imunidade tributária das igrejas

6
1 A IMUNIDADE DAS IGREJAS REFERENTES AOS IMPOSTOS Inicialmente, para evitar dúvidas entre os institutos da imunidade e da isenção, o primeiro é referendado em Sede Constitucional e o segundo através de normas infraconstitucionais (COSTA, 2006, p. 109) Segundo o entendimento da doutrina e jurisprudência, a imunidade não poderá ser modificada, por ser cláusula pétrea, enquanto a isenção pode ser modificada ou revogada por outra norma infraconstitucional (COSTA, 2006, p. 109). Assim, a imunidade é uma forma qualificada de não-incidência (MACHADO, 2001, p. 188). A origem desse tipo de imunidade dada as igrejas remonta ao Império Romano, em que não eram onerados os templos religiosos e os bens públicos (ELALI, 2007, p. 146). Já na Idade Média, eram concedidos privilégios às classes nobres e religiosas, com o surgimento do liberalismo, esse instituto passou a constituir garantia a várias atividades (ELALI, 2007, p. 146). Entretanto, a imunidade tributária passou a ter mais ênfase nos tempos modernos em virtude do movimento constitucionalista norte-americano, mais precisamente, quando se decidiu que não deveria incidir tributos entre os entes federativos, o que explica a formação federalista daquele país (ELALI, 2007, p. 146). Salienta-se que, o território brasileiro já foi chamado de Terra de Santa Cruz e teve como primeiro ato solene uma missa. Este Estado “religioso” permaneceu, mesmo após a independência em 1822. Isso fica evidenciado pelo artigo 5º, da Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824: Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (BRASIL, 2014)

Upload: salibabh

Post on 11-Jul-2015

87 views

Category:

Law


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Imunidade Tributária das Igrejas

1

A IMUNIDADE DAS IGREJAS REFERENTES AOS IMPOSTOS

Inicialmente, para evitar dúvidas entre os institutos da imunidade e da

isenção, o primeiro é referendado em Sede Constitucional e o segundo através

de normas infraconstitucionais (COSTA, 2006, p. 109)

Segundo o entendimento da doutrina e jurisprudência, a imunidade não

poderá ser modificada, por ser cláusula pétrea, enquanto a isenção pode ser

modificada ou revogada por outra norma infraconstitucional (COSTA, 2006, p.

109). Assim, a imunidade é uma forma qualificada de não-incidência

(MACHADO, 2001, p. 188).

A origem desse tipo de imunidade dada as igrejas remonta ao Império

Romano, em que não eram onerados os templos religiosos e os bens públicos

(ELALI, 2007, p. 146).

Já na Idade Média, eram concedidos privilégios às classes nobres e

religiosas, com o surgimento do liberalismo, esse instituto passou a constituir

garantia a várias atividades (ELALI, 2007, p. 146).

Entretanto, a imunidade tributária passou a ter mais ênfase nos tempos

modernos em virtude do movimento constitucionalista norte-americano, mais

precisamente, quando se decidiu que não deveria incidir tributos entre os entes

federativos, o que explica a formação federalista daquele país (ELALI, 2007, p.

146).

Salienta-se que, o território brasileiro já foi chamado de Terra de Santa

Cruz e teve como primeiro ato solene uma missa. Este Estado “religioso”

permaneceu, mesmo após a independência em 1822. Isso fica evidenciado

pelo artigo 5º, da Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de

1824:

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com

seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (BRASIL, 2014)

Page 2: Imunidade Tributária das Igrejas

2

Ressalta-se que, o Brasil passou a ser um Estado laico apenas com a

constituição de 1891, também denominado de Estado Secular, isto é, aquele

que não possui uma religião oficial, mantendo-se imparcial aos temas

religiosos.

Isso representou um marco sobre à laicidade do Estado no Brasil, já que

todas as Constituições que sucederam a de 1891 mantiveram a neutralidade

inerente a um Estado Laico, mesmo que teoricamente (OLIVEIRA, 2011, p. 01).

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu

inciso I, do artigo 19, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas,

subvencioná-los, lhes embaraçar o funcionamento ou manter com eles ou suas

representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da

lei, a colaboração de interesse público (BRASIL, 2014).

