imposto sobre consumo piketti

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“O Brasil precisa reduzir os impostos sobre o consumo e os mais pobres” 05/12/2014 20:00 // Por: Gabriel Baldocchi Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris e autor de O capital no século 21 Pelo tipo de assédio que recebe hoje em dia, o economista francês Thomas Piketty, aos 43 anos de idade, mais parece uma celebridade de Hollywood do que um discreto professor da Escola de Economia de Paris. Suas palestras reúnem multidões de interessados, de jovens estudantes a professores experientes, muitos deles ávidos para conseguir um autógrafo em um exemplar do best-seller O capital no século 21, que o alçou ao posto de fenômeno da área, com elogios de prêmios Nobel e comparações a Karl Marx. O livro ganhou repercussão mundial ao demonstrar, com dados, um aumento na desigualdade nos últimos anos, sugerindo que a renda do capital, herdada, avança mais rapidamente do que a do trabalho, prejudicando a mobilidade social. Em entrevista à DINHEIRO durante sua passagem pelo Brasil, Piketty minimizou o argumento oficial de melhora na desigualdade no País e sugeriu uma elevação de impostos sobre patrimônio e heranças, para permitir a redução da carga tributária sobre o consumo, que afeta a maioria da população. DINHEIRO O tema da desigualdade não é novo. Outros economistas já haviam tratado dele antes. Por que o sr. acha que o seu livro teve mais repercussão? THOMAS PIKETTY As tentativas de coletar dados históricos eram muito limitadas. Os estudos, em geral, cobriam um período curto. Para entender as mudanças na desigualdade, é preciso ter uma perspectiva de longo prazo. Isso nunca havia sido feito. Em parte, porque era muito histórico para economistas e muito econômico para os historiadores, então ninguém estava fazendo. Os economistas olham só até dez anos atrás, eles não ligam para a história. E historiadores não ligam para os dados econômicos. DINHEIRO A questão da desigualdade estava subestimada? PIKETTY Acho que sempre esteve no centro dos debates, mas era uma discussão teórica, com dados limitados. No passado, Malthus, Marx e Ricardo já falavam bastante de desigualdade, mas não tinham dados. Às vezes, a intuição deles estava certa e, às vezes, não. Hoje, é mais fácil coletar dados por causa da tecnologia. Eu tento, no livro, contar uma história de leitura agradável e acessível sobre esses dados. DINHEIRO Um artigo publicado no Financial Times questionou os dados coletados no livro, sugerindo que poderia haver erros. Como o sr. vê essas críticas? PIKETTY Eles são confusos. Primeiro, publicaram um texto do colunista Martin Wolf com elogios. Depois, veio um artigo com ataques viciados e sem muita profundidade e mais tarde me deram o prêmio de melhor livro do ano. No final, eles me deram muita publicidade grátis, então eu agradeço. Não reclamo das críticas. Acho que a recepção ao livro foi muito boa, melhor do que o esperado. Eu estava tentando escrever um livro para uma plateia abrangente e internacional. A repercussão se deu como um processo gradual, porque os dados que estávamos coletando, dos EUA, da evolução da parcela do 1% mais rico e dos 10% mais ricos receberam muita atenção nos EUA por um longo período. Começou próximo de 2007, 2008. No início de 2009, quando a administração de Barack Obama publicou o primeiro Orçamento depois da

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O livro O Capital do Século XXI ganhou repercussão mundial ao demonstrar, com dados, um aumento na desigualdade nos últimos anos, sugerindo que a renda do capital, herdada, avança mais rapidamente do que a do trabalho, prejudicando a mobilidade social. Em entrevista à DINHEIRO durante sua passagem pelo Brasil, Piketty minimizou o argumento oficial de melhora na desigualdade no País e sugeriu uma elevação de impostos sobre patrimônio e heranças, para permitir a redução da carga tributária sobre o consumo, que afeta a maioria da população.

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Page 1: Imposto Sobre Consumo Piketti

“O Brasil precisa reduzir os impostos

sobre o consumo e os mais pobres”

05/12/2014 20:00

// Por: Gabriel Baldocchi

Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris e autor de O capital no

século 21

Pelo tipo de assédio que recebe hoje em dia, o economista francês Thomas Piketty, aos

43 anos de idade, mais parece uma celebridade de Hollywood do que um discreto

professor da Escola de Economia de Paris. Suas palestras reúnem multidões de

interessados, de jovens estudantes a professores experientes, muitos deles ávidos para

conseguir um autógrafo em um exemplar do best-seller O capital no século 21, que o

alçou ao posto de fenômeno da área, com elogios de prêmios Nobel e comparações a

Karl Marx. O livro ganhou repercussão mundial ao demonstrar, com dados, um

aumento na desigualdade nos últimos anos, sugerindo que a renda do capital, herdada,

avança mais rapidamente do que a do trabalho, prejudicando a mobilidade social. Em

entrevista à DINHEIRO durante sua passagem pelo Brasil, Piketty minimizou o

argumento oficial de melhora na desigualdade no País e sugeriu uma elevação de

impostos sobre patrimônio e heranças, para permitir a redução da carga tributária sobre

o consumo, que afeta a maioria da população.

