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1 IMPORTÂNCIA DAS MATAS CILIARES PARA MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS DE NASCENTES: DIAGNÓSTICO DO RIBEIRÃO VAI-VEM DE IPAMERI-GO Letícia Vaz Universidade Federal de Goiás- UFG/ Campus Catalão [email protected] Paulo Henrique Kingma Orlando Universidade Federal de Goiás- UFG/ Campus Catalão [email protected] Resumo O presente estudo trata do diagnóstico em nascentes do ribeirão Vai-Vem no município de Ipameri-GO. Foram estudadas 41 nascentes, as quais foram submetidas a análises físicas (turbidez, cor e odor), química (pH da água) e macroscópica (cobertura vegetal, presença de mata ciliar, presença de lixo, animais, dentre outros fatores). As análises macroscópicas revelaram grande degradação e ausência ou escassez de cobertura vegetal nativa, o que torna necessário e fundamental a implantação de programas de recuperação de nascentes, conservação da água e do solo, bem como, programas de educação ambiental que instrua os proprietários rurais sobre a relevância da manutenção da mata ciliar. Palavras-chave: Nascentes. Diagnóstico ambiental. Mata Ciliar. Introdução A água, um recurso natural imprescindível à vida na terra e fundamental para a existência das atividades humanas cada vez mais é substancialmente, poluída e contaminada pela exploração originada pelo modelo capitalista de produção, e a níveis nunca antes imaginados. Muitas são as dissensões empregadas por esse recurso, mas atividades empenhadas em conservar ou recuperar o mesmo são raras. Em consequência surge a intensa escassez qualitativa da água, caracterizada por ser muito mais severa e séria do que a escassez quantitativa, já que compromete praticamente qualquer uso posterior do recurso hídrico. Como exemplo de fatores que geram essa escassez pode ser citado: as águas poluídas por efluentes domésticos, por efluentes industriais, e pela utilização na maioria das vezes irresponsável e negligente, dos agrotóxicos, substâncias químicas que dependendo da sua composição podem permanecer ativas por anos no local aplicado, causando poluição do solo, da água e morte de uma infinidade de animais de pequeno porte que venham a ter contato com essa substância, sem falar na bioacumulação no corpo.

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IMPORTÂNCIA DAS MATAS CILIARES PARA MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS DE NASCENTES: DIAGNÓSTICO DO RIBEIRÃO

VAI-VEM DE IPAMERI-GO

Letícia Vaz

Universidade Federal de Goiás- UFG/ Campus Catalão [email protected]

Paulo Henrique Kingma Orlando

Universidade Federal de Goiás- UFG/ Campus Catalão [email protected]

Resumo O presente estudo trata do diagnóstico em nascentes do ribeirão Vai-Vem no município de Ipameri-GO. Foram estudadas 41 nascentes, as quais foram submetidas a análises físicas (turbidez, cor e odor), química (pH da água) e macroscópica (cobertura vegetal, presença de mata ciliar, presença de lixo, animais, dentre outros fatores). As análises macroscópicas revelaram grande degradação e ausência ou escassez de cobertura vegetal nativa, o que torna necessário e fundamental a implantação de programas de recuperação de nascentes, conservação da água e do solo, bem como, programas de educação ambiental que instrua os proprietários rurais sobre a relevância da manutenção da mata ciliar. Palavras-chave: Nascentes. Diagnóstico ambiental. Mata Ciliar.

Introdução A água, um recurso natural imprescindível à vida na terra e fundamental para a

existência das atividades humanas cada vez mais é substancialmente, poluída e

contaminada pela exploração originada pelo modelo capitalista de produção, e a níveis

nunca antes imaginados.

Muitas são as dissensões empregadas por esse recurso, mas atividades empenhadas em

conservar ou recuperar o mesmo são raras. Em consequência surge a intensa escassez

qualitativa da água, caracterizada por ser muito mais severa e séria do que a escassez

quantitativa, já que compromete praticamente qualquer uso posterior do recurso hídrico.

Como exemplo de fatores que geram essa escassez pode ser citado: as águas poluídas

por efluentes domésticos, por efluentes industriais, e pela utilização na maioria das

vezes irresponsável e negligente, dos agrotóxicos, substâncias químicas que dependendo

da sua composição podem permanecer ativas por anos no local aplicado, causando

poluição do solo, da água e morte de uma infinidade de animais de pequeno porte que

venham a ter contato com essa substância, sem falar na bioacumulação no corpo.

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As pastagens e a agricultura representam outro problema que gera escassez qualitativa

das águas, visto que, se alastram sem precedentes e planejamento, e retiram grandes

áreas de cobertura vegetal desencadeando uma série de outros problemas, como os

processos erosivos, os assoreamentos, o empobrecimento do solo pelo carregamento de

nutrientes.

