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ÍNDICE

PREFÁCIO 11

PARTE I: O QUE É TER GARRA E PORQUE É QUE ISSO É IMPORTANTE 15

CAPÍTULO 1 ESTAR PRESENTE 17

CAPÍTULO 2 A DISTRAÇÃO DO TALENTO 31

CAPÍTULO 3 O ESFORÇO VALE POR DOIS 53

CAPÍTULO 4 COMO CLASSIFICARIA A SUA GARRA? 71

CAPÍTULO 5 COMO CRESCE A GARRA 99

PARTE II: GARRA — DE DENTRO PARA FORA 115

CAPÍTULO 6 INTERESSE 117

CAPÍTULO 7 PRÁTICA 141

CAPÍTULO 8 PROPÓSITO 169

CAPÍTULO 9 ESPERANÇA 195

PARTE III: GARRA — DE FORA PARA DENTRO 225

CAPÍTULO 10 COMO OS PAIS PODEM AJUDAR 227

CAPÍTULO 11 CAMPOS DE TREINO 253

CAPÍTULO 12 UMA CULTURA DE GARRA 275

CAPÍTULO 13 CONCLUSÃO 303

AGRADECIMENTOS 313

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 317

NOTAS 319

11

PREFÁCIO

Ouvi tantas vezes a palavra «génio» enquanto crescia.

E sempre através do meu pai. Gostava de dizer, a propósito de

tudo e de nada: «Sabes uma coisa? Não és nenhum génio!». Podia

ouvir ‑se esta declaração ao jantar, num intervalo de O Barco do Amor

ou quando se deixava cair no sofá com o Wall Street Journal na mão.

Não me lembro do que lhe respondia. Talvez até fingisse que não

o ouvia.

Os pensamentos do meu pai andavam muitas vezes associados

a génio, a talento e a quem é que possuía qualquer coisa a mais do

que os outros. Preocupava ‑se muito com o seu nível de inteligência.

E também com o da sua família.

Eu não era o único problema. O meu pai também pensava que

o meu irmão e a minha irmã não eram génios. Pelos seus padrões,

nenhum de nós era capaz de rivalizar com Einstein. E, aparentemente,

isso para ele era uma grande deceção. O meu pai receava que esta infe‑

rioridade intelectual nos pudesse impedir de ir longe nas nossas vidas.

Há dois anos, tive a sorte de receber uma Bolsa MacArthur Fellows,

a que por vezes se chama «bolsa de génio». Não se concorre à Bolsa

MacArthur. Não se pede aos nossos amigos ou colegas que propo‑

nham o nosso nome. O que existe é um comité secreto, que integra

as pessoas mais destacadas do nosso meio, que decide que o nosso

trabalho é importante e criativo.

Quando recebi a notícia por meio de um telefonema perfeita‑

mente inesperado, a minha primeira reação foi de gratidão e de espanto.

12

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

Depois, os meus pensamentos voltaram ‑se para o meu pai e para o seu

diagnóstico espontâneo sobre o potencial do meu intelecto. E ele nem

se enganara: eu não recebi a Bolsa MacArthur por ser muito mais

inteligente do que os meus colegas psicólogos. A resposta correta

(«Não, não é!») à pergunta errada («Ela é um génio?») era mesmo

a que ele dava.

Passou cerca de um mês entre o telefonema da organização da

bolsa e o seu anúncio público. Com exceção do meu marido, não pude

contar a mais ninguém. E isso deu ‑me tempo para refletir sobre a

ironia da situação. Uma rapariga a quem diziam constantemente

que não é um génio acabou por ganhar um prémio por ser um génio.

O prémio foi ‑lhe atribuído porque ela descobriu que aquilo que pode‑

mos alcançar pode depender mais da nossa paixão e da nossa perse‑

verança do que do nosso talento inato. Nessa altura, ela já acumulara

várias habilitações académicas de algumas das escolas mais exigentes,

mas, no terceiro ano, não teve aproveitamento suficiente para poder

entrar num programa destinado a estudantes dotados e talentosos.

Os pais dela são imigrantes chineses, mas ela não recebeu quaisquer

ensinamentos sobre o peso do trabalho. E, contra todos os estereó‑

tipos, não consegue tocar piano nem violino.

Na manhã em que a Bolsa MacArthur foi anunciada, fui a casa dos

meus pais. A minha mãe e o meu pai já tinham ouvido as notícias,

tal como várias das minhas tias, que me telefonavam umas atrás das

outras para me darem parabéns. Finalmente, quando o telefone parou

de tocar, o meu pai voltou ‑se para mim e disse ‑me: «Estou muito orgu‑

lhoso de ti.»

Havia muitas coisas que eu lhe podia dizer, em resposta, mas

limitei ‑me a um «Obrigada, pai».

Não fazia sentido falar no passado. E eu sabia que ele se sentia

realmente orgulhoso.

Mesmo assim, havia uma parte de mim que queria voltar atrás,

ao tempo em que eu era apenas uma menina. Dir ‑lhe ‑ia o que sei

agora.

Dir ‑lhe ‑ia algo como: «Pai, dizes que eu não sou nenhum génio.

Não vou discutir isso. Conheces montes de pessoas que são mais

13

prefácio

espertas do que eu.» Até o imagino a fazer que sim com a cabeça,

sobriamente, a concordar comigo.

«Mas deixa ‑me dizer ‑te uma coisa», continuaria. «Vou adorar

aquilo que faço, tal como tu adoras o teu trabalho. E não será apenas

um emprego. Será uma vocação. Vou desafiar ‑me a mim própria todos

os dias. Quando cair, levantar ‑me ‑ei. Posso não ser a pessoa mais

inteligente do grupo, mas farei tudo por ser a que vai ter mais garra,

a que vai ser mais perseverante.»

E se ele ainda estivesse a ouvir ‑me, acrescentaria: «A longo prazo,

pai, ter garra pode ser mais importante do que ter talento.»

Depois de todos estes anos passados, possuo a prova científica

que demonstra que tenho razão. Mais do que isso, sei que ter garra,

perseverança e determinação — aquilo a que chamo grit — é mutá‑

vel, não é uma coisa fixa, e conheço estudos sobre o modo como essa

capacidade pode ser cultivada.

Esta obra resume tudo o que aprendi sobre ter garra e ser perse‑

verante — ter grit.

Quando acabei de a escrever, fui visitar o meu pai. Capítulo após

capítulo, linha por linha, li ‑lhe tudo ao longo de vários dias. Há cerca

de dez anos que ele anda a tentar lutar contra a doença de Parkinson,

e não consigo ter a certeza daquilo que ele compreende. Mesmo assim,

julgo que me escutava com a maior das atenções e, quando terminei,

olhou para mim. Depois do que me pareceu ser uma eternidade, ace‑

nou afirmativamente com a cabeça uma vez. E depois sorriu.

Parte I

O QUE É TER GARRA E PORQUE É QUE ISSO É IMPORTANTE

17

Capítulo 1

ESTAR PRESENTE

Entrar na Academia Militar dos EUA, em West Point, já é, só por si,

uma vitória.

O processo de admissão em West Point é, pelo menos, tão rigoroso

como o das universidades mais seletas. É obrigatório ter os melho‑

res resultados nas provas de acesso nacionais (SAT ou ACT*) e é tam‑

bém obrigatório apresentar as classificações escolares mais distintas.

Por outro lado, quem se candidata a Harvard não precisa de come‑

çar a tratar do processo de candidatura no décimo primeiro ano nem

de garantir um apoio de um membro do Congresso, de um senador

ou do vice ‑presidente dos EUA. Nem, tão ‑pouco, de ter notas super‑

lativas numa avaliação física que inclui corrida, flexões, abdominais

e elevações.

Todos os anos, no primeiro ano do secundário, mais de 14 mil can‑

didatos1 dão início ao seu processo de admissão. Esta fase destina ‑se a

apurar apenas os 4000 que conseguem entrar na lista de candida‑

tura. Pouco mais de metade destes candidatos — cerca de 2500 —

corresponde aos rigorosos padrões académicos e físicos de West Point

e deste grupo seleto só são admitidos e inscritos 1200 candidatos.

Quase todos os homens e mulheres que conseguem chegar a West

Point foram atletas escolares. E, na sua maioria, capitães de equipa.

* O SAT, que começou por significar Scholastic Aptitude Test, foi introduzido em 1926 nos EUA, tendo mudado de nome várias vezes. O ACT, que avalia o que foi aprendido no ensino secundário para determinar a aptidão para o ensino superior, significa American College Testing. [N. do T.]

18

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

Todavia, um em cada cinco cadetes desiste antes de obter o diploma2.

O que aqui é mais digno de nota é que, historicamente, uma fração subs‑

tancial dos desistentes sai no primeiro verão, durante um programa

de treino intenso que dura sete semanas e que tem o nome, mesmo

nos textos oficiais, de Beast Barracks. Ou, abreviadamente, Beast.

E quem é que passa dois anos a tentar entrar num sítio para

depois desistir nos primeiros dois meses?

No entanto, não estamos a falar de meses normais. O programa

Beast Barracks é descrito no manual de West Point para os novos cade‑

tes como «a parte física e emocionalmente mais exigente dos quatro

anos que vão passar em West Point […], concebida para vos ajudar a

fazer a transição de cadete para soldado»3.

Um dia típico durante o programa Beast Barracks

5h00 Despertar

5h30 Formatura de alvorada

5h30–6h55 Educação Física

6h55–7h25 Manutenção pessoal

7h30–8h15 Pequeno ‑almoço

8h30–12h45 Treino/Aulas

13h00–13h45 Almoço

14h00–15h45 Treino/Aulas

16h00–17h30 Atletismo em grupo

17h30–17h55 Manutenção pessoal

18h00–18h45 Jantar

19h00–21h00 Treino/Aulas

21h00–22h00 Hora do comandante

22h00 Toque de recolher

O dia começa às 5 horas. Às 5h30, os cadetes já estão formados e

perfilados, saudando o hastear da bandeira dos EUA. Segue ‑se depois

um período de exercícios duros — corrida ou ginástica rítmica —

e uma sequência interminável de marchas, instruções em sala de

aula, treino de armas e exercícios de atletismo. As luzes apagam ‑se,

19

e star pre sente

ao som de uma melancólica melodia de cornetim com o título de Taps,

às 22 horas. A rotina recomeça no dia seguinte. E não existem fins

de semana nem intervalos a não ser para as refeições, e, na prática,

nenhum contacto com a família e os amigos fora de West Point.

