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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE PEDÁGIO QUANDO O ESTADO NÃO FORNECE VIA ALTERNATIVA MARIA ANGELITA VENTURA WOLL Itajaí (SC), junho de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE PEDÁGIO QUANDO O ESTADO NÃO FORNECE VIA ALTERNATIVA

MARIA ANGELITA VENTURA WOLL

Itajaí (SC), junho de 2006

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE PEDÁGIO QUANDO O ESTADO NÃO FORNECE VIA ALTERNATIVA

MARIA ANGELITA VENTURA WOLL

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Emerson de Morais Granado

Itajaí (SC), junho de 2006

AGRADECIMENTO

Em primeiro lugar ao grande criador que me deu a vida, aos meus pais, Anísio Vicente Ventura e Calixta Anastácia Ventura, que

partiram mas deixaram muitas saudades e boas lembranças. Ao meu esposo que teve muita

paciência para suportar meu mau humor, e me apoiou durante a pesquisa, ao meu filho querido

que compreendeu a minha ausência. Em fim, a todos que estiveram ao meu lado e que sempre

me incentivaram para que concluísse este trabalho.

ESTE TRABALHO DEDICO:

A todos os que, em algum momento me ouviram, me apoiaram ou demonstraram com gestos e

palavras, carinho e compreensão, em especial meu professor e orientador Emerson Morais

Granado.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 13 de junho de 2006.

Maria Angelita Ventura Woll Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Maria Angelita Ventura Woll, sob o

título Inconstitucionalidade da Cobrança de Pedágio Quando o Estado não

Fornece Via Alternativa, foi submetida em 13 de junho de 2006 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Emerson Morais Granado

(Orientador e Presidente da Banca), Dr. Álvaro Borges de Oliveira (Membro) e

Eduardo Erivelton Campos (Membro) e aprovada com nota 9,5 (nove virgula

cinco).

Itajaí (SC), 13 de junho de 2006.

Prof. MSc Emerson de Morais Granado Orientador e Presidente da Banca

Prof. MSc Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CCB Código Civil Brasileiro CEJURPS Centro de Ciências Jurídicas Políticas e Sociais CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 STJ Superior Tribunal de Justiça TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina TRF Tribunal Regional Federal UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias1 que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.

Administração Pública:

O Estado tanto pode desenvolver por si mesmo as

atividades administrativas que tem constitucionalmente ao seu cargo, como pode

prestá-las através de outros sujeitos.3

Estado:

“[...] como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem

comum de um povo situado em determinado território”.4

Direito de Liberdade:

[...] é a manifestação mais visível da liberdade pessoal, por

isso muitas vezes a liberdade pessoal e identificada com a liberdade de

locomoção, com a liberdade física de se seguir para onde se quiser ir, ou

permanecer onde se quiser ficar.5

Governo Soberano:

[...] não e sem razão que ele procura e almeja unir-se em

sociedade com os outros que já se encontram unidos, ou projetam unir-se para

1 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e / ou à expressão de uma idéia”

[PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 40].

2 “Conceito operacional [= cop] é uma definição para uma palavra e / ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita das idéias que expomos” [PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: (...), p. 56].

3 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.129.

4 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 11 ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 116.

5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentário a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 40.

mútua conservação de suas vidas liberdades e bens, aos quais atribuo o termo

genérico de propriedade.6

Pedágio:

[...] a designação atribuída a uma cobrança passível de ser

exigida dos usuários de via pública, a fim de acobertar despesas de construções,

remunerar os trabalhos aí implicados ou relativos a sua permanente conservação,

bom como serviços complementares disponibilizados a quem delas se utilize.7

Princípio da Legalidade:

[...] constitui uma das principais garantias de respeito aos

direitos individuais.8

Serviço Público:

Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração

ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer

necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples

conveniências do Estado.9

Via Pública:

[...] embora pertença a pessoa jurídica de direito público

interno, podem ser utilizados, sem restrição, gratuita ou onerosamente, por todos,

sem necessidade de qualquer permissão especial.10

6 LOCKE, John. Dois Tratados Sobre Governo. São Paulo: Martins Fonstes, 1988, p. 495. 7 SAVARIS, José Antonio. Pedágio pressupostos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2004, p. 35. 8 DI PIETRO, Zanela Sylvia Maria. Direito administrativo. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 61. 9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28, ed. São Paulo: Malheiros, 2003,

p. 319. 10 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1º Vol. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2000,

p. 301/302.

1.1 SUMÁRIO

1.1 SUMÁRIO ..................................................................................................... IX

RESUMO ............................................................................................ XI

INTRODUÇÃO................................................................................... 12

CAPÍTULO 1................................................................................... 14

O ESTADO E SEUS ELEMENTOS................................................... 14 1.2 ORIGEM DO ESTADO.................................................................................... 14 1.2.1 TEORIA FAMILIAR ............................................................................................ 16 1.2.2 TEORIA DA FORÇA ........................................................................................... 16 1.2.3 TEORIA DA DIVINDADE ..................................................................................... 17 1.2.4 TEORIA CONTRATUAL ...................................................................................... 18 1.3 A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE POLÍTICA ATÉ O ESTADO MODERNO.. 23 1.3.1 O ESTADO ORIENTAL ...................................................................................... 24 1.3.2 O ESTADO GREGO .......................................................................................... 24 1.3.3 O ESTADO ROMANO ........................................................................................ 26 1.3.4 O ESTADO MEDIEVAL ...................................................................................... 26 1.3.5 O ESTADO MODERNO ...................................................................................... 28 1.4 CONCEITO DE ESTADO................................................................................ 29 1.5 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ESTADO.................................... 30 1.5.1 POVO.............................................................................................................. 30 1.5.2 TERRITÓRIO .................................................................................................... 31 1.5.3 GOVERNO SOBERANO...................................................................................... 32 1.6 FORMAS DE ESTADO ................................................................................... 32

CAPÍTULO 2...................................................................................... 35

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL....................................... 35 2.1 CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................... 35 2.2 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA....................................... 37 2.3 NATUREZA E FINS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................. 39 2.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA............................................. 40 2.4.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE............................................................................... 41 2.4.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE ....................................................................... 43 2.4.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE.............................................................................. 44 2.4.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE.............................................................................. 46 2.4.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ................................................................................. 48 2.5 OS PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.................... 50 2.6 SERVIÇOS PÚBLICOS................................................................................... 52 2.6.1 FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ................................................. 53 2.6.2 PERMISSÃO..................................................................................................... 55

2.6.3 CONCESSÃO ................................................................................................... 56

CAPÍTULO 3...................................................................................... 58

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DO PEDÁGIO SEM VIA ALTERNATIVA.................................................................. 58 3.1 DA ORIGEM DA COBRANÇA DO PEDÁGIO................................................ 58 3.2 CONCEITO DE PEDÁGIO .............................................................................. 59 3.3 CONCEITO DE VIA PÚBLICA........................................................................ 61 3.4 PEDÁGIO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988................................................................................................... 62 3.5 RESTRIÇÃO DE IR E VIR PELA COBRANÇA DO PEDÁGIO...................... 66 3.6 ANÁLISE DOUTRINÁRIA SOBRE AS RODOVIAS PEDAGIADAS SEM OPÇÃO DE VIAS ALTERNATIVAS ..................................................................... 70 3.7 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE AS RODOVIAS PEDAGIADAS SEM OPÇÃO DE VIAS ALTERNATIVAS ..................................................................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 76

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 78

RESUMO

Na presente monografia será examinada a

inconstitucionalidade da cobrança de pedágio quando o Estado não oferece via

alternativa, com base na doutrina e jurisprudência.

O método utilizado para realização da pesquisa, foi o

indutivo e as técnicas do referente, categoria, conceito operacional, pesquisa

bibliográfica e fichamento, através do qual no primeiro efetuou-se um estudo

sobre as formas de origem do Estado.

No segundo apresenta-se um estudo sobre a Administração

Pública, conceitos e elementos caracterizadores.

O terceiro e último capítulo, enfatiza o estudo histórico da

instituição do pedágio no Brasil e sua atual cobrança no ordenamento jurídico

pátrio, analisando a inconstitucionalidade tendo por base o artigo 5º, inciso XV da

Constituição da República Federativa do Brasil, ao restringir o cidadão a livre

locomoção em todo o território nacional, quando não lhe fornece via alternativa.

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto a pesquisa da

inconstitucionalidade pela cobrança de pedágio quando o Estado não oferece via

alternativa.

O objetivo institucional foi o de produzir uma monografia

para a obtenção de grau de bacharel em direito, pela Universidade do Vale do

Itajaí - UNIVALI .

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando as diversas

formas de conceitos das teorias a respeito da origem do estado. Sendo estas, a

teoria familiar, a divina, a contratual e a da força, que surgiram das grandes

ideologias filosóficas antigas.

No Capítulo 2, trata do relato da pesquisa a respeito da

Administração Pública, buscando dar ênfase no conceito, na forma de

organização, e principalmente nos princípios que estão elencados no artigo 37

caput da CRFB/88, trazendo em pauta o conceito de serviços públicos, suas

formas e prestações.

Para finalizar esse trabalho, o último capítulo trará uma

breve história do pedágio e, mostrando em que momento ele apareceu na

Constituição Pátria, divulgando suas modificações quanto a natureza jurídica do

instituto, sendo que esse fere o princípio da liberdade insculpido pelo artigo 5º da

CRFB/88. O entendimento dos doutrinadores, bem como a manifestação

jurisprudencial em relação à liberdade de ir e vir.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a inconstitucionalidade da cobrança de pedágio sem a devida concessão de

via alternativa para transitar.

13

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

a) O Estado pode exigir a cobrança de pedágio pela

utilização de vias conservadas pelo Poder Público?

b) Ao Estado caberá a concessão de vias alternativas

quando da cobrança do pedágio em vias conservadas pelo Poder Público?

c) A exigência da cobrança do pedágio poderá ser

considerada inconstitucional?

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

14

CAPÍTULO 1

O ESTADO E SEUS ELEMENTOS

O tema a ser abordado na presente monografia tem como

tendo como objeto de análise, a Inconstitucionalidade da Cobrança de Pedágio

quando o Estado não fornece via alternativa.

No intuito de apresentar uma seqüência lógica para melhor

compreensão do tema, necessário se faz uma abordagem prévia sobre o Estado

e seus elementos, envolvendo sua origem e sua formalização organizacional

através de sua constitucionalização.

1.2 ORIGEM DO ESTADO

O Estado como uma das criações complexas do homem,

tem sido o centro de discussões da Ciência Política, bem como do Direito

Constitucional, por ser a forma encontrada para uma convivência agrupada e

distribuição de poder.

A origem do Estado e os fatores que levaram o homem a

viver em sociedade têm sido objeto de análise de diversas correntes doutrinárias.

Brandão11 ressalta que o estudo do Estado, dentro dos seus

diversos campos, não tem sido pacífico na doutrina, pois existem diversas

correntes que se posicionam quanto a sua origem, justificando o seu nascimento

decorrente de um processo e não apenas de um ato.

Dallari12 divide o estudo da origem do Estado, apresentando

duas indagações: “[...] uma a respeito da época do aparecimento do Estado; outra

11 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: novos direitos e acesso à justiça.

Florianópolis: Habitus, 2001, p. 20. 12 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 11. ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.45.

15

relativa aos motivos que determinaram e determinam o surgimento dos Estados

[...]”.

Em se tratando da época do aparecimento do Estado, tem-

se que a expressão ‘Estado’ é relativamente nova, embora os gregos utilizassem

o termo polis para denominar as cidades que eram os limites do Estado, enquanto

os romanos utilizavam o termo civitas. O termo Estado foi, primeiramente,

utilizado em 1513, por Maquiavel13 em sua obra “O Príncipe” na qual encontra-se

a seguinte afirmação: “Todos os Estados, todas as dominações que tiveram e têm

o império sobre os homens foram e são repúblicas ou principados”. Esta

expressão, utilizada por Maquiavel no início de sua obra, demonstra que o termo

Estado já era conhecido.

Dallari14 defende que o nome Estado dado a uma sociedade

política organizada, surgiu no século XVI.

De qualquer forma, é certo que o nome Estado, indicando uma

sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um dos

argumentos para alguns autores que não admitem a existência do

Estado antes do Século XVII. Para eles, entretanto, sua tese não

se reduz a uma questão de nome, sendo mais importante o

argumento de que o nome Estado só pode ser aplicado com

propriedade à sociedade política dotada de certas características

bem definidas. A maioria dos autores, no entanto, admitindo que a

sociedade ora denominada Estado é, na sua essência, igual à que

existiu anteriormente, embora com nomes diversos, dá essa

designação a todas as sociedades políticas que com autoridade

superior, fixaram as regras de convivência de seus membros.

Quanto aos motivos que levaram os homens a se

organizarem em sociedade surgiram diversas teorias, entre outras, as abaixo

13 MACHIAVELLI, Niccollò. O príncipe. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 2. ed. ver. 2.

tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997 p.21. 14 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 45.

16

mencionadas15 16.

1.2.1 Teoria familiar

Defende Pauperio, ser esta teoria, provavelmente a mais

antiga, sustentada na tese firmada em princípios religiosos, de que o homem

surgiu do relacionamento de um casal originário. Ela se encontra dividida em dois

períodos: na força matriarcal e patriarcal.

A teoria familiar caracterizada pela força matriarcal sustenta

que a primeira força de domínio que impunha a convivência do homem em

sociedade familiar, era dominada pela mulher, que, por viverem em

promiscuidade, tendo mais de um relacionamento carnal com diferentes homens,

não podiam identificar a paternidade de sua prole. Assim, o governo familiar foi

assumido pela mãe que era a chefe de seu clã.

