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IN-SITU Informativo do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire – Março/2013 – N o 03 Crânio fóssil Cachorro Vinagre, encontrado por Lund. Veja página 9. Alenice Baeta: Lapa do Ballet, muito mais que um ballet Fábio Ferrer: Patrimônio, Cultura e Preservação em Lagoa Santa Entrevista: Alexandre Delforge fala sobre arqueologia e legislação 8 4 6 Cleito Pinto Ribeiro

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in-situInformativo do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire – Março/2013 – No 03

Crânio fóssil Cachorro Vinagre, encontrado por Lund. Veja página 9.

Alenice Baeta: Lapa do Ballet, muito mais que um ballet

Fábio Ferrer: Patrimônio, Cultura e Preservação em Lagoa Santa

Entrevista: Alexandre Delforge fala sobre arqueologia e legislação

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Gerência: Rosângela Albano Silva

Colaboradores: Alenice Baeta, Alexandre Delforge, Andre Strauss, Cleito P. Ribeiro, Fabiano L. de Paula, Fábio Ferrer, Maria de Fátima G. Gouveia,

Maria Eugenia Oliveira Abras, Natália G. Turchetti, Rosângela Albano Silva

Projeto Gráfico e Diagramação: Objeto de Arte Comunicação & Design

Jornalista Responsável: Cláudia Batista de Andrade MTB-6235

Agradecimentos: Arkeos Consultoria Ltda.

O CAALE participou da 6ª Primavera de Mu-seus promovida pelo IBRAM/MINC, realiza-

da em setembro, apresentando mais um projeto que teve como objetivo tornar o museu mais pró-ximo do público, em especial das instituições que se dedicam à educação inclusiva. O Centro de Arqueologia, trilhando na sua linha de ação de democratizar a informação e divulgar a arque-ologia regional, destacando a sua função social, através do projeto “Museu em movimento: para além das diferenças”, apresentou um vídeo de animação sobre arqueologia.

O vídeo teve grande repercussão não só para o público infantil, mas também para o gran-de público. A informação científica foi passada através de uma linguagem simples e a produção do mesmo teve a participação de alunos da Es-cola Municipal de Lapinha através de seus de-senhos, que ilustraram o roteiro e compuseram a animação.

O CAALE sempre tem buscado essa rela-ção de interação com a comunidade escolar no sentido de cada vez estar sensibilizando-a da importância de conhecer e valorizar o nosso patrimônio.

Em um veículo temático, o “Museumóvel” a equipe do CAALE visitou as escolas municipais e instituições de educação inclusiva: APAE, CAPS e realizou também apresentações ao público em geral.

O vídeo está disponibilizado no Youtube e no site do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus). Acesse http://www.youtube.com/watch?v=CyceFHpqBXE&feature=plcp

Rosângela Albano SilvaArqueóloga, Filósofa, Educadora e

Gerente do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire

Museu em movimento: para além das diferenças

in-situInformativo do Centro de Arqueologia Annette L. Emperaire

EDitoriAL

Chegamos ao fim de mais um ano de trabalho e conquistas e, nesse momento, convidamos você, leitor, para uma reflexão sobre essa trajetória de quase três

décadas e também apresentamos a 3ª edição do In Situ, nosso maior veículo de comunicação com o público em geral.

No último quadriênio conquistamos o tão sonhado espaço próprio através do Decreto municipal de nº.981 DE 28 DE SETEMBRO DE 2009. Esse novo momento ampliou o plano de realizações do CAALE, através das exposições temáticas, perma-nentes e itinerantes. nosso projeto de educação patrimonial tornou-se mais efetivo através das oficinas que realizamos periodicamente.

Por sua vez, o reconhecimento pelo IPHAN como instituição para reserva técnica permitiu a sustentabilidade do CAALE. O fornecimento do apoio institucional aos pro-jetos de pesquisa arqueológica, não só na região de Lagoa Santa como em outras regiões do estado, vem permitindo a aquisição de recursos financeiros com fins específicos para a sua manutenção e, também, da ampliação da reserva técnica, que é a meta principal a ser realizada com brevidade.

O CAALE, selecionado pela OMT, como atrativo turístico, está hoje incluído no Roteiro que faz parte de um dos projetos estruturadores do estado, a “Rota LUND”, que tem seu marco ZERO no Museu da PUC, o marco um no túmulo Dr. Lund e o marco dois aqui, no CAALE. Esses reconhecimentos é que nos move a cada vez mais intensificar o nosso trabalho para a preservação, salvaguarda e divulgação desse nosso patrimônio cultural.

Nessa edição contemplamos nossos leitores com uma entrevista com Alexandre Delforge, gestor do patrimônio arqueológico do IPHAN/MG, abordando a questão do Licenciamento Ambiental para os projetos de arqueologia. Brindamos o leitor, tam-bém, com artigos de pesquisadores que atuam na região em diversos campos de pesquisa, levando ao público a informação das novas descobertas.

Apresentamos um artigo sobre a histórica “Fazenda da Jaguara” localizada no município de Matozinhos, que teve grandes pontos de ligação com Lagoa Santa, como a primeira ocupação da antiga Fazenda do Palmital, por funcionários antigos procedentes da referida fazenda. No próximo número, inclusive, estaremos dando seqüência à história das primeiras fazendas do município.

Trazemos abordagens sobre a memória histórica da lagoa, acompanhado de uma reflexão sobre o desenvolvimento econômico da cidade e da importância das políticas públicas para a cultura.

Como não podia deixar de ser, discutimos o papel educativo do CAALE abor-dando a interação museu/ publico, com seu atendimento personalizado para cada segmento social.

Outro ponto abordado nesse número é a relação intrínseca entre as bandeiras e a ocupação de Minas Gerais, notadamente Lagoa Santa.

Ao concluirmos esse editorial, registramos o agradecimento da equipe do CAALE aos parceiros, colaboradores e amigos que estiveram presentes durante todo ano de 2012. Que essas parcerias se renovem e fortaleçam no próximo ano.

Cumprimentamos a nova gestão do município, desejando um trabalho profícuo em prol da nossa Lagoa Santa e renovamos nosso compromisso, de estar sempre a serviço, valorizando, protegendo e divulgando o nosso Patrimônio.

Rosângela Albano Silva

Secretaria Municipal de Bem-Estar Social - Diretoria de Turismo e Cultura

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A maior riqueza da região de Lagoa Santa é sua complexidade. É por causa dela que Lagoa San-

ta foi capaz de fascinar, geração após geração, todos aqueles que tiveram a sorte de conhecer seus abrigos. É difícil encontrar em todo mundo uma localidade que tenha surpreendido tantas gerações de estudiosos. E é justamente por esse longo histórico de pesquisas que hoje emdia é tão difícil de encontrar na região um abrigo que ainda não tenha sido alvo de escavações arqueológicas ou paleontológicas. Afinal, quais seriam as chances de que um abrigo de grandes proporções tivesse passado despercebido a mais de 180 anos de exploração científica e econômica?

Pois foi justamente essa a primeira surpresa que a descoberta da Lapa do Santo nos reservou. Dentre os maiores abrigos da região de Lagoa Santa, essa lapa revelou abrigar um pacote arqueológico denso, muito bem preservado, datado do final do Pleistoceno e, mais importante, intocado. Para um arqueólogo, um verda-deiro tesouro.

Foi em 2001 que uma equipe de arqueólogos, lide-rada por Renato Kipnis, deu início às prospecções na área abrigada da Lapa do Santo. A procura por novos sítios arqueológicos em Lagoa Santa era um dos princi-pais objetivos do recém inaugurado projeto de pesqui-sa “Origens e Microevolução do Homem na América”, coordenado por Walter Neves. As escavações tiveram início nos anos seguintes e, a princípio, se pensou que o sítio não apresentaria grandes novidades em relação ao que já se conhecia sobre o registro arqueológico da região de Lagoa Santa.

Como sempre, imaginamos que já sabíamos o que nos esperava. Ledo engano. A primeira surpresa dizia respeito à própria natureza dos sedimentos que compunham o sítio. Normalmente, as cavernas são preenchidas por sedimentos carregados por agentes naturais como a água, o vento ou até mesmo a pró-pria gravidade. Mas não na Lapa do Santo. Conforme avançaram as escavações, ficou claro para a equipe de arqueólogos que todo o sedimento acumulado no abrigo foi resultado direto da ação humana.

