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Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: MS 28178/DF; RE 684261/PR; RE 580252/MS; RE 816084 AgR/DF; HC 121089/AP. ÍNDICE DIREITO PROCESSUAL PENAL RECURSOS Possibilidade de emendatio libelli desde que não haja reformatio in pejus. DIREITO PREVIDENCIÁRIO APOSENTADORIA ESPECIAL Utilização do EPI pelo segurado e informações do PPP indicando eficácia dos equipamentos contra ruído. DIREITO PROCESSUAL PENAL RECURSOS Possibilidade de emendatio libelli desde que não haja reformatio in pejus O réu foi condenado, em 1ª instância, pela prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, II, do CP). O MP conformou-se com a sentença, mas a defesa interpôs apelação. O Tribunal entendeu que os fatos ocorreram realmente na forma como narrada pelo MP, mas que, em seu entendimento, isso configurou peculato (art. 312, § 1º do CP) e não furto qualificado. Vale ressaltar que, a fim de não prejudicar o réu/recorrente, o TJ manteve o quantum da pena imposta na sentença. O Tribunal fez uma emendatio libelli, mas isso não era permitido no caso concreto. Em princípio, é possível que o Tribunal, no julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli. No entanto, se o recurso era exclusivo da defesa, o Tribunal não pode causar uma piora na situação do réu, já que isso significa reformatio in pejus. No caso concreto, a pena imposta permaneceu a mesma. No entanto, mesmo assim houve um agravamento na situação do réu. Isso porque uma condenação por crime contra a Administração Pública (peculato) é mais grave e traz maiores efeitos deletérios do que uma condenação por crime contra o patrimônio (furto). Segundo o art. 33, § 4º do CP, os condenados pela prática de crime contra a Administração Pública somente podem obter a progressão de regime se efetuarem previamente a reparação do dano causado ou a devolução do produto do ilícito praticado. A análise da ocorrência ou não de reformatio in pejus não pode ficar restrita ao quantum da pena aplicada, devendo ser analisados os outros efeitos da condenação. STF. 2ª Turma. HC 121089/AP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/12/2014 (Info 770).

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Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista: MS 28178/DF; RE 684261/PR; RE 580252/MS; RE 816084 AgR/DF; HC 121089/AP.

ÍNDICE DIREITO PROCESSUAL PENAL

RECURSOS Possibilidade de emendatio libelli desde que não haja reformatio in pejus.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA ESPECIAL Utilização do EPI pelo segurado e informações do PPP indicando eficácia dos equipamentos contra ruído.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

RECURSOS Possibilidade de emendatio libelli desde que não haja reformatio in pejus

O réu foi condenado, em 1ª instância, pela prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, II, do CP). O MP conformou-se com a sentença, mas a defesa interpôs apelação. O Tribunal entendeu que os fatos ocorreram realmente na forma como narrada pelo MP, mas que, em seu entendimento, isso configurou peculato (art. 312, § 1º do CP) e não furto qualificado. Vale ressaltar que, a fim de não prejudicar o réu/recorrente, o TJ manteve o quantum da pena imposta na sentença.

O Tribunal fez uma emendatio libelli, mas isso não era permitido no caso concreto.

Em princípio, é possível que o Tribunal, no julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli. No entanto, se o recurso era exclusivo da defesa, o Tribunal não pode causar uma piora na situação do réu, já que isso significa reformatio in pejus.

No caso concreto, a pena imposta permaneceu a mesma. No entanto, mesmo assim houve um agravamento na situação do réu. Isso porque uma condenação por crime contra a Administração Pública (peculato) é mais grave e traz maiores efeitos deletérios do que uma condenação por crime contra o patrimônio (furto). Segundo o art. 33, § 4º do CP, os condenados pela prática de crime contra a Administração Pública somente podem obter a progressão de regime se efetuarem previamente a reparação do dano causado ou a devolução do produto do ilícito praticado.

A análise da ocorrência ou não de reformatio in pejus não pode ficar restrita ao quantum da pena aplicada, devendo ser analisados os outros efeitos da condenação.

STF. 2ª Turma. HC 121089/AP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/12/2014 (Info 770).

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Emendatio libelli e mutatio libelli Vamos relembrar as principais características e diferenças desses dois institutos:

Emendatio libelli Mutatio libelli

Quando ocorre Ocorre quando o juiz, ao condenar ou pronunciar o réu, altera a definição jurídica (a capitulação do tipo penal) do fato narrado na peça acusatória, sem, no entanto, acrescentar qualquer circunstância ou elementar que já não esteja descrita na denúncia ou queixa.

Quando ocorre Ocorre quando, no curso da instrução processual, surge prova de alguma elementar ou circunstância que não havia sido narrada expressamente na denúncia ou queixa.

Requisitos 1) Não é acrescentada nenhuma circunstância ou

elementar ao fato que já estava descrito na peça acusatória.

2) É modificada a tipificação penal.

Requisitos 1) É acrescentada alguma circunstância ou

elementar que não estava descrita originalmente na peça acusatória e cuja prova surgiu durante a instrução.

2) É modificada a tipificação penal.

Exemplo O MP narrou, na denúncia, que o réu, valendo-se de fraude eletrônica no sistema da internet banking, retirou dinheiro da conta bancária da vítima, imputando-lhe o crime de estelionato (art. 171 do CP). O juiz, na sentença, afirma que, após a instrução, ficou provado que os fatos ocorreram realmente na forma como narrada pelo MP, mas que, em seu entendimento, isso configura furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP).

Exemplo O MP narrou, na denúncia, que o réu praticou furto simples (art. 155, caput, do CP). Durante a instrução, os depoimentos revelaram que o acusado utilizou-se de uma chave falsa para entrar na coisa furtada. Com base nessa nova elementar, que surgiu em consequência de prova trazida durante a instrução, verifica-se que é cabível uma nova definição jurídica do fato, mudando o crime de furto simples para furto qualificado (art. 155, § 4º, III, do CP).

