impressos no maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

26

Click here to load reader

Upload: lydat

Post on 07-Jan-2017

220 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

II Encontro Nacional da Rede Alfredo de CarvalhoFlorianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

GT História das Mídia Impressa

Coordenação: Prof. Luís Guilherme Tavares (NEHIB)

Page 2: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da imprensa local

Roseane Arcanjo PinheiroAssociação Maranhense de Imprensa

Resumo

Realiza-se uma breve leitura sobre o contexto histórico no qual foi fundada imprensa no

Brasil. Comenta-se sobre os fatores socioculturais que retardaram a chegada dos

primeiros prelos no Maranhão, contextualizando-se com a fundação do jornal O

Conciliador, que começou a ser impresso no dia 10 de novembro de 1821. Aborda-se a

história do primeiro jornal maranhense, que circulou até 1823, em São Luís. Apresentam-

se reflexões sobre o desenvolvimento da imprensa maranhense.

Palavras-chaves: história, imprensa, Maranhão, desenvolvimento

1.A imprensa na colônia portuguesa

Cerca de 300 anos separam a chegada dos portugueses à colônia da fundação das

primeiras tipografias. Em 1808, junto a bagagem da Corte havia 2 prelos e 26 volumes

de material tipográfico comprados na Inglaterra para a Secretaria dos Negócios

Estrangeiros e da Guerra Civil. Esse material gráfico foi utilizado na montagem da

Impressão Régia, a primeira tipografia instalada no Brasil, onde foi impresso o jornal A

Gazeta do Rio de Janeiro. No mesmo ano, foi editado o jornal Correio Braziliense, em

Londres, sob a direção de Hipólito da Costa.

Para compreendermos os fatores que propiciaram a chegada da imprensa,

buscamos as reflexões dos pesquisadores Nelson Werneck Sodré, Juarez Bahia e José

Marques de Melo. A partir dessas luzes, tencionamos entender o nascimento da

imprensa no Maranhão. Ressaltamos que trata-se de um primeiro olhar sobre os fatores

Page 3: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

que propiciaram a vinda das tipografias e o relacionamento desse fato com a vida

política, cultural, social e econômica da Província.

Nas análises sobre a chegada da imprensa no Brasil, as causas políticas

geralmente foram destacadas como preponderantes para explicar o atraso em relação às

demais colônias. Na ótica de BAHIA, o freio político emperrou a vinda dos primeiros

prelos e a liberdade de expressão. O autor entendeu as iniciativas do Governo português

como uma política sistemática contra o desenvolvimento da imprensa. “A administração

pombalina impede a tipografia e o jornalismo (...) o domínio português, de 1500 até o

desembarque da comitiva de D. João VI, se exerce para asfixiar toda e qualquer

manifestação livre do pensamento” (1990: 9-10).

Para o estudioso, a transferência da Família Real e as necessidades advindas

desse momento político são os fatores determinantes para a instalação dos primeiros

prelos no Brasil. Na Metrópole, ressaltou BAHIA, os jornais podiam circular, o mesmo

não acontecendo nas terras americanas, porque o controle não seria possível, permitindo

brechas perigosas e tais falhas poderiam contrariar os interesses lusitanos. Destacou que

a ação da imprensa tornou-se, com a vinda da Corte, fundamental para o

desenvolvimento da vida brasileira.

Sob o espectro das questões econômicas, SODRÉ associou o progresso da

imprensa ao capitalismo. Em sua análise, atribuiu o atraso da imprensa, em relação aos

demais territórios, à ausência da burguesia e daquele sistema econômico na colônia. A

censura oficial e a força da ideologia dominante foram outras causas que determinaram o

progresso da imprensa: “Só nos países em que o capitalismo se desenvolveu, a imprensa

se desenvolveu...” (1990: 33).

Acreditamos que uma visão mais abrangente sobre a chegada das tipografias

pode explicar a totalidade da conjunta na qual surgem os impressos pioneiros. Uma

cadeia de fatores socioculturais, explicitada pelo professor José Marques de Melo em

sua análise sobre a implantação da imprensa no Brasil, à luz da interpretação

funcionalista, nos possibilitou ter acesso a uma perspectiva mais ampla sobre o

acontecimento. “O retardamento não se aplica por uma única causa (política ou

econômica), mas por um conjunto de circunstâncias causais, que se inter-relacionam e se

influenciam mutuamente. A essas causas chamaremos de socioculturais”. (2003:112).