Porém, a teoria familiar, para defender o período da força

patriarcal, sustenta que o Estado surgiu com a organização familiar, onde o

homem, o patriarca da família, mantinha o domínio e o poder sobre seus filhos,

fundamentada nos relatos bíblicos.

Em análise geral, tem-se como sociedade primária e mais

difundida, a sociedade familiar, pois o indivíduo nela surge, e geralmente só se

retira para criação de um outro agrupamento. Com a reprodução da espécie

humana, surgiram várias necessidades, entre outras, aquelas relativas à

recreação, religiosidade, esportes e políticas.

1.2.2 Teoria da força

Esta teoria encontra-se firmada na hipótese de que o

homem necessitando dominar suas conquistas buscou estruturar-se com a

15 Estas teorias encontram-se descritas na seguinte obra: PAUPERIO, A. Machado. Introdução à

ciência do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1969. p. 25-35. 16 A autora não abordou sobre todas as correntes existentes por não se tratar do objeto principal

do tema abordado.

17

liderança dos mais fortes dominando os mais fracos. Este domínio levou o homem

à invasão de novos povos para manter seu poderio.

Hobbes17 ao tratar do estado de natureza, afirma que os

homens nada têm a temer, a não ser à força dos outros homens. Força esta que

impõe aos mais fracos a obrigação de viver dentro de certos limites ou

parâmetros.

Gruppi18 ao comentar a teoria do Estado de Hobbes, ressalta

que a mesma se resume em:

[...] quando os homens primitivos vivem no estado natural, como

animais, eles se jogam uns contra os outros pelo desejo de poder,

de riquezas, de propriedades. É o impulso à propriedade burguesa

que se desenvolve na Inglaterra: “homo homini lupus”, cada

homem é um lobo para o seu próximo. Mas como, dessa forma,

os homens destroem-se uns aos outros, eles percebem a

necessidade de estabelecerem entre eles um acordo, um contrato.

Um contrato para constituírem um Estado que refreie os lobos,

que impeça o desencadear-se dos egoísmos e a destruição

mútua. Esse contrato cria um Estado absoluto, de poder absoluto.

Nesse sentido, o homem dominou um grupo de pessoas

utilizando-se da força, restringindo-lhes suas liberdades naturais.

1.2.3 Teoria da divindade

O fundamento desta teoria está firmado no surgimento do

Estado à revelação divina, reconhecendo que o poder emana de Deus e que as

pessoas o exercem em seu nome, como representantes seu na terra.

17 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil (os

pensadores). Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 75.

18 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado de Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Tradução de Dario Canali. Porto Alegre: L&PM Editores. 1980, p. 12-13.

18

A igreja, com interesses essenciais, usando do poder de

persuasão de seus mestres, e levando em consideração a fé exercida pelos fiéis

ao sobrenatural, interpôs sobre a sociedade, seu domínio.

Com a defesa desta corrente, permitiu-se que a igreja

infiltrasse e dominasse o Estado, mantendo-se aquela, no controle do poder civil

deste.

Bonavides19 ressalta que a constância do pensamento

cristão da época cifrou-se, por considerar o Estado como meio para a realização

dos fins espirituais da igreja, partindo sempre da premissa de que ao poder

temporal deverá sobrepor-se o poder sobrenatural, e que a ordem de Deus

prevaleceria sobre a ordem humana. Havia no pensamento medieval,

confirmação de uma idéia essencial à época: a da efetivação da vontade divina

em proveito da cristandade. A decadência ética da igreja durante a derradeira

fase da idade média e os acentuados embates e rivalidades entre o papa e os

imperadores germânicos acabaram, porém, por soterrar a hegemonia da igreja,

arruinando assim, o último grande esforço humano de unidade política universal.

1.2.4 Teoria contratual

Aquino20 inspirando-se em Aristóteles21, afirmou ser o

homem, por natureza, um animal social e político e que a vida em

sociedade surgiu ante a tendência natural dos homens em conviver em

cooperação com seus semelhantes.

19 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 28. 20 AQUINO, Santo Tomás de. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução

Francisco Benjamim de Souza Neto, Petrópolis: Vozes, 1997, p. 27. 21 ARISTÓTELES afirma: “Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da natureza e

que o homem é, por natureza, um animal político” [ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998., p. 4].

19

Afirma Souto22, que Platão e mais tarde Hobbes,

defenderam que algo havia além da tendência natural da convivência do

homem em sociedade, que era à vontade humana

Locke23 ao iniciar sua abordagem sobre os fins da

sociedade política e do governo faz a seguinte indagação:

Se o homem no estado de natureza é livre como se disse, se é senhor absoluto de sua própria pessoa e suas próprias posses, igual ao mais eminente dos homens e a ninguém submetido, por que haveria ele de se desfazer dessa liberdade?

Locke24 mesmo responde afirmando que a reunião de

homens em sociedade decorreu da necessidade de estruturarem-se para

mútua defesa e “[...] conservação de suas vidas, liberdades e bens, aos

quais atribuo o termo genérico de propriedade”. Era a idéia do “contrato

social” sustentada por Rousseau25, através do qual haveria mútua

transferência do direito em prol do bem-estar geral.

ROUSEAU26 afirma:

Ora, como o homem não pode engendrar novas forças, mas somente unir e orientar a já existentes, não tem ele outro meio de conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência para um só móvel levando operar em conserto.

[...]

Essa pessoa pública que se forma desse modo pelas união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o

22 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Licitações e contratos administrativos. 3. ed. Rio de

Janeiro: Esplanada, 1998, p.23. 23 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução Julio Fischer, São Paulo:

Martins Fontes, 1998, p. 494/495. 24 LOCKE, John. Segundo tratados sobre o governo civil. p. 494/495. 25 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo:

Martins Fontes, 1989, p. 24. 26 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os pensadores. 2. ed. São Paulo:Victor Civita, 1978, p. 31/32.

20

de república ou de corpo político o qual é chamado pelo seus membros de estado [...]

Com o surgimento do absolutismo, houve o fortalecimento

do poder do governante, com a concentração do poder. Menciona Cotrim27, que

aliados “[...] a importantes setores da burguesia, e mesmo da nobreza, os reis

passaram a concentrar crescentes forças em suas mão, enfraquecendo os

poderes da nobreza agrária e impondo-se os poderes universalistas da Igreja

Católica”.

Com o advento do Estado contemporâneo, surgem as

primeiras pretensões de explicar fundamentalmente a decisão do homem de unir-

se a seus semelhantes, expondo-o ao mundo, como uma constante sociedade.

Ressalta Bastos28:

[...] tendo atingido um certo nível de complexidade, as diversas

sociedades existentes estavam a requerer uma organização mais

ampla, que disciplinasse o seu mútuo relacionamento, assim

como passasse a zelar pelos interesses emergidos do conjunto

das diversas sociedades. A tais interesses denominou-se “bem

comum” ou “interesse público”. A defesa contra o inimigo comum,

a prestação de serviços indispensáveis à convivência de todos

(estradas, portos etc.), a manutenção da ordem, tudo isso não

podia ficar relegado ao plano do indivíduo ou das suas múltiplas

sociedades de fins específicos. Cumpria que alguém provesse

acerca deles. Daí o surgimento dos governantes, que eram

pessoas que em razão da força ou da destreza pessoal, ou em

virtude de faculdades mágicas, ou de um invocado

relacionamento especial com Deus, se alçavam em detentores de

um poder que sobrepairava a todos e cujos fins iam-se amoldado

às necessidades da época. Era a política que surgia com uma

dimensão inextirpável do próprio homem.

27 COTRIM, Gilberto. História geral para uma geração consciente. 9. ed. São Paulo: Saraiva,

1993, p.133. 28 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999, p. 4.

21

O homem veio a descobrir as vantagens e a força advinda

de uma união, denominada de sociedade, e, celebrou, então, o contrato social,

estabelecendo um Estado social, com a transferência mútua de direitos,

mantendo os homens dentro dos limites estabelecidos, obrigando-os a realizarem

seus compromissos e a cumprir uma norma. Essa concentração de vontades cria

um poder perante seus membros, denominado de Estado, e que conforme

menciona Dallari29, formou-se uma sociedade, que “[...] é o produto da

conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação da

vontade humana”.

Com a organização da sociedade em Estado, surgiu a

necessidade de eleger um governo, surgindo assim, a necessidade da concessão

do poder.

Cruz30 menciona que o indivíduo ou grupo tem poder quando

“[...] consegue o que outros (indivíduos ou grupos) façam (ou deixem de fazer) o

que ele quer. É dizer daqueles que, num situação social, é capaz de impor aos

demais uma definição de metas e um modelo de organização”.

Quanto à relação de predominância entre indivíduo e

Estado, Wolkmer31 destaca entendimentos doutrinários diferente no decorrer da

história, como segue:

[...] a verdadeira realidade estava no indivíduo e não no Estado,

este não passava de mero agregado, sem realidade própria, fora

daquelas de seus componentes. Já os realistas afirmavam que o

Estado era a única possibilidade, pois seus componentes eram

apenas unidades ou partes sem dimensão própria alguma. Disso

pode-se depreender que, em certos períodos da história, o

indivíduo corporificado na idéia de sociedade, esteve acima do

Estado, ou seja, o Estado estava em função do indivíduo.

29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 95. 30 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e Estado contemporâneo. Florianópolis:

Diploma Legal, 2001, p. 57. 31 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1989, p.57.

22

A concentração do poder nas mãos de uma só pessoa,

segundo Souto32, gerou abusos, uma vez que os atos praticados pelo soberano

desviaram dos anseios da sociedade.

Hobbes33 assim menciona:

O FIM ÚLTIMO, causa final dos homens (que amam naturalmente

a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela

restrição sobre si mesmo sob o qual os vemos viver nos Estados,

é o cuidado com a sua própria conservação e com uma vida mais

satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de

guerra que é a conseqüência necessária (conforme se mostrou

das paixões naturais dos homens), quando não há um poder

visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do

castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis

de natureza [...].

Gruppi34 afirma que, a partir da teoria de Emmanuel Kant, a

sociedade passou a compreender que o poder não poderia ser absoluto em uma

pessoa. Surgiu assim a separação entre o Estado e a sociedade civil. A afirmação

de que “a soberania pertence ao povo” foi mola propulsora da revolução francesa,

que veio trazer um novo modelo de Estado35.

Com a teoria de que, a fusão de povo e soberania forma o

Estado, Georg Wilhelm Friedrich Hegel defende a incorporação da sociedade civil

pelo Estado36.

Com Karl Heinrich Marx e, também, com Friedrich Engels, o

Estado é tratado como uma evolução da família que desenvolve uma atividade

comercial e que necessita de um ente que dê suporte a esta atividade. Gruppi ao

32 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Licitações e contratos administrativos. p. 24. 33 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. p.

141. 34 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. p. 16/17. 35 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. p. 16/17. 36 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. p. 24.

23

comentar sobre a teoria de Engels menciona que o Estado representa a

dominação de uma classe, sendo necessário, então, regulamentar juridicamente

estas classes, conforme as correlações de forças existentes, para não se tornar

dilacerante. “O Estado é a expressão da dominação de uma classe, mas também

um momento de equilíbrio jurídico e político, um momento de mediação” 37.

Bobbio38 ressalta:

O indivíduo singular é essencialmente um objeto do poder ou, no

máximo, um sujeito passivo mais do que de seus direitos, a

tratadística política fala dos seus deveres, entre os quais ressalta,

como principal, o de obediência às leis. Ao tema do poder da

obrigação política, que é precisamente a obrigação, considerada

primária para o cidadão de observar as leis. Se se reconhecer um

sujeito ativo nessa relação, ele não é o indivíduo singular com

seus direitos originários, válidos também contra o poder de

governo, mas é o povo em sua totalidade, na qual o indivíduo

singular desaparece enquanto sujeito de direitos.

Assim, as diversas correntes teóricas e doutrinárias, tentam

explicar a origem e os motivos que levaram a formação do Estado, que se impõe

sobre as pessoas, tolhendo a liberdade de seus membros, impondo-lhes regras

para o convívio em sociedade. É tamanha a força adquirida por esta estrutura

chamada Estado, que tem poder de interferir diretamente na vida das pessoas.

1.3 A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE POLÍTICA ATÉ O ESTADO MODERNO

O desenvolvimento do Estado não segue uma trajetória

retilínea “[...] avanços arrojados, retrocessos profundos, longas estagnações e até

mesmo eclipses duradouros, assinalam a sua marca no tempo e no espaço”39.

37 GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. p. 31. 38 BOBBIO, Norberto. et al. Liberalismo e Democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6.

ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 58. 39 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado.19. ed. São Paulo:Saraiva, 1988, p. 107.

24

Neste sentido, apresentar-se-á a alguns tópicos relativos aos

grandes estágios da civilização desde o Estado oriental, Estado grego, Estado

Medieval e Estado Moderno.

1.3.1 O Estado oriental

Também conhecidos como teocrático, ou antigo. De acordo

com Menezes40, os Estados Orientais são considerados incipientes, de formação

artificial, pelas armas e fortunas de um conquistador, que escravizava

populações vencidas dos territórios anexados, onde as diferenças de castas

prevalecem, e onde se acreditavam na presença da autoridade divina no governo

dos homens.