Principalmente, foi a queima de madeira em fo-gueiras, repetida ao longo dos milhares de anos, que resultou no acúmulo de sedimento, às vezes com até 4 metros de espessura, que se observa hoje na Lapa do Santo. Quando consideramos que a combustão de vegetais costuma deixar nada menos do que 1% do material original, podemos ter uma idéia da inacreditá-vel intensidade com a qual esse sítio foi ocupado pelo Povo de Luzia.

Outra surpresa veio, por assim dizer, nos acrésci-mos do segundo tempo: o “petróglifo” mais antigo de todo continente Americano foi encontrado a mais de 4 metros de profundidade, durante a última etapa de es-cavação na Lapa do Santo em julho de 2009. O estilo do desenho, na verdade, é amplamente conhecido e pode ser encontrado em diversas partes do Brasil. O que tor-na o achado da Lapa do Santo único é que ele pôde ser datado de forma confiável, mostrando que esse tipo

de inscrição em pedra é milhares de anos mais antigo do que os arqueólogos supunham. E claro, como de-nuncia o apelido pelo qual a obra é agora conhecida, o “Taradinho” chamou a atenção também pela presença de um falo desproporcionalmente avantajado, abrindo espaço para uma série de novos questionamentos so-bre como seria a visão de mundo do Povo de Luzia.

A maior surpresa que nos reservava a Lapa do San-to, entretanto, viria de uma das fontes mais improváveis. Desde sempre, a região de Lagoa Santa foi mundial-mente reconhecida pela sua abundância de esqueletos antigos e muito bem preservados. Vale a pena lembrar que não existe nenhum outro lugar em todo o conti-nente americano que chegue próximo a Lagoa Santa quando esses quesitos são considerados em conjunto. Junte-se a essa abundância de sepultamentos a pro-fundidade histórica das pesquisas na região e seria de se esperar que tivéssemos uma visão clara e bem defi-nida a respeito de um aspecto fundamental da vida do Povo de Luzia: a maneira como eles enterravam seus mortos.

O estudo dos rituais funerários oferece ao arqueólo-go uma oportunidade única para entrar em contato com aspectos simbólicos das populações pretéritas que, di-ficilmente, poderiam ser estudados com base nos ins-trumentos de pedra lascada ou nos restos alimentares que comumente se encontram em sítios arqueológicos. De acordo com a visão tradicional, na região de Lagoa Santa os rituais funerários eram extremamente simples, com enterros em covas rasas recobertas por blocos de pedra. Alguns arqueólogos chegaram a defender, inclu-sive, a idéia de que o povo de Luzia não teria respeito pelos seus mortos e, por isso, não se preocupavam em elaborar seus rituais funerários. As descobertas na Lapa do Santo, porém, mostram que essa visão não poderia estar mais equivocada.

Na ausência de uma arquitetura sofisticada ou de ricos acompanhamentos funerários, a elaboração dos rituais mortuários passava pelo uso do próprio corpo do falecido como um símbolo. No que se refere ao re-gistro arqueológico, isso é expresso na forma de se-pultamentos desarticulados, compostos por crânios

individualizados, fardos de ossos (compostos por até 2 indivíduos), marcas de corte, chanfros, extração de dentes, seleção de partes anatômicas, exposição ao fogo e aplicação de ocre.

Ao mesmo tempo, a presença de esqueletos articu-lados, entre os quais o caso mais antigo de decapita-ção em todo o continente americano, atesta que a sele-ção de partes anatômicas e sua consequente remoção eram práticas logo após a morte, enquanto os tecidos moles ainda estavam presentes. Posteriormente, os os-sos eram realocados e dispostos de acordo com uma série de regras muito bem definidas. Notadamente, através desses ossos procedia-se a retificação de dire-trizes lógicas que, possivelmente, refletiam aspectos da própria cosmologia daqueles grupos.

A importância das descobertas referentes aos rituais funerários foi tão significativa que em 2011 um instituto de pesquisa Alemão decidiu financiar um novo projeto de pesquisa na região de Lagoa Santa. Intitulado “As Práticas Mortuárias dos Primeiros Americanos” um dos principais objetivos desse projeto foi justamente reto-mar as escavações na Lapa do Santo, que haviam sido interrompidas em 2009 com o fim do projeto “Origens e Microevolução do Homem na América”. Atualmente, as novas escavações estão em pleno andamento e não restam dúvidas de que a Lapa do Santo ainda nos re-serva muitas surpresas.

Entretanto, já está clara a importância desse sítio arqueológico. A partir da conjunção de um registro ar-queológico intrinsecamente fascinante, de um grau de preservação dos esqueletos que remete à metáfora de Pompéia, e de trabalhos de campo e em laboratório al-tamente meticulosos, surge o que, há de se tornar, na próxima década, um dos sítios mais relevantes do Novo Mundo para aqueles interessados em estudar o povoa-mento do continente americano.

André StraussDoutorando do Instituto Max Planck de Antropologia

Evolutiva e coordenador do projeto “As Práticas Mortuárias dos Primeiros Americanos”

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“Lapa do Santo”: As Práticas Mortuárias dos Primeiros Americanos

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As quatro primeiras figurações fazem parte do conjunto principal da Lapa do Ballet, as demais pertecem ao conjunto de figurações da Vargem da Pedra, associadas à Unidade Estilística Ballet no Carste de Lagoa Santa (in: Prous, Baeta e Rubioli, 2003).

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A Lapa do Ballet, muito mais que um “Ballet”A Lapa do Ballet situa-se no Carste de Lagoa Santa,

distrito de Mocambeiro, município Matozinhos, MG, estando inserida na Reserva Particular do Patrimônio Natural-RPPN Fazenda Bom Jardim, ainda fazendo par-te do Conjunto Arqueológico e Paisagístico de Poções, tombado em âmbito estadual em 1989 (IEPHA-DECRE-TO n. 26.193). Seu inventário no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos-CNSA tem como referência o có-digo MG004446 (SGPA-IPHAN).

Esta caverna é conhecida por apresentar um con-junto peculiar de formas humanas masculinas e femini-nas alinhadas em filas distintas sugerindo aspectos de dança associadas a possível ritual de fecundidade ou sexualidade. Em função destas figurações, em espe-cial, o local ficou conhecido como a Lapa do “Ballet”. Estas figurações também inspiraram os arqueólogos a nomear a unidade estética que reúne estes tipos de fi-gurações, como “Unidade Estilística Ballet”.

Mas a Lapa do Ballet possui ainda outras figurações rupestres em um teto situado em local mais escondi-do e de difícil acesso na parte alta do patamar frontal, que são, por sua vez, atribuídas ao Conjunto Estilístico de Arte Rupestre Planalto ou Tradição Planalto (mais encontradiça nos sítios arqueológicos em abrigos da região).

Primeiramente vamos abordar o assunto que mais chama a atenção dos visitantes e admiradores da Lapa do Ballet; as suas representações humanas.

Levanta-se a possibilidade que a Unidade Estilística Ballet, seja uma influência da Tradição Nordeste, co-mum na região Nordeste do país caracterizada por for-mas antropomorfas, com adereços variados, formando cenas de ação cotidianas. Sua influência chega assim, tardiamente em território mineiro, em uma versão ou adaptação denominada “Ballet”, que, a princípio, so-brepõe-se às figuras da Tradição Planalto.

A forma típica Ballet, apresenta o corpo filiforme ou afinado, sexo masculino e feminino indicado, braços so-erguidos, sendo que a cabeça pode apresentar a boca aberta em forma de bico, como a de um pássaro.

Na Lapa do Ballet (e na Gruta Rei do Mato em Sete Lagoas), apresentam as figurações pintadas com todos os itens descritos acima. No Carste de Lagoa Santa, as figuras Ballet se encontram em paredes e patamares internos do primeiro salão de cavernas extensas ou com certo desenvolvimento horizontal (Lapa do Ballet, Grutas Rei do Mato e Maquiné, esta última, em Cor-disburgo), pequenos compartimentos em afloramento

calcário (Abrigo Capão das Éguas, em Prudente de Morais), além de grande abrigo ou paredão (Abrigo do Campinho, em Pedro Leopoldo).

Na Lapa do Ballet, os pintores representaram seres humanos na cor preta, de sexo bem marcado, em duas filas distintas, a mais baixa na parede, dos homens e a de cima, das mulheres, todos voltados para a entrada da gruta, onde se encontra um bloco isolado, com uma possível cena de parto. Abaixo da fila dos homens há ainda três antropomorfos masculinos, de menor dimen-são, sendo que dois deles estão emparelhados. Parece se referir a uma celebração da vida e da reprodução, com movimentos de dança. Alguns antropomorfos fe-mininos parecem carregar no alto da cabeça adereços que podem se tratar de cestas. Ainda próximo à cabeça de algumas mulheres há pequeninas formas humanas que sugerem ser crianças. A mulher mais próxima do bloco, ou a primeira da fileira, parece estar com um bastão na mão. Esses caracteres são exclusivos des-se sítio. Associado a esse conjunto há um círculo preto concêntrico que parece ter sido confeccionado na mes-ma ocasião (como também observado na Gruta Rei do Mato).

