inclusão de alunos deficientes visuais no curso superior ... descritos as ferramentas e os...

20
69 Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016 Inclusão de alunos deficientes visuais no curso superior de tecnologia em alimento: um relato de experiência Amabriane da Silva OLIVEIRA 1 Aline de Cássia Damasceno LAGOEIRO 2 Resumo: “Necessidades educacionais especiais” é a expressão associada à di- ficuldade de aprendizagem e não propriamente à deficiência apresentada pelo educando. Os cursos superiores de tecnologia difundidos atualmente foram con- cebidos como uma modalidade de educação profissional que está diante de um grande desafio, que é incluir alunos com deficiência visual, pois é direito consti- tucional desse aluno cursar tal nível superior. Devido a isso, objetivou-se relatar a inclusão de alunos deficientes visuais no curso superior de tecnologia em ali- mento, bem como fundamentar o acompanhamento, desenvolvimento e inclusão no mercado profissional desses alunos. Por meio de relato de experiência, foram descritos as ferramentas e os procedimentos desenvolvidos, com a finalidade de divulgar essa ação inclusiva. Sendo assim, por meio da fundamentação teó- rica e discussão das ações desenvolvidas em uma instituição de ensino superior na cidade de Marília-SP, pôde-se constatar a maneira como se procedeu a esse processo de inclusão, bem como a profissionalização e ingresso de dois alunos deficientes visuais no mercado de trabalho. Palavras-chave: Educação Especial. Inclusão. Tecnologia em Alimento. Defi- ciência Visual. 1 Amabriane da Silva Oliveira. Especialista em Educação Especial pelo Claretiano - Centro Universitário. Especialista em Gestão do Controle de Qualidade em Alimentos pela Faculdade de Tecnologia “Rafael Almeida Camarinha” (FATEC-Marília). Tecnóloga em Alimentos pela mesma instituição. Técnica em alimentos pelo SENAI José Polizotto, Marília (SP). E-mail: <amabriane@ r7.com>. 2 Aline de Cássia Damasceno Lagoeiro. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela mesma instituição. Docente do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus Itapetininga (SP). E-mail: <[email protected]>.

Upload: trinhkhanh

Post on 08-Nov-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

69

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

Inclusão de alunos deficientes visuais no curso superior de tecnologia em alimento: um relato de experiência

Amabriane da Silva OLIVEIRA1

Aline de Cássia Damasceno LAGOEIRO2

Resumo: “Necessidades educacionais especiais” é a expressão associada à di-ficuldade de aprendizagem e não propriamente à deficiência apresentada pelo educando. Os cursos superiores de tecnologia difundidos atualmente foram con-cebidos como uma modalidade de educação profissional que está diante de um grande desafio, que é incluir alunos com deficiência visual, pois é direito consti-tucional desse aluno cursar tal nível superior. Devido a isso, objetivou-se relatar a inclusão de alunos deficientes visuais no curso superior de tecnologia em ali-mento, bem como fundamentar o acompanhamento, desenvolvimento e inclusão no mercado profissional desses alunos. Por meio de relato de experiência, foram descritos as ferramentas e os procedimentos desenvolvidos, com a finalidade de divulgar essa ação inclusiva. Sendo assim, por meio da fundamentação teó-rica e discussão das ações desenvolvidas em uma instituição de ensino superior na cidade de Marília-SP, pôde-se constatar a maneira como se procedeu a esse processo de inclusão, bem como a profissionalização e ingresso de dois alunos deficientes visuais no mercado de trabalho.

Palavras-chave: Educação Especial. Inclusão. Tecnologia em Alimento. Defi-ciência Visual.

1 Amabriane da Silva Oliveira. Especialista em Educação Especial pelo Claretiano - Centro Universitário. Especialista em Gestão do Controle de Qualidade em Alimentos pela Faculdade de Tecnologia “Rafael Almeida Camarinha” (FATEC-Marília). Tecnóloga em Alimentos pela mesma instituição. Técnica em alimentos pelo SENAI José Polizotto, Marília (SP). E-mail: <[email protected]>.2 Aline de Cássia Damasceno Lagoeiro. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela mesma instituição. Docente do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus Itapetininga (SP). E-mail: <[email protected]>.

70

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

Inclusion of visually impaired students in the undergraduate program of Food Technology: an experience report

Amabriane da Silva Oliveira SHIMITEAline de Cássia Damasceno LAGOEIRO

Abstract: “Special educational needs” is the expression associated to the learning difficulty, not the learner’s impairment itself. Undergraduate programs on technology broadcast nowadays were conceived as a modality of professional education that faces a great challenge, which is including visually impaired students, once these students have the constitutional right to take undergraduate programs. Due to this, we aimed at reporting the inclusion of visually impaired students in the undergraduate program of food technology, as well as substantiating the monitoring, their development and insertion in the labor market. By means of the experience report, the tools and procedures involved were described, aiming at broadcasting such inclusive action. Thus, by means of the theoretical basis and discussion of actions developed in a higher education institution in the city of Marília-SP, it was possible to verify how this inclusion process was carried out, as well as the professionalization and admission of two visually impaired students in the labor market.

Keywords: Special Education. Inclusion. Food Technology. Visual Impairment.

