inclusÃo e avaliaÇÃo no cotidiano da escola: um...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARTA ALVES DA CRUZ SOUZA
INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO
VITÓRIA – ES 2007
MARTA ALVES DA CRUZ SOUZA
INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase em Educação Especial: Abordagens e Tendências. Orientadora: Profª Drª Sonia Lopes Victor.
VITÓRIA – ES 2007
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Souza, Marta Alves da Cruz, 1972- S729i Inclusão e avaliação no cotidiano da escola : um estudo de caso /
Marta Alves da Cruz Souza. – 2007. 177 f. : il. Orientadora: Sonia Lopes Victor. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Educação. 1. Avaliação. 2. Inclusão social. 3. Ambiente escolar. I. Victor, Sonia
Lopes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
MARTA ALVES DA CRUZ SOUZA
INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase em Educação Especial: Abordagens e Tendências.
Aprovada em 30 de maio de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
Profª Doutora Sonia Lopes Victor Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora Profª Doutora Denise Meyrelles de Jesus Universidade Federal do Espírito Santo Profª Doutora Janete Magalhães Carvalho Universidade Federal do Espírito Santo Profª Doutora Kátia Regina Moreno Caiado Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Dedico este trabalho a todos aqueles que lutam pelos seus sonhos, tornando-os possíveis.
AGRADECIMENTO
Agradecer... como tenho que agradecer...
Primeiramente, a Deus e, em segundo lugar a todas as outras pessoas que, sem
grau de hierarquia e/ou merecimento, me ajudaram. Pai, eu te agradeço, pois sem
Tua intervenção com certeza não tinha trilhado nenhum caminho. Obrigada por me
inspirar, me sustentar. A Ti, a minha devoção, pois sei que posso todas as coisas
naquele que me fortalece.
À minha família: na qual nasci e a que escolhi. À minha mãe, pelo exemplo de garra
e vitória, e aos meus irmãos, pelo apoio e torcida. Ao meu marido, Cláudio, e aos
meus filhos, Clauber e Antonio Cláudio, obrigada por me incentivar, me apoiar e por
aceitar minhas ausências. Obrigada, eu amo muito vocês. Agradeço também a
minha sogra, ao meu sogro e cunhados(as) por ficarem na retaguarda, torcendo e
apoiando.
À minha orientadora, Sonia Lopes Victor, pela sua cumplicidade, paciência e
compreensão. Obrigada, aprendi muito com você.
Aos demais professores da banca: Denise Meyrelles de Jesus, Janete Magalhães
Carvalho e Kátia Regina Moreno Caiado obrigada pelo aceite em construir e
desconstruir minha caminhada na busca da construção do conhecimento sobre o
cotidiano da escola.
À Turma 18, que compartilhou comigo de momentos ímpares na nossa caminhada.
Alguns se tornaram amigos para sempre. Em especial: Dani e Jacy, companheiras
de carona, de discussão e muro de lamentações.
À escola que me acolheu e aceitou minha “intromissão” no seu cotidiano. Obrigada a
todos e a todas e, em especial, as duas professoras que me receberam no seu
espaço de sala de aula.
À professora Alina da Silva Bonella que aceitou o desafio de fazer a correção do
meu português em tempo recorde. Os meus sinceros agradecimentos.
Obrigada também à Secretaria Municipal de Educação de Guarapari (ES), que
possibilitou que eu me ausentasse para poder estudar e refletir, um pouco distante,
mais implicada nas nossas ações voltadas para uma política de inclusão
educacional.
Agradeço a todos e a todas que vibraram comigo a cada etapa vencida no processo
de seleção do mestrado e aguardaram ansiosos(as) por este momento final. Sintam-
se todos e todas abraçados(as).
A imagem que nos ocorre quando pensamos nesse tema é a de um rio abundante, que corre farto de afluentes, ora turvo, ora límpido, com as famosas pororocas, sempre a desembocar em nossas trajetórias de professoras; o que nos leva muitas vezes a pensar: ‘Tudo acaba desaguando na avaliação, não tem jeito’(FERRAZ; MACEDO, 2003).
RESUMO
A avaliação da aprendizagem serve como elemento retroalimentador da prática
pedagógica, principalmente quando o cenário educacional é atravessado pelo
movimento de inclusão. A proposta da pesquisa é compreender as práticas
avaliativas cotidianas na escola, tendo como referência as práticas pedagógicas dos
professores e a reflexão sobre a avaliação no processo de inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais. Este trabalho é um estudo de caso do tipo
etnográfico, realizado na Escola Bansalu, que é uma escola de ensino infantil e
fundamental do município de Guarapari. Utiliza, como instrumento de coleta de
dados, a entrevista semi-estruturada, a observação participante e a análise
documental. Dentro da unidade de ensino, as observações aconteceram na sala da
3ª e 4ª séries, onde havia matrícula de um aluno surdo e de dois com deficiência
mental. O estudo retrata que as práticas avaliativas tanto dos alunos com
necessidade educacional como daqueles que não apresentam dificuldade no
processo privilegiavam o produto final do processo de ensinoaprendizagem, em vez
de enfatizar o processo de construção do conhecimento. Pontua que é preciso uma
mudança na concepção de avaliação e uma reflexão sobre as práticas avaliativas
presentes no cotidiano da escola. Discute também a instituição de espaços-tempos
para que a comunidade escolar possa refletir e reavaliar suas concepções e práticas
pedagógicas propicinado uma educação de qualidade numa perspectiva inclusiva.
Palavras-chave: Práticas avaliativas. Inclusão. Cotidiano.
ABSTRACT
The evaluation of the learning process works as a motivating element of the
pedagogical practice, mainly when the educational scenery is crossed by the
inclusion movement. The research aims at understanding the evaluative every day
practices at the school, having as reference the teachers’ pedagogical practices and
the reflection on the evaluation in the process of inclusion of the students with the
special educational needs. The work is an ethnographic study case, in the Bansalu
School, which is a children and fundamental school of the Guarapari district. It uses
as data collection instrument the semi-structured interview, the participating
observation and the documental analysis. Inside the teaching unit, the observations
took place in the third and forth grade which there was a deaf student and two with
mental deficiency registered. The study shows that the evaluative practices for the
students with educational needs and also for those who do not have any difficulty in
the process, favor the final product of the teaching-learning process, instead of
highlighting the knowledge building process. It points the necessity to change the
evaluation conception and to reflect on the evaluative practices present in the school
every day life. It also discusses the space-time institution so that the school
community can reflect and reevaluate its conceptions and pedagogical practices
providing a quality education in an inclusive perspective.
Keywords: Evaluative practices. Inclusion. Everyday life.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Evolução de matrículas inclusivas na educação especial ................. 48
Figura 02 - Evolução de municípios com matrículas na educação especial ........ 49
Figura 03 - Evolução da política de atendimento na educação especial.............. 49
Figura 04 - Evolução de estabelecimentos inclusivos com educação especial ... 50
Figura 05 - Evolução da política de atendimento na educação especial da
Região Sudeste .................................................................................... 51
Figura 06 - Distribuição de matrículas na educação especial em 2005 .............. 51
Figura 07 - Evolução de funções docentes na educação especial ...................... 52
LISTA DE SIGLAS
ANPED - Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação
APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
CEB - Conselho de Educação Básica
CNE - Câmara Nacional de Educação
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA - Educação de Jovens e Adultos
EMEIEF - Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
ENEM - Exame Nacional de Ensino Médio
GT - Grupo de Trabalho
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais
MEC - Ministério da Educação
PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação
QI - Quociente de Inteligência
SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEMED - Secretaria Municipal de Educação de Guarapari
UFES - Universidade Federal do Espírito Santo
SUMÁRIO
1 PALAVRAS INTRODUTÓRIAS .......................................................................... 14
1.1 O ESTUDO....................................................................................................... 16
2 ANÁLISE DO COTIDIANO: UMA PERSPECTIVA LEFEBVRERIANA ............. 19
2.1 O COTIDIANO E A COTIDIANIDADE.............................................................. 19
2.1.1 As marcas da cotidianidade na escola .......................................................... 22
2.3 O COTIDIANO COMO POSSIBILIDADE DE MUDANÇA ................................ 29
3 INCLUSÃO: ANÁLISE DESSE MOVIMENTO NO COTIDIANO DAS
ESCOLAS .............................................................................................................. 34
3.1 A COTIDIANIDADE DA INCLUSÃO MARCADA PELAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS .................................................................................................... 34
3.2 INCLUSÃO E EXCLUSÃO ............................................................................... 42
3.2.1 Inclusão e diferença .................................................................................... 44
3.3 A INCLUSÃO NO COTIDIANO DAS ESCOLAS .............................................. 48
4 AVALIAÇÃO E INCLUSÃO: CONSTRUINDO CAMINHOS POSSIVEIS........... 59
4.1 AVALIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA MEDIR O CONHECIMENTO .... 60
4.2 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL ....................................................... 65
4.3 PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA ........................... 75
5 COTIDIANO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO: INTRODUZINDO A PESQUISA ..... 82
5.1 A PESQUISA.................................................................................................... 82
5.2. COLETA DE DADOS ...................................................................................... 84
5.2.1 Procedimentos da pesquisa ....................................................................... 86
5.3 O CONTEXTO DA PESQUISA ........................................................................ 90
5.3.1 A cidade de Guarapari ................................................................................ 90
5.3.2 A escola........................................................................................................ 93
5.4 OS SUJEITOS DA PESQUISA ........................................................................ 94
6 A EDUCAÇÃO ESPECIAL DE GUARAPARI NO MOVIMENTO DE
INCLUSÃO: POLÍTICAS QUE RESSOAM NAS ESCOLAS................................. ..99
6.1 SERVIÇOS DE APOIO..................................................................................... 103
6.2 IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DOS ALUNOS COM NECESSIDADE
EDUCACIONAL ESPECIAL ....................................................................................105
6.3 OS REBATES DESSA POLÍTICA DENTRO DA ESCOLA BANSALU............. 107
7 INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA: REFLEXÕES
SOBRE AS PRÁTICAS AVALIATIVAS NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA ...... 109
7.1 A INCLUSÃO NA ESCOLA BANSALU ............................................................ 110
7.1.1 Incluir quem e onde? .................................................................................. 110
7.1.2 O estar na escola regular e a afirmação de sua identidade..................... 116
7.1.3 A necessidade de apoios para implementar um trabalho voltado para a
inclusão ................................................................................................................ 119
7.1.3.1 O apoio para o aluno surdo ........................................................................ 125
7.2 AS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NA ESCOLA BANSALU ................................130
7.2.1 O uso do relatório como uma prática avaliativa dos alunos com
necessidade educacional especial .................................................................... 139
7.2.2 A relação da avaliação como retroalimentadora da prática pedagógica 146
7.3 O COTIDIANO DA ESCOLA APONTANDO POSSIBILIDADES...................... 152
8 INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES
FINAIS .................................................................................................................. 158
9 REFERÊNCIAS................................................................................................... 165
APÊNDICES ............................................................................................................174
14
1 PALAVRAS INTRODUTÓRIAS
No ano de 2003, fomos convidada a fazer parte da coordenação de Educação
Especial no município de Guarapari – ES e, entre as tarefas que nos eram
delegadas, estava a implantação e implementação das políticas de inclusão no
contexto das escolas municipais.
Enquanto ocupávamos esse espaço, dividido com outras colegas de trabalho,
pudemos presenciar dificuldades em conceber a potencialidade dos sujeitos da
educação especial que estavam matriculados nas escolas. Entre as várias situações
corriqueiras, uma questão nos chamava a atenção ─ a avaliação dos alunos com
necessidades educacionais especiais.
Uma questão que se destacava, nesse ponto, era a avaliação como momento final,
na qual a escola questionava se aquela criança deveria ou não ser aprovada. Para
decidir tal dilema, a escola convocava uma reunião com a equipe da Secretaria
Municipal de Educação (SEMED), os pedagogos da escola, o professor da sala de
recurso e o professor da sala regular. Juntos, ponderávamos sobre os prós e os
contras da aprovação ou reprovação daquela criança.
O que mais nos inquietava era pensar: por que a avaliação dessas crianças era tão
difícil para as escolas? Por que para definir se o desempenho escolar de
determinada criança era satisfatório ou não, dependia de uma congregação que
desse o aval para avançar ou manter esses alunos na mesma série? Parece-nos
15
que havia alguns pontos a serem investigados sobre como a avaliação tem sido
usada dentro das escolas. Nesse sentido, nossa proposta de trabalho, quando
entramos para o mestrado, foi tentar compreender como a avaliação tem se
presentificado no cotidiano das escolas, num momento em que as políticas
educacionais têm apontado uma educação inclusiva.
A idéia de estudar o cotidiano se respalda na possibilidade de um olhar microssocial
que contribui para entender como a política de inclusão tem sido concebida nas
instituições escolares e que tipo de avaliação tem sido proposta. Concordamos com
Penin (1989, p. 13), quando ela aponta que “[...] é no âmbito da análise do cotidiano
que podemos melhor entender as ações dos sujeitos que movimentam a escola e
com isso alcançar a natureza dos processos constitutivos da realidade escolar,
tendo em vista a sua transformação”.
Sabemos que refletir sobre e falar da avaliação, numa perspectiva de educação
inclusiva, é uma atitude muito complexa, porque tal discussão faz parte do estudo
das dimensões pedagógicas que irão compreender e implementar as condições
possíveis e necessárias para as chamadas escolas inclusivas.
Nesse sentido, o nosso objeto de estudo, que é a avaliação na perspectiva da
educação inclusiva, não está fragmentado ou descolado desse propósito, mas
permeando ou perpassando todo o projeto de inclusão para/da escola regular, o que
nos faz querer compreender as práticas de avaliação cotidianas na escola,
tendo como referência as práticas pedagógicas dos professores e a reflexão
16
sobre a avaliação no processo de inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais.
1.1 O ESTUDO
Neste estudo, acreditamos que a avaliação possa ser vista como retroalimentadora
das práticas pedagógicas dos professores e professoras, podendo servir como
dispositivo para a implementação de ações pedagógicas que favoreçam a
aprendizagem de todos, inclusive daqueles alunos com algum tipo de deficiência.
Nesse contexto, nosso olhar, neste estudo de caso, se pauta em dois pontos. O
primeiro remete-se a perceber como a inclusão é vivenciada no cotidiano de uma
escola de ensino fundamental de Guarapari (ES). Essa análise permitirá
compreender como a inclusão é vivida nesse cotidiano, observando se ela é
representada, apropriando-nos dos termos de Lefebvre, como obra1 ou como
produto.
O segundo ponto é compreender como a avaliação é concebida2 e vivida no
cotidiano da escola. É perceber qual a concepção da avaliação, observando como
ela se presentifica nesse cotidiano e que ações são tomadas a partir do ato
avaliativo.
1 Lefebvre (1991) usa os termos obras e produtos para distinguir as ações no cotidiano. Para ele, as obras são úncias e os produtos são cópias, repetições no cotidiano programado. 2 Lefebvre (apud PENIN, 1986) usa o termo concebido para designar o contexto teórico de uma época, entretanto ele faz uma relação dialética entre o vivido e o concebido, colocando que o concebido tem origem no vivido.
17
É nosso interesse perceber como são as práticas avaliativas no cotidiano escolar,
considerando-as não só no concebido, ou seja, a partir das concepções dos
professores sobre o que é avaliação, mas também no vivido, como elas são
representadas no cotidiano escolar, principalmente no que tange à avaliação de
alunos com necessidades educacionais especiais.
Nesse sentido, o primeiro capítulo aborda o cotidiano, percebendo-o a partir do
referencial de Lefebvre, que o aponta como um lugar de imprevisibilidade, no qual as
coisas não se repetem, porque há um processo dialético na sua gênese. Entretanto
o autor afirma que esse cotidiano pode ser marcado pela cotidianidade, porque
prima pela fragmentação, pela hierarquia e pela homogeneidade. Essas
características estão presentificadas no cotidiano da escola que o torna um espaço
voltado para práticas homogêneas.
No segundo capítulo, discutimos sobre o movimento da inclusão, como um fato
mundial, instituído por políticas neoliberais que redundam em reformas educacionais
que programam o cotidiano escolar. No entanto, apesar do aspecto neoliberal, é um
princípio de respeito à diferença, de respeito à alteridade e que, conseqüentemente,
rompe com o paradigma da igualdade. Nesse sentido, a escola precisa ir além da
programação e constituir uma prática inclusiva dentro do cotidiano escolar.
O terceiro capítulo aponta a avaliação como um dispositivo que pode servir tanto
para incluir como para excluir. Na análise, percebemos que, historicamente, a
avaliação tem servido para a exclusão, mas, num momento em que se abre para a
18
inclusão, acreditamos que esta precisa estar articulada às práticas pedagógicas para
ser de fato inclusiva.
Nesse contexto, o quarto capítulo aborda a metodologia usada para conseguirmos
compreender se as práticas de avaliação, no cotidiano da escola, estão contribuindo
para a efetivação de uma inclusão.
Já no quinto e sexto capítulo, relatamos nossas experiências no contexto da escola,
vivenciando um cotidiano que luta, que resiste contra a cotidianidade e acaba se
estabelecendo como obra, porque busca a construção de uma prática pedagógica
avaliativa dentro de uma inclusão nos limites possíveis. No sétimo, colocamos
nossas considerações sobre o estudo de caso no cotidiano da escola.
19
2 ANÁLISE DO COTIDIANO ESCOLAR NUMA PERSPECTIVA
LEFEBVRERIANA
2.1 O COTIDIANO E A COTIDIANIDADE
O cotidiano é um espaço definido no senso comum como representação do dia-a-
dia. Quando pensamos em cotidiano escolar, pensamos num espaço onde convivem
alunos(as), professoras(es), merendeiras, serventes, pais e mães de alunos,
diretor(es), pedagogos(as), quadro, carteiras, salas, banheiros, quadra, livros,
cadernos, planos de aula, enfim, pensamos em pessoas que passam algum tempo
nesse espaço e em objetos que ajudam a compor esse cenário.
Quando pensamos na dinâmica desse cotidiano, pensamos em alunos e
funcionários chegando próximos ao horário determinado (ou, às vezes, bem antes
ou bem depois); a rotina da oração, da música, dos avisos que antecedem a entrada
na sala; a fila de alunos puxadas pela professora conduzindo-os ao interior das
classes; o início das aulas, marcado pela escrita do cabeçalho no quadro e as
crianças copiando o que a professora escreve; a distribuição da grade curricular
sendo sempre, antes do recreio, uma disciplina e, após o recreio outra
(principalmente em turmas do ensino fundamental de 1ª a 4ª e educação infantil).
Esse seria o cotidiano escolar que muitos professores ou ex-alunos descreveriam.
Um cotidiano marcado pela repetição, como se as coisas fossem sempre da mesma
20
forma. Nesse cotidiano, existe um padrão de aluno, um padrão de sala, um padrão
de professor. Nesse cotidiano homogêneo, não há espaço para as diferenças, para
o novo.
Esteban (2001, p.1), falando dessa perspectiva de cotidiano, descreve-o como uma
palavra que lembra rotina e que pode ser descrito como aquele que é
[...] conhecido, o que se repete, o pequeno elemento que permite que tudo o que vem depois seja previsto [...]. Previsão que quase sempre se confirma, confirmando, por sua vez, o saber que a embasa. Saber que permite antever, rever, refazer, repetir. Saber com sabor de já visto, já vivido, já sentido, já conquistado. Saber que leva a ver de novo e a não ver o novo. Saber que perdeu o jeito maravilhado que por certo teve um dia. O cotidiano é o tempo/espaço da previsibilidade (grifo nosso).
Mas o que é o cotidiano? Será esse espaço que se repete como se as coisas
sempre fossem iguais, da mesma forma, como se não houvesse nada de novo que
nos surpreendesse....
Nas letras da poesia “O relógio”, que parece brincadeira de criança, o poeta Vinicius
de Moraes expressa as nuances do cotidiano concebido e vivido nos diversos
contextos sociais.
Passa, tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora Chega logo, tic-tac Tic-tac, e vai-te embora Passa, tempo Bem depressa Não atrasa Não demora Que já estou Muito cansado Já perdi Toda a alegria
21
De fazer Meu tic-tac Dia e noite Noite e dia Tic-tac Tic-tac Tic-tac . . .
Percebemos um cotidiano marcado e ritmado pelo tempo Chronós, que se repete...
repete... e repete... como se fossem duplicações previsíveis, cíclicas, daquilo que vai
ocorrendo dia a dia. Um tempo marcado pelas certezas, pela aparente
homogeneidade.
Na concepção de cotidiano como espaçotempo da previsibilidade, como aquele que
não surpreende e que está sempre previsível, constrói-se um olhar calcificado como
se as coisas fossem programadas para acontecer.
Lefebvre (1991) argumenta que esse cotidiano, entendido como aquele que se
repete, não é concebido, por ele, como cotidiano. O autor denomina de cotidianidade
esse cotidiano fragmentado, programado, que parece sempre a mesma coisa.
Em sua análise sobre o cotidiano, Lefebvre (1991) coloca que o termo cotidiano só é
introduzido na sociedade, a partir do século XX, com a entrada do capitalismo, que
faz com que a vida cotidiana3 seja invertida, baseada na produção, no acúmulo de
bens.
3 Antes do capitalismo, não havia o termo cotidiano e sim vida cotidiana que, após a instauração e implantação do capitalismo, passa a ter uma inversão nos hábitos e comportamentos sociais. As atividades que eram produzidas por necessidades passam agora a ser realizadas de modo repetitivo para acúmulo de bens. Os estilos de um povo passam a ser denominados cultura, dividida entre cultura de massa e alta cultura. Nesses termos, o capitalismo, junto com a modernidade, instaura a época da homogeneidade e da hierarquização dos fatos.
22
Nesse contexto, a modernidade é marcada pela técnica, pelo trabalho e pela
linguagem. Ele coloca que esse período sofreu uma crise que cessou por volta de
1980 e passa, a partir dessa data, a ser designado como Modernismo. Nessa fase, o
cotidiano passa a ser o objeto de programação, controlado pela mídia, pelo
marketing e dá-se a instalação e consolidação da cotidianidade que cristaliza o
cotidiano. Penin (1989, p.19) coloca que, para Lefebvre, a “[...] cotidianidade insiste
sobre o homogêneo, sobre o repetitivo, sobre o fragmentário”.
Esta cotidianidade é percebida pela homogeneidade dos tempos cotidianos onde a medida abstrata do tempo, e não dos ciclos e ritmos naturais, comanda a prática social; pela fragmentação dos tempos cotidianos em que descontinuidades brutais destroem os ciclos e ritmos naturais à medida que obedecem à linearidade dos processos de medida e que dividem as atividades segundo uma ordenação geral decretada do alto; pela hierarquização dos tempos cotidianos onde a desigualdade de situações e instantes recebem designação de importantes ou desprezíveis, segundo avaliações mal justificadas (LEFEBVRE, apud PENIN, p. 22, grifo nosso).
Essas marcas da cotidianidade: homogeneidade, fragmentação e hierarquia, podem
ser percebidas em todos os campos sociais, inclusive no campo da educação, de
modo geral, como também no campo da educação especial. Tais marcas são tão
programadas que parecem difícil romper com tais ideologias.
2.1.1 As marcas da cotidianidade na escola
A cotidianidade marca o cotidiano da escola. Segundo Penin (1989), a programação,
na instituição escolar se deu pela implantação do tecnicismo que se tornou
tendência pedagógica a partir da década de 70. Uma das conseqüências disso foi a
23
especialização: pedagogos, professores especialistas, psicopedagos, psicólogos,
etc. Outra conseqüência foi a hierarquização na qual o saber técnico sobrepuja o
saber prático, contribuindo para uma alienação e uma heteronomia do fazer
pedagógico. Nesse contexto, ao professor cabia o papel de executor.
Roldão (2001, p.127) coloca que a organização estrutural da instituição escolar, que
se constituiu historicamente como responsável pela garantia da apropriação do
conhecimento, permanece, ao longo do tempo, concebida pelos princípios de “[...]
homogeneidade, segmentação, seqüencialidade e conformidade”.
Por sua vez, Ferraço (2000) aponta que esses princípios também se encontram na
estrutura didático-pedagógica no cotidiano da escola, fazendo com que algumas
práticas acabem se institucionalizando e se consolidando como algo inconcebível de
mudança.
Segundo ele, as disciplinas se regulam pelo princípio de compartimentalização do
conhecimento, estabelecendo fronteiras entre o que pertence a uma e o que
pertence à outra. A prática de seriação que encaixa os alunos no padrão série/idade
consolida os princípios de hierarquização e linearidade como se o conhecimento
pudesse caber em espaços programados e lineares. A determinação do ano letivo,
expressada na figura do calendário, tenta sistematizar uma visão determinista de
tempo que regula o processo de ensino-aprendizagem.
A avaliação, que é vista como sinônimo de prova, pauta-se pela precisão e é
associada ao rigor matemático e à quantificação. A estrutura-física da instituição
24
busca garantir uma organização de tempo e espaço em função dos comportamentos
e atitudes desejadas. Nesse sentido, as carteiras são enfileiradas, uma após a outra,
para evitar conversas; a mesa da professora é localizada num espaço onde ela pode
ter o controle de quem entra e saí da sala de aula.
Um outro ponto que Ferraço (2002) analisa é a dinâmica da própria aula que é
assumida como elemento pontual, regulador e de controle, delimitada no tempo e no
espaço, seguindo uma ordem com começo, meio e fim. Nessa mesma lógica de se
pensar a aula como um elemento pontual, ele aponta as atividades, os materiais e
recursos didáticos tendo um fim em si mesmos. O currículo prescritivo é concebido
tanto como um elemento desencadeador, assim como a síntese do processo de
escolarização que visa a assegurar a coerência e a uniformização de todos os
elementos anteriores.
Essas estruturas didático-pedagógicas, pensadas pelos princípios da
homogeneidade, segmentação e hierarquização, acabam calcificando o olhar e
favorecendo uma visão do cotidiano escolar, como se fosse fragmentado e tendo
como metáfora os ponteiros do relógio que se repetem cadenciando o tempo, o
espaço e as ações.
Ferraço (2002, p. 91, grifo do autor) coloca que “[...] o paradigma cartesiano nos
ensinou a pensar no mundo como um cosmos mecânico, um universo relógio, com
peças fixas e movimentos previsíveis, num tempo/espaço absoluto”.
25
Nesse sentido, passamos a perceber um cotidiano como se fosse instituído, no qual
existem poucas possibilidades de mudanças. Não se percebe: a complexidade
desse cotidiano, as diferentes possibilidades do ato pedagógico, as diferentes ações
inventadas a partir da inserção no cotidiano, os diferentes sujeitos que se encontram
naquele espaço e que a cada dia são modificados e modificam o cotidiano.
As marcas da cotidianidade – fragmentação, hierarquização e homogeneidade –
tentam programar um cotidiano que robotiza a ação, tornam indiferente o olhar sobre
o cotidiano, como se nada de novo, de inusitado pudesse acontecer e causar
estranhamento.
A idéia de homogeneidade no campo da educação permite a possibilidade de
enquadrar os fatos e as pessoas dentro de um campo semântico que pudesse ser
estudado, visto, apreciado, que possibilite tirar conclusões e generalizações. Criam-
se, a partir daí, estilos: de escolas, de alunos, de formas de ensinar e aprender.
Criam-se tempos-padrão nos quais todos precisam ser enquadrados, e quem não se
encaixa é considerado fora do padrão, da norma.
Essa lógica, segundo Garcia (2000), é pautada dentro do modelo de Parmênides,
que explica a diversidade a partir da unidade. Tudo que não se encaixa nesse
modelo é colocado no âmbito do errado, do anormal, do não-ser. É a lógica
darwiniana que acaba impregnando o olhar e a prática pedagógica da sala de aula
exaltando os bons e condenando à repetência, ao fracasso aqueles que não são tão
bons.
26
A premissa da homogeneidade contribui para a uma visão excludente da escola e
ganha força a partir de alguns estudos produzidos pela Psicologia, que colaboram
com essa perspectiva descrevendo, normatizando e caracterizando as formas
igualitárias de aprender, de ser e de se comportar. A tendência, diante desse fato, é
ver as dificuldades como características pessoais. Entretanto essa atitude, apesar
de pontuar a heterogeneidade, acirra ainda mais o discurso de uma falsa
homogeneidade dentro da sala de aula, separando aqueles que mais se diferenciam
em tempos e ritmos de aprendizagem.
Garcia e Alves (2002, p.86), analisando esse cotidiano previsível da escola, apontam
que o que faz a escola se organizar da forma como ela está hoje é decorrente de
quatro processos dominantes: a pedagogização do conhecimento (baseada em
Varela); a grupalização (baseada em Popkewitz); a hierarquização; e a
centralização.
Na pedagogização do conhecimento, a premissa se baseia em acreditar que alguns
conhecimentos são autorizados a entrar na escola e a serem ensinados. A decisão
era pautada “[...] buscando o que era conveniente ou não aos que iam aprender,
decidido a partir de critérios exteriores a eles próprios e a partir da autoridade de
alguém que se considerava e era reconhecido em posição de fazer escolha”
(GARCIA; ALVES, 2002, p.86).
Dessa forma, pode-se inferir que os conhecimentos que não eram autorizados a
adentrar ao ambiente escolar podiam ser considerados saberes inúteis, ou sejam,
saberes do cotidiano, que podiam ser apreendidos em qualquer lugar.
27
Para dar conta desse cabedal de saberes, foi preciso selecionar e fragmentar os
saberes. “Estes, ao serem escolhidos e incorporados à escola, eram retirados de
seu contexto, o que obrigava ao fracionamento, já que nem tudo podia ser dado no
espaço/tempo escolar” (GARCIA; ALVES, 2002, p. 86). Era preciso, segundo as
autoras, organizar os conteúdos criando uma seqüência que parecesse natural, que
desse um ar de normalidade e que legitimasse a passagem de um assunto para o
outro. Aliada a esse processo, estava a disciplinarização com conotações
diferenciadas: uma como parte específica do conhecimento e outra como controle do
corpo e da mente.