Nas paredes e tetos do patamar superior desse mesmo abrigo há figurações típicas da Tradição Planal-to, conforme já exposto, tais como, cervídeos, quadrú-pedes e aves nas cores, branca, amarela e vermelha. Uma das aves do teto parece ter sido retocada pelos autores dos Ballet na cor preta. Na mesma parede onde se encontram as figurações Ballet descritas acima há indicativos de que pinturas mais antigas, amarelas e vermelhas, possivelmente atribuídas às figurações Pla-nalto, foram retiradas por raspagens para a confecção desse conjunto de antropomorfos. Ainda foram obser-vados próximo ao alinhamento feminino, vestígios de ave e antropomorfo Ballet, em vermelho (todavia, pare-cido com os que se encontram na Gruta Rei do Mato). Tudo indica que esse sítio apresenta um nível mais anti-go da Tradição Planalto e dois relacionados à Unidade Estilística Ballet.

Há também em outros sítios da região conjuntos com características estilísticas Ballet que não possuem um ou outro atributo, podendo ser consideradas varie-dades tipológicas dessa unidade estilística, como é o caso das figurações do sítio Vargem da Pedra, também em Matozinhos, que apresenta a indicação do sexo pouco proeminente. Trata-se de um trio de antropomor-fos elaborados na cor preta, sendo que ainda o corpo

de um deles foi preenchido por tinta branca, apresen-tando-se bicrômico. No mesmo patamar, na parede oposta, há dois conjuntos atribuídos a esse mesmo es-tilo, no caso, uma dupla em cena de sexo e uma tríade de aves galhadas, tema típico da Tradição Nordeste.

No abrigo Campinho, os braços dos antropomorfos não se encontram voltados para cima, apesar de apre-sentarem a cabeça “de pássaros” e sexo bem indicado. Outro elemento diferencial, é que nessa situação, um apresenta a cor vermelha e o outro, branca. No entanto, pode ser que um deles esteja carregando um “saco”, item comum no repertório estilístico, associado a figuras humanas da Tradição Nordeste. Acima do antropomor-fo de cor vermelha, foi pintado um pequenino cervídeo, tema típico das Tradições Planalto e Nordeste.

No sítio Vargem da Lapa, em Lagoa Santa, há uma dupla de antropomorfos filiformes compostos por tra-ços bem finos, cujas cabeças não se apresentam deli-neadas. O mesmo foi observado em uma figura no sítio Pedra Grande, em Sete Lagoas, contudo, o sexo femini-no é bem indicado e os braços, voltados para cima.

Nos últimos tempos, tem-se refletido sobre as pos-síveis variações Ballet na região e adjacências. Tudo indica que a permanência e complexidade dessa ex-pressão possa ter sido espacialmente e temporalmente bem maior do que se imaginava no Centro Mineiro, en-volvendo também versões picturais e suas variáveis, já mencionadas, como também em relevo ou picoteadas. Inclusive, foi identificado um sítio com picoteamento com antropomorfos similares aos Ballet (Abrigo Serri-nha, em Matozinhos), se observados seus atributos. No caso desse sítio, parece se tratar da representação de uma cena familiar, com formas humanas adultas, jo-vens e de crianças.

A Lapa do Ballet, como apresentado, continua inspi-rando a todos, instigando nossas interpretações, pes-quisas, comparações com outros abrigos...Tornou-se um ícone da arqueologia e da complexidade do acervo gráfico parietal na região do Carste de Lagoa Santa.

Referência Bibliográfica: PROUS, André; BAETA, Alenice & RUBBIOLI, ÉZIO O Patrimônio Arqueológico

da Região de Matozinhos-Conhecer para Proteger. Belo Horizonte: Grupo Votorantim, 2003.132 p.

Alenice BaetaDoutora em Arqueologia-MAE/USP

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Quem conhece o livro “Lagoa Santa”, de autoria do botânico dinamarquês Dr. Eugenio Warming lem-

bra-se, talvez, da introdução: “Lagoa Santa é um pe-queno arraial na província, agora Estado de Minas Ge-raes, situado em 19° 40’ latitude sul, portanto, 3 graus ao norte do Rio de Janeiro. A altura sobre o nível do mar é de 835m.” Ele continua a sua delicada descrição destacando a natureza que caracteriza todo o cami-nho, do Rio a Lagoa Santa, chamando a atenção para a rica beleza natural, com destaque para os pequenos e grandes cursos de água, serpenteando as matas em toda a extensão.

Em um momento ele reflete: “Tudo ahi já foi matta, porém, em vários logares já não é mais a matta virgem primitiva; porque o homem já lhe tirou as suas melho-res arvores e em muitos logares o machado e o fogo, em serviço das culturas, têm produzido clareiras agora de gramináceas e hervas, especialmente nas proximi-dades das grandes fazendas ou das povoações que aparecem aqui e acolá.”

No curso da leitura e, já chegando em nossa cida-de, ele se expressa: “Neste terreno campestre, e aci-dentado, na parte léste de Minas Geraes e a oeste da Serra do Espinhaço, está situada a lagoa Santa a uma légua do Rio das Velhas, afluente do rio S. Francisco.” E continua: “São raras as lagoas na maior parte do Bra-zil, e em todas as direcções que tive ocasião de viajar, entre a Lagoa Santa e Rio de Janeiro, não vi uma única. Nos terrenos calcareos, no interior de Minas, são ellas frequentes, mas raras vezes chegam ao tamanho da lagoa Santa.” Finalizando estas lembranças e, relem-brando a chegada de Lund ao lugar, assim se referiu: “a graciosa lagoa, com suas encantadoras vizinhanças o impressionou de tal fórma que, tendo atravessado as regiões despovoadas e desertas do interior, ele involun-tariamente exclamou: ‘ _ Aqui sim; aqui está bom para se viver’, talvez já antevendo que ele ahi tinha de demo-rar por quase meio século e achar o seu ultimo repouso na sombras das arvores do campo.”

Trata-se de obra publicada, pela primeira vez, em dinamarquês, no ano de 1892, em Copenhage. O botâ-nico sueco Albert Loefgren, que também viveu em nos-so país por muitos anos, traduziu-o para o português, tendo o livro sido impresso em 1908, pela Imprensa Ofi-

De olhos bem abertos para Lagoa Santa

cial de Belo Horizonte. Ao conhecer o livro chamou-me a atenção o fato de registros tão anteriores aos nossos com relação à destruição das matas, pelo machado e pelo fogo. É impressionante o comportamento do ser humano: sua índole de devastação, seu egoísmo pró-prio, serem os responsáveis, do passado ao presente, pela moldura natural de Lagoa Santa!

Hoje a nossa cidade é alvo da implantação do maior progresso de que se tem notícia, nas mais diversas áre-as de atuação, considerada toda a região metropolita-na que nos circunda. É um orgulho para nós, povo de Lagoa Santa, por nascimento ou por adoção, viver este momento profícuo.

Mas, vamos refletir com responsabilidade: para onde vamos? Será que é para onde queremos ir? Uma “cidade boa de se viver”, parodiando Dr. Lund, não pode ser mais penalizada, nem pelo machado, nem pelo fogo e, muito menos, pela devastação incontida da pouca mata que lhe restou. Precisamos construir o progresso com sustentabilidade. Parece que o mundo que nos rodeia está se esquecendo disto!

A forma encontrada para receber a modernidade, seja com a chegada de novas vocações, seja com a implantação de loteamentos ou indústria, dentre outras importantes atividades econômicas, de forma segura para que a cidade não sofra mais perdas e seja, assim, preservada, chama-se licenciamento ambiental. É inad-missível que se continue implantando, o que quer que seja, desrespeitando a legislação vigente. E, de forma impressionante, o fato tem se repetido, dia pós dia, em Lagoa Santa. Acredito que a pulverização dos órgãos ambientais, responsáveis por diferentes licenciamen-tos, esteja facilitando a ação daqueles que absoluta-mente não se preocupam com a sustentabilidade da

cidade. Fiquem atentos a estes que enxergam Lagoa Santa apenas como uma fonte temporária de renda: eles sairão daqui, muito em breve. Seus objetivos terão sido alcançados e o sucesso financeiro, certamente, terá suprido suas ganâncias. O que é difícil de prever, agora, é o tamanho do passivo ambiental que deixarão como rastro... de difícil solução, senão impossível!

