutive hearttransplantations.

Methods - One hundred consecutive heart transplantpatients were studied. Follow-up after heart transplantationvaried from 3 to 90 (mean 25.38± SD 25.97) months.Etiology of bacterial infection was established using theCenters for Disease Control criteria.

Results - Bacterial infection was the most commoncause of infection after heart transplantation; diagnosis wasdifficult. Infection sites were skin, mucous, membranes, softtissue, surgical scar, pericardial and pleural spaces, softtissue around heart pacing devices, urinary tract;bacteremias and endocarditis were also found. All bacterialagents recovered were fully identified

Conclusion - Bacterial infections are the mostcommon infections in the first month after hearttransplantation. They are important and also common afterthe treatment of the rejection episodes. Rapid diagnosisand adequate treatment are essential to prevent morbidityand death.

Key-words: heart transplantation, bacterial infections,etiological agents

Arq Bras Cardiol, volume 66 (n°3), 135-137, 1996

Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias e Instituto do Coração do Hospital dasClínicas – FMUSPCorrespondência: David Everson Uip - Div. de Moléstias Infecciosas e ParasitáriasAv. Dr. Enéas C. Aguiar, 255 - 05403-000 - São Paulo, SPRecebido para publicação em 6/3/95Aceito em 11/9/95

A despeito do aprimoramento da técnica cirúrgica, domelhor conhecimento de circunstâncias de naturezaimunitária, do emprego de novos fármacos com finalidadesterapêutica ou profilática e da utilização de recursos diagnós-ticos mais aprimorados, a infecção permanece como uma dasprincipais causas de complicações, como também de óbitos,especialmente nos primeiros meses posteriores ao transplante(Tx) cardíaco. Nesse contexto, a freqüência e a intensidadedo processo infeccioso estão diretamente relacionadas ao

grau de imunodepressão necessária para prevenir ou tratar osepisódios de rejeição, reduzidos com a introdução daciclosporina, possibilitando, conseqüentemente, o uso dedoses menores de corticosteróides e de outros medicamentos,para diminuir o número e a gravidade desse problemasuperveniente1-3.

O objetivo desta comunicação é analisar as ocorrênci-as, os agentes etiológicos e a apresentação das infecçõesbacterianas em grupo de pacientes submetidos a Tx cardía-co.

Métodos

Foram consideradas prospectivamente as doenças cau-sadas por bactérias, diagnosticadas em 100 pacientes conse-cutivos, submetidos a Tx cardíaco, no períodos de marco/85

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a setembro/92.O período de seguimento foi de 3 a 90 (média

25,38±25,97) meses. Eram do sexo masculino 83 (83%) pa-cientes e a idade variou de 3 a 66 (média44,16±12,50) anos.

As etiologias das cardiopatias que motivaram a reali-zação do Tx foram: idiopática 47 (47%); isquêmica 34(34%); doença de Chagas 13 (13%); valvar 6 (6%).

A antibioticoprofilaxia dependeu da rotina adotada ecorrespondeu a dois esquemas: pacientes de números 1 a 73- cefoxitinae oxacilina; de 74 a 100 - cefuroxima. O iníciosempre coincidiu com a indução anestésica, durando 48h aconduta preventiva.

Não foram incluídas no esquema profilático drogasantifúngicas e antivíricas de emprego tópico ou sistêmico.

Os protocolos de imunodepressão adotados ficaramalterados segundo a experiência adquirida e de acordo comas tendências do centros que realizam Tx cardíaco no mun-do.

Em 66 (66%) doentes, corticosteróides, azatioprina eciclosporina constituiram os imunodepressores; quanto aosdemais 34 (34%) houve adição da globulina antilinfocítica.

As rejeições reconhecidas através de biopsiasendomiocárdicas e subseqüentes exames histológicos,efetuados semanalmente na fase de hospitalização, mas emintervalos maiores após a alta, motivaram administração demetilprednisolona ou aumento da dose de prednisona.

O diagnóstico das infecções bacterianas levou em con-ta os critérios aceitos pelo Serviço de Epidemiologia e De-senvolvimento de Qualidade do Instituto do Coração, base-ados nas definições estabelecidas pelos Centers for DiseaseControl4.