No processo de grupalização da sociedade, os grupos foram formados sob a ótica
dos dominantes e estes eram sempre genéricos e no masculino. Sob esse aspecto,
as autoras Garcia e Alves (2002, p. 88) colocam
Este processo foi possível pelo desenvolvimento da idéia de que os específicos e as diferenças existentes entre os variados exemplares não tinham interesse e que para se dar uma ‘idéia geral’ da sociedade era preciso a realização de somas e divisões que permitissem chegar a ‘médias’ que, na verdade, não existem, ou dito de outras formas, são mera abstração. Ou seja, foram criados conjuntos ‘naturais’, frutos de abstrações, para representar uma realidade que não existe nesses conjuntos. Reducionismos que escondem a complexidade impossível de captar, melhor dizendo, de capturar. Para que isto acontecesse de maneira tão geral como se deu, foi necessário desligar cada indivíduo, cada ser humano dos seus múltiplos contextos cotidianos reais e diversos, e criar um outro espaço/tempo abstrato que passou a ser dito/visto/percebido/sentido como real. Este lugar criado foi apropriado e marcado pelos poderosos que passaram, também eles, a agir como se esse fosse o único lugar existente (grifo das autoras).
Nesse contexto, surgem as turmas, os alunos, as séries, as avaliações para
mudanças de níveis, os graus de ensino, as classificações, os rótulos, enfim, o
cotidiano passa a ser visto como a metáfora do relógio, que se repete, sempre da
mesma forma e no mesmo tempo.
28
Passa-se a ver e entender o processo pedagógico, a partir dos grupos que ‘sabem’ e dos que ‘não sabem’, dos que ‘podem passar de ano’ e dos que devem ser reprovados e ‘repetir’, dos que ‘ficam na escola’ e dos que ‘dela se evadem ou são expulsos’, dos ‘normais’ e dos ‘excepcionais’, dos que ‘entendem tudo’ e dos que ‘não conseguem compreender nada’, dos ‘quietinhos’ e dos ‘bagunceiros’ (GARCIA; ALVES, 2002, p. 90, grifo das autoras).
Garcia e Alves, ainda descrevendo os processos pelos quais as escolas se
organizam da forma tal como é hoje, discorrem que, atrelado aos dois processos já
discorridos — grupalização e pedagogização do conhecimento — está a hierarquia
dos saberes na qual se justifica por que determinados conhecimentos são mais
importantes do que outros. Nesse contexto, legitima-se, por exemplo, por que a
disciplina de Matemática e Português têm uma carga horária maior que Geografia e
Educação Física ou, mesmo, por que a disciplina de Matemática reprova mais do
que História e esta reprova mais do que Artes.
O quarto processo é a centralização, que visa a uma proposta de unificação
curricular, de um currículo nacional para todos. Esse processo de centralização faz
parte do projeto neoliberal que iguala para classificar.
Esses processos, descritos neste trecho e arrolados por Garcia e Alves (2002),
apontam que existe uma cotidianidade no contexto da escola que estabelece
quando, como e de que forma fazer, dando a impressão de uma falsa igualdade.
Essa programação não percebe as peculiaridades de cada cotidiano, de cada
contexto e acabam igualando práticas pedagógicas, modos de olhar e perceber o
aluno sem considerar as diferenças de cada um.
29
Entretanto Lefebvre (1991) esclarece que, nessa cotidianidade, podemos encontrar
formas de superação, formas de olhar diferenciadas que possibilitam a construção
de obras e não de produtos, que possibilitam a cada cotidiano criar, reinventar e
viver, superando os desafios e encontrando novas possibilidades de todos se
apropriarem do conhecimento.
2.2 O COTIDIANO COMO POSSIBILIDADE DE MUDANÇA
Analisando o cotidiano das escolas, podemos perceber que os princípios que regem
a prática pedagógica são pautados pelas características da cotidianidade. Esta, que
é o cotidiano programado, tende a se fechar, porém, numa relação dialética.
Entretanto, esse mesmo cotidiano pode ter movimentos de resistências que rompem
com a programação homogênea de modo a transformar a cotidianidade em um
cotididiano imprevisível.
Lefebvre (1991) coloca que é no cerne da cotidianidade que podemos propor
mudanças. Nesse sentido, acreditamos que precisamos olhá-la de forma
diferenciada, para poder romper com a programação que a faz produzir e
(re)produzir da mesma forma. Precisamos, por meio do coletivo, transformar as
ações dessa cotidianidade em obras, pois a programação intensa do cotidiano fez
com que os agentes parassem de produzi-las, para produzir produtos que são
entendidos como cópias, repetições.
30
A obra pode ser entendida como uma possibilidade de se fazer, viver, conviver
nesse cotidiano sem ser capturada pela cotidianidade. As obras, para Lefebvre, são
as produções das atividades humanas que surgem da necessidade cotidiana. Sendo
assim, elas são criativas, têm estilo e são únicas, porque partem de um determinado
contexto. Isso é possível porque Lefebvre não separa dos atores sociais a
construção do conhecimento. Nesse sentido, as concepções, as atividades, as
idéias e as criações dos professores significam a “criação de uma obra”, pois são
únicas, pertencentes àquele cotidiano (LEFEBVRE, apud BRZEZINSKI, 2001, p. 70).
Já os produtos podem ser entendidos quando realizamos ações sem refletir para
que e por que estamos fazendo dessa forma e não de outra, o que pode ser
resumido em fazermos pelo simples fato de que todo mundo está fazendo, pelo
simples modismo.
Podemos associar o conceito de obra de Lefebvre à idéia de configuração de
Norbert Elias (1980). Segundo esse autor (apud GONSALVES, 2004, p. 22), “[...]
configuração seria, portanto, uma abrangência relacional, o modo de existência do
ser social e a possibilidade conceitual de aproximação às emergências do cotidiano”.
Seriam as respostas dadas aos desafios que acontecem no dia-a-dia, pelos sujeitos
ou pelos jogadores daquele contexto. Isso significa que não há repetição desse
evento, pois essa configuração, ou esse jogo,4 é uma combinação provisória e
dinâmica das relações daquele grupo.
4 Norbert Elias (1980 apud GONSALVES, 2004, p.21) usa o termo jogo como um conceito interligado ao de configuração. Segundo ele, o “[...] jogo é um sistema de interdependência complexo que serve para pensar [...] os grupos humanos, é um ‘padrão’ mutável que compreende o conjunto criado pelos jogadores nas relações com os outros”.
31
Essa combinação provisória não parte de leis preestabelecidas, já concebidas
teoricamente, mas sim de uma relação dialética entre o vivido e o concebido. Dessa
forma, tanto o vivido como o concebido estão articulados dialeticamente, e religa-se,
no espaço escolar, a teoria com a prática e esta com a teoria. O vivido “[...] é
formado tanto pela vivência da subjetividade dos sujeitos quanto pela vivência social
e coletiva dos sujeitos num contexto específico” (PENIN, 1989, p. 27). Segundo a
mesma autora, Lefebvre não contempla essa vivência como algo singular, individual,
porque, para ele, as relações sociais são vivenciadas antes de serem concebidas,
percebendo, assim, a própria teoria do conhecimento como história da prática social.
Nesse sentido, a cotidianidade pode ser superada e o cotidiano passa a ser um
espaço imprevisível no qual as configurações dos sujeitos/jogadores são
constituídas em obras. Entretanto essa imprevisibilidade não significa a inexistência
de espaços previsíveis, mas é um cotidiano que “[...] sendo lugar da previsão, da
repetição, do saber, é também seu oposto. Sempre igual e sempre diferente, o
mesmo e o múltiplo, a simplicidade e a complexidade: oposições que dialogam no
cotidiano. Assim é o cotidiano: tempo/espaço em que a vida se realiza” (ESTEBAN,
2000, p. 5).
Sendo assim, dentro do cotidiano escolar, podemos perceber as práticas
pedagógicas, os alunos, o caos e a ordem, as práticas de avaliações, o movimento
de inclusão, enfim todas as coisas que acontecem e/ou deixam de acontecer como
frutos da configuração/ da obra/ do jogo/ daquilo que é vivido e concebido pelos
atores sociais daquele grupo.
32
A possibilidade de vermos o cotidiano como passível de
mudança/transformação/modificação/superação é possível porque Lefebvre enfatiza
o cotidiano como um espaço no qual se concretizam “[...] as transformações através
da ação do homem ativo, criativo e prático que ao mesmo tempo se transforma e
provoca transformações” (BRZEZINSKI, 2001, p.70).
Dessa forma, podemos romper com a cotidianidade, com o previsível, com o que
está pronto e acabado. Alves (2002), falando das múltiplas possibilidades desse
cotidiano, refere-se aos momentos de luta/ de conquista/ de superação.
Ser, assim, capaz de revoltar em mim o que está pronto e acabado, ganhando força (prática-teoria-prática) para organizar os argumentos de apoio à vida na sua passagem cotidiana, nos múltiplos combates que devo travar, tentando superar cada vez mais a tão difícil cotidianidade (LEFEBVRE,1991) que leva tantos a entregarem os pontos porque nada mais pode se fazer. Percebendo e vivendo acontecimentos nos múltiplos cotidianos em que vivo, ser capaz de buscar aproximar os conhecimentos criados em cada um, traçando analogias que melhor me permitam compreender o cotidiano vivido nas escolas para ser capaz de trançar melhor as redes necessárias ao entender (ALVES, 2002, p. 24).
É esse cotidiano que queremos abordar no nosso olhar de pesquisadora. Um
cotidiano que não é engessado pela cotidianidade, pois com a ação coletiva dos
atores sociais, pode ser modificado. É nesse cotidiano que acreditamos que pode
haver uma educação que atenda às necessidades educacionais de todos os alunos
dentro da escola.
Nesse contexto, quando pensamos no movimento de inclusão no cotidiano das
escolas, remetemos nosso pensamento a um espaçotempo no qual às pessoas da
instituição de ensino consideram o cotidiano como algo imprevisível e, sendo assim,
colocam-se numa perspectiva de busca constante de fazer e refazer as práticas
33
pedagógicas baseadas numa avaliação investigativa que possibilita uma mudança
do e no cotidiano, porque é desse e nele “[...] que emergem as grandes decisões e
os instantes dramáticos de decisão e ação” (LEFEBVRE, apud PENIN, 1989, p.16).
34
3 INCLUSÃO: ANÁLISE DESSE MOVIMENTO NO COTIDIANO DAS
ESCOLAS
3.1 A COTIDIANIDADE DA INCLUSÃO MARCADA PELAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS
O termo inclusão vem ganhando força e visibilidade a partir da década de 90.
Entretanto suas premissas originam-se desde o período pós-guerra, quando é
ressaltada a questão dos direitos iguais. Ela pode ser compreendida por dois vieses:
como um direito constituído por conta da democracia e como uma conquista que
ocorre devido aos movimentos de resistência à exclusão social.
É um movimento que está atrelado à construção de uma sociedade democrática e
pode ser encarado como um “[...] movimento de resistência contra a exclusão social,
que historicamente vem afetando grupos minoritários que visam à conquista do
exercício do direito ao acesso a recursos e serviços da sociedade” (MENDES, 2002,
p.61).
Gentili (1998) aponta que, “[...] na ótica neoliberal o Estado foi incapaz de assegurar
a democratização mediante o acesso das massas às instituições educacionais e, ao
mesmo tempo, a eficiência produtiva que deve caracterizar as práticas pedagógicas
nas escolas de qualidade”.
35
Nesse contexto, algumas políticas5 foram traçadas com o intuito de prever
programas de estabilização e reformas econômicas para minimizar tal situação.
Sendo assim, várias reuniões foram agendadas com o objetivo de homogeneizar
uma política mundial de inclusão.
Dentre essas reuniões, destacam-se: a Convenção dos Direitos da Criança (Nova
York, 1989); a Conferência Mundial de Educação para Todos (Jontiem, Tailândia,
1990); a Conferência Mundial sobre “Necessidades Educativas Especiais”
(Salamanca – Espanha, 1994); e o Fórum Consultivo Internacional para a Educação
para Todos (Dakar – Senegal, 2000).
Todas essas reuniões apontam o direito de todos a uma educação e à valorização
da diferença. Bueno (2005, p. 36) ressalta que a Declararação de Salamanca, que é
um dos motes da inclusão, reconhece que
[...] as políticas educacionais de todo o mundo fracassam no sentido de estender a todas as crianças a educação obrigatória e de que é preciso modificar tanto as políticas quanto as práticas escolares sedimentadas na perspectiva da homogeneidade.
Sendo assim, “[...] no campo da educação, a inclusão envolve um processo de
reformas e de reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de
assegurar que todos os alunos possam ter acesso a todas as gamas de
5 Uma dessas políticas pode ser expressa pelo Consenso de Washington que segue recomendações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
36
oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola” (MITTLER, 2003, p.
25).
As políticas educacionais do Brasil também entraram nessa perspectiva. A
legislação brasileira (leis, decretos e resoluções) aponta a matrícula de modo
preferencial dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular
de ensino, assim como instrumentalizam a luta contra a discriminação e indicam
perspectivas para o atendimento educacional desses alunos, de modo que eles
possam ter acesso a uma educação de qualidade.
Nessa linha, temos o art. 208 da Constituição Federal de 1988; o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990; a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (9394/96) que, além de prever a matrícula nas escolas
regulares, apresenta um capítulo deliberando sobre a educação especial no âmbito
nacional; o Decreto nº 3.928/1999,6 que legisla sobre uma Política Nacional para a
Integração da pessoa portadora de deficiência;7 a Lei nº 10.172/01, que aprova o
Plano Nacional de Educação e que, entre as ações, estabelece
normas/regras/princípios para a educação especial; o Decreto nº 3.956/01, que
corrobora o que ficou estabelecido na Convenção Interamericana para Eliminação
de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência; e a
Resolução CNE/CEB nº 02/2001, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica.
6 Esse decreto tem como princípio a ação conjunta do Estado e da sociedade civil para garantir os direitos constitucionais das pessoas com deficiência, inclusive no campo educacional. 7.O termo portador apresenta uma denotação de que as pessoas com deficiência podem deixar de tê-las a qualquer momento, por isso a expressão “politicamente correta” seria pessoas com deficiência. No entanto escrevemos o título da legislação tal como ele é descrito.
37
Além desses documentos legislativos, o Ministério da Educação (MEC) organizou, a
partir de 2000, uma série de documentos que visam a nortear a prática educacional
para alunos com necessidades educacionais especiais. Entre esses documentos,
podemos citar:
2000
• O Projeto Escola Viva, é composto por duas coletâneas de cartilhas, uma
amarela e outra azul, acompanhadas de vídeo para servir de formação inicial
e continuada dos professores.
2002
• Portal de ajuda técnica para a educação: equipamentos e material
pedagógico. Este documento, elaborado por Manzini e Santos, tinha como
objetivo apoiar a escola e os professores no sentido de contribuir com
sugestões para a prática pedagógica e para a capacitação e recreação de
alunos com deficiência física.
• Estratégias e orientações para a educação de alunos com dificuldades de
aprendizagem associadas às condutas típicas. É um documento que procura
identificar o aluno com essa deficiência apresentando formas de atendimento,
o currículo, a avaliação e a terminalidade específica.
• O livro Avaliação das necessidades educacionais dos alunos, que é um
documento que visa a discutir a questão da avaliação dos alunos e aponta
uma avaliação pedagógica como ponto-chave para a identificação dos alunos
com necessidades. Este documento passou a fazer parte da coletânea de
livros da coleção saberes e práticas.
38
2004
• Saberes e prática da educação infantil
• Saberes e prática do ensino fundamental.
Esses documentos são compostos de nove livros em cada coleção e fazem parte
da proposta de formação inicial e continuada dos profissionais da escola. Implica
uma base sobre a inclusão e vários conhecimentos sobre os diferentes tipos de
deficiência.
• Direito à educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais. Este
é um documento que traz orientações sobre a educação inclusiva, dados
estatísticos e apresenta os principais marcos legais.
• Referências para a construção dos sistemas educacionais inclusivos.
Apresenta quatro documentos com indicadores para que os sistemas
educacionais e o município possam avaliar suas ações em prol da inclusão.
2005
• Ensaios pedagógicos: construindo escolas inclusivas. Este documento é uma
coletânea de textos escrita por pesquisadores e profissionais8 que procuram
expressar o pensamento filosófico, político, jurídico e cultural para a
construção de um sistema educacional inclusivo.
• Educar na diversidade – material de formação docente. Este material faz
parte do Projeto Educar para a Diversidade, que o MEC elaborou em conjunto
com vários países do Mercosul e com o apoio da Unesco.
8 Entre esses pesquisadores e profissionais, podemos encontrar textos de: Rosa Blanco, Cláudio Baptista, Eugênia Fávero, Eduardo Manzini, Mantoan, Ronice Quadros e outros que se destacam no cenário nacional e internacional, nas pesquisas na área de educação especial.
39
• Revista Inclusão – esta revista teve uma “repaginada”9 e foi relançada em
2005, com o objetivo de contribuir na formação de profissionais voltados para
a política de inclusão.
2006
• Experiências educacionais inclusivas – programa de educação inclusiva
direito a diversidade. Esse documento traz uma série de artigos de vários
locais do Brasil, que contam/relatam alguns caminhos e desafios em prol de
uma construção de um sistema inclusivo.
Podemos perceber que, entre 2000 a 2006, vários documentos foram formulados,
publicados e disponibilizados eletronicamente com o intuito de
contribuir/ajudar/programar a escola para que tivesse, na sua cotidianidade, marcas
da inclusão. Gentili (1998) coloca que, entre as políticas educacionais, nos
diferentes países, existe uma regularidade e semelhança sem levar em conta as
peculiaridades de cada caso e isso, segundo o autor, é uma das características das
reformas escolares implementadas durante os últimos 15 anos. Não podemos
esquecer que tais ações fazem parte de uma política neoliberal que procura excluir
para incluir.
Tal regularidade pode ser percebida analisando-se um trabalho recente, coordenado
por Rosangela Gavioli Prieto e apresentado na 27º Reunião da Associação Nacional
dos Pesquisadores em Educação (ANPED), em 2004. Esse trabalho, encomendado
pelo Grupo de Trabalho (GT) 15 – Educação Especial — teve como o objetivo
9 Usamos o termo repaginada, pois o MEC já tinha uma Revista cujo nome era Integração e, em consenso, produz uma “nova/velha” com o título Inclusão.
40
descrever e analisar a implantação das políticas de atendimento escolar às pessoas
com necessidades educacionais especiais em diferentes municípios pertencentes às
regiões brasileiras.10 Nessa análise, podemos perceber que a Resolução nº 2/2001
da CNE/CEB é o documento que vai servir de base para que os municípios
envolvidos na pesquisa elaborem suas políticas públicas municipais.
Entre as políticas traçadas por essa Resolução, podemos elencar: a matrícula
preferencial de alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de
ensino; a identificação de quem são os alunos com necessidades educacionais
especiais; os serviços de apoio dentro e fora da sala de aula; o trabalho colaborativo
entre professor especialista e professor da sala regular; a formação de professores
no nível de capacitação e especialização; a preparação dentro da escola para torná-
la inclusiva; a adaptação e flexibilização de práticas pedagógicas e currículos para
atender às necessidades educacionais; o apoio da família; a avaliação pedagógica e
não com cunho de diagnóstico; uma terminalidade específica para aqueles que
chegarem a determinados limites; e apoio/reestruturação das instituições
filantrópicas para trabalharem como parceiras no processo de inclusão.
Nesse contexto, na análise da pesquisa produzida na ANPED (PRIETO, 2004),
podemos perceber que os pontos apontados pelas Diretrizes do MEC estão
arrolados nas políticas dos municípios envolvidos. No entanto não podemos nos
esquecer, tal como nos alerta Garcia (2005), de que no bojo desse documento, há
algumas ambigüidades que são características de uma política neoliberal.
10 Fizeram parte dessa pesquisa os seguintes municípios: Região Norte – Belém do Pará; Região Nordeste – Natal; Região Centro-Oeste – Campo Grande; Região Sudeste – Diadema (SP).
41
Entre algumas dessas ambigüidades, Garcia (2005) aponta que há uma crítica à
homogeneidade, mas propõe a heterogenização de recursos e equipamentos
conforme a “incapacidade” dos alunos; racionaliza o acesso, prevendo
equipamentos, metodologias e profissionais necessários à educação de sujeitos com
deficiência e, ao mesmo tempo, racionaliza o conhecimento flexibilizando currículo e
também pela terminalidade específica; coloca que os professores devem ter
formação e competências diferenciadas (especialistas e capacitados), mas, ao
mesmo tempo, visualiza a família como apoio em várias frentes, desde o diagnóstico
até o acompanhamento do processo de implantação e implementação da política de
inclusão.
Como vimos até aqui, o movimento de inclusão vem sendo programado para
impregnar a cotidianidade da escola, mas essa programação em nada contribui para
um olhar diferenciado, um olhar de aceitação em relação aos alunos com deficiência
e sim acaba categorizando-os como o diferente no espaço escolar.
É preciso, portanto, termos em mente que não há modos estanques para
realizarmos a inclusão. Santos (2006, p. 8) nos ensina que a inclusão não se efetiva
somente por políticas públicas, pois “[...] inclusão é processo, e processo não se
ensina, vive-se”.
Nesse sentido, podemos inferir que, apesar de o contexto neoliberal tentar
programar o cotidiano da escola produzindo produtos, olhares, ações que serão
repetidos, como se fosse um grande relógio previsível, há também, nesse contexto,
42
a possibilidade de mudanças, de retomadas que não estão e nem são fixas, prontas,
acabadas.
É no cotidiano de cada escola, de cada sociedade que iremos construir e reconstruir
uma configuração de inclusão conforme as condições possíveis do e no
espaço/tempo. Isso implica uma educação que tenha em mente que inclusão e
exclusão coexistem numa relação dialética, na qual é preciso que a diferença seja
respeitada e considerada e que, de fato, haja aprendizagem.
3.2 INCLUSÃO E EXCLUSÃO
A inclusão é, segundo Mendes (2002, p. 61), um movimento mundial proposto como
um novo paradigma que “[...] implica a construção de um processo bilateral no qual
as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em parceria, efetivar a equiparação de
oportunidades para todos”.
Contudo não podemos nos esquecer, como nos alerta Sawaia (2002), de que
inclusão e exclusão são faces da mesma moeda. Não podemos abordar o assunto
sobre inclusão sem nos remetermos à exclusão:
[...] a exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e
43
dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros (SAWAIA, 2002, p. 9).
Essa definição de exclusão nos remete ao conceito de configuração de Nobert Elias,
e podemos dizer que é nas ações dos jogadores, no cotidiano, que será
estabelecida a relação de exclusão/inclusão. É na análise do cotidiano que podemos
perceber essa relação tão complexa.
A dialética inclusão/exclusão gesta subjetividades específicas que vão desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado ou revoltado. Essas subjetividades não podem ser explicadas unicamente pela determinação econômica, elas determinam e são determinadas por formas diferenciadas de legitimação social e individual, e manifestam-se no cotidiano como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência (SAWAIA, 2002, p. 9).
Nesse sentido, a inclusão não pode ser vista como um elemento à parte dos sujeitos
e do contexto no qual ela é praticada. Podemos ter, no mesmo espaço/tempo,
situações de exclusão e de inclusão. Em uma sociedade capitalista, Sawaia (2002,
p.8) aponta que “[...] a sociedade exclui para incluir” e Padilha (2004, p. 109-110)
descreve que “[...] no campo da educação fala-se mais em inclusão. Pouco se fala
da exclusão, como se fosse possível incluir sem compreender por que alguém não
está incluído. Não estar incluído, ou excluído de quê? Quando? Onde?” (grifos do
autor).
Padilha (2004, p. 96-97) aponta uma série de ações que fazemos ou deixamos de
fazer no cotidiano da escola que reflete essa dinâmica.
Deixar crianças e jovens deficientes ou pobres sem escola, sem ensino, sem aprendizagem e abandonados à própria sorte é impedir, de forma
44
violenta, o exercício do direito que todos têm de participar dos bens culturais produzidos pela humanidade [...]. Igualmente violento é deixá-los na escola, matriculados, com lugar marcado na sala de aula, mas sem aprender, sem o acesso a todos os instrumentos e estratégias que respondam às suas necessidades peculiares: professores que saibam do que realmente estas crianças e jovens necessitam; equipe de profissionais que saiba orientar professores e familiares, acompanhando-os no processo de aprendizagem de seus alunos e filhos; número suficiente de pessoas para cuidar destes alunos na escola; número menor de alunos por sala de aula; salas de recurso em pleno funcionamento; estrutura física dos prédios adequada; possibilidade de locomoção garantidas; projeto pedagógico coletivo; estrutura e funcionamento administrativos compatíveis com o projeto pedagógico e com as singularidades dos diferentes grupos de crianças e jovens [...] (PADILHA, 2004, p. 96-97).
Dessa forma, podemos entender que a inclusão é muito mais que a simples
matrícula na escola, na qual os sujeitos exercem o seu direito constitucional. Muitas
vezes, essa questão de direito não é visível para todos e, como aponta Wanderley
(2002, p. 24), há uma tramutação do “direito” em “favor” e isso acaba reforçando o
processo de exclusão dentro e na escola.
Muitos acham que a inclusão se resume na inserção dentro do espaço escolar, o
que acaba, no imaginário de algumas instituições, parecendo uma coisa
boa/inevitável/suficiente, mas, no entanto, isso se torna limitado. Para, de fato,
podermos incluir alguém em algum lugar, precisamos aceitá-lo, tal como ele é, e
garantir espaços/recursos para que ele possa ter acesso a uma educação de
qualidade.
3.2.1 Inclusão e diferença
A inclusão implica um olhar sobre as diferenças. Entretanto é importante
entendermos a semântica do termo diferença. Burbules (2003) faz uma distinção
45
entre diversidade e diferença que, no discurso, vêm aparecendo com a mesma
conotação.
Estudando sobre o assunto, o autor citado aponta cinco perspectivas de concebê-la.
Segundo ele, a diferença aparece na literatura como: diferença de variedade (essa
perspectiva é categorial e refere-se aos diversos tipos dentro de uma categoria. Só
se pode falar de tipos de categorias quando a categoria é conhecida.); diferença em
grau (são diferenças concebidas como pontos diferentes ao longo do continuum de
qualidades, por exemplo QI); diferença de variação (quando se muda parcialmente o
modelo); diferença de versão (tem um modelo-base e se propõe algumas mudanças.
Por exemplo, o currículo é básico e se propõem adaptação curricular); e diferença
por analogia (que é a comparação de modelos).
Essas cinco formas são consideradas pelo autor como diversidade e ele as
congrega na categoria de diferença entre, que possibilita compreender o outro a
partir de uma matriz. Segundo Burbules (2003, p.173) “[...] os discursos da
diversidade são uma forma de domesticar a diferença, permitindo-lhe livre
expressão, mas em um âmbito extremamente limitado – além disso, um âmbito que
não se abre facilmente à renegociação ou a contestação” (grifo do autor).
Pensar a diferença como uma diferença entre, acaba permitindo uma exclusão
daqueles que se distanciam de um modelo tido como padrão. Essa concepção
permite que, em determinados contextos, algumas pessoas sejam incluídas e outras
possam ser excluídas. Pensando na inclusão de alunos com deficiência, concebe-se
a idéia de que determinadas deficiências (aquelas consideradas leves e moderadas,
46
por exemplo) podem ser aceitas em algumas escolas e outras podem continuar
segregadas em instituições especiais.
Acreditamos que, numa proposta de inclusão que valorize o outro, precisamos ir
além das diferenças entre para não cairmos nas armadilhas de incluir alguns e
segregar/excluir outros. Conforme Mohanty (apud BURBULES, 2003) “[...] a questão
central não é, portanto, apenas reconhecer a diferença; a questão mais difícil diz
respeito ao tipo de diferença que é reconhecido e incorporado”.
A diferença, vista como variação benigna (diversidade), não produz tensão e,
conseqüentemente, não implica uma mudança e acaba sugerindo um pluralismo
harmonioso, vazio. Lidar com a diferença11 na perspectiva da inclusão é aceitar que
haverá conflitos, pois, muitas vezes, a diferença do outro vai além da minha
capacidade de compreendê-lo. É entender que não conseguimos aprisionar as
deficiências em categorias estanques, pois somos sujeitos complexos e podemos
mudar e sermos mudados a partir de/no cotidiano em que estamos inseridos.
Burbules (2003, p. 160) aponta que, no campo educacional, a diferença pode
aparecer tanto como oportunidade assim como pode se constituir num problema. É
uma oportunidade por três pontos de vista: o primeiro, porque, a partir dos embates
entre os diversos grupos e indivíduos, podemos ter um leque de possibilidades
humanas que se expressam na cultura e na história; segundo, porque, no diálogo,
no convívio entre os diferentes, podemos aprender com eles e também ensinar
11 Burbules (2003) aponta três tipos de diferença: diferença além, diferença no interior e diferença contra. A primeira é quando a compreensão do outro vai além da nossa capacidade de compreendê-lo; a segunda é que existem diferenças no interior dentro da própria diferença que impedem de categorizar um sujeito dentro de um conceito estável; e a terceira implica uma constante retomada de reflexão e crítica sempre que os pressupostos e as lacunas de um discurso dominante que quer ser imperativo.
47
formas alternativas de vida e desenvolver empatia por elas; terceiro, porque,
aprender a lidar com essa diferença é uma virtude da cultura cívica democrática.
Conviver com a diferença pode se constituir como problema na esfera educacional,
quando provoca conflitos e tensões equivocadas; são manifestações imbuídas de
divisão de poder; e quando aparecem numa perspectiva que está longe da nossa
capacidade de compreensão.
Essas colocações nos servem de alerta, quando estamos pensando na questão da
educação inclusiva que agrega, no espaço escolar, pessoas que antes eram
encaminhadas para instituições ou nem mesmo chegavam a adentrar os muros da
escola dita regular.
Nesse rol de alunos diferentes, temos os alunos com deficiências, sejam elas de
causas sensoriais, sejam orgânicas ou não, que, juntamente com aqueles que a
escola julga “não saberem nada”, se constituem nos diferentes, nos “anormais”
como se fosse possível delimitar a normalidade.
Lidar com a educação inclusiva implica um outro olhar sobre os sujeitos/alunos no
cotidiano escolar. Tal mudança requer ressignificar o olhar em relação ao aluno com
necessidades educativas especiais e também as práticas educativas. Rodrigues
(2003) aponta que a escola tradicional propõe um ensino igual para todos, porque
acredita que todos são iguais. Dessa forma, a escola marginalizava e segregava
liminarmente aqueles que aparecessem como diferentes.
48
Quando falamos em igualdade de direitos, na perspectiva da inclusão, não significa
igualar todos. “Incluir não é nivelar nem uniformizar o discurso e a prática, mas
exatamente o contrário: as diferenças, em vez de inibidas, são valorizadas”
(SANTOS; PAULINO, 2006, p.12 grifo dos autores).