E, voltando à obra de Warming, também me impres-sionou sobremaneira a rara beleza e o destacado por-te, desde tão áureos tempos, reconhecidos em nossa lagoa central! É fácil perceber o seu destaque, local e regional, tão bem descritos. Mas, vamos ao comporta-mento do homem: será que está sendo cuidadoso com ela? Temos notícia de que, até hoje, haja quem a ela direcione a saída dos seus esgotos, ou a disposição do seu lixo. Isto é crime ambiental! Também é crime ambiental interferir em sua vida própria, implantando construções em toda a sua bacia, sem o mínimo cui-dado de preservá-la do recebimento de todo o entulho que desce, em especial, junto à água das chuvas. A omissão, para mim, é a forma mais covarde de se co-meter um crime!

Conclamo todos a lutar pela defesa de vida digna, tanto para a nossa lagoa quanto para a nossa cidade. É bom recordarmo-nos de que estamos vivendo um novo tempo, de Ano Novo, quando teremos um novo palco para o exercício político de muito respeito e trabalho por uma Lagoa Santa, queiramos todos e peçamos, com muita fé, a Deus: ainda “boa de se viver”!

Maria de Fátima G. GouvêaEngenheira Civil e Sanitarista

Guignard, Lagoa Santa, anos 50

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ENtrEViStA

ALExANDrE DELForgE

Patrimônio, legislação e arqueologia em MinasCom formação na Educação Artística,

mestrado em Geografia, com o tema Gestão do Patrimônio em Minas

Gerais, Alexandre Delforge, gestor do Patrimônio Arqueológico do IPHAN

em Minas Gerais recebeu a equipe do CAALE para uma conversa acerca do patrimônio, legislação e arqueologia

em Minas Gerais.

Alexandre, a legislação do patrimônio, iniciada em 1937, foi evoluindo e ajustando-se ao longo do tem-po aos diversos momentos e contextos. Como você vê isso, chegando finalmente ao Termo de Referen-cia do IPHAN?

Gostaria de deixar claro que estou falando aqui como um cidadão, que é técnico do IPHAN, mas que está dando suas impressões pessoais, idéias e críticas... A legislação precisa estar em constante aperfeiçoamen-to. Desde que se estabeleceram as primeiras leis sobre patrimônio arqueológico no Brasil, essa legislação foi pouco atualizada. Ela precisaria de atualizações mais constantes para evitar certos problemas que estão apa-recendo atualmente como, por exemplo, a definição do que é o patrimônio histórico, o patrimônio arqueológico histórico. Aqui em Minas Gerais surgiu a necessidade de padronizar os projetos e relatórios que estavam sendo entregues. Havia uma diferença enorme de padrões en-tre pesquisadores, alguns com padrão abaixo do acei-tável, outros com padrões altíssimos. E isso privilegia-va os pesquisadores que propunham baixo padrão de pesquisa, justamente por oferecer um preço menor ao empreendedor. Esse foi um dos principais motivos para a elaboração do Termo de Referência de Minas Gerais, além de inserir no licenciamento ambiental o patrimônio imaterial e o material, que já eram previstos em lei na resolução do CONAMA e não eram atendidos. Muitas vezes os arqueólogos se encarregavam desses aspec-tos, registrando as festas, o patrimônio edificado etc... Com isso, esperamos que todo patrimônio cultural seja envolvido no licenciamento, como pede a Resolução CONAMA 001. Esse termo procurou seguir as determi-nações da portaria 07/1988 e 230/2002, especificando melhor os produtos que devem ser entregues, como projeto e relatório, para que as informações sejam dis-postas de forma padronizada, estabelecendo um padrão mínimo de pesquisa e relatório. Mesmo esse Termo de Referência já está precisando de uma revisão. Ultima-mente, devido aos esforços do IPHAN, a SEMAD tem incluído outros empreendimentos no licenciamento am-biental como, por exemplo, os grandes agronegócios, que antes não passavam pelo IPHAN e agora estão aparecendo em grande quantidade. E a outra questão é a licença de operação de pesquisa, que é uma coisa nova, para o Iphan, que está sendo exigida no licencia-mento de Minas Gerais, para a qual o termo ainda não prevê as especificações. Essas duas atualizações são importantes por dois motivos: na licença de operação de pesquisas os empreendimentos tem, geralmente áreas

afetadas muito pequenas e nas licenças para áreas de agronegócio, áreas muito grandes. Então, são duas me-todologias que desviam do padrão da maioria dos proje-tos. Então, é necessário observar como funcionam estas especificações, no mercado, na comunidade científica e no processo de licenciamento para ter um feedback dis-so e ir corrigindo os mecanismos que ela dispõe sempre privilegiando a proteção do patrimônio sem perder de vista a razoabilidade das exigências.

Em relação ao Patrimônio imaterial? Depois que houve essa “chamada” através da portaria e do ter-mo, de forma mais incisiva, houve um salto na qua-lidade desse material?

É nosso primeiro ano completo com a instituição dessas pesquisas, patrimônio material e imaterial. E o que sentimos é que houve um enriquecimento muito grande do licenciamento ambiental nesse sentido. Po-demos observar, durante anos, muitos problemas em empreendimentos relacionados às populações tradicio-nais, locais, entendidas aí como populações indígenas e quilombolas. E esses problemas surgiam, normalmente, no fim do licenciamento, quando as manifestações po-pulares aumentavam e não havia sido prevista nenhuma pesquisa que pudesse subsidiar a prevenção de con-flitos e evitar o impacto, a perda de patrimônio cultural desta natureza. A inserção do patrimônio imaterial se iniciou principalmente por demanda dos Ministérios Pú-blicos Federal e Estadual por laudos de arqueologia de comunidades quilombolas. A definição atual de comuni-dade quilombola é feita com base em auto declaração. Dificilmente essas comunidades quilombolas estão no mesmo lugar há muito tempo ou mesmo representam aquele conceito tradicional de resistência à escravidão de escravos fugidos. Começamos a ver que o patrimô-nio cultural do quilombola estaria mais relacionado ao patrimônio imaterial, das tradições saberes e fazeres que eles carregam consigo, do que a artefatos arqueológi-cos, que geralmente se perderam no tempo. As escava-

ções arqueológicas de sítios quilombolas, principalmen-te nas comunidades autodeclaradas não vão apresentar um registro de vestígios diferentes de outros sítios de comunidades rurais. Então, fica muito difícil o estudo dos quilombos com base em registros arqueológicos. Estas questões estão sendo muito melhor tratadas por antropólogos, cientistas sociais e historiadores na área do patrimônio imaterial.

A pesquisa do patrimônio edificado também surgiu com essas questões. Fazendas habitadas e em funcio-namento estavam sendo registradas como sítios arqueo-lógicos pelos arqueólogos pesquisadores, desta forma, surgiriam inevitavelmente problemas e complicações para os moradores. Tratar esse patrimônio através da área do patrimônio arquitetônico/edificado além de tra-zer a expertise profissional dos arquitetos na sua identi-ficação também traria o benefício deste ser fiscalizado também por arquitetos aplicando a legislação própria a este patrimônio. A estratégia funcionou muito bem e está enriquecendo o acervo de bens culturais, não só federal, mas estadual e municipal. As prefeituras vêem esses levantamentos, tem acesso a eles e estes podem resultar em tombamentos municipais. O interessante é que isso já era uma coisa posta em lei há muitos anos e não se fazia cumprir. O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, quando souberam que havia um projeto de Termo de Referencia para a arqueologia no Iphan, insistiram para que esse projeto envolvesse as três áreas do patrimônio. O nosso Termo de Referencia chegou ter influência em nível nacional na a publicação da portaria conjunta no 419 MinC/IBAMA/MMA e FUNAI, servindo como modelo.

Atualmente mais de 90% dos arqueólogos do Brasil trabalham com arqueologia de contrato. Esses pro-fissionais trabalham sobre pressões fortíssimas do mercado. Qual a responsabilidade desse arqueólo-go numa situação de impacto cultural, ambiental, muitas vezes irreparáveis? Como conciliar pesqui-

Fotos: Cleito Pinto Ribeiro

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sa, trabalho de campo, relatórios e conclusões com o ritmo acelerado a que esses profissionais são submetidos? A “Academia” não fica prejudicada?