O motivo precípuo para essa degradação imatura desempenhada pelo homem se deve ao

seu desprezo das inter-relações existentes entre homem e natureza. O homem tem

percebido a mesma como um bem de propriedade sua, que possui a capacidade de

fornecer recursos inesgotáveis. No entanto, essa compreensão arcaica não deve mais ser

mantida. Deve-se construir uma nova ética global, uma ética que esteja sustentada no

respeito para com os outros seres vivos, inclusive na dignidade entre os homens. Para

que isso seja realizado é necessário empenho em práticas de controle ambiental, bem

como, o desenvolvimento de programas de educação ambiental mais eficientes e

abrangentes, com a finalidade de prover visões críticas sobre a relação entre homem e

meio ambiente.

A área de estudo do presente trabalho abrange as nascentes da bacia do Ribeirão Vai-

Vem, que são as responsáveis pelo abastecimento de água para população do município

de Ipameri-GO. Constituindo, assim, uma área que requer cuidados conservacionistas

adequados, já que é destinada ao consumo humano. Vale salientar que pelo fato da bacia

do Ribeirão Vai-Vem atuar sobre a população do município, no que diz respeito ao

abastecimento de água para cidade, é relevante estudos que pesquisem o estado de

conservação da mesma. Visto que é esse nível de conservação que influenciará a

qualidade da água do ribeirão. Nesse sentido, o trabalho visou diagnosticar as condições

de proteção, uso e qualidade da água de algumas nascentes do ribeirão Vai-Vem.

Nascentes e a Importância das Matas Ciliares As nascentes também chamadas de minas, fontes de água, olhos d’água são definidas

por Valente e Gomes (2005) como manifestações superficiais de lençóis subterrâneos,

que dão origem a cursos de água. Conforme a descrição de Mota e Aquino (2003) as

nascentes pertencem às áreas frágeis, e por assim serem, desempenham um papel

essencial para manutenção da qualidade, quantidade e garantia de perenidade da água

dos córregos, ribeirões e rios.

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O Inciso XVII do art. 3 da Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre o

Código Florestal coloca que nascentes é o afloramento natural do lenço freático que

apresenta perenidade e dá início a um curso d’água.

A maioria das nascentes está localizada segundo Alvarenga (2004) nas regiões

montanhosas e nas bacias de cabeceira que são denominadas por Valente e Gomes

(2005) como as pequenas bacias posicionadas nas extremidades de bacias maiores,

geralmente se situando em áreas de maior declividade. A água que jorra de uma

nascente originará um córrego que será afluente de outro córrego ou Ribeirão, que por

sua vez, contribuirão para o aumento no volume de água de um rio que por fim

desaguará no mar. Dessa forma, todos os cursos de água que correm ao longo da maior

parte do ano dependem de nascentes (VALENTE e GOMES, 2005, 176). E, portanto, o

desaparecimento de uma nascente como colocam Castro¹ et al. (2001, citado por,

ALVARENGA, 2004, p. 04) refletiria sem dúvida na diminuição da quantidade de água

do corpo hídrico resultando na redução de usos do mesmo.

As nascentes de acordo com Valente e Gomes (2005) podem ser classificadas quanto a

sua persistência do fluxo de água, em perenes, intermitentes e temporárias ou efêmeras.

As nascentes perenes são caracterizadas pelo seu fluxo de água contínuo durante todo

ano, sofrendo apenas alternações de vazão em algumas estações. As nascentes

intermitentes são aquelas que fluem durante a estação chuvosa, mas secam nas outras

estações do ano. E, as temporárias ou efêmeras, característica das regiões áridas e semi-

áridas, mas podendo também ocorrer em outros climas, são aquelas que só surgem

quando há precipitação.

Quanto a origem, Valente e Gomes (2005) afirmam que elas podem ser formadas tanto

por lençóis freáticos quanto por lençóis artesianos, podendo surgir por contatos da

camada impermeável, por afloramento do lençol em depressão, por falhas geológicas e

por canais cársticos. De acordo com Brinkmann e Beynen (2008), as águas desses

canais cársticos fluem com grande pressão, visto que, são águas que provêm dos lençóis

confinados alcançando a superfície por meio de uma “janela cárstica”² com a superfície.

As nascentes originadas dos lençóis freáticos são aquelas depositadas sobre uma

camada impermeável e são mais rápidas nas reações provocadas pelo regime de chuva

ou ao uso da terra em áreas próximas ao local de ocorrência. Essas são nascentes de

contato ou depressão e normalmente surgem no sopé de morros, e por isso são

denominadas de nascentes de encosta, aquelas que se mostram a partir de depressões ou

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pequenos vazamentos superficiais, são geralmente chamadas de olhos d’água ou

nascentes difusas. As nascentes advindas dos lençóis artesianos são aquelas confinadas

entre duas camadas impermeáveis, podendo ser de contato, surgindo no sopé de morros

com alto declive, ser de falhas geológicas ou serem advindas de canais ou rochas

cársticas (rochas carbonatadas).

De acordo com o artigo 4° da Lei Federal N.° 12.651, de 25 de maio de 2012, que

institui o Código Florestal, “todas as nascentes mesmo que intermitentes, devem possuir

um raio mínimo de 50m de preservação da mata ciliar”. Essa mesma lei estabelece a

nascente como área de preservação permanente, sendo vedada qualquer interferência

antrópica.