Previsão legal Prevista nos arts. 383, caput, e 418 do CPP: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa (leia-se: muda a capitulação penal), ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.

Previsão legal Prevista no art. 384 do CPP: Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

Procedimento Se o juiz, na sentença, entender que é o caso de realizar a emendatio libelli, ele poderá decidir diretamente, não sendo necessário que ele abra vista às partes para se manifestar previamente sobre isso. Tal se justifica porque no processo penal o acusado se defende dos fatos e como os fatos não mudaram, não há qualquer prejuízo ao réu nem violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença.

Procedimento 1) Se o MP entender ser o caso de mutatio libelli,

ele deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo máximo de 5 dias após o encerramento da instrução;

2) esse aditamento pode ser apresentado oralmente na audiência ou por escrito;

3) no aditamento, o MP poderá arrolar até 3 testemunhas;

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4) será ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 dias. Nessa resposta, além de refutar o aditamento, a defesa poderá arrolar até 3 testemunhas;

5) o juiz decidirá se recebe ou rejeita o aditamento;

6) se o aditamento for aceito pelo juiz, será designado dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado e realização de debates e julgamento.

Obs: se o órgão do MP, mesmo surgindo essa elementar ou circunstância, entender que não é caso de aditamento e o juiz não concordar com essa postura, aplica-se o art. 28 do CPP.

Espécies de ação penal em que é cabível:

ação penal pública incondicionada;

ação penal pública condicionada;

ação penal privada.

Espécies de ação penal em que é cabível:

ação penal pública incondicionada;

ação penal pública condicionada;

ação penal privada subsidiária da pública. Obs: somente o MP pode oferecer mutatio.

Emendatio libelli em 2º grau de jurisdição: É possível que o tribunal, no julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli, desde que não ocorra reformatio in pejus (STJ HC 87984 / SC).

Mutatio libelli em 2º grau de jurisdição: Não é possível, porque se o Tribunal, em grau de recurso, apreciasse um fato não valorado pelo juiz, haveria supressão de instância. Nesse sentido é a Súmula 453-STF.

Obs.1: a denúncia não precisa descrever as agravantes. Desse modo, caso a denúncia não narre determinada agravante, mesmo assim ela poderá ser reconhecida pelo juízo na sentença, sem necessidade de mutatio libelli. Obs.2: se, após realizar a emendatio ou mutatio, o juiz perceber que há possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, ele deverá abrir vista ao MP para oferecer a proposta. Ex: o crime imputado era furto qualificado e foi realizada a emendatio para estelionato. Como o estelionato permite a suspensão condicional do processo, deve ser feita a proposta pelo MP, mesmo o processo já estando com a instrução encerrada. Obs.3: se, após realizar a emendatio ou mutatio, a nova definição jurídica do crime acarretar a mudança da competência, o magistrado deverá declarar-se incompetente e encaminhar os autos ao juízo competente. Feitos os devidos esclarecimentos, imagine agora a seguinte situação adaptada: João foi condenado, em 1ª instância, a 2 anos de reclusão, pela prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, II, do CP). O MP conformou-se com a sentença, mas a defesa interpôs apelação ao Tribunal de Justiça. O TJ entendeu que os fatos ocorreram realmente na forma como narrada pelo MP, mas que, em seu entendimento, isso configurou peculato (art. 312, § 1º do CP) e não furto qualificado. Vale ressaltar que, a fim de não prejudicar o réu/recorrente, o TJ manteve a pena em 2 anos de reclusão.

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O TJ fez uma emendatio ou mutatio libelli? Emendatio libelli. Isso porque alterou a definição jurídica (a capitulação do tipo penal) do fato narrado na peça acusatória, sem, no entanto, acrescentar qualquer circunstância ou elementar que já não estivesse descrita na denúncia ou queixa. O TJ agiu corretamente no caso concreto? NÃO. É possível que o Tribunal, no julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli. No entanto, se o recurso era exclusivo da defesa, o Tribunal não pode causar uma piora na situação do réu, já que isso significa reformatio in pejus. No caso concreto, a pena imposta permaneceu a mesma. No entanto, mesmo assim houve um agravamento na situação do réu. Isso porque uma condenação por crime contra a Administração Pública (peculato) é mais grave e traz maiores efeitos deletérios do que uma condenação por crime contra o patrimônio (furto). Segundo o art. 33, § 4º, do CP, os condenados pela prática de crime contra a Administração Pública somente podem obter a progressão de regime se efetuarem previamente a reparação do dano causado ou a devolução do produto do ilícito praticado. Na espécie, apesar de ter sido aplicado o regime inicial aberto ao condenado, não se pode descartar que, durante a execução da reprimenda, ele poderá eventualmente sofrer a regressão de regime e, nesse caso, seria prejudicado. Desse modo, a análise da ocorrência ou não de reformatio in pejus não pode ficar restrita ao quantum da pena aplicada, devendo ser analisados os outros efeitos da condenação.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA ESPECIAL Utilização do EPI pelo segurado e informações do PPP

indicando eficácia dos equipamentos contra ruído

Importante!!!

Se a empresa fornecer EPI ao segurado e este for eficaz para inibir os efeitos do agente nocivo, o trabalho por ele desempenhado deixa de ser considerado especial para fins de aposentadoria? O segurado perderá o direito de esse tempo ser enquadrado como de atividade especial?

SIM. O STF decidiu que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde. Assim, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, o trabalhador não terá direito à concessão da aposentadoria especial.

A Corte não aceitou o argumento de que a aposentadoria especial seria devida em qualquer hipótese, desde que o ambiente fosse insalubre. Em outras palavras, não basta o risco potencial do dano, sendo necessária a efetiva exposição.