Assim, “[...] a inclusão provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de
identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade do professor e faz com
que seja ressignificada a identidade do aluno” (MANTOAN, 2002, p. 87).
Nesse contexto, a educação é desafiada. Tal desafio não pode imobilizar e sim
impulsionar ações na busca de soluções possíveis (CARVALHO, 2002). Em face
desses desafios e mudanças de paradigmas, acreditamos que o movimento de
inclusão que vem se desenhando, ao longo da história, é um disparador de
necessárias mudanças no campo educacional e no cotidiano da escola.
3.3 A INCLUSÃO NO COTIDIANO DAS ESCOLAS
Conforme os dados do censo escolar (INEP/MEC), podemos perceber que, nos
últimos anos, há um aumento na matrícula de alunos com necessidades
educacionais especiais por deficiência no contexto da escola. A matrícula evoluiu,
consideravelmente, de 110.704 alunos em 2002 para 262.243 em 2005,
aumentando em mais de 100% o contingente de alunos nas escolas regulares,
conforme demonstra a Figura 1.
49
Figura 1 – Evolução de matrículas inclusivas na educação especial Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP)
Esse aumento pode ser decorrente das políticas de inclusão que começaram a ser
intensificadas a partir das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação
Básica (Resolução nº 2/2001) que, como já foi dito, serviu de base para os
municípios traçarem suas políticas municipais (PRIETO, 2004).
Nesse mesmo período, podemos constatar um crescimento dos municípios que
registraram matrícula na educação especial, conforme aponta o gráfico da Figura 2.
Figura 2 - Evolução de municípios com matrículas na educação especial Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP)
50
O acréscimo foi de 27%, aumentando de 3.612 em 2002 para 4.582 em 2005.
Nesses municípios, tal como apontam os dados da Figura 3, encontramos um total
de 640.317 estabelecimentos de ensino oferecendo matrículas aos alunos com
algum tipo de deficiência.
Figura 3 - Evolução da política de atendimento na educação especial Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP
Entretanto, analisando ainda os dados da figura acima, podemos notar que esses
estabelecimentos ainda são, em sua maioria, escolas especiais ou classes
especiais, configurando que, embora tenha evoluído o número de escolas na política
de inclusão, avançando de 110.704 em 2002 para 262.243 em 2005, percebe-se,
que nesse mesmo período, ainda foi autorizada a criação de 40.177 escolas
especiais e/ou classes especiais. Tal prerrogativa não é um contra-senso da
inclusão, mas sim uma situação garantida na legislação – Lei nº 9394/96; Resolução
nº 2/2001 – que prevê a não-matrícula na escola regular quando a diversidade for de
fato diferença, ou seja, quando os alunos apresentam uma deficiência mais grave a
escolar regular pode encaminhá-los para instituições.
51
Podemos perceber na análise dos dados da Figura 4 que, das 38.019 escolas que
entraram no movimento da inclusão, 34.366 são provenientes do Poder Público e
3.653 são da rede particular de ensino. Percebemos uma discrepância nos números
entre as esferas administrativas. Isso pode ocorrer devido ao fato de que, para se
efetivar a inclusão, necessita-se de investimentos e, no que tange à rede privada,
acaba diminuindo a relação custo/benefício. Apesar de esses dados apontarem que
há um envolvimento da esfera pública no atendimento das crianças com deficiência,
não podemos nos esquecer de que esse número é mascarado pelas instituições que
aderiram à inclusão. Esses dados podem simplesmente significar matrícula, mas não
acesso ao conhecimento.
Figura 4 - Evolução de estabelecimentos inclusivos com educação especial Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP)
Quando olhamos na perspectiva de atendimento na educação especial, focando a
análise na Região Sudeste (Figura 5), podemos perceber que, no período de 2002 a
2005, houve uma evolução em 130% para ampliar a matrícula na escola regular
enquanto nas classes/escolas especiais essa evolução ficou em torno de 8,6%.
52
Figura 5 - Evolução da política de atendimento na educação especial da Região Sudeste Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP) Apesar de um acréscimo significativo de escolas voltadas para a inclusão dos alunos
com necessidades educacionais especiais, os dados nos mostram que os alunos
com deficiência ainda estão nas classes especiais e esse número, em proporções
menores, continua crescendo.
Analisando os dados do Censo de 2005 (INEP/MEC), Figura 6, podemos perceber
que o maior contingente de alunos com deficiência está matriculado no ensino
fundamental, perfazendo um total de 419.309 alunos.
Figura 6 - Distribuição de matrículas na educação especial em 2005 Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP)
53
Esses dados nos remetem a uma indagação: por que o número do ensino
fundametal é tão alto em relação as outras modalidades? Por que não há número no
ensino superior? Se analisarmos os números do ensino médio, poderemos ver que
somente 1,7% está matriculado nessa modalidade e isso será que pode significar
um alto índice de reprovação desse alunado no ensino fundamental? Essas
perguntas carecem de outras investigações que vão além do propósito deste
trabalho. Entretanto cabe ressaltar que 65,4% dos alunos com necessidades
educacionais especiais se encontram matriculados no ensino fundamental o que
requer que o cotidiano da escola esteja aberto para atendê-los.
Em relação à preparação do corpo docente, podemos perceber na Figura 7 a
evolução de funções docentes na educação especial.
Figura 7 - Evolução de funções docentes na educação especial Fonte: Censo escolar 2005 (MEC/INEP)
Nota-se que houve um acréscimo, no que tange à preparação do professor, para
trabalhar com esses alunos. Dos 51.006 professores, 77% possuem cursos
específicos para trabalhar com educação especial mas ainda se encontram, no ano
de 2005, 23% dos professores que trabalham sem curso específco na área. Porém
54
não podemos perceber, na análise dos dados, se esses professores se encontram
em instituições e/ou classes especiais ou se estão em estabelecimentos de escolas
regulares.
Apesar de ser um ganho enorme para a inclusão ter profissionais com cursos
específicos na área de educação especial, isso não significa que os professores
possuem conhecimentos e que estes são transpostos para uma prática pedagógica
que garanta uma educação de qualidade para todos. É preciso refletir sobre ”[...] o
que podemos fazer como profissional para contribuir com o avançar desse processo,
sem esquecermos que essa tarefa é coletiva” (VICTOR, 2006, p.123).
Acreditamos que, para efetivar uma prática pedagógica que garanta a inclusão de
todos os alunos no cotidiano escolar, a escola precisa refletir e rever práticas que
contribuam para o sucesso pedagógico de todos. Entretanto isso não é muito
simples de ser feita.
Padilha (2004) aponta que não é fácil realizar a inclusão e que muitos professores
se sentem angustiados por não conseguirem ensinar tudo a todos.
Sinto a angústia dos professores e professoras (angústia que também é minha) que se vêem ora obrigados a realizar uma proeza pedagógica sem sequer saberem como; ora culpados por não estarem sendo solidários, caridosos, pacientes com aqueles que aprendem diferente, em tempos diferentes, de modos diferentes; ora se sentem incompetentes por não estarem conseguindo que todos os seus alunos aprendam o que programaram para ser aprendido (PADILHA, 2004, p. 110).
Nesse contexto, podemos pontuar que a inclusão é um movimento que não se faz
de modo solitário e sim em colaboração com toda a equipe da escola. Não basta
55
termos números de matrículas, precisamos ter ações efetivas que garantam o
acesso de todos a uma educação de qualidade.
Padilha (2004, 116, grifo da autora) nos sugere “[...] que sem uma organização da
comunidade [...] não adianta lei, nenhuma resolução, nenhum discurso [...] cada um
de nós precisa conhecer para fazer a hora e não esperar acontecer”.
E a mesma autora continua dizendo:
Incluir é dar condições, pensar estas condições, planeja-las e replanejá-las. [...] Incluir é também excluir – incluir crianças na escola é excluir formas incompatíveis de tê-las na escola. Incluir deficientes nos sistemas de ensino é excluir preconceitos de nossas vidas. É excluir de nossa agenda cultural a crença no sistema capitalista e neoliberal. [...] Incluir é saber-se capaz de entender que a história não acabou e ninguém deve fazer, por nós, a nossa história (PADILHA, 2004, p.117).
Nesse contexto, pensamos em uma inclusão que vem sendo forjada por questões
sociais, econômicas e políticas, e que vai muito além do cumprimento de uma lei.
Pensamos numa inclusão que surge e ressurge a cada dia no cotidiano escolar e
que desafia o outro a buscar, em conjunto, possíveis saídas/respostas/ações para
determinados contextos. Uma inclusão que respeita a diferença e que ganha um
significado diferente do concebido, pois é no vivido que ela se configura e pode
romper com a cotidianidade.
Na revisão de literatura, podemos perceber que algumas pesquisas desenvolvidas
no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo apontam
56
que, para darmos conta da inclusão, algumas mudanças ainda precisam ser feitas
no cotidiano das escolas.
Uma dessas mudanças é a forma como olhamos o sujeito com alguma deficiência. O
estudo de Rodrigues (2001) enfatiza essa questão. A autora percebe que, no
processo de escolarização de crianças com deficiência mental, a marca patológica é
mais relevante do que o processo de desenvolvimento desse sujeito. Precisamos
romper com a dicotomia normal/anormal e olhar todos como sujeitos de
possibilidades que aprendem e desenvolvem em tempo e ritmo próprios.
Em virtude desse olhar patológico, as escolas encaminham os alunos para as
classes especiais e/ou escolas especiais legitimando um lugar diferenciado para que
essas crianças possam ser alojadas. O estudo de Amaral (2001) deixa bem claro
que parece haver uma celebração de contrato quando essas crianças são
encaminhadas da escola regular e acolhidas num outro espaço sem contestação do
diagnóstico apresentado.
Para garantir tal processo, precisamos mexer na prática pedagógica nos cotidianos
da nossa escola. Caetano (2002), analisando tal perspectiva em escolas do ensino
fundamental, principalmente nas séries finais, aponta que as práticas pedagógicas
presentificadas nesse contexto precisam ser ressignificadas para atender a todos os
alunos, oferencendo-lhes uma educação de qualidade.
Gonçalves (2003), Almeida (2004), Louven (2005) e Meneguci (2005)
apontam/analisam modos de ser/estar na escola que provocam/instigam possíveis
57
mudanças no cotidiano da escola. Nesse contexto, Gonçalves (2003) e Almeida
(2004) indicam dados sobre a perspectiva de um trabalho colaborativo. A primeira
enfatiza a parceria entre o professor da classe regular e o professor de educação
especial, pois esse envolvimento é fundamental para o movimento da inclusão no
cotidiano da escola e, conseqüentemente, para a aprendizagem; já a segunda, por
meio de uma pesquisa ação-crítico-colaborativa, demonstra que ter uma outra
pessoa para articular/refletir sobre as questões da inclusão e da prática pedagógica
contribui para um processo de formação continuada, dentro da própria instituição, e,
portanto contribui para a mudança no contexto educativo.
Meneguci (2005) e Louvem (2005) esclarecem que, para as escolas efetivarem
essas mudanças, é preciso que elas busquem formas de organização que dêem
conta de planejar, de garantir formação continuada e atender a todos os alunos,
oferecendo-lhes acesso, permanência e educação de qualidade. Para isso
precisamos rever a forma de avaliação que deve estar atrelada à prática
pedagógica, pois esta está muito mais voltada para uma prática excludente,
classificatória dos alunos (AGUIAR, 2003) do que preocupada com um processo de
aquisição de conhecimento.
Sobre essa questão, podemos perceber que, para se garantir a inclusão, precisamos
construir/reconstruir/modificar, em nosso cotidiano, a forma de olhar a diferença e
conviver com ela e também precisamos efetivar práticas que contemplem uma ação
que dê conta da complexidade na sala de aula. Para isso, acreditamos que a prática
de avaliação precisa avançar do momento de diagnóstico, da classificação e passar
a ser usada como retroalimentadora da prática pedagógica. Sendo assim, passa a
58
ser um dispositivo a mais para a busca de uma reorganização do contexto da
escola, tendo em vista uma postura que garanta a aprendizagem de todos.
59
4 AVALIAÇÃO E INCLUSÃO: CONSTRUINDO CAMINHOS POSSIVEIS
[...] Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!)”
(GABRIEL, O PENSADOR).
Avaliar... o que é avaliar? Será que se resume a prova, a reprovação, a passar de
ano, a classificar os que sabem daqueles que não sabem mediante a nota que
tiram? A reflexão, de acordo com o trecho da música de Gabriel, o Pensador, nos
leva analisar nossa prática de avaliação presente no cotidiano da escola.
Uma prática na qual a avaliação é resumida como um instrumento de coleta de
dados, em que são esses resultados que testificam o saber dos alunos, é uma
prática que classifica para excluir e que não possibilita uma retomada na ação
pedagógica.
No atual contexto, de movimento da inclusão, em que a diferença ganha corpos e
nomes na sala de aula, concordamos com Baumel (1998, p.35), quando ela afirma
que a escola inclusiva precisa mexer na questão pedagógica “[...] exigindo uma
revisão das concepções do ensino, da aprendizagem e até da avaliação. É nesta
última que em geral emergem os mecanismos da exclusão ─ centrados na seleção e
autoritarismo”.
60
A avaliação tem sido usada, há muito tempo, como mecanismo de exclusão e de
classificação que separa, na educação regular, os que sabem daqueles que não
sabem e, na educação especial, os “normais” dos “não-normais”. Nesse sentido,
acreditamos que é necessária uma (re)significação da avaliação tanto no campo da
escola comum como na sua aplicação na educação especial.
Ribeiro (2003, p. 48) aponta que tal mudança não é uma coisa simples de ser feita,
porque
Do ponto de vista da escola regular, esta se vê incapaz de resolver toda a problemática, que antes se eximia de cuidar, apenas com os recursos de que dispõe, porque simplesmente podia encaminhá-la a outras instâncias. Do ponto de vista dos serviços de Educação Especial estabelecidos e com uma tradição já consolidada, também há um acometimento pela insegurança de que tudo que já foi edificado se transforme em inutilidade, como num passe de mágica.
Entretanto não podemos manter a avaliação como vem sendo concebida, dentro de
uma visão estática no tempo/espaço e que se restringe a classificar os alunos.
Mantoan (2001) coloca que esse tipo de avaliação se constituiu num entrave na
implementação da inclusão e que precisamos, urgentemente, suprimir esse caráter
classificatório e instrumentalista.
4.1 AVALIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA MEDIR O CONHECIMENTO
Quando pensamos na avaliação no contexto das escolas, sempre nos lembramos
das provas, dos trabalhos, dos boletins, das notas tiradas, enfim, dos instrumentos
que usamos para coletar informações daquilo que o aluno aprendeu.
61
O uso da prova como um instrumento “infalível”, imprescindível na prática
pedagógica de muitos professores, tem uma razão histórica de ser. Segundo Dias
Sobrinho (2002) os testes escritos são uma criação da escola moderna. Essa
criação tem um ranço muito forte nas práticas de avaliação, quando educadores
atribuem um excessivo valor ao instrumento em detrimento do processo de
aprendizagem vivenciado pelos alunos.
Esteban (2003, p. 17) coloca que esses instrumentos têm a função de “[...] isolar a
subjetividade que constitui a dinâmica escolar e dar visibilidade a resultados
quantitativos que exponham o rendimento de cada estudante e que sejam
compreendidos como demonstração da aprendizagem realizada”, como se avaliar
fosse esse momento estanque, marcado pelo instrumento que se usa e pela nota
que se tira.
No trecho da música de Gabriel, o Pensador, colocada como epígrafe deste capítulo,
podemos exemplificar o que acabamos de relatar, observando que se dá uma
ênfase muito maior ao resultado do que ao processo de aprendizagem. Essa
vertente é possível ser pensada, porque há um pressuposto de que se pode
conseguir, por meio do instrumento da avaliação, a apreensão daquilo que o aluno
sabe. Baseia-se, assim, numa perspectiva metafísica de abordar o conhecimento,
vendo-o como algo pronto e acabado, sem levar em conta o contexto e a sua
condição de provisório.
62
Lefebvre (1995) diz que o pensamento metafísico da lógica formal não leva em
conta a história, o contexto e, não levando em conta o tempo, o lugar e o
movimento, é abstrato, coagulado, incapaz de expressar o movimento real dos fatos.
Essa lógica de neutralidade visava a separar o sujeito do objeto para conseguir
extrair a verdade. Lefebvre (1995) coloca que essa verdade estava situada fora e
acima de qualquer erro. Sendo assim, o resultado obtido era considerado como tal.
A ênfase nos testes escritos marca a cotidianidade da escola na qual ele aparece
como um instrumento infalível e os seus resultados servem para: classificar e
separar os alunos que sabem daqueles que não sabem; para legitimar que este ou
aquele aluno fique nesta ou naquela escola. Essa prática de avaliação, com o intuito
de examinar, ainda permanece nos espaços da escola. Nas palavras de Dias
Sobrinho (2002, p. 20) “[...] determina quem passa de ano e quem fica retido, quais
são os melhores e os piores, os inteligentes e os incapazes, os esforçados e os
preguiçosos, os educados e os indisciplinados” (grifo do autor).
Segundo Dias Sobrinho (2002, p.19), tal perspectiva trouxe duas conseqüências:
[...] de um lado, os instrumentos de testes, provas e exames trouxeram mais precisão e força operacional ao sistema de medidas e seleção. Por outro lado, determinaram uma concepção e uma prática pedagógica que consistem basicamente na formulação dos deveres ou exercícios escolares e controle através dos testes.
Em relação ao sistema de medidas e seleção, esse fato teve ressonância na
construção e no uso intensificado dos testes de quociente de inteligência (QI) que
dominaram no século XIX e meados do século XX e, marcados por verdadeiras
63
orgias de tabulações que quantificavam, analisavam e interpretavam os resultados
obtidos (CREMIN, 1961, apud BARRIGA, 2003, p. 66). Esses autores acrescentam
ainda que “[...] o resultado dos testes de inteligência era utilizado para justificar a
necessidade de eliminar aos que, por seu escasso coeficiente, não deviam estar na
escola”.
Dessa forma, o teste provocava uma exclusão dos alunos da escola e acabava
outorgando a educadores e psicólogos o papel de sacerdotes da sociedade
moderna, como aqueles que decidiam sobre o lugar que cada pessoa deveria
ocupar.
Essa idéia teve tanto peso no contexto escolar que, a partir dos resultados do
coeficiente de inteligência, decidia-se a vida do aluno, julgando: se ele irá avançar
para série seguinte ou se ele ficará reprovado; se ele tem condições de ficar na
escola regular ou se deve ser encaminhado para a escola ou classe especial; se ele
é normal ou anormal; se ele tem ou não tem condições para aprender.
A postura de aceitar, como suposta verdade, os resultados dos testes que medeiam
a inteligência foi também abarcada pela educação especial que aceitava os
encaminhamentos vindos da escola e/ou psicólogos que atestavam aqueles alunos
que não correspondiam ao padrão convencional.
Nessa perspectiva, a avaliação/encaminhamento das crianças, tanto pela educação
regular como pela educação especial, era a partir de um padrão de aluno e
legitimava a separação, a segregação deste ou daquele, em classes e/ou escolas
64
especiais. As avaliações, como testes científicos, acabavam sendo marcadas como
forma de poder que caracterizava os alunos conforme suas impossibilidades e
legitimava a exclusão, por meio da rotulação de quem era ou não capaz.
Além da conseqüência do uso do teste de QI, temos, na mesma lógica dos sistemas
de medidas, os exames nacionais, tais como: o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), o PROVÃO, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
e outros que são construídos com o intuito de verificar a aprendizagem dos alunos
via testes padronizados que são aplicados de forma igualitária de norte a sul do País
e que, a partir dos resultados, classificam Estados, municípios e escolas conforme
os escores obtidos.
Essa prática de avaliação é criticada por vários autores, entre eles, Sacristán e
Gómez (1998, p. 334) que apontam a mentalidade eficientista baseada nos cânones
positivistas como um dos caminhos para se conhecer a realidade educacional.
Nessa prática, os resultados quantificáveis são as “[...] únicas ferramentas para falar
da qualidade de escolas, professores/as e do sistema em seu conjunto”.
Acrescentam ainda que a análise qualitativa também é avaliada por esses
parâmetros.
Percebemos, assim, que conceber a avaliação como um instrumento capaz de medir
o conhecimento em nada contribui para a retomada do processo, muito pelo
contrário, serve apenas para classificar e segregar alunos e serviços.
65
Com base em Bertagna (2002), podemos dizer que o uso do instrumento é apenas
uma formalização da avaliação, mas que esta não pode ser considerada como uma
apreensão da verdade, pois, atrás de uma avaliação formal, sempre se perpassa
uma avaliação informal.
Segundo a autora, a avaliação formal pode ser entendida
[...] como sendo aquelas práticas que envolvem o uso de instrumentos explícitos de avaliação, cujos resultados podem ser examinados objetivamente pelo aluno, à luz de um procedimento claro, e a avaliação informal como a construção por parte do professor de juízos gerais sobre o aluno, cujo processo de constituição está encoberto e é aparentemente assistemático (FREITAS, 1995, apud BERTAGNA , 2002, p. 251).
Nesse sentido, nenhum instrumento de prática avaliativa pode ser considerado
fidedigno, objetivo, pois, na hora da correção, do resultado final há aspectos
subjetivos que fazem com que o professor seja mais maleável ou mais rígido
durante a correção.
4.2. AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Para entender as práticas de avaliação no campo da educação especial, fomos
buscar respaldo em Beyer (2005) que faz uma antropologia da pessoa com
deficiência. Ele aponta que as mudanças no campo avaliativo são decorrentes dos
diferentes paradigmas presentes em determinadas épocas.
66
Baseando-se em Bleidick (1981), Hugo Beyer indica quatro concepções
paradigmáticas que ocorreram ao longo do tempo. Embora haja uma separação
didática entre esses paradigmas, Beyer (2005) chama-nos a atenção para entender
que eles não aconteceram/acontecem de modo linear, mas que há a coexistência de
vários paradigmas ao mesmo tempo.
A primeira forma de avaliar é respaldada no paradigma clínico-médico, no qual o
olhar para a pessoa com deficiência é pautado a partir da doença e na busca pelo
laudo que ateste se determinado aluno tem ou não uma deficiência. Acredita-se que
esse sujeito é limitado e, portanto, a avaliação recai sobre a deficiência e os
encaminhamentos e prospectivas são pautados no diagnóstico.
Numa análise da revisão de literatura, podemos perceber que vários trabalhos foram
realizados na perspectiva de construção desse tipo de avaliação. Nunes, Ferreira e
Mendes (2003), analisando a produção discente dos programas de pós-graduação
stricto sensu em Educação e Psicologia voltada para o indivíduo com necessidades
educacionais especiais, perceberam que, dos 550 trabalhos produzidos em 27
universidades brasileiras, 87 discutiam sobre a questão do diagnóstico, tendo como
pano de fundo a identificação e o encaminhamento, no período de 1974 a 2001.
Esse tipo de avaliação ligada ao diagnóstico classificatório contribuiu para um olhar
calcificado/limitado pela deficiência e que não possibilitou uma perspectiva de
avanço para esse sujeito. Tanto que os alunos identificados com deficiência eram
segregados em classes especiais ou em instituições especializadas.
67
Os encaminhamentos feitos pela escola e/ou pelos profissionais (principalmente
pscicólogos) são baseados, em sua maioria, pela questão do fracasso escolar e a
escola especial entra como “valizadora” dessa exclusão, “[...] que não se inaugura
quando a criança entra na escola especial, mas se constitui na trajetória escolar dos
alunos a serem excluídos” (AMARAL, 2001, p. 60).
Padilha (2001, p. 102), falando sobre essa questão coloca que
Quando penetramos pelo caminho porque passam as crianças suspeitas de deficiência mental, encontramos os professores, os testes, os relatórios, as resoluções legais usando do poder de avaliar, julgar e tomar decisões sobre a vida das crianças – diagnósticos e prognósticos representantes de concepções e modelos teóricos por vezes inconscientes, porém com estatuto oficial de cientificidade nas tomadas de posição por parte dos profissionais considerados competentes para este fim.
Percebe-se, assim, que os encaminhamentos são feitos, porque há um serviço que
se alimenta deles, legitimando a exclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais da escola. A entrada na classe especial é o final de um
processo de reafirmação da inadequação ao aluno mediante um sistema escolar que
é segregacionista, estigmatizador e preconceituoso (PLATZER-AMARAL, 2001).
Nesse sentido, o diagnóstico acaba confirmando a idéia que o professor já tinha
sobre as limitações das crianças, tornando-se um “documento morto”, sem utilidade
alguma, legitimando a exclusão desses alunos (GONZÁLEZ, 2002). A prática de
diagnosticar-encaminhar acaba não causando nenhuma tensão, nenhuma
modificação e, conseqüentemente, não contribui para um outro olhar em relação às
crianças com necessidades educacionais especiais.
68
Essa não mudança de olhar pode ser percebida no trabalho de Mori e Oliveira
(1999, apud FERREIRA, 2002), no qual elas apontam que, mesmo tendo a evolução
dos modelos e discursos de integração para inclusão, não houve mudanças
significativas nas formas de avaliação e encaminhamento de alunos apontados
como deficientes mentais.
Nesse contexto, podemos perceber que a avaliação, dentro do paradigma clínico-
médico, não contribui para o processo de inclusão, pois continua segregando,
excluindo, separando e não acreditando no potencial daqueles que apresentam uma
necessidade educacional especial.
A segunda concepção de avaliação, apontada por Beyer (2005), é baseada no
paradigma sistêmico. Nesta concepção, o aluno é avaliado conforme os padrões
preestabelecidos no sistema escolar. Se seu desempenho não é satisfatório, ou se
ele não alcança os critérios estabelecidos pelo currículo para toda a classe, o
sistema busca respostas. “Assim, aos alunos cujo insucesso na aprendizagem
signifique a impossibilidade da progressão na escola regular, outras alternativas
serão oferecidas” (BEYER, 2005, p. 91-92).
Essas alternativas podem variar desde pequenas flexibilidades no currículo como
até mesmo a segregação em classes e/ou escolas especiais, por julgarem que esse
sujeito não consegue acompanhar o ritmo da turma. Percebe-se, nesse paradigma,
uma avaliação individualizada, porém sempre comparada com um padrão, com um
critério de referência preestabelecido.
69
O trabalho de Capellini e Mendes (2002, 2003) demonstra bem essa avaliação que
busca comparar o rendimento acadêmico dos alunos incluídos na escola regular
com rendimento dos demais alunos. As autoras utilizaram-se de testes padronizados
para verificar o nível de alfabetização, o rendimento na leitura-escrita e o rendimento
na Matemática. Além desses testes, utilizaram-se de observações dos alunos e do
boletim acadêmico. Na análise dos dados, constataram que houve um avanço na
questão dos pré-requisitos e um certo atraso no que tange ao desempenho da
leitura e da escrita, quando considerada a relação idade/série, porém apresentavam
um resultado que tinha dados inferiores, na média e acima dela, quando se levava
em conta a turma como um todo.
Percebe-se, assim uma avaliação que verifica a aprendizagem mediante
instrumentos-padrão nos quais os alunos com deficiência precisam avançar além do
seu processo natural de aprendizagem, pois precisam ter um desenvolvimento maior
que os dos demais alunos, porque o parâmetro de desempenho é o do aluno ideal.
A avaliação baseada no paradigma sistêmico também pode ser contemplada no art.
8º da Resolução CNE/CEB nº 2/2001 que propõe:
[...] flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a freqüência obrigatória (Inciso III, grifo nosso).
Embora se possa perceber um avanço na perspectiva de dar ao aluno as condições
para que ele tenha acesso à educação, existe um parâmetro curricular que
70
prescreve os conteúdos básicos que todos precisam aprender. Sendo assim,
aqueles que não alcançarem essas metas precisarão de uma adaptação ou
flexibilização para chegar ao patamar preestabelecido, deixando transparecer a
orientação de uma avaliação sistêmica que tem como critério um modelo a ser
seguido.
O terceiro paradigma apontado por Beyer (2005) é o sociológico. Nele, desloca-se o
olhar sobre o indivíduo e volta-se para o grupo social no qual a pessoa está inserida.
“A deficiência é interpretada por meio da reação social. A forma como o grupo reagir
à situação da deficiência poderá implicar o agravamento (pelo preconceito ou
incompreensão) ou o alívio (pela empatia ou compreensão) da situação individual”
(BEYER, 2005, p. 92).
A avaliação, nesse paradigma, é subjetiva, pois, para um grupo preconceituoso, as
possibilidades de desenvolvimento são limitadas e a avaliação também; já para um
grupo mais compreensivo, o prognóstico desse indivíduo é bem melhor.
O trabalho de Borges et al. (2005)12 aponta essa perspectiva sociológica, na qual a
visão preconceituosa de um professor ou de uma pedagoga pode limitar o
desenvolvimento de uma criança com necessidade educacional especial. As autoras
trazem à baila um episódio de uma criança com síndrome de Down, matriculada em
um Centro Municipal de Educação Infantil, que ficou retida no mesmo período,
12Esse trabalho faz parte de uma pesquisa desenvolvida pela professora Drª Sonia Lopes Victor e consiste numa interface entre os alunos de graduação do Curso de Pedagogia que fazem habilitação em Educação Infantil e os alunos que fazem habilitação em Educação Especial juntamente com alunos mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFES. As alunas da graduação observam o cotidiano das unidades de ensino registrando num diário de campo que depois é compartilhado e refletido juntamente com os alunos mestrandos.
71
porque a escola achava que, devido à sua condição de “deficiente”, não era eficiente
para progredir junto com seus pares. No entanto, segundo as estagiárias que
participaram da pesquisa, quando se compara o desenvolvimento da criança, tendo
como parâmetro os demais alunos da classe, não se percebe uma diferença
plausível que justifique tal atitude. Verificamos, claramente, uma avaliação
sociológica, na qual a deficiência sobressai ao próprio desenvolvimento da criança.
Esse ponto nos remete a um outro trabalho realizado por Jesus, Caetano e Aguiar
(2001) que, analisando o processo de construção de uma proposta de educação
inclusiva, na Capital do Espírito Santo, verificam o contexto pedagógico das
unidades pólos e percebem a ênfase de uma estratégia pedagógica pautada na
repetição e na falta de credibilidade da possibilidade de aprendizagem dos alunos
com necessidades educativas especiais, ou seja, uma prática que não considera
voltada para o atendimento à diferença.