Todavia, embora a laicidade do Estado seja expressa como se observa,

o preâmbulo da CRFB/1988, menciona: “[...] promulgamos, sob a proteção de

Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL”. Nem mesmo na Constituição de 1891 (97 anos de diferença entre a

primeira e atual Constituição do período repúblicado), havia qualquer referência

à Deus.

E na redação constitucional, ainda, encontra-se facilmente várias

passagens textuais que fazem referência a “culto”, “religião” e “crença”

(TERAOKA, 2010, p. 122-123).

E, por último, a Carta Magna estabelece na alínea “b”, inciso VI, do

artigo 150, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios, instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Dessa forma,

trata-se de uma imunidade tributária dada as “igrejas”.

Assim, vê-se que a laicidade Estatal expressa pela Lei Maior, não é

absoluta, pois, ainda assim, o Estado se relaciona com a religião, mesmo que

de forma indireta, principalmente, ao imuniza-las do pagamento de impostos,

como exemplo, o Imposto de Renda, IPTU, ITR, IPVA, ITBI, ISS, etc.

Page 3: Imunidade Tributária das Igrejas

3

Fazendo-se uma breve análise, parece que há fortes resquícios do

“Estado religioso” que vigeu oficialmente entre os anos de 1500 a 1891.

Designadamente, sobre as consequências da imunidade atribuída aos tempos

religiosos, dispõe Carrazza (2001, p. 618), que:

São igualmente imunes à tributação por meio de impostos os templos de qualquer culto, conforme estipula o art. 150, VI, “b”, da CF. Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o

local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja. Em razão disso, é o caso de, aqui, perguntarmos: que impostos poderiam alcançar os templos de

qualquer culto se inexistisse este dispositivo constitucional? Vários impostos, apressamo-nos em responder. Sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e

territorial urbano (IPTU); sobre o serviço religioso, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); sobre as esmolas (dízimos, espórtulas, doações em dinheiro etc.), o imposto sobre a transmissão

“inter vivos”, por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI); e assim avante. Nenhum destes impostos - nem qualquer outro – pode incidir sobre os templos de qualquer culto, em conseqüência da regra imunizante

agora em estudo. É fácil percebermos que esta alínea “b” visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades

tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos. A Constituição garante, pois, a liberdade de crença e a igualdade entre as crenças (Sacha Calmon Navarro Coelho). Umas das fórmulas encontradas para isto

foi justamente esta: vedar a cobrança de qualquer imposto sobre os templos de qualquer culto.

As imunidades tributárias estão inseridas dentre as limitações

constitucionais do poder de tributar, ganhando estatura, para o Supremo

Tribunal Federal, de cláusulas pétreas, isto é, imodificáveis por Emendas

Constitucionais, em função da impossibilidade de extinguir ou modificar direitos

e garantias individuais, previsto no inciso IV, do § 4º, do artigo 60, da

CRFB/1988 (DIAS, 2011).

Dessa maneira, evidentemente, é nobre o reconhecimento dado pela Lei

Maior às igrejas, pois, geralmente, as pessoas tornam-se melhores quando

seguem uma religião ou creem em uma força superior, personificado em uma

entidade, em um ser ou um Deus.

Porém, muitas vezes, as pessoas que dirigem ou comandam as igrejas,

aproveitam-se dessa imunidade com relação aos impostos, para evitar o

pagamento deste a esfera tributária nacional. E, frise-se, praticam esse ato

jurídico de maneira legal.

Page 4: Imunidade Tributária das Igrejas

4

Por exemplo, já houve líder de Igreja, que comprou fazendas a perder de

vista e as registrou em “nome da Igreja”, com a justificativa de que esse bem

imóvel serviria para beneficiar os fiéis e a própria Instituição Religiosa.

Ainda, esses mesmos líderes, costumam colocar tudo o que podem em

nome da Igreja, como os carros de luxo em que andam, as casas de

condomínio de classe alta em que residem, empresas, etc. Tudo isso, sem que

haja qualquer vínculo ou relação desses bens com os fiéis ou com a obra.

Nesse sentido, há claramente um benefício enorme não somente para

as Igrejas, mas também para os líderes delas. Ainda, toda a renda auferida por

essas instituições, estão livres do Imposto de Renda, ou seja, não existe

qualquer tipo de fiscalização referente a esses proventos.