71

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

1. INTRODUÇÃO

“Necessidades educacionais especiais” é a expressão utiliza-da quando se faz referência a crianças, jovens e adultos que têm necessidades educacionais decorrentes de uma elevada capacidade intelectual ou de alguma dificuldade em aprender. Portanto, essa expressão está associada à dificuldade de aprendizagem, e não à deficiência apresentada pelo educando (OLIVEIRA, 2011).

De acordo com a declaração de Salamanca (2003), define-se como “aluno com necessidades educacionais especiais” o indivíduo que, por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos no domínio das aprendizagens curriculares correspondentes à sua idade, necessita de recursos pedagógicos e metodologias edu-cacionais específicas. A classificação desse aluno, tendo em vista a prioridade no atendimento educacional especializado, consta da referida política e da evidência aos deficientes intelectuais, visuais, auditivos, físicos, deficiências múltiplas, pessoas com condutas tí-picas e superdotadas.

No ano de 1996, foi elaborada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9.394/96, que aborda o direi-to à educação escolar de educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino. Em seu artigo 58, é determinado o acompanhamento do aluno por serviços de apoio especializado, atendimento educacional em sala de aula e o início do acompanhamento, que deve ocorrer na educação infantil na fai-xa de zero a seis anos. Já em seu artigo 59, é descrita a segurida-de aos educandos com necessidades especiais ao acesso a recursos educativos e organização específica para o seu aprendizado, assim como terminalidade específica, professores especializados, educa-ção especial para o trabalho e acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares no ensino regular.

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educa-ção Básica (2001) discorrem sobre a educação inclusiva, fazendo referência ao sistema educacional como agente promotor de mu-danças no âmbito político, técnico-científico, pedagógico e admi-nistrativo. Essas mudanças visam à promoção da inclusão de alu-

72

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

nos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, não garantindo somente a sua permanência física nesse ambiente, mas desenvolvendo as potencialidades desse alu-no, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades para que se desenvolva, aprenda e seja feliz na escola. Todavia, para que isso ocorra, são necessárias mudanças no projeto político-pedagó-gico da instituição.

Os cursos superiores de tecnologia, difundidos atualmente, surgiram através de estudos históricos acompanhados do avanço da modernidade e aprofundamento das transformações sociais. Nesse sistema educacional brasileiro, a educação tecnológica, formação de nível superior, é voltada para a capacitação profissional. É nessa perspectiva que são concebidos os cursos superiores de tecnologia como uma modalidade de educação profissional, que adequa o en-sino superior ao cenário social e econômico de um país em perma-nente transformação (BRASIL, 2002).

Por meio dessa transformação profissional, cursos com essa origem têm grande procura por estudantes de diversas regiões do Brasil. Nessa realidade, o curso de tecnologia está diante de um grande desafio, que será incluir alunos com deficiência visual, pois é direito constitucional desse aluno cursar tal nível superior. Em virtude de o curso superior de tecnologia ser extremamente prático, o aluno tem um grande aprofundamento teórico sobre a área que se destina o curso, mas também pratica de forma intensa a teoria discutida.

A deficiência visual, por sua vez, é uma deficiência sensorial que compreende duas categorias: a de pessoas com baixa visão e a de pessoas cegas. Essas últimas envolvem as pessoas com ceguei-ra congênita e com cegueira adquirida (BRASIL, 2007). Segundo Conzedey et al. (2012), o nível de comprometimento das diferentes funções visuais e o quanto o desempenho visual está prejudicado variam muito entre as pessoas com deficiência visual. De acordo com Vygotsky (1983), uma pessoa com necessidades educacionais especiais exibe condições iguais a uma considerada normal de se desenvolver e aprender. Apesar disso, o desenvolvimento da pessoa com deficiência visual ocorre por caminhos diferentes. No caso do

73

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

aluno com deficiência visual, é imprescindível pensar em adapta-ções curriculares, uma vez que esse aluno precisa de um tempo maior para compreender os conceitos. Ao mesmo tempo, é preciso conhecer bem o estudante, pois cada indivíduo é único, e cada caso também será único. Isso quer dizer que uma adaptação bem-suce-dida a um estudante não necessariamente trará bons resultados com outro (CONZEDEY et al., 2012).

Segundo Kastrup (2007), a deficiência visual produz uma reorganização do sistema cognitivo em função de novos investi-mentos da atenção. Essa reorganização cognitiva não deve ser compreendida como uma compensação dos outros sentidos, nem o aguçamento destes, significando uma orientação à atenção desses sentidos para perceberem signos não visuais. Segundo Vygotsky (1987), a deficiência não é um fator que dificulta a aprendizagem, mas um diferencial que necessita de recursos próprios para que seja garantida a formação do conhecimento. Dessa forma, cabe à escola fornecer instrumentos que garantam a interação da linguagem com o conhecimento. Assim, na sua escolarização, o aluno com defici-ência visual precisará de estímulos, oportunidades e recursos ade-quados, não visuais, que o auxiliem na sua aprendizagem e contri-buam para o desenvolvimento das suas habilidades (CONZEDEY et al., 2012).

Em virtude disso, é preciso disseminar as experiências bem--sucedidas na inclusão de alunos deficientes visuais em cursos de grande demanda prática, provando que a inclusão pode ocorrer em qualquer ambiente – basta que os profissionais da educação estejam abertos a reestruturar e garantir o acesso à educação à diversidade humana. Por isso, este trabalho teve como finalidade relatar a in-clusão de alunos deficientes visuais no curso superior de tecnologia em alimento, bem como fundamentar o acompanhamento, o desen-volvimento e a inclusão no mercado profissional desses alunos.