Resumindo, nas exatas palavras do STF: “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial”.

Um dos campos do Perfil Profissiográfico Profissional (PPP) indica se a empresa forneceu EPI para reduzir a exposição do trabalhador aos agentes nocivos e se tais equipamentos foram eficazes. Imagine, então, que o PPP informe que o segurado trabalhava com níveis de ruído acima de 85dB, mas, ao mesmo tempo, indique que o trabalhador utilizava EPI (protetores

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auriculares) e que estes eram eficazes. Nesse caso, o trabalho desempenhado continuará sendo considerado como especial para fins de aposentadoria? O segurado continuará tendo direito de que esse tempo seja enquadrado como de atividade especial?

SIM. Na hipótese de o trabalhador ser exposto a RUÍDO acima dos limites legais de tolerância (atualmente 85dB), a declaração do empregador, no âmbito do PPP, de que o EPI fornecido é eficaz, não serve para descaracterizar esse tempo de serviço como especial para fins de aposentadoria.

Está provado na literatura científica e de medicina do trabalho que o uso de EPI com o intuito de evitar danos sonoros não é capaz de inibir os efeitos nocivos do ruído na saúde do trabalhador. Dito de outro modo, em matéria de ruído, o uso de EPI não é eficaz para eliminar a nocividade. Mesmo utilizando o aparelho, o trabalhador terá danos à sua saúde. Logo, faz jus ao tempo especial mesmo que haja EPI.

Nas exatas palavras do STF: “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria”.

STF. Plenário. ARE 664335/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 4/12/2014 (repercussão geral) (Info 770).

APOSENTADORIA ESPECIAL Aposentadoria especial é aquela cujos requisitos e critérios exigidos do beneficiário são mais favoráveis que os estabelecidos normalmente para as demais pessoas. No passado, era comum que a lei criasse aposentadorias especiais para determinadas categorias que, na verdade, não precisavam desse tratamento diferenciado. Havia, portanto, um abuso, o que fez com que muitas pessoas se aposentassem extremamente jovens e ainda saudáveis, prejudicando o equilíbrio atuarial da Previdência. Pensando nisso, a CF/88 foi alterada pelas ECs 20/98 e 47/2005 e passou a proibir, em regra, aposentadorias especiais no RGPS, permitindo-as somente em duas situações excepcionais (art. 201, § 1º da CF/88). Regra geral: são proibidas aposentadorias especiais A CF/88 estipula, como regra geral, que a lei não pode adotar requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social (“regime do INSS”). Em outras palavras, em regra, a lei não pode estabelecer que determinados grupos de pessoas tenham condições “mais fáceis” para se aposentar. Exceções A própria CF/88 admite duas exceções a essa regra. Assim, de forma excepcional, o § 1º do art. 201 da CF/88 estabelece que LEI COMPLEMENTAR poderá prever requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria em dois casos:

1) Para as pessoas que exercem atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (obs: inserida na CF/88 pela EC 20/98)

Disciplinada pelos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91 (que, nesse ponto, tem status de lei complementar).

2) Para segurados portadores de deficiência (obs: inserida na CF/88 pela EC 47/05).

Disciplinada pela LC 142/2013.

Obs: quando a EC 20/98 foi editada prevendo a exceção 1 e exigindo lei complementar para que ela fosse disciplinada, a aposentadoria especial para pessoas que exercem atividades que prejudiquem a saúde ou a

integridade física já era tratada pelos arts. 57 e 58 da Lei n. 8.213/91. Em virtude isso, o art. 15 da EC 20/98 estabeleceu o seguinte: “até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal,

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seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991”. Logo, é possível entender que esses dois artigos foram expressamente recepcionados pela EC 20/98. APOSENTADORIA ESPECIAL POR EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE O julgado analisado está relacionado com a primeira exceção: aposentadoria especial para as pessoas que exercem atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. O segurado terá direito a aposentadoria especial se tiver trabalhado sujeito (exposto) a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos. Esse tempo necessário para a aposentadoria (15, 20 ou 25 anos) irá variar de acordo com o tipo de agente nocivo a que ele estava exposto. É como se houvesse uma gradação de nocividade: agentes altamente nocivos, com nocividade média e nocividade leve. Assim, se a pessoa trabalhou exposta a determinado agente altamente nocivo, seu tempo de aposentadoria será 15 anos, por exemplo. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos, considerados para fins de concessão de

aposentadoria especial, está prevista no Anexo IV do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.

3.048/99), conforme autoriza a Lei n. 8.213/91:

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.

Ex: um dos agentes considerados nocivos e que dão direito à aposentadoria é o ruído. Assim, se ficar comprovado que o indivíduo trabalhou durante 25 anos sujeito a ruído em níveis superiores aos que são permitidos pela legislação, ele terá direito à aposentadoria especial. A partir de quantos decibéis o ruído é considerado atividade especial?

Antes do Decreto 2.171/97 (até 05/03/1997) Acima de 80 decibéis.

Depois do Decreto 2.171/97 e antes do Decreto 4.882/2003 (de 06/03/1997 até 18/11/2003)

Acima de 90 decibéis.

A partir do Decreto 4.882/2003 (de 19/11/2003 até hoje) Acima de 85 decibéis.

EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI) Existem determinados dispositivos ou produtos que são fornecidos pela empresa e utilizados pelo trabalhador com o objetivo de protegê-lo contra os agentes nocivos à sua saúde e integridade física. A isso chamamos de “Equipamentos de Proteção Individual” (EPI). Exs: protetores auriculares, óculos, viseiras, capacetes, luvas, cintos de segurança etc. A grande polêmica que havia era a seguinte: se a empresa fornecer EPI ao segurado e este for eficaz para inibir os efeitos do agente nocivo, o trabalho por ele desempenhado deixa de ser considerado especial para fins de aposentadoria? O segurado perderá o direito de esse tempo ser enquadrado como de atividade especial? SIM. O STF decidiu que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde. Assim, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, o trabalhador não terá direito à concessão da aposentadoria especial. A Corte não aceitou o argumento de que a aposentadoria especial seria devida em qualquer hipótese, desde que o ambiente fosse insalubre. Em outras palavras, não basta o risco potencial do dano, sendo necessária a efetiva exposição.