Mata ciliar, ripária ou ripícola de acordo com Galvão (2000), é aquela que margeia os

corpos de água, como rios, riachos e lagoas, tendo comumente porte arbóreo ou

arbustivo em ambientes não perturbados. Esse mesmo autor destaca a importância

dessas matas, visto que a mesma possui influência de vários modos nos corpos de água

e sua remoção causa prejuízos incontestáveis para o homem e para a natureza de modo

geral.

Para Firmino (2003) as matas ciliares, as matas de galerias ou matas ripárias

representam um ambiente heterogêneo, com grande número de espécies, o que reflete

um índice de diversidade muito superior ao encontrado em outras formações florestais.

O autor salienta também a extrema importância dessas matas para a multiplicação de

espécies vegetais, visto a formação de corredores de migração.

Segundo Valente e Gomes (2005) a vegetação ciliar é uma faixa de proteção de curso de

água que tem como funções, servir de habitat para vários componentes da fauna

silvestre, diminuir a temperatura da água, dentre outros. Portanto, a eficiência ambiental

das matas ciliares é extremamente importante, o autor cita, entretanto, que

hidrologicamente, as matas ciliares, não passam da ação de proteção física contra a

poluição da água, já que as mesmas não são capazes por si sós de criarem

armazenamentos de água em quantidade suficiente para garantir vazões altas durante

todo ano.

O que não diminui nem um pouco a importância imensurável que essas matas ripárias

exercem Nunes e Pinto (2007), citam que a manutenção das matas ciliares é de

fundamental importância para a preservação do rio e do solo do entorno, bem como,

para fornecimento de frutos, água e peixes à população que depende desses recursos.

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Valente (2005) afirma que as matas ciliares influenciam positivamente nas condições de

superfície do solo, melhorando a capacidade de infiltração, além de exercer a

transpiração, contribuindo para evapotranspiração e consequentemente para a

manutenção do ciclo da água. Crepalli (2007), diz que as zonas ripárias possuem

importância particular na manutenção da qualidade e da quantidade de água, permitindo

a estabilidade das margens, servindo como filtros, exercendo papel de barreira física

entre o ambiente terrestre e o aquático e contribuindo para a diminuição do escoamento

superficial e assim do surgimento de erosões. No que diz respeito a função de filtro

exercida pelas matas ciliares, Firmino (2003) salienta que a presença dessas matas

proporciona uma redução significativa na possibilidade de contaminação da água, por

produtos como agrotóxicos, garimpo, resíduos agropecuários no geral, dentre muitos

outros.

De acordo com Xavier e Teixeira (2007), a qualidade e a quantidade de água das

nascentes podem ser alteradas por vários fatores, destacando-se, a declividade, o tipo de

solo, o uso da terra, principalmente nas áreas de recarga. Principalmente no que diz

respeito ao uso da terra, como coloca Valente (2005), de nada adianta se ao redor da

nascente está preservado, mas seu entorno está degradado por efeitos de atividades

agropecuárias. O autor destaca que toda a bacia deve merecer atenção. As pessoas

precisam ter consciência de que suas atividades têm influência importante no

comportamento da bacia hidrográfica (VALENTE, 2005, p. 29). Nesse aspecto, pode-se

perceber em entrevista com os proprietários rurais que detém nascentes do ribeirão Vai-

Vem em suas propriedades, que muitos compreendem a importância da mata ciliar,

como mesmo demonstra o Quadro 01.

Quadro 01- Cognição comparada sobre a importância das matas ciliares para a preservação do meio ambiente. Conhecimento Empírico Conhecimento Científico “...a mata ciliar não deixa assorear a nascente e o ribeirão...”

“O processo de degradação das formações ciliares... resulta em inúmeros problemas ambientais, como o surgimento de processos erosivos no solo marginal e o assoreamento dos cursos d’água.” (NUNES e PINTO, 2007, p.172).

“...a mata ciliar mantém a umidade do local...” “...mudanças na cobertura do solo podem afetar a temperatura e a precipitação atmosférica.” (Relatório do Grupo de Trabalho da Estrutura Conceitual da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, 2005, p.108).

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“...a mata ciliar protege as águas...” “Sua manutenção é, portanto, pré-requisito para a preservação do rio e do solo do entorno, assim como para o fornecimento de frutos, água e de peixes à população humana que usa estes recursos” (NUNES e PINTO, 2007, p.172).

“...a mata ciliar impede que a sujeraiada dos agrotóxicos e fertilizantes chegue até a água...”

“Com miopia aumentamos a entrada de fertilizantes fosfatados em sistemas agrícolas, sem controlarmos de modo algum o aumento inevitável na quantidade que escoa (compactação do solo e ausência de mata ciliar), prejudicando gravemente nossos rios e lagos e reduzindo a qualidade da água”. (ODUM, 1988, p. 112)

“...a mata ciliar não deixa a água secar...” “A perda significativa de cobertura florestal em áreas rio acima pode reduzir a disponibilidade de água durante a estação seca em áreas rio abaixo” (Relatório do Grupo de Trabalho da Estrutura Conceitual da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, 2005, p.73).