Nesse mesmo tempo/espaço, foi analisada a avaliação que, no discurso, é tida
como constante, mas, na prática, pôde-se observar “[...] que via de regra o processo
enquanto todo é calcado nas limitações da criança e não em suas possibilidades”
(JESUS; CAETANO; AGUIAR, 2001, p. 11). Percebe-se, então, nesse trabalho, que
o olhar, a prática e a avaliação dos alunos com necessidades especiais é engessada
pela deficiência dos sujeitos.
A quarta concepção, baseada no paradigma crítico-materialista, coloca que a
deficiência é “[...] encarada como um resultado de inaptidão produtiva do indivíduo”
(BEYER, 2005, p. 92). Segundo o autor, ela é provocada pela desigualdade de
72
classes sociais e, numa sociedade produtiva, as pessoas com deficiência são
consideradas impossibilitadas/ineficientes para conseguir sucesso na vida social.
Alguns estudos de Canejo (1997), Glat (1989), Rocha (1993), relatados por Nunes et
al. (1998, p. 97), demonstram que essa questão da produtividade, como marca de
indivíduo socializado, é muito delicada. Segundo os autores, “[...] trabalhar fora
significa, de uma certa forma, abandonar sua condição de excepcional, e juntar-se à
rotina diária das demais pessoas lutando por sua sobrevivência”. Por outro lado, não
conseguir se manter economicamente é uma marca visível da deficiência.
É preciso lembrar que a preparação para o trabalho das pessoas com necessidades
educacionais especiais não acontece de modo sistemático; elas geralmente ocorrem
por meio de oficinas pedagógicas (que podem ser vinculadas ou não a um trabalho)
ou oficinas protegidas ou abrigadas (que são voltadas para uma modalidade de
emprego ou uma colocação em alguma empresa) (NUNES et al.,1998).
A questão da produtividade também é mencionada pelas Diretrizes Nacionais da
Educação Especial para a Educação Básica que, em seu art. 16, aponta que os
alunos com grave deficiência mental ou múltipla e que tiverem recebido a
terminalidade específica por não apresentar resultados de escolarização devem ser
encaminhados para a educação profissional.
Esses quatro paradigmas citados por Beyer (2005) apontam formas diferenciadas de
avaliar o aluno com deficiência que refletem na sua própria constituição de sujeito e
também no seu potencial para aprender.
73
Enquanto o primeiro paradigma faz sobressair a condição clínica, como determinante nas limitações individuais, o terceiro sobreleva as reações sociais diante da condição individual. Enquanto o segundo paradigma mostra a dinâmica entre os sistemas escolares (regular e especial) como forma social de lidar com o sujeito (aluno) que ‘fracassa’, o quarto busca desvelar o conceito de deficiência como resultado de uma sociedade de classes que supervaloriza a produção e a aquisição de bens de consumo (BEYER, 2005, p. 92).
Esses paradigmas, clínico-médico, sistêmico, sociológico ou crítico-materialista, são
formas culturais e sociais de conceber a pessoa com deficiência. Essas pessoas
podem ser representadas com base em uma única visão paradigmática ou podem
ser vistas na associação de mais de um paradigma.
Percebemos, também, no cerne dessas avaliações, uma forma de ver o sujeito com
deficiência tendo como critério a falta, o déficit do aluno e, conseqüentemente, um
prognóstico negativo em relação a ele. Essa avaliação unilateral, baseada no
“fracasso” do aluno, acaba provocando um
[...] rebaixamento das expectativas sociais. Para o aluno que fracassa na escola e que se suspeita ter alguma deficiência, espera-se o encaminhamento para a escola especial, ou uma progressão escolar muito lenta, o que não ‘recomendaria’ um maior investimento pedagógico (BEYER, 2005, p. 96).
Podemos perceber que as práticas de avaliação pouco têm contribuído para a
efetivação de uma educação de qualidade para os alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais. O que elas têm apontado é uma avaliação
pautada na falta, no déficit, na concepção de um alunado que não precisa fazer
muita intervenção no seu processo de ensino-aprendizagem, pois seu potencial é
limitado. É uma avaliação pós-ativa (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998) que remete ao
que já passou, ao diagnóstico, ao que o aluno já sabe e que segrega/classifica
74
aqueles que o professor acha que não sabe ou que sabe bem menos que os outros
colegas.
Numa perspectiva de educação inclusiva, a avaliação na educação especial, não
pode ser pautar no diagnóstico, na classificação desses alunos em comparação com
os demais. Essa prática limita o conhecimento das potencialidades, das
possibilidades do sujeito. É preciso mudar o foco da avaliação.
Eggert (1997, apud BEYER, 2005, p. 95) sugere que as transferências devem ser:
[...] a) da seleção dos alunos deficientes para escolas especiais, para a identificação das necessidades especiais dos mesmos; b) do encaminhamento a uma escola especial, para o apoio ao aluno no âmbito da escola regular; c) da justificativa do encaminhamento para a escola especial, através do laudo clínico, para a orientação e o acompanhamento pedagógico na escola regular; d) dos métodos quantitativos e normativos, para a descrição qualitativa e a consideração do contexto ou do entorno.
Nesse contexto, acreditamos que é preciso ressignificar a avaliação. Ela precisa ser
vista e usada como um elemento de íntima relação no fazer pedagógico, que dá
pistas, indícios de caminhos possíveis. A avaliação “[...] precisa, portanto, estar
incorporada ao próprio processo de ensino-aprendizagem para compreender as
reações, situações dos alunos, aspectos de sua evolução e dificuldades que possam
encontrar” (GONZÁLES, 2002, p.189).
Entendida assim, é uma avaliação que se abre para dar conta da diferença, que
atende a todos os alunos e a todas as alunas, inclusive aqueles(as) com deficiência.
Segundo Gonzalez (2001, p.194), “[...] as estratégias mais eficazes para atender à
diversidade serão aquelas que fazem da avaliação um instrumento para gerar
75
informação que permita fundamentar as decisões dos professores e orientar a
atividade dos alunos”.
Se quisermos construir caminhos para a escola inclusiva, temos que repensar a
avaliação, usando-a como um dispositivo para a inclusão de alunos, sejam eles com,
sejam sem deficiência. Não cabem, neste atual contexto, práticas pedagógicas
segregacionistas que minimizem o potencial dos alunos contribuindo para o escore
da segregação dentro e fora da escola.
4.3 PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA
Embora a prática da avaliação tenha surgido fora do âmbito educacional, é nesse
espaço que ela se perpetua com o mesmo objetivo da primeira manifestação
histórica13 e acontece em todos os níveis e modalidades de ensino. Segundo
Sacristán e Gómez (1998, p. 295), entender a avaliação como prática significa
[...] que estamos frente a uma atividade que se desenvolve seguindo certos usos, que cumpre múltiplas funções, que se apóia numa série de idéias e formas de realiza-la e que é a resposta a determinados condicionamentos do ensino institucionalizado [...] ao mesmo tempo, ela incide sobre todos os demais elementos envolvidos na escolarização: transmissão do conhecimento, relações entre professores/as e alunos/as, interações no grupo, métodos que se praticam, disciplina, expectativas de alunos/as, professores/as e pais, valorização do indivíduo na sociedade, etc.
13 As primeiras manifestações históricas em torno da avaliação envolvem uma prática de exame, como, por exemplo, acontecia com a sociedade chinesa que escolhia seus funcionários por de seleção e hierarquização (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998; BARRIGA, 2004; DIAS SOBRINHO, 2002).
76
Nesse contexto, podemos entender que, no cotidiano escolar, não existe uma
prática de avaliação e, sim, práticas de avaliação, pois dependem das concepções
dos professores e dos usos que eles fazem desse dispositivo.
Sacristán e Gómez (1998, p. 323-336), relatando sobre as funções da avaliação,
retratam a multifuncionalidade dela. Segundo eles, a prática avaliativa cumpre a
função de:
a) definição dos significados pedagógicos e sociais – por meio do ato avaliativo,
são atribuídos valores e conceitos relacionados com a qualidade do ensino e
conseqüentemente, com a qualidade do professor e do aluno;
b) função social – nessa prática está embutida a questão da certificação, que
atesta o rendimento pessoal e o nível de escolaridade, garantindo ao
individuo uma possível entrada no mercado de trabalho;
c) poder de controle – a avaliação é um instrumento de poder no qual o
professor tem o controle daquilo que irá cobrar como saber e do valor
atribuído a esse saber;
d) função pedagógica – essa função é o que legitima a ação avaliativa no
cotidiano da escola, porém não é a mais determinante. Várias outras funções
são intercruzadas na função pedagógica e acabam interferindo no modelo
proposto;
e) funções na organização escolar – a avaliação tem a função de organizar o
sistema escolar para garantir a escolarização. Entretanto, para dar conta
dessa função, utiliza-se de mecanismos de regulação e classificação
impedindo que muitos alunos avancem nos seus estudos;
77
f) projeção psicológica – a prática da avaliação tem essa função, porque se
projeta sobre a motivação dos alunos que passa a ser controlada muito mais
por fontes extrínsecas do que intrínsecas; também se projeta sobre o
comportamento; sobre as atitudes; sobre a intensificação de ansiedades; e
sobre a auto-estima dos sujeitos;
g) apoio da investigação – a prática da avaliação vem servindo como fonte de
dados para avaliar o sistema educacional.
Com refererência a função pedagógica, Sacristán e Gómez (1998) citam vários
pontos a serem refletidos dentro dessa função: a avaliação cria um ambiente escolar
que interfere nas relações interpessoais entre alunos/alunos e alunos/professores.
Esse clima é instigado pelos resultados das provas, pelo controle da disciplina para
que haja aprendizagem, pelas atividades que são realizadas e que depois serão
avaliadas, etc.
Outra função é a diagnóstica, que é utilizada como um recurso para se conhecer os
processos de aprendizagem, visando a uma possível intervenção. Essa função tem
vários sentidos: a) avaliação inicial (para detectar os conhecimentos prévios dos
alunos e também para conhecer as condições globais, dentre elas, condições
familiares, sociais e econômicas); b) avaliação formativa (para conhecer o curso dos
processos de aprendizagem e procurar intervir); c) avaliação somativa (para
determinar o estado final do processo de aprendizagem dos alunos).
78
Embora a função diagnóstica tenha esses três aspectos, na prática, em muitos
cotidianos da escola, a avaliação somativa, que é o resultado da prova, do processo,
do bimestre, é o que tem um maior valor e o tipo de avaliação mais usada.
Ainda dentro da função pedagógica, procura-se adaptar os processos pedagógicos
ao ritmo dos alunos, ou seja, pode ser usada com o sentido de recurso para a
individualização do ensino. Também tem a função de garantir a aprendizagem,
orientar os processos, servir de base prognóstica e de referência para a construção
do currículo.
Podemos observar, nas funções da prática avaliativa expostas por Sacristán e
Gómez (1998), o quanto falar sobre avaliação é complexo e necessário. Neste
trabalho, vamos nos ater à prática da avaliação enquanto função pedagógica.
Esteban (2003), fazendo uma análise geral desse tipo de prática no contexto
escolar, percebe que, atualmente há três perspectivas que coexistem. A primeira
impõe um retorno ao padrão rígido de avaliação quantitativa vivenciada pelo controle
da avaliação nacional (SAEB, ENEM, ENADE), que acaba provocando uma
homogeneização curricular e uma visão de que todos devem ter acesso ao mesmo
conteúdo, no mesmo ritmo e, conseqüentemente, uma avaliação padronizada. A
busca pela suposta qualidade acaba classificando os alunos e as instituições
conforme o escore dos resultados.
A segunda perspectiva aponta uma consolidação de um modelo híbrido, que
destaca a aprendizagem como um processo, fazendo com que a escola considere o
79
tempo, o ritmo dos alunos. Nesse contexto, embora haja mudanças na concepção
de avaliação, ela é vista como um controle ou como um instrumento para comparar
o desempenho individual em relação ao desempenho da turma.
A terceira, defendida por Esteban, se pauta na construção de uma avaliação
democrática imersa numa pedagogia da inclusão. Tal perspectiva valoriza a
heterogeneidade, leva em conta a complexidade de uma sala de aula,
compreendendo os ritmos individuais, intervindo nos processos e valorizando os
saberes de modo a não dicotomizar os que sabem daqueles que não sabem.
Percebemos, nessa análise que as duas primeiras práticas, embora em nível
diferenciado, propõem uma classificação, uma hierarquização conforme os
resultados obtidos. É uma prática de exame
[...] que reduz a riqueza e complexidade dos processos de aprendizagem e de ensino, das relações sociais nas quais as relações pedagógicas se constituem e dos sujeitos que aprendem e que ensinam, como a materialização da concepção positivista de conhecimento (ESTEBAN, 2003, p.17).
Essa prática de classificar, de selecionar em nada contribui para que o aluno
aprenda e revela, como nos diz Esteban (2003, p. 23), a ambivalência da avaliação
Nesse cotidiano escolar, avaliando e sendo avaliada, a professora vai aprendendo duas lições contraditórias: é preciso classificar para ensinar; e classificar não ajuda a ensinar melhor, tampouco a aprender mais – classificar produz exclusão e para ensinar é indispensável incluir. Contradição facilmente abrigada na ambivalência da avaliação, que promete medir para incluir em alguma categoria de classificação, produzindo uma opacidade que não deixa que se perceba que algumas categorias nas quais os alunos e alunas, professoras e professores são incluídos só produzem exclusão.
80
Já a terceira perspectiva de prática nos reporta a uma outra forma de conceber e
viver a avaliação. Esteban (2001) pensa a avaliação como uma prática investigativa,
que percebe o cotidiano como múltiplo, facetado e complexo. Pensando dessa
forma, estará aberta à diferença, à inclusão, porque o paradigma não é posto sob a
igualdade e sim sobre a heterogeneidade.
Esteban (2001, p. 165) coloca que
[...] a avaliação como processo de classificação está presa à homogeneidade, como prática de investigação abre espaço para a heterogeneidade, para o múltiplo, para o desconhecido [...]. As diferenças entre os/as alunos/as deixam de ser interpretadas como deficiências que precisam ser corrigidas para serem assumidas como particularidades que devem ser exploradas e integradas à dinâmica coletiva.
Nesse ponto de vista, contribui para um olhar que não classifica e que não separa os
sujeitos conforme os padrões curriculares preestabelecidos. É uma prática que “[...]
investe na busca do ainda não-saber, que trabalha com a ampliação do
conhecimento, movimento permanente em que há sempre conhecimentos e
desconhecimentos” (ESTEBAN, 2001, p. 166).
A avaliação investigativa é aquela que não tem a intenção de classificar, mas sim de
buscar indícios daquilo que o aluno sabe e daquilo que ele ainda não sabe e
construir possibilidades para que ele venha a aprender. Ela corporifica o avaliado
como sujeito que está inserido num cotidiano, o que difere do avaliado numa visão
metafísica, que objetiva encontrar os princípios que regularizam, que mantêm a
igualdade. É mister avaliar não separando o que se avalia das condições da
produção desse conhecimento. Ou seja, não se pode avaliar só o sujeito, o aluno,
81
mas é preciso, de forma dialética, avaliar também o próprio avaliador e o cotidiano
que favorece ou não as condições de aprendizagem.
É uma avaliação que vai abrir caminhos para que o professor incida na “zona
proximal”. 14
O conceito de zona de desenvolvimento proximal constitui um instrumento significativo para explorar a diversidade de conhecimento e a pluralidade de processos para a sua construção, além de estabelecer mecanismos para a construção de conhecimentos novos e mais amplos que os anteriores. Esse conceito implica um professorado que reflete sobre sua ação articulando um diálogo permanente em que se entretecem a teoria e a prática (ESTEBAN, 2001, p. 164).
Tal pressuposto remete a uma superação das práticas avaliativas e pedagógicas
que se têm, nas quais, muitas vezes, se cristaliza o aluno como aquele que não
aprende, que não consegue. Atuar na zona proximal é caminhar junto com o aluno e
perceber todo o seu processo de aprendizagem e não apenas o produto final. Essa
prática favorece a inclusão daqueles alunos que, historicamente, foram alijados de
estarem na escola regular porque não se enquadram num “padrão de normalidade”.
Acreditamos que a avaliação, como prática investigativa, contribui para uma prática
de inclusão que favoreça a todos no processo educacional.
14 O conceito de zona proximal é definido por Vigotsky (1997, p. 86) como “[...].funções que ainda não estavam amadurecidas, mas em processo de maturação; funções que, amanhã, estarão maduras, mas que hoje estão em estado embrionário [...]. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental respectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente”.
82
5 COTIDIANO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO: INTRODUZINDO A PESQUISA
5.1 A PESQUISA
Buscando ser coerente com a construção teórica de Lefebvre, que analisa o
cotidiano para perceber o vivido, escolhemos, como questão de investigação da
nossa pesquisa, compreender as práticas de avaliação no contexto da escola, tendo
como referência as práticas pedagógicas dos professores e a reflexão sobre a
avaliação no processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais.
Queríamos saber, de modo específico: como os professores usavam as práticas
avaliativas no seu cotidiano; se havia consenso entre o concebido e o vivido; se
havia uma relação entre o ato de avaliar e as ações pedagógicas que serviram de
intervenção para os alunos e se estas contemplavam as diferenças dos educandos
na sala de aula; se as avaliações eram presentificadas de modo a contribuir com a
aprendizagem de todos, inclusive dos alunos com necessidades educacionais
especiais.
Nesse sentido, buscamos um tipo de pesquisa que não se caracterizasse como um
desvelamento crítico de uma realidade, pois nossa intenção, como pesquisadora,
não se remetia à idéia de construir um arcabouço de supostas verdades a serem
83
passadas, pois sabemos que, na complexidade que emerge do cotidiano, isso não
seria viável e nem possível.
Nesse sentido, encontramos respaldo na pesquisa qualitativa denominada estudo de
caso do tipo etnográfico15 que, segundo André (2005), é um estudo em profundidade
de um fenômeno educacional, cuja ênfase está na singularidade e leva em conta os
princípios e métodos da etnografia.
A pesquisa etnográfica deriva das pesquisas usadas por antropólogos para estudar
a cultura de um grupo social, porém, no campo da educação, o seu objetivo é
compreender o processo educativo. Sendo assim, a autora afirma que há diferenças
entre um estudo de caso etnográfico (realizado pelos antropólogos) e um estudo de
caso do tipo etnográfico “[...] o que faz com que certos requisitos da etnografia não
sejam – nem necessitem ser – cumpridos pelos investigadores das questões
educacionais” (ANDRÉ, 2005, p. 28).
Entretanto algumas características permanecem, tais como: a relativização, que
provoca no pesquisador um estranhamento para poder investigar o objeto de estudo;
o uso da observação participante e da entrevista como instrumento de coleta de
dados; a duração do contato direto do pesquisador com a situação estudada, que
pode variar de algumas semanas até alguns anos, dependendo dos objetivos
específicos; e a descrição dos dados coletados (ANDRÉ, 2005).
15 Sabemos que existem autores que apontam outras metodologias de pesquisa para o estudo no cotidiano. Entretanto, optamos pelo estudo de caso do tipo etnográfico por que a nossa intenção, não é a pesquisa no e do cotidiano, mas sim, estudar o cotidiano, sob a luz de Lefebvre, vendo-o como um lugar grávido de possibilidades e de mudanças constantes.
84
Assim, a opção por esse tipo de pesquisa pode permitir a compreensão de uma
prática singular num contexto de uma escola de ensino fundamental e entender
como a avaliação foi concebida e vivida no cotidiano que é atravessado pela
inclusão.
5.2 COLETA DE DADOS
Com o objetivo de tentar compreender como a escola pesquisada e a Secretária de
Educação do município de Guarapari - ES pensam sobre a avaliação e a inclusão,
usamos, como instrumento de coleta de dados: a entrevista semi-estruturada; a
análise documental e a observação.
Optamos pela entrevista por ser um instrumento que proporciona,
[...] um processo de interação social, verbal e não-verbal, que ocorre face a face, entre um pesquisador, que tem um objetivo previamente definido, e um entrevistado que, supostamente, possui a informação, que possibilita estudar o fenômeno em pauta, cuja mediação ocorre, principalmente, por meio da linguagem (MANZINI, 2005).
Entendendo-a como um processo de interação, realizamos uma entrevista semi-
estruturada que, segundo Triviños (1987, p. 146), parte de “[...] questionamentos
básicos [...] que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo
de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se
recebem as respostas do informante”. Tal opção nos permitiu um diálogo com os
85
entrevistados de modo que eles não se sentiram “acuados”, ameaçados com a
presença de um outro interrogando-os sobre o seu saber e seus modos de fazer.
Outro tipo de instrumento usado foi a análise documental, que, segundo Lüdke e
André (1986), é uma técnica que serve tanto para complementar informações já
obtidas como para desvelar aspectos novos de um tema. A análise documental
buscou identificar informações factuais nos documentos, a partir de questões ou
hipóteses do interesse da pesquisa. Foram usados, como objetos de análise: o
projeto político-pedagógico da escola, o plano decenal do município, o regimento
das escolas municipais, as portarias do município pertinentes à avaliação, os
instrumentos avaliativos, o diário de classe, o caderno dos alunos na classe e
também, o usado na sala de recurso.
Quanto à observação, foi feita a do tipo participante, porque esta é vista, não só
como uma técnica de captação de dados, mas também como uma forma de
intervenção (MATOS; VIEIRA, 2002). Usamos essa forma de observação com o
intuito de observar, compreender o que era essencial para nossa pesquisa,
perfazendo a análise em duas classes do turno vespertino da escola que tinham
alunos com deficiência.
A escolha desses instrumentos de coleta de dados para uma pesquisa do tipo
estudo de caso contribuiu para a análise do cotidiano voltada para a compreensão
da inclusão e das práticas de avaliação naquele contexto.
86
5.2.1 Procedimento de pesquisa
A pesquisa na escola começou em abril de 2006, quando conversamos com a
diretora da escola e com as pedagogas, colocando nossa intenção de realizar este
trabalho naquela instituição. A receptividade foi satisfatória, pois já tinhamos um
vínculo com essa unidade, devido ao fato de a nossa localização, como professora
efetiva do município, ser nessa escola.
Esclarecemos para todos, naquela reunião, o objetivo da pesquisa e acertamos que
começaríamos a observação a partir de maio de 2006, quando se iniciaria o ano.
Participamos, antes de entrar na sala de aula, do Conselho de Classe fechando o
ano letivo de 2005, e também da primeira reunião que a diretora fez com os
professores, colocando-os a par das mudanças que iriam acontecer naquele ano.
Informou que, devido ao atraso do ano letivo, por causa da greve no ano de 2005,
muitas famílias retiraram seus filhos da escola pública e isso ocasionou uma
diminuição no número de alunos e, conseqüentemente, no número de turmas.
Pensamos que a diretora, nesse dia, fosse nos apresentar para as professoras, mas
isto só aconteceu no outro dia, na hora do recreio, quando as pedagogas, Renata e
Janete, 16 formalizaram a nossa estada naquele contexto.
16 Apesar de os sujeitos concordarem em participar da pesquisa os nomes que aparecem no decorrer do trabalho são fictícios para assegurar a privacidade dos mesmos.
87
Foi colocado para as professoras que iríamos observar as salas da 3ª série, da
professora Iza, e da 4ª série, da professora Izabela, mas que a entrevista deveria
acontecer com todos os professores e que contávamos com a colaboração deles.
A idéia inicial do projeto de pesquisa era observar a sala da 1ª série e da 4ª série,
pois eram, a nosso ver, as etapas nas quais os dilemas da avaliação se
presentificavam com maior intensidade. Entretanto, naquele ano, não havia aluno
com uma necessidade educacional especial por deficiência naquela série. As
pedagogas, então, sugeriram que ficassemos na sala da 3ª e 4ª, pois nestas havia
alunos com deficiência.
Ficamos na escola de 8 de maio até meados de setembro de 2006. Organizamos
nossa coleta de dados realizando, a princípio, as entrevistas com as professoras
durante as aulas de Educação Física. Mesmo assim, não conseguimos entrevistar
cinco professores que sempre alegavam não ter tempo, pois ora tinham que
planejar, ora preparar atividades, ora preencher diário, enfim, tinham sempre uma
justificativa que nos fez entender e aceitar a não participação nas entrevistas.
Paralelamente à coleta de dados, usando a técnica da entrevista, fazíamos a
observação dentro das salas selecionadas e também a análise de documentos
pertinentes à escola, à sala de aula e à Secretaria de Educação. Íamos, a princípio,
uma vez por semana em cada classe, depois, com o término das entrevistas,
aumentamos para dois dias em cada sala. Essa divisão, muitas vezes, não era tão
igualitária, pois, na sala da 3ª havia um aluno surdo e não tinha intérprete para
atendê-lo. Tendo a pesquisa, como um dos instrumentos de coleta de dados a
88
observação participante e sabendo a pesquisadora a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) ficou acordado que ficaríamos mais tempo nessa sala para poder ajudar o
aluno.
Nosso procedimento nas classes era entrar, dar boa tarde para os alunos e sentar
sempre no final da classe de modo a não “atrapalhar” o andamento da aula. Íamos
sempre registrando no diário de campo tudo que observávamos e que achavámos
que era essencial para a nossa pesquisa.
Durante a observação participante, após a abertura da aula pela professora e depois
de ela explicar o que era para ser feito, ajudávamos os alunos a fazerem as
atividades ou interpretávamos para o aluno Pedro. Ora oferecíamos ajuda, ora eles
vinham até nossa mesa solicitando. Esse apoio era dado tanto aos alunos com
deficiência como aos demais alunos da classe.
Após os quatro meses de observações e término das entrevistas, conversamos com
as pedagogas, passando as nossas impressões sobre aquilo que havíamos
observado e visto naquele cotidiano. Propusemo-nos a fazer um estudo com elas
sobre questões que envolviam a inclusão, prática pedagógica inclusiva e avaliação.
A proposta deste estudo era criar um momento na escola no qual a equipe pudesse
parar para refletir sobre suas dificuldades e pensar juntos como poderiam equalizar
algumas saídas. Ficou acordado que esse estudo seria realizado em dois dias (3 e 7
de agosto), sendo duas horas em cada sessão e o estudo seria na própria unidade
89
de ensino. A escolha por esses dias foi aproveitando o período de reforma na
escola, já que os alunos eram liberados na hora do recreio.
O estudo foi constituído por professores do turno vespertino, por pedagogos e pela
professora da sala de recursos. Para os encontros do grupo de estudo, demos um
título que expressava nosso intuito coordenando o grupo de profissionais daquela
escola: “Reflexão sobre a inclusão”. Nossa intencionalidade, era construir uma
relação dialógica que desse voz ao grupo daquela escola e colaborasse para uma
auto-reflexão daqueles autores pertencentes àquela escola, demonstrando que eles
tinham saberes que permitiam aquele cotidiano ser único e constituído de
potencialidade.
No primeiro dia, os participantes receberam uma folha para preencher na qual eles
completavam os quadrinhos com aquilo que lhes era solicitado (Quadro 1). Depois,
fazíamos uma exposição oral e um debate com argumentações teóricas, tentando
relacionar teoria e prática.
ESTUDO REFLEXIVO SOBRE A INCLUSÃO
O QUE É INCLUSÃO?
QUAIS OS PRICÍPIOS PARA UMA EDUCA-ÇÃO INCLUSIVA?
COMO PODEMOS DE-SENVOLVER UM TRA-LHO QUE FAVOREÇA A INCLUSÃO?
O QUE PODEMOS MELHORAR NA NOS-SA PRÁTICA PARA FAZERMOS UMA EDU-CAÇÃO PARA TODOS?
QUADRO 1 - ESTUDO REFLEXIVO SOBRE A INCLUSÃO
90
Nesse estudo, foram debatidas algumas questões sobre: a inclusão; os princípios
que estavam presentes nesse movimento; o trabalho pedagógico para favorecer
uma educação para todos; e também falamos sobre as práticas de avaliação.
Apresentamos o estudo de Almeida (2004), que aborda sobre o trabalho
colaborativo e a proposta de ensino em multinível.
O estudo acabou sendo um momento ímpar para que os profissionais da escola
pudessem parar para refletir um pouco sobre a inclusão e avaliação presentificadas
no cotidiano da Escola Bansalu.
5.3 O CONTEXTO DA PESQUISA
5.3.1 A cidade de Guarapari
“Quer viver um sonho lindo Que eu vivi
Vá viver as maravilhas de Guarapari [...]”
(PEDRO CAETANO)
Guarapari, cantada em versos e prosas pelo poeta Pedro Caetano, é uma cidade
litorânea do Estado do Espírito Santo e fica a 41,75km da capital ─ Vitória. É
considerada uma cidade turística de fama internacional, devido às propriedades
medicinais de suas areias monazíticas. Sua área territorial compreende uma
superfície de 581,90km2 e sua população é aproximadamente 88.216 habitantes por
Km2.
91
Para atender à escolarização de seus munícipes há, na cidade, 93 instituições de
ensino, 69 municipais, 10 estaduais e 14 particulares. Essas escolas, conforme o
Quadro 2, atendem desde a educação infantil até o ensino médio. Atualmente, os
moradores podem ingressar no ensino superior sem se deslocar da cidade para
outros centros, pois já existem, no município, quatro instituições oferecendo cursos
nas áreas: educacional, jurídica, biomédica, jornalismo, administração e turismo.
Modalidade Rede Municipal Rede Estadual Rede Privada
Educação Infantil 30 - 12 Ensino Fundamental 55 10 10 Ensino Médio - 07 04 Escolas Especiais - - 02 Total17 69 10 14 QUADRO 2 - QUANTIDADE DE ESCOLAS CONFORME A REDE E MODALIDADE DE ENSINO Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Guarapari - SEMED
Conforme os dados do Quadro 2, podemos perceber que as escolas que compõem
o Sistema de Ensino da Rede Municipal de Guarapari perfazem um total de 69
instituições das quais 38 se localizam na área urbana e 31 na área rural, sendo
estas, em sua maioria, unidocentes. O número de alunos matriculados no ano letivo
de 2006 perfaz um total de 16.001 estudantes distribuídos conforme os dados do
Quadro 3.
NIVEL DE ENSINO Nº DE ALUNOS Creche 696
Educação Infantil Pré-escola 1.869 1ª a 4ª (incluindo o ciclo de alfabetização) 7.336 5ª a 8ª 3.931
Ensino Fundamental
EJA 2.169 Total 16.001 QUADRO 3 - DISTRIBUIÇÃO DE NÚMERO DE ALUNOS POR NÍVEL DE ENSINO Fonte: Departamento de projetos e planejamento educacional - SEMED
17 A somatória dos números de escolas não fecha com os números listados na tabela, pois uma mesma instituição pode oferecer diferentes níveis de ensino.