Primeiro, gostaria de lembrar que tudo depende da ética do arqueólogo, de como ele vai lidar com o empre-endedor. Temos muitos casos de denúncias dos próprios arqueólogos sobre empreendimentos. Esse é o compor-tamento que se espera, porque o arqueólogo é também responsável pelos bens inseridos na área afetada pelos empreendimentos e responde por eles. A preocupação com a diminuição da pesquisa acadêmica, em face aos altos ganhos da pesquisa preventiva ou de licencia-mento é uma questão muito séria e as reservas podem ser parte da solução. Temos visto algumas instituições, como o MAC de Pains e o Laboratório de Arqueologia da Paisagem de Diamantina aplicando os recursos que re-cebem de guarda de material também no financiamento à pesquisa acadêmica em suas regiões. Essa seria uma forma ideal de se dar um retorno para a arqueologia aca-dêmica. A Universidade Federal de Diamantina redigiu um termo onde se oficializa essa troca: o empreendedor entrega o material a ser guardado e paga (compensa) a Universidade de diversas formas, para que essa guarda seja efetuada. Uma das compensações que se tem so-licitado são diárias para pesquisadores em para efetuar pesquisas de interesse acadêmico com esse recurso. A experiência de Diamantina é única, por enquanto. O LAEP recebeu o apoio do IPHAN desde o início do La-boratório, que tem dois anos. Ele já começou a ser for-mar com essa visão. Os alunos trabalham na reserva, na classificação do material. São convidados pesquisado-res de outras entidades, e as pesquisas são feitas com equipamentos adquiridos como forma de compensação por esta guarda. É uma retroalimentação que está dan-do certo. Gostaria de ver este feedback para pesquisa acadêmica também no CAALE, que por enquanto, jus-tificadamente, aplica os recursos na melhora de suas instalações, em educação patrimonial e em exposições. A urgência maior do CAALE são as instalações, mas em breve esperamos que também se reverta para a promo-ção de pesquisas, utilizando esses recursos para levan-tamentos regionais. Em nossa carta, acerca das condi-ções para a qualificação como reserva, eram esses os pontos cobrados das reservas para exercerem o papel: o reinvestimento no material, no equipamento, no prédio e na pesquisa em si.

É possível dizer que exista ou que esteja sendo construída, de fato, uma parceria entre município, estado, união, IPHAN, IEPHA, etc, no que tange a fiscalização, pesquisa, conservação e fomento a uma educação patrimonial efetiva?

Com todo esse desenvolvimento atual, continuamos ainda um país relativamente pobre. Mesmo países de-senvolvidos, com grandes economias, não têm tantos recursos para a proteção do patrimônio. O que vemos, tanto no exterior quanto no Brasil, é a necessidade das varias instancias governamentais, da sociedade e da academia trabalharem juntas para se chegar aos obje-tivos de proteção que desejamos. Nenhum órgão sozi-nho vai conseguir fazer isso. Tenho visto bons trabalhos de preservação na área do Estado e dos municípios, demonstrando inclusive muito interesse na colabora-ção com a preservação destes bens, as parcerias po-deriam ser muito mais potencializadoras da proteção e divulgação. Por exemplo, muitos parques estaduais tem sítios arqueológicos sob sua guarda e, eventualmente, promovem espontaneamente o levantamento desses sítios. Vemos varias ações municipais querendo se tra-duzir na proteção desse patrimônio. Quando são unidas

essas forças, conseguimos um resultado melhor para todo mundo e especialmente para o patrimônio. Então, considero essencial aumentar, melhorar essa troca, esse intercâmbio, essa cooperação entre os diversos órgãos do meio ambiente e da cultura nos diversos níveis de governo.

Aqui em Minas, temos visto poucas publicações de trabalhos de Educação Patrimonial junto às comu-nidades, de divulgação para o público. A Educação Patrimonial tem se dado efetivamente? Tem havido essa divulgação?

A Educação Patrimonial, visto as urgências que se tinha, foi tratada muito levemente ainda. Percebemos que não são exploradas todas as possibilidades da Edu-cação Patrimonial, principalmente nos projetos de licen-ciamento ambiental. Um dos pontos para se pensar no futuro é torná-la mais efetiva, estabelecendo um diálogo maior com a população. Atualmente a Educação Patri-monial é mais um monólogo que um diálogo. É muito importante a população entender que aquilo não é algo isolado dela, mas, que só existe por causa dela. A par-ticipação da população, inclusive na definição do que é um bem cultural, é muito importante, porque ela é que dá significado a este patrimônio. O significado de um sítio só existe porque existe uma população interessada no seu próprio passado. Não fosse isso, não haveria sentido em sua proteção. Tenho visto experiências interessantes, mas estamos num nível muito básico, inclusive em rela-ção à teoria da educação, em geral. Princípios modernos da educação não são aplicados na Educação Patrimonial e normalmente a prática mesmo é a aula “cuspe-e-giz”, o arqueólogo falando e os educandos escutando... Parti-cipei de algumas experiências de Educação Patrimonial excelentes, que envolveram a população, tornando-os entusiastas do patrimônio. Além da própria divulgação do conhecimentoa EP deve formar defensores do patri-mônio em cada local. E isso é muito importante porque quem vai defender o patrimônio é quem está ali do lado, não é o IPHAN ou outro órgão daqui, de BH, de Brasília que vai defender um sítio que está lá no meio do mato. É aquele vizinho que está ali, vendo os sítios todo dia, que vê quem chega e vê quem sai é que vai tomar conta...e por vezes destruir. Nós vemos o sucesso desses proje-tos quando se cria esse sentimento de pertencimento, quando o cidadão quer tomar conta de sua herança cul-tural. Esse é o objetivo principal e espero que em breve se dê mais cuidados a essa área também.

A Educação Patrimonial é feita para os trabalhado-res do empreendimento?

Basicamente é a mesma oferecida para a popula-ção. O Termo de Referencia define a educação patri-monial como um processo constante e o arqueólogo em campo tem que assumir o papel de educador. Ele tem que distribuir informação sobre esse patrimônio a todos, do diretor da empresa ao peão que cava trin-cheiras, além da população em geral, mesmo durante entrevistas com moradores. Um avanço importante foi a inserção do patrimônio material e imaterial no processo de Educação Patrimonial, ao fim do procedimento, dos resgates, da pesquisa. A divulgação desses resultados tem sido inserida numa educação patrimonial completa, com patrimônio arqueológico material e imaterial, isso é muito importante para formar no cidadão a consciência da própria cultura.

Nos grandes empreendimentos, como hidrelétri-cas, minerodutos, o IPHAN confere se o relatório está fechando bem aquela área, normalmente áre-

as de grande impacto? Há uma fiscalização nesse sentido?

Em relação à fiscalização ficamos a dever, por de fal-ta de condições operacionais. São dois técnicos para o estado inteiro. É muito difícil fiscalizar uma média de mil processos por ano. Em locais distantes: para atravessar Minas, de ponta a ponta, são mil e duzentos quilôme-tros! Trata-se de um Estado praticamente do tamanho da França. A fiscalização nos relatórios tem sido muito cuidadosa, temos olhado aspectos de incongruência, ausências de informação, pedindo as complementações para que o relatório realmente reflita aquilo deve ter sido a pesquisa. A fiscalização é exercida quando acontece algum problema, por falta de, inclusive, uma regulamen-tação específica de fiscalização. Para que se tenha uma idéia, nosso bloco de multas é adaptado ao patrimônio edificado. A multa é feita para o patrimônio edificado. É difícil você aplicar uma multa de arqueologia informando dados como, se o telhado foi danificado, se as paredes estão em pé, enfim, para edificações. É preciso fazer es-ses documentos específicos e estabelecer a metodolo-gia de fiscalização. Um dos mitos que circula é que os técnicos do Iphan não leem os projetos e relatórios. Mui-tas vezes não há uma manifestação detalhada devido à falta de tempo de elaborar um parecer mais aprofun-dado, mas tudo é lido, discutido e pensado até o último minuto do tempo que se tem para analisar cada um.

Alexandre, finalizando: como você vê todo esse processo em Minas?

Como testemunha desse processo em Minas Gerais e do avanço da área da pesquisa arqueológica aqui, es-tou bastante otimista com o que vejo. Apesar de terem sido ganhos iniciais, foram ações muito importantes o que se conseguiu aqui nesses anos. Estamos num ciclo virtuoso, ao contrário do ciclo vicioso em que nos encon-trávamos anteriormente.

Sobre o CAALE, o que você falaria desse trabalho desenvolvido em Lagoa Santa?