Page 4: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

A natureza feitorial da colonização, atraso das populações indígenas, predominância

do analfabetismo, ausência de urbanização, precariedade da burocracia estatal, insipiência

das atividades comerciais e industriais e o reflexo da censura e do obscurantismo

metropolitanos são os fatores socioculturais que explicam o atraso na chegada da imprensa,

segundo o professor José Marques de Melo, na primeira tese do Jornalismo Brasileiro.

O primeiro fator a contribuir para o atraso foi a ocupação do território brasileiro, onde

ocorreu uma transferência quase forçada de pequenos contingentes populacionais, sem

praticamente ônus para a Coroa Portuguesa, que não desejava instalar na colônia cidades ou

estruturar melhores condições de vida. A exploração econômica, comandada por

particulares, aconteceu à margem de um povoamento lento e com poucas incursões pelo

interior.

Em um contexto parco economicamente, a implantação da imprensa esbarrou ainda

na cultura indígena incipiente, ao contrário do que encontraram os espanhóis, as

civilizações mais adiantadas – os maias, astecas e incas. Por sinal, os conquistadores

portugueses relegaram a colônia a segundo plano e nem mesmo se interessaram em impor

sua língua, o que ocorreu de fato após três séculos de ocupação. O analfabetismo da

maioria da população da colônia firmou-se como outro entrave ao desenvolvimento da

imprensa. Numa cultura onde o verbal tomava o espaço da cultura escrita, as tipografias

não tiveram vez. Acomodando-se às condições locais, o verbal transformou-se em

indispensável instrumento de propaganda ideológica.

A falta de urbanização e a vida predominantemente rural estancaram o crescimento

econômico da colônia portuguesa, possuidora de poucas cidades. A vida resumia-se às

fazendas de engenho e seus habitantes tinham uma postura quase reclusa e conviviam com

um tímido comércio e um reduzidíssimo funcionalismo. Quanto à administração

portuguesa, a ausência da Coroa refletiu-se no marasmo e na incompetência do

funcionalismo, coordenado a distância pelo Conselho Ultramarino.

A falta de pulso firme dos governantes portugueses no comando da ocupação

desmembrou-se ainda no fraco desenvolvimento comercial e industrial, privilégio das elites

colonizadoras. “Não havendo necessidade dos usuais expedientes burocráticos-mercantis

(...), pelo primitivismo dos métodos comerciais imperantes e pela atuação precária da

Page 5: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

máquina estatal, a imprensa não teria utilidade maior em terras brasileiras”(MELO,

2003:136).

O pesquisador frisou outra razão para o não-florescimento da imprensa no Brasil

Colônia: a censura empreendida de forma acentuada a partir do século XVI, conforme

interesses dos detentores do poder e da Igreja Católica. As idéias nocivas ao poderio

português eram barradas pelos censores. Nenhum livro ou publicação circularia no Reino

ou na colônia sem a autorização das instâncias encarregadas da censura prévia.

Por fim, do povoamento escasso à mão-de-ferro da censura, a cadeia de fatos

estudada pelo professor José Marques de Melo nos permitiu visualizar com maior

amplitude o processo histórico que resultou na instalação tardia das tipografias no Brasil.

2.A chegada da imprensa no Maranhão: panoramas sócio-econômico e político

A Capitania do Maranhão foi criada em 1534, quando o território até então era ocupado

por índios que viviam da agricultura, caça, pesca e coleta de frutas. A capitania não foi

ocupada de imediato pelos proprietários, João de Barros, Fernand’Álvares de Andrade e

Aires da Cunha. Eles enviaram nas décadas seguintes frotas e colonos para ocupá-la. O

grupo fundou o vilarejo de Nazaré, onde provavelmente está localizada hoje a capital

São Luís, mas a falta de apoio oficial, as dificuldades de acesso à ilha e a resistência dos

índios contribuíram para que abandonassem o empreendimento.

No século XVII, o Brasil já tinha cidades ricas, como Salvador, porém tratava com

descaso toda a costa Norte, o que despertou a cobiça de outros países. Em 1612, tropas

francesas fundaram no Maranhão a França Equinocial. Comandada por Daniel de La

Touche, o Senhor de La Ravardiére, acompanhado por 500 homens, a expedição ergueu

o Forte e Vila São Luís no dia 08 de setembro. Tendo os índios como aliados, os

franceses lutaram contra os portugueses, que vindo de Pernambuco, derrotaram os

invasores.