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Resumindo, nas exatas palavras do STF: “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial”. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO (PPP) O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é um documento que mostra o histórico laboral do trabalhador reunindo diversas informações sobre o seu trabalho, inclusive a respeito das condições em que ele exercia suas atividades, se estava exposto a agentes nocivos, se a empresa fornecia EPI etc. (IN INSS DC 95/2003). Os dados que precisam constar no PPP estão previstos em instrução normativa do INSS, devendo esse documento ser atualizado sempre que houver novas informações que impliquem na mudança do seu conteúdo. Pelo menos uma vez por ano, o PPP deverá ser atualizado (art. 272, § 7º da IN INSS PRES 45/2010). O PPP será impresso quando ocorrer a rescisão do contrato de trabalho ou sempre que solicitado pelo trabalhador, para fins de requerimento de reconhecimento de períodos laborados em condições especiais. O INSS (e outras autoridades) também poderão solicitar da empresa uma cópia do PPP (art. 272, § 11 da IN INSS PRES 45/2010). Vale ressaltar que o PPP deverá indicar o nome do profissional legalmente habilitado que foi o responsável por avaliar a existência ou não dos agentes nocivos ambientais. O PPP será assinado pelo representante legal da empresa. Um dos campos do PPP indica se a empresa forneceu EPI para reduzir a exposição do trabalhador aos agentes nocivos e se tais equipamentos foram eficazes. Imagine, então, que o PPP informe que o segurado trabalhava com níveis de ruído acima de 85dB, mas, ao mesmo tempo, indique que o trabalhador utilizava EPI (protetores auriculares) e que estes eram eficazes. Nesse caso, o trabalho desempenhado continuará sendo considerado como especial para fins de aposentadoria? O segurado continuará tendo direito de que esse tempo seja enquadrado como de atividade especial? SIM. Na hipótese de o trabalhador ser exposto a RUÍDO acima dos limites legais de tolerância (atualmente 85dB), a declaração do empregador, no âmbito do PPP, de que o EPI fornecido era eficaz, não serve para descaracterizar esse tempo de serviço como especial para fins de aposentadoria. Está provado na literatura científica e de medicina do trabalho que o uso de EPI com o intuito de evitar danos sonoros não é capaz de inibir os efeitos nocivos do ruído na saúde do trabalhador. Dito de outro modo, em matéria de ruído, o uso de EPI não é eficaz para eliminar a nocividade. Mesmo utilizando o aparelho, o trabalhador terá danos à sua saúde. Logo, faz jus ao tempo especial mesmo que haja EPI. Nas exatas palavras do STF: “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria”.

SINTETIZANDO:

Regra: se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá direito à aposentadoria especial.

Exceção: RUÍDO No caso de ruído acima dos limites legais de tolerância, mesmo que o PPP diga que o EPI é eficaz, o segurado terá direito à aposentadoria especial. Isso porque está provado na literatura científica e de medicina do trabalho que o uso de EPI com o intuito de evitar danos sonoros não é capaz de inibir os efeitos nocivos do ruído na saúde do trabalhador. Logo, essa informação do PPP está em confronto ao consenso científico.

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OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 1º a 5 de dezembro de 2014

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 837.311-PI

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À

NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO

PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. TEMA 784.

REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 843.455-DF

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: DIREITO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR PARA PREFEITO MUNICIPAL.

CANDIDATA CASADA COM O ANTERIOR OCUPANTE DO CARGO. OBSERVÂNCIA DO PRAZO DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DE

SEIS MESES (ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. 1. Possui repercussão geral a questão relativa à observância, em eleição suplementar, do prazo de desincompatibilização de seis meses previsto no art.

14, § 7º, da CF/88. 2. Repercussão geral reconhecida.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 837.041-PE

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. MANDADO DE INJUNÇÃO. ESTADO DE PERNAMBUCO. SERVIDORES PÚBLICOS. ART. 7º, IX, DA CONSTITUIÇÃO. REGULAMENTAÇÃO DO PAGAMENTO DE ADICIONAL NOTURNO.

MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

1. A controvérsia relativa à regulamentação do pagamento de adicional noturno para servidores públicos do Estado de Pernambuco, fundada na interpretação da Lei Estadual 10.784/92, é de natureza infraconstitucional.

2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando

eventual ofensa à Carta Magna se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).

3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.

QUEST. ORD. EM AO N. 1.814-MG

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

COMPETÊNCIA – AÇÃO – RITO ORDINÁRIO – UNIÃO – MÓVEL – ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cabe à Justiça Federal processar e julgar ação ajuizada contra a União presente ato do Conselho Nacional de Justiça. A alínea “r” do inciso I do artigo 102 da Carta da

República, interpretada de forma sistemática, revela a competência do Supremo apenas para os mandados de segurança.

*noticiado no Informativo 760

RE N. 680.089-SE

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Recurso extraordinário. 2. Constitucional e Tributário. 3. Interpretação do art. 155, § 2º, VII, “a” e “b”, VIII, da Constituição Federal. Vendas realizadas de forma não presencial a consumidor final não contribuinte do imposto. Aplicação da alíquota interna no estado de origem. 4. Protocolo

CONFAZ nº 21/2011. Inconstitucionalidade. 5. Modulação dos efeitos. 6. Repercussão geral. 7. Recurso extraordinário não provido.