2. METODOLOGIA

Esta investigação se faz sob a forma de um relato de experi-ência exploratório descritivo, que faz uso de pesquisa bibliográfi-

74

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

ca para descrever o acompanhamento de alunos deficientes visuais durante o período de março de 2010 a março de 2013, realizado pelo professor assistente do curso, com dois alunos deficientes vi-suais graduandos em tecnologia em alimento de uma instituição de ensino superior estadual na cidade de Marília-SP. Os alunos têm idade de 24 e 32 anos, sendo um homem cego e uma mulher com baixa visão, respectivamente.

Esse relato fez a descrição de como ocorreu o ingresso desses alunos desde a prova de seleção para entrada na instituição, como também a convivência em sala de aula, participação nas aulas teó-ricas e nas aulas práticas, utilização de materiais adaptados, utili-zação do ambiente escolar e acompanhamento em sala de recursos pelo professor assistente.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Aspectos teóricos

Segundo Lídio e Camargo (2008), em pesquisa relacionada à percepção do docente universitário na inclusão de alunos com necessidades especiais, faz-se a abordagem da importância da ca-pacitação de docentes ao desenvolvimento pedagógico, baseada na reestruturação da infraestrutura física, reformulação de material di-dático específico e, principalmente, treinamento aos docentes para atender, de forma adequada, os alunos com essas necessidades. Fica claro no estudo que cumprir as leis de cotas, que determinam o ingresso de deficientes nas universidades, não é suficiente para o desenvolvimento educacional deles, mas sim promover condi-ções de acesso e de permanência a esse ambiente. As universidades brasileiras necessitam reorganizar suas unidades curriculares para atender aos aspectos legais da Portaria n. 1793 (BRASIL, 1994), que indica a necessidade de complementar os currículos de forma-ção de docentes, que adquirem característica de mediadores, pes-quisadores e motivadores, tornando-se colaboradores que reconhe-cem e aceitam a diversidade.

75

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

De acordo com os mesmos autores, a inclusão de todos é um fato, e não um sonho; por isso, é necessário o movimento de com-pensação das instituições e dos professores, sendo que estes ne-cessitam de apoio e percepção diante da educação inclusiva, bem como de capacitação e adaptações dos recursos utilizados em sua didática. Os autores fazem referência à apreensão com a relação professor e aluno, pois, ao avaliarem a inclusão em sua pesquisa bibliográfica, encontraram um estudo que avaliou a capacitação de 500 docentes do ensino superior para o ensino aos alunos com ne-cessidades especiais e constataram que 96% dos docentes de ensino público se consideram despreparados, sendo que 87% não tiveram qualquer treinamento específico.

Em pesquisa realizada na Universidade Estadual de Maringá, foram avaliadas a admissão e a permanência de estudantes com necessidade especiais educacionais, pois, até o ano 1998, não havia nessa universidade uma política institucional para o atendimento a vestibulandos portadores de necessidades educativas especiais. Contudo, cumprindo solicitações realizadas pelos familiares dos candidatos ou pelos próprios, por meio da apresentação de laudos médicos, algumas ações foram realizadas gradualmente para per-mitir o acesso ao vestibular. É interessante relatar que essa institui-ção elaborou uma legislação interna, em que regulamentou os pro-cedimentos para o atendimento, no vestibular, a pessoas portadoras de deficiências físicas, auditivas, visuais ou deficiências múltiplas. Em meio a essa lei, foram estabelecidos e descritos os procedimen-tos adotados para o vestibular em relação a cada deficiência, abor-dando a maneira de apresentação das questões. Entre os processos, a ampliação do tempo determinado para a realização das provas, sa-las especiais equipadas de forma adequada à realização das provas, de acordo com o tipo de deficiência e outras possibilidades de for-mato para o cartão de gabarito, diferentes do gabarito padrão, que apresenta pequenos alvéolos em que os candidatos devem marcar suas respostas. O acompanhamento no caso da deficiência visual se dá por meio da utilização de textos ampliados, lupas ou outros recursos óticos especiais para portadores de visão subnormal ou reduzida, bem como utilização de recursos e de equipamentos espe-cíficos para cegos, como provas orais, gravadas ou em Braille, so-

76

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

robã, máquina de datilografia comum ou Perkins/Braille ou outras ferramentas adequadas que atendam às necessidades do deficiente visual, como sistemas de leitura de texto digital com saída em voz e comunicação alternativa (MAZZONI et al., 2001).

Ainda segundo Mazzoni et al. (2001), o insucesso na admis-são na Universidade Estadual de Maringá pode estar relacionado a problemas específicos desse processo, seja no vestibular, seja no Enem, e, também, a problemas na formação obtida por esses can-didatos nos níveis de ensino. O autor relata que o vestibular é, atu-almente, o único sistema de informação acadêmico da instituição, que identifica o aluno portador de necessidades especiais. Além disso, os autores discorrem sobre a necessidade de que o sistema acadêmico registre a presença de um aluno deficiente para o pre-paro de salas de aula com melhores condições de acessibilidade. Outros questionamentos são feitos pelos autores sobre a inexistên-cia de um sistema de informações organizado para captar os dados reais, pois apenas o vestibular identifica os portadores de deficiên-cias e somente aqueles que desejem se identificar como tais. Ou-tra observação que foi constatada é a referente à compreensão do conceito do que seja uma pessoa portadora de necessidades educa-cionais especiais, sendo que esse conceito não está claro dentro da comunidade universitária.