Motivada por questões econômicas e políticas, a Metrópole criou em 1621 o Estado

Colonial do Maranhão e Grão-Pará. As prováveis causas para a decisão foram a

localização estratégica do território, as facilidades da rota São Luís-Lisboa, além da

Page 6: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

tentativa de criação de uma entrada para o Atlântico, permitindo à Coroa vislumbrar a

expansão espanhola no Peru.

Com o desenvolvimento de São Luís, nome mantido mesmo após a saída das forças

francesas, chegaram na cidade colonos açorianos, braços para o cultivo de algodão e

açúcar, produtos de exportação que sustentavam uma economia com estrutura

escravista e baseada na monocultura. Além dos açorianos, os índios foram usados como

mão-de-obra nas lavouras, posteriormente os negros – das costas de Mina e Angola –

tornaram-se escravos.

As invasões estrangeiras não cessaram no século XVII. Mais um exemplo são as

tropas holandesas, chefiadas por Mauricio de Nassau, que invadiram o Maranhão, desta

vez em 1641. Logo são expulsos pelos portugueses. Como explicou Antonio

Bernardino Pereira Lago: “... tornou o Maranhão a ser invadido pois, a 22 de novembro,

apareceram na baía do Araçagi (...) fundeadas, 22 embarcações holandesas (...) e com a

maior parte dos navios foi dar fundo defronte, donde hoje é a ermida do desterro, e

desembarcando a tropa sem lhe oporem resistência, saquearam a povoação com

vergonha e desonra do seu governador” (2001: 67).

Sem os invasores de outros países, o comando político e econômico seguiu sob as

ordens de Portugal, que criou a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, em

1682. Dessa forma, a economia local passou a integrar o sistema comercial mantido por

Portugal. A Companhia teria a responsabilidade de adquirir a produção açucareira do

Estado e fornecer gêneros metropolitanos e escravos. Mantido por negociantes

portugueses, o sistema, que não sofreu fiscalização da Corte, foi alvo de reclamações

por parte dos colonos por não cumprir com os compromissos firmados, gerando a

primeira rebelião na colônia contra Portugal – a revolta de Beckman. O movimento foi

vitorioso em São Luís, sem entanto se estender ao restante do território. O líder Manuel

Beckman, senhor de engenho na região do Mearim, foi preso e condenado à forca.

Na segunda metade do século XVIII, o Maranhão tornou-se fornecedor de algodão

para a Inglaterra, por conta da interrupção do fornecimento pelos Estados Unidos, palco

da Guerra de Secessão. O fato inaugurou um período de crescimento econômico

vertiginoso. Em 1755, foi fundada a Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e

Page 7: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

Maranhão, que durou 20 anos. A cidade de São Luís recebeu melhorias, como

canalização da rede de água e esgotos e sua população cresceu.

A presença de religiosos se acentuou – vieram carmelitas, jesuítas e franciscanos –

que integraram uma estrutura social escravocrata e excludente. De acordo com

MEIRELES, (1994:303), o censo de 1779 apontou no Estado uma população formada

por negros (40,28%) e cafuzos (23,53%), ou seja, 63,81% dos habitantes integravam as

camadas mais pobres, em sua maior parte analfabeta. Apenas 36,19% eram brancos de

um total de 78.860 mil habitantes em todo o Estado.

Antonio Bernardino Pereira do Lago, em sua obra sobre as estatísticas histórico-

geográficas da Província do Maranhão, apontou que as condições sociais eram

precárias. Apesar do crescimento econômico, o quadro é crítico. Há grande mortandade

de crianças e moléstias “que por diferentes modos abreviam a vida” (2001: 25). Sobre

os escravos, ainda conforme o autor, as atribulações são mais pesadas, “miséria, vício e

castigo, pois bem é sabido é que não há classe mais desprezada e miseravelmente

tratada e que sofre castigos mais duros e caprichosos” (2001: 25).