Eis como um cadete descreve o Beast: «Somos desafiados em

todos os aspetos que podem ser desenvolvidos: mental, físico, mili‑

tar e social. O sistema descobre as nossas fraquezas, mas a ideia

é essa — West Point enrijece ‑nos.»4

Portanto, quem é que consegue chegar ao fim deste programa de

treino?

Foi em 2004, quando estava no meu segundo ano de uma pós‑

‑graduação em psicologia, que procurei uma resposta a esta per‑

gunta, mas o Exército dos EUA já andava a fazer a mesma pergunta

há dezenas de anos. Em 1955 — quase 50 anos antes de eu come‑

çar a estudar esse enigma — um jovem psicólogo chamado Jerry

Kagan foi fazer o serviço militar e mandado apresentar ‑se em West

Point para aplicar testes a novos cadetes com o objetivo de identifi‑

car quem ficaria nas fileiras e quem desistiria5. Foi um acaso que

Jerry tivesse sido não só o único psicólogo a estudar as desistências

em West Point como também o primeiro psicólogo que conheci na

faculdade e em cujo laboratório acabei por trabalhar em part ‑time

durante dois anos.

Jerry descreveu os esforços iniciais que fez para separar o trigo

do joio em West Point como muito malsucedidos. Recordava ‑se, em

especial, de ter passado centenas de horas a mostrar cartões com

imagens a cadetes e a pedir aos jovens que inventassem histórias a

condizer com as imagens. Este teste visava descobrir motivos incons‑

cientes e profundamente enraizados, e a ideia geral era que os cade‑

tes que conseguissem visualizar atos nobres e feitos corajosos seriam

os que chegariam ao fim do curso em vez de desistirem. Como mui‑

tas outras, esta ideia parecia boa, como princípio, mas na prática

não funcionava tão bem. As histórias que os cadetes contavam eram

20

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

animadas e interessantes, mas nada tinham que ver com as decisões

que eles tomavam nas suas vidas.

Desde então, diversas gerações de psicólogos ocuparam ‑se da ques‑

tão do desgaste, mas não houve um único investigador que soubesse

dizer com suficiente clareza o que levava alguns dos cadetes mais

promissores a desistirem assim que se iniciava o período de treino.

Pouco tempo depois de saber da existência do Beast Barracks,

dirigi ‑me ao gabinete de Mike Matthews, psicólogo militar que é

professor em West Point há vários anos. Mike explicou ‑me que o

processo de admissão nesta academia militar consegue identificar

com êxito os homens e as mulheres que têm o potencial de se des‑

tacarem lá dentro. Em especial, o pessoal das admissões calcula

para cada candidato a sua pontuação global (Whole Candidate Score,

WCS), que é uma média ponderada dos resultados obtidos no SAT

ou no ACT, o nível do candidato ajustado ao número de estudantes

no seu grupo no último ano do ensino secundário, a avaliação por

especialistas do seu potencial de liderança e o desempenho verifi‑

cado nas medições objetivas da capacidade física.

Poder ‑se ‑á entender a WCS como sendo o melhor palpite de West

Point sobre o talento dos candidatos para os diversos rigores do seu

programa de quatro anos. É, por outras palavras, uma estimativa da

facilidade com que os cadetes poderão dominar as várias competên‑

cias que se exigem a um chefe militar.

Embora seja o fator individual mais importante nas admissões

a West Point6, a WCS não conseguiu ser fiável na previsão dos que

conseguiriam chegar ao fim do Beast. Aliás, os cadetes mais bem

colocados na WCS acabavam por desistir tanto como os do fim da

escala7. E foi por isso que Mike me acolheu.

Foi a partir da sua própria experiência de alistamento na Força

Aérea, em jovem, que Mike descobriu uma pista para decifrar o

enigma. Embora os rigores da sua fase inicial não fossem tão angus‑

tiantes como os de West Point, havia semelhanças assinaláveis.

Uma das mais importantes era a dos desafios que excediam as capa‑

cidades reais do cadete. Pela primeira vez nas suas vidas, Mike e os

outros recrutas foram postos, de hora a hora, perante coisas que ainda

21

e star pre sente

não conseguiam fazer. «Passadas duas semanas», recorda ‑se Mike,

«sentia ‑me cansado, frustrado e pronto para desistir… tal como todos

os meus colegas.»8

E se alguns desistiram, Mike não o fez.

O que surpreendeu Mike foi o facto de a necessidade de estar

à altura das circunstâncias não ter quase nada que ver com talento.

Os que desistiam durante a fase de treino raramente o faziam por

falta de capacidade. Na realidade, o que importava, diz Mike, era uma

atitude de «nunca desistir»9.

Por volta dessa altura não era apenas Mike Matthews que estava a falar

comigo sobre este tipo de postura do tipo «aguenta ‑te» perante os

desafios. Como estudante de pós ‑graduação que começava a analisar

a psicologia do êxito, eu andava a entrevistar personalidades de des‑

taque da economia, das artes, do desporto, do jornalismo, do mundo

universitário, da medicina e do direito, perguntando ‑lhes: «Quem são

as pessoas que estão nas posições de topo da sua área?», «Como é que

elas são?», «Na sua opinião, que as torna especiais?».

Algumas das caraterísticas que emergiram nas entrevistas eram

muito específicas relativamente aos vários meios. Por exemplo, mais

de uma das pessoas ligadas à economia se referiram à vontade de assu‑

mirem riscos financeiros: «É preciso ter a capacidade de tomar deci‑

sões calculadas sobre milhares de milhões de dólares e ainda assim

ser capaz de dormir à noite.» Mas para os artistas, que em vez disso se

referiam à sua tendência para criarem, isso já parecia ser indiferente:

«Gosto de fazer coisas. Não sei porquê, mas gosto.» Ao contrário,

os atletas referiam ‑se a uma motivação de outro tipo, impulsionada

pela emoção da vitória: «Os vencedores gostam de enfrentar as outras

pessoas cara a cara. Os vencedores detestam perder.»

Além destas particularidades, destacavam ‑se certos elementos

comuns, e foram eles que mais me interessaram. Fosse qual fosse

o domínio, as pessoas mais bem ‑sucedidas tinham sorte e talento.

Já ouvira falar sobre isso e não duvidava de que assim era.

22

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

Mas a história do êxito não parava aí. Muitas das pessoas com

quem falei também relatavam histórias de estrelas prometedoras que,

para surpresa de toda a gente, desistiam ou perdiam o interesse antes

de poderem ter a noção do seu potencial.

Aparentemente, era de uma importância fundamental — e nada

fácil — prosseguir depois de um fracasso: «Algumas pessoas estão

ótimas quando as coisas correm bem, mas vão ‑se abaixo quando surge

um percalço.» Segundo os entrevistados, os mais bem ‑sucedidos

porfiavam, incansáveis: «Havia um tipo que não era o melhor escri‑

tor do mundo, ao início. Na verdade, nós até costumávamos rir ‑nos

quando líamos os seus contos, porque a escrita era bastante desas‑

trada e melodramática. Mas foi ‑se aperfeiçoando e no ano passado

até ganhou uma Bolsa Guggenheim.» E a tendência era sempre para

melhorarem: «Ela nunca está satisfeita. Poder ‑se ‑ia pensar que, nesta

altura, já o estaria, mas ela é o seu próprio crítico mais severo.»

Os melhores eram exemplos de perseverança.

E porque é que os melhores eram tão obstinados nos seus esfor‑

ços? Para a maioria, não havia uma expetativa realista de alguma vez

concretizarem as suas ambições. Aos seus próprios olhos nunca eram

suficientemente bons. Eram o oposto da complacência. No entanto,

num sentido muito prático, sentiam ‑se satisfeitos porque se sentiam

insatisfeitos. Cada um procurava qualquer coisa de um interesse e de

uma importância sem precedentes, e era essa procura — tal como a sua

obtenção — que se tornava gratificante. Mesmo se algumas das coisas

que tinham de fazer eram entediantes ou frustrantes, ou até dolorosas,

nunca pensavam, nem em sonhos, em desistir. A paixão era persistente.

Em suma, fosse qual fosse o domínio, os mais bem ‑sucedidos pos‑

suíam uma espécie de determinação feroz que funcionava de duas

maneiras. Em primeiro lugar, estes indivíduos tinham uma capa‑

cidade de perseverança e de trabalho invulgar. Em segundo lugar,

sabiam, lá muito no seu íntimo, o que queriam agarrar. Não pos‑

suíam apenas uma determinação; tinham também uma direção.

Era esta combinação de paixão e de perseverança que tornava

especiais os que iam mais longe. Numa palavra: tinham determina‑

ção. Tinham garra.

23

e star pre sente

Para mim, a questão era esta: como é que se mede algo tão intangível?

Algo que décadas de trabalho de psicólogos militares não consegui‑

ram quantificar? Algo que as próprias pessoas de grande sucesso que

eu entrevistara diziam poder identificar, desde que o vissem, embora

não conseguissem imaginar um teste que o verificasse?

Sentei ‑me com as notas das minhas entrevistas à minha frente.

E comecei a escrever perguntas que apanhavam, por vezes textual‑

mente, descrições do que poderia significar «ter garra».

Metade das perguntas era sobre perseverança, sendo pedido aos

inquiridos que se pronunciassem sobre frases como «Eu ultrapassei

reveses para vencer um importante desafio» e «Eu acabo o que começo».

A outra metade era sobre paixão. Aos inquiridos, era perguntado

se os seus interesses mudavam «de ano para ano» e até que ponto

estiveram «obcecados com uma certa ideia ou projeto durante algum

tempo, tendo depois perdido o interesse».

O que daqui resultou foi a Escala de Grit, um teste que, respon‑

dido com honestidade, nos permite concluir até que ponto encara‑

mos a vida com garra.