Naturalmente, as pessoas que ofertam ou dizimam, esperam que a

renda obtida pela Igreja, seja aplicada na obra religiosa, isto é, seja revertida

para os próprios fiéis que ajudaram e aos que ainda podem ser alcançados por

esse belo “trabalho”.

Para evitar esse desvirtuamento, que sabidamente existe, em fevereiro

de 2013, na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos

Deputados foi apresentado o Projeto de Lei nº 239, pelo Deputado Federal

Marcos Rogério (PDT-RO), que suspende a imunidade tributária de templos de

qualquer culto (TORRES, 2013).

Essa proposta estabelecia que, ao descumprir os requisitos previstos

atualmente em lei, as entidades terão os benefícios suspensos

temporariamente (TORRES, 2013).

Esses requisitos seriam os previstos no próprio Código Tributário

Nacional, que são: a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou

de suas rendas, a qualquer título; b) aplicarem integralmente, no país, os seus

recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; c) manterem

escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades

capazes de assegurar sua exatidão (TORRES, 2013).

Page 5: Imunidade Tributária das Igrejas

5

Segundo o autor do Projeto, o objetivo seria aumentar a segurança

jurídica dos atos praticados pelas autoridades tributárias, garantindo que tanto

as entidades imunes quanto o fisco possam conhecer e seguir os

procedimentos (CÂMARA, 2013).

A redação da Proposta menciona, por exemplo, que observado o

descumprimento de requisito ou condição para o gozo da imunidade, a

fiscalização tributária remeterá notificação fiscal, relatando os fatos que podem

levar à suspensão do benefício e indicando a data da ocorrência da infração

(CÂMARA, 2013).

Entretanto, após alguns meses, o autor desse Projeto de Lei recuou,

para ele, essa proposta apresenta “inconstitucionalidade total”, quando propõe

suspender a imunidade às igrejas, porque elas possuem “proteção absoluta”,

ele admitiu não ter prestado atenção para esse detalhe na época (TORRES,

2013).

Apesar da boa intenção apresentada por essa Proposta, não vislumbra-

se, atualmente, a curto ou médio prazo, qualquer possibilidade de revogação

ou restrição da imunidade tributária das Igrejas perante os impostos, por ser

considerada cláusula pétrea como já mencionado.

Assim, situações supostamente “imorais” existentes nas Instituições

Religiosas, continuarão acobertadas pelo manto da imunidade constitucional e,

infelizmente, somar-se-ão a de outros setores da sociedade civil brasileira.

Uma mudança nesse cenário (imunidade dada as igrejas), somente se

vislumbra, quando advier uma nova Carta Magna, pela intangibilidade absoluta

desse tema atualmente.

Bibliografia: BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Rio de

Janeiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 08 ago. 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil , de 05 de outubro de 1988. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 09 ago. 2014.

Page 6: Imunidade Tributária das Igrejas

6

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto define procedimentos para cassação de imunidades

tributárias. Publicado em: 2013. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/443436-PROJETO-DEFINE-PROCEDIMENTOS-PARA-CASSACAO-DE-IMUNIDADES-TRIBUTARIAS.html>. Acesso em:

09 ago. 2014. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2001. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2.

ed. Rev. Atual. São Paulo: Malheiros, 2006. DIAS, Paulo Vitor Coelho. Imunidades tributárias à luz do entendimento do Supremo

Tribunal Federal. Publicado em: 2011. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/a/5kd0/imunidades-tributarias-a-luz-do-entendimento-do-supremo-tribunal-federal-paulo-vitor-coelho-dias>. Acesso em: 09 ago. 2014.

ELALI, André. Revista Tributária e de Finanças Públicas. nº 70. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2001.

OLIVEIRA, Fábio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2966, 15 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso em: 08 ago. 2014.

TERAOKA, Thiago Massao Cortizo. A Liberdade Religiosa no Direito Constitucional Brasileiro. 2010. 282f. Tese de doutorado em Direito. Universidade de São Paulo, São Paulo,

2010. TORRES, Rodolfo. Deputado quer manter igrejas sem pagar imposto. Publicado em 2013.

Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputado-quer-manter-igrejas-sem-pagar-imposto/>. Acesso em: 09 ago. 2014.

TORRES, Rodolfo. Projeto suspende imunidade tributária de igreja. Publicado em: 2013. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/projeto-suspende-imunidade-tributaria-de-igrejas/>. Acesso em: 09 ago. 2014.