*noticiado no Informativo 759

Decisões Publicadas: 3

C L I P P I N G D O D JE 1º a 5 de dezembro de 2014

ADI N. 2.755-ES

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30/2001. ALTERAÇÃO DO INC. III DO

ART. 63 DA CONSTITUIÇÃO CAPIXABA. EMENDA QUE REDUZIRIA A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO GOVERNADOR PARA PROPOSITURA DE LEI. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E PESSOAL DA ADMINISTRAÇÃO DO PODER EXECUTIVO. ALEGADA

CONTRARIEDADE AOS ARTS. 2°, 61, § 1º, INC. II, AL. B, E 84, INC. VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO CONFIGURADA.

1. O art. 84, inc. VI, da Constituição da República, nos termos transcritos pelo Autor, não pode ser adotado como parâmetro de controle de constitucionalidade por ter sido revogado antes do ajuizamento da ação. Ação não conhecida nessa parte. Precedentes.

2. A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a reserva de lei de iniciativa do Chefe do Executivo, prevista no art. 61,

§ 1º, inc. II, alínea b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais. Precedentes. 3. A Emenda Constitucional capixaba n. 30/2001 não importou em descumprimento do princípio da separação entre os poderes porque a competência

do Governador do Estado foi mantida no ordenamento jurídico, tanto por normas contidas na Constituição da República quanto por normas da

Constituição Estadual.

Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 9

4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada improcedente.

*noticiado no Informativo 766

ADI N. 2.880-MA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Ação direta de inconstitucionalidade.

2. Art. 49 do Código de Normas criado pelo Provimento nº 4/99 da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão:

autorização do Presidente para ausência de magistrados da comarca. 3. Dupla inconstitucionalidade formal: matéria reservada a lei complementar e iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal. 4. Precedentes.

5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

*noticiado no Informativo 765

REFERENDO EM MED.CAUT. EM ADPF N. 309-DF

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PODER DE CAUTELA – JUDICIÁRIO. Além de resultar da cláusula de acesso para evitar lesão a direito – parte final do inciso XXXV do artigo 5º da

Constituição Federal –, o poder de cautela, mediante o implemento de liminar, é ínsito ao Judiciário. POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSIBILIDADE – REGULAMENTAÇÃO – MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES – AFASTAMENTO POR DECISÃO DE

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – ARGUIÇÃO NO SUPREMO – PENDÊNCIA DE APRECIAÇÃO – SEPARAÇÃO DE PODERES – INSEGURANÇA

JURÍDICA – LIMINAR REFERENDADA. Envolvida matéria de alta complexidade técnica e pendente de solução em outra arguição formalizada, cumpre suspender decisão

judicial a se sobrepor a futuro pronunciamento do Supremo.

*noticiado no Informativo 760

REFERENDO EM MED.CAUT. EM ADPF N. 316-DF

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – CAUTELAR – REFERENDO – AGRAVO REGIMENTAL –

INADEQUAÇÃO. A simples circunstância de o ato ficar sujeito a referendo afasta a adequação do agravo regimental, devendo a minuta ser tomada

como memorial. Precedente: Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.626/MA, de minha relatoria, julgada em 3 de maio de 2007.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – PODER DE CAUTELA – REFERENDO. Uma vez presentes a

relevância do pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia o quadro, impõe-se, estando o Tribunal em recesso, ou verificado o curso de férias coletivas, a apreciação do pleito de concessão de liminar pelo Presidente, submetendo-se o pronunciamento ao Colegiado na abertura dos

trabalhos.

SERVIÇOS PORTUÁRIOS E REGIME DOS PORTOS – ARTIGOS 21, INCISO XII, ALÍNEA “F”, E 22, INCISO X, DA CARTA DA REPÚBLICA – COMPETÊNCIA MATERIAL E LEGISLATIVA DA UNIÃO – LEI MUNICIPAL RESTRITIVA – VIOLAÇÃO DE PRECEITO FUNDAMENTAL –

PACTO FEDERATIVO. De início, surge contrário ao preceito fundamental da Federação lei municipal restritiva de operações comerciais em área

portuária ante a competência da União para, privativamente, legislar sobre o regime dos portos e explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, tais atividades. Liminar referendada.

*noticiado no Informativo 760

ARE N. 704.520-SP

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Recurso extraordinário com agravo. Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT). 2. Redução

dos valores de indenização do seguro DPVAT pela Medida Provisória 340/2006, convertida na Lei 11.482/2007. 3. Constitucionalidade da modificação empreendida pelo art. 8º da Lei 11.482/007 no art. 3º da Lei 6.194/74. 4. Medida provisória. Pressupostos constitucionais de relevância e

urgência. Discricionariedade. Precedentes. 5. Princípio da dignidade da pessoa humana. Ausência de violação. 6. Repercussão geral. 7. Recurso

extraordinário não provido. *noticiado no Informativo 764

Acórdãos Publicados: 274

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Meio Ambiente - Competência Municipal - Lei e Regulamento (Transcrições)

RE 673.681/SP*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: Lei municipal contestada em face de Constituição estadual. Possibilidade de controle normativo abstrato por Tribunal de Justiça (CF, art. 125, § 2º). Competência do Município para dispor sobre preservação e defesa da integridade do meio ambiente. A

incolumidade do patrimônio ambiental como expressão de um direito fundamental constitucionalmente atribuído à generalidade das

pessoas (RTJ 158/205-206 RTJ 164/158-161, v.g). A questão do meio ambiente como um dos tópicos mais relevantes da presente agenda nacional e internacional. O poder de regulação dos Municípios em tema de formulação de políticas públicas, de regras e de estratégias

legitimadas por seu peculiar interesse e destinadas a viabilizar, de modo efetivo, a proteção local do meio ambiente. Relações entre alei e o

regulamento. Os regulamentos de execução (ou subordinados) como condição de eficácia e aplicabilidade da norma legal dependente de regulamentação executiva. Previsão, no próprio corpo do diploma legislativo, da necessidade de sua regulamentação. Inocorrência de

ofensa, em tal hipótese, ao postulado da reserva constitucional de administração ,que traduz emanação resultante do dogma da divisão

funcional do poder. Doutrina. Precedentes. Legitimidade dacompetência monocrática do Relator para, em sede recursal extraordinária, tratando-se de fiscalização abstrata sujeita à competência originária dos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 2º), julgar o apelo extremo, em

Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 10

ordem, até mesmo, a declarar a inconstitucionalidade ou a confirmar a validade constitucional do ato normativo impugnado. Precedentes (RE

376.440-ED/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno, v.g.). Recurso extraordinário conhecido e provido

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade

(CF, art. 125, § 2º) pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 105):

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 4.814/2009, DO MUNICÍPIO DE MOGI MIRIM, QUE

DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA COMERCIALIZAÇÃO, NA TROCA E NO DESCARTE DE ÓLEO

LUBRIFICANTE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO EXECUTIVO, JÁ QUE CRIA OBRIGAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE

PODERES. DIPLOMA QUE IMPLICA AUMENTO DE DESPESA SEM INDICAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO. OFENSA AO

PRINCÍPIO DA PRIMAZIA. IMPOSSIBILIDADE DE DIVIDIR A LEI EM PARTES VÁLIDAS E PARTES INVÁLIDAS. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE”. (grifei)

A parte ora recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que o Tribunal a quo teria transgredido preceitos inscritos na

Constituição da República.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO, ao opinar pelo provimento do recurso extraordinário em questão, formulou parecer do qual destaco o seguinte fragmento (fls. 218/219):

“Com efeito, o município de Mogi Mirim tem competência legislativa e administrativa para promover a defesa do meio ambiente e

zelar pela saúde dos cidadãos, nos termos do art. 23, II, VI e VII, da CF/88, podendo, nestes temas, regular a matéria ou suplementar a

legislação federal, em face do peculiar interesse na preservação efetiva destes bens. Assim, a Lei Municipal 4.814/09 , de iniciativa parlamentar, tratando de matéria de interesse local , mostra-se constitucional ,

ressalvados, entretanto, os dispositivos que criaram obrigações ao Poder Executivo, porquanto invadiram a esfera da atividade típica da

administração. Neste sentido, descabida a declaração de inconstitucionalidade integral do texto legal, que se apresenta plenamente válido na parte

que respeita o princípio da separação dos poderes, nos termos referidos.” ( grifei )

Sendo esse o contexto, passo a examinar o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão ao parecer da douta

Procuradoria-Geral da República, cujos termos adoto como fundamento da presente decisão, valendo-me, para tanto, da técnica da motivação per relationem, reconhecida comoplenamente compatível com o texto da Constituição (AI 738.982/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA AI

809.147/ES, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA AI814.640/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI ARE 662.029/SE , Rel. Min. CELSO DE

MELLO HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO RE 37.879/MG, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, v.g.):

“Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação per relationem,

que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado referindo-se,

expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou , ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao

ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir . Precedentes.” (AI 825.520-AgR-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Impende assinalar, no ponto, por relevante, que o Supremo Tribunal Federal, examinando a matéria ora em julgamento, consagrou

diretriz jurisprudencial que torna acolhível a pretensão recursal em análise (ADI 3.338/DF, Red. p/ o acórdão Min. EROS GRAU RE 474.922-

segundo-AgR/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. 1. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO AMBIENTAL . PRECEDENTES. (…). 3. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE

NEGA PROVIMENTO.”

(AI 856.768-AgR/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA grifei)

Cumpre destacar, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a seguinte passagem do voto do eminente Ministro AYRES BRITTO proferido por ocasião do julgamento plenário da ADI 3.338/DF, em sentido que confere plena legitimidade

constitucional ao diploma normativo local ora questionado:

“(...) além de a Constituição conferir a competência material aos Estados e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a

poluição em qualquer de suas formas (art. 23,VI ), ela, Constituição Federal, também na matéria, confere a competência de ordem

legislativa , expressamente, art. 24, inciso VI.” (grifei)

Essa mesma compreensão do tema é também perfilhada por autorizado magistério doutrinário (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Direito

Ambiental Constitucional, p. 81/82, item n. 14, 9ª ed., 2011, Malheiros; CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO, Curso de Direito Ambiental

Brasileiro, p. 219/220, item n. 4.2, 2012, Saraiva; PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, p. 442/444, item n. 3, 2013, Malheiros), como se depreende da expressiva lição de PAULO DE BESSA ANTUNES (Direito Ambiental , p. 110/111, item n. 2.3, 15ª ed.,

2013, Atlas):

“O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local;

suplementar a legislação federal e estadual no que couber; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,

observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos

Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e

mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm

competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal.” ( grifei )

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que assiste ao Município competência constitucional para formular regras e legislar sobre

proteção e defesa do meio ambiente, que representa encargo irrenunciável que incide sobre todos e cada um dos entes que integram o Estado Federal brasileiro.

Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 11

Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração

constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas .

Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Trata-se consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO) com apoio em douta

lição expendida por CELSO LAFER (A reconstrução dos Direitos Humanos, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras) de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano.