Calheiros et. al. (2004) colocam que dentre o tipo de cobertura vegetal ciliar, a

cobertura florestal é a que maior efeito positivo exerce sobre as nascentes. De acordo

com Galvão (2000), a pastagem também pode ser utilizada como cobertura vegetal, já

que também pode permitir alta infiltração e baixas perdas de solo, entretanto, o autor

destaca a preferência da cobertura florestal, pelo fato de que no Brasil, são comuns

práticas como o pastoreio excessivo e a ocorrência de incêndios periódicos, ações que

comprometem seriamente a perenidade da nascente. Essa negligência no país também é

destacada por Firmino (2003) que denuncia o uso indiscriminado das queimadas no

Cerrado como forma de manejo agropecuário, comprometendo seriamente a qualidade

da água.

Valente (2005), também defende a cobertura florestal e afirma que esse é o tipo de

vegetação que mais colabora para a criação das condições ideais, visto que, proporciona

os valores mais altos de infiltração, dificilmente ficando abaixo de 60 mm/h nos solos

brasileiros. Afirma ainda, que mesmo em florestas plantadas os valores atingem

quantidades significativas.

Portanto, o uso indevido das nascentes e a retirada da cobertura vegetal ao redor das

mesmas tende a depreciar a qualidade da água por contaminação química e física e

provocar danos à saúde humana. De acordo com Servilha (2006), tal uso compromete

de forma considerável a função ambiental das mesmas, principalmente, no que tange

sua capacidade em promover qualidade hídrica.

Rebouças (2006), diz que historicamente a população rural tem aplicado formas

irresponsáveis de ocupação do território, bem como, de aproveitamento do potencial

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hídrico dessas áreas, explorando-as de forma extensiva tanto a agricultura e a pecuária.

E para efetuar o desenvolvimento dessas atividades é adotado como técnica o

desmatamento provocando processos erosivos do solo, empobrecimento das pastagens

nativas, redução das reservas de água do solo e conseqüentemente engendrando a queda

na diminuição da produtividade natural.

E como prescreve o Art. 109 de capítulo único e de Título VІ do Decreto n. 24.643, do

Código das Águas, “A ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não

consome, com prejuízos de terceiros”.

Metodologia

A área de estudo está localizada no município de Ipameri-GO, no Sudeste do Estado de

Goiás. O terreno dessa área é constituído por uma formação rochosa (maciço goiano),

antiga, do período pré-cambriano pertencente predominantemente às unidades

geológicas dos grupos Araxá e Canastra. A vegetação do município é a característica do

bioma Cerrado. O solo, predominante é o latossolo vermelho escuro. São frequentes

também o cambissolo e os solos litólicos. O clima é o tropical, (IPAMERI (município),

2005, p.05). Dentre as atividades desenvolvidas na área rural destaca-se: agricultura

extensiva, agricultura de subsistência, pecuária de corte e leite, pequenas unidades de

produção e sistema de coleta e extrativismo de acordo com (IPAMERI, 2005, p. 14).

Para a seleção das nascentes foi levado em consideração somente um critério

considerado relevante por ser indicador da qualidade de água do abastecimento da

população Ipamerina e pela fragilidade e representatividade que assume. A área que as

nascentes estão incluídas foi o critério de seleção. Esse critério foi estabelecido pela

representatividade e relevância que assume a qualidade da água dessas nascentes para a

população Ipamerina.

Segundo documentos fornecidos pela SANEAGO (Saneamento de Goiás) (2002), antes

da captação, o Ribeirão Vai-Vem recebia água de 50 nascentes, entretanto, receberam-

se relatos falados informando que existem, atualmente, 46 nascentes antes da captação

do ribeirão. Levando em consideração essa informação, não documentada, pode-se dizer

que provavelmente quatro das 50 nascentes desapareceram. Dentre as quatro comprova-

se pelas visitas de campo que duas realmente desapareceram. Essa comprovação advém

do relato de um dos proprietários entrevistados que afirmou que havia na sua

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propriedade três nascentes perenes do Ribeirão Vai-Vem, e que com o passar dos anos

duas delas passaram a ser intermitentes. No entanto, faz alguns anos que essas duas

nascentes não minam água, restando, então, só uma nascente em sua propriedade.

Provavelmente esse fato pode ter se repetido com as duas outras nascentes.

Dentre as 46 nascentes foram visitadas e submetidas ao diagnóstico ambiental 41 delas.

As outras restantes não foram verificadas pela dispendiosa visita que isso significaria.

No total realizaram-se cinco visitas, auxiliadas pelo transporte fornecido por dois dias

pela Agência Rural e por um dia pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente. O

transporte dos outros dois dias foi custeado pela parte interessada.

Houve a participação de seis profissionais nas visitas, foram eles: a agrônoma Fabiana

Rodrigues Cardoso que acompanhou os dois primeiros dias de visitas, o biólogo Paulo

Machado e Silva, o geógrafo Uanderson Carneiro de Souza, a engenheira ambiental

Graciele Maria Vaz, o engenheiro florestal Murilo Cristino Carneiro Buck e o

funcionário da SANEAGO Nilton Teixeira Martins, que vale ressaltar, forneceu grande

contribuição nas visitas às nascentes pelo seu conhecimento imenso da região estudada,

bem como, da localização exata de muitas das nascentes visitadas.