Em relação à presença de estudantes com deficiência visual, os mesmos autores relatam que eles consideram que estão estu-dando em condições desvantajosas, pois seus professores utilizam variedades de textos que não estão disponíveis para leitura em for-mato digital ou em Braille, no mesmo intervalo de tempo em que ficam disponíveis para os outros alunos. Outra desvantagem que foi descrita é a inexistência de livros em Braille na biblioteca da universidade. Os estudantes com deficiência visual reivindicaram o acesso a tecnologias mais atualizadas para suas atividades na sala de aula, pois dispõem de computadores apenas em suas casas ou nas salas de trabalho de seus professores. Disseram que os grava-dores são inadequados para que eles possam acompanhar as aulas e solicitaram tecnologias semelhantes aos sistemas de Braille falado. Necessitam, também, de alguma bibliografia em forma digital, tais como dicionários e gramáticas para utilização na sala de aula.

77

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

No artigo elaborado por Nuernberg (2008), foram referidas as contribuições de Vygotsky para a educação de pessoas com defici-ência visual, apontando para a heterogeneidade do grupo que parti-cipa dessa condição, dando atenção à importância da personalidade dos sujeitos. A reação subjetiva aos limites próprios à deficiência e o lugar que ocupa essa condição na totalidade de suas caracte-rísticas são aspectos fundamentais de seu processo de constituição como sujeito. Devido a isso, o autor relata que a compensação se es-tabelece em uma situação que beneficia as oportunidades para que o sujeito alcance os mesmos fins que o processo educacional das pessoas consideradas “normais”. E, assim, a aquisição desse lugar determina um sistema educacional que tem caminhos alternativos para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e que se apoia em formas de ação mediada, que promove a substituição das funções lesadas por formas superiores de organização psíquica. O autor, ao revisar as perspectivas teóricas de Vygotsky em seu tempo sobre o desenvolvimento e educação de cegos, demonstra a negação da noção de compensação biológica do tato e da audição em função da cegueira e coloca o processo de compensação social centrado na capacidade da linguagem de superar as limitações pro-duzidas pela impossibilidade de acesso direto à experiência visual. O princípio de mediação semiótica do funcionamento psíquico já ampara essa suposição, pois sustenta que, a partir da intersubjeti-vidade, o ingresso à realidade se realiza por meio da significação e pela mediação do outro.

De acordo com Nuenberg (2008), o conhecimento resulta de um processo de apropriação que se realiza nas e pelas relações so-ciais. Isso é relatado segundo análise dos descritos de Vygotsky (1983), em que se fala da teoria histórico-cultural, que possibilita a condição da visão mesmo para aquele que é cego. Isso ocorre devido ao enfoque qualitativo do desenvolvimento psicológico na presença da cegueira e compreende a condição de reestruturação de toda a atividade psíquica, condicionando as funções psicológicas superiores a produzirem um papel diferente dos que enxergam. Por isso, segundo o autor, a deficiência e seu processo de compensação social indicam a possibilidade do estabelecimento de integrações interfuncionais diferentes daqueles esperados na condição normal.

78

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

Em relação à cegueira, no papel em que funções psicológicas su-periores são apresentadas como a memória mediada, a atenção e a imaginação demonstram sua importância no desenvolvimento do sujeito com o universo sociocultural e o modo como essas funções se vinculam ao pensamento conceitual.

No trabalho realizado por Rocha et al. (2003), que discorre sobre as possíveis contribuições da terapia ocupacional nos pro-cessos de inclusão escolar, é relatada a situação dos professores, que se sentem despreparados e necessitam de parcerias e apoio, desconhecem questões básicas sobre as condições dos alunos com deficiência e, muitas vezes, sentem-se impotentes em sua ação es-pecífica. Segundo os autores, a falta de saber sobre aspectos ineren-tes às deficiências e sobre as alternativas para cada criança provoca situações de medo, de recusa, de preconceito em relação à presença do aluno deficiente em sala de aula.

Com essas atitudes, são encontrados nas salas alunos impo-tentes, desmotivados e professores assustados e contrários à in-clusão, acreditando que o aluno deficiente é um grande problema, aliado aos outros já recorrentes na escola. Isso resulta na despoten-cialização do professor como educador e da criança como aprendiz, fazendo que muitos alunos com deficiência passem pela escola por um período de suas vidas, depois sejam abandonados, sem nenhum projeto de vida acadêmica futura. Na pesquisa, fica clara a neces-sidade do desenvolvimento de um trabalho com os educadores, os alunos, os pais, a comunidade, com a intenção de detectar as difi-culdades, os sentimentos, as emoções que permeiam o relaciona-mento com a proposta da inclusão, desvelando os sentidos que a deficiência tem para todos e debatendo os aspectos que permeiam o imaginário social do grupo. Os autores enfatizam à conscientização de que a união entre professores, alunos com deficiência, família, comunidade e sociedade é primordial e que esses são objetos e su-jeitos dessa nova produção, em direção à redefinição de um novo sentido para a deficiência e inclusão social.