Resultodos

Entre as infecções bacterianas constatamos: pneumo-nia (49); de corrente sangüínea sem foco determinado (9);sinusite (4); otite média (1). Nas tabelas de I a VI encontram-se anotadas as outras infecções bacterianas, com as respec-tivas topografias.

Oito (8%) pacientes apresentaram quadro clínico-laboratorial compatível com o diagnóstico de sepse. Seis(75%) evoluíram para choque séptico, refratário em dois,com insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas, seguida deóbitos.

Endocardite bacteriana pôde ser reconhecida em 5(5%) doentes,3 (60%) dos quais faleceram. Identificamos

fatores e procedimentos de risco precedentes em 4 (80%) re-ceptores. O Enterococcus faecalis foi o agente identificadoem dois, o Staphylococcus aureus em um e o Acinetobactercalcoaceticus em outro; quanto a um outro, não houve iso-lamento do microrganismo causador.

Tabela I - Infecções causadas por bactérias em pele, mucosa e partes mole

Forma N° de episódios

Abscesso 6Celulite 5

Pele, mucosa e partes moles Queimadura 2Impetigo 1Furúnculo 1Foliculite 1

Tabela II - Etiologia e topografia das infecções bacterianas de feridaoperatória

Topografia Agente N° de episódios

Escherichia cold 1Enterobacter sp 1

Superficial Staphylococcus epidermidis 1Staphylococcus aureus eAcinetobacter calcoacetius 1Sem etiologia determinada 1

Profunda taphylococcus aureus 3(mediastinite/ Staphylococcus epidermidis 2osteomielite) Sem etiologia determinada 1

Tabela III - Etiologia das infecções bacterianas de pericárdio,pleura e loja do marcapasso

Topografia Agente N. de episódios

Pericárdio Staphylococcus epidermidis 1Sem etiologia determinada 1

Pleura Staphylococcus epidermidis 1Staphylococcus aureus 1

Loja demarcapasso Staphylococcus epidermidis 1

Staphylococcus aureus 1

Tabela IV - Etiologia das infecções bacterianas devias urinárias e uretra

Agente Nº de episódios

Escherichia cold 6Pseudomonas aeruginosa 4Enterobacter sp. 2Escherichia cold eEnterobacter sp 2

Vias urinárias E. faecalis 1Klebsiella pneumoniae 1Staphylococcus aureus 1Staphylococcus epidermidis 1Enterobacter sp eKlebsiella pneumoniae 1E. coli eE. faecalis 1Proteus mirabilis, Citrobacter 1freundii e E. faecalis 1Sem etiologia determinada 4

Uretra Enterobacter sp. 1Serratia marcescens 1

Tabela V - Etiologia das gastrenterocolites e da infecçãobacteriana intra-abdominal

Agente N° de episódios

Gastrenterocolite Escherichia coldenteropatogênica 3Salmonella enteritidis 3

Vesícula biliar Escherichia cold 1

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Os 68% de infecções, no 1° mês após o Tx, de acor-do com o deduzido, tiveram origem hospitalar, e as demaisconstituíram-se reativações de acometimentos previamenteadquiridos. Isso não traduz algo especial e há quem atribuacomprovações dessa ordem à influência de condições dosambientes nos quais os procedimentos cirúrgicos foram re-alizados.

Discussão

As infecções pulmonares bacterianas afiguraram-seresponsáveis pelo maior número de complicações infeccio-sas, correspondendo a 49 casos. Relatos anteriores consigna-ram resultados semelhantes e sugeriram que os fatores de ris-co envolvidos no desencadeamento não diferem dos encon-trados em outros tipos de cirurgias cardiovasculares e des-tacaram, como mais freqüentes, a intubação orotraqueal pro-longada, a circulação extracorpórea ou sangramento prolon-gado e a depressão da função pulmonar vinculada à insufi-ciência cardíaca congestiva crônica5,6.

Devem ser ressaltadas as dificuldades concernentes aodiagnóstico de processo infeccioso pulmonar em fase pós-cirurgia cardíaca e, em especial, depois do Tx de coração.Febre associada a infiltrado intersticial pulmonar pode sig-nificar rejeição, embolia pulmonar é confundível com pneu-monia de etiologia bacteriana e edema de pulmão, por vezes,simula broncopneumonia, por exemplo. Essa problemática jáfoi adequadamente percebida, com menção à circunstânciade que entraves expressivos têm lugar quando tentada a de-finição etiológica das pneumopatias7.