Em julho de 2004, no segundo dia de treino, foram 1218 os cade‑

tes de West Point que se submeteram a ser avaliados segundo a

Escala de Grit.

Na véspera, os cadetes haviam dito adeus aos pais e às mães (uma

despedida a que West Point atribui a duração rigorosa de 90 segun‑

dos), raparam a cabeça (só os homens) e trocaram a roupa civil pelas

famosas fardas cinzentas e brancas de West Point, recebendo ainda

os pequenos cacifos que devem ter aos pés da cama com os seus

pertences, os capacetes e demais equipamento. Embora pudessem

ter, erradamente, pensado que já sabiam como é que o fariam, foram

instruídos por um cadete do quarto ano sobre a maneira adequada

de estarem na linha de formação («Ponham ‑se na linha! Não sobre

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grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

a minha linha, não por cima da minha linha, não atrás da minha

linha. Ponham ‑se mesmo na minha linha!»).

De início, quis ver como é que a pontuação dos testes de grit se

ajustava à aptidão antes apurada. E sabem uma coisa? Estes novos

testes não possuíam qualquer tipo de relação com a WCS que havia

sido tão esforçadamente calculada durante o processo de admissão.

Por outras palavras, o talento que um cadete pudesse ter nada dizia

sobre a capacidade de ter garra, e vice ‑versa.

A distinção entre a garra e o talento condizia com as observa‑

ções de Mike sobre o treino na Força Aérea; porém, quando, pela

primeira vez, dei com esta descoberta, foi uma verdadeira surpresa.

Afinal, porque é que os talentosos não se aguentavam? Logicamente,

os talentosos deviam permanecer e esforçar ‑se mais porque, quando

o fazem, fazem ‑no muitíssimo bem. Em West Point, por exemplo,

entre os cadetes que acabam por fazer todo o Beast Barracks, a WCS

é um maravilhoso preditor de cada medida do percurso feito durante

o período formativo. Não prevê apenas o nível académico como tam‑

bém os resultados no âmbito militar e de capacidade física10.

É surpreendente, de facto, que o talento não seja uma garantia de

que a pessoa tem garra. E nesta obra examinamos o motivo por que

isso acontece.

No último dia do programa de treino já tinham desistido 71 cadetes11.

Descobrir a determinação que teriam revelou ‑se um preditor

extraordinariamente fiável sobre os que completariam essa fase e os

que não o fariam.

Regressei no ano seguinte a West Point para fazer o mesmo estudo.

Desta vez, foram 62 os cadetes a desistir durante a fase do treino e,

mais uma vez, a Escala de Grit predisse os que ficariam.

Em contraste, tanto os que ficaram como os que desistiram haviam

tido pontuações globais indistintas. Examinei com maior atenção os

elementos individuais que compunham esta pontuação. Não encon‑

trei diferenças.

25

e star pre sente

Afinal, que é preciso para aguentar o Beast?

Não são os resultados dos testes de acesso nem as classificações

do secundário nem a experiência de liderança nem as capacidades

atléticas.

Nem sequer a pontuação global do candidato.

Ter garra, isso, sim.

E ter garra, fora de West Point, é importante? Para o descobrir, procurei

outras situações que, de tão desafiadoras, também têm muitos desis‑

tentes. Queria perceber se eram só os rigores do programa de treino

que exigiam essa capacidade de ter garra ou se, em geral, ser perseve‑

rante ajudava as pessoas a levarem por diante os seus compromissos.

A arena seguinte onde testei o poder de ter garra foi a das vendas,

profissão em que todos os dias, ou até a toda a hora, a rejeição anda a

par e passo com o trabalho. Inquiri centenas de homens e de mulhe‑

res da mesma empresa de time ‑sharing com uma bateria de questio‑

nários de personalidade, incluindo a Escala de Grit. Seis meses mais

tarde, regressei à empresa e, nessa altura, já tinham saído 55 por cento

das pessoas do setor de vendas12. O teste servira para predizer os que

ficavam e os que se iam embora. Além disso, não havia outro traço

de personalidade habitualmente medido — incluindo a extroversão,

a estabilidade emocional e a consciencialização — que fosse tão efe‑

tivo na previsão de quem ficaria a trabalhar.

Por volta dessa altura recebi um telefonema do Departamento de

Escolas Públicas de Chicago. Tal como os psicólogos de West Point,

os seus especialistas queriam saber mais sobre os estudantes que

chegavam com êxito ao fim do ensino secundário. Nessa primavera,

milhares de caloiros do secundário foram avaliados segundo uma

Escala de Grit mais curta, juntamente com uma série de outros

questionários. E, mais de um ano depois, 12 por cento desses alu‑

nos não chegaram ao fim. Os estudantes que concluíram o ensino

secundário na altura certa revelaram ‑se mais determinados na con‑

secução desse objetivo, e essa determinação fora um preditor muito

26

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

mais rigoroso de que obteriam o diploma do que saber como enca‑

ravam a escola, qual a consciência que tinham da importância dos

seus estudos e mesmo de quão seguros se sentiam na escola.

Do mesmo modo, em dois extensos ensaios americanos, descobri

que os adultos que mostravam ter mais garra eram os que mais pro‑

vavelmente progrediriam na sua escolarização. Os adultos que obti‑

nham uma pós ‑graduação, um MBA ou um doutoramento eram mais

aptos nessa sua determinação13 do que aqueles que só obtinham uma

licenciatura de quatro anos, e estes, por sua vez, demonstravam ter

mais garra do que aqueles que se limitavam a acumular créditos no

ensino superior sem obterem um diploma. Por outro lado, os adultos

que conseguiam obter diplomas de estudos superiores de dois anos

eram um pouco mais bem ‑sucedidos do que os detentores de diplo‑

mas de cursos de quatro anos. Ao princípio, isto intrigou ‑me, mas

depressa percebi que as taxas de abandono em instituições com cur‑

sos pós ‑secundários de dois anos, os community colleges, podiam

chegar aos 80 por cento14. Os que desafiavam a tendência mostra‑

vam uma capacidade especial para terem garra.

Paralelamente, iniciei um trabalho conjunto com as Forças de

Operações Especiais do Exército, mais conhecidas por Green Berets*.

Fazem parte deste corpo os soldados mais bem treinados do Exército,

a quem são confiadas algumas das missões mais duras e perigo‑

sas. O treino dos Green Berets é um processo esgotante e multidisci‑

plinar. A fase que eu estudei é a que se segue a nove semanas de

treino no terreno, quatro semanas de treino de infantaria, três sema‑

nas de treino de paraquedismo e quatro semanas de um curso de

preparação para orientação terrestre. Todas estas fases preliminares

de treino são muito, mas mesmo muito, difíceis e em todas elas há

homens que não as conseguem concluir. Mas o Curso de Seleção das

Forças Especiais é ainda pior. Nas palavras do seu general coman‑

dante, James Parker, é aqui que «decidimos quem faz e não faz» as

fases finais da formação dos Green Berets15.

* Os Green Berets americanos não correspondem, tecnicamente, aos «Boinas Verdes» portu‑gueses, os paraquedistas do Regimento de Caçadores Paraquedistas. [N. do T.]

27

e star pre sente

O Curso de Seleção faz com que o programa de treino de West

Point pareça um campo de férias. Os instruendos começam o seu

treino antes da alvorada e não param antes da nove da noite. Além

dos exercícios de orientação diurnos e noturnos, têm de fazer cor‑

ridas e marchas de 6 e 10 quilómetros, por vezes com uma carga

de 30 quilos, e de fazer um percurso de obstáculos informalmente

designado por «Nasty Nick»* e que inclui rastejar dentro de água por

baixo de arame farpado, caminhar sobre troncos de árvores suspen‑

sos, ultrapassar redes de treino e progredir pendurados pelos braços

em traves de madeira paralelas.

Chegar ao Curso de Seleção já é uma proeza, mas, mesmo assim,

42 por cento dos candidatos que estudei desistiram por sua pró‑

pria iniciativa antes do fim do processo16. Então, que distinguiu os

homens que chegaram ao fim? Perseverança. Garra.

Além dessa capacidade, que outra caraterística ajuda a predizer

o êxito na carreira militar, na carreira académica e empresarial17?

Nas vendas, descobri que experiência prévia ajuda — os principian‑

tes têm menos probabilidades de manter o emprego do que os mais

experientes. No sistema de ensino público de Chicago, um profes‑

sor capaz de apoiar mais os alunos faz com que estes tenham uma

maior probabilidade de chegar ao fim do curso. E para os aspiran‑

tes a Green Berets, é essencial que já exista uma preparação física

antes do período de treino.

Contudo, em cada um destes domínios, quando se comparam as

pessoas que têm estas caraterísticas, é a capacidade de ter garra que

continua a predizer o êxito. Independentemente dos atributos e das

vantagens específicas que ajudam uma pessoa a ser bem ‑sucedida

nesses diversos domínios, que são verdadeiros desafios, a garra é

importante em todos eles.

* «Nick Malvado», programa de treino desenvolvido pelo coronel James Nicholas «Nick» Rowe (1938–1989), um dos poucos oficiais americanos capturados durante a Guerra do Vietname que conseguiram fugir do cativeiro. [N. do T.]

28

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

No ano em que comecei a fazer a minha pós ‑graduação estreou o

documentário Spellbound, que acompanha três rapazes e cinco rapa‑

rigas no respetivo processo de preparação para o Concurso Nacional

de Soletração Scripps.

Para chegarem à final — um acontecimento cheio de adrenalina

que dura três dias e que se realiza anualmente em Washington,

sendo transmitido ao vivo pela cadeia de televisão ESPN, que em

geral só transmite competições desportivas de alto nível —, estes

jovens tiveram de vencer milhares de outros estudantes provenien‑

tes de centenas de escolas de todo o país nos exercícios de soletração.

Isto obriga a soletrar, sem um único erro, palavras cada vez mais

difíceis, em sessões contínuas, em que se digladiam os estudan‑

tes que estão, primeiro, na mesma turma, depois, no mesmo ano,

na mesma escola, na mesma região e no mesmo distrito.