Ainda segundo Rocha et al. (2003), as diferentes formas de intervenção da terapia ocupacional, como o uso de tecnologia as-sistiva, análise de atividades, a facilitação das tarefas da vida diária

79

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

e da vida prática, a introdução da comunicação alternativa, entre outras, são estratégias possíveis para a vida do aluno deficiente em cursos superiores. A metodologia de trabalho que pode ser aplicada ao acompanhamento de alunos deficientes visuais acontece, tam-bém, pela utilização e acesso do aluno com deficiência aos recursos de informática, como os softwares especiais, ponteiras e adaptação de teclados. Outra metodologia que pode ser empregada é a intro-dução da tecnologia assistiva adequada às necessidades advindas de diferentes incapacidades, tais como engrossadores de lápis, giz de cera, suporte de livros, cadernos e lupas, bem como a capacita-ção dos educadores para sua indicação e uso adequado pelos alu-nos, que também pode ter um caráter esclarecedor dos limites e alcances desse tipo de aparato tecnológico na relação do aluno com o meio e com a aprendizagem.

Como mais um instrumento de trabalho, tem-se a introdução da comunicação alternativa para as crianças com dificuldades nesse campo. Esse trabalho pressupõe uma participação ativa do profes-sor para a sua prática. Ainda, os autores defendem o apoio da tera-pia ocupacional como ferramenta a ser utilizada para proporcionar reflexões a respeito da autonomia do professor, colaborando com ele na observação das necessidades de cada criança e a criar junto com esta as soluções para suas dificuldades.

Uma possibilidade de exemplificar a inclusão de alunos de-ficientes visuais de forma prática foi reportada no estudo de Fialho e Silva (2012), que discorrem sobre a informação e conhecimen-to acessíveis aos deficientes visuais em bibliotecas universitárias, acercando a acessibilidade na biblioteca como fundamental para que todos os usuários se sintam incluídos na sociedade, devendo existir preocupação pelos profissionais da informação em adequar suas unidades para atender toda uma diversidade de usuários. Com isso, incluem-se os alunos com deficiências visuais, que devem ser apoiados do início ao final do curso. No trabalho, são abordadas as diferentes definições de acessibilidade, sendo a que melhor especi-fica o trabalho com o deficiente visual aquela que diz ser a possibi-lidade de alcance aos espaços físicos, à informação, aos instrumen-tos de trabalho e estudo, aos produtos e serviços, fazendo referência à qualidade de vida de todas as pessoas.

80

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

De acordo com os autores, os deficientes visuais devem ser incluídos nesse tipo de atendimento, tendo a garantia de satisfação ao procurarem a biblioteca. Para a educação superior, os deficientes visuais contam com o apoio da Portaria nº. 3.284, que exige alguns requisitos de acessibilidade, contribuindo, assim, para o seu bom rendimento na universidade. A biblioteca universitária também é responsável por essa acessibilidade; devido a isso, o uso de recur-sos óticos ajuda a melhorar o desempenho visual através da am-pliação de imagem, como óculos, lupas e telescópios. Os livros im-pressos em Braille não tem muita demanda, mas também são uma possibilidade de ferramenta de informação, assim como o acervo em áudio, que, segundo os autores, contemplam assuntos relativos a concursos públicos e textos acadêmicos científicos.

Outra situação relatada por Fialho e Silva (2012) é a de salas de leitura, nas quais um funcionário faz a leitura dos conteúdos para os usuários. A biblioteca pode se utilizar, ainda, dos benefícios dos softwares, os quais permitem que os deficientes visuais possam usufruir da tecnologia para se tornarem mais interativos e indepen-dentes quando buscam por informações e conhecimento. Os leito-res de tela são programas que interagem com o sistema operacional do computador, capturam as informações textuais e as transformam em resposta falada, através do uso do sintetizador de voz. O usuá-rio pode ouvir o que está sendo demonstrado à medida que navega pelo sistema e executa comandos. Um exemplo dessa ferramenta é o programa Dosvox, que é um sistema operacional que se comunica com o usuário por meio de síntese de voz, em português. Esse pro-grama foi desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ e tem distribuição gratuita.

Em relação à inclusão no mercado de trabalho, Brumer et al. (2004) mostram a perspectiva econômica do deficiente visual em escolas técnicas e no ensino superior no Rio Grande do Sul. O au-tor cita que, em 2001, em uma escola técnica, foram selecionados dois deficientes visuais no curso de Sistema de Informações e que a escola se adequou quanto à infraestrutura para recebê-los, além de ter oferecido treinamento para seus professores. Os professores criticaram a falta de materiais didáticos, apesar do excelente ren-dimento obtido pelos alunos nas matérias como português, lógica

81

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

e contabilidade. Além disso, a escola afirma a inclusão dos alunos deficientes no programa de estágio, que é realizado pela união de diversos agentes sociais. No caso do Rio Grande do Sul, existem diversas entidades que fazem o intermédio desse trabalho, como o Ministério do Trabalho, que, por meio da secretaria de políticas pú-blicas de emprego e salário, apresenta convênio com as empresas.