No período que compreende o fim do século XVIII e meados do século seguinte, a

economia exportadora do Maranhão entrou em declínio, em função do restabelecimento

da produção norte-americana. Com o fim da escravidão, em 1888, a decadência

econômica se acentuou e, como apontou TRIBUZI, o Estado só conseguiria recuperar-

se em meados do século XX, graças às condições externas, ligadas à II Guerra Mundial,

e à elevação da produção de algodão, tecidos e babaçu. (apud TONIAL, 2001: 87).

As dívidas internas e externas, de acordo com MEIRELES, assombraram o

Maranhão no novo século, exaurindo suas forças econômicas, a tal ponto que a

Associação Comercial dirigiu reclamação aos prefeitos municipais, na década de 30,

chamando a atenção para a falta de qualidade das mercadorias exportadas: “a situação

precária excepcional que o mercado de nossos produtos vem atravessando pela má

qualidade dos gêneros (...) está exigindo que cada município do Estado venha em

auxílio do levantamento econômico do Maranhão” (1992, 14).

É a partir dessa primeira leitura dos contextos social, político e econômico no

Maranhão, à época da fundação do jornal pioneiro, em 1821, que nos remetemos a

Page 8: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

alguns indícios que podem apontar fatores que retardaram a chegada das tipografias

naquele território:

As formas de ocupação e as invasões - As primeiras tentativas de ocupação da

capitania do Maranhão ocorreram 112 após a chegada dos portugueses à colônia.

Foram resultado das invasões de franceses e holandeses, atraídos pelas riquezas do

território. A Coroa portuguesa tratou com descaso o desenvolvimento da colônia e,

por conseguinte, suas capitanias, sendo obrigada a rever sua posição quando acuada

pela forças estrangeiras.

Atraso econômico – Até meados do século XVIII, o Maranhão sobrevivia

economicamente das exportações de produtos. Apenas na metade do século XVIII,

em decorrência da Guerra de Secessão nos Estados Unidos, quando passou a

fornecer algodão para a Inglaterra, São Luís iniciou surto de desenvolvimento

econômico, com melhorias para a cidade. Em 1755, foi criada a Companhia Geral

do Comércio do Grão Pará e Maranhão dinamizando as atividades econômicas.

A forte influência dos negociantes lusitanos – Os comerciantes portugueses

comandaram o modelo econômico adotado pela colônia na província, a partir do

incremento da ocupação do território. A insatisfação da aristocracia rural frente a

essa situação foi freqüente, gerando o primeiro movimento na colônia contra

Portugal, a Revolta de Beckman. A participação desses negociantes na vida política

local era decisiva, a tal ponto que o Maranhão foi praticamente obrigado a

reconhecer a Independência do Brasil, após o envio de tropas do governo,

responsáveis pela repressão aos grupos que defendiam a manutenção do pacto

colonial, mantenedor de uma estrutura social conservadora e escravocrata.

Maior parte da população iletrada - O censo de 1779 aponta uma população

formada predominantemente por negros (40,28%) e cafuzos (23,53%), ou seja,

63,81% dos habitantes integravam as camadas mais pobres e excluídas, em sua

maior parte analfabeta. Apenas 36,19% eram brancos de um total de 78.860 mil

habitantes em todo o território..

3. O Conciliador, o jornal pioneiro

Page 9: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

O Conciliador foi o primeiro jornal do Maranhão, transformando São Luís na

quarta capital do país a ter imprensa. Financiado pelo governador da Província, Bernardo

da Silveira Pinto da Fonseca, o jornal foi fundado em meio à luta entre brasileiros e

portugueses, divididos quanto à Independência do Brasil. Chegou às ruas em 15 de abril de

1821, no entanto, somente a data de 10 de novembro de 1821 é considerada o Dia da

Imprensa Maranhense. Trata-se do primeiro número impresso, pois as edições

anteriormente foram feitas a bico de pena (JORGE, 2000: 17).

O nascimento do jornal pioneiro, propagador do discurso oficial, é marco da

chegada da primeira tipografia, como nos conta FRIAS: “...E essa improvisada

tipocaligrafia durou até 31 de outubro de 1821, em que chegou da Europa e, por conta da

Fazenda Nacional, a primeira tipografia que possuiu o Maranhão, a qual continuou a

publicação daquele jornal”. (2001: 16).