Tal circunstância, por isso mesmo, justifica a especial obrigação que incumbe ao Estado e à própria coletividade (PAULO AFFONSO

LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, p. 121/123, item n. 3.1, 13ª ed., 2005, Malheiros) de defender e de preservar essa magna prerrogativa em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves

conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de

todos quantos compõem o grupo social. Vale referir, neste ponto, até mesmo em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade internacional em tema de

direitos humanos, que estes, em seu processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de compreensão e abordagem, que permitem

distingui-los em ordens, dimensões ou fases sucessivas resultantes de sua evolução histórica (RTJ 164/158-161, v.g.). Nesse sentido, é de assinalar que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade

coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um

momento importante no processo de expansão e de reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma naturezaessencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado magistério

doutrinário (CELSO LAFER, Desafios: ética e política, p. 239, 1995, Siciliano). Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES (Curso de

Direito Constitucional, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993, Malheiros), que confere particular ênfase, entre os direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado:

“Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos

que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro

por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução

de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao

desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (grifei)

A preocupação com a preservação do meio ambiente que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, p. 123/124, item n. 3.2, 13ª ed., 2005, Malheiros) tem

constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas que, ultrapassando a província meramente doméstica do

direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.

A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova

agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, Direito Ambiental Internacional, 2ª ed., 2002, Thex Editora),

particularmente no ponto em que se reconheceu ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar.

Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (Direito Ambiental

Constitucional, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros):

“A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem

realizados e direitos a não serem perturbados.

....................................................................................................... O que é importante (…) é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do

Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator

preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar

sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade

do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida.” (grifei)

Dentro desse contexto, emerge, com nitidez, a ideia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado

e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais (pelos Municípios, inclusive), qualificando-se como encargo irrenunciável que se

impõe sempre em benefício das presentes e das futuras gerações tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada (MARIA

SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Polícia do Meio Ambiente, in Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO BARROSO, A proteção do

meio ambiente na Constituição brasileira, in Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).

Na realidade, o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo

de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, em um sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social.

O reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

constitui, portanto, uma realidade a que não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional, como enfatizado por

autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público, p. 223/224, item n. 132, 1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA

SILVA, Direito Ambiental Constitucional, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros). São todos esses motivos que têm levado o Supremo Tribunal Federal a consagrar, em seu magistério jurisprudencial, o reconhecimento do

direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de todos os entes políticos que compõem a estrutura institucional da Federação em

nosso País, com particular destaque para os Municípios, em face do que prescreve, quanto a eles, a própria Constituição da República (art. 30, incisos I, II e VII, c/c o art. 23, incisos II e VI):

“A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO

FUNDAMENTAL QUE ASSISTE ÀGENERALIDADE DAS PESSOAS .

Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 12

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe ao Estado e à própria coletividade a especial obrigação de

defender e preservar, em benefício das presentes e das futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da

coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção

desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina.

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AOMEIO AMBIENTE.

A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege,

está subordinada, entre outros princípios gerais, àquele que privilegia a defesa do meio ambiente (CF, art. 170, VI), que traduz conceito

amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina.

Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para

que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu

aspecto físico ou natural.

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA

INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DAECONOMIA E AS DA ECOLOGIA.

O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as

exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre

valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das

pessoas, a serresguardado em favor das presentes e futuras gerações.

…................................................................................................... É lícito ao Poder Público qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-

membros, Distrito Federal e Municípios) autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos

espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime

jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).”

(ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Resulta claro, desse modo, em face do que venho de expor, que o acórdão ora impugnado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na análise da matéria em referência, especialmente se se considerar que o Município, também ele, dispõe de competência

para legislar e editar normas de proteção ao meio ambiente e de defesa da saúde dos cidadãos.

Acentuo, de outro lado, que não vislumbro qualquer eiva de inconstitucionalidade nos parágrafos únicos dos arts. 1º e 8º do diploma

legislativo municipal em causa, que se limitaram a explicitar o dever-poder do Executivo de regulamentar as leis , como condição, até mesmo , de

sua própria aplicabilidade, eis que como ninguém o desconhece há situações em que as leis não são exequíveis antes da expedição do decreto regulamentar, porque esse ato é conditio juris da atuação normativa da lei, operando o regulamento, nessa específica hipótese, como condição

suspensiva da execução da norma legal, deixando seus efeitos pendentes até a expedição do ato do Executivo (HELY LOPES MEIRELLES, Direito

Administrativo Brasileiro, p. 137/138, item n. 6, atualizado por DÉLCIO BALESTERO ALEIXO e JOSÉ EMMANUEL BURLE FILHO, 39ª ed., 2013, Malheiros).

Não se desconhece que a atividade regulamentar primária tem assento na própria Constituição, que confere ao Poder Executivo, em

cláusula extensível a todas as unidades da Federação (DIOGENES GASPARINI, Direito Administrativo, p. 92/93, II, item n. 1, 1989, Saraiva; RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO, Curso de Direito Administrativo, p. 296, item n. 4.3, 2008, JusPODIVM; CELSO ANTÔNIO

BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, p. 355, VII, item n. 16, 29ª ed., 2012, Malheiros, v.g. ), competência para expedir

decretos e regulamentos para sua fiel execução ( CF , art. 84, IV). Desse modo, a mera referência, em texto normativo, ao dever de regulamentar a lei editada, mesmo quando desnecessária tal providência,

não transgride opostulado constitucional da reserva de administração, cujo sentido e alcance já foram definidos pelo Supremo Tribunal Federal (RE

427.574-ED/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à

exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão

dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes.

Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por

lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo no estrito desempenho de suas privativas atribuições

institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder,

representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em

sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” ( ADI 2.364-MC/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Dúvida poderia surgir se a norma legal mas este não é o caso dos autos houvesse estabelecido prazo para o Chefe do Poder Executivo editar

o decreto consubstanciador do regulamento de execução, pois, em tal situação, há autores que sustentam a inconstitucionalidade de leis que

estipulem prazos para efeito de formulação de regulamentos executivos ou de execução, como observa DIOGENES GASPARINI (Poder

Regulamentar, p. 118/120, item n. 12, 2ª ed., 1982, RT), muito embora outros doutrinadores eminentes entendam plenamente legítima a

definição, em lei , de prazo razoável para regulamentá-la (ROQUE ANTONIO CARRAZZA, O Regulamento no Direito Tributário Brasileiro, p.