Adotou-se as propostas metodológicas de Gomes et al. (2005) e do Guia de Avaliação

da Qualidade da Água (2004) para a análise macroscópica das nascentes perante os

seguintes aspectos: presença de animais, presença de resíduos próximos às margens das

nascentes, indícios de uso antrópico do solo, seja por atividade agrícola ou para

pastagem de animais, cor da água, presença de materiais flutuantes, de óleos, de esgotos

e odor da água. Para a identificação da existência de emissário de esgoto doméstico foi

questionado aos moradores se as residências localizadas na zona rural levantadas

detinham de fossa séptica. Todos os tipos de uso foram registrados.

A cobertura vegetal foi um dos parâmetros macroscópicos de análise das condições de

preservação ambiental das nascentes elencado para o presente estudo. Esse indicador de

degradação macroscópico foi caracterizado qualitativa e quantitativamente, isto é, foram

observadas e anotadas a existência de cobertura vegetal nativa e a existência de

cobertura vegetal exótica (análise qualitativa), e a quantidade em que se apresentava, se

a cobertura vegetal nativa estava escassa, ausente ou em quantidade aceitável. Tal

avaliação permite estabelecer níveis de degradação ambiental para as 41 nascentes.

Cada característica observada foi identificada por números que descreveram a situação

de preservação ou degradação que a nascente se encontrava, segundo o parâmetro

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macroscópico analisado. Essa metodologia adotada foi proposta por Borges (2006) e

vale ressalvar que algumas modificações se mostraram necessárias para adequar a

condições das nascentes. A metodologia consistiu, portanto, na agrupação das nascentes

em categorias que receberam médias com o objetivo de distinguir cada uma. Esse

agrupamento das nascentes gerou uma matriz de interação entre os tipos de degradação

ambiental e a situação encontrada em cada nascente.

Quadro 2- Matriz de Impactos Ambientais referentes à Cobertura Vegetal

presente na mata ripária das nascentes do Ribeirão Vai-Vem em Ipameri-GO.

Na determinação da qualidade da água foram coletados uma amostra de água de cada

nascente visitada com a finalidade de analisar os seguintes parâmetros físicos, turbidez,

cor e odor e o parâmetro químico, pH. E para essas determinações foi utilizada a

metodologia sugerida por Crepalli (2007).

A água coletada foi acondicionada em garrafas de Politereftalato de etileno de 2 litros e

enviadas no mesmo dia da coleta para as análises físicas (turbidez, cor e odor) e para a

análise química (pH) da água no laboratório da SANEAGO em Ipameri-GO.

Cobertura vegetal no entorno das nascentes

Cobertura vegetal predominante no

entorno da nascente Amplitude

Categoria de Degradação Ambiental

Avaliação quantitativa

Da cobertura vegetal

Valores de Alteração

Cobertura vegetal nativa 1 a 2

Baixa Quantidade

aceitável

1

Intermediária

Escassa

2

Pastagem 3 a 4

Existência predominante

3

Existência predominante com

solo degradado

4

Cultura anual 5 a 6 Alta

Existência predominante

5

Existência predominante com

solo degradado 6

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Após as visitas a campo e por meio da análise macroscópica realizada nas nascentes do

Ribeirão Vai-Vem, foi possível a caracterização das nascentes em três categorias

qualitativas e cinco categorias quantitativas apresentadas na matriz representada no

Quadro 2.

O uso do solo ao redor de 80,5% das nascentes é intenso, sendo a pastagem a cobertura

vegetal predominante. Há também cobertura vegetal nativa, e 56,1% das nascentes

apresentam algum tipo de vegetação natural, apesar de que dessa porcentagem somente

7,3% está integralmente preservada contendo provavelmente mata ripária nos 50m de

raio exigidos pela legislação. Os outros 48,8% restantes exibem um quadro degradante

com escassa cobertura vegetal nativa. Assim 27 das 41 nascentes do Ribeirão Vai-Vem

se encontram na categoria intermediária de degradação ambiental de acordo com o

parâmetro ambiental observado, enquanto que quatro entraram na categoria de alta

degradação, sete na categoria de baixa degradação e somente três nascentes

apresentaram um nível de preservação adequado (cinquenta metros de raio).

A categoria de alta degradação representa aquela que possui como cobertura vegetal o

plantio de culturas anuais. Essa atividade se enquadra em pior nível de degradação em

relação a pastagem porque o solo fica mais vulnerável a erosão e a percolação de

partículas pela chuva, já que em boa parte do ano o solo fica totalmente exposto,

contribuindo, dessa forma, para o assoreamento do corpo hídrico e da nascente mais

próxima. Firmino (2003) afirma que as erosões laminares e lineares são mais comuns

em áreas de agricultura.

O resultado proporcionado pela matriz de interação entre os tipos de degradação

ambiental e a situação encontrada em cada nascente revela, portanto, que a maioria

delas apresenta desconformidade legal. A resolução CONAMA n. 303 de 20 de março

de 2002, que dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação

Permanente, indica em seu Art. 3°, a nascente como Área de Preservação Permanente

(APP).