O documentário pôs ‑me a pensar. Até que ponto é que a capa‑

cidade de soletrar impecavelmente palavras como «schottische» e

«cymotrichous» tem que ver com o talento verbal precoce, e até que

ponto é que ter garra faz parte deste processo?

Telefonei à diretora ‑executiva do concurso, uma mulher dinâmica

(que também foi campeã de soletração neste concurso) chamada Paige

Kimble. Kimble ficou tão curiosa quanto eu perante a possibilidade de

saber mais sobre a componente psicológica dos vencedores. Por isso,

concordou em enviar questionários aos 237 participantes assim que se

qualificassem para as finais, o que só aconteceria alguns meses mais

tarde18. A troco de uma principesca recompensa, que foi um cartão‑

‑presente no valor de 25 dólares, cerca de dois terços dos concorrentes

enviaram os questionários para o meu laboratório. O concorrente mais

velho tinha 15 anos, que era o limite etário máximo segundo as regras

do concurso, e o mais novo, apenas 7.

Além de preencherem a Escala de Grit, os concorrentes indicavam

também quanto tempo investiam na prática da soletração. Em média,

dedicavam ‑lhe mais de uma hora diária nos dias de semana e mais

de duas horas diárias ao fim de semana. Mas havia muitas variáveis

nestas médias: alguns quase nem se dedicavam à soletração, e outros

chegavam a fazê ‑lo durante quase nove horas em alguns sábados!

29

e star pre sente

À margem destas respostas, contactei uma subamostra de con‑

correntes e fiz ‑lhes um teste de inteligência verbal. Como grupo,

estes concorrentes revelaram uma competência verbal invulgar. Mas

houve um leque bastante amplo de resultados, com algumas das

crianças a chegarem ao nível do prodígio verbal e outras a ficarem

num patamar «médio» para a sua idade.

Quando a ESPN transmitiu as finais do concurso, segui toda

a emissão até à sua emocionante conclusão, em que, por fim, o jovem

de 13 anos Anurag Kashyap soletrou corretamente a palavra «appo‑

ggiatura» (uma designação do domínio da música para uma nota

musical rápida e ornamental) e ganhou a competição.

Com os resultados finais na mão, analisei os elementos que

recolhera.

E eis o que descobri: a medição da perseverança feita antes da

competição final predizia como é que seria o desempenho dos parti‑

cipantes. Resumidamente: os miúdos que demonstravam ter garra

iam mais longe no ambiente competitivo. E como é que o faziam?

Estudando muitas mais horas e competindo em mais concursos

de soletração.

E o talento? A inteligência verbal também era um bom preditor

do progresso durante a competição. Mas não havia a mínima relação

entre o QI verbal e a determinação. Além disso, os participantes mais

talentosos nem sequer estudavam mais do que os participantes menos

capazes e também não entravam num maior número de concursos.

A separação entre garra e talento emergiu de novo num outro

estudo, abrangendo estudantes das universidades da Ivy League*. Aí,

os resultados do SAT e a garra tinham uma correlação invertida19.

Os estudantes dessa amostra seleta que possuíam resultados mais ele‑

vados no SAT mostravam, em média, ter menos garra do que os seus

colegas. Juntando esta descoberta aos outros elementos já reunidos,

cheguei a uma perspetiva fundamental que iria orientar o meu futuro

trabalho: o nosso potencial é uma coisa; aquilo que fazemos com ele é outra.

* O grupo de oito universidades de elite dos EUA, entre as quais se incluem Colúmbia, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale. [N. do T.]

31

Capítulo 2

A DISTRAÇÃO DO TALENTO

Antes de ser psicóloga, fui professora. Foi na sala de aula1 — anos

antes de ter ouvido falar no programa militar Beast Barracks — que

comecei a perceber que o talento não é a única coisa que faz alcançar

os objetivos.

Tinha 27 anos quando comecei a ensinar a tempo inteiro. No mês

anterior despedi ‑me da McKinsey, uma empresa de consultoria de

gestão global cujos escritórios em Nova Iorque ocupavam vários

andares de um arranha ‑céus de fachada de vidro azulado, mesmo

no centro da cidade. Os meus colegas ficaram um pouco atónitos

com a minha decisão. Porque é que eu havia de deixar uma empresa

na qual a maioria dos meus colegas psicólogos fazia tudo por entrar

e que era regularmente tida como uma das empresas mais requin‑

tadas e mais influentes do mundo?

As pessoas com quem me dava partiram logo do princípio de que

eu estava a trocar semanas de trabalho de 80 horas por um estilo de

vida mais descontraído, mas quem já tenha sido professor sabe, natu‑

ralmente, que não existe um trabalho mais difícil no mundo. Portanto,

porquê sair? De certa forma, a consultoria, e não o ensino, é que era

um desvio. Na faculdade, orientei miúdos das escolas públicas locais.

Depois de me ter diplomado, dirigi durante dois anos um programa

livre de enriquecimento curricular em que não se pagavam propi‑

nas. Em seguida fui para Oxford e fiz uma licenciatura em neuro‑

ciências, que me permitiu estudar os mecanismos neurais da dislexia.

Portanto, ao começar a ensinar, senti que regressava ao rumo certo.

32

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

Mesmo assim, a transição foi abrupta. Numa única semana o

meu salário foi de «A sério? Pagam ‑me mesmo assim tanto?!» para

«Uau! Como é que os professores conseguem chegar ao fim do mês

nesta cidade?!». O jantar deixou de ser sushi encomendado a expen‑

sas do cliente e passou a ser uma sanduíche, apressadamente comida

enquanto classificava os trabalhos dos alunos. Ia de casa para o traba‑

lho na mesma linha de metropolitano, mas passava o centro da cidade

para sair seis paragens mais à frente, no Lower East Side. Em vez de

sapatos de salto alto, pérolas e fatos feitos por medida, calçava sapa‑

tos confortáveis que me permitissem estar de pé durante todo o dia e

usava vestidos que eu não me importava de ver cobertos de giz.

Os meus alunos tinham 12 e 13 anos. A maioria vivia nos bairros

sociais que se amontoavam entre as avenidas A e D, antes de come‑

çarem a aparecer os cafés da moda em todas as esquinas da zona.

No outono em que eu comecei a trabalhar ali, a nossa escola foi sele‑

cionada como cenário de um filme sobre uma escola violenta num

bairro urbano deprimido. O que eu fazia era ajudar os meus alunos

a aprenderem matemática do sétimo ano: frações, casas decimais

e os alicerces mais rudimentares da álgebra e da geometria.

Mesmo nessa primeira semana, foi óbvio que alguns dos meus

alunos compreendiam os conceitos matemáticos mais facilmente do

que os seus colegas. E ensinar os estudantes mais talentosos de uma

aula era uma alegria. Aprendiam muito rapidamente. Sem grande

preparação, eram capazes de ver o padrão subjacente a uma série

de problemas matemáticos que alunos menos capazes se esforça‑

vam por apreender. Viam ‑me resolver um problema uma vez no qua‑

dro e diziam «Já percebi!» e depois resolviam o seguinte de forma

correta, e sozinhos.

Porém, no final do primeiro período letivo, fiquei surpreendida

por descobrir que alguns destes estudantes mais talentosos não esta‑

vam a progredir tão bem como eu esperaria. Alguns estavam, claro,

mas outros — mais do que gostaria — andavam a ter notas baixas

ou mesmo negativas.

Pelo contrário, vários dos alunos que de início se esforçavam come‑

çaram a progredir melhor do que eu poderia esperar. Estes alunos

33

a d istr ação do talento

que superaram as expetativas chegavam todos os dias às aulas com

aquilo de que necessitavam. Em vez de andarem na brincadeira e de

ficarem a olhar para a janela, tomavam apontamentos e faziam per‑

guntas. Quando não percebiam alguma coisa à primeira, tentavam

e voltavam a tentar e por vezes vinham tirar dúvidas durante a hora

do almoço e durante as horas das disciplinas não obrigatórias à tarde.

O trabalho severo a que se dedicavam foi comprovado pelas notas.

Aparentemente, a aptidão não garantia o cumprimento dos obje‑

tivos. O talento para a matemática era diferente de obter as melhores

notas na aula de matemática.

Para mim, foi uma surpresa. Afinal, a sabedoria convencional diz

que a matemática é uma disciplina em que se espera que os estudan‑

tes mais talentosos tirem as melhores notas, deixando para trás os

colegas que, simplesmente, «não são da matemática». Para ser sin‑

cera, comecei o ano letivo partindo desse mesmo princípio. Pareceu‑

‑me ser certo que aqueles que aprendiam as coisas mais facilmente

continuassem a ultrapassar os seus colegas. Aliás, até esperei que

a divisão que, em matéria de objetivos, afastava os que pareciam ter

algum inatismo dos restantes alunos da turma se alargasse.

Ou seja, distraí ‑me com o talento.

E depois, gradualmente, comecei a fazer perguntas difíceis a mim

própria. Quando ensinava alguma coisa e o conceito não conseguia

penetrar ‑lhes no raciocínio, poderia dar ‑se o caso de o estudante com

dificuldades precisar de se esforçar um pouco mais? Ou dar ‑se ‑ia o

caso de ter de ser eu a encontrar uma maneira diferente de explicar

aquilo que estava a tentar fazer passar? Antes de chegar à conclusão de

que o talento era um destino, devia atender à importância do esforço?

E, como professora, não era minha responsabilidade descobrir como é

que podia fazer com que o esforço — tanto o dos alunos como o meu —

se prolongasse?

Comecei, ao mesmo tempo, a refletir no modo inteligente como

os meus alunos, mesmo os mais fracos, falavam sobre as coisas que

lhes interessavam genuinamente. Conversas que se revelavam difí‑

ceis de seguir: o relato de estatísticas de basquetebol, as letras de can‑

ções de que gostavam muito e intrigas complexas sobre quem é que já

34

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

não falava com quem e porquê. Quando comecei a conhecer melhor os

meus alunos, descobri que todos eles dominavam um certo número

de ideias complexas nas suas vidas diárias, que eram igualmente com‑

plexas. Sinceramente, obterem sozinhos um x numa equação algé‑

brica seria assim tão mais difícil?