Eu vejo o trabalho do CAALE, inicialmente, com sur-presa pelo nível de melhoria de condições alcançada e com a valorização deste centro de arqueologia desde que começou a receber compensação pela guarda. A partir destes resultados iniciais vejo com otimismo seu futuro. A Região de Lagoa Santa é uma das regiões ar-queológicas mais importantes da América Latina, isso, mesmo comparando com patrimônios monumentais, como os do México e Guatemala. Temos um patrimônio de importância mundial e é muito importante o município estar inserido na política de preservação destes bens. Ele é um dos beneficiários e responsáveis por essa política, pois a Constituição determina essa co-responsabilidade entre o poder federal, estadual e municipal sobre o pa-trimônio, sobre o cuidado com o patrimônio cultural em geral. Vemos o CAALE aproveitar muito bem a oportuni-dade de utilizar essa retribuição pela guarda do material em benefício da própria reserva, do próprio museu, da pesquisa e de projetos de Educação Patrimonial. Tenho visto resultados realmente consistentes chegando do CAALE, estou impressionado com o esforço da equipe do CAALE em tocar esse Centro pra frente. A aposta do Iphan no CAALE vem da constatação do esforço, da de-dicação e da vontade da equipe deste centro em mantê-lo funcionando, como vimos nas épocas menos favorá-veis, e, como se confirma agora com recursos financei-ros, mesmo que escassos, sendo sabiamente aplicados na melhoria deste centro de promoção da arqueologia. Tenho muitas esperanças que o CAALE se torne um cen-tro de excelência museológica a nível nacional.

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Fábio, o que você considera como prioridade dessa diretoria nesse começo de gestão e qual a análise que você faz desses primeiros dias de gestão?

Se for pensar, tudo é prioritário. Mas as necessida-des nos forçam a colocar uma ordem de prioridade. No contexto material, o patrimônio material histórico tradi-cional; o imaterial com as manifestações cênicas, musi-cais; a preparação da cidade para a recepção turística. Mas para isso precisamos arrumar a casa.

É tanta coisa! Por exemplo, o tangível, principal-mente na questão do paisagístico. Nós temos aqui uma região riquíssima. Se pensarmos em bem mate-rial, tangível, do patrimônio histórico edificado, temos pouco, mas o pouco que temos, temos que resgatar e colocar em evidência, senão a cidade perde a coi-sa mais importante, a sua identidade. E é uma cida-de que tem uma identidade nos primórdios de 1733, pois obviamente isso aqui era uma “picada” muito mais antiga. Por aqui passou Fernão Dias, 1764, saindo de São Paulo do Piratininga, de São Paulo da Várzea do Tamanduateí, a prospecção de Nicolau Barreto e outras mais, que foram em direção a Serro Frio e assim por adiante. São várias as prioridades. Em termos de es-trutura temos muito que fazer. Infelizmente houve muita omissão nas gestões passadas em não pontuar bem as coisas que poderiam ter segurado mais o patrimônio edificado, o patrimônio material, imaterial, consolidado esse patrimônio numa estrutura. Os anos 90 foram tão

importantes para isso e os gestores deixaram passar, se preocuparam mais com eventos. Eventos aconte-cem e devem acontecer, mas não podem estar acima do acervo. Ele é muito mais importante.

Uma colocação também é onde podemos e como podemos andar como diretoria e como podemos como Secretaria. Sabemos que verbas importantes em ins-tâncias estaduais, federais e internacionais, só se con-seguem via Secretaria de Cultura ou Turismo. Eu parto sempre da premissa de que quanto mais se fomentar verbas, melhor será o sucesso desses projetos.

Em relação ao patrimônio edificado, o grau de de-terioração de alguns deles é preocupante. E em relação ao patrimônio imaterial? De que maneira o patrimônio será contemplado nas ações de preser-vação?

No Patrimônio material, no tangível e no intangível, temos realmente uma situação de deterioração. As ca-pelas, principalmente, me preocupam porque sofreram intervenções e mudanças muito grandes, inclusive este-ticamente. Eu trabalho muito com o estético, porque os elementos, os bens de uma forma geral, precisam ser resgatados na maior originalidade possível, para que possamos realmente preservá-lo de uma maneira mais fidedigna. Essa é a lógica, senão daqui a pouco esse bem vai chegar às futuras gerações como uma coisa bem diferente do que era de fato. Eu vejo as capelas,

Fábio Ferrer: Patrimônio, Cultura e Preservação em Lagoa Santa

infelizmente, nesse estado e essa, inclusive, é uma das prioridades imediatas. Na Capela do Rosário, por exemplo, vejo grandes problemas estruturais, não só relativos ao seu sistema construtivo, mas também esté-tico. Quando intervimos numa capela dessas, trabalha-mos primeiramente a estrutura, que é o que vai ser feito agora. Em seguida, a sua espacialidade, o local em que ela está, seu entorno e, depois, os bens integrados, os elementos decorativos. Essas três linhas são funda-mentais nesse processo. É preciso resgatar isso para que possamos apresentar esses bens de uma forma precisa, mostrar aquela estética, aquela história de uma forma fantástica. Quando conseguimos isso, consegui-mos também materializar aquela atmosfera factual. E precisamos expressar da forma mais fiel possível essa atmosfera, senão não tem lógica preservar...

No bem imaterial, eu diria a mesma coisa. Aqui te-mos os Candombes, Pastorinhas, entre tantas outras manifestações da cultura popular. Temos uma rique-za maravilhosa e não podemos perder isso. É muito importante a maneira que vamos esclarecer o povo, montar oficinas, resgatar essa memória. O Patrimônio Histórico muitas vezes é visto como coisa antiga, ve-lha, como algo que não vale a pena. E o patrimônio não é isso! Quando trabalhamos com o Patrimônio, trabalhamos com vários agregados culturais. Há o va-lor cognitivo, o valor histórico, o valor de opção, ou seja, dar opção para as próximas gerações receberem aquele patrimônio. Há o valor iconográfico, o valor cul-tural, o valor afetivo, o valor econômico inclusive, pois há a possibilidade de retorno financeiro para as comu-nidades envolvidas. É preciso esclarecer as pessoas, torná-las participativas, dar oportunidade para que co-nheçam sua história, mantenham sua memória. E uma dos caminhos para alcançarmos isso é desenvolven-do um projeto consistente de Educação Patrimonial, que instrua a sociedade e faça florescer o sentimento de pertencimento.

Temos uma arquitetura belíssima, uma história be-líssima, o Brasil é um país riquíssimo nesse sentido e precisamos resgatar o pouco que ainda nos resta.

Como você vê a atualização do Conselho de Cultu-ra em relação à legislação e também sua composi-ção?

O Conselho é importantíssimo. Todos os projetos que você consegue, em qualquer alçada, em qualquer instancia, passam necessariamente por Conselhos consolidados. Os conselhos foram criados exatamente para que haja essa participação, essa ação comparti-lhada. Isso tem de ser colocado em prática porque não adianta só chegar e dizer “isso aqui é responsabilidade da prefeitura, isso aqui é do museu...” Assim não fun-ciona. É preciso trazer a sociedade, do engraxate ao médico, para esse espaço. Quando as pessoas par-ticipam, nem que seja com um pouquinho, se sentem úteis, integradas. O Conselho precisa ser mais atuante, deliberativo, paritário e coeso. É necessário Conselho forte, com uma linguagem também única, para real-mente seguirmos adiante e reverter um pouco aquilo que já foi perdido. E que traga para a cidade um dife-rencial, de modo que as próximas gestões encontrem uma comunidade mais exigente, forte e atuante e com-prometida.

Numa conversa rápida e franca, Fabio Ferrer, Diretor de Turismo e Cultura da Secretaria Municipal de Bem-Estar Social, fala sobre patrimônio, cultura, preservação e participação em Lagoa Santa.

Com uma agenda cheia e muito trabalho pela frente, Ferrer nomeia as prioridades e os caminhos a serem percorridos nessa gestão. Confira!

Rosângela Albano, Arqueóloga e Gerente do CAALE e Fábio Ferrer, Diretor de Turismo e Cultura

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A ocupação mais recente da região de Lagoa Santa se deu por volta dos últimos decênios do século

XVII, associada à bandeira de Fernão Dias Paes, que subiu o Rio das Velhas à procura de metais e pedras preciosas. A busca por essas riquezas remonta ao início da colonização, no século XVI. A descoberta de minas de prata e de ouro pelos espanhóis a oeste do meridiano das Tordesilhas inflamava essas expectati-vas, alimentadas também pelo desconhecimento do in-terior do continente, pela suposta proximidade relatada entre as áreas pertencentes às Portugal e Espanha e pelos mitos construídos, como o da “lagoa dourada”, a Itaverauçu e “a serra que resplandece”, a Sabarabuçu, expressões de um imaginário fértil, repleto de “el dora-dos” e que impulsionou de sobremaneira a empreita de colonização dos sertões americanos.