Dallari41 menciona a religiosidade e a natureza unitária como

duas marcas fundamentais que caracterizaram o Estado antigo, sendo que a

influência religiosa pode ser comprovada ao verificar-se que se acreditava na

época que o governante era representante direto da divindade, ou quando seu

poder era limitado pela vontade dos sacerdotes que no caso eram os

representantes da divindade, quanto a natureza unitária o Estado antigo não

admitia qualquer tipo de divisão, seja territorial ou de função.

Abordando o tema, Maluf42 menciona que a exceção era o

Estado de Israel, por se tratar de um Estado democrático, onde todos os

indivíduos eram legalmente protegidos, inclusive contra o Poder Público. Embora

o povo não tivesse participação efetiva nos negócios do Estado, o governo

protegia os fracos e desamparados, fossem escravos ou cidadãos, estrangeiros

ou nacionais.

1.3.2 O Estado grego

Embora a Grécia não ter sido considerado Estado, por estar

caracterizada pela localização de diversas civilizações helênica, existia

40 MENESES, Aderson. Teoria geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1996, p. 106. 41 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 53. 42 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. p. 111.

25

características fundamentais comuns, que os tornavam Estado Gregos, vistos

pela concepção política semelhante que possuíam.

Possuíam como característica fundamental, a cidade-

Estado, denominada de polis43.

O Estado grego possuía divisão de classes, onde a pequena

parte da população, os chamados cidadãos eram aqueles que decidiam o que era

melhor para todos, sendo que suas decisões afetavam toda a população

composta também de soldados, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros44.

A evolução do Estado passou da monarquia patriarcal para a

república democrática direta, sem que fosse observado o regime de tirania graças

à contenção do poder real pelo Conselho dos Anciãos e pela Assembléia dos

Cidadãos.

Quando se completou a evolução, a Assembléia dos

Anciãos passou de órgão principal a eletivo e subordinado a Assembléia dos

cidadãos, as magistraturas tornaram-se temporárias, onde as pessoas eram

escolhidas em Assembléia Geral para mandatos de um ano, e os cidadãos

investidos em funções públicas prestavam contas periodicamente, e se assim

não o fizessem eram citados em Assembléia popular45.

O poder das polis só encontrava limites na intervenção do

povo, pois “[...] formavam todos econômicos, sociais e políticos com vidas

próprias. Eram legítimas autarquias, isto é, auto-suficientes já que deviam bastar-

se a si mesmas”, e devido a sua reduzida capacidade de expansão instituíram

um Senado para cada Polis, além das Assembléias Regionais para as

confederações e ligas, e Assembléia Geral de representação dos Estados

gregos46.

43 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 54. 44 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. p. 113. 45 MALUF, Sahid,. Teoria geral do Estado. p. 111. 46 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. p. 110.

26

1.3.3 O Estado romano

O Estado romano teve início pela civitas, constituída por

tribos e famílias que formavam as gentes. Apesar da cidade ter-se ampliado a

cidade em seu aspecto estatal, conservou-se a importância do aspecto familiar,

pois o governo encontrava-se em uma assembléia de paters-familias, os

senadores recebiam o título de pater47.

Para integrar uma gens era necessário fazer parte de uma

família, as quais compreendiam duas classes de pessoa distintas: os clientes que

eram servidores e que jamais seriam proprietários, e os patrícios descendentes

de um pater, de nobre raça, livres desde o nascimento, abaixo destes

encontravam-se os seres considerados inferiores, que viviam a margem da

sociedade, denominados plebe ou párias48.

Estas características foram mantidas até que com a lenta e

gradativa evolução outras camadas sociais fossem adquirindo e ampliando seus

direitos, sem que desaparecessem a base familiar e a ascendência tradicional de

nobreza.

Relata, Dallari 49 que foram vários os objetivos do império ao

ampliar direitos as várias camadas: a unificação do império, aumentar a adoração

dos deuses romanos, aumentar a arrecadação de tributos, e este foi o início do

desaparecimento do império romano.

1.3.4 O Estado medieval

O último dos grandes impérios da antiguidade foi o império

romano, cuja queda se deu em das invasões bárbaras, marcando o término da

idade antiga e o início da idade média50

47 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do estado. p. 112. 48 MENEZES, Aderson de. Teoria geral do estado. p. 112. 49 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. p. 55. 50 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. p. 123.

27

Os bárbaros oriundos de várias partes da Europa, onde se

incluíam germanos, eslavos etc..., além de introduzirem novos costumes,

estimularam as regiões por eles invadidas a se afirmarem como unidades

políticas independentes, dando origem a vários Estados.

Considerando que as invasões e as guerras internas

tornavam difícil o desenvolvimento comercial, e que somente através da terra era

possível retirar o sustento de ricos e pobres, toda a vida social passou a depender

da posse ou propriedade da terra, produzindo uma organização militar e um

sistema administrativo rigorosamente ligado à condição patrimonial.

Assim, para proteger seus territórios

[...] os reis bárbaros passaram a distribuir cargos, vantagens e privilégios, aos seus chefes guerreiros, resultando daí a fragmentação do poder. E como fossem imensos os seus territórios e impossível a manutenção da sua unidade sob um comando central único, criaram uma hierarquia imperial de condes, marqueses, barões e duques, os quais dominavam determinadas zonas territoriais, como concessionários do poder jurisdicional do Rei. Em compensação, tais concessionários se comprometiam a defender o território, prestar ajuda militar, pagar tributos e manter o princípio da fidelidade de todos os súditos ao Rei51.

O senhor feudal, como era conhecido o homem a quem o rei

agraciava com um território, era proprietário exclusivo das terras, cuja posse era

vitalícia e hereditária, e dentro dos limites deste território todos os demais

habitantes eram seus vassalos presos ao feudo.

Nos feudos os senhores feudais eram as autoridades

máximas, exercendo as atribuições de chefe de estado, todavia como observa

Maluf52 “Seu reinado, porém, repousava sobre um conceito de direito privado, não

de direito público. Desse fato resultaram anomalias tais como a jurisdição privada,

a cunhagem privada, a guerra privada, etc”.

51 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. p. 125.

52 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. p. 125.

28

O cristianismo neste período buscava a unificação do

Estado, onde todos os homens guiados pelas mesmas regras adotassem as

mesmas normas de comportamento, visando através da unificação expandir seus

domínios e conseqüentemente aumentar seu poder.

Mesmo a igreja tendo adquirido vastos latifúndios onde

adotaram também o regime feudal, a disputa de poder entre Imperador e Igreja

segue durante os últimos séculos da idade média, terminado somente quando

surge o Estado Moderno, que confirma a supremacia da monarquia absoluta53.

1.3.5 O Estado moderno

O surgimento do Estado Moderno está diretamente

relacionado com as revoluções burguesas do século XVIII, quando Senhores

Feudais e pequenos proprietários, cansados dos prejuízos econômicos e do

contínuo estado de guerra em que viviam, buscaram a afirmação de um poder

soberano, reconhecido por todos e que tivesse uma delimitação territorial54.

Ensina Dallari55 que o despertar de consciência dos

senhores feudais para a deficiência da sociedade política medieval é que

determinaram as características fundamentais do Estado Moderno, levando a

busca da unidade do Estado “[...] que afinal se concretizaria com a afirmação de

um poder soberano, no sentido supremo, reconhecido como o mais alto de todos

dentro de uma precisa delimitação territorial“56.

Desta forma, no Estado Moderno encontrar-se-á os

elementos fundamentais para a existência do Estado: povo, soberania, território,

que serão brevemente abordados a seguir.

53 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 57. 54 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 57. 55 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 57. 56 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 60.

29

1.4 CONCEITO DE ESTADO

Conforme Bastos57, o Estado constitui-se numa organização

política sob a qual vive o homem moderno. Ela caracteriza-se por ser a resultante

de um povo vivendo sobre um território delimitado e governado por leis que se

fundam num poder não sobrepujado por nenhum outro externamente e supremo

internamente.

Na mesma linha de raciocínio segue Mortati apud Bobbio58,

que afirma ser o Estado “[...] um ordenamento jurídico destinado a exercer o

poder soberano sobre um dado território, ao qual estão necessariamente

subordinados os sujeitos a ele pertencentes”.

Relata Dallari59:

[...] encontrar um conceito de Estado que satisfaça a todas as correntes doutrinárias é absolutamente impossível, pois sendo o Estado um ente complexo, que pode ser abordado sob diversos pontos de vista e, além disso, sendo extremamente variável quanto a forma por sua própria natureza, haverá o seu conceito. Assim, pois, por mais que os autores se esforcem para chegar a um conceito objetivo, haverá sempre um quantum de subjetividade, vale dizer, haverá sempre a possibilidade de uma grande variedade de conceitos.

Mesmo assim, diante da variável do que vem a ser o Estado,

menciona Dallari60: que este poderá ser conceituado “[...] como a ordem jurídica

soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado

território”.

57 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. p.10. 58 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. p. 94. 59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 116. 60 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. p. 116.

30

Já Meirelles, ao comentar sobre o conceito de Estado,

afirma61:

O conceito de Estado varia segundo o ângulo em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prima constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação do nosso código civil, é pessoa jurídica de direito público interno como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.

Nesta mesma linha segue Menezes62 ao afirmar que para

ser considerado Estado, este deverá possuir um território, povo é um governo

soberano.

1.5 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ESTADO

Os elementos fundamentais para a existência do Estado

são o território, povo e governo soberano.

1.5.1 Povo

Povo é elemento humano, considerado a parte viva do

Estado, composto pelos habitantes em geral.

O povo também participa ativamente da formação do

Estado, estabelecendo com ele um vínculo jurídico permanente, todos os

integrantes do Estado que atendam determinados pré-requisitos são

considerados cidadãos, podendo inclusive exercer esta cidadania de forma ativa

desempenhando atribuições devidas ao Estado.

61 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo, Malheiros,

2003, p. 58/59. 62 MENEZES, Aderson. Teoria geral do Estado. p. 48

31

1.5.2 Território

A idéia de território surgiu no Estado Moderno face a

necessidade de uma demarcação espacial. O território é considerado a parte

física do Estado, mas não está limitado ao solo, abrange, também o subsolo,

espaço aéreo, rios, lagos e mar.

Nos primórdios da história citou Locke63 que a formação das

sociedades políticas se originou a partir do território, sendo uns dominados pelos

outros, conforme seus poderios, veja:

[...] da jurisdição sob qual nasceram e da família ou comunidade na qual foram criados, estabelecendo novos governos em outras partes; donde sugiram todas as pequenas sociedades políticas do princípios dos tempos enquanto houve espaço suficiente, até que as mais fortes, ou mais prósperas, engolissem as mais fracas.

Na definição de Kelsen apud Maluf64, “[...] o território é a

base física, o âmbito geográfico da nação onde ocorre a validade da sua ordem

jurídica.”

Na mesma linha de raciocínio segue Cruz65 menciona:

“[...] apesar de tratar de uma expressão aproximativa, mostra-se muito útil para evidenciar o caráter fundamental que possui a definição do Estado como ente territorial, isto é, como organização assentada num território ou espaço concreto, sobre o qual exerce seu poder de forma exclusiva. Pode-se dizer que, sem território, não há Estado.”

Portanto verifica-se a importância territorial como elemento

constitutivo para formação de um Estado, pelo qual seguindo os doutrinadores,

sem este seria inviável para organização jurisdicional de um Estado.

63 LOCKE, John. Dois tratados sobre governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p 488. 64 MALUF, Sahid. teoria geral do Estado. 8 ed. São Paulo: Sugestões Literárias s/a, 1974, p.41. 65 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Juruá. 2001, p. 44.

32

1.5.3 Governo soberano

A soberania é um dos elementos fundamentais do Estado.

Para que o homem mantivesse sua propriedade, abrindo mão de seu estado

natural, sujeitou-se a um governo com objetivo de um bem comum a vida,

liberdade e bens.

Locke66 cita que:

[...] não e sem razão que ele procura e almeja unir-se em sociedade com os outros que já se encontram unidos, ou projetam unir-se para mútua conservação de suas vidas liberdades e bens, aos quais atribuo o termo genérico de propriedade.

Portanto, na visão de Locke67 [...] o fim maior e principal para

os homens unir em sociedade políticas e submeterem-se a um governo, é

portando a conservação de sua propriedade.”

Para Menezes68:

O governo é o órgão diretor, o aparelho de mando e coação

exercitado pelo Estado. [...] revela a soberania do Estado e seu veículo na consecução

da felicidade pública, tem de existir, especialmente agora neste apogeu da civilização,

sob a égide do direito”.

Assim, através da soberania que se impõe a autoridade do

Estado, a fim de ter uma sociedade organizada e garantir a propriedade.

1.6 FORMAS DE ESTADO

Os Estados podem ser constituídos sob a forma federativa e

unitário ou simples.

Rui Barbosa apud Bonavides69, menciona:

66 LOCKE, John. Dois tratados sobre Governo. p. 495. 67 LOCKE, John. Dois tratados sobre governo. p 495. 68 MENEZES, Aderson. Teoria geral do Estado. p. 142.

33

A federação pressupõe a união e deve destinar-se a robustecê-lá. Não há dispensa, nem se admite que coopere para o seu enfraquecimento, assim temos a união sob o granito indestrutível: e depois será oportunidade então de organizar autonomia dos Estados, com os recursos aproveitáveis para sua vida individual.

Hauriou apud Menenzes70,

[...] pode-se chamar Estado simples àquele que não é divisível em partes internas que mereçam o nome de Estado e que não se encontrem unidades entre si por um laço de sociedade. Estado composto é, ao contrário, aquele que divisível em partes internas unidas por um laço de sociedade.

Para Bastos71 o Estado unitário “[...] é a forma mais comum

de Estado. Nele, os órgãos que exercem a soberania nacional são unos para todo

o território nacional”.