92
A Secretaria Municipal de Educação de Guarapari (SEMED) tem sede própria e seu
organograma é composto de três Departamentos, a saber: Departamento de
Educação, Departamento Administrativo e Financeiro e Departamento de Projetos e
Planejamento Educacional.
Cada departamento tem suas atribuições e organogramas específicos. No
organograma do Departamento de Educação, há um cargo de diretor e várias
divisões: de ensino fundamental, de educação infantil, de apoio ao educando e de
alimentação escolar. Existem ainda, ligadas ao ensino fundamental, equipes de:
acompanhamento do ensino fundamental, de educação especial, de educação de
jovens e adultos (do 1º ao 4º ciclo), de acompanhamento das escolas da zona rural,
e a equipe de inspeção escolar.
A equipe de educação especial, que ficava na SEMED, era composta, em 2003, por
dois profissionais e, em 2006, passa a ter três componentes, que são responsáveis
pela implantação e implementação de uma política educacional inclusiva, voltada
para alunos com necessidade educacional especial por deficiência. Entre as
políticas visando à inclusão estão: a abertura da sala de recursos18 para
atendimento de alunos com deficiência mental, condutas típicas, dificuldades
acentuadas de aprendizagem, surdos, cegos e baixa visão; a perspectiva de um
trabalho colaborativo entre professor especialista e professor da sala regular;
acompanhamento às escolas para saber sobre o desenvolvimento dos alunos
atendidos pela equipe de educação especial; formação continuada para todos os
professores da rede, com seminários, cursos e palestras. 18 Os alunos surdos e cegos, por demandarem um atendimento mais específico, possuem salas de recursos em espaços diferenciados das outras deficiências. Em algumas escolas, podem ter duas salas de recursos para atender às modalidades diferenciadas.
93
5.3.2 A Escola
A instituição escolhida como loco da pesquisa foi uma Escola Municipal de
Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF) de Guarapari – ES, que passa a
ter o codinome de “BANSALU”. Essa escola foi inaugurada em 1990, na gestão de
Benedito Soter Lyra. Desde a época da sua fundação, passou por três reformas. A
última foi no ano de 2006, coincidindo com o período da pesquisa, e que acabou
provocando no ambiente escolar certas inquietudes: pelo barulho, pelo cheiro de
tinta, pela poeira, pelo tumulto natural a qualquer obra, quando o espaço é co-
habitado.
A escola possui uma área de 626,40m2, localiza-se no bairro Lagoa Funda e atende
alunos oriundos dessa própria comunidade como também de comunidades
adjacentes. A maioria dos discentes pertence a uma classe econômica que tem
como renda familiar de um a cinco salários mínimos.
A estrutura física da escola corresponde a: dezesseis salas de aula, uma sala de
professor, uma sala para diretor e adjunto, uma sala para coordenação, uma sala
para os pedagogos, uma secretaria, quatros banheiros para alunos, uma sala de
recurso, uma sala de aula na qual é improvisada uma biblioteca, uma cantina, uma
cozinha, uma área coberta e equipada com mesas e bancos para ser usada como
refeitório, uma dispensa na qual é guardada material pedagógico e merenda, uma
área com areia na qual é praticada as aulas de Educação Física. Além dessas áreas
94
descritas, a SEMED, ainda aluga uma casa na proximidade da escola, que é
destinada à educação infantil de crianças com quatro e cinco anos.
O quadro de funcionários da escola compreende um contingente de 88 pessoas,
sendo: sessenta professores, dois professores especialistas, um diretor, um diretor
adjunto, quatro coordenadores de turno, cinco pedagogos, quatro secretários, onze
auxiliares de serviços gerais (merendeira, servente e vigias).
A unidade atendeu, em 2006, a 96 alunos na educação infantil e 763 no ensino
fundamental, incluindo os alunos da EJA. A organização curricular é por série e por
ciclos (EJA e o ciclo de alfabetização). 19 Ela atende os alunos em três horários:
matutino, vespertino e noturno. No vespertino, que é o foco da nossa análise, ela
possui três salas de educação infantil e dez de ensino fundamental que
compreendem a: quatro salas de ciclo básico de alfabetização, duas de segunda
série, duas de terceira série e duas de quarta série. Para atender a essas turmas, a
escola conta com um contingente de doze professoras, sendo um professor de
Educação Física e um professor especialista.
O ano letivo de 2006 foi atípico da escola. Iniciou-se em maio de 2006, devido a uma
greve geral do Magistério em 2005, por reivindicações de perdas salariais e outras
questões trabalhistas, o que ocasionou um atraso no término do ano anterior e,
conseqüentemente, um atraso no ano de 2006. Além desse evento, houve, ainda,
durante o ano várias paralisações e a reforma da escola o que prejudicou o
19 Somente as classes de alfabetização são por ciclo, porque o município aderiu à proposta do Governo Federal de Educação ampliada. O Projeto de Educação Ampliada do município é baseado na Resolução do COMEG nº 003/2004, mas a efetivação da proposta só aconteceu a partir do ano de 2006, transformando as turmas de pré III como parte do ensino fundamental.
95
andamento e trouxe uma série de conseqüências, como: alteração do calendário
escolar, esticando o ano de 2006 até março de 2007; retirada dos momentos de
planejamento e dias de estudo, o que dificultou uma interação coletiva dos
professores em prol de um objetivo comum; insatisfação dos pais dos alunos por
conta do atraso no ano escolar; reorganização dos Conselhos de Classe, deixando
de ser um encontro coletivo para ser um diálogo entre o professor e o pedagogo da
escola.
5.4 OS SUJEITOS DA PESQUISA
Na nossa análise dos dados, o foco da pesquisa se encontra em duas turmas que
apresentavam matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais. As
duas turmas escolhidas foram a 3ª série da professora Iza, que tinha 26 alunos, e
entre esses um aluno surdo ─ Pedro ─ e um aluno com deficiência múltipla ─
Fernando; e a outra turma era a 4ª série da professora Izabela, que tinha 30 alunos,
incluindo um aluno com deficiência mental – Emanuel.
A professora da 3ª série tem licenciatura em Pedagogia e está fazendo pós-
graduação em Supervisão Escolar. Tem 16 anos de Magistério e busca sua
formação participando de cursos e seminários oferecidos pela SEMED. Não tem
nenhum curso específico de educação especial, mas fez uma disciplina na
graduação cujo conteúdo abordava o tema inclusão. A professora Izabela tem
Magistério e licenciatura em História. Há 13 anos atua como professora e faz sua
96
formação continuada por meio de cursos, mas não tem nenhum específico na área
de educação especial.
Em relação aos alunos com deficiência dessas salas, temos Fernando, Pedro e
Emanuel. O aluno Fernando foi uma criança que nasceu prematura, com peso de
1.230g e várias complicações pós-parto: teve hipoglicemia no segundo dia de
nascido e parada cardiorrespiratória que se repetiu por três vezes consecutivas.
Após exame de ressonância magnética, pôde-se detectar que ele apresentava uma
agenesia do vérmix cerebelar e hipoplasia do hemisfério cerebelar esquerdo, com
aparente fusão entre os hemisférios cerebelares. Seu desenvolvimento físico foi em
meio a crises convulsivas e atraso no desenvolvimento motor e de linguagem.
Seu início de escolarização foi na pré-escola, na qual ficou até 2003, quando entrou
no ensino fundamental em uma escola pública. Para essa escola, na qual esta
sendo realizada a pesquisa, ele veio em 2005. Foi uma época de adaptação difícil,
na qual ele ficava meio período, pois sempre se cansava das atividades e começava
a mexer com os colegas, queria sair da sala toda hora e a estratégia que a escola
encontrou, para ambos, foi a redução do tempo diário na escola. Uma das possíveis
causas desse ato era porque ele estava na 1ª série, com crianças muito pequenas,
as quais ele não identificava como seus pares. Resolveu-se, então, após reunião
com a equipe da SEMED, colocá-lo numa turma de 2ª série, em que havia alunos
maiores e onde ele conseguiu se ambientar com a turma e com a professora. No
final do ano letivo de 2005, embora, segundo a escola, Fernando não tivesse
condições de ir para a 3ª série, ele foi “aprovado” por causa da professora Iza, que
97
seria a professora da turma e era a única na escola que conseguia domínio para
mantê-lo dentro da sala.
Pedro é um aluno que apresenta surdez profunda bilateral congênita. Ele se
comunica por meio de Língua de Sinais, mas também emite algumas palavras e tem
uma boa percepção da oralidade, fazendo leitura labial. Freqüentou, antes de ser
incluído, nesta escola, no ano de 2004, uma classe especial de alfabetização para
surdos. O município oferecia atendimento em contraturno para Pedro, porém,
mesmo com o apoio sua adaptação, foi difícil, pois não havia ninguém na escola que
soubesse LIBRAS para servir de interlocutor entre o aluno e os demais
componentes da escola. Isso acabava gerando mal-entendimento das regras e
comportamento desafiante no qual o aluno assumia uma postura de defesa em
frente à dificuldade de comunicação. Essa dificuldade só melhorou quando um
professor da escola se mobilizou para aprender LIBRAS e passou a trabalhar com
ele. No ano de 2006, ele ia trocar de escola para acompanhar a professora que
sabia se comunicar com ele, porém sua família resolveu retorná-lo para a mesma
escola, pois a outra ficava distante da sua residência. Ele voltou para a sua mesma
turma, agora a 3ª série da professora Iza, na qual parte dos alunos já sabiam se
comunicar com Pedro.
O outro aluno, pertencente à 4ª série, era Emanuel, que sempre foi uma criança fácil
de se lidar, pois obedecia às regras impostas, não brigava, ficava sempre no seu
canto, porém tinha extrema dificuldade para aprender o que a escola ensinava. Ele
já havia feito um trajeto de escolarização escola regular – escola especial – escola
regular, mas, mesmo assim, não tinha laudo que testificasse uma deficiência. Isso
98
fazia com que a escola não o tratasse como tal, mas também não era visto como
uma criança “normal”. Ele já tem 15 anos e várias histórias de reprovação. Apesar
de ter ficado alguns anos na 1ª série, ainda não domina a leitura nem a escrita,
conseguindo apenas decodificar algumas letras/sílabas e algumas palavras. Agora,
em 2006, orientaram a família a procurar ajuda médica na tentativa de encontrar um
diagnóstico para ele. Essa preocupação com um laudo que ateste a deficiência é
fruto de uma história marcada pelo paradigma clínico-médico que se pauta numa
busca por uma causa orgânica/biológica que justifique a “impossibilidade” do
trabalho pedagógico com esse aluno.
99
6 A EDUCAÇÃO ESPECIAL DE GUARAPARI NO MOVIMENTO DE INCLUSÃO:
POLÍTICAS QUE RESSOAM NAS ESCOLAS
Antes de analisarmos o movimento da inclusão na escola, precisamos compreender
que ações, que políticas são realizadas no município para viabilizar a inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais.
A princípio, é bom ressaltar que não há documento oficial no município referente à
educação especial para a educação básica. O que encontramos foram registros
sobre a educação especial dentro de documentos específicos da educação
municipal, tais como, a legislação que transforma a rede municipal em sistema de
ensino (Lei nº 1.964/ 2000) e também no Regimento Comum das Escolas Municipais
que aponta algumas diretrizes sobre o acesso e a permanência dos alunos com
necessidade educacional especial nas instituições de ensino.
Essa falta de documentação20 para normatizar a educação especial deixa
transparecer uma situação ambígua. De um lado, a situação de não dicotomizar
educação especial e educação regular, que é um ponto positivo, pois expressa uma
visão de educação que integra a educação especial; por outro lado, a falta da
normatização pulveriza as ações políticas voltadas para tal modalidade que fica
muitas vezes colocada em segundo plano.
20 O posicionamento em relação à falta de documentação específica não significa a busca por legislação que engessa e homogeneíza as ações, mas sim, a nosso ver, um documento para orientar uma política de inclusão.
100
Nos documentos encontrados, a educação especial aparece como modalidade do
ensino e deve ser oferecida em todas as etapas da educação básica. Na análise do
Regimento Comum das Escolas Municipais, podemos encontrar, em relação ao
atendimento, que este deve ser oferecido desde a educação infantil e se constitui
como um dos objetivos e fins da educação (art. 6º, VI). Quanto aos sujeitos desse
atendimento, o documento é omisso, garantindo apenas atendimento especializado
conforme cada especificidade.
Essa não clareza dos sujeitos que serão atendidos acaba pulverizando as ações e
abarcando um grande contingente de alunos para a educação especial contribuindo,
assim, para um olhar cada vez mais diferenciado.
Em relação ao acesso, o documento garante matrícula desde a educação infantil até
o ensino fundamental e acrescenta que, na organização das classes e das turmas
estas deverão ter número de alunos conforme a especificação do Regimento. As
salas de 1ª e 2ª séries deverão ter 25 alunos, já as de 3ª e 4ª deverão ter 30.
Entretanto, “[...] nas classes de ensino regular o número de alunos com
necessidades educacionais não poderão ultrapassar a dois (02), considerando no
agrupamento a especificidade” (art. 86).
Essa limitação de número de alunos com necessidade educacional especial por
turma ou classe pode ter conseqüências diversas. Se por, um lado, contribui para
que os alunos não sejam “alojados” todos em uma única sala e possibilita a vários
professores a experiência em trabalhar com eles, por outro, pode causar rejeições
101
de matrículas argumentando que a sala já tem o número de alunos conforme a
especificação do documento.
Nesse contexto, percebemos que as ações políticas da educação especial voltadas
para a inclusão em Guarapari (ES) não diferem das ações no âmbito nacional. Elas
estão consoantes com a Lei nº 9.394/96 e a Resolução nº 2/2001, tal como as
demais Secretarias de Educação, sejam elas municipais, sejam estaduais (PRIETO,
2004).
Analisando os dados do Censo de 2006, vemos que há um número representativo
de alunos com deficiência matriculados na rede municipal. Cabe também ressaltar o
quantitativo de alunos apresentados como tendo condutas típicas, que sozinhos
representam mais de 50% do total de alunos com deficiência matriculados na rede
regular de ensino. É importante analisar o que significa condutas típicas e que tipo
de alunado é considerado como tal, pois, essa categoria é muito ampla e complexa.
Especificidade da deficiência Quantidade Surdez ou deficiência auditiva 45 Cego ou baixa visão 10 Deficiência física 12 Deficiência mental 67 Autismo 04 Síndrome Down 05 Altas habilidades 04 Condutas típicas 187 Total 334 QUADRO 4 - MATRÍCULAS DE ALUNOS COM ALGUMA DEFICIÊNCIA NAS ESCOLAS
MUNICIPAIS DE GUARAPARI Fonte: Departamento de Projetos e Planejamentos Educacionais – SEMED
102
Em relação aos 334 alunos demonstrados na Figura 11 esse contingente
corresponde apenas a um percentual de 2,09% dos alunos matriculados nas escolas
municipais. Esses dados nos impulsionam a refletir sobre o porquê desse percentual
tão baixo. Três apontamentos surgem dessa questão: primeiro, a presença de
instituições especializadas (APAE e PESTALLOZZI) que, devido à tradição histórica
em atender os alunos com deficiência, acabam sendo um caminho para as famílias
matricularem seus filhos e para as escolas encaminharem os alunos com deficiência;
segundo, é que o município precisa intensificar a política de acesso dessas crianças
nas escolas, verificando o contingente de alunos que está fora para poder matriculá-
los; e terceiro, trabalhar nas escolas com questões de identificação desses alunos,
pois, na hora do preenchimento do censo, muitos alunos que aparentam ter
necessidades educacionais especiais não são arrolados por não terem laudos que
legitimam a inclusão deles no rol de alunos da educação especial.
Prietto (2004) nos chama a atenção, colocando que um dos passos para o município
efetivar as políticas de inclusão perpassa pelo conhecimento quantitativo das
características dos alunos a serem atendidos.
Paralela à questão do acesso, temos a questão da permanência, pois de nada
adianta matricular os alunos nas escolas, se não lhes forem oferecidas condições
para adquirirem uma educação de qualidade. Sendo assim, o município oferece
serviços de apoio que se constituem em salas de recursos e trabalho colaborativo do
professor especialista com o professor da sala regular.
103
6.1 SERVIÇOS DE APOIO
Os serviços para o atendimento dos alunos com necessidades educacionais
especiais se constituem em apoio dentro e fora da sala de aula. O apoio intraclasse
é denominado de trabalho colaborativo, que consiste no apoio do professor
especialista ao aluno com necessidade educacional e também ao professor na
própria sala de aula. Essa forma de apoio é respaldada no art. 8º da Resolução
CNE/CEB nº 02/2001, porém, no município pesquisado, esse tipo de trabalho ainda
não está oficializado, mas acontece, oficiosamente, em várias unidades de ensino,
desde 2005.
Um outro tipo de apoio extraclasse que é oferecido é a sala de recurso, entendida,
conforme o texto extraído da pasta do professor da sala de recurso como
[...] um serviço de natureza pedagógica, conduzida por professor especializado [...]. Esta modalidade de atendimento utiliza materiais e recursos adequados a cada necessidade específica. O objetivo é facilitar a aprendizagem, a participação e integração social do aluno para levá-lo a aprender a aprender [...]. O atendimento na Sala de Recurso não pode ser confundido com reforço escolar [...] trata-se de um trabalho que visa estimular o raciocínio do educando, para aprender a pensar.
Essas salas ficam localizadas dentro das escolas de ensino fundamental. Algumas
possuem um excelente espaço físico, já outras foram montadas em espaços
adaptados com condições físicas nem sempre adequadas. A prioridade de
atendimento nessas salas é o aluno que apresenta alguma necessidade educacional
especial que interfere no seu processo de ensinoaprendizagem. No ano de 2006, o
município contava com 18 salas para o atendimento de alunos com deficiência
mental, duas salas de recurso para surdos e uma para alunos cegos e com baixa
104
visão. O encaminhamento para ser atendido nessas salas é proveniente de uma
queixa da professora da sala regular, que passa uma lista com os nomes dos alunos
que ela acha que têm alguma necessidade educacional especial que esteja
prejudicando o seu desenvolvimento no processo de ensinoaprendizagem para a
professora especialista que faz uma triagem desses alunos, avaliando-os,
pedagogicamente, nas questões de leitura-escrita, raciocínio lógico e representação
gráfica do esquema corporal e de uma imagem em geral.
O atendimento nas salas de recurso é diferenciado conforme o alunado que
freqüenta a sala e deveria ser, preferencialmente, no contraturno. O apoio para os
alunos surdos era visando a repassar os conteúdos ensinados em sala regular
usando a LIBRAS como forma de comunicação. Além dessa forma de atendimento,
começou, no ano de 2006, o trabalho colaborativo nas salas regulares que tinham
surdos matriculados. Esse profissional fazia a interpretação da aula
simultaneamente e ajudava o aluno no entendimento da matéria.
Em relação aos alunos cegos e com baixa visão, é oferecida a transcrição em Braille
para tinta e vice-versa, e também a adaptação e ampliação dos conteúdos
trabalhados nas salas nas quais eles estão matriculados. Para fazer o intercâmbio
entre o professor da sala regular e o professor especialista, é realizado o serviço de
itinerância interinstitucional.
As salas para atendimento de alunos com deficiência mental, condutas típicas e
dificuldades acentuadas de aprendizagem ficam localizadas dentro das próprias
escolas de ensino fundamental e os alunos não precisam se locomover para outras
105
unidades, diferente do trabalho com os alunos surdos e cegos. O atendimento é no
contraturno e é realizado por uma professora especialista que recebe os
encaminhamentos feitos pela própria escola.
6.2 IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DOS ALUNOS COM NECESSIDADE
EDUCACIONAL ESPECIAL
A educação especial, como uma modalidade, perpassa por todos os níveis de
ensino e cabe à escola a identificação dos alunos que apresentam necessidade
educacional especial. Em relação a esse item, o Regimento Comum das Escolas
Municipais aponta que a identificação é de responsabilidade do professor da classe
regular, com os pedagogos da escola (supervisor e orientador) e também do
professor especialista.
Cabe ao professor “[...] identificar em tempo hábil as necessidades educacionais
especiais dos alunos valorizando a diversidade na educação e a inclusão” (art. 46,
VI); aos pedagogos “[...] diagnosticar, junto aos profissionais as dificuldades dos
alunos na aprendizagem, buscando medidas de ordem pedagógica a serem
adotadas, bem como elaborar junto ao professor atividades adaptadas para os
alunos com necessidades educacionais especiais” (art. 35, V); e o professor
especialista, deve “[...] flexibilizar as ações pedagógicas, juntamente com pedagogos
e professor especializado nas diferentes áreas do conhecimento, de modo a
contemplar as necessidades educacionais especiais” (art. 46, XV).
106
Percebemos, nessa sobreposição de artigos, que o documento não só menciona a
proposta de identificação, mas também a necessidade de se fazer algo que vai além
da identificação inicial. Articula, ainda, a cooperação dos pedagogos e do professor
especialista em identificar e colaborando com uma proposta pedagógica voltada
para a aprendizagem de todos que, conseqüentemente, será inclusiva, e elaborar
com a efetivação dessa proposta.
Percebemos que há uma intenção de se instituir uma proposta de educação
inclusiva na qual os sujeitos da escola se articulem para tal. Entretanto, apesar de já
estar instituída no papel, ainda é uma ação que vem se iniciando no cotidiano das
escolas, principalmente entre professor especialista e professor da sala regular.
Quanto à avaliação, não aparece uma proposta clara e específica desse item. No
entanto podemos perceber que há indício de uma avaliação que acompanha o
percurso de desenvolvimento do aluno, porém não há registro dos “[...] alunos com
necessidades educacionais especiais, destacando suas habilidades e avanços
dentro de suas potencialidades e desempenho escolar” (art. 38, XVII). Estabelece
que é da atribuição do professor, em conjunto com o professor da sala de recurso,
emitir relatório por escrito do desempenho dos alunos com necessidades
educacionais especiais (art. 30, V, II).
Apesar desse direcionamento em relação aos alunos com deficiência, o mesmo
documento aponta que as escolas devem realizar a avaliação formativa, mas o
sistema avaliativo deve ser o somatório. Sendo assim, cada bimestre tem uma
pontuação na qual os alunos precisam atingir pelo menos 60%. Por exemplo, no
107
primeiro e no segundo bimestres, a pontuação é 20 pontos e os alunos precisam
atingir um mínimo de 12 pontos.
6.3 OS REBATES DESSA POLÍTICA DENTRO DA ESCOLA BANSALU
A Escola Bansalu segue as Diretrizes municipais e recebe matrículas de alunos com
necessidade educacional. No ano de 2006, havia 39 alunos com alguma
necessidade educacional especial. Conforme o censo da escola, estavam
matriculados: um aluno com deficiência múltipla, dois surdos, dois com deficiência
física, seis que apresentavam deficiência mental, um com altas habilidades, 26 com
condutas típicas. No turno vespertino, que foi o foco da nossa pesquisa, havia 13
alunos: um surdo, um com deficiência mental, um com deficiência múltipla, nove com
condutas típicas e um com altas habilidades.
A identificação desse alunado só era realizada após a entrada na sala de aula, pois,
no documento que a família preenche, no ato da matrícula, não há nenhum campo
no qual a família possa descrever, a priori, se seu filho apresenta alguma
necessidade especial.
Para o atendimento desses alunos, há na escola uma sala de recursos que, no
começo da pesquisa, localizava-se num espaço anexo à escola. Isso acabava
dificultando a interação da professora especialista com os demais professores da
unidade de ensino. Logo no início do ano letivo de 2006, a diretora deslocou esse
108
atendimento para o interior da escola, pois, devido à greve do ano de 2005, houve
uma diminuição do número de alunos e acabou vagando uma sala. Esse fato
favoreceu os alunos atendidos na sala de recursos, pois ganharam uma sala ampla,
confortável bem diferente daquela com a qual eles estavam submetidos.
Apesar de a escola ter uma história de vários anos atendendo matrícula de alunos
com alguma deficiência, ainda não se tem ação planejada e voltada para eles. O
Projeto Político-Pedagógico da escola não menciona o número de alunos com
necessidades, nem formas de apoio e atendimento específico para eles. Segundo a
diretora, o Projeto está sendo reformulado, pois não atende à realidade atual da
escola.
Numa perspectiva de educação inclusiva, na qual a escola precisa se organizar para
oferecer situações de aprendizagem para todos, faz-se necessário, tal como propõe
Ribeiro (2003, p. 49), que essa intenção esteja explícita “[...] no Projeto Pedagógico
da escola, de modo que o currículo proposto seja dinâmico e flexível, permitindo o
ajuste do fazer pedagógico às peculiaridades de cada aluno”. Organizar, no papel,
as intenções da equipe da escola contribui para uma unidade entre o corpo docente
e diminui as práticas que não favorecem a inclusão.
109
7 INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA: REFLEXÕES SOBRE
AS PRÁTICAS AVALIATIVAS NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA
Neste capítulo, vamos nos situar na análise dos dados obtidos no interior da Escola
Bansalu. Para tal, trabalhamos com três vertentes: o cotidiano, a inclusão e a
avaliação. O conceito do cotidiano é baseado em Lefebvre (1991) que nos aponta
uma forma de olhá-lo sem percebê-lo como algo que se repete, sempre da mesma
forma, do mesmo jeito. É no e do cotidiano que podemos fazer mudanças, que
podemos perceber o vivido e transformar aquilo que concebemos, entretanto as
mudanças devem ser coletivas.
Consideramos a segunda vertente — a inclusão — como um movimento mundial de
valorização e respeito às diferenças em toda a sociedade. Aqui nos atemos à
perspectiva da inclusão educacional que implica uma série de mudanças para que a
instituição possa oferecer uma educação de qualidade. A inclusão educacional não
significa colocar os alunos com necessidades educacionais especiais no conjunto
com os outros alunos tidos como “normais”, mas reorganizar as práticas
pedagógicas para que todos possam aprender e se desenvolver. Entre essas
práticas, o nosso olhar de pesquisadora nos remete à avaliação que, ao longo dos
anos, tem sido um instrumento de exclusão na e da escola. Acreditamos numa
avaliação investigativa atrelada à prática pedagógica que conduz sempre a uma
ação, que busca pistas tentando compreender o que sabem aqueles que achamos
que não sabem.
110
Nessa perspectiva, acreditamos que a avaliação pode contribuir em muito para a
inclusão dos alunos com necessidade educacional especial dentro das escolas.
Sendo assim, entramos no cotidiano da Escola Bansalu, realizando um estudo de
caso etnográfico que nos possibilitou compreender como a prática da avaliação é
vivida e concebida e também qual a relação dela como retroalimentadora da prática
pedagógica num contexto de educação inclusiva.
7.1 A INCLUSÃO NA ESCOLA BANSALU
Antes de falarmos na prática avaliativa no contexto da escola, vamos pontuar como
a inclusão está presentificada nesse cotidiano. Na análise percebemos que em torno
da inclusão estão implicadas algumas categorias: o tipo de aluno que irá ser
incluído; a imagem que a escola tem desse alunado; a necessidade de apoios para
implementar a inclusão.
7.1.1 Incluir quem e onde?
Uma das questões que percebemos ao longo da pesquisa foi a identificação de
quais alunos deveriam ser incluídos na escola. Alguns professores ainda acham que
determinados alunos não podem estar na escola comum e que precisaria haver uma
espécie de triagem.
Poderia dizer que cada caso é um caso. Tem determinadas deficiência que deve primeiro ser trabalhada na escola especial. Por exemplo, casos de
111
autismo, de deficiências mais graves, de deficiências que não consegue controlar as habilidades básicas (PROFESSORA MARIANA).
Já outra professora declara:
Eu ... Eu não concordo. Penso, cada macaco no seu galho. Por mais que não queira, uma criança com dificuldade de aprendizagem já é discriminada quanto mais uma com deficiência [...] (PROFESSORA IZA).21
Essas duas falas acabam revelando, por um lado, uma face da inclusão que é
marcada pela discriminação do outro por ser diferente, como se houvesse um
padrão, um nível de aluno para freqüentar a escola. É bom ressaltar que essa forma
de pensar é construída historicamente, pois o diferente sempre foi alijado do
convívio social e seu potencial foi sempre subjulgada a sua deficiência.
Carvalho (2005) coloca que o sistema educativo é apoiado numa lógica binária que
separa em lados opostos o que se tem como desejável, como legítimo, como padrão
e os que não se enquadram nessas categorias. É uma lógica que se pauta na
homogeneidade e, conseqüentemente, não estamos acostumados a viver, nem a
conviver com as diferenças, ou as concebemos como uma “diferença entre” tal como
nos ensina Burbules (2003).
Essa forma de conceber a diferença se enquadra na perspectiva de “diferença entre”
que, conforme Burbules (2003, p. 169), é uma tolerância em relação ao outro porque
se compara dentro de um padrão. Usando a “Gramática da diferença”, criada por
esse autor, essa forma de incluir alguns alunos e excluir a presença de outros com
21 Sabemos que, conforme a normas da ABNT, as citações até três linhas devem ser colocadas no corpo do texto. Entretanto optamos, por uma questão estética, por trazer todas as falas usando recuo.
112
deficiências, que a escola julga ser mais difícil conviver, é uma “visão da diferença
de diferença em grau” que concebe numa graduação de um continuum esses alunos
como os últimos da fila.
Se as falas das professoras, de um lado, nos mostram um processo de
discriminação, de preconceito em relação ao outro, de desconhecimento de suas
potencialidades, de outro, nos alertam para a condição de inclusão que estamos
oferecendo a essas crianças.
Incluir não é apenas colocar dentro do espaço da escola, implica uma mudança
organizacional, uma mudança pedagógica, uma mudança atitudinal e uma mudança
política. A voz das professoras também denunciava isso.
Que espaços educativos estamos oferecendo a nossos alunos? A que práticas
pedagógicas eles estão sendo submetidos? Há uma valorização do saber que eles
produzem ou sempre são avaliados dentro daquilo que a escola aponta como
legítimo? Será que essa escola, do jeito que temos, com seus modos de fazer e ser,
consegue trabalhar com a diferença?
Nesses questionamentos, não estamos invalidando a escola como um espaço
legítimo para todos aprenderem, mas advogando que mudanças são necessárias
para que prevaleça de fato uma educação inclusiva. Como nos alerta Padilha (2004)
isso não é algo simples de se fazer.