Nesse sentido, os portugueses acreditavam pia-mente na existência de minas no interior do Brasil, partindo do pressuposto que estariam localizadas nas proximidades das capitanias de São Vicente, Santo Amaro ou Espírito Santo, pois essas estariam posicio-nadas mais ou menos na mesma altura das minas do Potosí. Uma das primeiras expedições no encalço das minas do Potosí foi organizada a partir de São Vicen-te, em meados de 1531, por Martim Afonso de Souza. Comandada por Pero Lobo, não logrou alcançar seus objetivos, sendo dizimada pelas tribos indígenas ser-ranas. Posteriormente outras expedições com esse fim seriam organizadas, partindo a maioria delas do litoral baiano ou através do Rio Doce, cuja foz se encontrava na capitania do Espírito Santo.

Dessa fase inicial, destacam-se as expedições de Francisco Bruza Espinosa, 1553; Martim de Carvalho, 1567; Sebastião Fernandes Tourinho, 1572; Antônio Dias, 1572 e Marcos de Azeredo, 1596 e 1611. Embo-ra os achados dessa fase tenham sido irrisórios, foram fundamentais para manter viva a fé nas riquezas escon-didas do interior.

A partir da segunda metade do século XVII, estimu-ladas por cartas régias emitidas pela Coroa com a pro-messa de honrarias e mercês reais, uma grande leva

As Bandeiras: a gênese de Minas Gerais e Lagoa Santa

CUrioSiDADES: o Cachorro-vinagre

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Apontado por pesquisadores como um "fantas-ma", o cachorro-vinagre (Speothos venaticus) foi filma-do em outubro de 2012 no Parque Estadual Veredas do Peruaçu, no norte de Minas. Arredio e com hábitos poucos conhecidos da Ciência, a espécie foi descrita em 1842 pelo dinamarquês Peter Wilhelm Lund.

Desde então, os relatos oficiais eram de rastros e do encontro de dois animais mortos. A filmagem do cachorro-vinagre ocorreu devido às armadilhas fotográficas, fruto da parceria entre o WWF-Brasil e o Instituto Biotrópicos.

Fonte: noticias.terra.com.br

de expedições partiu da Vila de São Paulo rumo ao interior, no afã de en-contrar as tão almejadas riquezas. A decadência da indústria açucareira, intensificada com concorrência do açúcar antilhano e a necessidade de substituir essa importante fonte de recursos diminuiu a intensida-de das expedições apresadoras e, concomitantemente, incentivou a formação de expedições explorado-ras de metais. Nesse período, várias bandeiras originárias de São Paulo adentraram os sertões de Minas, Goiás e Matogrosso, destacando-se a de Lourenço Castanho Taques, “o Velho”, que por volta de 1668 abriu caminhos na região de Cataguazes; Luís Castanho de Almeida, 1671 e Manuel da Silva, 1676, ao norte do Mato-Grosso; Bartolomeu Bueno da Silva, em 1676 na região de Goiás; Antonio Raposo Tavares que entre 1648 e 1652 adentrou o Paraguai, chegando aos contrafortes da re-gião andina e à bacia amazônica e Luis Pedroso de Barros que alcan-çou o Peru por volta de 1656, sendo vítima de tribos locais.

Dentre todas as expedições que intentaram a descoberta dessas riquezas, destaca-se a bandeira de Fernão Dias Pais que, partindo de São Paulo do Piratininga a 21 de julho de 1674, desbravou e explorou durante sete anos a re-gião que vai das cabeceiras do Rio das Velhas, rumo norte, até a zona do Serro Frio onde, posteriormente, outros grupos exploradores lograriam sucesso.

A região desbravada pela Bandeira de Fernão Dias, uma das mais importantes expedições prospectoras do século XVII, está relacionada aos primórdios do povoa-mento de Minas. Cenário de eventos dramáticos dessa fase inicial da colonização, como a execução de José Dias, enforcado a mando do pai, Fernão Dias Pais, por conspiração e o assassinato do fidalgo Dom Rodrigo Castel Blanco, elevado pelo rei D. João I a “Administra-dor das Minas que encontrasse descobertas e por des-cobrir”, em 1861, num entrevero fatídico com Manuel da Borba Gato que, com a morte do sogro Fernão Dias, se via investido de seus poderes e não estava disposto a submeter-se a Castel Blanco, tido pelo mesmo como um usurpador.

Se essa importante bandeira não atingiu seu obje-tivo, a descoberta das míticas jazidas de esmeraldas e prata, estabeleceu um contato importantíssimo entre o período das entradas prospectoras e o descobrimento

de grandes jazidas auríferas que se daria em seguida. Dessa bandeira faziam parte nomes que se notabiliza-riam nesses primórdios de povoamento mineiro, como Matias Cardoso de Almeida, responsável em grande medida pela abertura da estrada que ligaria a região das Minas aos currais do São Francisco, na Bahia; Ma-nuel da Borba Gato, desbravador do sertão do Rio das Velhas e Garcia Rodrigues Pais, responsável pela aber-tura da estrada que ligaria a região das Minas ao Rio de Janeiro.

Descoberto o ouro no Sabará, no Caeté, nos Cata-guases, no Ribeirão do Carmo, no Tripuí, na Itaverava, o interior das Minas Gerais foi gradativamente sendo devassado, com o desenvolvimento da mineração e do povoamento da região. Nesse rastro, foram se cons-tituindo as fazendas que dariam o amparo logístico a esse verdadeiro “golden rush” que se deu nas terras mi-neiras. Uma delas, fundada em 1733 por Felipe Rodri-gues, teria papel primordial na gênese de Lagoa Santa.

Cleito Pinto RibeiroHistoriador do Centro de Arqueologia

Annette L. Emperaire e professor da E.E. Cecília Dolabela Portela Azeredo

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Pensar em uma educação restrita às dependências escolares é uma concepção ultrapassada, desde o

momento em que se percebeu que o conhecimento se faz por processo construtivo e não por ação depositá-ria, em que o indivíduo professor transmite o saber e o sujeito aluno passivo absorve o conteúdo. Esta dinâ-mica educativa já abandonou os ambientes escolares, inaugurando uma era cuja educação constrói-se em qualquer lugar.

Há tempos, os museus têm sido usados como es-paços de construção do conhecimento, envolvendo dinamicidade, criando possibilidades e incitando a re-lação dialógica entre público e o material exposto, im-buído de significados. O papel educativo deste tipo de instituição se baseia em uma metodologia voltada para as expectativas do indivíduo e o conhecimento prévio, que esse adquire em sua vivência como sujeito históri-co. Portanto, o museu deixa de ser um espaço restrito à preservação da cultura imóvel e se torna uma instituição aberta aos anseios dos visitantes em consonância com as exigências da modernidade, a fim de ressignificar as interpretações referentes ao acervo.

O Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire está em sintonia com esta relação íntima entre museu e público, procurando diversificar o atendimento, pois sabe ele que o visitante está mais exigente e procura o museu com o intuito de atender suas expectativas. Fator este que não significa ser um processo de mão única, já que o museu também vai até seu público com propostas inovadoras.

As práticas educativas realizadas no CAALE são de-senvolvidas a partir de uma metodologia que varia dos moldes tradicionais de visitas orientadas até oficinas, brincadeiras, capacitação de professores, jogos, proje-

tos trabalhados juntamente com as escolas, programas de educação inclusiva, produção de material audiovisu-al e publicações. Sendo assim, desenvolve um trabalho permanente de educação patrimonial com a finalidade de construir o conhecimento a favor da proteção por vias sobre as quais a ação do sujeito é essencial para o processo.

É um intenso trabalho que envolve a capacitação permanente da equipe do museu através de leituras e participações em eventos referentes a tematicos afins. Esta é a característica da promoção do processo edu-cativo eficaz, que envolve todos os agentes, a equipe organizadora e, principalmente, o público alvo, cul-minando em um atendimento personalizado que visa atender às diversas expectativas. Observa ainda, na consecução desde trabalho, adequar-se as mais varia-das idades, séries, realidades socioculturais, formação educacional dentre outros.

Os agentes envolvidos na promoção das ações mu-seais do CAALE têm a tarefa de mediar a comunicação entre o indivíduo e o bem cultural, abraça a responsabi-lidade de diminuir a distância existente entre o presen-te e o passado, possibilitando ser a história de Lagoa Santa o seu mais precioso bem cultural.