Maluf72 afirma:

Estado Unitário é aquele que apresenta uma organização política singular, com um governo único de plena jurisdição nacional, sem divisões internas que não sejam simplesmente de ordem administrativa [...]. Estado Federal é aquele que se divide em províncias politicamente autônomos, possuindo duas fontes paralelas de direito público, uma nacional e outra provincial.

Diante do exposto é de salientar que o Estado federal é

aquele que se divide em província e são politicamente autônomo, já o Estado

simples ou unitário, os órgãos são uno exercem soberania em todo o território

nacional.

O Brasil adotou como forma de Estado, o federal, adotando

a descentralização político-administrativa, cujas funções estão distribuídas aos

quatro entes federativos, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

69 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3 ed. São Paulo, Malheiros, 1995, p. 86. 70 MENEZES, Aderson. Teoria geral do Estado. p. 185. 71 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. p. 96. 72 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 8 ed. São Paulo Sugestões Literárias s/a, 1974, p.181.

34

Para desenvolver as funções que o Estado brasileiro

assumiu com seus membros, necessitou organizar-se, criando a Administração

Pública para concretizar os serviços assumidos com a população brasileira.

Desta forma, o próximo capítulo do presente trabalho

monográfico tratará da Administração Pública, buscando trazer ao leitor, uma

visão da forma de organização do Estado brasileiro.

35

CAPÍTULO 2

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

O presente capítulo tem como objetivo apresentar algumas

noções sobre Administração Pública, dando ênfase a forma em que o Estado se

organiza para prestar serviços à comunidade.

2.1 CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Conceituar a Administração Pública tem sido tarefa

constante dos doutrinadores, sempre no intuito de buscar melhor definição que

leva a compreensão do que vem a ser e qual a sua finalidade na organização de

um Estado.

Assim conceitua Meirelles73 Administração Pública :

Administração Pública em sentido formal, é o conjunto de órgão instituído para a conservação dos objetivos do governo; em sentido material é o conjunto das funções necessária aos serviços público em geral; em acepção operacional, e o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprio do Estado ou por ele assumido em beneficio da coletividade.

Consoantre Moreira Neto74 conceitua administração como:

[...] uma atividade pela qual pessoas gerem recursos com o objetivo de satisfazer determinados interesses. São cinco elementos articulados neste conceito de administração: atividades, pessoas, recursos, pessoas e interesses.

Por atividades, deve-se entender o planejamento, a decisão, a execução e o acompanhamento de atos racionalmente articulados; as pessoas são os indivíduos ou entes de qualquer natureza, que manifestam a vontade geradora das atividades; os

73 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 63. 74 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro:

Forense, 2003, p. 109.

36

recursos são os bens e serviços a serem empregados; os objetivos vem a ser as alterações que essas atividades deverão introduzir na realidade para que, em conseqüência, os interesses, que são as finalidades da ação administrativa, sejam satisfeitos.

Na reunião desses elementos, o autor elabora o conceito

de Administração Pública.

Para Amorim75, todo complexo de órgãos, entidades e

agentes com a finalidade de prestarem serviços públicos com vista à realização

do bem comum, é justamente aquilo que se pode chamar de Administração

Pública.

Di Pietro76 refere-se ao conceito de Administração Pública

em dois sentidos:

[...] a) em sentido, subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgão e agente público incumbindo de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;

b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesses sentido, a administração pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente ao Poder Executivo.

Segue a mesma linha de raciocínio Gasparine77:

Pelo critério formal, também denominado orgânico ou subjetivo, a expressão sub examine indica um complexo de órgãos responsáveis por funções administrativa. De acordo com o material, também chamado de objetivo, é um complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei, visando o atendimento das necessidades coletivas. Nesse complexo, estão as atividades de fomento, polícia administrativa ou poder de polícia e os serviços

75 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. Rio de Janeiro:Forense, 1998,

p.18. 76 DI PIETRO, Zanela Sylvia Maria. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 49. 77 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Forense, 2004, p.43.

37

públicos. Pelo critério formal, é sinônimo de Estado Administração Pública;[...].

A Administração Pública se desdobra de maneira formal o

que se fundamenta nos órgãos, e de material o que se apóia nas funções, ou

seja, para o Estado concretizar suas funções, ele precisa primeiro organizar-se

estruturalmente através dos Órgãos Públicos.

Para Menezes78 “A Administração Publica é o conjunto de

funções que estão a cargo dos agentes, os quais aos órgãos não têm nenhum

caráter representativo e estão subordinados aos órgãos de governo.”

Em sentido amplo é de se observar que Administração

Pública compreende tanto os órgãos governamentais a quem incumbe traçar

metas de comandar; como também os órgãos subordinados, o qual se encarrega

de executar os planos administrativos ou governamentais.

2.2 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Brasil por ter adotado o pacto federativo, descentralizou

sua estrutura política e administrativa em quatro entes denominados de União,

Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, dando-lhes autonomia79.

Cada ente federativo recebeu através da CRFB/88,

competências políticas e administrativas. Para que um ente pudesse cumprir com

as obrigações constitucionais assumidas, fez-se necessário organizar-se

internamente através dos Órgãos Públicos.

Os Órgãos Públicos encontram-se estruturados a partir dos

poderes constituídos, sendo que a União e os Estados-Membros se organizaram

institucionalmente através dos poderes legislativo, executivo e judiciário; e o

Distrito Federal e os Municípios através dos poderes legislativo e executivo.

Meirelles80 afirma:

78 MENEZES, Aderson. Teoria geral do Estado. p. 369. 79 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 18.

38

Após a organização soberana do Estado, com a institucional dos três Poderes que compõem o Governo, e a divisão política do território nacional, segue-se a organização da administração, ou seja, a estruturação legal das entidades e órgãos que irão desempenhar as funções, através de agentes públicos pessoas físicas. Essa organização faz-se normalmente por lei, e excepcionalmente por decreto e normas inferiores, quando não exige a criação de cargos nem aumenta a despesa pública.

Para Bastos81:

O Estado, para que possa atingir as suas finalidades necessita organizar-se. Isto equivale a dizer que não pode exercer todas as suas competência a partir de um núcleo centra. [...] a primeira grande divisão orgânica é aquela levada pela própria constituição, quando cria os poderes: legislativo, executivo e judiciário.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, ao relatar sobre a

organização da administração pública, Gasparini82 [...] A organização do Estado é

matéria constitucional, cabendo ao Direito Constitucional discipliná-la, enquanto a

criação, estruturação, alteração e atribuições das competências dos órgão da

Administração Pública são temas de natureza administrativa, cuja normatização é

da alçada do direito administrativo. A primeira cabe a constituição enquanto a

segunda toca à lei, conforme, por exemplo, exige o art. 88 da Constituição

Federal para criação, estruturação e atribuições dos Ministérios.[...]

Para Mello83:

O Estado tanto pode desenvolver por si mesmo as atividades administrativas que tem constitucionalmente ao seu cargo, como pode prestá-las através de outros sujeitos.

Mello ao abordar da organização da administração pública

traz em pauta a possibilidade da delegação das atividades administrativas,

80 MEIRELLES, Lopes Hely. Direito administrativo brasileiro. p. 62. 81 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.

63. 82 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 44. 83 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p.129.

39

chamadas de descentralização, não sendo desempenhada pelo próprio Estado,

mas sim por terceiros.

Carvalho Filho84 relata que:

A organização administrativa resulta de um conjunto de normas jurídicas que regem a competência, as relações hierárquica, a situação jurídica, as formas de atuação e controle dos órgãos e pessoas, no exercício da função administrativas.. Como o Estado atua por meio de órgãos, agentes e pessoas jurídicas, sua organização se calça em três situações fundamentais: a centralização, a descentralização e a desconcentração.

A centralização é a situação em que o Estado executa suas tarefas diretamente, ou seja, por intermédio de inúmeros órgãos e agentes administrativos que compõe sua estrutura funcional. Pela descentralização, ele faz indiretamente, isto é, delega a atividade a outras entidades. Na desconcentração, desmembra órgãos para propiciar melhoria na sua organização estrutural.

Diante desse contesto, a doutrina se sustenta na própria

Constituição Federal que determina em seu artigo 37, a Organização da

Administração de forma direta ou centralizada e indireta ou descentralizada,

sendo realizada pela Administração ou por terceiros por ele delegado.

2.3 NATUREZA E FINS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A natureza da Administração Pública está voltada a

administração do patrimônio público e da prestação de serviço a comunidade.

Meirelles85 relata que

A natureza da administração pública é a de um múns público para

quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e

aprimoramento de bens, serviços e interesses da coletividade.

Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de

cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa 84 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11 ed. Rio de Janeiro:

Lumen Júris, 2004, p. 365. 85 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 84/85.

40

que regem a sua atuação. [...] Os fins da administração pública

resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade

administrada. Toda atividade do administrador público deve ser

orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou

desvia, trai o mandato de que está investido, porque a

comunidade não institui a Administração senão como meio de

atingir o bem-estar social.

Já, para Gasparine86

É encargo de guarda, conservação e aprimoramento dos bens, interesses e serviços da coletividade, que se desenvolve segundo a lei e a moralidade administrativa. O fim é sempre o interesse público ou o bem da coletividade. Toda atividade administrativa deve ser orientada nesse sentido.

Ao Estado cabe exercer suas funções, objetivando permitir

que seus cidadãos tenham as condições sociais ideais para seu desenvolvimento

particular, determinando sua concepção de bem considerando as peculiaridades

de seu povo, e seu objetivo deve ser “[...] o desenvolvimento integral da

personalidade integrante desse povo”87.

Como o Estado precisava organizar-se para cumprir sua

função com seus membros, foi que instituiu a Administração Pública que ficou

incumbida de exercer tal atividade, ou seja, gerenciar o patrimônio público e

prestar serviços essenciais para a convivência do homem em sociedade.

2.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Insta observar, inicialmente, que toda Administração Pública

está sujeita a determinados princípios88 irrelegáveis no seu procedimento.

86 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 54. 87 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, p. 91. 88 Por princípios deve-se entender No vernáculo brasileiro, tem-se o conceito de Princípio, que

num sentido abrangente das significações, remetem a idéia de inteligibilidade do termo, conforme aponta Ferreira [1999, p. 639]: “Princípio. [do lat. principiu.] S.m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem. [...] 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. base; germe; [...] 7. Filos.

41

De modo geral, princípios constituem idéias, que expressam

as normas que compõem a base do direito. Já no direito administrativo, conforme

já preceituado no ordenamento constitucional (art. 37), tem-se, como os princípios

fundamentais da Administração Pública, o da legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também os seguintes: [...].

Na seqüência do relato da presente pesquisa, será

apresentado comentários doutrinários acerca dos princípios fundamentais da

Administração Pública.

2.4.1 Princípio da legalidade

Trata-se o princípio da legalidade, daquele mediante o qual

impede-se comportamento que não se conforma com o ordenamento jurídico

Ao tratar do princípio da legalidade Di Pietro89 afirma que

[...] constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. [...] segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. [...] a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei.

Amorim90 ao tratar do princípio da legalidade descreve:

[...] na aplicação da lei, o administrador público somente pode fazer tudo aquilo que esta autoriza [...]. Não pode, assim, o gestor

Origem de algo, de uma ação ou de um conhecimento. [...] A proposição que lhe serve de base, ainda que de modo provisório, e cuja verdade não é questionada. Diante desta conceituação, não é demais considerar que Princípio significa, primeiramente, ponto de partida. No entanto, para as ciências, os Princípios são as proposições básicas que condicionam as demais; são, pois os alicerces do conhecimento em cada setor do saber humano”.

89 DI PIETRO, Zanela Sylvia Maria. Direito administrativo. p. 61. 90 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. p.38.

42

público transigir a ponto de ferir o texto legal, pois nenhum acordo pode ter validade se não for dentro dos padrões legais previamente estabelecidos.

Já para Gasparine91 “O princípio da legalidade significa estar

Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, dele não

se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor”.

Bastos afirma92:

Este princípio entronca-se com a própria noção de Estado de Direito é aquele que se submete ao próprio direito que criou, a razão pela qual não deve ser motivo de surpresa constituir-se o princípio da legalidade um dos sustentáculos fundamentais do Estado de Direito.

Ainda Bastos93 :

[...] e na legalidade que os indivíduos encontram o fundamento das suas prerrogativas, assim como fontes de seus deveres. É o princípio, pois, genérico do nosso direito esculpido como direito fundamental CF art. 5º, II.

Nesta mesma linha de argumentação segue:

Meirelles94 leciona:

A legalidade, como princípio de administração significa que o administrador público está em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e as exigências do bem comum, e dele não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato invalido.

Consoante Carvalho Filho95 “o princípio da legalidade é

certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa

que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o

sendo, a atividade é ilícita”.

91 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p 7. 92 BASTOS, Ribeiro, Celso. Curso de direito administrativo.p.24. 93 BASTOS, Ribeiro, Celso. Curso de direito administrativo.p.24. 94 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.86. 95 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 365.

43

Conforme Figueiredo96, “Há de se entender como regime da

estrita legalidade não apenas a proibição da prática de atos vedado pela lei, mas,

sobre tudo, a prática, tão somente, dos expressamente por ela permitido.”

Portanto, ao administrador público, é vedado tomar decisões

por vontade própria, pois o princípio da legalidade que está previsto no artigo 37

da CRFB/88 determina que o administrador só pode fazer o que a lei lhe

autorizar, condicionando-o a limites, ao contrário do administrado, que lhe é

permitido fazer tudo o que a lei não o proíbe.