À revelia do seu nome, o primeiro jornal maranhense semeou a discórdia entre os

grupos políticos da capital, dado o quadro em andamento no país. A Revolução do Porto,

ocorrida em Portugal em 1820, obrigou D. João VI a voltar à Metrópole em decorrência da

insatisfação dos negociantes lusos frente às medidas econômicas que beneficiavam o Brasil

e prejudicam a economia portuguesa. As contradições da política econômica e o retorno do

soberano a Lisboa provocaram a divisão da colônia em dois grupos: o partido português

(integrado por comerciantes e militares portugueses, contrários à autonomia administrativa)

e o partido brasileiro (formado principalmente pela aristocracia rural).

Os ânimos também estavam exaltados no Maranhão em função da crise regencial.

Os cabanos ou conservadores e os bem-te-vis ou liberais disputaram o poder político local.

Os enfrentamentos políticos, somados ao momento de instabilidade econômica da

Província, cujos produtos de exportação perdiam valor no mercado externo, geraram

Page 10: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

revoltas. Em 1831, foi desencadeada a Setembrada, movimento que reuniu populares e

tropas em São Luís em torno da expulsão de portugueses e religiosos e a demissão de

brasileiros não-natos, considerados “inimigos da independência”.

Em 1838, a Balaiada, revolta desencadeada pela briga entre os grupos políticos,

sintetizou uma conjuntura de problemas econômicos, desmandos e exclusão social. A

mobilização, liderada por Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, e Raimundo

Gomes, teve o apoio dos liberais e ganhou caráter popular com a adesão de homens livres e

dos negros, comandados por Negro Cosme, que entrou para a história como uma das

importantes lideranças negras do Maranhão. Sem almejar mudar a estrutura social da

Província, o movimento foi sufocado, após penetrar em algumas cidades do interior, como

Caxias.

Neste contexto sócio-econômico e político, o historiador Luís Antônio Vieira da

Silva (apud JORGE, 2000:17), comentou sobre a atuação do primeiro periódico do

Maranhão e seu discurso favorável à manutenção do sistema colonial: “... foi o facho de

discórdia que para logo dividiu portugueses e brasileiros (...) não poupando sarcasmos e

injúrias contra aqueles que presumia ligados à causa da Independência”.

Com formato de papel almaço comum, O Conciliador foi jornal oficial e noticioso

(SERRA, 2001: 23) e de linguagem agressiva e inconseqüente na defesa de seus interesses

enquanto órgão áulico (JORGE, 1998: 17).

Os primeiros jornalistas da Província foram portugueses - Antônio Marques da

Costa Soares e o padre José Antônio Ferreira Tezinho - o que reforça o poderio dos

interesses lusos na condução deste primeiro momento da imprensa em São Luís. Eles foram

autores de ataques desmedidos contra seus opositores em O Conciliador. Por isso Tezinho

foi indiciado em processo por crime de imprensa (JORGE, 2000:18).

Page 11: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

O primeiro número do jornal, como ressaltou o pesquisador Sebastião Jorge, fez

alusão à vocação de periódico oficial: “Se empenhava junto ao público pedindo-lhe

colaboração no sentido de que lhe levasse todo e qualquer fato acontecido na cidade –

‘assim como as idéias tendentes ao bem Nacional e à justa Causa’- A causa de que fala

tem relação com as bases constitucionais de Portugal, promulgada a 9 de março de 1821”

(1987: 20).

Sobre o conteúdo de O Conciliador, o pesquisador Manoel Santos Neto, autor do

estudo inédito A imprensa e a escravidão, concorda com Sebastião Jorge acerca do

posicionamento político do primeiro jornal do Maranhão: “Este periódico era favorável à

Constituição portuguesa, defendendo o seu cumprimento à risca e recomendando fidelidade

às ordens emanadas de Portugal”. (2002: 03).

Consultamos as páginas do jornal pioneiro, nascido no entrelaçamento de interesses

portugueses e de grupos econômicos e políticos no Maranhão, encontramos notícias que

confirmam esse ponto de vista. Vejamos a edição de número 01, de 15 de abril de 1821:

Raio nos horizontes de Maranhão hum dia, que será para

sempre memorável nos Faustos da sua historia; e com elle

brilhou aquelle enthusiasmo de Fidelidade e Patriotismo, que

em todos os factos, e épocas caracterizou os Portugueses de

ambos os Mundos. A fausta noticia da Regeneração Política

acontecida em Portugal (...)