Dessa forma, a nascente é um local onde é vedada qualquer atividade agrícola, de

pecuária ou qualquer outra que gere retirada da vegetação natural e cause impacto

adverso ao meio ambiente. O inciso ІІ do Art. 3° dessa resolução estabelece como

obrigatório a preservação ambiental de um raio de no mínimo cinquenta metros.

Todavia não é o que se constata na maioria das nascentes do Ribeirão Vai-Vem.

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Esse resultado corrobora os estudos realizados por Alves e Rossete (2007) que também

observaram a predominância das pastagens em APPs no Córrego Murtinho, situado em

Nova Xavantina-MT, identificando, assim, o não atendimento a legislação no que

concerne a preservação das matas ciliares nas APPs.

Número de nascentes cercadas

Grande parte das nascentes não está inserida em áreas em que o proprietário vise a

preservação ambiental. Como já relatado, essas se encontram em categorias negativas

de degradação e seus arredores são utilizados principalmente para pastagem. A proteção

das mesmas é realizada com cercas, sendo que 48,7% das nascentes não apresentam

cercas. Existem áreas que a proteção é feita só no terreno e não especificamente na

nascente, por exemplo, quando a nascente é cercada só de um lado. Nesses casos as

nascentes foram consideradas desprotegidas.

Nas nascentes realmente cercadas, as cercas se apresentavam, na maioria das vezes, em

péssimo estado de conservação e sujeitas a entrada do gado. As cercas se distribuíam

apenas ao redor da nascente e não ao redor da área delimitada de raio de 50 m, como

exigido. Esse fato foi constatado em quase todas as nascentes do Ribeirão Vai-Vem,

com exceção de uma. Resultado semelhante foi observado no estudo de Gomes, Melo e

Vale (2005) em nascentes de diferentes córregos situados no município de Uberlândia-

MG.

Presença de animais

O parâmetro macroscópico, presença de animais, refere-se a uma observação realizada

com o intuito de perceber a existência de animais no local das nascentes que possuem a

capacidade de prejudicar a qualidade da água, bem como, comprometer o estado de

preservação da mesma. O animal mais frequentemente encontrado e que se encaixa

nessas características é o gado, que através do pisoteio que proporciona degrada e

promove destruição gradativa das nascentes.

De acordo com Calheiros et. al. (2004), os pastos e os animais devem estar o mais longe

quanto possível das nascentes, pois mesmo que os animais não tenham acesso direto a

água da nascente, o terreno em volta das mesmas fica contaminado por dejetos

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acarretando, dessa forma, a posterior contaminação da água pelos deflúvios pluviais.

Por outro lado se o acesso dos animais for permitido, a situação torna-se mais crítica

ainda, visto que, o solo vai sofrer o pisoteio do gado o que significa que ocorrerá a

compactação do mesmo com consequências na diminuição da infiltração da água

pluvial e surgimento de erosão laminar, que podem por sua vez, causar a contaminação

da água por partículas de solo, turvando a água e até soterramento da nascente.

Entre as nascentes estudadas que não estão cercadas, constatou-se que em 14 é

permitido pelo proprietário, o livre acesso do gado. A presença do gado é um fator que

possui consideráveis consequências negativas, gerando na maioria das vezes alto

impacto ambiental. Esse fato pôde ser constatado in loco, já que entre as nascentes

visitadas as que mostraram macroscopicamente maior quadro de destruição foram

aquelas nas quais o gado possuía acesso. Vale destacar que nesse quadro avançado de

destruição estão inseridas seis nascentes do ribeirão Vai-Vem, as quais pela análise

macroscópica revelam uma perspectiva pessimista de futuro.

Lixo no entorno

Por estarem em áreas rurais, as nascentes, em sua maioria, não apresentaram presença

de lixo. Apenas quatro dentre as 41 nascentes observadas, apresentavam lixo no

entorno, e ainda assim em quantidade reduzida. As quatro nascentes que possuíam lixo

eram aquelas próximas a casa do proprietário.

A nascente que possuía maior acúmulo de lixo, além de estar perto da casa do

proprietário, também ficava próxima a estrada e o local possuía uma maior declividade.

Nessa nascente, pôde-se observar o início da formação de uma erosão laminar. Esse fato

se deve a ação da enxurrada da chuva que desce no local onde se encontra a nascente,

carregando consigo o lixo jogado na estrada.

Materiais flutuantes

Os materiais flutuantes podem causar de acordo com Vernier (2002), uma poluição

estética (turvação da água), perturbar a vida dos peixes (através da introdução de

partículas nas guelras) e alguns desses materiais flutuantes pode contribuir ainda, para a

poluição orgânica ou para poluição tóxica. Foi encontrada elevada quantidade de folhas

e galhos em 28 nascentes, o que não representa nenhuma anormalidade. As 13 restantes

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que não apresentavam esse tipo de material flutuante era porque estavam em local

aberto com ausência de árvores que as cobriam. Geralmente, as nascentes que não

possuíam materiais flutuantes, tais como galhos e folhas, eram as que exibiam ausência

de cobertura vegetal nativa e estavam expostas ao pisoteio do gado.