2.4.2 Princípio da impessoalidade

O princípio da impessoalidade tem dois nortes de aplicação,

para os administrados e para os administradores.

Para os administrados, este princípio defende que as

atividades das Administrações Públicas estão voltadas ao coletivo e não ao

individual.

Neste sentido, Di Pietro97 menciona “[...] que a administração

não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma

vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento”.

Para o administrador, o princípio da impessoalidade significa

que “[...] o gestor público tenha sempre em mente o dever de, ao praticar qualquer

ato, afastar toda e qualquer promoção pessoal ou de terceiro, mas tão – somente

visando á satisfação do interesse coletivo”98.

Santos99 defende que:

O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a administração deve dispensar mau administrado que se

96 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6 ed, São Paulo: Malheiros 2003,

p. 65. 97 DI PIETRO, Zanela Sylvia Maria. Direito administrativo. p. 64. 98 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. p. 38. 99 CARVALHO FILHO. Jose dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 15.

44

encontrem em idêntica situação jurídica. Neste ponto, representa uma faceta ao principio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado vedando- se, em conseqüência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento aos outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade.

Para Santos este princípio se contrapõe com o da isonomia,

pois a impessoalidade pode levar á igualdade, mas com ela não se confunde.

Na mesma linha segue Meirelles100 “[...] o princípio da

impessoalidade, referido na constituição de 1988 art.37, caput, nada mais é que o

clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só

pratique o fim legal”.

Para Medauar101 [...] com o princípio da impessoalidade a

Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias,

objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito

comuns em licitações, concursos [...].

Assim, o princípio da impessoalidade está voltado ao

Administrador que se manifestam segundo a vontade do Estado, tendo como

premissa a imparcialidade em sua decisão, buscando sempre o interesse de toda

a coletividade, desligando-se de razões pessoais – favoritismo, buscando desta

forma a aplicação da moralidade administrativa que será abordada a seguir.

2.4.3 Princípio da moralidade

A definição deste princípio tem sido tarefa árdua para os

doutrinadores, ante a abrangência da categoria moralidade.

Consoante Amorim102

100 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 89. 101 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8 ed. São Paulo. 2004, Rev.Tribunais, p.

147. 102 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. p. 38.

45

A moralidade administrativa ou moralidade de resultado, como costumamos denominá-la não é simplesmente a moralidade comum. na realidade, se o ato administrativo já se inicia eivado da imoralidade comum, já nasce nulo.

Meirelles103 frisa que “A moralidade administrativa está

intimamente ligada ao conceito do bom administrador”.

No entendimento de Bastos104

Não é fácil dizer-se em que consiste este princípio da moralidade. Os que escreveram a respeito põem – se de acordo em admitir que não se trata da moral comum ou geral, mas sim daquela que se extrai da própria disciplina da administração pública.

Carvalho Filho105 comenta sobre o princípio da moralidade quando o administrador age com ética em sua função:

O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que deve, estar presente em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de conduta deve existir não somente nas relações entre Administração e os administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre Administração e os agentes públicos que o integram.

[...] embora o conteúdo da moralidade seja diverso da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em algumas ocasiões, a moralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade Em outras residirá no tratamento discricionário, positivo ou negativo, dispensado ao administrador; nesse caso, vulnerado estará também o princípio da impessoalidade [...].

Já para Di Pietro106:

103 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 88. 104 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: 1999, Saraiva, p.

34. 105 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 15/16. 106 DI PIETRO, Zanela Sylvia Maria. Direito administrativo. p. 94.

46

Embora não se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar o âmbito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.

Moreira Neto107 ao dissertar sobre este princípio reza:

A moralidade administrativa, entendida como espécie diferenciada da moral comum, atua, também, como uma peculiar derivação dos conceitos de legalidade política e de finalidade pública, [...]

A autonomia deste princípio, que, como se alertou, não deve ser confundido com a moralidade tout court, nem, tampouco, com o conceito de moralidade média, decorre de seu sentido rigorosamente técnico, como reflexo do conceito de boa e da má administração.

Com efeito a moral comum é orientada por uma distinção puramente ética entre o bem e o mal, enquanto a moral administrativa é orientada por uma diferença prática entre boa e má administração.

Para o administrador praticar uma imoralidade administrativa, basta que use de seus poderes funcionais com vistas a resultados divorciados do estrito interesse público a que deveria atender.

Diante deste contexto, a moral é conduta comportamento que cumpre uma função social; o administrador quando pratica atos da Administração deve fazê-lo com cunho moral; mas, todavia, este princípio se esbarra com o princípio da legalidade, pois a lei nem sempre age com a moral e o que interessa é o bem da coletividade.

2.4.4 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade na Administração Pública tem

importância destacada, pois os atos administrativos só poderão ter eficácia se

forem publicados108.

107 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. p. 93/94.

108 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. p. 39.

47

Amorim109 afirma que:

A publicação dá efeito erga omnes, isto é de levar em conhecimento do ato a toda coletividade. Torna portanto obrigatória a divulgação dos atos e contratos da Administração Pública direta e indireta ou funcional.

Na mesma linha de pensamento Meirelles110 leciona:

A publicidade é a divulgação oficial do ato para o conhecimento Público e inicio de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros.

Já no dizer de Gasparine111 :

Este princípio torna obrigatória a divulgação de atos, contratos e outros instrumentos celebrados pela Administração Pública direta e indireta, para o conhecimento, controle e inicio de seus feitos.

Moreira Neto112 relata que:

[...] no Direito Administrativo, em particular, o princípio da publicidade assoma como o mais importante princípio instrumental, indispensável para a sindicabilidade da legalidade, da legitimidade, e da moralidade da ação do Poder Público, pois será pela transparência dos seus atos, ou como mais adequadamente pode ser expressado, por sua visibilidade, que se tornara possível constatar a sua conformidade ou desconformidade com a ordem jurídica e, em conseqüência, serem exercidas as várias modalidades de controle nela previstos.

Carvalho Filho113 ensina que da publicidade ”[...] indica que

os atos da administração deve merecer a mais ampla divulgação possível entre

os administrados, é isso porque constitui o fundamentos do princípio propiciar-lhe

109 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. p. 39. 110 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.92. 111 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 10. 112 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. p. 82. 113 CARVALHO Filho. Jose dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 17.

48

a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes

administrativos [...]”.

Por este princípio impõe-se a Administração Pública o dever

de tornar público todos seus atos, para conhecimento a toda a sociedade, dando

possibilidade de fiscalizar os atos administrativos.

2.4.5 Princípio da eficiência

É o mais novo dos princípios fundamentais da Administração Pública expresso na CRFB/88, pois a eficiência passo a constar de forma expressa no texto constitucional a partir da Emenda Constitucional nº 19.

Meirelles114 ao comentar o princípio da eficiência afirma:

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em se desempenhada apenas na legalidade, exigindo resultado positivo para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

Assevera Gasparine115, que o princípio da eficiência é

conhecido entre os italianos como o dever de boa administração, e que:

[...] o princípio da eficiência impõe ao administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, além, por certo, de observar regras, a exemplo do princípio da legalidade.

Para Carvalho Filho116

[...] significa que a Administração deve recorrer à moderna

tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter a qualidade

total da execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive

novo organograma em que se destaquem as funções gerenciais e

a competência dos agentes que devem exercê-las.”

114 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.94. 115 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 20. 116 CARVALHO Filho. Jose dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 21.

49

Carvalho entende que o administrador deva utilizar-se de

novos equipamentos e mecanismos necessários ao bom cumprimento dos atos

da Administração Pública.

Silva117 defende da mesma maneira, o princípio da

eficiência, enfatizando ”[...] numa ideia muito geral a eficiencia significa fazer

acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das

necessidades pública importam em relação ao grau de utilidade alcançado”.

Na mesma linha de pensamento, Medauar118 entende ”[...]

determina que administração deva agir, de modo rápido e preciso, para produzir

resultado que satisfaça a necessidade da população”.

Critica ainda que a administração [...] eficiência contrapõe-se

a lentidão, a descaso, a omissão – característica habituais da administração

pública brasileira, com raras exceções.

Por sinal, a esse respeito, Di Pietro119 ensina que:

O princípio da eficiência apresenta , na realidade, dois aspecto: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração Pública.

Diante do exposto os doutrinadores tratam dos princípios

Administração Pública como um alicerce para os administrado pois através

destes princípio elencados no artigo 37 da Constituição Federal e que limita e

condiciona toda a máquina da Administração Pública, sendo de grande valia para

organização e controle dos atos desta, dando segurança à coletividade.

117 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo,

2006, p. 671. 118 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p.151. 119 Di Pietro, Zanela,Sylvia, Maria. Direito administrativo. p. 83.

50

2.5 OS PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO

Aquele que exercer cargo na Administração de coisas

públicas tem poderes estabelecidos por lei, mas tem, também deveres. Alguns

poderes são mais deveres, pois impõe aos administradores a obrigação de exigir

comportamentos idôneos.

Ensina Meirelles120:

Os poderes e deveres do administrador são expressos em lei, os imposto pela moral administrativa e os exigidos pelo interesse da coletividade. Fora dessa generalidade não se poderá indicar o que é poder e o que é dever do gestor público porque estando sujeito a ordenamento jurídico geral e as leis administrativas especiais, só essa normas poderão catalogar, para cada entidade, órgão, cargo, função serviço ou atividade pública.

Para Araújo121 “Os poderes da administração são na

verdade, os poderes de que dispõem seus agentes para realizar os seus objetivos

de interesses públicos, de vez em seu nome”.

Amauri122 confirma que:

[...] podemos dizer que poderes administrativos são espécie dfe meios coadjuvantes da ação dos órgãos e agentes públicos na execução dos seus serviços e condicionamento do gozo dos bens particulares, tendso sempre em vista o bem comum.

Ministra Carvalho Filho123 ao conceituar poderes

administrativos assim se manifesta: ”[...] pode-se conceituar os poderes

administrativos como conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem

jurídica confere aos agentes administrativos para alcançar o fim e permitir que o

Estado alcance seus fins”.

120 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.100. 121 ARAÚJO,de Neto Edmir. Curso de direito administrativo. São Paulo:Saraiva 2005, p.144. 122 AMORIM, Edgar Carlos de. Lições de direito administrativo. p. 45. 123 CARVALHO Filho. José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 36.

51

Em pauta, Carvalho Filho124 trata do poder discricionário

como “[...] prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem, entre

várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o

interesse público.”

Por outro lado, na visão de Carvalho Filho125, não é

concedido aos administradores somente poderes, mas também deveres, e como

fonte principal, o dever de probidade:

É o primeiro e talvez o mais importante dos deveres do administrador público. Sua atuação deve, em qualquer hipótese, pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade, quer em face dos administrados, quer em face da própria Administração.

Não deve cometer favorecimento nem nepotismo, cabendo optar sempre pelo que melhor servir à Administração.

Já para Gasparini126 “[...] O uso do poder é prerrogativa da

Administração Pública, não é incondicionado ou ilimitado. Seu uso, para ser legal,

há de ser normal.”

Por outro lado, como dever, Gasparini127 “[...] ao

administrador Público cabe desempenhar, a tempo as atribuições do cargo,

função ou emprego público que é titular. Reconhece-se nessa oportuna atuação

um dever do agente público.”

Para que os agentes da Administração Pública possam

realizar suas funções deverão estar atentos aos teores da norma legal, vedando-

os a imposições de seus interesses próprios.

124 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 36. 125 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 49. 126 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 136. 127 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 144.

52

2.6 SERVIÇOS PÚBLICOS

O serviço público é a principal razão da existência do

Estado, bem como de sua organização em Administração Pública.

Meirelles128 ao tratar do tema, assim o conceitua:

Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.

Para Gasparine129 serviço público deve ser visto em três

sentidos:

[...] o orgânico, o material e o formal. Em sentido orgânico, também chamado subjetivo, o serviço público é um complexo de órgãos, agentes e recursos da Administração Pública, destinados à satisfação das necessidades dos administrados. [...] em sentido material, também designado objetivo, o serviço público é uma função, uma tarefa, uma atividade da Administração Pública, destinada a satisfazer necessidades de interesses geral dos administrados. Em sentido formal, serviço público é a atividade desempenhada por alguém (Poder Público ou seus delegados), sob regras exorbitantes do Direito Comum, para a satisfação dos interesses dos administrados.

Bastos130 afirma que:

O serviço público consiste no conjunto de atividades que a Administração presta visando o atendimento de necessidades que surgem exatamente em decorrência da vida social, própria do homem, embora também atendam interesses individuais.

Para Araújo131:

128 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.319. 129 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 276. 130 BASTOS, Ribeiro, Celso. Curso de direito administrativo. p.164. 131 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 106.

53

Serviço público é toda atividade exercida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, para a realização direta ou indireta de suas finalidades e das necessidades ou comodidades da coletividade, ou mesmo conveniências do Estado, tudo conforme definido pelo ordenamento jurídico, sob regime peculiar, total ou parcialmente público, por ele imposto.

Portanto, é considerado serviço público, aquele prestado

pela Administração Pública com vistas a satisfazer a necessidade da coletividade.

2.6.1 Formas de prestação de serviço público

Ao tecer da essencialidade do Serviço Público depara-se

com a sua realização, ora mais próxima do centro do Estado e outras vezes mais

distante que se relaciona com os Serviços Públicos direto e indireto, muitas vezes

também tratadas como próprios ou impróprios.

