inclusÃo dos pequenos agricultores na cadeia produtiva
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Breve estudo focado em artigos sobre harmonização de legislação (UNIDROIT) com o fim de apontar mecanismos jurídicos aptos a incluir, com qualidade, nas cadeias produtivas (value chains)os pequenos agricultores.TRANSCRIPT
FERRAMENTAS LEGAIS PARA A INCLUSÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES NA CADEIA PRODUTIVA
Fabiana de Menezes Soares
Caroline S. Maciel
Thiago Dias Diniz
1. As oportunidades e desafios da inclusão dos pequenos agricultores na cadeia produtiva.
No âmbito do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD), emergem
preocupações legais focadas em trazer pequenos proprietários rurais para as cadeias
produtivas (“value chains”), de forma que elas possam integrá-los ao mercado, sintonizando o
setor agrícola às demandas de consumo.
Os pequenos agricultores enfrentam desafios em função das mudanças de hábitos dos
consumidores, motivadas pela busca de alimentos mais seguros, saudáveis e de maior
qualidade, que sejam produzidos por vias ambientalmente sustentáveis. Esse processo vem
sendo caracterizado por uma substituição de politicas públicas por padrões privados de
produção, estabelecidos por grandes companhias e redes de supermercado. Tais requisitos
que passam a ser exigidos pelos consumidores se encontram progressivamente mais focados
no processo produtivo do que no produto final, o que tem levado a aumentar a ênfase no
rastreamento da origem dos produtos e de todo seu percurso ao longo da cadeia produtiva.
Além de cumprir os requisitos exigidos pelas companhias, os agricultores são requeridos a
atender aos certificados de qualidade, que comprovem terem sido seguidos os padrões de
qualidade.
Essa crescente demanda por produção de qualidade traz também oportunidades para
os pequenos produtores. Entretanto, é necessário que estes se unam em organizações, de
forma a viabilizar sua inclusão no competitivo mercado agroindustrial.
A IFAD convenceu-se de que organizações mais fortes de pequenos agricultores,
pecuaristas e pescadores são essenciais para enfrentar esses desafios e ampliar as
oportunidades. A cooperação entre os produtores rurais aumenta seu acesso aos mercados e
ao conhecimento técnico, assim como a sua capacidade de alocar recursos e infraestrutura e
influenciar coletivamente programas e políticas de desenvolvimento. Atribui-se-lhes, também,
um poder mais forte de barganha nas cadeias produtivas.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Observatório para qualidade da lei- Profa Associada da UFMG, Bolsista PDTI
vinculada ao Projeto Inovadefesa-Cnpq.
Bolsista Pibic- Grupo de Pesquisa Observatório para qualidade da lei- vinculada ao Projeto Inovadefesa-Cnpq
Bolsista Pibic- Grupo de Pesquisa Observatório para qualidade da lei- vinculado ao Projeto Inovadefesa-Cnpq
Dentre os benefícios esperados, portanto, da organização dos agricultores, podemos
apontar a possibilidade de contrabalancear o modelo verticalizado dos mercados de
commodities, conferindo aos pequenos produtores condições de participar das decisões sobre
sua própria atividade. Ter-se-ia uma descentralização mais efetiva do poder entre os
participantes do processo produtivo. Essa estrutura organizacional potencializa as
possibilidades de obtenção de crédito e enseja relações mais duradouras entre os produtores
e os consumidores.
Uma organização formal, estabelecida segundo parâmetros legais, é capaz de prover
aos agricultores serviços que suportem suas atividades, como negociação com consumidores,
coleta de informações sobre o mercado, assistência técnica e processamento dos produtos.
Esse tipo de organização costuma voltar-se ao gerenciamento das relações mantidas entre
seus membros e os atores externos, em contraste com as organizações tradicionais
(informais), mais centradas nas relações internas de uma dada comunidade. Pontua-se que a
necessidade de estruturas formais envolvendo o funcionamento dessas organizações varia em
função do tipo e objetivo para o qual são estabelecidas, devendo levar-se em conta, inclusive,
possíveis implicações tributárias.
Por fim, deve-se propugnar por uma estrutura eficaz e adaptável, que permita ao
agricultor começar sem excessos de formalidades, regularizar sua situação sem entraves, ou,
se o empreendimento é malsucedido, interrompê-lo sem grandes danos. Resta avaliar como os
instrumentos legais podem contribuir para a inclusão dos pequenos agricultores na cadeia
produtiva; temos, nesse cenário, o Contract Farming e a organização em cooperativas.
1.1 Estratégias de colaboração agrícola no âmbito contratual (“contract farming”).
“Contract Farming” (CF) consiste no acordo efetivado, no âmbito da atividade agrária,
entre compradores e produtores, estabelecendo as condições de produção e venda.