A figura de D. João VI, Rei de Portugal, é exaltada em suas páginas, assim como as

medidas que mantinham a ordem estabelecida, como prega em texto da edição número 02

de 19 de abril de 1821, cujo autor é o major da Cavalaria Rodrigo Pizarro:

Page 12: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

“... o nosso compacivo, e Paternal Monarcha hade ver com

jubilo o Manifesto sagrado da Nossa obediência e amor a

sua Real pessoa, e da nossa adhesao aos Princípios

Constitucionais dos nossos Irmãos da Europa, e do Brazil.

Cidadãos, concórdia, e submissão as Leis existentes, em

quanto outras não forem promulgadas; seria delírio alluir o

edifício, que nos abriga sem haver levantado nova habitação.

Viva El Rey, a Religião, a Pátria, e a Constituição...”

Em uma pesquisa de fôlego sobre os primeiros jornais do Maranhão, o professor

Sebastião Jorge abordou a linguagem empregada pelos chamados pasquins, de tom

geralmente exaltado, com textos marcados por agressões verbais, insultos e ódio contra

seus adversários políticos. O Guajajara, que pertencia à família de Ana Jansen, foi um dos

mais violentos. Outros de nomes estranhos, como Cacete, Jararaca, Arre e Irra, Patusco,

Palmatória e Figa, contribuíram para a história dos jornais incendiários, que deixaram em

polvorosa seus opositores políticos.

O Conciliador, jornal pioneiro, não escapou da chaga de seu tempo. Seus excessos

era tantos, conta o pesquisador, que geraram uma representação de 65 cidadãos de São

Luís, enviada a D. João VI com reclamações contra as injúrias publicadas pelo referido

periódico. “O documento reclamava ainda contra o governador da província, marechal

Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca (...) com acusações de que o mesmo estava

patrocinando os insultos, ao pagar com dinheiro públicos os mencionados redatores. Em

troca merecia elogios de tudo o que fazia e até do que deixava de fazer” (1998:18).

O Jornal O Conciliador deixou de circular em 16 de julho de 1823, após 210

números. Na mesma época, outros jornais se aventuraram na Província, em ebulição

Page 13: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

política, dirigida por liberais e conservadores. Entre eles, O Censor, do português João

Antônio Garcia de Abranches, opositor do jornal O Argos da Lei, do maranhense Manoel

Odorico Mendes, um dos mais importantes jornalistas da Província, ao lado de João

Francisco Lisboa. Abranches e Odorico Mendes travaram duelos memoráveis na imprensa,

nos quais pontuavam suas opiniões sobre os acontecimentos e o destino da Nação.

Na segunda metade do século XIX, a história do jornalismo no Maranhão conheceu

grandes jornalistas. Na obra Sessenta Anos de Jornalismo – A Imprensa do Maranhão,

Joaquim Serra cita vários deles (2001:77). Vamos conhecê-los:

João Lisboa - De marcante eloqüência, João Lisboa, aos 20 anos, fundou O

Brasileiro, “folha independente e justa”. O jornalista trabalhou no Farol

Maranhense, Eco do Norte, Crônica Maranhense, Publicador Maranhense e

no Jornal de Timon. Travou duelos nas páginas de Eco do Norte contra

Sotero dos Reis (O Investigador) e o deputado Cajueiro (jornal Cacambo).

Francisco Sotero dos Reis – Escritor e educador, fundou O Maranhense.

Trabalhou em O Constitucional, O Investigador Maranhense, Revista,

Correio de Anúncios, O Observador e Publicador Maranhense. Muitos de

seus artigos influenciaram os acontecimentos na Província.

José Cândido de Moraes e Silva - Rude e com linguagem exagerada, fundou

somente um jornal, o Farol. Atacou com energia o lusitanismo e os

desmandos do governo local, chegando a ser perseguido. O Farol foi um dos

jornais que mais influenciou o povo maranhense naquele período.

Odorico Mendes – Escritor de talento colossal, Odorico Mendes esteve a

frente do jornal Argos da Lei, de 1825. Travou batalha inesquecível contra O

Censor, de Garcia de Abranches, por conta dos posicionamentos políticos

Page 14: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

divergentes. “O jornalismo maranhense com justa razão ufana-se de ter,

entre os seus fundadores, esse venerando mestre, tão glorioso nas lutas

políticas do Império (SERRA, 2001: 90).