Segundo Meirelles132 ao comentar em sua obra a respeito

dos serviços próprios do Estado, leciona que são: “[...] aqueles que se relacionam

intimamente com as atribuições do poder público (segurança, polícia, saúde,

higiene, etc).”

Também, Meirelles133 tratando dos serviços impróprios os

conceitua como sendo:

[...] os que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de seus membros, e, por isso, a administração os presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidade descentralizadas (autarquia, empresa, públicas sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionário, permissionário ou autorizatários.

Carvalho Filho134 a respeito de execução direta e indireta do

Serviço Público diz:

132 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.321. 133 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.321. 134 CARVALHO Filho. José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 287.

54

Execução direta é aquela através do qual o próprio Estado presta diretamente os serviços públicos. Acumula, pois as situações de titular e prestado do serviço. Na execução indireta [...] quando os serviços são prestados por entidades diversas das pessoas Federativas. O Estado, por sua conveniência, transfere os encargos da prestação a outras pessoas, nunca abdicando do controle sobre elas.

Gasparini135, em relação as formas de execução dos

Serviços Públicos, determina que:

São de execução direta os oferecidos pela Administração Pública por seus órgãos e agentes; são de execução indireta os prestados por terceiros. Assim, se prestado pelo Poder Público, são de execução direta; se oferecido por estranho (concessionários, permissionários) aos administrados, são de execução indireta.

A CRFB/88 ao tratar da prestação de serviço público assim

determinou:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Traçando um diferencial entre permissão e concessão a

fonte infraconstitucional através da edição da Lei das Concessões Públicas136,

ficou determinado que a concessão é atribuída à pessoa jurídica ou consórcio de

empresas, enquanto a permissão é atribuída à pessoa física ou jurídica. Por outro

lado à concessão destina-se a serviços de longa duração ao passo que a

permissão supõe serviço de média ou curta duração.

Diante do contexto, ao Poder Público incumbe a realização e

prestação de todos serviços prestados a coletividade, na qual é permitido que

referidos serviços possam ser realizados diretamente pela própria Administração

Pública, a exemplo dos serviços essenciais a coletividade como os de segurança,

saúde, denominados pelos doutrinadores como Serviço Público direto ou próprio;

ou que referidos serviços sejam prestado por terceiros, por delegação do 135 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 283. 136 Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

55

Administrador, através do regime de concessão, permissão ou autorização, a

exemplo dos serviços de transporte coletivo, chamado de serviços indiretos ou

impróprios, sempre sobre regulamentação e controle do Poder Público. Dentre as

modalidades de serviços público indireto, será abordado a seguir os de permissão

e concessão.

2.6.2 Permissão

Através da Lei nº 8.987/95137, o legislador considerou

permissão como “delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de

serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que

demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco”.

Consoante Mello138:

[...] a permissão, pelo seu caráter precário, é utilizada normalmente, quando o permissionário não necessita alocar grandes capitais para o desempenho do serviço ou quando pode mobilizar, para diversas destinações e sem maiores transtornos, o equipamento utilizado ou, ainda, quando o serviço não envolve implantação física de aparelhamento que adere ao solo, ou, finalmente, quando os riscos da precariedade a serem assumidos pelo permissionário são compensáveis seja pela rentabilidade do serviço, seja pelo curto prazo em que se realiza a satisfação econômica almejada.

Para Di Pietro139 a permissão “[...] em sentido amplo designa

ato administrativo unilateral, discricionário, precário, gratuito ou oneroso, pela qual

a administração pública faculta ao particular a execução de serviço público ou a

utilização do bem público”.

Na mesma linha de raciocínio, permissão, para Gasparini140

“[...] é o ato administrativo, vinculado ou discricionário, segundo o qual a

137 Art. 2º da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. 138 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Prestação de serviços públicos e administração

indireta. p. 59. 139 Di Pietro, Zanela,Sylvia, Maria. Direito administrativo. p. 238. 140 GASPARINE, Diogenes. Direito administrativo. p. 82.

56

administração pública outorga a alguém, que para isso se interesse o direito de

prestar um serviço público ou de usar em caráter privativo um bem público.”

Para Figueiredo141 a concessão é precedida de contrato

entre a Administração Pública e o particular. “Concessão de serviço público é

espécie de contrato administrativo por meio do qual o Poder Público concedente

transfere o exercício de determinados serviços ao concessionário, pessoa jurídica

privada, para que os execute em seu nome, por sua conta e risco”.

Meirelles142 leciona que permissão “[...] constituem

delegações por ato unilateral da Administração; são todos aqueles que a

Administração estabelece os requisitos para sua prestação ao público [...]”

Diante desse contesto, observa-se que por ser a permissão

um ato precário e que dá ao administrador público o poder discricionário, a

qualquer momento poderá alterar, modificar as condições que foram impostas ao

permissionário, sem a possibilidade de oposição do mesmo. Por outro lado, isso

não ocorre com a modalidade da concessão, que será abordado a seguir.

2.6.3 Concessão

A concessão trata de outro instituto na categoria de serviços

Público pelo qual a Administração Pública transfere a terceiro o poder de executar

seus serviços, mas sempre sobre sua fiscalização, e respeitando o princípio da

legalidade, que já fora abordado anteriormente.

Ao contrário da permissão, a concessão não se submete ao

poder discricionário da administração pública dando maior segurança ao

concessionário.

A respeito da modalidade de concessão Meirelles143 assim de manifesta-se:

141 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo.p. 82. 142 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 382. 143 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.367.

57

[...] é um acordo administrativo (e não um ato unilateral da Administração), com vantagens e encargos recíprocos, no qual se fixam as condições de prestação do serviço, levando-se em consideração o interesse coletivo na sua obtenção e as condições pessoais de quem se propõe a executá-lo por delegação do poder concedente.a concessão de serviço.

Melo144 aborda sobre o tema assim discertando:

[...] entende-se por concessão de serviço público, o ato complexo através do qual o Estado atribui a alguém o exercício de um serviço público, e este aceita prestá-lo em nome do poder Público, sob fixadas e alternáveis unilateralmente pelo Estado, mas por sua conta, risco e perigo, remunerando-se pela cobrança de tarifa diretamente dos usuários do serviço, e tendo a garantia de um equilíbrio econômico e financeiro.

Na visão de Carvalho Filho145:

[...] concessão de serviço público precedida da execução de obra pública é o contrato administrativo através do qual o poder público ajusta com pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de determinada obra pública por sua conta e risco, delegando ao construtor, após a conclusão, sua exploração por determinado prazo.

Do dissertado pelos doutrinadores a respeito das

modalidades de Serviço Público indireto, tem-se que a modalidade da concessão

é o meio a ser aplicado para a contratação do pedágio, matéria na qual será

tratado no próximo capítulo.

144 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Prestação de serviços públicos e administração

indireta. p. 35. 145 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. p. 311.

58

CAPÍTULO 3

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DO PEDÁGIO SEM VIA ALTERNATIVA

3.1 DA ORIGEM DA COBRANÇA DO PEDÁGIO

A palavra Pedágio originou do latim pedaticum, significando

o local onde se põe o pé. Com o preço cobrado em razão da utilização de

estradas, surgiu primeiramente em Roma e posteriormente, no Século XVIII na

Inglaterra, onde era cobrado das pessoas que trafegava em carruagem, nas

estradas cuja conservação era realizada pela Coroa146.

Meirelles147, comentando sobre a origem da cobrança do

pedágio, descreve:

Desaparecendo sua cobrança no século XIX, ressurgiu em nossos dias nos Estados Unidos da América do Norte, precisamente em 1940, quando se inauguraram as primeiras auto-estradas, ou vias-expressas como as denominam os norte-americanos. Tais rodovias ficaram sob a administração das empresas de estradas de barreira ou mesmo de autarquias que passaram a cobrar pedágio para obtenção de recursos para construção e manutenção dessas vias-expressas [...]

No Brasil, o pedágio teve sua origem na época do governo

Imperial, conforme relatado por Pedro Karp Vasquez apud Savaris148:

A primeira via de rodagem no Brasil, a estrada ‘União e Industria’ foi concedida por força do decreto do governo imperial de nº 1301, de 07/08/1852.

Ainda em 1848, porém, a Lei 451, da então Província de Minas Gerais, já havia autorizado a contratação de investidor privado

146 MEIRELLES, Hely Lopes. Pedágio – condições para sua cobrança. Revista dos tribunais.

Consultas e Pareceres. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, n 430, 1971, p. 34. 147 MEIRELLES, Hely Lopes. Revista dos tribunais. p. 34. 148 SAVARIS, Antonio José. Pedágio pressupostos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2004, p.46/47.

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para a construção e exploração econômica de ponte sobre o rio São Francisco. O artigo 4º da lei em questão definia a importância que poderia ser exigida dos usuários, valendo sua transcrição:

Art. 4º. Aos empresários fica concedido o privilégio de arrecadar na sobredita ponte espaço de 40 anos as taxas seguintes: &1 – de cada pessoa a pé, vinte réis: &2 – de cada pessoa a cavalo, ou por cada animal carregado, cento e sessenta réis: &3 – de cada animal vacum, cavallar ou nuar, tocados, cento e vinte réis: &4 – de cada um carro, compreendendo os animais que o tirarem até o número de dez, oitocentos réis.

Assim, como se depreende do longo da história, a instituição

da cobrança pelo deslocamento de pessoas, animais, bem como carruagens pela

utilização de vias públicas, foram impostas, compulsoriamente, como meio de

recursos para desenvolvimento de estradas e rodovias.

3.2 CONCEITO DE PEDÁGIO

O conceito da palavra pedágio, em seu sentido jurídico, é

bastante variado.

De Plácido e Silva149, conceitua Pedágio como:

Na terminologia jurídica, pedágio exprime propriamente a tributação ou taxação devida pela passagem por uma estrada ou rodovia, por uma ponte ou qualquer outro lugar, onde o trânsito não se faça livre e gratuito.

O pedágio pode ser cobrado pelo próprio governo ou por particular, em conseqüência de concessão, que lhe é atribuída pelo governo, a respeito de estradas ou vias de comunicação particular.

O pedágio é também conhecido pelo nome de tributo de barreira, em face do sistema adotado para sua cobrança: uma barreira posta em meio da estrada, pela não passa a pessoa ou veículo, sem que pague primeiro a taxa, que lhe é exigida.

Entende-se que é uma obrigação que é imposta pelo ente público na qual ele te ofereça uma via conservada.

149 De Plácido e Silva.Vocabulário jurídico. 25. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004. p. 1018.

60

Já Savaris150 ao conceituar o Pedágio destaca:

[...] é a importância exigida de um indivíduo que se utiliza, em sua circulação, de determinada via terrestre ou hídrica, natural ou artificial, pública ou privada. Especificamente no ordenamento jurídico brasileiro, pedágio e o valor exigido pela Administração, diretamente ou por meio de concessionário, que se manifesta mediante tributo ou preço, pela utilização de via conservada pelo poder Público.

No conceito de Mello apud Savaris151, compreende

[...] a designação atribuída a uma cobrança passível de ser

exigida dos usuários de via pública, a fim de acobertar

despesas de construções, remunerar os trabalhos aí

implicados ou relativos a sua permanente conservação, bom

como serviços complementares disponibilizados a quem

delas se utilize.

Para Moraes152, a trajetória passível de cobrança do

Pedágio, na idade média, era “[...] a simples passagem pelos caminhos ou áreas

predeterminadas, seja a pé (pedágio) a cavalo, através de barco (barcagem) ou

de veículo (rodagem), para ser devido o pedágio”.

Diante deste contexto os conceitos a respeito do Pedágio

que foi abordado pelos doutrinadores acima, sempre trazem a cobrança para a

utilização de passagem em troca de vias conservadas, o Estado limitava aos seus

administrados o direito de ir e vir impondo a obrigação que era a cobrança do

Pedágio.

150 SAVARIS, Antonio José. Pedágio pressupostos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2004, p.102. 151 SAVARIS, José Antonio. Pedágio pressupostos jurídicos. p.35. 152 MORAES, Bernardo do Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 5. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1995. p. 337.

61

3.3 CONCEITO DE VIA PÚBLICA

De Plácido e Silva153, conceitua via pública como “[...] a rua,

ou estrada, construída pelo poder público para utilização de todos, ou para

serventia comum.”

A teor de via pública, o Código Civil de 2002 trata como

sendo bens públicos e assim os descreve:

Art. 99. São bens públicos:

I - Os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

Os bens de uso comum, como refere Mello154, são abertos à

livre utilização de todos, porém ao dizer que o uso é livre, está-se caracterizando

que ele independe de algum ato administrativo reportado a alguma

individualização especificadora de tal ou qual utente.

Diniz155, ao relatar sob os bens de uso comum do povo,

menciona:

[...] embora pertença a pessoa jurídica de direito público interno, podem ser utilizados, sem restrição, gratuita ou onerosamente, por todos, sem necessidade de qualquer permissão especial. Por exemplo: praças, jardins, ruas, estradas, mar praias, rios [...].

Assim, as vias públicas, tais como as rodovias, são espécie

de bens públicos. Os bens públicos caracterizam-se pela utilização do povo, sem

quaisquer restrições nem necessidade de autorização especial pelo Poder

Público. Também não poderão beneficiar o patrimônio de quem quer que seja,

pois são consideradas da própria comunidade, sendo injustificada a cobrança do

Pedágio na forma como é exigido. Verifica-se a seguir como a legislação pátria

trata desse instituto. 153 De Plácido e Silva.Vocabulário jurídico. p.1478. 154 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14 ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 782. 155 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1. Vol. 19 ed. São Paulo: Saraiva.