Como mecanismo para coordenar as ligações entre agricultores e o agronegócio, permite o
acesso daqueles ao mercado nacional e internacional e a elevação dos rendimentos em áreas
rurais remotas. Sob a perspectiva das companhias envolvidas na produção, processamento e
venda dos produtos agrícolas, a referida prática contratual pode assegurar o suprimento da
demanda dentro dos parâmetros de qualidade, assim como a redução de custos
administrativos. Há de se ter em conta um adequado desenho institucional, que suporte as
partes na correta implementação dos contratos. Outras relações contratuais soem perfazer-se
em conjunto, de forma que alguns acordos agrários podem incluir cláusulas regendo a
provisão de crédito por uma instituição financeira, e há casos em que se vislumbram uma
variedade de partes envolvidas: produtor, compradores, banco e governo, que pode iniciar o
projeto de contrato na promoção de políticas públicas, auxiliar no acesso à terra e incluir
suporte à produção e assistência técnica.
A CISG (United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods)
propicia o arcabouço legal para muitos contratos de vendas transnacionais de bens móveis e
estabelece direitos e obrigações para as partes contratantes (se constituídas de países
membros), figurando como força unificadora das disposições pertinentes e guia de
interpretação. Outro documento de referência internacional é o UNIDROIT Principles of
International Commercial Contracts (PICC). Vale lembrar, contudo, que, por tratar-se de “soft
law”, não é vinculante para as partes, a não ser que explicitamente adotada por um dado
contrato. Não obstante, é possível que seja aplicada na forma de princípios gerais de direito
internacional e forneça também parâmetros para as legislações no âmbito doméstico.
Organizações Internacionais, como a FAO, também podem providenciar diretrizes focadas no
“Contract Farming”.
Apesar de mais específico que o Código Civil, um código agrário sói ainda conter uma
variedade de provisões sem relevância para o núcleo jurídico concernente ao CF, assim como
ocorreria numa legislação geral dos contratos. Essas diferentes fontes de direito interno
podem ser combinadas dentro da hierarquia normativa a ser considerada, segundo as
especificidades de cada país. Nos Estados Unidos, encontramos uma regulação específica
(“Especific Contract Farming Legislation”) que aponta uma estreita subseção das práticas
contratuais agrárias (“Contract Farming”), mas a legislação contratual mais ampla ainda se
aplica (“General Contract Legislation”).
O fortalecimento do marco regulatório sobre o CF ajuda a proteger os agricultores do
abuso de poder por parte dos seus compradores. Uma regulação incompleta ou inadequada os
expõe a situações de submissão a cláusulas abusivas e contratos não paritários, ou cláusulas
contratuais obscuras e ambíguas, com riscos ocultos. Governos devem facilitar o acesso dos
produtores às informações de mercado e fomentar o diálogo entre as partes; têm, ainda, o
papel de assegurar a avaliação do controle de qualidade e certificação, juntamente com
mecanismos de transparência, e de criar meios de resolução de disputas contratuais mais
rápidos, acessíveis e eficientes. Um sólido regime legal para tais contratações é fundamental
para a melhoria do acesso à informação – sobre os direitos envolvidos.
Resta saber se os pequenos produtores podem ser efetivamente incluídos nos arranjos
do CF; nem a literatura, nem as evidências práticas são conclusivas a respeito.
1.2 Estruturas legais para organização dos produtores: o papel das cooperativas.
Cooperativas possuem elevada relevância econômica e social. Atualmente, há quase 1
(um) bilhão de membros em cooperativas de todos os tamanhos e tipos, em todos os setores
da economia e em quase todos os países. Milhões de pequenas e médias cooperativas
contribuem substancialmente para o PIB de diversos países.
Enquanto as sociedades anônimas contam com ampla regulação legal, as cooperativas
não recebem a devida atenção da legislação. Entretanto, a existência de legislação adequada é
um elemento fundamental para o desenvolvimento das cooperativas. Alia-se a esse fato a
percepção de que o desenvolvimento agrícola e a existência de cooperativas andam juntos.
Os elementos da estrutura legal das cooperativas permitem que elas contribuam para
os quatro aspectos do desenvolvimento econômico sustentável, quais sejam, estabilidade
financeira, equilíbrio ecológico, justiça social e estabilidade política.
As cooperativas devem ser formadas pela iniciativa de seus membros e suas operações
determinadas por eles mesmos, permitindo que o processo decisório referente às condições
de produção se desenvolva num ambiente de maior autonomia. Todavia, elas foram, muitas
vezes, instrumentalizadas por partidos políticos e por propósitos desenvolvimentistas externos
à realidade dos produtores.
Desse modo, as cooperativas enfrentam dois grandes desafios, um político e um legal:
o desafio político consiste em banir definitivamente a instrumentalização (indevida) das
cooperativas; já o desafio legal consiste em lidar com o negligenciamento das cooperativas,
que não são devidamente contempladas pelo processo legislativo. Caso esses desafios sejam
ultrapassados, a estruturação dos pequenos produtores em cooperativas pode potencializar o
crescimento agrícola.
Bibliografia:
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Disponível em: Uniform Law Review/Revue de Droit Uniforme – NS – Vol. XVII – UNIDROIT –
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