Àvila (2004, p. 97) abordando esse contexto, revela:
113
[...] a forma como se organiza o trabalho pedagógico pode ser decisiva, porquanto poderá ser ela mesma geradora dos insucessos, contribuindo para ratificar formas de entender as desigualdades, que colocam alguns em situações de inferioridade em relação a outros
E os professores da Escola Bansalu sabem disso. Eles falando sobre a inclusão
colocam
Acho importante, porém ainda não me sinto preparada para encarar suas dificuldades (PROFESSORA IZA). Depende... as vezes tem algum aluno incluído e o professor não esta preparado ai é difícil, agora se tem preparo é fácil. Eu não estou preparada apesar de ter curso. O professor tem que se sentir preparado (PROFESSORA ÉRICA).
Apesar da resistência tem professores que aceitam bem, tem professor que trabalha porque tem que trabalhar. Aqui na escola tem profissionais que aceitam, mas ainda se tem que trabalhar muita coisa (PEDAGOGA JANETE).
Nesse contexto, podemos perceber que ninguém é contra a inclusão, mas há um
certo receio de se trabalhar numa perspectiva de educação inclusiva e os
professores apontam a questão do ser preparado como algo fundamental. Ficamos
a pensar: o que é estar preparado? Será que envolve a formação? Será que tem a
ver com experiências anteriores? O que se precisa conhecer para estar preparado,
para incluir? Será que a aquisição de conhecimentos deve ser anterior à experiência
ou durante? Será que uma formação dá conta de uma educação inclusiva?
Essas questões, a nosso ver, envolvem o estar preparado. A professora Érica
coloca, em sua fala que isso vai além do curso, que é preciso se sentir preparada. E
estar preparado envolve, entre outras coisas, um trabalho de conhecimento sobre as
deficiências, sobre mudanças de práticas pedagógicas, mas também envolve um
114
trabalho sobre questões de alteridade, de respeito e valorização do outro que é
diferente de mim, porque eu também sou diferente dele.
A questão da formação dos professores é um dos pontos que atualmente tem se
presentificado como desafio. Para Victor (2006, p.124), “A inclusão da classe
popular (e de alunos com deficiência) na educação impulsiona-nos a pensar um
novo modelo de escola, conseqüentemente, um novo modelo de formação de
professores consoante com essa proposta [...]”.
É preciso pensar nessa formação. Ventorim (2006) a aponta como uma
possibilidade de romper com a forma hegemônica de ensinar-aprender e
ressignificar os espaços/tempos destinados a esta formação. É preciso romper com
a visão da racionalidade técnica que apresentam modelos “[...] que vão desde
cursos, com conferências, até tipos de treinamentos que visam a aquisição ou o
reforço às competências desejadas. Modelos que partem de uma lista daquilo que
os reformistas pensam faltar para *s professor*s [...]” (LINHARES, 2006, p.26).
Nesse contexto, incluir quem e onde perpassa em refletirmos sobre as diferenças
presentificadas no cotidiano da escola e olharmos não como alguém que é inferior
ou superior ao outro. Entretanto, para a inclusão, não basta somente a mudança
atitudinal, precisamos implementar um outro modelo de escola que saiba trabalhar
com a diferença e para isso a formação do professorado é fundamental.
115
7.1.2 O estar na escola regular e a afirmação de sua identidade
A inclusão implica, entre outras questões, o estar na escola regular e pertencer
àquele grupo. Os docentes da unidade Bansalu colocam que incluir é:
Oportunizar aos alunos com deficiência possibilidades de estudar junto com a escola regular. Essa inclusão não é só para socializar, mas com o intuito de fazer com que eles aprendam [...] (PEDAGOGA RENATA). [...] É todo mundo conseguir respeitar as diferenças e suas individualidades. É todo mundo participar do mesmo grupo, da sociedade. (PROFESSORA ANDREIA).
Nessas falas, percebemos que a presença de alunos com deficiência remete à idéia
de unidade e vai além da simples matrícula no rol de alunos da escola, da idéia de
incluir para socializar. Incluir é possibilitar que eles aprendam e que podem participar
do mesmo grupo sem ser discriminados.
Possibilitar é garantir que haverá espaços no ambiente escolar para troca, para
compartilhamento, para mediação, para que haja experiências de aprendizagem e
conseqüentemente, desenvolvimento do aluno. Ferreira (2005, p.73) coloca que
nessa relação
[...] podemos ressignificar a função da escola para todos os alunos, como um espaço privilegiado de vivência compartilhada de atividades humanas [...] que por estarem situadas no espaço coletivo da escola, devem favorecer a riqueza das interações sociais, que em função da diversidade humana, vão criar formas de mediação constituintes dos processos de desenvolvimento escolar.
116
Nesse contexto, percebemos que estar junto favorece a todos os alunos da escola.
Observando a escola, podemos perceber que os próprios alunos também querem se
sentir pertencentes ao grupo. Eles cantam, brincam, dançam, jogam bola junto com
os colegas, sem que seus atos sejam diferenciados por causa da deficiência,
conforme podemos obsservar no texto a seguir extraído do diário de campo.
Quando a sirene soa os alunos da escola Bansalu já sabem o que precisam fazer. Caminham em direção ao pátio, fazem a fila por turma, oram e cantam. Enquanto as crianças cantavam o hino da bandeira, dois alunos se destacavam aos meus olhos. Era o Fernando e o Emanuel que embora em ritmos diferenciados, acompanhavam o grupo fazendo o que todos faziam.
O estar na escola implica uma identidade de aluno. Sacristán (2005) aponta que a
forma como concebemos o ser aluno perpassa pelas nossas próprias experiências e
também pelas concepções abarcadas em determinadas épocas. Nesse sentido,
existe um modo de conceber o aluno, e este aluno também tem um referencial a ser
seguido.
Não estamos aqui advogando sobre a homogeneidade e nem sobre modelos rígidos
a serem copiados, mas afirmamos que existem, no cotidiano da sala de aula,
algumas marcas, algumas ações que possibilitam pensar a pessoa do professor e a
pessoa do aluno.
É possível intuir que, em torno da categoria aluno, formou-se toda uma ordem social na qual se desempenham determinados papéis e se configura um modo de vida que nos parece muito familiar porque estamos acostumados a ele. Essa ordem propicia e ‘obriga’ os sujeitos nela envolvidos a serem de uma determinada maneira (SACRISTÁN, 2005, p. 14).
117
Quando se trata de alunos com deficiência, eles também querem exercer seu papel
de sujeito/aluno fazendo todas as ações que todos os alunos da sala também fazem,
querendo do professor a mesma relação nas intervenções de ensino-aprendizagem,
querendo aprender o que todos aprendem, querendo fazer todas as estripulias que
cabem aos alunos. O estar na escola marca uma identidade de aluno e eles querem
e precisam exercer essa função.
Entretanto cabe relembrar que não estamos colocando que a categoria de aluno
seja homogênea, mas afirmando que esses alunos que apresentam alguma
necessidade educacional especial, por se colocarem na posição de aluno, parecem
querer ser vistos e tratados como tal.
Observando a sala da 3ª série na qual estava Fernando, relatamos no diário de
campo
[...] Assim que cheguei comecei a observá-lo. Vi que, ao mesmo tempo que eu o olhava olhando a turma, ele também me olhava. Nesses olhares entrecruzados, pude perceber que tentava assumir uma postura de aluno imitando os seus colegas: abria o caderno, folheava, olhava os movimentos dos colegas começando a copiar as atividades do quadro. Folheava de novo o caderno indo até a última página. Fecha. Parece inquieto. Não se levanta, mas movimenta o lápis indicando sua ansiedade para começar a fazer alguma atividade, tal como os outros alunos.
Pega seu caderno, levanta e mostra-o para a: ‘Tia, aqui meu caderno’. Parece querer fazer algo. A professora percebe sua ansiedade e entende a sua fala dizendo que depois irá trabalhar com ele. Ele pede para ir tomar água, ela o deixa sair e recomenda para que ele não demore. [...].
Nessa cena, podemos perceber a identidade de um aluno que sabe que estar na
escola implica manusear cadernos, escrever, recortar, ler, ou seja, implica realizar e
cumprir as tarefas que são passadas pelo professor. E esse papel é claro para
118
Fernando que vê seus colegas de classe se movimentando no decorrer da aula e ele
ainda esperando a professora fazer a atividade para ele.
Embora a professora Iza tivesse sempre uma atividade para ele fazer, uma atividade
diversificada, dentro do nível do aluno, era uma atividade diferente das tarefas dos
demais alunos. Esse episódio ocorrido dentro da sala é apenas um recorte de um
dia, cuja cena parecia se repetir todos os dias, dando pistas de que esses alunos
queriam ser vistos como pertencentes àqueles grupos. Queriam realizar as
atividades pertinentes, as atividades pensadas para aquele conjunto de alunos.
Faziam as atividades sugeridas, mas queriam realizar as outras que os outros
alunos faziam.
Isso deixou claro que estar incluído implica um sentimento de pertença, pois não
basta estar na mesma sala, na mesma escola; é preciso ter uma identidade
construída e acolhida por todos.
Acreditamos, assim como Ferreira (2005, p.74), que
Tal como na nossa utopia e estabelecido por lei, a mudança pretendida é a de que aos alunos com deficiência seja garantida uma educação escolar que cumpra com eles os objetivos gerais e específicos da educação escolar. Isto é que se garanta a eles o que está previsto para todos os alunos, basicamente, a promoção do desenvolvimento dos alunos [...] dentro das possibilidades de cada um.
119
7.1.3 A necessidade de apoios para implementar um trabalho pedagógico
voltado para a inclusão
Para incluirmos alunos com necessidade educacional especial, o sistema de ensino
precisa implementar apoios. A resolução CNE/CEB nº 2 coloca que esses apoios
devem ser dentro da sala regular e dentro da sala de recurso.
O art. 8º dessa Resolução aponta que os serviços de apoio pedagógicos devem ser
oferecidos por um profissional especializado, que irá atuar em colaboração com o
professor regente dentro das classes comuns. Entretanto esse serviço não pode se
constituir como uma segregação no interior da sala de aula.
Concordamos com Batista (2004), quando ele adverte, que a “pluridoscência” é uma
alternativa possível quando esse encontro serve de disparador de mudanças. Não
adianta acrescentar mais um professor na classe para favorecer a inclusão dos
alunos com necessidades especiais se as bases da exclusão continuar em a existir.
Quando olhamos, o contexto da escola Bansalu, percebemos que os alunos que
apresentam alguma necessidade educacional especial contam com um professor
especialista no turno vespertino que divide seu tempo no interior da escola, ora
atendendo os alunos dentro da classe, junto com o professor, e ora atendendo os
alunos do próprio turno ou os que vêm do turno matutino, utilizando a sala de
recurso. Os alunos que ela atende são aqueles que apresentam dificuldades
acentuadas de aprendizagem, condutas típicas e deficiência mental. Ela não
120
trabalha com o aluno surdo e nem com aquele que apresenta altas habilidades,
porque, eles são atendidos por outro profissional.
A professora Mariana, falando do seu trabalho coloca:
Na sala de recursos, proponho atividades para eles escolherem dentro de um planejamento. Eu planejo várias atividades e deixo eles escolherem. Na sala regular, com o trabalho colaborativo, faço o possível para trabalhar o que o professor está trabalhando dentro do conteúdo que ele está dando. Faço adaptações dentro do conteúdo que ele está dando, não levo outro conteúdo e sim o que o professor faz.
Podemos perceber que há uma distinção entre o trabalho na sala de recurso e o
trabalho colaborativo e que ambos não se completam. Na sala de recurso, a
professora trabalha várias atividades voltadas para a alfabetização dos alunos, com
base em material lúdico e concreto. Os alunos também têm autonomia para escolher
a ordem das atividades que farão. Observando as atividades que os alunos fazem
nessa sala, podemos ver claramente a ênfase dada ao processo de alfabetização,
que é uma frente importante a ser trabalhada, porém não há uma sistematização
desse trabalho. Já na sala regular, a professora especialista segue o trabalho que a
professora regente da classe está dando, o que muitas vezes, acaba pulverizando
as ações que são feitas em prol do aluno, pois, como não há um projeto unificado
ele faz várias atividades e não acumula conhecimento.
Acreditamos que, para a proposta de trabalho colaborativo entre a professora
especialista e a professora da sala regular, faz-se necessário demarcar algumas
diretrizes. Neri (apud BATISTA, 2004, p. 200) destaca algumas ações, que devem
ser consideradas pelos professores na efetivação desse trabalho:
121
[...] evitar a separação entre as ações dos diferentes docentes; a negação da atividade substitutiva, no sentido de intensificar as articulações entre os planos coletivo e individual que podem existir em uma mesma classe; a responsabilidade coletiva quanto a todos os alunos; o desenvolvimento da capacidade de projetar/planejar; o reconhecimento da importância de implementação de percursos individualizados, os quais são distintos de percursos individuais de aprendizagem.
A professora Mariana organiza seu trabalho colaborativo tendo um horário fixo para
entrar na classe. Entretanto nem sempre há um planejamento em conjunto entre a
professora da sala regular e a professora especialista. Essa atitude é justificada pela
falta de tempo para se planejar e pela própria resistência que os professores têm em
compartilhar os saberes. Capellini (2004, p. 89) coloca que
[...] uma parceria com colaboração efetiva não é muito fácil e nem rapidamente alcançada [...]. É preciso tempo e prática para construir uma relação de confiança e desenvolver os procedimentos operacionais [...] que permitam às equipes trabalharem juntas.
A mesma autora, baseando-se em vários pesquisadores que estudam a perspectiva
do ensino colaborativo, discorre que esse pode ser descrito como
Uma fusão pragmática entre os professores da Educação Comum e Especial para ensinar de forma colaborativa, ou seja, uma estratégia inclusiva desenvolvidad com reestruturação dos procedimentos de ensino para ajudar no atendimento a estudantes com necessidades educacionais especiais em classes comuns, mediante um ajuste por parte dos professores. Neste modelo, dois ou mais professores possuindo habilidades de trabalho distintas, juntam-se de forma co-ativa e coordenada, para ensinar grupos heterogêneos tanto em questões acadêmicas quanto questões comportamentais, em cenários inclusivos (CAPELLINI, 2004, 88).
Percebemos que é fundamental a interação e o compromisso de assumir
coletivamente a proposta de trabalho colaborativo. Se não há espaços para
planejamentos, a instituição de ensino precisa instituir esses espaçostempos. Se o
122
professor especialista faz o trabalho colaborativo adentrando a classe e adaptando,
naquele momento, as atividades para o aluno com necessidade educacional
especial, a proposta desse tipo de apoio pode ficar distorcida e transformar-se numa
divisão de trabalho.
M. sempre ficava aqui comigo durante as aulas. O trabalho colaborativo ajuda, enquanto ela fica com ele, eu posso dar um apoio maior aos outros (PROFESSORA ÉRICA). [...] eu acho que é válido, porém precisa ser aprimorado. Precisamos de professores capacitados para apoiar. Talvez, se tivessem estagiários para apoiar o trabalho, poderia ser melhor. Quando M. está na sala, a professora da classe pode dar atenção melhor aos outros alunos (PEDAGOGA RENATA).
Percebemos, nessas falas, que há a aceitação do trabalho colaborativo, porém este
se constitui numa divisão de tarefa entre a professora especialista e a professora da
sala regular. Essa distorção da proposta do trabalho colaborativo não é culpa dos
professores ou da escola em si, pois não há documento que oriente a instituição
sobre as diretrizes de um trabalho colaborativo. Essa é a forma que a professora
especialista conseguiu organizar para oferecer este apoio e que a escola acolheu.
Entretanto, se por um lado, o Sistema de Ensino lançou a proposta e não
sistematizou para as unidades como deveria proceder, como deveria ser a
articulação entre o professor especialista e o professor da sala regular para que o
trabalho fluísse e não se configurasse como um professor exclusivo do aluno que
apresenta alguma deficiência dentro da classe, por outro lado, a escola também não
procurou entender o sentido real da proposta e nem garantir que esse apoio
pudesse beneficiar a todos dentro da escola.
123
Queremos ressaltar que não estamos advogando que a SEMED trace uma proposta
que contemple todos os contextos, pois isso nunca seria possível. Entretanto
acreditamos ser importante que os sistemas de ensino tenham orientações sobre as
possibilidades desse trabalho que é um dispositivo importantíssimo para as práticas
pedagógicas voltadas para a inclusão, a fim de traçar ações que melhor aproveitem
esse recurso.
É preciso trabalhar nessa sistematização, pois não se pode negar que a ajuda de
um outro profissional seja fundamental para implementar propostas pedagógicas
inclusivas, tal como coloca a pedagoga Renata. Precisamos pensar como será esse
apoio. Será que é só disponibilizar o profissional para que ele faça a colaboração?
Será que a escola não precisa se organizar para que haja planejamentos em
conjunto do professor especialista, do professor da sala regular e do pedagogo?
Quando não há essa organização prévia, táticas são pensadas para tentar
aproveitar melhor essa proposta. É o caso do trabalho de colaboração entre a
professora Mariana e a professora Iza. Ficou acordado entre as duas que, às
quartas-feiras, seria o dia destinado para a classe da 3ª série. Então a professora da
sala regular se propôs a sempre trabalhar nesse dia a produção de texto.
Numa dessas quartas-feiras, pudemos perceber o quanto o apoio de um outro
profissional pode colaborar com os alunos e com os professores de modo geral,
conforme registramos no diário de campo:
[...] A temática da produção de texto era sobre o Dia dos Namorados. Quando a professora entregou a folha para os alunos e Fernando pegou a
124
dele imediatamente ele veio até nós duas [eu e a professora da sala de recurso]. Aquele gesto remetia-nos a uma fala: quem irá me ajudar? [...]. A professora da sala de recurso foi com ele até sua mesa. Fiquei de longe observando e observando sua relação com Fernando e seu comportamento. Ela começou a intervenção, mostrando-lhe o que estava nos balões, e ia travando um diálogo com ele. Ele ia colocando suas idéias sobre a imagem e narrando uma história o mais coerente possível. A medida que ia narrando, registrava com a ajuda da professora o que havia pensado. Nesta caminhada de pensar/narrar/registrar, pude perceber que algumas letras ele dominava outras precisavam ser evocadas para ressurgir na mente e outras ainda precisavam ser aprendidas. Em um certo momento da produção de texto, a palavra que ele queria escrever era FICOU. Ela repetia a palavra, repetia, tentava fazê-lo pensar. ‘Ficou começa com quê?’ ele respondia ‘FI’, ‘e fi é de qual palavra?’, ‘Filipe’. Percebi que, durante as intervenções da professora da sala de recursos, ela ia ajudando e escrevia as palavras à medida que ele ia falando sempre aos poucos, pois ele acabava se perdendo, se tinha muitas coisas para ele copiar. A atividade tinha duas folhas, quando ele acabou a primeira parte, levantou os braços e bradou ‘CABOU’, mas a professora que o acompanhava lhe mostrou que havia outra folha para continuar a história [...].
Nessa relação da professora especialista com o aluno Fernando, podemos perceber
o quanto é significativo o apoio de um outro colaborando no processo de aquisição
de conhecimentos, como um interlocutor que faz surgir a palavra e revela o potencial
daquele que, aos olhos de muitos, era considerado “incapaz”.
Na troca entre a professora Mariana e o aluno com necessidade educacional
especial, contemplamos que este é capaz de articular suas idéias para realizar as
atividades propostas e que ele pode fazer as atividades, desde que tenha apoio para
isso.
[...] o fazer com o outro da cultura, com a ajuda [...], o que ocorre nas situações de ensino-aprendizagem, possibilita que o sujeito em desenvolvimento, no futuro, o faça de forma independentemente, apropriando-se, de forma mediada, dos instrumentos técnicos e psicológicos veiculados, e internalizando os significados e sentidos possibilitados, expandindo assim, o desenvolvimento real do indivíduo, o que viabiliza possibilidades de outros processos ensino-aprendizagem (VYGOTSKY, 1997; DUARTE, 1999, apud FERREIRA, 2005).
125
7.1.3.1 O apoio para o aluno surdo
Além de alunos com deficiência mental, havia, também, no turno da tarde, um aluno
surdo, o Pedro. Vários estudos demonstram que a inclusão do surdo é complexa,
pois implica a construção de uma identidade surda, de compartilhamento de uma
língua que irá favorecer o desenvolvimento do sujeito, porque é por meio da
linguagem que significamos o mundo e nos constituímos como sujeito.
Soares e Lacerda (2004, p.128), pesquisadoras da inclusão de surdos, discorrem:
[...] a escola parece receber os sujeitos ‘diferentes’ sem fazer qualquer concessão ou adaptação para sua inclusão. Parece haver uma crença de que essa inclusão se dará ‘magicamente’. Cria-se, com isso, um paradoxo entre as propostas de inclusão e as reais tentativas de inserção de alunos em classes regulares. Pela condição lingüística do surdo, é necessário que a língua de sinais esteja presente no meio acadêmico.
Essa ausência da língua de sinais era presente no cotidiano da Escola Bansalu. Não
havia na instituição nenhum profissional que pudesse conversar com Pedro
respeitando a sua condição de usuário de LIBRAS. Essa falta foi expressada pela
diretora adjunta Adélia que reivindica a presença de um intérprete, não apenas para
o Pedro, mas também para o outro aluno surdo que estuda no turno noturno.
[...]. Nós temos dois alunos surdos e não tem nenhum profissional na escola para lidar com eles, infelizmente.
É preciso, dentro de uma proposta de educação inclusiva, que haja, no ambiente
escolar, a presença de um intérprete e que esta seja usada, vivida dentro do
126
cotidiano da escola. Soares e Lacerda (2004, p. 128), colocam que “[...] a interação
lingüística requer que pessoas do meio usem efetivamente a língua em questão. No
caso da proposta de educação inclusiva, poucas vezes há usuários da língua de
sinais na sala de aula regular, salvo o próprio aluno surdo”.
Essa situação, acaba causando uma resistência, como a da professora Iza, que
colocou na sua entrevista o receio que tinha sobre a inclusão de um aluno surdo,
exatamente por ela não saber a língua de sinais brasileira.
Está incluindo [...].Eu sempre fiquei assustada [...] acho que não sou capaz. Peguei o F. mas, não é um deficiente auditivo (PROFESSORA IZA).
Em um dos momentos em que estávamos na sala, pudemos vivenciar o quanto a
falta de apoio, entendida, como sugerem Lacerda e Lodi (2006, p. 46), como “[...]
intérprete de LIBRAS responsáveis por propiciar aos alunos surdos condições por
meio da LIBRAS, para a aprendizagem; Educadores surdos responsáveis pelo
ensino de LIBRAS”, pôde dificultar o processo de aprendizagem do aluno surdo. O
trecho a seguir, do diário de campo, assim registra:
O objetivo da aula daquele dia era trabalhar produção de texto. A professora sentia instigada a fazer o melhor e dar a atenção a todos, pois ela sabia que incluir não era deixar de lado. Embora se esforçasse, a questão da comunicação com o surdo exigia uma linguagem diferenciada. Por mais que ela falasse mais articulado e tentasse gesticular, havia um ruído na comunicação. Ela não conseguia passar a mensagem nem o aluno conseguia entender. Pedi para interpretar o que estava sendo dito e explicar a atividade a ser feita. Era uma atividade de produção de texto, na qual já havia um início e os alunos deveriam terminá-lo, havia também, como apoio, uma imagem ilustrativa. Comecei a conversar com ele [Pedro] e disse que iria ajudá-lo. Mostrei o desenho pra ele e perguntei, em língua de sinais, o que tinha ali, naquele desenho. Ele me respondeu que tinha um sol, uma lua. Então disse que
127
era para fazer uma história. Pedi que ele lesse o que estava escrito. O texto dizia: ‘O sol vivia solitário iluminando a terra. Um dia, ele convidou a lua para ...’ À medida que ele ia lendo as palavras, não considerava os artigos. Ele sinalizou [sol]; [terra]; [dia] e [lua]. Voltei a leitura com ele e perguntei de novo o que estava escrito. Ele, então, foi lendo outra vez e as palavras que ele não sabia o significado ia fazendo a dactologia. No diálogo, eu perguntava se ele sabia o que era, qual o significado? Ele sinalizava com a cabeça e com a expressão do rosto indicando que não sabia. Eu explicava a palavra e lhe mostrava o sinal correspondente. Aí, ele sinalizava e copiava o sinal, como se fosse uma forma de repetir e memorizar o que estava aprendendo. A história foi feita com a intervenção, à medida que ele ia construindo uma frase, eu ia traçando diálogos e questionando o que ele ia me dizendo em língua de sinais. No final, a produção de texto acabou ficando assim: ‘O sol vivia solitário iluminando a terra. Um dia ele convidou a lua para ... Brincar nuvem. Sol, lua vivia com Deus Sol lua casado’ Quando ele terminou, foi mostrar à professora tal como os outros alunos. Ela leu a história e deu visto no seu caderno [...].
Esse trecho do diário de campo mostra duas questões fundamentais, a nosso ver,
sobre a inclusão de surdos. Primeiro, demonstra a potencialidade do aluno e deixa
claro que a falta de audição não é impeditivo para que ele aprenda e, se desenvolva,
tal como os outros alunos. Depois deixa claro que
[...] quando se opta pela inserção do surdo na escola regular, esta precisa ser feita com muitos cuidados que visem garantir sua possibilidade de acesso aos conhecimentos que estão sendo trabalhados, além do respeito por sua condição lingüística e por seu modo peculiar de funcionamento (LACERDA, 2005, 101).
Percebemos que a professora Iza tenta trabalhar com ele, mas lhe falta a língua de
sinais para se fazer compreendida. Embora Pedro soubesse fazer leitura labial, esta
se faz insuficiente para a aquisição de conhecimento. Não estamos julgando a
professora por não saber LIBRAS, mas exaltando a necessidade de um apoio
128
qualificado para que a inclusão de alunos surdos possa acontecer de forma efetiva
favorecendo o processo de ensinoaprendizagem do aluno em questão.
Nesse contexto, podemos afirmar que o apoio é extremamente necessário sob pena
de alijarmos, de negarmos o acesso ao conhecimento. Entretanto cabe ressaltar,
assim como Soares e Lacerda (2004, p. 129), que
[...] as necessidades dos sujeitos surdos não se restringem às questões lingüísticas, mas abrangem também sua forma visual de apreensão do mundo, implicando a demanda de uma proposta curricular e pedagógica que leve em conta as singularidades e características dessa comunidade [...].
O apoio do intérprete é fundamental, mas a inclusão do surdo exige, além disso,
uma mudança na proposta pegagógica da escola que passe a incluir recursos
visuais na prática cotidiana ao invés de valorizar somente a parte auditiva.
Cabe ressaltar que a restrição de apoio dentro da escola não significava que o
município não oferecia nenhum serviço para o atendimento dos alunos surdos, mas
que a política de atendimento precisava ser repensada. A proposta do município
para os alunos surdos era oferecer suporte em contraturno, na sala de recurso que
ficava localizada numa outra unidade escolar, e a função da professora especialista,
intérprete de LIBRAS, era atender na sala de recurso e fazer a itinerância para poder
articular esses dois campos de atendimento.
Assim como Góes (2004), acreditamos que a sala de recurso em outra unidade
dificulta a articulação dos profissionais que lidam com o aluno em tela. Para que
esse serviço tenha efeito de fato e contribua com o processo de aprendizagem do
129
aluno surdo, é preciso que haja uma interação entre a professora especialista e a
professora da sala regular. “Em geral, as atuações complementares dessas salas e
dos professores itinerantes, quando disponíveis, ainda constituem uma base de
sustentação insatisfatória para mudanças promissoras do trabalho docente na
classe regular” (GÓES, 2004, p.74).
Em um dos momentos de conversa entre a professora e a pesquisadora essa falta
de interação pode ser visível, conforme registramos no diário de campo.
Enquanto as crianças faziam a atividade ela chegou perto de mim e aproveitei para questioná-la quanto ao apoio em relação ao aluno surdo. Ela me disse que ele leva os cadernos para ela e a professora da sala de recurso o ajuda. Perguntei: _ Mas você não manda nada, ou ela não vem aqui para fazer a itinerância? _ Ela me liga, às vezes. _ Só ligar não basta. Precisa ser mais sistemático. Seria bom que você mandasse um bilhete sobre o que é para ela trabalhar. Por exemplo, ela sabia que ia ter prova hoje? _ Não. _ Se ela soubesse antes, ela poderia ajudá-lo a se preparar. É difícil saber alguns sinais de uma hora para outra. Por exemplo, na prova de hoje, tive dificuldade com os sinais de imigrantes, imigração, alemão. São sinais que quase não se usa no dia-a-dia. Se ela souber com antecedência, pode preparar a aula melhor. Você não planeja? _ Sim [responde também com um movimento de cabeça e sorrindo]. _ Vejo que você é organizada, você planeja suas aulas. Mande seu planejamento para ela. _ [Sorrindo] Você me deu uma boa dica.
Nesse trecho, notamos a falta de articulação para a política de atendimento dos
alunos surdos. Existe o contato, mas este parece vulnerável, pois não é eficaz. É
preciso repensar a política de suportes, incluindo as diretrizes necessárias para
agregar sentidos a esse serviço.
130
O trabalho colaborativo entre a professora especialista e a professora da sala
regular precisa ser mais do que um acordo de atendimento entre as professoras que
atendem os alunos com necessidade educacional especial, precisa ir além dessa
celebração de cavaleiros. É preciso que haja uma estratégia de atendimento, bem
planejada e organizada, para que ambos os professores possam incidir na zona
proximal dos alunos. Sendo assim, acreditamos que a inclusão implica apoios, sim,
mas implica também reestruturação de como esses apoios serão direcionados.
7.2 AS PRÁTICAS AVALIATIVAS NA ESCOLA BANSALU
Quando falamos, ou pensamos em práticas avaliativas no contexto da escola,
sempre nos remetemos a provas, trabalhos, exercícios, pesquisas, ou seja, sempre
nos voltamos para os instrumentos utilizados para se obter informações se o aluno
aprendeu ou não.
Na Escola Bansalu não é diferente. Os profissionais, falando sobre como avaliam
seus alunos, apontam
[...] Dou aquela provinha... famosa provinha. Dou trabalhos, atividades na sala, observo os cadernos para ver se eles sabem (PROFESSORA IZA). [...] prova [avaliação escrita], trabalho, pesquisa, participação nos projetos. (PEDAGOGA RENATA). [...] Atividades na sala, auto-avaliação, a danada da avaliação ‘prova’. (PROFESSORA ANDRÉA).
131
Percebe-se, assim, que embora haja outros instrumentos, é a prova que sintetiza o
sistema avaliativo. O uso da prova escrita como forma de avaliação é fruto da
organização da escola moderna e “[...] sua forma escrita está ligada à idéia de
credibilidade pública, transparência e rigor” (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 19). Por isso
é que a prova se constitui no principal instrumento avaliativo.