2002. p. 301/302.

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3.4 PEDÁGIO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Antes de analisar a legalidade e constitucionalidade da

cobrança do Pedágio é necessário traçar breves comentários sobre como iniciou

a cobrança do pedágio na vigência da legislação brasileira .

Com intuito de desenvolvimento das rodovias, a Constituição

de 18 de setembro de 1946, possibilitou a cobrança do Pedágio e trouxe em seu

art. 27:

Art 27 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de taxas, inclusive pedágio, destinada exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas.

Através do texto constitucional, possibilitou-se as quatro

entidades estatais – União, Distrito Federal, Estados e Municípios –, a instituição

do Pedágio como forma de indenização pelas despesas com construção,

conservação e melhoramento das rodovias.

Para Meirelles156, a inclusão do Pedágio na qualidade de

taxa, como ocorreu com a Constituição de 1946, deu-se a um erro de técnica do

constituinte, conforme relata seu parecer:

A inclusão do pedágio dentre as taxas deveu-se evidentemente a um erro de técnica de 1946, não muito a feito a moderna terminologia dos tributos e preços. Mas o deslize foi percebido pelo então Deputado Souza Costa que durante a discussão do dispositivo (art. 27), chamou atenção do plenário para que considerasse o pedágio uma taxa [...].

Assim, sendo o Pedágio na Constituição de 1946, cobrado

como taxa, a exploração de referida cobrança poderia ser efetivada desde que

156 MEIRELLES, Helly Lopes. Revista dos tribunais. p. 35.

63

explorada diretamente pelo Poder Público, não podendo ser cobrado mediante

concessão a terceiros, pois estaria contrapondo-se ao conceito de taxa.

O erro, que até então se vertia na Constituição de 1946,

repetiu-se com a Constituição de 1967, tratando Pedágio como taxa, veja-se:

Art 20 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – [...]

II – estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de

pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou

intermunicipais, exceto o pedágio para atender ao custo de vias

de transporte;

Com o advento da Emenda Constitucional nº 1/69, corrigiu-

se o erro até então existente na Constituição de 1967 e na anterior, trazendo nova

redação ao artigo 19, inciso II, passando a considerar o Pedágio como preço

público, e como tal dispensou a autorização para ser cobrado pelos

concessionários de serviço público, vejam:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – [...]

II – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais;

Com o advento da Constituição Federal de 1988 tornou-se a

contemplar a possibilidade de cobrança de Pedágio através de tributo,

prescrevendo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

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Savaris157 ao tratar da instituição do Pedágio no direito

positivo brasileiro, assim se manifestou:

[...] pela Constituição de 1988, o pedágio pode ser instituído para realizar outros valores que não especificamente o desenvolvimento das vias rodoviárias, acompanhando a evolução alcançada pelo instituto na Constituição Européia.

O pedágio, pois, assume outra concepção: não é apenas um instrumento limitador de tráfego destinado a solucionar a carência de recursos necessários a desenvolver o setor de infra-estrutura de transporte rodoviários, mas, para além disso, constitui-se um instrumento que a partir da limitação de tráfego, pode promover ou realizar outros valores constitucionais, como o meio ambiente, [...].

Analisando a natureza jurídica do Pedágio, Baleeiro158

manifestou: “Os pedágios por força do art.150,V, a natureza de taxa de serviços

públicos de conservação, cuja divisibilidade somente se manifesta no momento

da utilização da via pública”.

Ao tratar da natureza jurídica do Pedágio, Ataliba159 pronunciou:

O art. 150, V, da Constituição Federal de 1988 põe término a discussão sobre o caráter tributário do pedágio. Não permite mais questionar: pedágio é tributo. E da espécie taxa. O art. 150, V, do texto constitucional dá a essência da materialidade da hipótese de incidência dessa taxa: pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.

Vidal160, em interpretação contrária a dada por Ataliba,

defende ser o Pedágio tarifa. Senão veja-se:

[...] a remuneração paga pelo usuário que deseja livremente e segundo sua própria conveniência utilizar-se do serviço concedido é feita mediante tarifa, modalidade de preço público e não taxa. O

157 SAVARIS, Antonio José. Pedágio pressupostos jurídicos. p. 50. 158 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11 ed. Rio de Janeiro: 1999, Forense, p.

549. 159 ATALIBA, Geraldo. Revista de direito tributário. RDT nº 46, p. 90. 160 VIDAL, Hélvio Simões. Regime jurídico do pedágio. Revista Ciência Jurídica, set/out 1997, p.

375.

65

pedágio, pois, paga-se mediante preço público, mais precisamente, através das tarifas fixadas pelo contrato e revista a todo tempo, durante a concessão, pelo Poder Público.

Assim, a teor do disposto pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, a possibilidade da cobrança de pedágio em troca de

vias conservadas, impondo ao administrador público a obrigação de oferecer aos

administrados uma via conservada, estará ferindo o princípio de ir e vir,

consagrado pelo artigo 5º, inciso XV da mesma norma constitucional.

Analisando a legislação infraconstitucional e admitindo-se ter

o Pedágio natureza jurídica tarifária, constata-se que para cobrança deste, é

necessária a disponibilização de via alternativa, conforme se depreende da Lei n°

8.987 de 13 de fevereiro de 1995, que trata da Concessão e Permissão da

Prestação de Serviços Públicos:

Art. 9º. Omissis;

§ 1º. A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário.

Analisando a condição de cobrança de Pedágio, Meirelles161

manifestou:

O pedágio pode, ser exigido pela utilização de rodovias, pontes, viadutos, túneis, elevados e outros equipamentos viários que apresentem vantagens específicas para o usuário, tais como desenvolvimento de alta velocidade, encurtamento de distância, maior segurança, diversificando-os de obras semelhantes que se ofereçam como alternativa para o utente. Na doutrina corrente, dois são os requisitos que legitimam a cobrança desse preço público: a condição especial da obra, mais vantajosa para o usuário, e a existência de outra, de uso comum, sem remuneração. Sem estes requisitos torna-se indevida a cobrança do pedágio.

161 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p.

148.

66

Garcia162 ao abordar a respeito da obrigatoriedade via

alternativa para possibilitar a cobrança de Pedágio, assim se reporta:

[...] problemática que decorre de linha de pensamento, segundo a

qual a inexistência de via alternativa obsta o exercício do direito

fundamental de ir e vir, e ainda é necessário a via alternativa para

descaracterizar a compulsoriedade do pedágio.

Neste caso é necessário que o Estado ofereça condições especiais de tráfego para efetuar tal cobrança.

Considerando-se que a referência ao Pedágio constitui de

norma Constitucional capaz de exigir dos administrados sua cobrança pela

utilização das vias conservadas pelo Administrador Público, tal exigência esbarra-

se no princípio fundamental de locomoção – direito de ir e vir, garantido ao

cidadão conforme será abordado no item seguinte.

3.5 RESTRIÇÃO DE IR E VIR PELA COBRANÇA DO PEDÁGIO

A liberdade de locomoção é um direito inerente ao homem

como o direito à vida. Sem a garantia desta liberdade, o homem torna-se um ser

incapaz, é como se estivesse preso no seu próprio meio.

O direito de locomoção é um dos direitos classificados pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como fundamentais ao

cidadão, colacionado no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XV - é livre a locomoção no território nacional [...]

162 GARCIA, Flávio Amaral. Regulação jurídica das rodovias concedidas. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2004, p. 158.

67

O Código Tributário Nacional promulgado antes do advento

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, já estabelecia em seu

artigo 9º, inciso III, a limitação ao tráfego de pessoas.

Art. 9º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III – estabelecer limitação ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou mercadorias, por meios de tributos interestaduais ou intermunicipais; [...]

É obvio que tal dispositivo se coaduna perfeitamente com o

direito de ir e vir, inerente as pessoas livres, como direito irrenunciável.

Também, ao comentar sobre o dispositivo insculpido no

artigo 5º, inciso XV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

Cretella163 relata:

A locomoção apresenta quatro aspectos: um neutro, o direito de permanecer; três positivos, o direito de deslocamento, a pé, ou por veículos dentro do território nacional, o de sair do território nacional e o de entrar no território nacional (ius manendi, eundi, tranendi, ambulandi, ultro citroque). no atual contexto, o homem tem direito à vida, à dignidade humana, à segurança, à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de consciência, de crença, ao exercício de culto religioso, à associação, à reunião, ao ir e vir.

Já, Silva164 ao relatar sobre o direito de locomoção, assim se

manifestou:

Direito à circulação é manifestação característica da liberdade de locomoção: direito de ir e vir, ficar, parar, estacionar. O direito de circular (ou liberdade de circulação) consiste na faculdade de deslocar-se de um ponto a outro através de uma via pública ou afetada ao uso público. Em tal caso, a utilização da via não constituirá uma mera possibilidade, mas um poder legal

163 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição brasileira de 1988, v. 1. São Paulo:

Forense, 1992, p. 285. 164 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26 ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 460.

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exercitável erga omnes. Em conseqüência a administração não poderá impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira estável, a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se produziria uma transformação da afetação por meio de uma simples atividade de polícia, isso quer dizer que, independente do meio através do qual se circula por uma via pública, o transeunte terá o direito de passagem e de deslocamento por ela, por constitui esta forma de deslocamento a manifestação primária e elementar do direito de uso de uma via afetada.

Ferreira Filho165, afirma que a liberdade de ir e vir “[...] é a

manifestação mais visível da liberdade pessoal, por isso muitas vezes a liberdade

pessoal e identificada com a liberdade de locomoção, com a liberdade física de se

seguir para onde se quiser ir, ou permanecer onde se quiser ficar”.

Bastos166 ao comentar sobre a locomoção, assim se

manifestou:

É pela locomoção que o homem externa um dos aspectos fundamentais da sua liberdade física. Circular consiste em deslocar-se de um ponto para outro. Em sentido amplo, contudo, deve incluir o próprio direito de permanecer.

Vieira167, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, ao

considerar sobre o direito de locomoção num Recurso Especial relativo a

cobrança do pedágio, assim se pronunciou:

[...] Ainda que fosse conhecido o recurso pela violação ao § 1º do artigo 9º da Lei nº 8987/95, com a redação dada pela Lei nº 9648/99, melhor sorte não teria o recorrente e isso está ebem demonstrado pelo Ministério Público, em seu parecer (fls. 2011/2022) a qual destaco o seguinte trecho:

“Esse dispositivo, apesar de realmente autorizar o estorvo do usuário de: uma obra pública cedida ao particular, não

165 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentário a constituição brasileira de 1988. São

Paulo: Saraiva, 1990, p. 40. 166 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil: promulgada em 5 de

outubro de 1988. 2. Vol., 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 94/95. 167 VIEIRA, Garcia. Voto no Recurso Especial nº 417.804-PR, DJU 10/03/2003.

69

encontraguarida constitucional, razão de sua nulidade e conseqüência ineficácia. Transcrevo a propósito, as razões destinadas a demonstrar tal inconstitucionalidade externadas pelo parecer de fls. 1392/1419, subscrito pelo colega LUIZ ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, in verbis:

“a liberdade de locomoção é uma das mais importantes manifestações da liberdade pessoal, a tal ponto que, muitas vezes, é identificada como esta. Nesta perspectiva, o constituinte de 1988 elencou-as entre os direitos e garantias fundamentais (art. 5, XV). Da mesma forma, o referido direito foi assegurado pelo Pacto de São José de Costa Rica, convenção aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Presidente da República através do Decreto 678 de 02.11.92.

O direito de locomoção, por conseguinte, constitui-se em verdadeiro direito público subjetivo, traduzindo-se na liberdade de ir, vir, ficar, parar e estacionar nas vias públicas. José Afonso da Silva é incisivo, afirmando que se trata de direito exercitável contra a Administração Pública, de modo que esta deve se abster de realizar atos tendentes a embaraçá-lo de forma injustificada. Diz o renomado constitucionalista:

[...]

O constituinte, contudo, não se limitou a assegurar a liberdade de locomoção entre os direitos fundamentais. A Carta Magna foi além, proibindo expressamente a Administração Pública “de estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributo interestaduais ou intermunicipais, ressalvando a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público” (art. 150, V). O dispositivo retrocitado tutela não só a liberdade de locomoção, mas o próprio espírito do Estado Federativo. Manoel Gonçalves Ferreira Filho expõe com exatidão a finalidade da norma do art. 150, V, in verbis:

‘O Estado Federal, enquanto tal, importa na unidade de um território e de um povo, o que repercute em unidade econômica. E inerente ao Estado Federal, e conforme seu espírito, que todos os componentes de sua dimensão pessoal, que seu povo, portanto, não encontre embaraços no seu deslocamento pelo território nacional ou no de seus bens. Na verdade, essa livre circulação é indispensável para a sobrevivência do Estado Federal.

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Acertadamente, veda a Constituição que se criem tais embaraços, estabelecendo-se limitações ao tráfego de pessoas e bens, ainda que de modo indireto, através de tributos interestaduais ou intermunicipais. De fato, por meio destes, seria possível a Estados e Municípios, tornar oneroso esse tráfego, cerceando-o, conseqüentemente, sempre que se dirigisse para além de seus limites. Seria possível estabelecer discriminação em detrimento do tráfego interestadual e intermunicipal.’ (sem grifos no original).

Verifica-se, portanto, que o elemento teleológico da norma é permitir a integração do povo brasileiro, vedando quaisquer atos do poder público entre eles a cobrança de tributos que dificultem a locomoção do cidadão no interior do território nacional. É neste prisma que deve ser interpretado o permissivo constitucional para a cobrança de pedágio. Ou seja, a cobrança de pedágio é perfeitamente legítima desde que não impeça, ou não dificulte, o tráfego de toda ou parte da população, independentemente, sua capacidade econômica’.