O CAALE tem esta tarefa diante da sociedade, tra-zer à tona os aspectos inerentes a uma diversificada cultura que começou a ser delineada há 11.500 anos, através de métodos que acompanham as mudanças da modernidade, resgatando a história mais remota do ser humano.

Natália Gomes TurchettiHistoriadora/Colaboradora- CAALE

Museu e ações educativas: uma nova forma de proteger

o patrimônioRestauro da Preguiça Gigante, Mauro Agostinho Chagas e Cleito Pinto Ribeiro

Oficinas, Equipe CAALE, Iate Clube, Semana de Museus, Maio/2012

Palestra de Rosângela Albano, na Faculdade de Medicina, abril/2012

Palestra de Rosângela Albano, Palácio da Cultura, Matozinhos, Jun/12

Exposição Terminal Rodoviário Lagoa Santa, Semana de Museus, Maio/2012

Fotos: Cleito Pinto Ribeiro

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O conjunto da Fazenda Jaguara constitui-se num dos mais importantes exemplares de acervo co-

lonial que remanesce do século XVIII e do século XIX. Destaca-se pela importância de sua arquitetura do pe-ríodo colonial e pela arquitetura do século XIX, quando a ocupação foi diferenciada. O conjunto da Fazenda Jaguara, no município de Matozinhos, teve sua cons-trução iniciada em 1724, sendo que as primeiras refe-rências da propriedade remontam a 1711, em carta de doação passada por Antônio Coelho Carvalho a João Ferreira Santos, que ficou como sesmeiro até o ano de 1745 quando passou às mãos de Francisco da Cunha Macedo.

A sua importância deve-se principalmente ao mo-delo administrativo acordado com a Rainha Maria I como ação reparadora e compensatória pelos atos do Coronel Antônio Abreu Guimarães em relação à con-duta de descaminho do ouro e sal, contrabando este que lhe fez fortuna. O conjunto formador do Vínculo era formado além da Fazenda da Jaguara, a Fazenda da Vargem Comprida, Mocambo, Riacho d’Anta, Fazenda Pau de Cheiro, Forquilha e Melo. A Junta administra-tiva do Vinculo se instalou em 1802 e perdurou até o ano de 1860. Era um acordo jurídico, de compromisso ético e até mesmo votivo, pois a igreja fora construída

em pagamento de uma promessa pela cura de uma enfermidade, sendo o orago principal Nossa Senhora da Conceição. O compromisso ainda se estendia a as-sistência aos desvalidos aqui na colônia e suporte às obras pias nos conventos de Lisboa. As possessões tinham ainda o gravame de se tornarem inalienáveis, sendo mantenedora de casas de recolhimento e de educação.

Esta extensão de propriedade concentrava um con-tingente produtor sustentado por diversas atividades, como agropecuária, mineração, e garimpo. Extinto o Vínculo em 1860, esta cadeia produtiva se desfaz e as fazendas são leiloadas.

Na primeira metade do século XX, George Chalmers, diretor da Mineração Morro Velho adquire a proprieda-de. Faz adaptações para o seu uso, mantendo, contudo, algumas feições do partido colonial da casa sede, do mesmo modo que fora feito na antiga sede da fazenda do Padre Freitas em Nova Lima. É, portanto, visível no conjunto colonial uma influência da arquitetura inglesa, alguns recursos tecnológicos vindos com os europeus, como exemplo, a câmera frigorífica, o sistema hidráulico de uso doméstico, além de elementos que compunham aquele cotidiano, como exemplo as atividades desporti-vas, principalmente aquelas de remo.

A posição estratégica da Fazenda Jaguara, junto ao Rio das Velhas, favorecia o transporte e a comu-nicação com Nova Lima. O rio serviu como um eixo natural de transporte. É possível que uma canoa exe-cutada em um único tronco de Vinhático, encontrada há alguns anos tenha sido utilizada neste período. Atu-almente esta peça se encontra na sede do Parque do Sumidouro.

A Fazenda da Jaguara por um período também foi propriedade do pai do Alberto Santos Dumont, o enge-nheiro Henrique Santos Dumont.

Na era Chalmers, conforme dito anteriormente, manteve elementos da arquitetura colonial. No entanto,

é deste período também o início do desmantelamen-to da capela de Nossa Senhora da Conceição, a maior capela particular existente em Minas Ge-rais, cujo risco e talha é atribuído a Aleijadinho.

O senhor George Chal-mers, oriundo de outro país, com outra cultura, não ca-tólico, dá ao velho templo outro uso, que segundo a tradição oral, a edificação serviu-lhe de depósito para os implementos. A iniciati-va foi retirar do edifício este conteúdo religioso. Os altares e balaustradas fo-ram enviados para a Igreja Matriz de Nova Lima, onde permanece até hoje, e foi restaurada nos últimos

anos. As alfaias foram, distribuídas, segundo a tradição oral, entre as capelas da região (sic).

Na biblioteca do Itamaraty, existe um a planta da Fortaleza de São José da Jaguara, datada de 1726. Não se sabe se este projeto chegou a ser concluído, mas ainda recorrendo à tradição oral, um dos mean-dros do Rio das Velhas é conhecido como “volta do Canhão”. Com certeza um sistema de defesa havia de ter, pois a fazenda se situava também no eixo da Estra-da Real, conforme também é ilustrado nesta cartogra-fia que se encontra no Itamaraty.

No final dos anos 90, em razão do avançado arrui-namento da estrutura da capela, e enquanto se mobili-

A Fazenda da Jaguara

zava a captação de recursos para uma obra definitiva, o IEPHA-MG, em parceria com a USIMINAS, fizeram um projeto de estabilização das ruínas. Acompanhan-do esta obra, e em razão das intervenções no interior do templo, foi proposto um monitoramento arqueológi-co, também realizado pelo IEPHA-MG. As intervenções no interior da igreja foram minimizadas, haja vista que a retirada do entulho que se acumulara com os anos, revelou nitidamente o piso original da igreja. Embora deteriorado, podia se ver a demarcação de antigas campas. Nenhuma escavação foi realizada, deixando para a posteridade uma pesquisa exaustiva sobre o tema, pois tinha-se a perspectiva de dar continuida-de à revitalização, garantindo a permanência daquele bem tombado pelo IEPHA em 12 de janeiro de 1996.

Há de se ressalvar e de se registrar na história da Jaguara, o empenho de D. Leda Torres Andrade, pro-prietária da fazenda. Incansavelmente, esteve à frente da petição que solicitava o tombamento da sua Fa-zenda. Com seu empenho, manteve a integridade do conjunto, canalizando esforços na preservação e divul-gando a importância do conjunto cultural da Jaguara, seja ele material ou imaterial. Seu nome está marcado na história da Fazenda e na história da preservação em Minas Gerais. Pelo seu esforço, generosidade e sabe-doria, uma outra dimensão foi incorporada à política de conservação de bens culturais do Estado.

A iniciativa de tombamento, como medida de acau-telamento solicitada pelo casal de proprietários, é ím-par, inaugurando uma estreita parceria e diálogo entre a iniciativa particular e as políticas públicas.

A Fazenda da Jaguara, pela sua singularidade, merece toda a atenção para iniciativas que venham a garantir a sua permanência.

Indicação de leitura: Fazenda da Jaguara, fascículo 85 in IEPHA-Fapemig. Guia dos Bens tombados IEPHA/MG. 2012.

Fabiano Lopes de PaulaHistoriador, arqueólogo e bacharel em Direito

Pesquisador licenciado do IEPHA e Ex Superintendente do IPHAN em MG

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Burmeister, naturalista alemão do século XIX, aportou no Brasil, em 1850 e sua viagem cientifica levou-o

a conhecer Nova Friburgo, Cachoeira, Capivari, Vila da Pomba, Mariana, Ouro Preto e, o que nos interessa, La-goa Santa.

Devido a um acidente em Lagoa Santa, o pesqui-sador precisou fazer uma parada obrigatória de cinco meses, e ficou hospedado na casa de outro naturalista, “um certo” Peter Wilhelm Lund...

No início de 1852, ele volta para a Alemanha e, entu-siasmado pelas belezas dos trópicos e pelos resultados obtidos, escreve o seu primeiro livro sobre o Brasil, inti-tulado Reise nach Brasilien durch die Provinzen von Rio de Janeiro und Minas geraës. Mit besonderer Rücksicht auf die Naturgeschichte der Gold und Diamantestricte.

Região de campos, próxima a Lagoa Santa, Burmeister, aprox. 1853