Claro que os meus alunos não eram todos igualmente talentosos.

Mas, quando se tratava de aprender a matemática do sétimo ano, será

que, se eles e eu nos esforçássemos suficientemente e com tempo,

eles chegariam onde deviam? Seguramente que sim, pensei eu, por‑

que o talento que mostravam era suficiente para isso.

No final do ano letivo, o meu noivo tornou ‑se meu marido. Para sal‑

vaguarda da sua própria carreira profissional pós ‑McKinsey, fizemos

as malas e trocámos Nova Iorque por São Francisco. E eu arranjei um

novo emprego como professora na Escola Secundária de Lowell.

Comparada com a minha sala de aulas em Lower East Side, Lowell

era uma espécie de universo alternativo.

Escondida numa bacia próxima do oceano Pacífico quase sempre

coberta de nevoeiro, Lowell é a única escola secundária pública de

São Francisco que aceita alunos com base no seu mérito académico.

Sendo a maior fonte de estudantes da Universidade da Califórnia,

Lowell envia também muitos dos seus diplomados para as universi‑

dades mais seletivas do país.

Se, como eu, o leitor tivesse crescido na Costa Leste dos EUA, pode‑

ria pensar em Lowell como se fosse a Stuyvesant de São Francisco*.

Esta noção pode fazer pensar em crianças ‑prodígio, de longe muito

mais inteligentes do que aquelas que não têm as melhores notas

e classificações em testes para poderem entrar em Lowell.

Contudo, o que eu descobri foi que os estudantes desta escola se dis‑

tinguiam mais pela sua ética de trabalho do que pela sua inteligência.

* A Escola Secundária de Stuyvesant, em Nova Iorque, é considerada uma das escolas públi‑cas especializadas capaz de atrair os melhores alunos, admitindo ‑os apenas com base num exame de admissão e não pelas suas classificações anteriores. [N. do T.]

35

a d istr ação do talento

Certa vez, perguntei aos meus alunos quanto tempo é que dedica‑

vam ao estudo. E a resposta típica foi… horas e horas. Não por semana,

mas por dia.

Mesmo assim, como em qualquer outra escola, havia uma

enorme variação entre a dedicação extrema ao estudo e os resulta‑

dos que obtinham.

Tal como descobri em Nova Iorque, alguns dos alunos que eu

esperava serem os melhores, apenas porque a matemática era uma

disciplina muito fácil para eles, obtiveram resultados piores do que

os seus colegas. Por outro lado, alguns dos que estudavam e trabalha‑

vam na aula com mais afinco eram regularmente os que alcançavam

melhores resultados em testes e nas perguntas feitas na sala de aula.

Um deles chamava ‑se David Luong.

David fazia parte da minha turma de álgebra dos caloiros. Havia

dois tipos de aulas de álgebra em Lowell: a mais intensa conduzia

ao cálculo avançado no último ano, o que não era o caso da aula nor‑

mal, que era a minha. Os meus alunos não tinham tido aproveita‑

mento suficiente nos testes de matemática de Lowell para entrarem

na turma mais avançada.

De início, David não se diferenciou dos outros. Era um rapaz sos‑

segado, com tendência a sentar ‑se no fundo da sala. Não levantava

a mão para intervir e raramente se oferecia para ir ao quadro resol‑

ver problemas.

Mas depressa percebi que sempre que pedia um trabalho escrito,

os do David eram perfeitos. David era também dos melhores nos

testes. Quando eu dava como errada alguma das suas respostas,

o erro era mais meu do que dele. E mostrava ‑se sempre ansioso por

aprender mais! Na aula, a sua atenção era a de uma pessoa entusias‑

mada. E depois da aula ficava para por lá e pedia, educadamente,

trabalhos de casa mais difíceis.

Comecei a perguntar a mim própria por que razão é que o miúdo

estava na minha turma.

Quando percebi como a situação era ridícula, levei David ao gabi‑

nete da diretora do meu departamento. Não precisei de muito tempo

para lhe explicar o que se passava. A diretora, felizmente, era uma

36

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

professora sensata e maravilhosa que atribuía maior valor aos miú‑

dos do que às regras burocráticas. E começou de imediato a tratar dos

papéis que permitiriam tirar David da minha aula e passá ‑lo para o

curso intenso.

A minha perda foi um ganho para o professor seguinte. É claro

que houve altos e baixos, e que nem todas as notas de matemática de

David chegavam à nota A, a classificação máxima.

«Depois de ter saído da sua aula e de ter mudado para o curso

intenso, fiquei um pouco para trás», disse ‑me David mais tarde2.

«E no ano seguinte, a matemática, que já era geometria, continuou

a ser difícil. Não tive um A, mas um B.» Na aula seguinte, no pri‑

meiro teste de matemática, teve um D.

«Como é que encarou isso?», perguntei ‑lhe.

«Não gostei muito, a sério, mas não fiquei a pensar no caso

durante muito tempo. Estava feito e precisava era de me concentrar

no que vinha a seguir. Por isso, fui ter com o meu professor e pedi‑

‑lhe que me ajudasse. Tentei, basicamente, perceber o que fiz de

errado. E o que devia ser feito de maneira diferente.»

No último ano já David estava a fazer o mais difícil dos dois cur‑

sos avançados de cálculo. E nessa primavera alcançou a nota 5, que

também era a pontuação máxima, no exame dos cursos avançados.

Depois de ter saído de Lowell, David frequentou o Swarthmore

College, onde obteve um diploma dual em engenharia e economia.

Assisti, com os pais dele, à cerimónia de entrega dos diplomas,

recordando ‑me do aluno sossegado que se sentava no fundo da

minha aula e que acabou por demonstrar que os testes de aptidão

podem dar origem a muitos erros.

Há dois anos, David fez um doutoramento em engenharia mecâ‑

nica na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. A sua dissertação

foi sobre a otimização de algoritmos de desempenho dos processos ter‑

modinâmicos em motores de camiões ou, por outras palavras, a utiliza‑

ção da matemática para tornar os motores mais eficientes. Hoje trabalha

como engenheiro na Aerospace Corporation. Literalmente, o rapaz

que chegou a ser considerado «não apto» para as aulas mais exigen‑

tes e mais intensas de matemática é hoje um dos melhores cientistas.

37

a d istr ação do talento

Durante os anos seguintes em que continuei a trabalhar como pro‑

fessora, fui ficando cada vez menos convencida de que o talento fosse

obra do destino e cada vez mais intrigada pelo retorno gerado pelo

esforço. Decidida a desvendar esse mistério em toda a sua profundi‑

dade, acabei por deixar o ensino para me tornar psicóloga.

Quando fiz a minha pós ‑graduação, fiquei a saber que os psicólogos

se interrogam há muito tempo sobre os motivos que levam algumas

pessoas a terem sucesso enquanto outras fracassam. Um dos pri‑

meiros foi Francis Galton, que debateu o assunto com o seu primo

Charles Darwin.

Segundo parece, Galton era uma criança ‑prodígio. Aos 4 anos já

sabia ler e escrever. Aos 6, sabia latim e fazer divisões mais comple‑

xas e conseguia recitar de cor excertos de Shakespeare. Era ‑lhe fácil

aprender3.

Galton publicou em 1869 o seu primeiro estudo científico sobre as

origens dos desempenhos de maior êxito. Depois de reunir listas de

personalidades bem conhecidas da ciência, do desporto, da música,

da poesia e do direito — entre outros domínios —, procurou todas

as informações de caráter biográfico que pudesse obter. Os que diver‑

giam da norma, segundo concluiu Galton, eram memoráveis em três

aspetos: revelavam «capacidade» invulgar combinada com um «zelo»

excecional e «capacidade de trabalhar duramente»4.

Depois de ler as primeiras 50 páginas do livro de Galton, Darwin

escreveu uma carta ao primo, a dar ‑lhe conta da sua surpresa por o

talento figurar nos lugares cimeiros das qualidades essenciais. «De certo

modo, transformou um opositor num convertido», escreveu Darwin,

«enquanto eu mantive sempre que, à exceção dos tontos, os homens

não diferem muito no intelecto, mas apenas no zelo e no trabalho duro.

E ainda penso que esta diferença é eminentemente importante5.»

É claro que o próprio Darwin era um homem bem ‑sucedido e

brilhante como os que Galton estava a tentar compreender. Genera‑

lizadamente reconhecido como sendo um dos mais inf luentes

38

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

cientistas da história, Darwin foi o primeiro a explicar a diversida‑

des nas espécies vegetais e animais como consequência da evolução

natural. Foi, do mesmo modo, um observador arguto, não apenas da

flora e da fauna, mas também dos seres humanos. De certa forma,

a sua vocação era a de observar as pequenas diferenças que acaba‑

vam por conduzir à sobrevivência.

Vale a pena, por isso, fazer uma pausa para considerar a opinião

de Darwin sobre os elementos determinantes do sucesso — ou seja,

a sua convicção de que o zelo e o trabalho duro acabam por ser mais

importantes do que a capacidade intelectual.

Globalmente, os biógrafos de Darwin não afirmam que ele tivesse

uma inteligência sobrenatural6. Era um homem seguramente inte‑

ligente, mas as suas perspetivas não nasciam de clarões de luz

esclarecedores. Era, de certo modo, um homem de pequenos pas‑

sos, e a sua própria autobiografia confirma esta visão: «Não tenho a

rapidez de compreensão [que] é tão memorável em alguns homens

inteligentes»7, reconhece, acrescentando: «O meu poder de seguir

uma linha de pensamento extensa e puramente abstrata é muito

limitado.» Não teria dado um grande matemático, pensa ele, nem

um filósofo, e a sua memória era também de fraca qualidade. «Tão

pobre num dado sentido é a minha memória, que nunca conse‑

gui recordar durante mais de alguns dias uma simples data ou um

verso», afirma.