O parecer diz tudo. Não é razoável que se estabeleça pedágio em um único caminho de destino a um determinado lugar do território nacional, pois que tal fato, impedindo o trânsito do cidadão com um de seus bens (automóvel, caminhão, etc.), viola diretamente ao princípio federativo.

Está implícito na nossa Constituição Federal, pois, que a cobrança do pedágio pressupõe a existência de outro caminho onde o cidadão, possa, de forma gratuita, passar com seus bens.

Assim, como defendido pela doutrina acima especificada,

nenhum constrangimento pode ser imposto ao cidadão, impedindo-lhe ou

dificultando-lhe o exercício do direito fundamental de ir e vir, no interior do

território nacional. É neste sentido que deve ser interpretado a norma de

permissão constitucional para cobrança do pedágio, que será abordado no

próximo item, da necessidade de via alternativa para tal cobrança.

3.6 ANÁLISE DOUTRINÁRIA SOBRE AS RODOVIAS PEDAGIADAS SEM OPÇÃO DE VIAS ALTERNATIVAS

É pela locomoção que o homem expressa os seus direitos

fundamentais da sua liberdade física, e na visão doutrinária, a exigência do

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Pedágio sem a devida via alternativa prejudica o direito de locomoção ferindo o

princípio de ir e vir do cidadão.

No entender de Meirelles168:

No caso particular do pedágio de rodovia, exige-se que a estrada apresente condições especiais de tráfego (via expressa de alta velocidade e segurança), seja bloqueada e ofereça possibilidade de alternativa para o usuário (outra estrada que o conduza livremente ao mesmo destino), embora em condições menos vantajosas de tráfego.

Assevera Silva169:

[...] a liberdade de locomoção constitui o cerne da liberdade física no sistema jurídico e tem como manifestação característica à liberdade de circulação, isto é, a faculdade de deslocar-se de um ponto a outro de uma via pública ou afetada ao uso público.

Ainda Silva170, ao ressalvar a cobrança de Pedágio pela

utilização de vias conservadas pelo Poder Público, esclarece “[...] ele está

efetivamente no liminar do conceito de tributo, tudo dependendo de se dar, ou

não, razoável opção aos usuários quanto outra via não sujeita ao pedágio; [...]”.

Wald apud Zanferdini171, assevera que:

Embora os textos legais referentes ao pedágio nenhuma referência expressa façam às necessidades de alternativas, a possibilidade de utilização gratuita, de outra via, anteriormente existente, é cobrança tradicional de cobrança de pedágio em outras legislações. A respeito esclarece Assis Ribeiro que o público americano aceitou o princípio de que no custo do transporte se inclui, também, o custo da estrada, partindo da premissa da opção entre a auto-estrada paga e a estrada tradicional gratuita.

168 MEIRELLES, Hely Lopes. Revista dos tribunais. RT nº 430, agosto de 1971, p. 37. 169 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10 ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 232/233. 170 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 596. 171 WALD, Arnold apud ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montigelli. Caderno jurídicos de escola

paulista da magistratura. ano 4, nº 16. São Paulo, 2003, p. 71/77.

72

Desta forma, para que a utilização de uma estrada ou

rodovia esteja condicionada a cobrança de Pedágio, faz-se necessário, além do

oferecimento de vantagens ao usuário, a concessão de via alternativa, pois caso

contrário tornar-se-ia compulsória sua utilização.

Assim, a existência de uma via alternativa a rodovia

pedagiada, deve ser propiciar ao usuário a livre escolha entre uma ou outra, não

lhe privando seu deslocamento em função da remuneração – cobrança do

pedágio.

3.7 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE AS RODOVIAS PEDAGIADAS SEM OPÇÃO DE VIAS ALTERNATIVAS

Em relação à necessidade de via alternativa gratuita ao

usuário para legitimidade da cobrança de Pedágio, a teor da jurisprudência, o

Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal da 4ª Região juntamente

com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, assim se manifestam:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE PEDÁGIO – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – INTERESSE DA UNIÃO – RECURSO ESPECIAL – FALTA DE PREQUETIONAMENTO.

- Não se conhece de recurso especial, se o dispositivo legal supostamente maltratado não foi agitado no acórdão recorrido, assim como na hipótese de o recorrente não indicar, com segurança, os dispositivos legais malsinados. Por igual, acontece, se não for comprovado a divergência pretoriana, nos moldes exigidos pelo artigo 541, parágrafo único do CPC.

- a cobrança de pedágio somente é lícita se houver estrada alternativa gratuita.

[...]

(Recurso Especial nº 417.804-PR, 1ª Turma, Relator para o

Acórdão: Ministro Humberto Gomes de Barros. DJU 10/03/2003).

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPENSÃO DA

73

COBRANÇA DE PEDÁGIO. NECESSIDADE DE VIA ALTERNATIVA. JURISPRIDÊNCIA DA CORTE.

1. Com efeito, na linha da melhor doutrina e da Jurisprudência, é de essência dos contratos de concessão de construção e conservação de obras rodoviárias o oferecimento de possibilidade de acesso à via alternativa para o usuário.

[...]

2. Interpretação dos arts. 7º, III, da Lei nº 8987/95 e 5º, XV, 175, II e IV, da CF/88.

3. Apelação conhecida e parcialmente provida (TRF 4ª Região. Apelação em Ação Civil Pública nº 2002.04.01.017045-2/PR, Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores. DJU de 26/01/2005)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE PEDÁGIO. NECESSIDADE DE VIA ALTERNATIVA. JURISPRUDENCIA DA CORTE.

1. Com efeito, na linha da melhor doutrina e da Jurisprudência, é de essência dos contratos de concessão de construção e conservação de obras rodoviárias o oferecimento de possibilidade de acesso à via alternativa para o usuário.

[...]

2. Interpretação dos arts. 7º, III, da Lei nº 8987/95 e 5º, XV, 175, II e IV, da CF/88.

Improvimento das apelações dos Réus e das remessas de ofício e provimento da apelação do MPF (TRF 4ª Região. Apelação em Ação Civil Pública nº 2000.04.01.000488-9/PR, Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lens. DJU de 09/04/2003)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR. PEDÁGIO. VIA ALTERNATIVA. SUSTAÇÃO DA COBRANÇA.

Presentes os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, e de ser deferida a liminar para sustar a cobrança da exação até que plenamente trafegável a via alternativa. (TRF 4ª Região. Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.054433-9/PR, Rel. Des. Valdemar Capeletti. DJU de 02/07/2003)

DIREITO CONSTITUCIONAL. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE PEDÁGIO. NECESSIDADE DE VIA ALTERNATIVA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

74

Não merece guarida tal afirmação, visto que se trata de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos (direito de ir e vir, assegurado constitucionalmente) e a defesa de direitos individuais homogêneos (via alternativa). DECISÃO ULTRA ET EXTRA PETITA. Não resta observado sta hipótese, pois o objeto principal da decisão não foi diverso do pretendido na exordial. Da mesma forma, não há como entender que a questão relativa à capacidade econômica dos usuários da rodovia não tenha sido suscitada na ação.

LITISPENDÊNCIA. Esta não resta comprovada, pois não há juntada aos autos de cópia da petição inicial, da ação ajuizada em Maringá ou cópia da decisão proferida, que comprove serem idênticos os pedidos. DA INEXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. Sustentado pela União que não há comprovação de dano ao erário público, não merece guarida tal argumento, pois está sendo lesado o direito dos usuários submetidos à cobrança irregular e, de outro lado, toda a sociedade, que teve o seu direito de locomoção limitado de forma inconstitucional. NO CASO PARTICULAR DO PEDÁGIO. Exige-se que a estrada apresente condições especiais de tráfego (via expressa de alta velocidade e segurança), seja bloqueada e ofereça possibilidade de alternativa para o usuário (outra estrada que conduza livremente ao mesmo destino), embora em condições menos vantajosas de tráfego. O ATO NORMATIVO IMPUGNADO está eivado de ilegalidade, visto que ofende o direito de todos os utendes da BR-369, independente da sua capacidade econômica. DIREITO DE RESSARCIMENTO. Os usuários que tiveram os valores cobrados indevidamente, têm direito ao ressarcimento. Desta forma, os réus são condenados à devolução dos valores cobrados a título de pedágio, cabendo aos prejudicados procederem à liquidação e execução da sentença, na forma do art. 97 do CDC. (TRF 4ª Região. Apelação Cível nº 2000.04.01.057802-0/PR, Rel. Des. Antonio Lippmann Junior. DJU de 24/01/2001)

AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDÁGIO RODOVIAS.

Os requisitos à concessão da antecipação de tutela pleiteada são expresso em lei, com que estando a decisão guerreada é de ser mantida, inclusive como forma de prestigiar as relações processuais. Tratando-se de pedágio, exige-se que a estrada apresente condições especiais de tráfego (via expressa de alta

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velocidade) e ofereça possibilidade de alternativa para o usuário (outra estrada que conduza livremente ao mesmo destino), embora em condições menos vantajosas de tráfego. Ausência desta via alternativa lesa o direito dos usuários submetidos à cobrança irregular e, de outro lado, o dano de toda a sociedade que teve o seu direito de locomoção limitado. (TRF 4º Região, Agravo de Instrumento nº 2000.04.01.102450-1/RS, Relator Juiz Edgard A Lippmann Junior. DJU 20/12/2000)

MANDADO DE SEURANÇA. COBRANÇA DE PEDÁGIO. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO, POR PARTE DO UTENTE, DE ACESSO ALTERNATIVO LIVRE E GRATUITO. AFRONTA A NORMA CONSTITUCIONAL. ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE.

A cobrança de pedágio é legítima desde que estabeleça condição especial da obra, mais vantajosa para o usuário, e coloque a sua disposição outra alternativa livre e gratuita. Inobservados estes requisitos, não se pode tributar algo apenas pelo seu uso. [...] (TJSC, Apelação em Mandado de Segurança nº 96.007575-5, Relator Des. Carlos Prudêncio. Decisão 11/03/1997).

Assim, na linha das decisões trazidas pelas Ementas do

Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, é da essência nas cobranças do

Pedágio nas rodovias, o oferecimento de possibilidade de acesso à via alternativa

para o usuário. Pois sem adoção de tal procedimento o administrador público

estaria ferindo os princípios esculpidos nos artigos 5º, XV da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como o objetivo investigar, à luz da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, legislação, doutrina e

jurisprudência, a possibilidade da cobrança de Pedágio pela utilização de rodovias

conservadas pelo Poder Público, sem que este ofereça outra via alternativa

gratuita.

O Estado, como união de um povo politicamente organizado,

tem por finalidade o interesse comum de toda a sociedade. O Brasil, um Estado

politicamente organizado e democrático, garantiu ao seu povo, dentre outros

direitos, o da liberdade e o da igualdade.

Assim, ao trazer no seu Texto Constitucional o direito de

locomoção como um dos direitos e garantias fundamentais do cidadão residente

dentro do País, manifestou-se pela importância trazida pela liberdade, proibindo

assim a imposição de limitações. Também ao conceituar via pública, o legislador

infraconstitucional tratou-a como bem de uso comum do povo, possibilitando aos

que aqui residem, o direito de usufruírem sem restrições.

No que tange a titularidade do serviço público que pertence

ao Poder Público, esse, com intuito de distribuir suas funções para viabilizar o

desenvolvimento econômico e dar melhor condição aos administrados, com fulcro

no artigo 37 e 175 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

delegou às Empresas Privadas à execução do serviço, dentro das quais está a

conservação das vias pública, permitindo-lhes a cobrança de Pedágio, tudo

autorizado através de lei.

O Constituinte ao permitir a cobrança de pedágio pela

utilização de vias conservadas pelo Poder Público, subjetivamente deixou

implícito proibição de cobrança de referido valor em um único caminho de

deslocamento, pressupondo-se que para cobrança, tenha a existência de outra

via alternativa capaz de conduzi-lo ao mesmo destino. Assim, permitindo a

77

cobrança do pedágio sem a concessão de via alternativa, esbarrou no princípio

consagrado pelos direitos fundamentais do cidadão, que é o da liberdade.

A jurisprudência traz a obrigatoriedade e a necessidade de

via alternativa para que possa ser cobrado o Pedágio pela utilização de vias

públicas, relatando em seu corpo o direito de locomoção, como sendo um direito

fundamental. Do ponto de vista doutrinário, a análise da matéria é um pouco

escassa, pois apesar de ser um assunto de grande importância para a sociedade,

não se tem muitas obras, que tratam especificamente deste tema.

Diante disso, as hipótese inicialmente levantadas pela

pesquisa foram todas confirmadas, haja visto que, ao Estado lhe é permitido a

cobrança de pedágio pelas vias conservadas pelo poder público, sendo sua

incumbência a concessão de via alternativa, pois caso contrário, tal exigência

privaria o direito de locomoção garantido constitucionalmente.

A pesquisa foi de grande valia para a Autora, pois pôde

pesquisar sobre um tema pouco estudado no ramo do direito constitucional, e que

se revela eficiente para proteger os direitos de uma sociedade que vem sendo

aniquilada pelos atos dos governantes. Assim, concluo frisando, que a cobrança

do pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público sem a

concessão de uma via alternativa livre e desonerada fere o direito pátrio da

liberdade de locomoção, traduzido pela liberdade de ir e vir, consagrado pelo

artigo 5º, inciso XV da Constituição Federa de 1988.

78

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