Espumas e óleo

Foi detectada a presença de óleo em somente uma nascente. Provavelmente esse óleo é

advindo do fluxo superficial de água da chuva decorrente do asfalto que fica cerca de

6m de distância da nascente. Esse resultado vai de encontro com o resultado encontrado

por Gomes et. al. (2009) em nascentes do Córrego Óleo, localizado no município de

Uberlândia-MG, que também apresentava presença de óleo devido pavimentação de

asfalto adjacente a nascente.

Odor

As nascentes do Ribeirão Vai-vem, no geral, eram inodoras, indo de encontro com o

resultado encontrado no trabalho de Gomes et. al. (2009). Apenas cinco delas tiveram

um odor característico de barro, que coincidiram com aquelas que tinham pouca

quantidade de água, sendo que algumas se mostravam barrentas devido ao pisoteio do

gado.

Turbidez

A turbidez diz respeito à dificuldade que a água oferece à passagem de luz, causando

um aspecto desagradável e sendo provocado por partículas em suspensão que podem,

também, servir de abrigo a microorganismos patogênicos (VALENTE, 2005, p. 170.)

As análises revelaram altos valores de Unidades Nefelométricas de Turbidez (UNT,

unidade de turbidez) em dezenove nascentes. As mesmas exibem ao seu redor ausência

de cobertura vegetal nativa, sendo rodeadas por pastagem e apresentando área

descaracterizada e degradada. Tanto é que doze dessas nascentes estão classificadas na

categoria intermediária de degradação ambiental e três estão na categoria de alta

degradação. Somente quatro não possuem essas características, sendo enquadradas na

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categoria de baixa degradação ambiental em relação ao parâmetro macroscópico,

cobertura vegetal. No entanto, é relevante destacar que não são somente essas dezenove

nascentes dentre as 41 que possuem ausência ou escassez de cobertura vegetal nativa.

Todavia, o alto valor de turbidez somente nessas dezenove nascentes pode ser explicado

pelo fato desses locais apresentarem superutilização da pastagem, gerando como

consequência a compactação do solo, que por sua vez, fica desprotegido e descoberto, e

dessa forma, suscetível a erosão causada pelo vento e pelo impacto da gota da chuva.

De acordo com Alves e Rossete (2007) locais que apresentam grande quantidade de

gado caracterizando uma superutilização da pastagem exibem uma redução significativa

na infiltração da água da chuva, o que afeta diretamente a vazão das nascentes.

Segundo a Resolução CONAMA n. 357 de 17 de março de 2005, o “enquadramento dos

corpos de água deve estar baseado não necessariamente no seu estado atual, mas nos

níveis de qualidade que deveriam possuir para atender as necessidades da comunidade”.

De acordo com Sabbag (2003), os usos da água de um corpo hídrico precisam ser

definidos pelos Comitês de Bacias Hidrográficas, assegurando-se a disponibilidade para

os usos prioritários. Mas, como não há Comitê da Bacia do ribeirão e pelo fato da

Associação de Proteção desse não ter definido uma classe, pelo fato da mesma ter sido

recentemente criada, o presente estudo, então, considerará as classes especiais e a classe

3 como classes condizentes com o uso efetuado na água das nascentes, conforme foi

observado. O enquadramento da água das nascentes do Ribeirão Vai-Vem nessas duas

classes, na classe especial, que conforme dito anteriormente, são descritas como águas

destinadas ao abastecimento doméstico após desinfecção, e na classe 03, se justifica,

portanto, pelos usos variados da água verificados nas visitas a campo das nascentes. O

uso da água condizente com a classe especial foi verificado pelo fato de oito pessoas

entrevistadas afirmarem usar a água da mina para beber, e o uso referente a classe 3 foi

a intensa utilização da água das nascentes pelos proprietários para a dessedentação do

gado.

De acordo com a Resolução n. 20, de 18 de junho de 1986, a resolução n. 274, de 29 de

novembro de 2000 e a resolução n. 357, de 17 de março de 2005, que estabelecem a

Classificação das Águas Doces, Salobras e Salinas conforme seu Uso, pode-se verificar

que doze nascentes do Ribeirão Vai-Vem apresentam inconformidade com o uso

previsto na classe especial em relação ao parâmetro físico turbidez, sendo que a água de

duas dessas nascentes é utilizada para o consumo humano sem tratamento convencional.

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Em relação a classe 3, cinco nascentes estão em desacordo com a utilização que a

legislação determina para essa classe, quanto ao parâmetro turbidez

(Figura 2).

Cor

Valente (2005) descreve a cor como um parâmetro físico proveniente de restos vegetais,

animais e minerais. Geralmente, altos valores de cor não apresentam riscos à saúde,

trazendo, entretanto, aspecto desagradável e dificultando o consumo humano.

Altos valores referentes a esse parâmetro físico de qualidade da água foi detectado em

23 das nascentes. Dessas nascentes, 16 estão na categoria intermediária de degradação,

03 na categoria de alta degradação e 4 na categoria de baixa degradação ambiental em

relação ao quadro 1, que apresenta a matriz de cobertura vegetal. Dessa forma a maioria

das nascentes que apresentou valor de cor elevado, coincidiu com as nascentes que

mostravam ausência de cobertura vegetal nativa ou com escassez da mesma. Quando

havia alguma mata em torno dessas 23 nascentes essa não atingia os 50 m de raio de

mata preservada exigidos pela legislação.