Talvez Darwin fosse demasiado modesto. Mas ele mostrava não

ter problemas em elogiar o seu próprio poder de observação e a assi‑

duidade com que o aplicava à compreensão das leis da natureza:

«Penso que sou superior aos homens normais na compreensão do

que tende a escapar facilmente à atenção e na sua observação cuida‑

dosa. O meu discernimento tem sido quase tão grande como poderia

ser na observação e na recolha de factos. E, o que é de longe mais

importante, o meu amor pela ciência natural tem sido permanente

e ardente.»

Um biógrafo descreve Darwin como alguém que continuava a

pensar nas mesmas coisas muito depois de os outros terem passado

a dedicar ‑se a problemas diferentes, e sem dúvida mais fáceis:

39

a d istr ação do talento

«A reação normal quando se fica intrigado com alguma coisa é dizer

“Penso nisso depois” e, em seguida, acabar mesmo por esquecer

o assunto. Com Darwin sentimos que ele, deliberadamente, não

embarcava neste tipo de esquecimento semi ‑intencional. Mantinha

todas as questões em aberto no fundo do seu pensamento, prontas

a serem recuperadas quando aparecesse algum dado relevante.»8

Quarenta anos mais tarde, na outra margem do Atlântico, um psi‑

cólogo de Harvard chamado William James retomou a questão de

saber de que forma é que as pessoas se diferenciam quando pro‑

curam alcançar os seus objetivos. Já no final da sua longa e distinta

carreira, James escreveu um artigo sobre este tópico para a revista

Science (que já nessa altura era a mais destacada publicação acadé‑

mica, não apenas na área da psicologia, mas também em todas as

ciências naturais e sociais). O título era «As Energias dos Homens»9.

Refletindo sobre os êxitos e fracassos de amigos e colegas mais

próximos, e sobre o modo como a qualidade dos seus próprios esfor‑

ços variava consoante os seus dias fossem bons ou maus, James

escreveu:

«Por comparação com aquilo que devíamos ser, nós estamos ape‑

nas semiacordados. A nossa chama está dominada, as nossas inten‑

ções estão controladas. Fazemos apenas uso de uma pequena parte

dos nossos recursos possíveis, tanto mentais como físicos.»

Há uma lacuna, declarou James, entre o nosso potencial e a sua

atualização. Sem negar que os nossos talentos variem10 — uma pes‑

soa pode ser mais dada à música do que ao atletismo ou ter uma

maior iniciativa empresarial do que artística —, James afirmou que

«o indivíduo humano vive normalmente muito dentro dos seus limi‑

tes. Possui poderes de diferentes géneros que habitualmente não

consegue usar. Usa a sua energia abaixo do máximo e atua abaixo da

sua melhor capacidade».

40

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

«É claro que há limites», reconheceu James, salientando que

«as árvores não crescem até ao céu». Mas estas fronteiras exteriores

em que, finalmente, cessaremos de melhorar são simplesmente irre‑

levantes para a maioria de nós: «Mantém ‑se o facto bem simples de

haver homens em todo o mundo que possuem numerosos recursos

que só alguns indivíduos muito excecionais usam até ao limite.»

Estas palavras, escritas em 1907, são ainda plenamente atuais.

Sendo assim, porque é que damos tanta ênfase ao talento? E porque

é que nos fixamos nos limites máximos do que poderemos fazer

quando, na realidade, a maioria de nós está apenas no começo da

nossa jornada e tão, mas tão longe dessas fronteiras exteriores? E por‑

que é que partimos do princípio de que é o nosso talento, mais do que

o nosso esforço, que decidirá até onde chegaremos?

Durante anos, houve vários inquéritos de âmbito nacional onde apare‑

cia a mesma pergunta: «Que é mais importante no sucesso — o talento

ou o esforço?». Os Americanos tendem a ser duas vezes mais propen‑

sos a destacar o esforço.11 O mesmo é verdade quando se questionam

os Americanos sobre a capacidade atlética.12 E quando se lhes pergunta

«Se for contratar um novo empregado, qual das qualidades seguin‑

tes é que considera mais importante?», os Americanos salientam a

«capacidade de trabalhar arduamente» quase cinco vezes mais do que

a «inteligência».13

Os resultados destes inquéritos condizem com os questionários

que a psicóloga Chia ‑Jung Tsay deu a especialistas musicais que, nas

suas respostas, salientam sem hesitar que o treino esforçado é mais

importante do que o talento natural. Mas quando Chia examina

as atitudes de forma mais indireta, expõe uma tendência que aponta

na direção rigorosamente oposta: nós adoramos os que são «naturais».

Nas experiências feitas por Chia, fala ‑se aos músicos profissionais

em dois pianistas cujas biografias são idênticas em termos de suces‑

sos já alcançados. Os inquiridos ouvem um excerto breve dos dois

indivíduos a tocarem piano. Mas, sem que o saibam, é na realidade

41

a d istr ação do talento

um único pianista que está a tocar partes diferentes da mesma peça

musical. O que varia é a descrição dos pianistas — um é descrito

como «natural», tendo demonstrado desde cedo um talento inato.

O outro é descrito como «esforçado», mostrando ‑se, desde cedo, per‑

severante e animado por uma elevada motivação. Em contradição

direta com as convicções que já haviam afirmado sobre a importân‑

cia do esforço por alternativa ao talento, os músicos consideram que

o natural será mais facilmente bem ‑sucedido e terá maior possibili‑

dade de ter trabalho14.

Num estudo de acompanhamento desta experiência, Chia quis

saber se esta mesma inconsistência seria visível num domínio muito

diferente, no qual são celebrados o trabalho duro e o esforço: o mundo

empresarial. Procurou centenas de adultos com níveis diferentes de

experiência nas empresas e dividiu ‑os aleatoriamente em dois grupos.

Metade dos inquiridos leu o perfil de um empresário «esforçado»,

descrito como tendo obtido sucesso através de trabalho duro, esforço e

experiência. A outra metade leu o perfil de um empresário «natural»,

descrito como tendo obtido sucesso por meio da sua capacidade

inata. Todos os participantes ouviram a mesma gravação áudio de

uma proposta de negócios, sendo informados de que a gravação fora

feita pelo empresário específico sobre o qual haviam lido.

Tal como no seu estudo dos músicos, Chia descobriu que os natu‑

rais obtinham uma classificação mais elevada15 quanto à sua proba‑

bilidade de terem êxito, de arranjarem emprego mais facilmente e de

terem as suas propostas de negócios consideradas de qualidade supe‑

rior. Num estudo relacionado com este, Chia verificou que quando as

pessoas eram obrigadas a escolher entre apoiarem um de dois empre‑

sários — um identificado como esforçado e o outro como natural —,

tendiam a favorecer o natural16. Aliás, o ponto de indiferença entre o

esforçado e o natural só era alcançado quando o esforçado apresentava

mais quatro anos de experiência de liderança e mais 40 mil dólares

em capital de start ‑up.

O estudo de Chia pôs a descoberto a nossa ambivalência perante o

talento e o esforço. Aquilo que dizemos que nos preocupa pode não

corresponder àquilo que — bem no nosso íntimo — acreditamos que

42

grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

na realidade é mais valioso. É um pouco como se disséssemos que não

nos preocupamos nada com a atração física de um parceiro romântico

e depois, quando se trata de realmente escolher com quem é quere‑

mos estar, optamos pela pessoa atraente em vez da pessoa simpática.

Esta «tendência para o natural» é um preconceito escondido, vol‑

tado contra os que chegaram onde chegaram por se terem esforçado,

e é também a expressão de uma preferência escondida por aqueles

que pensamos terem chegado onde queriam por serem naturalmente

talentosos. Podemos não reconhecer esta tendência para o que é natu‑

ral diante de outros e até podemos nem o admitir a nós próprios.

Mas a tendência é evidente nas escolhas que fazemos.

A própria vida de Chia é um exemplo interessante do fenómeno do

antagonismo entre o que é natural e o esforço. Sendo agora profes‑

sora do University College de Londres, Chia publica regularmente os

seus trabalhos académicos na mais prestigiada das publicações uni‑

versitárias. Em criança, frequentou a Escola Juilliard, especializada

em música e artes performativas cujo programa pré ‑universitário

convida os estudantes «que demonstram o talento, o potencial e a

capacidade de prosseguirem uma carreira na música» a experimen‑

tarem «um ambiente onde os dotes artísticos e as capacidades téc‑

nicas podem florescer»17.

Chia tem vários graus académicos obtidos em Harvard. O primeiro

foi um bacharelato em psicologia, licenciando ‑se depois com a nota

mais alta e com distinção e louvor. Tem também dois mestrados, em his‑

tória da ciência e em psicologia social. E, finalmente, enquanto com‑

pletava o seu doutoramento em comportamento organizacional e psi‑

cologia, em Harvard, também fez um outro doutoramento em música.

Ficou impressionado? Se não ficou, deixe ‑me acrescentar que Chia

também possui diplomas do Conservatório Peabody em interpretação

ao piano e em pedagogia e que também já atuou no Carnegie Hall,

além do Lincoln Center e do Kennedy Center, e num recital comemo‑

rativo da presidência da União Europeia.

43

a d istr ação do talento

Se o leitor considerar apenas as suas credenciais académicas,

poderá extrair de imediato a conclusão de que Chia já nasceu mais

dotada do que qualquer outra pessoa que conheça e pensar até: «Meu

Deus! Que jovem tão talentosa!». Se as pesquisas de Chia estão cor‑

retas, essa explicação embelezaria os seus feitos com maior esplen‑

dor, mais mistério e mais espanto do que a alternativa: «Meu Deus!

Que jovem tão extraordinariamente dedicada e trabalhadora!».

E que teríamos então? Há um número elevado de pesquisas

sobre o que acontece quando acreditamos que um estudante tem

um talento especial. Começamos a prodigalizar ‑lhe uma atenção

extra e criamos expetativas elevadíssimas. Esperamos que ele seja

superior a todos os outros, e essa expetativa torna ‑se uma profecia

autorrealizável.18

Perguntei a Chia como é que ela encara as suas próprias ativida‑

des musicais. «Bem, penso que posso ter algum talento», respondeu

Chia, «mas acredito que, mais do que isso, porque gostava muito de

música, fui praticando quatro a seis horas por dia durante a minha

infância.» E, na faculdade, apesar de um horário extenuante de aulas

e de outras atividades, arranjou tempo para ainda continuar a prati‑

car quase como fazia antes. Portanto, sim, tem algum talento… mas

o certo é que também é uma pessoa que se esforça.