Gentil Braga – Com vigoroso talento, escreveu no Publicador Maranhense,

Ordem e Progresso, Coalição (sic) e no Seminário Maranhense. Poeta e

apaixonado pela forma, apresentava humorismo fino, fidalgo e cheio de

cintilações.

Marques Rodrigues - Com linguagem severa e sóbria, redigiu em O Globo e

no Publicador Maranhense. Trabalhou em Pernambuco com Nascimento

Feitosa em O Cidadão. Em Coimbra, trabalhou no célebre periódico

Trovador.

Celso Magalhães – Começou no Semanário Maranhense ainda menino,

quando teria então 16 anos. Possuidor de estilo condensado, rara lucidez e

imaginação vivaz, o jornalista trabalho em O País, onde discutiu com

solidez e estilo temas ligados às letras, indústria, comércio e artes.

A imprensa maranhense, sob o peso das dificuldades econômicas da Província e dos

debates políticos, adentrou o século XX, carente de pesquisas sobre o progresso de seu

jornalismo. Acreditamos que as feições dessa imprensa demoraram a serem alteradas, em

função da lenta caminhada da história sócio-econômica do Maranhão.

4. Referenciais Bibliográficos

ACHILLES, Aristeu. Os jornais na Independência. Brasília: Thesaurus/MEC, 1976.

Page 15: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: História da Imprensa Brasileira. São Paulo:

Ática, 1990. Vol.I

CIDADES HISTÓRICAS BRASILEIRAS. http://www.cidadeshistoricas.art.br. Acesso em

07.02.2003.

FRIAS, J.M.C. Memória sobre a tipografia maranhense. São Paulo: Siciliano, 2001.

HISTORIANET. http://www.historianet.com.br/main/default.asp. Acesso em 10.02.2003

JORGE, Sebastião B. A Linguagem dos Pasquins. São Luís: Lithograf, 1998.

______________. Política movida a paixão – o jornalismo polêmico de Odorico

Mendes. São Luís: Departamento de Comunicação Social/UFMA, 2000.

______________. Os primeiros passos da imprensa no Maranhão. São Luís,

PPPG/EDUFMA, 1987.

LAGO, Antonio Bernardino Pereira do. Estatística Histórico-geográfica da Província. São

Paulo: Siciliano, 2001.

MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. Memória histórica e documentada da

Revolução da Província do Maranhão desde 1839 a 1840. São Paulo: Siciliano, 2001.

MATOS, Marcos Fábio B....E o cinema invadiu a Athenas – a história do cinema

ambulante

em São Luís. São Luís: Prefeitura de São Luís, 2002.

MEIRELES, Mário. História do Comércio do Maranhão. São Luís: Prefeitura de São Luís,

1992.

_______________. Dez Estudos Históricos. São Luís, Alumar, 1994.

Page 16: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

MELO, José Marques de. Para uma leitura crítica da comunicação. São Paulo: Edição

Paulinas, 1985.

_______________. História Social da Imprensa. São Paulo: Editora Edipucrs, 2003.

NETO, Manuel S. Imprensa e Escravidão. São Luís, Mimeo, 2002.

O CONCILIADOR. São Luís, 15 de abril de 1821.

O CONCILIADOR. São Luís, 19 de abril, 1821.

O CONCILIADOR. São Luís, 22 de abril, 1821.

O CONCILIADOR. São Luís, 26 de abril, 1821

PINHEIRO, Roseane A. A História do Jornalismo Impresso no Brasil. Manaus: Núcleo de

Estudo e Pesquisa em Comunicação/UFAM. Agosto, 1995.

__________________. Páginas da escravidão: anúncios de jornais contam parte da história

dos escravos africanos no Maranhão, marcada pela luta contra a opressão. Jornal O

Estado do Maranhão. São Luís, 02 de novembro, 2003.

SERRA, Joaquim. Sessenta anos de Jornalismo – a imprensa no Maranhão. São Paulo:

Siciliano, 2001.

SODRÉ, Nelson W. A História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira,

1967.

TONIAL, Sueli R. O contexto histórico e econômico in Desnutrição e Obesidade – faces

Page 17: Impressos no Maranhão: uma primeira leitura sobre a fundação da

contraditórias na miséria e na abundância. Recife: Instituto Materno Infantil de

Pernambuco/IMIP, 2001.