DINHEIRO – O tema da desigualdade não é novo. Outros economistas já haviam

tratado dele antes. Por que o sr. acha que o seu livro teve mais repercussão?

THOMAS PIKETTY – As tentativas de coletar dados históricos eram muito limitadas.

Os estudos, em geral, cobriam um período curto. Para entender as mudanças na

desigualdade, é preciso ter uma perspectiva de longo prazo. Isso nunca havia sido feito.

Em parte, porque era muito histórico para economistas e muito econômico para os

historiadores, então ninguém estava fazendo. Os economistas olham só até dez anos

atrás, eles não ligam para a história. E historiadores não ligam para os dados

econômicos.

DINHEIRO – A questão da desigualdade estava subestimada?

PIKETTY – Acho que sempre esteve no centro dos debates, mas era uma discussão

teórica, com dados limitados. No passado, Malthus, Marx e Ricardo já falavam bastante

de desigualdade, mas não tinham dados. Às vezes, a intuição deles estava certa e, às

vezes, não. Hoje, é mais fácil coletar dados por causa da tecnologia. Eu tento, no livro,

contar uma história de leitura agradável e acessível sobre esses dados.

DINHEIRO – Um artigo publicado no Financial Times questionou os dados

coletados no livro, sugerindo que poderia haver erros. Como o sr. vê essas críticas?

PIKETTY – Eles são confusos. Primeiro, publicaram um texto do colunista Martin

Wolf com elogios. Depois, veio um artigo com ataques viciados e sem muita

profundidade e mais tarde me deram o prêmio de melhor livro do ano. No final, eles me

deram muita publicidade grátis, então eu agradeço. Não reclamo das críticas. Acho que

a recepção ao livro foi muito boa, melhor do que o esperado. Eu estava tentando

escrever um livro para uma plateia abrangente e internacional. A repercussão se deu

como um processo gradual, porque os dados que estávamos coletando, dos EUA, da

evolução da parcela do 1% mais rico e dos 10% mais ricos receberam muita atenção nos

EUA por um longo período. Começou próximo de 2007, 2008. No início de 2009,

quando a administração de Barack Obama publicou o primeiro Orçamento depois da

Page 2: Imposto Sobre Consumo Piketti

recessão, eles usaram o rascunho da nossa pesquisa, mostrando que nos EUA, antes da

crise, em 2007, já havia um crescimento da desigualdade, que estava voltando ao nível

de 1928.

DINHEIRO – A crise de 2008 originou o movimento Occupy Wall Street, que foi

às ruas questionar o nível de desigualdade. As pessoas não tinham essa percepção

antes?

PIKETTY – O movimento Occupy utilizou nossos dados. As informações que

coletamos forneceram números concretos para as pessoas usarem e expressarem o

ressentimento sobre o que elas intuíam que estava acontecendo. Os números são

importantes porque é muito difícil comparar as sociedades ao longo do tempo. Então,

ser capaz de comparar a parcela do total da renda que foi para o top 1% em 1928 e em

2007 acabou dando parâmetro para as pessoas compararem sociedades que eram muito

difíceis de comparar. É claro que 1% é um grupo pequeno da população, mas é

suficiente para representar a sociedade de uma maneira geral. A aristocracia na França,

em 1779, antes da Revolução, representava entre 1% e 1,5%. É suficiente para ter uma

grande influência na sociedade.

DINHEIRO – Considerando os dados e as conclusões do seu livro, qual a sua

avaliação sobre o capitalismo?

PIKETTY – Não diria que o capitalismo falhou. Só acredito que podemos fazer

melhor, podemos organizar melhor o capitalismo, para que tenhamos menos

desigualdade e mais crescimento. Eu acredito na propriedade privada, nas forças de

mercado... Isso permitiu muito crescimento, muitos avanços ao longo do tempo. Então,

acho que a gente pode fazer ainda melhor. No Brasil, por exemplo, o nível de

desigualdade que existe é excessivo. Não acho que seja útil ter tanta desigualdade.

DINHEIRO – O governo brasileiro tem repetido que a desigualdade está caindo,

ao contrário do que aponta o seu livro...