«E porque é que praticou tanto?», quis eu saber. Foi obrigada

a isso? Teve oportunidade de poder escolher?

«Oh, fui eu que decidi. Era o que eu queria. Queria tornar ‑me

melhor, melhor e melhor. Quando praticava piano, imaginava ‑me

no palco diante de uma plateia cheia de gente. Imaginava ‑os a

aplaudirem ‑me.»19

No ano em que troquei a McKinsey pelo ensino, três dos partners

da empresa publicaram um relatório intitulado «A Guerra pelo

Talento»20. O relatório foi lido por muita gente e acabou por dar

origem a um livro que foi um bestseller21. O argumento básico era

o de que, na economia dos nossos dias, as empresas se erguem e

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grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

caem em função da sua capacidade de atraírem e manterem «players

de primeira linha».

«Como definimos o talento?», perguntam os autores nas páginas

de abertura do livro22. Respondendo à sua própria pergunta, afirmam:

«No seu sentido mais geral, o talento é a soma das capacidades da

pessoa: dons intrínsecos, destreza, conhecimento, experiência, inteli‑

gência, discernimento, atitude, caráter e energia. E também inclui

a capacidade da pessoa para aprender e evoluir.» É uma lista extensa

que revela a luta que a maioria de nós tem de travar quando tenta‑

mos definir talento com alguma precisão. Mas não me surpreende que

os «dons intrínsecos» sejam mencionados em primeiro lugar.

Na edição em que a revista Fortune publicou a McKinsey na capa,

o texto principal começava desta maneira: «Quando estamos na pre‑

sença de um jovem partner da McKinsey, ficamos com a distinta

impressão de que, animado por um ou dois cocktails, ele é capaz de

se inclinar por cima da mesa e sugerir qualquer coisa estranha como

comparar os resultados do SAT.»23 É quase impossível, comentava o

jornalista, sobrestimar «o destaque especial que se dá na cultura

empresarial da McKinsey à capacidade analítica ou, como dizem os

seus indígenas, à capacidade de alguém ser “brilhante”».24

A McKinsey tornou ‑se famosa por recrutar e recompensar homens

e mulheres inteligentes, entre os quais alguns têm MBA obtidos

em instituições como Harvard e Stanford, e outros que, como eu, pos‑

suem outro tipo de credenciais que sugerem que devemos ter gran‑

des cérebros.

As minhas entrevistas na McKinsey desdobraram ‑se, como a

maioria das que são realizadas nestas circunstâncias, com uma

série de quebra ‑cabeças concebidos para testarem o meu brio ana‑

lítico. Um entrevistador disse ‑me para me sentar, apresentou ‑se

e depois perguntou ‑me: «Quantas bolas de ténis são fabricadas por

ano nos EUA?».

«Acho que há duas maneiras de responder a essa pergunta»,

disse eu, e acrescentei: «A primeira é encontrar a pessoa indicada,

ou a respetiva associação comercial, que o possa dizer.» O meu

entrevistador acenou afirmativamente com a cabeça, mas depois

45

a d istr ação do talento

encarou ‑me com um olhar que dizia que queria outro tipo de res‑

posta. E foi o que fiz: «Ou então podem calcular ‑se algumas hipóte‑

ses básicas e fazer contas de multiplicar para o descobrirmos.»

O meu entrevistador ofereceu ‑me um sorriso largo. E eu disse‑

‑lhe o que ele queria ouvir:

«Muito bem, vamos partir do princípio de que há 250 milhões

de pessoas nos EUA. Vamos dizer que os jogadores de ténis mais ati‑

vos têm entre 10 e 30 anos. Deve corresponder, por alto, a um quarto

da população. Acho que isso dá cerca de pouco mais de 60 milhões de

potenciais jogadores de ténis.»

O meu entrevistador ficou mesmo excitado. Eu continuei a jogar

o jogo da lógica, multiplicando e dividindo números de acordo com

a minhas estimativas, completamente desprovidas de qualquer fun‑

damento, de quantas pessoas jogariam de facto ténis, de quantas

vezes jogariam em média, de quantas bolas usariam num jogo e de

quantas vezes precisariam de substituir as que se estragavam ou

se perdiam.

Cheguei por fim a um número que seria provavelmente bastante

irreal porque, a cada passo que dava, eu fazia mais uma suposição

sem fundamento que devia ser, de uma forma ou de outra, incor‑

reta. E depois disse ‑lhe: «A matemática neste caso nem é muito difí‑

cil para mim. Estou a orientar os estudos de uma rapariga que está

neste momento a fazer exercícios com frações e fazemos juntas uma

série de contas de cabeça. Mas se quiser saber o que eu realmente

faria, se precisasse de saber a resposta a essa pergunta, eu digo ‑lhe:

limitar ‑me ‑ia a telefonar a alguém que de facto soubesse.»

Ele sorriu ainda mais e depois afirmou que ficara a saber tudo

aquilo de que precisava com a nossa interação. E também com a

minha candidatura, que incluía as notas do SAT, a que a McKinsey

dá muita importância no período de seleção inicial de candidatos.

Por outras palavras, se o conselho dado à América empresarial é de

criar uma cultura que valoriza o talento acima de todas as coisas,

a McKinsey aplica o que prega.

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grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

Depois de aceitar a oferta de me juntar à filial de Nova Iorque, disseram‑

‑me que o meu primeiro mês de trabalho seria passado num elegante

hotel de Clearwater, na Florida. Aí, juntei ‑me a cerca de 36 novos

contratados que, como eu, tinham falta de formação em economia.

Em vez disso, o que possuíamos era qualquer outro tipo de medalha

de honra. Fiquei sentada ao lado de um indivíduo com um doutora‑

mento em física, por exemplo. E no outro lado tinha um cirurgião e,

atrás de mim, dois advogados.

Nenhum de nós sabia muito de gestão, em geral, ou de qualquer

setor económico em particular. Mas a situação iria mudar em breve:

num só mês, iríamos fazer um curso intensivo denominado «mini‑

‑MBA». Como já se verificara que éramos todos capazes de apren‑

der muito rapidamente, não havia qualquer dúvida de que iríamos

dominar com êxito uma enorme quantidade de informações num

período muito curto.

Já de posse de um conhecimento geral do que é o cash ‑flow, da

diferença entre a receita e o lucro e de alguns outros factos rudimen‑

tares sobre o que eu aprendera agora designar ‑se «setor privado»,

fomos enviados para as nossas filiais de destino em todo o mundo,

onde nos iríamos juntar a equipas de outros consultores e ir ao encon‑

tro de clientes empresariais com o objetivo de resolvermos os proble‑

mas que eles nos quisessem passar.

Aprendi rapidamente que a proposta básica de negócios da McKinsey

é muito direta. Por um valor mensal muito elevado, as empresas

podem contratar uma equipa da McKinsey para tratar dos proble‑

mas que são demasiado espinhosos para serem resolvidos pelas pes‑

soas que já os estão a tentar resolver. No fim deste «envolvimento»,

como era designado na empresa, devíamos produzir um relatório

que seria drasticamente mais perspicaz do que qualquer um que eles

pudessem ter gerado dentro da própria empresa.

Ocorreu ‑me, quando estava a juntar diapositivos que resumiam

recomendações ousadas e extensas para um conglomerado de produ‑

tos médicos, que valia vários milhares de milhões de dólares, que eu

não fazia, na realidade, a mais pequena ideia do que estava a dizer.

Havia consultores seniores na equipa que podiam saber, mas também

47

a d istr ação do talento

havia mais consultores juniores que, tendo acabado de sair da facul‑

dade, sabiam de certeza ainda menos.

Porquê contratar ‑nos, então, a um custo tão exorbitante? Bem,

por um lado, porque dispúnhamos da vantagem de ter uma pers‑

petiva externa que não estava contaminada por políticas internas.

Também dispúnhamos de um método para resolver problemas

de negócios que era orientado por hipóteses e dados concretos. Talvez

houvesse excelentes motivos para os CEO chamarem a McKinsey.

Mas, entre eles, parece ‑me, estaria a expetativa de que nós seríamos

mais argutos do que as pessoas que já lá estavam dentro. Contratar

a McKinsey significava trazer os «melhores e mais inteligentes»

de todos — como se sermos os mais inteligentes também fizesse de

nós os melhores.

Segundo The War for Talent, as empresas que conseguem ser as

melhores são as que, agressivamente, promovem os empregados mais

talentosos, ao mesmo tempo que, de uma forma igualmente agressiva,

afastam os menos talentosos. Nas empresas deste género, as enor‑

mes disparidades salariais não são apenas justificadas, mas desejáveis.

E porquê? Porque um ambiente competitivo e no qual quem triunfa

fica com tudo encoraja os mais talentosos a manterem ‑se e os menos

talentosos a procurarem outros empregos.

Duff McDonald, o jornalista que fez a análise mais pormenori‑

zada da McKinsey até hoje, sugeriu que esta filosofia empresarial em

particular seria mais adequadamente intitulada «A guerra contra o

bom senso»25. McDonald assinala que as empresas destacadas no

relatório original da McKinsey por serem bons exemplos da estraté‑

gia que a consultora defende não tiveram um desempenho tão bom

nos anos que se seguiram à publicação do relatório.