De acordo com o estabelecido pelas resoluções anteriormente citadas, 23 das nascentes

não apresentam cor natural de corpo de água, de acordo com o previsto nas águas

enquadradas na classe especial. E as águas de doze nascentes não estão condizentes com

as águas de classe 03 no que diz respeito ao parâmetro cor. Desse total de nascentes que

apresenta valor de cor elevada quatro são utilizadas diretamente pelos moradores para

beber.

PH

As análises do pH revelam que a água das nascentes é, predominantemente, ácida. Mas

18 das 41 nascentes apresentaram pH inferior a 6,0, sendo que duas delas tiveram pH

inferior a 5,0. Segundo Brady, Russel e Holum (2003) um peixe pequeno, geralmente,

não pode viver numa água que possui um pH inferior a 5,5.

De acordo com Ricklefs (2001) os íons de hidrogênio são essenciais para tornar

disponíveis determinados nutrientes, sendo capaz também de dissolver metais pesados

altamente tóxicos como o mercúrio, o arsênio, o cádmio, que são por sua vez,

prejudiciais a vida.

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As considerações dos autores citados permitem afirmar que existe uma anormalidade no

pH de quase 44% da água das nascentes visitadas, visto que, apresenta valores de pH

prejudiciais a fauna aquática. Um fator que pode justificar o aumento dessa acidez é a

decomposição da matéria orgânica e a constituição do solo da região.

As resoluções citadas estabelecem que tanto para a água de classe especial quanto para

água de classe 03, as 18 nascentes se apresentam ácidas demais até para consumo após

tratamento convencional.

Existência de Fossa Séptica

Nas nascentes estudadas não foi detectado nenhum tipo de emissário de esgoto

doméstico, isso não ocorre porque em todas as propriedades rurais que possuíam

nascentes havia a presença de fossa séptica.

Os efluentes que podem vir a contaminar a nascente são advindos principalmente das

fontes difusas de poluição representadas pelas águas pluviais que promovem o arraste

da camada superficial do solo trazendo consigo lixo, elementos químicos (agrotóxicos)

e elementos diversos. Com a existência de estradas próximas as nascentes o quadro de

poluição causado pelas águas pluviais é aumentado, visto que, a água nesses locais não

consegue se infiltrar e é totalmente escoada para o lugar de maior declividade,

geralmente, os locais onde se encontram as nascentes.

Conforme Gomes et. al. (2009), quando a água não se infiltra ela é escoada

superficialmente e vai aumentando sua velocidade, ao chegar a nascente mais próxima

causa assoreamentos, erosões e empobrecimento do solo. Refletindo, dessa forma, a

importância da cobertura vegetal ao redor da mesma.

Conclusões

As nascentes do Ribeirão Vai-Vem apresentam em sua maioria elevada degradação

ambiental caracterizada pela: escassez crítica de cobertura vegetal nativa, pelo pisoteio

animal, pela proximidade da nascente com áreas de pastagem e lavouras anuais e pela

falta de proteção por cercas em alguma delas.

Esses fatores geram como consequência os seguintes principais impactos ambientais:

exposição do solo as águas pluviais, surgimento de processos erosivos, de

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assoreamentos, poluição e contaminação da água, já que a barreira física efetuada pela

mata ciliar, muitas vezes, não se faz presente em quantidade suficiente na maioria das

nascentes, ocorrendo poucas exceções.

Em relação as análises físicas (turbidez e cor) e química (pH) da água, pode-se concluir

pelo resultado das mesmas que os valores não foram suficientes para demonstrar

alteração grave na qualidade da água, considerando o fato dela estar enquadrada na

classe 03. Pela comparação dos valores obtidos das análises com os valores máximos

exigidos pela lei, a maioria das nascentes não está em desconformidade com a lei.

Malgrado ter sido observado resultados bem extremos em algumas das nascentes como,

por exemplo, os elevados níveis de turbidez e cor naquelas que se apresentavam mais

degradadas em relação a ausência da cobertura vegetal e em grande parte delas o

baixíssimo pH. O fato, da escolha da classe 03 já demonstra, por sua vez, que a

qualidade da água não está tão satisfatória levando em conta a origem da mesma, que é

advinda de nascentes, e dessa forma, se esperaria que tivessem uma qualidade melhor

do que apresentaram.

Em decorrência dessas constatações é de imensurável relevância a implantação de um

programa para recuperação das nascentes estudadas, com reflorestamento da mata ciliar

e isolamento da área, bem como, de projetos de conservação do solo e da água através

de ações extensionistas de planejamento e gestão em microbacias e sub-bacias.

Notas ¹CASTRO, P. S.; GOMES, M. A. Técnicas de Conservação de Nascentes. Ação Ambiental, Viçosa. v. 4;

n. 20, 2001. p. 24-26.

²Janela cárstica é um termo utilizado pelos autores Brinkmann e Beynen (2008) se referindo a uma

abertura que permite a água dos canais cársticos virem a superfície.

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