PIKETTY – Não digo que a desigualdade sempre aumenta. Às vezes, algumas políticas

permitem uma redução. Mas não tenho tanta certeza de que a desigualdade caiu tanto,

no Brasil. Acho que há falta de transparência sobre os dados de renda. O acesso é muito

difícil. As informações preliminares que temos ao usar dados de renda no Brasil

sugerem que o nível de desigualdade é ainda maior do que supúnhamos. Todos

sabíamos que o Brasil é um país desigual, mas, quando se usam dados fiscais em vez

dos coletados em entrevistas nas residências, você tem mais desigualdade do que se

pensava. E também a evolução não é tão boa quanto o governo diz. Os dados

preliminares de um estudo feito por Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília,

mostram que a parcela da renda indo para o topo do 1% mais rico e dos 10% mais ricos,

na verdade, cresceu entre 2006 e 2012. Mesmo que tenha crescido um pouco ou caído

um pouco, acho que todo mundo concorda que o nível de desigualdade no Brasil é

muito alto. Seria um erro acreditar que já se avançou muito nessa questão. Há muitas

evidências no mundo que mostram que é possível crescer sem esse nível de

desigualdade.

DINHEIRO – Há quem diga que é preciso primeiro crescer, para depois dividir...

PIKETTY – Alguns países conseguiram fazer os dois. Não o Brasil. Muitos

conseguiram crescer com menos desigualdade. Muitos países asiáticos, como a Coreia

do Sul e Taiwan, têm menos desigualdade do que o Brasil e conseguiram crescer.

Muitos países na Europa, como a Suécia, a Alemanha, têm menos desigualdade que o

Brasil e conseguem crescer.

DINHEIRO – Por que acha que ainda enfrentamos o problema da transparência

sobre os dados de renda?

Page 3: Imposto Sobre Consumo Piketti

PIKETTY – Muitos governos temem a transparência. Eles querem manter a

informação apenas para eles, porque informação é poder. Isso é muito ruim. Se um

governo quer criar a confiança na sua administração, precisa de transparência. Num país

como o Brasil, onde todo mundo diz que não há confiança no governo, uma boa forma

de se criá-la seria aumentando a transparência sobre o quanto de imposto cada grupo

social está pagando.

DINHEIRO – A presidenta Dilma, recém-reeleita, acaba de nomear um

economista ortodoxo para o Ministério da Fazenda. Estamos escutando o mercado

demais?

PIKETTY – Eu não consigo comentar sobre as políticas que o governo vai conduzir. O

que posso dizer é que o Brasil precisa de uma ampla reforma tributária e de mais

transparência na questão dos impostos. O sistema no País tem muita tributação indireta,

para a classe média. Seria bom reduzir esses impostos indiretos e contar mais com os

diretos, promovendo a tributação progressiva e instituindo taxas sobre herança e

propriedade. Pagam-se muitos impostos na eletricidade, mas se alguém receber R$ 1

milhão de herança, pagará 4% apenas. Deveria ser o oposto. Deveria haver uma alíquota

maior sobre as grandes propriedades e sobre as grandes rendas. Há vários países

capitalistas que praticam uma tributação bem maior em herança do que o Brasil, como

os EUA, a Alemanha e o Reino Unido. Neles, o imposto sobre herança é de cerca de

40%. E ninguém diz que deveria reduzir para 4% como no Brasil. E olhe que o

primeiro-ministro britânico, David Cameron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, não

simpatizam muito com a esquerda. É importante criar a confiança no governo, para ter

mais transparência no sistema tributário.

DINHEIRO – No livro, o sr. sugere a tributação sobre fortunas como forma de

reduzir a desigualdade. Que outros mecanismos podem contribuir para esse

processo?

PIKETTY – Há muitas políticas que são importantes. As transferências de renda, como

o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo, por exemplo. Investimento em

educação é a mais importante delas e a tributação progressiva também. Não temos de

escolher uma. Tributação progressiva não é só cobrar mais impostos dos ricos, mas

também reduzir o peso da tributação sobre os pobres. É importante mostrar às pessoas

que o objetivo é reduzir impostos para a maioria e, para que isso possa se pagar, talvez

aumentar a taxação sobre grandes propriedades e heranças. Daí se pode reduzir a carga

sobre consumo. O Imposto de Renda no Brasil é baixo, se comparado aos padrões

internacionais.

DINHEIRO – Precisamos de mais Estado na economia?

PIKETTY – Reduzir imposto sobre o consumo não é aumentar o Estado. Não digo que

devemos aumentar todos os impostos. E, sim, que se deve reduzir o imposto sobre o

consumo. Talvez, para que isso seja possível, seja necessário aumentar outros, não para

deixar o governo maior, mas para reduzir a tributação para os pobres. Atualmente, no

Brasil, não acho que seria uma boa ideia aumentar a carga tributária total. É preciso

reduzir alguns impostos e, para compensar, talvez aumentar outra parte. No longo prazo,

a questão é: o Brasil quer ser uma Suécia ou quer estar no grupo de países com pouco

governo.