112, item n. 5.2.1, 1981, RT), vislumbrando alguns, até mesmo, na omissão de referido prazo, inconstitucionalidade do próprio diploma legislativo, como adverte JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (Manual de Direito Administrativo, p. 61, item n. 2.2, 25ª ed., 2012, Atlas):

“A ausência, na lei, de fixação de prazo para a regulamentação afigura-se-nos inconstitucional, uma vez que não pode o Legislativo

deixar ao exclusivo alvedrio do Executivo a prerrogativa de só tornar a lei exequível quando julgar conveniente. (…).” (grifei)

Informativo 770-STF (16/12/2014) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 13

É importante destacar, na linha do pensamento doutrinário (EDUARDO ESPÍNOLA e EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, A Lei de

Introdução ao Código Civil Brasileiro, vol. 1/49-50, item n. 25, 2ª ed., 1995, Renovar; ORLANDO GOMES, Introdução ao Direito Civil, p. 48,

item n. 24, 3ª ed., 1971, Forense; AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO, Introdução ao Direito Tributário, p. 49/53, 5ª ed., Forense, v.g.), que, muitas vezes, a plena eficácia e a integral aplicabilidade das leis dependem da colaboração do Poder Executivo, que atua , expressamente autorizado por

norma constitucional (CF , art. 84, IV), mediante edição dos denominados regulamentos executivos ou de execução, como salienta CAIO MÁRIO

DA SILVA PEREIRA (Instituições de Direito Civil , vol. I/84, item n. 17, 23ª ed., Forense):

“Por outro lado, quando uma lei depende de regulamentação, não entra em vigor antes que o Poder Executivo baixe o decreto nesse sentido.” (grifei)

Essa mesma visão sobre o tema já havia sido exposta por CLOVIS BEVILAQUA (Código Civil Comentado, vol. I/97, item n. 4, 7ª ed.,

1944, Francisco Alves), cujo magistério, a propósito das leis dependentes de regulamentação, enfatiza que a edição do concernente decreto

regulamentar atua como verdadeira condição de aplicabilidade e executoriedade de tais diplomas legislativos:

“Se, para a execução da lei, for necessário regulamento, somente depois da publicação deste, ela se tornará obrigatória, porque os seus dispositivos dependem desse complemento. Se apenas uma parte da lei depender do regulamento, somente a essa parte se aplica a

regra.” (grifei)

Esta própria Suprema Corte, por sua vez, já se pronunciara em igual sentido, assinalando, no julgamento do RE 9.920/MG, Rel. Min.

RIBEIRO DA COSTA, que(...) A lei, cuja execução depender de regulamento, somente se torna obrigatória, a partir do ato regulamentador ( grifei

).

Cabe registrar, por oportuno, que esse magistério jurisprudencial vem sendo observado pelos Tribunais em geral, notadamente pelo E.

Superior Tribunal de Justiça (REsp 855.175/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, v.g.), cujos julgados têm acolhido essa mesma orientação :

“4. Distinção entre eficácia e vigência. No caso de leis que necessitam de regulamentação, sua eficácia opera-se após a entrada em

vigor do respectivo decreto ou regulamento. O regulamento transforma a estática da lei em condição dinâmica.” (…).

(REsp 408.621/RS, Rel. Min. LUIZ FUX grifei)

Por tal motivo, não vejo como manter a pronúncia de inconstitucionalidade emanada, nesse ponto, do E. Tribunal de Justiça local.

Cumpre observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o não provimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata

têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como

sucede na espécie, o litígio constitucional já tenhasido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE RE 334.868-AgR/RJ , Rel. Min. AYRES BRITTO RE 336.267/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO RE 353.350-AgR/ES, Rel.

Min. CARLOS VELLOSO RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES RE371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA RE 396.541/RS, Rel. Min.

CARLOS VELLOSO RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO RE 592.477/SP, Rel. Min.

RICARDO LEWANDOWSKI RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Mostra-se importante relembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (RE 376.440-ED/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI), realizado em 18/09/2014, reafirmou essa orientação jurisprudencial, reconhecendo a possibilidade de o Ministro Relator da

causa, tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade sujeita à competência originária dos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 2º), julgar, monocraticamente, o pertinente recurso extraordinário, inclusive para declarar, até mesmo, a própria ilegitimidade constitucional do diploma

normativo local, desde que idêntica controvérsia já tenha sido apreciada por esta Corte Suprema em outros processos.

Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, conheço do presente recurso extraordinário, para dar-lhe integral provimento (CPC, art. 557, § 1º-A), em ordem a confirmar a inteira validade constitucional da Lei nº 4.814,

de 07/08/2009, editada pelo Município de Mogi-Mirim/SP.

Publique-se. Brasília, 05 de dezembro de 2014.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJe de 16.12.2014

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 1º a 5 de dezembro de 2014

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Alteração - Entidades públicas e privadas - Quadro

de pessoal Lei nº 13.046, de 1.12.2014 - Altera a Lei no 8.069, de 13.7.1990, que “dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências”, para obrigar entidades a terem, em seus quadros, pessoal capacitado para

reconhecer e reportar maus-tratos de crianças e adolescentes. Publicada no DOU, n. 233, Seção 1, p. 1-2, em 2.12.2014.

Lei nº 13.047, de 2.12.2014 - Altera as Leis nos 9.266, de 15.3.1996, que reorganiza as classes da Carreira Policial

Federal, fixa a remuneração dos cargos que as integram e dá outras providências, e 9.264, de 7.2.1996. Publicada no

DOU em 3.12.2014, Seção 1, p. 1.

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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