O jornalista Malcolm Gladwell também criticou The War for

Talent.26 A Enron, sublinha, sintetizou a abordagem da «mentali‑

dade do talento» defendida pela McKinsey. E, como todos sabemos,

a história da Enron não teve um final feliz. Tendo sido uma das

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grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

maiores empresas de comercialização de energia elétrica do mundo,

a Enron foi considerada a Empresa Mais Inovadora da América pela

Fortune durante seis anos seguidos. Mas depois, em finais de 2001,

quando pediu a insolvência, ficou claro que os seus extraordinários

lucros se deviam a uma fraude contabilística continuada e em larga

escala. Quando a Enron se desmoronou, milhares dos seus empre‑

gados, que não haviam tido qualquer tipo de responsabilidade nos

ilícitos da empresa, perderam o emprego, os seguros de saúde e as

poupanças acumuladas para a reforma. Naquela altura, foi a maior

situação de bancarrota de uma empresa em toda a história dos EUA.27

Não se pode atribuir a queda da Enron a uma superabundância

de QI. Nem, tão ‑pouco, a uma falta de garra. Mas Gladwell argu‑

menta, convincentemente, que a exigência feita aos empregados da

Enron para provarem que eram mais inteligentes do que toda a gente

contribuiu para uma cultura narcisística com um exagero no exibi‑

cionismo dos seus empregados que eram, em simultâneo, tão incri‑

velmente presunçosos como tolhidos por uma insegurança muito

profunda. Esta cultura estimulava o desempenho de curto prazo

e desencorajava a aprendizagem e o desenvolvimento de longo prazo.

O mesmo se vê no documentário post mortem sobre a Enron e

que foi apropriadamente intitulado The Smartest Guys in the Room

[Os Mais Espertos da Sala]. Durante a ascensão da Enron, o seu

CEO foi um ex ‑consultor da McKinsey, imprudente e inteligente, cha‑

mado Jeff Skilling. Skilling pôs em prática um sistema de avaliação

do desempenho para a Enron, que consistia na graduação anual do

pessoal e no despedimento sumário dos 15 por cento que ficassem

no fim da escala28. Por outras palavras, fosse qual fosse o nível de

desempenho em termos absolutos, se a pessoa se revelasse mais fraca

relativamente aos outros, era despedida. Dentro da Enron esta prá‑

tica ficou conhecida por rank ‑and ‑yank [«graduar e extirpar»]. Skilling

considerava ‑a uma das estratégias mais importantes da sua empresa.

Mas, em última análise, pode ter contribuído para um ambiente de

trabalho que recompensava o engano e desencorajava a integridade.

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a d istr ação do talento

O talento é mau? Somos todos igualmente talentosos? Não e não.

A capacidade de ascender rapidamente na curva de aprendizagem de

qualquer competência é, obviamente, uma coisa muito boa e, goste‑

‑se ou não, alguns de nós são melhores nisso do que outros.

Portanto, porque é que é tão mau favorecer os «naturais» em vez

dos «esforçados»? Qual é o lado negativo de programas de televi‑

são como America’s Got Talent [Portugal tem Talento], The X Factor

[Factor X] e Child Genius? Porque é que não devemos separar crianças

com idades tão baixas como 7 ou 8 anos em dois grupos — um com‑

posto pelas poucas crianças que são «dotadas e talentosas», e o outro,

pelas muitas, muitas mais que não o são? Que mal há, realmente,

num programa dedicado ao talento ser denominado «talent show»?

Na minha opinião, o principal motivo pelo qual a preocupação

com o talento pode ser nociva é simples: ao voltarmos as nossas aten‑

ções para o talento, arriscamo ‑nos a deixar tudo o resto na sombra.

Enviamos a mensagem, inadvertidamente, de que esses outros fato‑

res — incluindo ter garra — não interessam tanto como realmente

interessam.

Consideremos, por exemplo, a história de Scott Barry Kaufman.

O gabinete de Scott fica apenas a duas portas do meu e ele é muito

parecido com os outros psicólogos universitários que eu conheço:

passa a maior parte do tempo em que está acordado a ler, a pensar,

a reunir dados, a fazer estatísticas e a escrever. Os resultados das suas

pesquisas saem em publicações científicas. Conhece uma grande

quantidade de palavras polissilábicas. Tem graus académicos de

Carnegie Mellon e das universidades de Cambridge e de Yale. E toca

violoncelo para se divertir.

Contudo, em criança, Scott foi visto como tendo dificuldade em

aprender. O que era verdade. «Basicamente, tive uma série de infe‑

ções nos ouvidos quando era miúdo», explica Scott. E acrescenta:

«E isso conduziu a um problema com o processamento de informação

sonora em tempo real. Eu andava sempre um passo ou dois atrás dos

outros miúdos da minha turma.»29 O seu progresso escolar foi, aliás,

tão lento, que chegou a ser posto numa turma de ensino especial.

Repetiu o terceiro ano. E por volta dessa altura foi a uma consulta

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grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

com um psicólogo escolar para fazer um teste para determinar o QI.

Num teste ensombrado pela ansiedade, que Scott descreve como «lan‑

cinante», teve um desempenho tão débil que foi enviado para uma

escola especial para crianças com dificuldades de aprendizagem.

Foi só aos 14 anos que um professor do ensino especial mais

observador o chamou e lhe perguntou por que motivo é que ele não

estava numa turma mais avançada. Até então, Scott nunca se inter‑

rogara sobre o seu estatuto intelectual. Em vez disso, partira do prin‑

cípio de que a sua falta de talento impunha limites muito baixos ao

que ele poderia vir a fazer.

Encontrar um professor que acreditou no seu potencial foi um

ponto de viragem fundamental: uma passagem de «Isto é tudo o que

podes fazer» para «Quem sabe o que podes fazer?». Nesse momento,

Scott começou a interrogar ‑se pela primeira vez: Quem sou eu? Sou um

miúdo que não consegue aprender e sem futuro em concreto? Ou haverá

mais alguma coisa?

Para o descobrir, Scott inscreveu ‑se em todas as atividades esco‑

lares que pudessem ser mais desafiadoras. Latim. O grupo do espe‑

táculo musical da escola. O coro. Não precisou necessariamente de

ser o melhor em tudo, mas aprendeu com tudo o que fazia. E o que

Scott aprendeu foi que não era um caso perdido.

Uma coisa que descobriu que conseguia fazer com facilidade era

tocar violoncelo. O avô fora violoncelista na Orquestra de Filadélfia

durante quase 50 anos, e Scott pensou que ele poderia dar ‑lhe algu‑

mas lições. Assim foi e, no verão em que Scott pegou no violoncelo,

começou a praticar oito ou nove horas por dia. Estava mesmo deter‑

minado a melhorar e não apenas por gostar do violoncelo: «Sentia‑

‑me tão motivado para mostrar a alguém, fosse a quem fosse, que era

intelectualmente capaz de tudo. Nessa altura nem me preocupava

com a atividade em causa.»30

E o certo é que Scott se tornou mesmo melhor no que fazia e,

no outono, ganhou o seu lugar na orquestra da sua escola secundá‑

ria. Se a história acabasse neste preciso momento, já não teria nada

que ver com garra. Mas vejamos o que aconteceu depois. Scott man‑

teve — e até intensificou — a prática dos exercícios de violoncelo.

51

a d istr ação do talento

Nem almoçava para continuar a praticar. E até faltava a algumas

aulas. No último ano do secundário já ocupava a posição de segundo

violoncelista — era o segundo melhor da orquestra — e também

atuava no coro, arrebatando todo o tipo de prémios do departamento

de música.

Também começou a progredir nas aulas, que agora, na sua maio‑

ria, já eram de nível avançado. Quase todos os seus amigos faziam

parte do programa dos jovens dotados e talentosos, e Scott queria

juntar ‑se a eles. Queria falar de Platão e fazer puzzles mentais e

aprender ainda mais do que já conseguia aprender. É claro que com

as pontuações de QI que trazia da infância não tinha essa possibili‑

dade. Scott lembra ‑se de o psicólogo da escola desenhar uma curva

em forma de sino num guardanapo e de apontar para o ponto mais

alto — «Esta é a posição média» — e de, depois, mover o dedo para a

direita — «Aqui é onde terias de estar para entrar no programa dos

dotados e talentosos» — e de, em seguida, mover o dedo para a esquerda

— «E aqui é onde estás.»

«Em que ponto», perguntou Scott, «é que aquilo que se consegue

alcançar supera o potencial?»31

O psicólogo abanou a cabeça e apontou a porta a Scott.

No outono, Scott decidiu que queria estudar aquilo a que chama‑

vam «inteligência» e tirar as suas próprias conclusões. Candidatou ‑se

ao programa de ciência cognitiva da Universidade Carnegie Mellon.

E foi rejeitado. A carta de rejeição não especificava porquê, claro,

mas, atendendo às suas extraordinárias notas e aos feitos extracurri‑

culares, Scott só podia concluir que o obstáculo era a baixa classifica‑

ção obtida no SAT.

«Eu tinha ganas», recorda Scott32. «Disse para comigo: “Vou fazê‑

‑lo. Não me interessa como. Vou arranjar maneira de estudar o que

quero estudar”.» Depois disto, Scott foi a uma audição para o curso

de ópera da Carnegie Mellon. E porquê? Porque o curso de ópera

não dava muita atenção às classificações do SAT, concentrando ‑se

em vez disso na aptidão e na expressão musicais. No primeiro ano

Scott fez um curso livre de psicologia. E pouco depois escolheu psi‑

cologia como curso complementar. A seguir trocou a ópera pela

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grit: o poder da pa ix ão e da persever ança

psicologia como curso principal. E depois diplomou ‑se com distin‑

ção e louvor, entrando no grupo seleto da sociedade Phi Beta Kappa.

Tal como Scott, fiz um teste de QI na escola e fui considerada

insuficientemente inteligente para poder entrar nas aulas avança‑

das que eram destinadas aos dotados e talentosos33. Por qualquer

motivo — talvez algum professor tivesse querido que eu fizesse

um novo teste —, fui de novo avaliada no ano seguinte e obtive um

bom resultado. Talvez se possa dizer que fui considerada dotada

mesmo no limite.

Uma maneira de interpretar relatos como este é dizer que o talento

é uma coisa formidável, mas que os testes para o determinar não pres‑

tam. E é decerto possível argumentar que os testes de talento — bem

como os testes relativos a tudo o que os psicólogos estudam, incluindo

a capacidade de ter garra — são altamente imperfeitos.

Mas há uma outra conclusão que se pode extrair — a atenção uni‑

camente direcionada ao talento distrai ‑nos de algo que é, pelo menos,

tão importante como o talento: o esforço. No capítulo seguinte mos‑

trarei que, por muito que valha o talento, o esforço é duas vezes mais

importante.