A propósito das infecções do trato urinário, predomi-naram as bacterianas, provavelmente pela necessidade demanter a cateterização uretral no pós-operatório imediato. Asbactérias entéricas gram-negativas, Enterococcus ePseudomonas aeruginosa estiveram mais prevalentes, seme-lhantes à verificação antes relatada.

Com relação às infecções de ferida operatória super-ficial, apuramos taxa (10%) elevada, em especial se compa-rarmos com a observada entre os submetidos à cirurgia car-díaca, em geral, no Instituto do Coração (3,6%). Discrepân-cia ainda maior ocorreu quanto às de ferida profunda, e issoé comprovado pelas porcentagens, respectivamente, de 5%a 0,7% . Explicação provável tem nexo com o estado de

imunodepressão permanente, no qual encontra-se o trans-plantado, visto que os cuidados técnicos, nas diversas mo-dalidades cirúrgicas, tiveram similitudes. Dos comprometi-mentos superficiais participaram bactérias gram-negatives epositives, enquanto que nos profundos predominaram osestafilococos.

A infecção de ferida e mormente da profunda, em vá-rias ocasiões figurou como o foco inicial de complicação gra-ve , tanto à distância, por via hematogênica, culminando embacteremia e sepse, como em área contígua, atingindopericárdio e pleura.

Comprovamos 11 eventos de bacteremias secundáriasa abscessos, infecções de vies urinárias ou bronco-pneumonias; dois evoluiram para choque séptico, com insu-ficiência de múltiplos órgãos e sistemas, disso advindo óbi-to, apesar da adoção imediata de medidas terapêuticas per-tinentes.

As infecções de corrente sangüinea sem origem deter-minada evoluíram favoravelmente após a adoção deantimicrobianoterapia empírica de amplo espectro, a despeitodos embaraços ligados à diferenciação com outros acometi-mentos.

As pericardites purulentas, os empiemas de pleura e asinfecções de loja do marcapasso completaram o conjunto decomplicações que acompanharam ou deram origem aos di-ferentes distúrbios infecciosos de etiologia bacteriana.

Endocardite infecciosa, pelo número de enfermos en-volvidos e, principalmente, pela quantidade de mortescorrelates, superior à encontrada em outras situações, parti-cipou de maneira proeminente da casuística.

O período pós-operatório inicial é crítico, pois nos 30dias ulteriores a ele as infecções bacterianas surgem commaior freqüência, podendo causar óbitos quando assumemgravidade. Igual comentário cabe quanto ao período do tra-tamento dos episódios de rejeições.

Diagnóstico precoce do comprometimento bacterianoe a rápida adoção de medidas coercitivas têm a capacidadede evitar, conforme verificamos, que determinado evento tor-ne-se grave, com a possibilidade de motivar a morte.

Referências

1. Kim JH, Perfect JR - Infection and cyclosporine. Rev Infect Dis 1989; 11:677-97.

2. Hosenpud JD, Hershberger RE, Pantely GA et al - Late infection in cardiac al-lograft recipients: profiles, incidence, and outcome. J Heart Lung Transplant1991;10:380-6.

3. Miller LW - Steroid withdrawal in heart transplantation. J Heart Lung Transplant1992;11:401-2

4. Garner JS, Jarvis WR, Emori TG et al - CDC definitions for nosocomial infec-tions 1988. Am J Infect Control 1988; 16:128-40.

5. Gurgui N, Rabella N, Verger et al - Infecciones en el paciente transplantadocardíaco tratado com ciclosporina A. Rev Eso Cardiol 1987; 40:84-8.

6. Linder J - Infection as a complication of heart transplantation. J Heart Transplant1988;7:390-4.

7. Dresdale A, Diehl I - Early postoperative care: infectious disease considerations.Prog Cardiovasc Dis 1990;33:1-2.

Tabela VI Etiologia das bacteremias

Agente N° de episódio

Primária E. faeaclis 1Staphylococcus epidermidis 5

Secundária Staphylococcus aureus 4Acinetobacter calcoaceticus 1E. coli 1