De acordo com Brumer et al. (2004), percebeu-se que houve um maior número de vagas de emprego do que o de candidatos e um número maior de inscritos do que o de colocados. Isso levou o autor a concluir que esses fatores ocorrem devido à baixa qua-lificação dos deficientes ou da oferta de vagas para atividades em que essas pessoas não têm qualificação. Além disso, existe outra dificuldade quanto às vagas oferecidas, pois elas muitas vezes se limitam a cargos como telefonista e ascensorista. Nesse sentido, é muito comum observar profissionais qualificados, em certos casos com nível superior de ensino, em funções de baixa qualificação. Segundo Brumer et al. (2004), a lei garante a obrigatoriedade das empresas de contratarem pessoas com deficiência, determinando que as empresas maiores devem contratar um número de deficien-tes proporcional ao seu quadro de funcionários; no entanto, a lei não especifica o tipo de deficiência. Com isso, os deficientes visu-ais são preteridos em benefício de outros deficientes que as empre-sas consideram mais aptos para exercer as funções existentes.

Relato de experiência

O primeiro contato dos alunos deficientes visuais com a ins-tituição de ensino, que contém o curso de Tecnologia em Alimen-tos, foi por intermédio do processo seletivo. O vestibular é a única ferramenta que promove a interação primária entre a instituição e o candidato. Nesse processo, são solicitados os laudos da deficiência para que o aluno possa disputar sua vaga de acordo com as co-tas a que tem direito. Entretanto, esse processo é muito frágil, pois necessita que o deficiente se declare como tal e solicite aplicação da lei de cotas, assim como as adaptações necessárias para a rea-lização da prova. Outro fator que interfere nesse processo é a falta de aparatos e de treinamento da equipe responsável pelo vestibular

82

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

quanto à acolhida desse aluno desde a inscrição até a realização da prova. A falta de um processo organizado, que discrimina as etapas a serem cumpridas para orientação dos profissionais que atuam no processo seletivo, como também a fragilidade em conhecer o perfil do aluno deficiente que adentrará esse curso prejudicam o atendi-mento e o processo de inclusão. Além disso, a instituição deve ser adaptada de acordo com as normas de acessibilidade para que os alunos possam se locomover com segurança e autonomia por todas as dependências.

Na instituição de ensino superior da cidade de Marília-SP, os candidatos que se identificam na etapa de inscrição do proces-so seletivo apresentam laudo médico da deficiência e solicitam as adequações. Os deficientes visuais são acompanhados por um me-diador que os auxilia na compreensão de tabelas e figuras que com-põem a prova. Além disso, é disponibilizado um computador com o programa Dosvox para que a prova possa ser respondida, assim como a redação em sala específica para o deficiente visual. Para o aluno com baixa visão, a prova é ampliada e o mediador o auxilia em possíveis dúvidas na leitura e preenchimento dos gabaritos e da redação. Ao término da prova, são preenchidos os gabaritos, e a redação é impressa e entregue para o fiscal da sala.

Com a aprovação no processo seletivo, o aluno é orientado quanto às documentações e datas para proceder a sua matrícula. Nesse momento, é reportada uma dificuldade, pois o sistema da fa-culdade ainda não é informatizado completamente. Com isso, faz--se necessário o acompanhamento do deficiente visual e de baixa visão por um responsável para o preenchimento da documentação, o que ocasiona a dificuldade e o comprometimento da autonomia do deficiente visual.

Já matriculado na instituição como aluno regular do curso de Tecnologia em Alimento, o estudante é direcionado para o primeiro contato com o professor assistente, que o orienta sobre seu acom-panhamento em sala de recurso e em aulas práticas, quanto à sua organização e postura durante o curso para que tenha uma formação profissional de qualidade. Nesse momento, o aluno também faz o primeiro contato com sua sala de aula regular. Por meio desse con-

83

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

tato, percebe-se a ansiedade do aluno em conhecer o ambiente que vai frequentar, como também avaliar a sua aceitação pela turma. Observando essa etapa, constatou-se que o aluno deficiente visual se demonstrou muito feliz pela oportunidade de estar na instituição; porém, ele se posicionava de forma a defender-se da necessidade de auxílio dos professores e colegas de sala, como também necessitava afirmar-se autônomo em toda oportunidade que tivesse. Já o aluno de visão baixa se demonstrou acuado e preocupado em prejudicar o desenvolvimento da sala de aula, por necessitar de adaptações e, também, por ter uma idade maior que a média de sua sala.

Por meio dessas observações feitas pelo professor assisten-te, foi realizado um trabalho de apresentação e inclusão do tema deficiência tanto na referida sala de aula, como também em toda a instituição, sensibilizando professores, alunos e funcionários sobre essa temática e sobre a necessidade de compreender que, apesar das limitações, essas pessoas têm potencialidades e fazem parte da diversidade humana. Com isso, fica explícito que os alunos defi-cientes visuais são exemplo de comprometimento e determinação por sua postura como alunos. Mesmo com esse trabalho, foi ob-servada resistência dos demais alunos quanto ao desenvolvimento dos alunos deficientes providos pelo estigma que a eles são con-cernidos, também quanto à sua capacidade de exercer as atividades sem serem auxiliados ou favorecidos pelos professores. Outro fator importante foi o descontentamento com o desenvolvimento satisfa-tório dos alunos deficientes, fazendo que os demais questionassem o acompanhamento de alunos deficientes como um privilégio e que isso deveria ser estendido para todos os alunos do curso regular.