Segundo Cury (1989, apud BERTAGNA, 2002, p. 235), “[...] a prova e o exame são
a medida ponderável do aprendizado e o documento de que na escola se faz
alguma coisa”. É o resultado do que o aluno e a aluna tiram na prova que serve de
parâmetro para saber se determinado aluno tem ou não condições de ser aprovado.
É o valor da prova que legitima, que julga, que classifica e separa os alunos em
bons e maus alunos.
Quando os professores avaliam, seja por prova, seja por outro instrumento, é dada à
atividade um valor. Esta valorização é fruto do sistema avaliativo do município que
preconiza no Regimento Comum das Escolas que a forma de avaliar deve ser
somatória, na qual os professores distribuem pontos nas atividades que os alunos
fazem. As pedagogas expõem esses critérios em uma de suas falas:
[...] o sistema de avaliação é por notas de 0 a 20, nos dois primeiros bimestres e 30 no segundo semestre. Em relação aos instrumentos [...] as professoras diversificam as atividades sem o caráter de prova, mas tem também a sistematização da prova. No final do bimestre acaba tendo as provas escritas. Mesmo sem ter institucionalizado a ‘semana de prova’ algumas provas acabam sendo dadas no final (PEDAGOGA JANETE).
Observa-se que a distribuição de pontos não é igualitária entre todos os bimestres e
que, apesar de não se restringir ao instrumento avaliativo – prova – é esta que é o
132
“carro-chave” do sistema de avaliação, tanto que foi se instituindo no final de cada
bimestre, a intitulada semana de prova.
A pedagoga Renata aponta algumas orientações sobre esse tipo de avaliação,
usando a prova como o principal instrumento:
Valorizar o qualitativo ao invés do quantitativo, priorizar dentro das avaliações escritas os conteúdos mais necessários que são importantes naquela disciplina e também o tipo de prova. A gente orienta sempre para que tenha na prova questões objetivas e subjetivas, dar sempre as duas coisas e distribuir os pontos. Para trabalhos individuais e grupos geralmente de 30% a 40% do valor dos pontos do semestre.
Na análise, ela aponta: a supremacia do quantitativo sob o qualitativo, tal como
colocado no art. 24 da Lei nº 9.394/96; a seleção daquilo que é primordial para
aquela disciplina; a elaboração do instrumento com questões objetivas e subjetivas;
a distribuição de pontos nas questões; e uma atribuição significativa da prova
equivalendo um percentual de 60% a 70% do total de pontos daquele bimestre.
Percebemos aqui uma forma de olhar a prova como um instrumento capaz de
apreender o conhecimento do aluno e por isso precisa ter o maior peso. Nessa
prática, notamos que os resultados podem ser mais importantes do que o processo
de aprendizagem. É uma concepção ligada à perspectiva metafísica que acredita
que o conhecimento é parado e que, por meio de um instrumento avaliativo, o aluno
consegue esboçar aquilo que sabe.
A prática de avaliação, seguindo essa lógica de buscar a verdade, por meio dos
instrumentos, acaba por separar os que sabem daqueles que não sabem. Separa
133
em pólos dicotômicos saber e não saber, como se fossem opostos. Nesse ínterim,
Esteban (2001, p. 180) coloca que “[...] saber e não saber são interpretados como
opostos e excludentes, sendo o não saber marcado por um valor negativo”.
Dessa forma, a avaliação é empregada como se fosse algo estático e como se toda
a complexidade que a envolve não fosse percebida e muito menos contabilizada
quando há julgamento, quando há emissão de valores.
Nesse contexto, a avaliação é vista, na ótica do concebido, como uma ferramenta
que
[...] reduz a riqueza e complexidade dos processos de aprendizagem e ensino, das relações sociais nas quais as relações pedagógicas se constituem e dos sujeitos que aprendem e que ensinam, como a materialização da concepção positivista de conhecimento (ESTEBAN, 2003, p. 16).
Então o que é avaliar? Para os profissionais da Escola Bansalu, avaliar significava
diagnosticar, perceber o que a criança já aprendeu em relação àquilo que foi
ensinado. Sobre avaliação, os professores colocaram:
[...] avaliar é você poder diagnosticar como aquela criança está naquele determinado momento. O que ela aprendeu e o que não aprendeu (PROFESSORA ÉRICA). [...] é ver o nível que a criança está, observar se ela está alcançando os objetivos traçados e perceber aquilo que se pode estar trabalhando e indo além (PROFESSORA MARIANA). Avaliar seria diagnosticar para ver o que ele sabe e o que teria que aprender para a partir daí preparar atividades e dá continuidade ao trabalho (PROFESSORA IZA). O que é avaliar... vamos pensar... Avaliação... bicho de sete cabeças... é um processo que você vai percebendo o grau de conhecimento, de entendimento dentro daquilo que foi ensinado (PROFESSORA ANDRÉA)
134
Podemos perceber que as falas remetem, por um lado, a uma avaliação cuja função
é diagnosticar e verificar o que o aluno já aprendeu. Essa forma de avaliar, segundo
Sacristán e Gómez (2001), é uma avaliação pós-ativa que identifica o que o aluno já
sabe e o que ele, supostamente, não sabe daquilo que o professor ensinou. Mas,
por outro lado, na fala das professoras, também percebemos uma preocupação com
a continuidade do processo ensinoaprendizagem, na qual aparece uma função do
ato de avaliar para mobilizar futuras ações.
Entretanto não podemos nos iludir achando que avaliar é algo simples de se fazer.
Pelo contrário, é algo complexo que os professores, em seu cotidiano, acabam
fazendo de modo solitário.
Oliveira e Pacheco (2003, p. 127) colocam que
[...] há que se registrar a falta de espaço, na maioria das instituições educacionais, para discussões comprometidas com a melhoria dos instrumentos de avaliação. Não há uma política sistemática de se buscar investir na criatividade dos professores e professoras para encontrar outras alternativas.
Na Escola Bansalu, não observamos, em nenhum momento, a instituição desse
espaço. O que vimos eram momentos fortuitos de um professor que dialogava com
outro ou que dialogava com os pedagogos na tentativa de solucionar alguns casos
isolados que atrapalhavam o cotidiano da sala de aula. Apesar de a escola ter a
previsão de planejamentos, esses, devido ao atraso do ano letivo, foram reduzidos
passando a ser quinzenalmente, com duração de duas horas, e acabavam sendo
restritos a planejamento de atividades e alguns informes. A questão da avaliação
não era colocada em pauta e muitos professores, durante a entrevista, se
135
ressentiram da dificuldade que eles tinham de avaliar, colocando aquilo que era mais
complicado.
É saber se a avaliação está sendo justa. Se estou realmente pedindo o que ele pode me dar. [...] você avalia para saber se o aluno aprendeu ou não, às vezes cobrar na avaliação aquilo que não foi ensinado, isso não é justo (PROFESSORA ANDRÉIA). É... dar assistência na hora da avaliação de forma específica e como avaliar, pontuar as questões. É preciso valorizar o qualitativo. Tem que ser levado em conta o estado emocional. É difícil marcar o dia de prova, pois a avaliação é diária. É preciso ver caminhos, atitudes que eles tomam. Isso é difícil... é preciso perceber que cada aluno é diferente[...] (PEDAGOGA RENATA).
Nessas duas falas, podemos perceber, em aspectos diferenciados, questões que
são pertinentes à avaliação que envolvem, como, quando e quem é avaliado.
Percebemos que, embora elas continuem falando do instrumento avaliativo
denominado prova, há uma preocupação da avaliação em relação à complexidade
do alunado que se tem na sala. Alunos que, como já sabemos, tem níveis de
aprendizagem diferenciados e também aqueles que apresentam uma necessidade
educacional especial por deficiência.
Como dar a mesma prova, se esses alunos não fazem as mesmas atividades que os
outros colegas da classe? Será que é justo dar uma prova no nível deles? Será que
é necessário fazer alguma adaptação? Se derem a mesma prova, o que significa a
nota que eles tirarem?
Mesmo sem ter um espaço para discussão sobre questões que envolvem a temática
da avaliação, percebemos que ter alunos com deficiência faz a escola pensar e agir
com práticas avaliativas diferenciadas que se diferenciam conforme os tipos de
136
deficiência. Para alguns, é necessário uma redução de questões; para outros, uma
avaliação oral; para outros, um suporte em LIBRAS; para outros, mais tempo; e,
para outros, a avaliação não é realizada por provas e nem tem notas, é por meio do
relatório:
A orientação é sobre o tipo de avaliação principalmente na redução do nº quantidade, pois a prova não precisa ter a mesma quantidade que os demais. No caso de Pedro (que é surdo), é a professora da sala de recurso que faz. Fernando não dá conta de fazer a prova escrita, pedimos, então, para valorizar o oral, pois, na expressão oral, o aluno pode mostrar que entendeu o assunto (PEDAGOGA RENATA). Não. Eu dou a mesma avaliação. Só o tempo que é maior. Às vezes nem é necessário ter um tempo maior, às vezes é preciso (PROFESSORA ERICA). A avaliação é ainda uma grande dificuldade. Os alunos que não têm deficiência passam pela mesma avaliação que os outros. Existem alunos que não têm um desempenho igual, eles fazem a mesma avaliação, os demais vão por relatórios. [...] (PEDAGOGA JANETE).
Percebemos, nessas falas, uma atitude diferenciada em frente à prática avaliativa
dos alunos com necessidades educacionais especiais, em relação aos alunos
considerados sem nenhuma necessidade. As orientações diferem conforme o tipo
de necessidade, desde a redução de quantidade ou variação do tempo até a
realização da prova em outro contexto, como é o caso do aluno Pedro que é surdo ─
quem aplica a sua prova é a professora da sala de recurso localizada em outra
escola.
Ainda tem, nessa diferenciação, uma distinção entre os alunos com necessidade
educacional especial sem e com deficiência. Para o primeiro, muitas vezes a
alternativa é a variação do tempo de conclusão da prova ou o auxílio da professora
especialista que, no trabalho colaborativo, ajuda no momento da prova fazendo uma
137
intervenção com esses alunos; já para o segundo, eles não são obrigados a fazer a
prova e não são avaliados por notas. Para eles, é sugerido o uso de relatório.
Certo dia, na sala da 3ª série, pudemos observar, enquanto a professora Iza
entregava as provas, a reação dos alunos quando viam as notas. Eles comparavam
um com o outro os resultados obtidos. Pedro e Fernando também receberam os
instrumentos avaliativos. Pedro, assim que pegou, veio correndo me mostrar seu
desempenho na prova; Fernando também pegou sua avaliação e veio até a mim.
Neste dia a professora entregou as provas. Na de Português, Pedro ficou com nota máxima. Ele me disse que fez sozinho, olhando o livro. O conteúdo da prova era leitura, interpretação, encontro vocálico e letra maiúscula. Em Geografia e História, também tirou nota boa. Observei o diário de classe e vi que as notas dele era num nível bom, com notas muitas vezes melhores que os demais alunos.
Disciplina 1º Bim. 2º Bim. Ciências 13,0 18,5 Matemática 15,5 14,5 Educação Artística 20,0 18,5 Língua Portuguesa 14,0 18,0 História 15,0 19,5 Geografia 17,5 20,0
Fernando também veio me mostrar sua prova, porém esta só tinha o visto da professora. Não havia impressões digitais, traços de escrita que demarcassem sinais do seu processo de aprendizagem. Era simplesmente um prêmio de consolação, uma prova do tipo ‘café com leite’, para fingir que fez. Mas ele sabia que aquele papel não significava nada. Tanto que, assim que eu a olhei, ele simplesmente guardou na bolsa (TRECHO DO DIÁRIO DE CAMPO).
Conversei com a professora sobre a prova de Fernando e ela me disse que ele
sempre quer fazer a prova, por isso, para não discriminar, ela dá a avaliação a ele.
Entretanto parece que Fernando sabe que existe uma diferenciação desse ato entre
ele e os outros. Para os outros, quem sabe, indica a potencialidade; para ele, marca
a diferença, porque, na dos outros, tem marca, tem sinais; na dele somente um
visto, um silêncio. Um silêncio que se prolonga no espaço em branco dos diários.
138
O que significam de fato essas mudanças? Será que a escola resolveu mudar as
práticas por respeitar o processo de aprendizagem de cada aluno? Ou será que as
mudanças têm a ver com o sujeito avaliado que é considerado um estudante fora do
padrão?
Não estamos advogando que a avaliação tenha que ser a mesma, mas sim tentando
refletir sobre os princípios que possibilitaram a mudança. Na fala da vice-diretora,
Adélia, um dos possíveis motivos é esclarecido.
Esse aluno é amparado por lei. A retenção desse aluno na série, mais uma vez gera desmotivação e baixa auto-estima. É ponderado o seu qualitativo, a sua evolução, em relação a si próprio (VICE-DIRETORA ADÉLIA).
Percebe-se aqui que a opção por fazer um registro tem a ver com uma avaliação
informal na qual há um ideário de que os alunos que apresentam alguma deficiência
são amparados por lei e, por conta dessa deficiência, não podem ficar reprovados.
Nessa fala, também, podemos refletir na seguinte questão: se o sistema avaliativo
da escola é por nota e o principal instrumento é a prova cujos resultados são
considerados a representação da aprendizagem dos alunos por intermédio da
professora, como avaliar a aprendizagem dos alunos com deficiência, se esses não
fazem a prova? Que imagem esses alunos passam para o contexto da classe,
quando são alijados dessa prática? Qual a responsabilidade da escola com a
aprendizagem desse aluno se ele passa por lei?
Antes de continuarmos nossa análise, queremos pontuar que não há uma Lei nem
no âmbito nacional nem no âmbito municipal que contemple a promoção automática
dos alunos com necessidade educacional especial. O que ocorre é o entendimento
139
errôneo das legislações (Lei nº 9.394/96, em seu art. 24, e as Diretrizes Nacionais
Para a Educação Especial na Educação Básica, alínea 8, do art. 8º) que apontam
algumas orientações quanto à perspectiva da avaliação.
Essa falta de esclarecimento acaba fragilizando todo o processo pedagógico desses
alunos e como afirma Caetano (2002, p. 151):
Os alunos correm o risco de continuar avançando sem receber um ensino de qualidade. Não estamos nos prendendo aqui ao fato de o aluno avançar ou não e sim ao fato de avançar sem nenhuma proposta de ensino real, ou seja, onde haja qualidade naquilo que se ensina e se aprende.
7.2.1 O uso do relatório como uma prática avaliativa dos alunos com
necessidade educacional especial
Como já colocamos, no tópico anterior, os alunos com necessidades educacionais
especiais recebem uma prática avaliativa diferenciada dos demais alunos. Aqueles
que apresentam uma necessidade por deficiência que a escola julga ter uma séria
limitação para aprender não fazem a prova e nem outra atividade avaliativa. A
prática em relação a eles é o uso do relatório.
Os alunos que não são normais, eles não fazem essa avaliação. A avaliação deles é por meio de relatório. As atividades na sala, quando a especialista está, fazem a adaptação. Alguns professores já conseguem adaptar e dar a assistência individual aos alunos. Na avaliação dos alunos com deficiência, o registro é feito pela professora da sala junto com a professora da sala de recursos e elas mostram ao pedagogo. Os registros ficam arquivados, eles são feitos no final do ano (PEDAGOGA JANETE).
140
Em relação ao registro o Pedro tem nota. Os demais não registramos nota. Tem um registro à parte. No final do ano, a gente faz um relatório e, no diário, coloca o amparo legal para avançar um aluno. A professora Mariana faz o relatório de atendimento na sala de recurso, aí a gente junta e produz um relatório unificado (PEDAGOGA RENATA).
A diferenciação entre os alunos com e sem deficiência e entre os próprios alunos
com deficiência parte de um princípio de que há uma homogeneidade e um padrão
de aprendizagem a ser seguida. É uma avaliação tal como aponta Beyer (2005),
baseada nos paradigmas clínico-médicos e sistêmicos, pois a diferenciação, no
primeiro caso, parte de critério de o estudante ter ou não deficiência. Se tem, há
uma representação sobre esse sujeito, como alguém que tem limitações. No
segundo, a diferenciação da avaliação é por inventar um padrão de turma e aqueles
que não acompanham precisam de adaptações, de mudanças para continuar
seguindo.
Percebemos, na fala das pedagogas, claramente, essa diferenciação. O aluno
Pedro, que é um aluno surdo, faz a prova e tem nota, porém ele não a faz na escola
como os demais. Ele faz a prova com a professora especialista em surdos que a
interpreta em LIBRAS para ele. Já o aluno Emanuel e o Fernando, eles são
avaliados por relatório. Esse relatório é feito pela professora da sala de recurso e
endossado pela professora da sala regular, geralmente no final do ano letivo.
Observei, no primeiro dia de aula e final do ano letivo de 2005, o Conselho de Classe daquele ano. As professoras preenchiam diários e a pedagoga ia conferindo dias letivos e dando orientações burocráticas de como preenchê-lo, pois o final do ano letivo estava totalmente atrasado por causa de uma greve naquele ano. Senti a falta de algumas discussões, sobre o desempenho dos alunos, sobre o porquê determinados alunos iriam passar de ano. Enfim, reflexões comuns em qualquer Conselho. Vendo o movimento individual/coletivo (porque, embora juntos, cada um trabalhava individualmente) dos professores, percebi que a professora da 3º série aguardava orientação sobre um aluno [Emanuel] que tinha
141
deficiência mental e que não podia ficar retido naquela série. A pedagoga dizia que tinha fazer relatório e era para esperar a professora da sala de recurso para fazerem juntas. ‘M. precisa fazer o relatório’ [falou a pedagoga quando avistou a professora especialista]. A pedagoga pediu para que eu ajudasse a colocar a legislação que garantia a aprovação para a 4ª série. Disse que não havia uma legislação específica, mas que a LDB, no art. 24, dava legitimidade para tal condição. A professora da sala de recursos foi fazer junta/sozinha o documento. As duas fizeram algumas anotações/rascunhos e a professora especialista terminou sozinha o documento final. Percebi que os alunos que tinham alguma deficiência, uns eram avaliados e continham notas no diário e já outros eram avaliados somente pelos relatórios. Eram avaliados somente no final do ano, quando a professora da sala de recursos, junto com a professora da sala regular faziam o relatório final/inicial (porque esse relatório era o primeiro e o último). Este aluno em questão tinha sido avaliado, porém suas notas eram baixíssimas e necessitavam de um relatório para anular suas notas e aprová-lo como um aluno com deficiência (TRECHO DO DIÁRIO DE CAMPO).
Percebemos que o relatório é um documento que deveria apontar o processo de
aprendizagem dos alunos. Entretanto este só é feito no final do ano letivo. Como
podemos acompanhar a aprendizagem, o percurso, se só sistematizamos no final do
ano? Para que serve esse relatório? Qual a relação dele com uma prática avaliativa
que deveria estar atrelada à parte pedagógica?
Méndez (2002, p. 17) aponta que
[...] avaliar somente no final, ou por unidade de tempo ou de conteúdo, é chegar tarde para garantir a aprendizagem contínua e oportuna. Neste caso e neste uso, a avaliação só chega a tempo para qualificar, condição para a classificação, que é o passo prévio para a seleção e para a exclusão racional.
Conseguimos, com a especialista, o relatório feito por ela, do ano letivo de 2005, dos
alunos Fernando e Emanuel.
142
Relatório sobre o aluno Fernado – maio/2006. O aluno apresenta DM e hiperatividade. Segundo a professora Marilândia [professora especialista da outra escola], ele conhecia vogais e algumas letras. Quando comecei o atendimento ele havia esquecido letras e numerais fazendo o seu nome nem sempre correto. Relembrou letras, conhece quase todas quando está concentrado, muitas delas relacionadas a nomes significativos. Tem momentos de total esquecimento. Desenvolveu muito a psicomotrocidade, fala (comunicação oral e expressão de vontades em geral), comportamento (obediência às normas, horários, respeito com os colegas e material dos mesmos). Hoje realiza atividades com entusiasmo e já sem precisar de condicionamento. Quer muito aprender a ler. Oralmente está na fase silábica de escrita e alguns fonemas, já escreve corretamente sem precisar falar a letra. Realiza atividades de escrita espontânea com algum valor sonoro [...]. Preenche cruzadinha, faz produção de texto (ele fala eu estruturo a frase), e escrita de nomes com ajuda (falando as letras e indicando o lugar para escrever). Muitas vezes volta e lê o que escreveu, se for de seu interesse. Relata fatos e conta historias através de gravuras e fatos do cotidiano, às vezes com frases, às vezes com palavras mais significativas do que representa a cena. Gosta de colorir e já faz com algum limite. Na escolha das cores necessita ser direcionado. Gosta de jogos como bola, tiro ao alvo, domino, boliche, boca de palhaço e outros, precisa de acompanhamento para jogar. Identifica nºs 0 e 1, às vezes lembra de outros ate 9, conta até 5 e ás vezes até 8. Tem preferência por colegas e adora ajuda deles quando realiza atividades de escrita. É muito amoroso e cativa quem o rodeia. Desenvolveu esquema corporal, quando questionado faz o corpo completo. A forma dos desenhos procura copiar para fazer melhor, tem consciência do que não está bem feito e sempre procura consertar solicitando modelo para copiar. Interpreta cena em ralação à leitura e acrescenta elementos necessários. Faz equiparação de figuras e letras. Tem noção temporal e seqüencial dos acontecimentos do dia-a dia. [...] (PROFESSORA ESPECIALISTA MARIANA).
143
Relatório sobre o aluno Emanuel – maio/2006. O aluno apresenta DM, não tem atendimento médico, a família resolveu procurar o médico. Inicialmente estava no pré-silábico e havia esquecido algumas letras. Encontra-se no nível silábico com valor sonoro de vogal e consoante, com acompanhante escreve no nível alfabético. No ano passado apresentou problemas comportamentais. Hoje se relaciona bem com os colegas, em alguns momentos apresenta rebelde por dificuldade de dialogar e de se expressar quando não concorda com os fatos. A princípio não copiava ou às vezes copiava os mesmos símbolos repetidamente. Após acompanhamento em sala pelo trabalho colaborativo orientando-o e fazendo-o refletir sobre a escrita, com participação do professor regular ele passou a copiar legivelmente. Hoje copia quase toda a atividade de registro de autonomia. Apresenta boa coordenação motora e auto-estima em alta confiante que está aprendendo a ler. Realiza atividades em sala com adaptação e interferência do professor ou dos colegas. Nas atividades de português já consegue encontrar palavras nos textos e entender significados da escrita. Participa do momento da conversa informal manifestando seu conhecimento quando da explicação da matéria, ao ser solicitado pelo professor. Soma e subtrai com material concreto e com orientação. Tem noção dos conceitos de adição, subtração, numeral e quantidade. Necessita de neurologista, mas oferecido pelo SUS sua mãe não quer levar, e como agora a família resolveu leva-lo estão tentado arrumar um particular. Necessita de tratamento para chegar ao nível alfabético conforme diagnostico pedagógico da escola e já aceito pela família. Continua sendo trabalhado com leitura, escrita o que já faz rapidamente quando feito valor sonoro pausadamente (adolescência), relacionamento, psicomotricidade e autonomia alcançou os objetivos propostos. Faz a letra cursiva muito bem tendo dúvidas em algumas maiúsculas, colore nos limites quando quer, recorta e faz colagem. Participa de jogos como boliche, dominó, memória, tiro ao alvo, boca de palhaço, encaixe, e monta quebra-cabeça, com entendimento devendo ser alertado para respeitar as regras que já conhece. Relata fatos com seqüência e pede esclarecimento de termos do dia que julga inadequado de usar e nem sempre sabe o significado e o porque de não usa-los.
144
Monta o corpo humano e desempenha figura humana completa quando questionado sobre partes do corpo. Gosta de monitorar colegas, falando letras para a escrita de nomes quando os monta (loto-leitura, alfabeto, móvel-cruzadinha e outros). Conhece os verdadeiros valores da vida, mas nem sempre os aceita, para tal se faz necessário conversar com a família que o orienta nos apoiando (PROFESSORA ESPECIALISTA MARIANA).
Percebemos que a professora da sala de recursos relata sobre o processo de
aprendizagem desses alunos, apontando suas dificuldades, seus desafios. E
também volta a enfatizar, no caso de Emanuel, a questão clínica como sendo um
dos recursos para a melhora na aprendizagem. Entretanto, como esse relatório só é
feito no final do ano, ele acaba se constituindo num instrumento burocrático, com um
fim em si mesmo, que não adquire um caráter avaliativo no sentido de
retroalimentador da prática pedagógica, mas, sim, um documento morto, que não
impulsiona ações. Como colocou Méndez (2002), a avaliação chegou tarde.
Outro questionamento que nos vem a partir da análise desse relatório é que este se
constitui num instrumento que marca, que separa, que exclui o aluno que está
incluído, pois quem tem o controle da aprendizagem não é a professora da sala
regular, mas a professora especialista. Os alunos estão incluídos, mas quem é
responsável por esse processo de avaliação é um outro profissional que não é o
responsável pela turma.
Dessa forma, mesmo sendo por relatório, a prática avaliativa em relação aos alunos
com necessidade educacional expressa uma prática excludente, pois não serve para
uma retroalimentação da prática pedagógica.
É uma avaliação, tal como afirma Esteban (2001, p. 100), na ótica do exame, pois,
145
[..] atende as exigências de natureza administrativa, serve para reconhecer formalmente a presença (ou ausência) de determinado conhecimento, mas não dispõe da mesma capacidade para indicar qual é o saber que o sujeito possui ou como está interpretando as mensagens que recebe. Tampouco pode informar sobre o processo de aprendizagem dos estudantes ou questionar os limites do referencial interpretativo do/ a professor/a. A partir do exame o/a professor/a pode avaliar se o/a aluno/a foi capaz de responder adequadamente a suas perguntas. Porém, o erro ou acerto de cada uma das questões não indica quais foram os saberes usados para respondê-la, nem os processos de aprendizagem desenvolvidos para adquirir o conhecimento demonstrado, tampouco o raciocínio que conduz à respostas dada. Para a construção do processo ensino/aprendizagem, estas são as questões efetivamente significativas, e não o erro ou o acerto como ressalta a lógica do exame.
Podemos perceber que os relatórios mostram sujeitos/alunos que apresentam
potenciais, falam de uma aprendizagem que eles já alcançaram mas que não dá
pistas de onde o professor pode intervir para que esse aluno possa crescer. É
preciso repensar por que estamos oferecendo uma prática diferenciada, se é para
respeitar o processo de cada um ou se porque não acreditamos no potencial dos
alunos com necessidade educacional especial.
Não se trata de, simplesmente, mudar a linha metodológica nem de abolir os ‘instrumentos’ [...] classificando-os como promotores de exclusão. Trata-se, sim, de pensar a educação com o sentido de que suas possibilidades de tessitura dos conhecimentos ─ construção, se preferirem ─ não necessitam, obrigatoriamente, passar por uma avaliação que, [...] promove, quase que invariavelmente, exclusões e mutilações na formação dos nossos alunos (RIBETTO et al., 2003, p.108-109).
Muito mais importante do que a forma de avaliar, precisamos nos ater ao que ela
tem servido. Nesse contexto, precisamos analisar qual a relação da avaliação com a
prática pedagógica.
146
7.2.2 A relação da avaliação como retroalimentadora da prática pedagógica
Para além de uma avaliação atrelada a momentos estanques que servem para
separar os alunos no interior das classes e da escola, acreditamos numa perspectiva
de avaliação que contribua com o processo de ensinoaprendizagem de todos os
alunos da escola.
É preciso que se tenha uma prática de avaliação “[...] qualificada como tomada de
decisões para a compreensão e melhoria do ensino” (VALLEJO, 2003, p. 51). Dessa
forma, segundo o mesmo autor, coloca-se a serviço do processo
ensinoaprendizagem, que se integra e forma parte do cotidiano da sala de aula,
porque “[...] a avaliação é parte do currículo, na medida em que a ele se incorpora
como uma das etapas do processo pedagógico” (OLIVEIRA; PACHECO, 2003, p.
119).
Nesse contexto, a avaliação precisa estar imbricada à prática pedagógica, estar
presente nas atividades diárias. Algumas professoras colocaram que elas avaliam
em todo o instante e com o intuito de rever o processo.
Em todo o instante. Eu sei da capacidade deles observando as atividades que eles fazem na sala de aula [...]. Através da atividade, das perguntas orais, proponho uma revisão, retomo o assunto novamente, (PROFESSORA ANDRÉIA) Através das atividades realizadas revejo o processo ensino-aprendizagem (PROFESSORA IZABELA).
147
Apesar de as professoras apontarem essa prática de estar revendo o conteúdo
quando os alunos não atingirem o objetivo, é bom ressaltar que, na análise do
cotidiano, percebíamos que, no dia-a-dia, não havia essa retomada. Os professores
iam seguindo o conteúdo conforme a estrutura curricular da série.
Loch (2003, p. 130-131) coloca que, na escola tradicional, “[...] existe o tempo de
ensinar e o tempo de avaliar, enquanto momentos estanques [...]. Os ‘conteúdos
escolares’ são organizados de forma linear, hierárquica e previamente determinados
por bimestre, série, disciplina, sob justificativa de serem pré-requisitos de outros [...]”.
As aulas eram fragmentadas por disciplinas: História, Geografia, Matemática, Língua
Portuguesa, Ciências e Artes. Geralmente, antes do recreio, era uma disciplina e
depois do recreio era outra. Nos dias em que tinham Educação Física e Artes, o
aluno assistia a três matérias diferentes. Pela observação e análise do diário de
classe, vemos uma continuidade linear dos conteúdos a serem ensinados e a
aplicação do instrumento avaliativo sempre após uma quantidade pequena de
conteúdos que foram ensinados. Geralmente, nas matérias de Artes, História e
Geografia, havia trabalhos, além da prova, já em Matemática e Língua Portuguesa,
sempre a forma de avaliar era somente por meio de prova.
Víamos, num contexto de prática pedagógica, uma cotidianidade: explicar a matéria,
fazer exercícios, fixar e avaliar. Esse ciclo se repetia nas duas salas observadas. A
avaliação era muito mais com um fim em si mesmo. Quando o aluno não ia bem, o
que acontecia era uma recuperação paralela, não com o intuito de recuperar
conteúdos, mas sim com o propósito de alcançar a nota mínima.
148
Esteban (2003, p. 88) coloca que, quando entendemos a relação de
ensinoaprendizagem como um processo, “[...] o enfoque da avaliação muda. O
importante não é atribuição de nota ou o conceito, interessa coletivamente a
compreensão do processo ensino-aprendizagem, para permitir a ampliação do
conhecimento”.
