incêndio: um crime quase perfeito
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7/25/2019 Incndio: um crime quase perfeito
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Incndio: um crime quase perfeito
Alceu Sperana e Regina Sperana
Em 18 de setembro de 1968 uma das tantas tragdias que abalaram Cascavel surgia
novamente ligada ao fogo, destruindo implacavelmente as dependncias do novo Frum
Desembargador Jos Munhoz de Mello, ento instalado na travessa Willy Barth, hoje
travessa Jarlindo Joo Grando, rea mais tarde transferida ao Instituto de Previdncia
Municipal e ocupada por um depsito de empresas pblicas.
Depois que saiu da minha Escola Tcnica, o Frum foi para a travessa. Foi
construdo pela Prefeitura e funcionava bastante apertado, porque j na poca havia
duas varas mais o Cartrio Eleitoral. Os trs cartrios funcionavam num aperto
danado.(Antonio Cid)
O fogo foi descoberto por volta de meia-noite do dia 18 para 19 de setembro. Cid era o
escrivo eleitoral e sua equipe trabalhava at tarde da noite porque faltava pouco mais
de um ms para as eleies.
Ns trabalhvamos toda noite at 11, 11 e meia, s vezes at meia-noite. Naquele dia
em que o Frum incendiou-se, ou pegou fogo, ou atearam fogo, ns samos dali por
volta das 11 e meia. E quando eu e os demais funcionrios entramos na perua Kombi,
eu percebi que a luz do Frum tinha ficado acesa. Ento pedi a um funcionrio, de
nome Joo, para descer e ir l desligar a chave da luz que ficou ligada.(Antnio Cid)
O funcionrio desligou a chave, observado pelos demais colegas e pelo escrivo. Cid
em seguida os deixou, um a um, em suas casas, dirigindo-se, por fim, sua residncia.
Quando acabara de chegar, Cid viu algum surgir desesperado, aos gritos:
Acorda, que o Frum est pegando fogo!
Dirigi-me para l, mas quando cheguei no dava para fazer mais nada. O prdio era
todo de madeira de pinho e havia muito papel l dentro, principalmente na parte
eleitoral, que foi onde comeou o fogo. Ns tnhamos posto todos os processos
eleitorais, tanto daquele ano, 68, quanto dos anos anteriores, no forro. A grande
quantidade de papel que havia ali deve ter ajudado o fogo a se alastrar com relativa
facilidade pelo casaro.(Antnio Cid)
Uma onda de suspeitas, como em 1960, por ocasio da queima da Prefeitura, varreu a
cidade. Os grupos adversrios acusavam-se mutuamente na surdina, porque ningum
tinha coragem de levantar denncias oficiais, na falta de indcios. A ditadura estava para
alcanar o auge e havia muito medo nas ruas da cidade. Alm disso, foi um crime que
tinha tudo para ser perfeito: seus autores s no se lembraram de que o Cartrio do
Distribuidor funcionava na prpria residncia da cartorria Aracy Tanaka Biazetto, queconseguiu preservar boa parte da memria jurdica da Comarca.
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As suspeitas mais evidentes recaram sobre pessoas que tinham contra si aes muito
pesadas, envolvendo elevados interesses financeiros, alm de figures com processos
espinhosos na rea criminal. Um deles, alis, referente a outro sinistro suspeitssimo: o
da Prefeitura, em dezembro de 1960.
Desconfianas sobre o carter criminoso do incndio tambm afloraram quando se
descobriu que alguns processos haviam milagrosamente escapado do incndio. Este foi
o caso de uma tentativa de furto de jipe, acompanhado pelo advogado Valdir Webber.
Ele descobriu que o processo, obrigado a estar no Frum no dia do incndio, havia
inexplicavelmente sido salvo. Havia tambm o complicado processo eleitoral. Um
candidato indesejvel para as elites Zacarias Silvrio deOliveira, que fazia o figurino
populista do velho PTB e depois foi cooptado pelos seus ex-adversrios liderava as
pesquisas informais de opinio que se fazia na poca e concentrava seu eleitorado na
periferia da cidade e na zona rural. A destruio dos registros eleitorais do interior
liquidava suas chances de vitria.
Com a queima do Frum, no se realizariam as eleies que se aproximavam.
Quando o Tribunal Eleitoral j se preparava para isto, o dr. Sidney Dietrich Zappa,
reunindo um grupo de pessoas da cidade, com elas elaborou inteligente plano,
comunicando ao Tribunal que realizaria as eleies (Alcides Pereira, depoimento)
Naqueles meados de setembro, o juiz Sidney Zappa estava para proferir sentenas de
trs ou quatro processos envolvendo grandes interesses pecunirios. As partes que seconsideravam antecipadamente derrotadas teriam teoricamente vantagens com a
destruio definitiva dos processos.
Os prejuzos, afinal, foram imensos, tanto do ponto de vista forense quanto histrico,
sem contar os interesses econmicos das partes prejudicadas, que esperavam para breve
sentenas favorveis s suas demandas. Para agravar mais a situao, por motivos
diversos grande parte dos processos no foram restaurados.
Em 1992, o jornal O Paran, defendendo a retomada pelo Poder Pblico da praa
Wilson Joffre, levantou a suspeita de que a tormentosa demanda em torno do logradouro
guardasse relaes com o incndio de 1968, j que a nica sentena favorvel ao
Municpio foi destruda na ocasio e desde ento o esplio da famlia Saraiva obteve
contnuas vitrias contra a Prefeitura na sequncia da disputa em nvel estadual.
Em 1961, Geraldo Saraiva (j falecido,) entrou na Justia contra o Municpio de
Cascavel. Ele alegava possuir um ttulo foreiro, que teria comprado de Argemiro Beira.
Em 1966, o juiz de Direito Alceu Martins Ricci deu ganho de causa Prefeitura e
declarou nulo o ttulo dopretendente(Marli Cargnin, professora, depoimento a Juliane
Guzzoni, O Paran, 15/11/1992).
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Depois de muitas investigaes, a percia constatou que o incndio do Frum havia sido
efetivamente criminoso. As chamas brotaram justamente pelos fundos do prdio, onde
se encontrava o Cartrio Eleitoral. A constatao chegou a levantar suspeitas sobre a
equipe do cartorrio Antnio Cid, que deixara o frum minutos antes da ecloso do
incndio. No entanto, o Cartrio Eleitoral teria forosamente que ser o alvo inicial de
qualquer incendirio criminoso: era no s a rea mais oculta para o sigilo da ao
quanto a mais propcia para a rpida propagao das chamas. Se era esta a expectativa
dos incendirios, ela foi amplamente confirmada. Quando as chamas chegassem
frente, pouco haveria a fazer para salvar a matria-prima que se empilhava
abundantemente no prdio: milhares de processos de papel guardados por finas paredes
de madeira num glido final de inverno cascavelense.
Assim, com o incndio, o Poder Judicirio estava novamente despejado.Os servios
forenses passaram a ser executados nas dependncias da Cmara Municipal de setembro
de 1968 at 1975, quando foi construdo o Palcio da Justia, na esquina das ruas So
Paulo e Souza Naves.
(SPERANA, Alceu. Cascavel, a justia. Cascavel : Revista Nova Fase, 1994, p.
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