O acompanhamento em aulas práticas e em sala de recurso é realizado pelo professor assistente, que tem a função de organizar e desenvolver materiais alternativos para que os alunos com defi-ciência visual possam compreender os conteúdos. Tanto o aluno com deficiência visual quanto o aluno com baixa visão frequentam as aulas em sua sala regular no período por eles escolhido no ato de sua matrícula. No período inverso, o aluno segue para a sala de recurso e, nesse ambiente, preparado para o seu acompanhamen-to, realiza uma discussão do assunto abordado nas disciplinas do dia. Por meio dessas discussões, são sanadas dúvidas e respondidos

84

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

questionamentos feitos pelo professor assistente com a finalidade de fixar o conteúdo ministrado na disciplina. Além disso, são dis-ponibilizados materiais em áudio, ampliados e convertidos para leitura no programa Dosvox, para que os alunos continuem seus estudos em domicílio e possam realizar suas atividades e trabalhos acadêmicos. Todo o material disponibilizado, como os livros e de-mais arquivos indicados e utilizados pelo professor da disciplina, são compilados e reproduzidos na íntegra pelo professor assistente. Outro cuidado garantido pelo professor assistente é ofertar ao aluno materiais disponíveis somente impressos, pois a biblioteca da ins-tituição não tem sistema para digitalização, como também não tem materiais em Braille.

Nas aulas práticas, o professor assistente faz uso da comu-nicação alternativa, pois o curso de tecnologia em alimentos tem em seu plano de ensino disciplinas com grande demanda da área química e microbiológica, que exigem a compreensão de reações e ações que são completamente visuais. Para que os alunos defi-cientes visuais possam entender e criar o raciocínio necessário para aprender determinada metodologia, o professor assistente simula e adapta materiais para que o aluno construa mentalmente, através de seus sentidos, uma visão sistêmica da técnica, como também compreenda os cuidados e os parâmetros de controle para exercer tal procedimento. Nas aulas que envolvem o processamento de ali-mentos, os alunos deficientes podem envolver-se com a técnica, pois realizam as atividades e comandam os equipamentos na práti-ca. Para que isso ocorra, é necessária a construção de um plano de segurança do trabalho, que não auxilia somente o aluno deficiente, mas todo e qualquer profissional ou aluno que atue nesse ambiente.

Os alunos deficientes visuais frequentam o curso em sala re-gular e como tal participam das mesmas interações sociais e de avaliação de conteúdo realizadas pelos alunos do curso de Tecnolo-gia em Alimentos. Esse tipo de posicionamento da instituição con-tribui para a autonomia e para o desenvolvimento social de todos os alunos. Nas semanas de avaliações, assim como nas avaliações parciais, os alunos deficientes visuais respondem suas provas indi-vidualmente, sendo, no caso do aluno de visão baixa, com a avalia-

85

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

ção ampliada e, no caso do deficiente visual, em computador. Todo esse processo é acompanhado e orientado pelo professor assistente.

Além do acompanhamento didático, por intermédio e inte-gração do professor assistente e do setor de estágios da instituição, esses alunos são avaliados e encaminhados para processos seletivos em indústrias de alimentos. Nesse processo, o poder de decisão e definição de cargos ocorre a critério da empresa, mas a instituição acompanha e avalia a real contribuição do cargo para o desenvol-vimento profissional do aluno, como também a sua segurança no ambiente de trabalho. Ambos os alunos ingressaram em programas de estágio, atuando nos setores de controle e garantia da qualidade. O aluno deficiente visual já foi efetivado na empresa e responde como fiscal da qualidade, ministrando treinamentos de boas prá-ticas de fabricação nas unidades da empresa. A aluna com baixa visão atua nos laboratórios de prestação de serviços da instituição, sendo responsável pelos procedimentos de análise de composição centesimal de alimentos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relato de experiência é um método de pesquisa que con-tribuiu muito para a construção e divulgação de conhecimento na área de Educação Especial, pois promove a exposição de atividades que auxiliaram pessoas com necessidades educacionais especiais a buscar sua autonomia e o desenvolvimento de suas relações sociais.

Por meio da pesquisa realizada, foi possível compreender a participação e a formação de alunos deficientes visuais no curso superior de Tecnologia em Alimento, pois esse é um nível de for-mação superior que tem grande demanda prática e que contempla em seu currículo disciplinas que exigem acuidade visual. Contudo, esse relato de experiência demonstra a possibilidade desses defi-cientes em cursar tal graduação com a mesma qualidade e enfoque que qualquer outro aluno regular. Além disso, divulga como ocor-reu esse processo de inclusão baseado nas obrigações legais que as instituições de ensino devem cumprir. Entretanto, mais do que

86

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

acatar as leis, as instituições de ensino têm o dever de desenvolver a visão sistêmica do profissional que se propõe formar.

Também é importante divulgar quais procedimentos devem ocorrer para realizar a inclusão de alunos deficientes em cursos su-periores, visto que, neste trabalho, foram descritas as ferramentas e as atividades utilizadas para instruir e formar os alunos no curso de Tecnologia em Alimento. É importante ressaltar a necessidade do acompanhamento por um professor assistente, pois este trabalhará utilizando materiais e estratégias de ensino que visem à comunica-ção alternativa, como também o apoio necessário para que o aluno desempenhe suas atividades durante o curso. Entretanto, faz-se ne-cessário que esse profissional tenha conhecimento prévio sobre a área a que se destina o curso, como, no caso, a área de alimentos. É difícil conseguir obter profissionais com habilidade para trabalhar com a Educação Especial e com formação específica na área; por isso, é imprescindível que esse profissional atue como agente “pon-te” entre o conhecimento desenvolvido pelo professor da disciplina e o aluno deficiente, a fim de promover a comunicação efetiva e o desenvolvimento educativo do aluno.