Dessa forma, “[...] a avaliação como prática de investigação pressupõe a
interrogação constante e se revela um instrumento importante para professores e
professoras comprometidos com uma escola democrática” (ESTEBAM, 2003, p. 25).
Numa perspectiva de educação inclusiva, acreditamos que a avaliação deve servir
para a compreensão dos processos de ensinoaprendizagem de cada um e assim
contribuir para uma prática peadgógica que ofereça uma educação de qualidade. A
avaliação, no contexto da Escola Bansalu, não era ligada à prática pedagógica, nem
em relação aos alunos com necessidade educacional especial nem aos outros. Em
uma das observações na sala de aula, pudemos ver:
[...]. Ela deu uma folha com atividades para ele fazer, explicou e disse que qualquer dúvida havia seu amigo do lado ou podia chamá-la. A medida que ia ‘fazendo’ confirmava com seu amigo suas hipóteses. Aos poucos, outras crianças se prontificaram a ajudar. Percebi que, embora as crianças tivessem boa vontade, elas acabavam respondendo para o Emanuel ao invés de ajudá-lo a pensar. Perguntei, então, a professora, se podia ajudá-lo. Ela me olhou e disse que sim. Pediu para que o aluno que estava próximo trocasse de lugar comigo. Então fui ajudá-lo. Era uma atividade que tinha um quadro com brinquedos e havia perguntas em relação à quantidade de cada um. Depois, ele tinha que fazer um gráfico com a quantidade. A primeira pergunta eu li para ele e ele conseguiu me responder. A segunda eu deixei, ele ir lendo comigo. Sabia as letras, mas tinha dificuldade em junta-las em voz alta. Conseguiu com ajuda ler e responder. A princípio, me pareceu nervoso, querendo me mostrar que sabia, mas tinha medo de errar. Ele coçava a toda instante o nariz, tossia. Na hora de
149
escrever a primeira resposta, ele parecia não querer errar: iniciava a escrita do numeral e apagava, ora caçava o nariz, ora apagava. Parecia querer me impressionar, demonstrando que sabia. Durante a execução da atividade, olhava para os demais colegas e via que eles faziam o dever do livro, percebeu que eles estavam fazendo uma outra atividade diferente daquele que ele estava fazendo. Assim que acabou a atividade da folha, perguntou se podia fazer o dever do livro. A professora o autorizou. Ele abriu um sorriso meio de lado, olhou o colega para identificar a página e começou a folhear seu livro, procurando-a (DIÁRIO DE CAMPO- EPISÓDIO NA 4ª SÉRIE).
Podemos perceber, no relato, que, para um aluno de 4º série, ele tem um nível bem
diferenciado dos demais alunos, apresentando dificuldade de ler e interpretar, mas,
com a intervenção, é capaz de realizar as atividades. Entretanto não vislumbramos
nenhum trabalho sistematizado, nenhum planejamento específico para que ele
possa ter um desenvolvimento mais avançado.
Em um outro momento na sala da 3º série, pudemos presenciar um outro fato que
demonstra a potencialidade dos alunos:
[...] ela deu produção de texto. Era um desenho de um papagaio que morde o dedo de uma criança. A partir da imagem, Pablo fez a interpretação e me disse o que a cena representava. Começamos, então, a escrever sobre o desenho. A história ficou assim: ‘Papagaio bicou o dedo menino. O Pablo estava na janela da casa e viu o papagaio bicar dedo Lucas. Lucas saiu correndo e chamou mãe. A mãe abraçou o menino. Fim’ Essa história foi feita com a intervenção da pesquisadora, mas as idéias foram de Pedro. O fim, após a conclusão, foi autonomia dele que, após a escrita, me amostrou. Em seguida, foi amostrar à professora que lhe disse que estava bom, mas continha alguns erros [falta de artigos, pontuação]. [...] Percebi que, quando ela corrigia o caderno das outras crianças, ela circulava indicando o erro e intervia anotando a palavra correta. Já com Pablo, ela só olhava e não fazia intervenção. Conversei com ela sobre a questão dos artigos na escrita dos surdos. Ela queria saber se precisava ensiná-lo ou não [...]. Quando Pablo acabou de pintar a folha de produção de texto, estava com um colorido muito lindo.
150
Ele me amostrou e foi amostrar a professora que corrigiu. Quando retornou a mesa, ele sinalizou [português], respondi que sim (TRECHO DO DIÁRIO DE CAMPO – 3ª SÉRIE).
Percebemos, nesses dois fatos, que tanto o Pedro como o Emanuel têm potencial e
podem estar sendo estimulados, podendo ter intervenções no seu processo de
aprendizagem. Eles dão pistas, dão sinais de que estão em processo. O aluno
Pedro consegue fazer uma produção textual no seu nível e dentro da estrutura de
sua língua materna.
Diante desse potencial, acreditamos que as práticas avaliativas, dentro do contexto
das escolas, devem valorizar muito mais a avaliação como prática investigativa que
dá suporte ao processo de aprendizagem do que a avaliação final. É no dia-a-dia, no
cotidiano das coisas, que catamos pistas sobre esse processo e, dessa forma,
podemos redimensionar os nossos olhares sobre todos os alunos e oferecer uma
educação de qualidade.
A avaliação como um processo de reflexão sobre e para a ação contribui para que o professor se torne cada vez mais capaz de recolher indícios, de atingir níveis de complexidade na interpretação de seus significados, e de incorporá-los como eventos relevantes para a dinâmica ensino/aprendizagem (ESTEBAM, 2003, p. 24).
É bom ressaltar que não estamos apontando a avaliação como uma panacéia que
irá resolver, como um passe de mágica, todos os desafios da inclusão, mas,
acreditamos que, por meio dela, podemos contribuir para dar pistas a uma prática
pedagógica que incida no processo de aprendizagem de cada um.
151
Entretanto de nada adianta mudar a avaliação se as práticas pedagógicas ainda se
pautarem na homogeneidade, na hierarquização e fragmentação. Dentro desse
contexto, remetemos, outra vez, às cenas já relatadas. Parece-nos que, nesses
recortes, alguns apontamentos nos vêm à baila: como trabalhar com um
determinado aluno que não tem o “padrão” dos demais? Como equalizar um
trabalho pedagógico que possibilite a aprendizagem de todos sem provocar
discriminação, sem excluir ninguém?
Mas como trabalhar com as diferenças sem excluí-las? As professoras da escola
Bansalu colocam que tal perspectiva não é simples, é um desafio a ser transposto
por elas mesmas:
Trabalho o individual, essa diversidade é muito complicada. Além dos alunos com deficiência você tem aqueles que têm dificuldade. E eu encontro muita dificuldade com a diversidade [...] (PROFESSORA IZA). A minha maior dificuldade é conseguir perceber como eles pensam. Em que caminho tenho que tomar para chegar até aquela criança. Em como e o que posso fazer para que eles aprendam [...] (PROFESSORA ANDRÉIA). [...]. Preparar atividades que estejam ao seu alcance. [...] Muito complicado, faço o que posso (PROFESSORA IZABELA).
Não podemos deixar de mencionar que o uso de atividades diversificadas é um
recurso que possibilita trabalhar o aluno, e isso é um ponto positivo para a prática
pedagógica das professoras, porém essa prática não garante um sentimento de
pertença dos alunos, pois eles realizam atividades diferenciadas dos demais,
explicitando a sua diferença. Segundo Stainback (1999, p. 480), “[...] o objetivo da
inclusão não é o de apagar as diferenças, mas o de que todos os alunos pertençam
a uma comunidade educacional que valorize sua individualidade”.
152
Nas falas, percebemos as dificuldades, mas também notamos o esforço para que
essas crianças não estejam simplesmente colocadas no interior das classes, sem
nenhum atendimento. Elas apontam o caminho das professoras para dar conta das
diferenças dentro da sala de aula e, para isso, utilizam atividades diversificadas.
André (2004), baseando-se em Perrenoud, aponta que o ideal não é variar as
atividades e sim diferenciar os percursos e o acompanhamento. Isso não significa
um programa especial para cada aluno, mas uma busca por estratégias que dêem
conta daquele conjunto de alunos.
Trabalhando com uma Pedagogia diferenciada, há uma possibilidade de uma prática
que atenda aos níveis diferenciados e que, ao mesmo tempo, contribua para um
processo de inclusão, pois as atividades são pensadas para todo o grupo. Entretanto
isso não é uma prática fácil de ser feita, pois implica entender a complexidade do
processo ensinoaprendizagem, perceber a escola como um lugar possível da
coletividade e dessa forma uma instituição aprendente.
7.3 O COTIDIANO DA ESCOLA APONTANDO POSSIBILIDADES DE MUDANÇA
Observando o cotidiano da escola, podemos perceber algumas ações que indicam
um processo de mudança dentro do contexto da escola. Queremos, nesta parte,
enfatizar que um olhar prospectivo permite modificar práticas já instituídas e se abre
para que um indivíduo aprenda sobre o outro e com o outro.
153
No decorrer das análises, trouxemos vários exemplos que demonstram o potencial
dos alunos com necessidade educacional especial e queremos apontar aqui que,
quando a escola se propõe a aprender sobre e com o outro, ela aprende a lidar com
aqueles que ela julgava não ter conhecimento para trabalhar.
Um dos exemplos é o da professora Iza que, em uma de suas falas, na entrevista,
colocava que tinha muito receio em trabalhar com um aluno que apresentasse
“deficiência auditiva”, pois não sabia se comunicar com ele. Durante as observações
em sua sala, pudemos acompanhar seu empenho para aprender a lidar com Pedro.
Um dos primeiros pontos a ser alterado nessa relação era a questão da
comunicação. Para amenizar essa situação e conseguir conversar com ele, numa
linguagem que houvesse uma relação de emissor e receptor, ela foi fazer um curso
de LIBRAS oferecido pela Secretaria Municipal de Educação de Guarapari, dado
fora do expediente de trabalho.
Isso, com certeza, minimizou a barreira comunicacional entre os dois e possibilitou a
professora trabalhar com ele, pois, como já colocamos, não havia intérprete naquela
sala para fazer a interpretação Português-LIBRAS. A princípio, ela articulava as
palavras pausadamente, para que ele pudesse fazer a leitura labial, depois, durante
a aprendizagem do curso, ela utilizou o conhecimento que estava aprendendo para
se comunicar com ele, conforme registro no diário de campo:
Ela vira para Pedro e pergunta quando ele irá para a Sala de Recurso para surdos [faz o sinal da professora da sala de recurso para indicar a quem ela está se referindo]. Ela ainda não constrói uma estrutura frasal, faz mais uma espécie de comunicação total do que LIBRAS propriamente dita.
154
Pablo olha pra mim, com cara de quem não estava entendendo. Eu, então, refiz a frase em LIBRAS. Ele responde fazendo o sinal de quinta-feira. A professora imediatamente oraliza ‘quinta-feira’. _ Ah! Está aprendendo! [aproveitei para elogia-la] _ [Sorri e diz] Estou sim! Tenho aprendido muito com ele.
Nesse recorte do diário, apesar de ela ainda não ter uma competência lingüística em
LIBRAS, procura se comunicar e entender a informação que o aluno passa. Em
relação aos alunos surdos, fazer uso da língua de sinais significa respeitar uma
cultura surda e propiciar ao aluno um desenvolvimento na sua primeira língua.
Esse episódio também deixa claro o quanto ela reconhece que estar com Pedro a
fez crescer. Ela antes concebia uma visão de que era difícil trabalhar com o surdo
exatamente por causa da comunicação e hoje ela reconhece que ter Pedro em sala
lhe possibilitou aprendizagem.
É bom ressaltar que a inclusão de um aluno surdo implica que a escola precisa ter
alguém que saiba LIBRAS, pois não podemos continuar alijando o surdo de um
desenvolvimento em sua língua materna, mas, por outro lado, não podemos deixar
de matriculá-lo sob pena de não ter ninguém para trabalhar com ele. Vimos que as
dificuldades da comunicação foram amenizadas pelo conhecimento de LIBRAS,
linguagem aprendida num curso, mas também pelo convívio, pela experiência de
estar com ele. Não estamos advogando que, para a inclusão do surdo, basta que a
professora da sala regular saiba LIBRAS, pois existem outras questões que
envolvem essa situação.
Neste contexto percebemos que estar com um aluno com alguma necessidade
especial favorece a aprendizagem de todos aqueles que estão no mesmo contexto
155
que ele. Este é um dos benefícios da inclusão, a possibilidade de aprender com e
sobre o outro favorecendo o desenvolvimento de todos. Para isso, precisamos
aprender a lidar com o outro e avaliar sempre as condições com as quais estamos
lidando com a inclusão.
Apesar de o episódio relatado apontar uma saga individual, precisamos pontuar que
não dá pra realizar políticas de inclusão sem a parceria do outro. O aluno que
apresenta qualquer deficiência não é da professora Iza, Maria, Joana, ele, pertence
à escola como um todo.
Nos encontros para o Estudo Reflexivo sobre Inclusão, foi discutido sobre essas
questões e pudemos perceber, nos dois dias, que a escola precisa estar discutindo,
refletindo, pensando sobre sua organização e o que pode ser feito para melhorar
esse espaço. A escola precisa ser, nos dizeres de Alarcão (2001), uma escola
reflexiva, uma escola que se organiza e que pensa sobre si mesma.
Brzezinski (2001, p.65) coloca que a “[...] escola que se quer reflexiva e
emancipadora é também uma escola vivida cotidianamente, dimensionada em seu
projeto político pedagógico-curricular entendido aqui como elemento de organização
do processo educacional que nela ocorre”.
Para que isso ocorra, é necessário um trabalho em conjunto. Essa idéia de todos
trabalhando juntos pode ser percebida nos momentos de estudo do grupo. Os
participantes elencaram alguns pontos que julgam favorecer a melhoria do trabalho
156
pedagógico e favorecer uma educação para todos. Alguns apontamentos são
elencados:
a) estudos em grupo, envolvendo todos os professores, para troca de
experiência e conhecimentos;
b) conhecimento acerca das reais necessidades dos alunos;
c) busca de conhecimento para melhorar a prática pedagógica e diferenciar as
práticas escolares com segurança;
d) utilização de recursos e estratégias que atendam à diversidade de níveis da
sala de aula;
e) planejamento com o professor da sala de recursos e corpo docente para
todos os alunos;
f) planejamento com antecedência, incluindo atividades diversificadas, de
acordo com o nível do aluno.
Nesses apontamentos, percebemos que a questão do trabalho em equipe pensando
e refletindo juntos é uma condição básica para a melhoria da prática pedagógica na
Escola Bansalu. No trabalho em equipe, eles apontam que é necessário o
conhecimento e planejamento em conjunto.
Nesse contexto, percebemos que, na hora da reflexão sobre a unidade escolar, os
profissionais conseguem perceber para além de sua prática e apontar caminhos
possíveis para a superação da realidade dada.
Segundo Mizukami et al. (2002, p. 44-45),
157
A construção contínua dos saberes não ocorre de forma isolada. Ela deve se dar na parceria entre as pessoas que estão em diferentes níveis de desenvolvimento profissional [...]. Nesse processo um oferece o que sabe e, estando aberto para ouvir e analisar posições diferentes das suas adquire outras formas de ver o mundo, de se ver nele e de compreender seu papel no exercício profissional.
Isso nos remete a uma forma de aprender que considera o saber individual, mas que
considera também o saber do outro. É nesse processo dialético e dialógico que
acreditamos ser possível caminhar na rede de construção do conhecimento. Nesse
sentido, aprendendo junto e com o outro, podemos ressignificar o cotidiano.
158
8 INCLUSÃO E AVALIAÇÃO NO COTIDIANO DA ESCOLA:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando fomos à Escola Bansalu para realizar a pesquisa, tínhamos, como objetivo,
compreender as práticas de avaliação cotidianas na escola, tendo como referência
as práticas pedagógicas dos professores e a reflexão sobre a avaliação no processo
de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.
Por meio de um estudo de caso etnográfico, entramos no cotidiano da instituição e
podemos perceber como a avaliação é concebida e vivida pelos atores sociais que
compõem aquele espaço. É preciso deixar claro, como nos coloca Lefebvre (1991),
que há uma relação dialética entre o vivido e o concebido e que aquilo que o sujeito
concebe tem implicações naquilo que é vivido e, por sua vez, aquilo que se vive tem
implicações naquilo que é concebido.
A prática avaliativa que se presentifica dentro do cotidiano da escola se pauta numa
concepção de diagnosticar o conhecimento dos alunos e, para isso, o instrumento
que ganha destaque é a prova. Utilizando esse instrumento, representado na nota
que o aluno tira, o professor pode separar os que sabem daqueles que não sabem,
os que precisam de recuperação paralela e daqueles que não precisam. A nota da
avaliação é o imperativo das tomadas de decisões e “[...] torna-se legitimadora da
posição que o aluno ocupa na classe, na escola, e que possivelmente no futuro
refletirá a sua colocação na sociedade” (BERTAGNA, 2002, p. 240).
159
Essa prática não é um modelo encontrado somente na Escola Bansalu, mas é
recorrente ao longo da história que deriva desde os primórdios da escola moderna
(BARRIGA, 2003; DIAS SOBRINHO, 2002). Além do mais, a prática de avaliação,
como somativa, é o modelo sugerido pelo Sistema de Ensino Municipal.
Entretanto, para os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais
por deficiência, a prática de avaliação é diferenciada. Alguns fazem a prova na
presença de um intérprete e outros acabam não fazendo. Não fazer a prova ou fazer
com um outro professor não é a questão que importa, mas, sim, o motivo pelo qual
se estabelece essa diferença.
Percebemos que essa diferenciação, embora seja contemplada no Regimento
Comum das Escolas Municipais, não parte de uma perspectiva de considerar a
diferença do outro, mas atua como uma forma de continuar marcando, segregando,
separando os alunos que apresentam uma necessidade educacional especial
daqueles considerados normais. Dessa forma, não há indícios do desenvolvimento
desse alunado no decorrer do ano letivo, pois o relatório, que é o documento que
registra o processo de ensinoaprendizagem do aluno, só é elaborado no final do ano
pela professora especialista e cabe à professora da sala regular legitimar o texto
assinando em conjunto.
Nesse contexto, percebemos uma prática avaliativa que privilegia somente o produto
final _ expresso na nota ou no relatório _ e que não contempla o processo de
ensinoaprendizagem. Sendo assim, como pode favorecer a educação de todos?
160
Como pode implicar uma prática que retroalimenta o processo pedagógico de
ensino? Como pode favorecer a escola numa perspectiva de inclusão?
Acreditamos que essa avaliação, como sinônimo de prova e que se presentifica na
nota, pouco contribui para a aprendizagem nem favorece a inclusão, pois, em sua
gênese, ela tem, como princípio, a classificação para a exclusão.
Esteban (2003) coloca que essa situação faz parte da ambigüidade da avaliação que
mede para incluir em alguma categoria de classificação e que acaba excluindo os
que estão alí incluídos. Ela afirma que
No cotidiano escolar, avaliando e sendo avaliada, a professora vai aprendendo duas lições contraditórias: é preciso classificar para ensinar; e classificar não ajuda a ensinar melhor, tampouco a aprender mais – classificar produz exclusão e para ensinar é indispensável incluir (ESTEBAN, 2003, p. 23).
Sabemos que essa mudança não é simples de ser feita, pois implica uma série de
superações das ações que acontecem no cotidiano da escola, que precisa parar
para refletir sobre a sua prática educacional; sobre sua concepção de avaliação;
sobre os saberes produzidos pelos sujeitos que ali estão, sejam eles alunos, sejam
professores; sobre a estrutura e organização curricular e demais componentes
envolvidos no projeto político-pedagógico da escola.
Sendo assim, a prática avaliativa vivenciada na Escola Bansalu ainda privilegia uma
forma de concepção que não promove uma mudança paradigmática no concebido. A
mudança da prática de avaliação, não pode ser por decreto, nem imposta; é preciso
que seja consensual.
161
É necessário, então, reconhecer a existência da consciência coletiva, definida por
Lefebvre (apud BRZEZINKI, 2001, p.70), como aquela que “[...] não surge da
espontaneidade, mas emerge na e da realidade objetiva e brutal, inicialmente pela
resistência, depois pelo enfrentamento e busca de alternativas, e amplia-se para
toda a vida do sujeito individual e social”.
A mudança da prática avaliativa só é possível se houver uma consciência coletiva.
Um único professor pode mudar a postura na sua sala, mas, para que essa
perspectiva tome corpo, é necessário que a escola toda, que a comunidade escolar
também se envolva. Percebemos, na Escola Bansalu, que todos consideram e
acham importante essa consciência coletiva, porém falta criar esse espaço-tempo da
coletividade para que a comunidade possa parar e refletir sobre si mesma.
Entendemos que, dessa forma, podemos caminhar num sentido de uma avaliação
que possa contribuir para a aprendizagem de todos, em que todos os envolvidos
possam vencer a resistência inicial de trabalhar com alunos que aprendem em
ritmos e tempos diferentes, que possuem comportamentos diferenciados, que não
são encaixados no modelo de Parmênides, mas que são vistos como alunos
concretos.
Numa perspectiva de educação inclusiva, não se pode mais conceber que o
professor trabalhe individualmente no seu espaço escolar. A escola, os professores
precisam construir o saber em conjunto, refletindo juntos sobre que caminhos
precisam ser articulados. Assim, aprendemos a lidar com todos os alunos e construir
conhecimentos sobre como organizar a escola para oferecer uma educação de
162
qualidade, pois “[...] é assim que se avança o conhecimento, que não é uma
revelação num dado instante, nem mesmo numa marcha linear e simples [...], mas
uma estrada, cheio de complicados meandros, que acompanha os acidentes do
terreno” (LEFEBVRE, 1995, p.103).
Se houvesse a instituição desse espaço-tempo para a coletividade pensar/refletir em
conjunto, talvez a Escola Bansalu pudesse questionar sobre: o papel do professor
especialista dentro da escola; os apoios necessários para se incluir um aluno surdo;
uma forma de avaliar sem causar exclusão dos alunos; uma forma de avaliar que
contribua para o processo de ensinoaprendizagem de todos; a qualidade da
educação que se oferece na unidade de ensino; um processo de formação
continuada dentro da escola. Enfim, podia parar e refletir sobre aquilo que o aflige e
encontrar saídas coletivas.
O pensar coletivo traz um alívio e, de certa forma, diminui a ansiedade dos
professores e da escola nessa perspectiva de educação inclusiva, pois há sempre
uma queixa sobre a não preparação para dar conta da diferença. Quando
aprendemos que o conhecimento é provisório e que se dá na interação com o outro,
passamos a entender que as respostas para os problemas não estão dadas, mas as
ações devem e precisam ser construídas de forma artesanal, lembrando que são
possibilidades para a realidade construída naquele cotidiano. Outro ponto a ser
questionado é a visão clínico-médico que ainda serve de paradigma para olhar as
crianças com deficiência dentro da escola. É preciso avançar e ressignificar esse
olhar.
163
É assim que olhamos as práticas avaliativas e o movimento de inclusão na Escola
Bansalu. Nesse sentido, não cabe julgá-los, investigando se estão certos ou errados,
mas é preciso entender essas práticas como uma representação da configuração
vivida pelos autores naquele espaço tempo. Isso remete a compreender o cotidiano
não como algo fechado, previsível; mas vê-lo aberto a novas possibilidades. E
ressaltamos a palavra possibilidade, tal como Esteban (2003, p. 18):
Quero ressaltar a palavra ‘possibilidade’. Não há certeza de que construiremos práticas menos excludentes na escola, mas podemos vislumbrar um movimento neste sentido. Portanto, a possibilidade nos convida ao trabalho, árduo porque desconhecido, de transformá-la em realidade.
Como possibilidades, vislumbramos o potencial de alunos com necessidade
educacional no cotidiano da escola que podem, com intervenção fruto de uma
avaliação investigativa, aprender no tempo e ritimo deles, mas aprender com e como
o outro; vislumbramos possibilidades de um trabalho colaborativo realizado entre
professor especialista e professor da sala regular, com o intuito de favorecer não só
a aprendizagem do aluno com deficiência, mas favorecer a aprendizagem de todos;
vislumbramos uma avaliação que contemple o dia-a-dia e que intervenha na “zona
proximal” do alunado; vislumbramos a possibilidade de um trabalho coletivo dentro
da escola, no qual todos se sintam comprometidos com uma educação de
qualidade; vislumbramos espaços-tempos destinados à reflexão e à formação
continuada no interior da escola; vislumbramos políticas públicas que não apenas
cobrem atitudes, mas que viabilizem recursos, condições para que haja inclusão
com uma educação de qualidade.
164
Essas possibilidades nos apontam um desafio, mas também uma nova forma de
conceber o espaço-tempo escolar. Esteban (2001, p. 90) nos ensina:
A reflexão sobre a experiência vivida é um caminho e um recurso fundamental para instaurar uma pedagogia da possibilidade, tendo como finalidade construir novas formas de vida que, embora não existam, podem ser intuídas na complexa tessitura que constitui a realidade cotidiana.
Quando olhamos a inclusão e a avaliação no cotidiano da escola, percebemos que
se faz necessário um outro olhar, uma outra forma de viver e conber a diferença, as
práticas pedagógicas, pois, como nos diz Ventorim (2006, p. 121):
No caminho da educação inclusiva propõe-se ressignificar o já significado, desconstruir o construído, desnaturalizar o tido como natural, suspeitar das verdades e das certezas. Pluralidade, transgressão, tolerância, incerteza, criação, estética, arte, territorialização, unidade, rede, singularidade, novas linguagens, diversidade, flexibilidade, competência, prudência, política, aventura encantada e estilos são alguns conceitos que movimentam o debate sobre a emergência de um conhecimento ‘alternativo’ com, na e para a educação inclusiva.
165
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174
APÊNDICES
175
APÊNDICE A – ENTREVISTA REALIZADA COM OS PROFESSORES DA ESCOLA BANSALU. ROTEIRO DE ENTREVISTA A SER APLICADO AOS PROFESSORES DA ESCOLA
PROFISSÃO
1) QUAL A SUA FUNÇÃO E A SÉRIE? 2) QUANTOS ANOS VOCÊ TRABALHA NO MAGISTÉRIO?
QUAL A SUA FORMAÇÃO? 3) COMO VOCÊ COMPLETA SUA FORMAÇÃO? 4) JÁ FEZ ALGUM CURSO SOBRE INCLUSÃO OU SOBRE EDUCAÇÃO
ESPECIAL?
INCLUSÃO
1) VOCÊ TEM ALGUM ALUNO COM NEE NA SUA SALA? QUAL? 2) O QUE É INCLUSÃO PARA VOCÊ? 3) O QUE VOCÊ ACHA DA INCLUSÃO? 4) QUAL A SUA MAIOR DIFICULDADE EM LIDAR COM OS ALUNOS? E COM
AQUELES QUE TEM ALGUMA DEFICIÊNCIA? 5) COMO TEM SIDO SEU TRABALHO PEDAGÓGICO JUNTO AOS ALUNOS
COM NECESSIDADES ESPECIAIS? 6) VOCÊ RECEBE ALGUM APOIO PARA LIDAR COM ESSES ALUNOS?
AVALIAÇÃO
1) PARA VOCÊ O QUE É AVALIAR? 2) COMO VOCÊ AVALIA? QUAIS OS INSTRUMENTOS QUE VOCÊ USA? 3) COMO A ESCOLA ORIENTA A QUESTÃO DA AVALIAÇÃO? 4) HÁ ALGUMA DIFERENÇA ENTRE A AVALIAÇÃO DOS ALUNOS COM NEE
E OS ALUNOS DITOS NORMAIS? 5) COMO VOCÊ PERCEBE O DESEMPENHO DOS ALUNOS? O QUE VOCÊ
PROPÕE A PARTIR DO DIAGNÓSTICO? 6) QUAL A SUA MAIOR DIFICULDADE PARA AVALIÁ-LOS? 7) NO FINAL DO ANO LETIVO O QUE TEM MAIS PESO PARA A DECISÃO DE
APROVAÇÃO?
176
APÊNDICE B – ENTREVISTA REALIZADA COM OS PEDAGOGOS E DIRETORES.
ROTEIRO DE ENTREVISTA A SER APLICADO AOS PEDAGOGOS E
DIRETORES
PROFISSÃO
1) QUAL A SUA FUNÇÃO? 2) QUANTOS ANOS VOCÊ TRABALHA NO MAGISTÉRIO? E NESSA
FUNÇÃO? 3) QUAL A SUA FORMAÇÃO? 4) COMO VOCÊ COMPLETA SUA FORMAÇÃO? 5) JÁ FEZ ALGUM CURSO SOBRE INCLUSÃO OU SOBRE EDUCAÇÃO
ESPECIAL?
INCLUSÃO
1) VOCÊS TÊM ALGUM ALUNO COM NEE NESSA ESCOLA? QUANTOS?
QUAL? 2) O QUE É INCLUSÃO PARA VOCÊ? 3) O QUE VOCÊ ACHA DA INCLUSÃO? 4) COMO A ESCOLA TEM IMPLEMENTADO A INCLUSÃO? QUAIS AÇÕES
TÊM SIDO FEITAS? 5) QUAL A MAIOR DIFICULDADE QUE A ESCOLA TEM ENFRENTADO
PARA LIDAR COM OS ALUNOS? E COM AQUELES QUE TEM ALGUMA DEFICIÊNCIA?
6) COMO TEM SIDO SEU TRABALHO PEDAGÓGICO JUNTO AOS PROFESSORES PARA LIDAR COM OS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS?
7) VOCÊ RECEBE ALGUM APOIO PARA LIDAR COM ESSES ALUNOS?
AVALIAÇÃO
1) PARA VOCÊ O QUE É AVALIAR? 2) COMO A ESCOLA ORIENTA A QUESTÃO DA AVALIAÇÃO? QUAIS OS
INSTRUMENTOS? 3) HÁ ALGUMA ORIENTAÇÃO DIFERENCIADA ENTRE A AVALIAÇÃO
DOS ALUNOS COM NEE E OS ALUNOS DITOS NORMAIS? 4) QUAIS OS ENCAMINHAMENTOS PROPOSTOS A PARTIR DO
DIAGNÓSTICO DE DESEMPENHO DOS ALUNOS COM NEE? 5) QUAL A MAIOR DIFICULDADE ENFRENTADA PARA AVALIÁ-LOS? 6) NO FINAL DO ANO LETIVO O QUE A ESCOLA PONDERA SOBRE A
DECISÃO DE APROVAÇÃO DESSES ALUNOS?