Ainda sobre esse tema, pode-se explanar em outras pesquisas a importância da comunicação alternativa como ferramenta para promover a inclusão e desenvolver o trabalho de formação profis-sional com alunos com necessidades educacionais especiais. Tam-bém nesse campo, deve-se relatar a importância da formação pro-fissional desses alunos, pois o mercado de trabalho tem a exigência por lei de compor uma parcela de seu quadro de funcionários por pessoas deficientes e comumente argumenta que não consegue cumprir essa obrigatoriedade devido à falta de qualificação profis-sional dessas pessoas. Por meio deste trabalho, foi possível divul-gar a possibilidade que a intermediação da formação profissional promove a inclusão no mercado de trabalho em cargos específicos.

Outra vertente de estudo sobre esse tema é a questão do es-tigma que norteia a formação profissional dos deficientes visuais. Isso ocorre devido à desconfiança e ao preconceito do entorno das relações sociais dessas pessoas, por exemplo, dos demais alunos regulares de sala de aula, dos professores, funcionários da insti-

87

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

tuição, dos familiares e dos próprios deficientes visuais. Trabalhos que abordam a inclusão de deficientes em âmbito profissional são de muita valia, pois, além de divulgar essa experiência, auxiliam os profissionais que atuam na Educação Especial a melhorar e avaliar suas práticas educacionais, assim como contribui para que o cená-rio da deficiência seja desmistificado e que o deficiente deixe de ser julgado antes de poder demonstrar suas potencialidades, pois somente a informação e a disseminação do conhecimento podem promover essas mudanças nas relações sociais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Congresso Nacional. Lei de diretrizes e bases na educação (Lei nº 9.394). Brasília: Centro Gráfico, 1996.

______. Resolução CNE CP 3/2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e funcionamento dos cursos superiores de tecnologia. Brasília, 2002.

______. Ministério da Educação. Portaria n. 1793 – Formação dos Docentes na Educação Especial, 1994. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/port1793.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2013.

______. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para educação especial na educação básica. Secretaria da educação especial -MEC: SEESP, 2001.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, out. 2007, p. 0-15.

______. Portaria nº 3.284, de 07 de novembro de 2003. Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições. Diário Oficial da União, n. 219, seção 1, p. 12, 11 nov. 2003. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port3284.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2010.

______. Secretaria de Educação Especial. Declaração de Salamanca: recomendações para a construção de uma escola inclusiva. 3. ed. Brasília, 2003.

BRUMER, A.; PAVEI, K.; MOCELIN, D.G. Saindo da “escuridão”: perspectivas da inclusão social, econômica, cultural e política dos portadores de deficiência

88

Educação, Batatais, v. 6, n. 1, p. 69-88, jan./jun. 2016

visual em Porto Alegre. Sociologias, Porto Alegre, v. 6, n. 11, p. 300-327, jan./jun. 2004.

COZENDEY, S. G.; COSTA, M. P. R.; PESSANHA, M. C. R. A inclusão na educação de jovens e adultos – EJA: o aluno com baixa visão. Revista Ensaios: Tecendo Redes, v. 1, n. 6, p. 65-85, ago./dez. 2012.

FIALHO, J.; SILVA, D. O. Informação e conhecimento acessíveis aos deficientes visuais nas bibliotecas universitárias. Revista Perspectivas em Ciência da Informação, v. 17, n. 1, p. 153-168, jan./mar. 2012.

KASTRUP, V. A invenção na ponta dos dedos: a reversão da atenção em pessoas com deficiência visual. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 69-93, jun. 2007.

LIDIO, V. M.; CAMARGO, M. A. B. A percepção do docente na inclusão de alunos com necessidades especiais no ensino superior. Rev. Triang.: Ens. Pesq. Ext., Uberaba, v. 1, n. 1, p. 4-19, jul./dez.2008.

MAZZONI, A. A.; TORRES, E. F.; ANDRADE, J. M. B. Admissão e permanência de estudantes com necessidades educativas no ensino superior. Acta Scientiarium, Maringá, v. 23, n. 1, p. 121-126. 2001.

NUERNBERG, A. H. Contribuições de Vygotsky para a educação de pessoas com deficiência visual. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 307-316, abr./jun. 2008.

OLIVEIRA, K. C. A importância do afeto na educação de alunos com necessidades educacionais especiais. 2011. 75 f. Monografia (Especialização em desenvolvimento humano, educação e inclusão escolar) Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília (UNB), Brasília, 2011.

ROCHA, E. F.; LUIZ, A.; ZULIAN, M. A. R. Reflexões sobre as possíveis contribuições da terapia ocupacional nos processos de inclusão escolar. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 14, n. 2, p. 72- 78, maio/ago. 2003.

VYGOTSKI, L. V. Obras escogidas v. fundamentos de defectologia. Moscú: Pedagógica, 1983.

______. A formação social da mente. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.