imperialismo greco-romano (norberto luiz guarinello)

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1

Imperialismo

antigo e moderno

O conceito

Nos estudos contemporneos sobre a economia capitalista, imperialismo um termo empregado para designar determinados fenmenos decorrentes da expanso poltica e econmica da Europa e dos Estados Unidos a partir de meados do sculo XIX. Com exceo dos economistas neoclssicos, que consideram a expanso imperialista europia como uma sobrevivncia de elementos pr-capitalistas na moderna economia de mercado, o imperialismo , em geral, encarado como uma fase especfica do desenvolvimento do capitalismo. Seria, assim, uma forma de incentivar os investimentos (para os keynesianos) ou um mecanismo acumulador de capitais, seja pela troca desigual entre metrpole e periferia, seja pela exportao de capitais, que se aproveitariam da mo-de-obra barata e das matrias-primas das naes subdesenvolvidas.

Tal sistema de explorao e acumulao de riquezas tem por corolrio quase sempre um determinado grau de dominao politica, indo desde uma interferncia indireta, porm forte, nos assuntos internos dos pases dependentes, at a interveno militar direta. Quando os interesses da metrpole se vem ameaados pela reao da populao ou dos governos locais, procede-se destituio de governantes, com a instalao de tteres no poder ou mesmo a ocupao territorial.

Apesar desse forte componente poltico-militar do imperialismo moderno que decorre, por sua vez, do predomnio econmico da metrpole , permanece o fato essncial de que seus mecanismos de concentrao e explorao so essencial- mente econmicos, ou seja, ocorrem pelo contato forado entre naes com modos de produo ou nveis de desenvolsimento capitalista diferentes. A interferncia de fatores poltico-militares d-se na constituio e manuteno desse contato em tais condies, mas, ao contrrio do que acontecia com o antigo sistema colonial, no a responsvel direta pela transferncia de riquezas da periferia para o centro.

Por analogia com seu emprego contemporneo, particularmente em seus aspectos poltico-institucionais, o termo imperialismo tem sido utilizado na caracterizao e definio dos fenmenos de expanso em sociedades pr-capitalistas, em particular no que se refere ao mundo greco-romano. Por trs de seu uso, no entanto, esconde-se toda uma srie de acepes profundamente diferentes que dependem, em grande medida, de como cada autor v o imperialismo contemporneo.

Assim, como veremos nos captulos seguintes, posies ultramodernistas, que associam o imperialismo antigo ao moderno de maneira absoluta, com todas as suas implicaes poltico-econmicas colonialismo, procura de mercados, matrias-primas etc. , alternam-se com pontos de vista psicolgicos (o imperialismo a vontade de dominar) ou so essencial- mente polticos, negando qualquer motivao econmica nos processos de expanso de cidades-Estados como Atenas e Roma.

A crtica recente aos ultramodernistas permitiu descartar definitivamente uma associao imediata entre imperialismo moderno e antigo no tocante s suas causas e conseqncias econmicas. Os trabalhos mais recentes, ao contrrio, parecem centrar sua ateno nos fenmenos relativos esfera do poder, da dominao poltica e da expanso militar, como elementos essenciais do imperialismo greco-romano.

Essa importncia dos fatores polticos em sua definio ressaltada mesmo por autores que encontram pouca eficcia no conceito para se entender fenmenos de expanso e domnio na Antigidade, como Paul Veyiie no caso de Roma. Permanece, contudo, uma grande indefinio sobre o sentido exato conferido ao termo, sobre a validade de seu emprego e sobre suas relaes com o imperialismo no mundo capitalista. O mesmo ocorre quanto s caractersticas e especificidade dos processos de expanso militar e poltica no mundo greco-romano e sua relao com a estrutura econmica das cidades-Estados da Grcia e da Itlia.

Imperialismo, guerra e expanso

Uma definio recente, particularmente interessante por sua economia e abrangncia, foi proposta por Moses Finley:

um Estado pode ser denominado imperialista se, em qualquer momento, exerceu autoridade sobre outros Estados (ou comunidades ou povos), visando a seus prprios fins e vantagens, quaisquer que tenham sido estas ltimas (1978, p. 56). A esfera poltica aparece a como claramente determinante, mas abre-se a possibilidade para motivaes econmicas, que o prprio Finley localizar, essencialmente, na necessidade de prover a cidade expansionista dos meios bsicos de subsistncia (trof), acentuando assim o carter importador do imperialismo antigo em contraposio ao moderno.

Tal caracterizao do imperialismo greco-romano, contudo, por seu prprio carter geral, insuficiente para dar conta das vrias modalidades nas quais se expressa esse predomnio poltico tanto a nvel das lutas internas dentro do Estado expansionista como em sua relao com os povos subjugados. Sobretudo, no capaz de interpretar as profundas diferenas entre o imperialismo ateniense no sculo V a.C. e o romano tal como se manifesta a partir de meados do sculo III a.C. necessrio, portanto, ampliar e aprofundar esse conceito, para que possamos investigar a especificidade do imperialismo greco-

-romano e a dinmica de seu desenvolvimento.

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que toda expanso poltico-militar de uma cidade-Estado antiga um empreendimento coletivo, visando resoluo de suas contradies internas e obteno de benefcios e vantagens para a comunidade que permitam amenizar os conflitos de classes no seio da cidadania. O controle eventual do processo por parte de determinado grupo ou classe ou ainda uma distribuio desigual dos benefcios, agudizando, ao invs de amenizar, os conflitos internos, dependem da conjuno de foras dentro &a cidade e no negam seu carter coletivo. A expanso, em si, nunca ou raramente posta em discusso, mas sim a maneira de conduzi-la ou de distribuir seus frutos. A luta de classes no centro expansionista tem, portanto, um papel fundamental nas motivaes e na dinmica do imperialismo antigo.

Embora a guerra seja uma atividade fundamental na cidade-Estado antiga e esteja intimamente relacionada com qualquer fenmeno de expanso imperialista, no se confunde com esta. Tanto em Atenas como em Roma a guerra uma atividade da qual participam todos os cidados adultos capazes, cujas obrigaes militares so distribudas segundo os recursos materiais das diferentes classes de cidados. Os ricos, que podem adquirir um cavalo, participam da cavalaria ou so encarregados de tarefas especiais, como a construo de barcos de guerra; os que podem adquirir uma armadura, completa ou no, compem a infantaria pesada ou ligeira. Os cidados abaixo de um determinado mnimo censitrio, como os thetes atenienses, participam como remadores na marinha ou, como osproletarii romanos, esto isentos do servio militar (at que este se torne voluntrio, no final do s-

culo II a.C.). Uma tal relao entre guerra e cidadania um dos fatores determinantes no carter coletivo da expanso imperialista da cidade-Estado antiga. A distribuio dos encargos relaciona-se, por sua vez, com a repartio dos benefcios advindos do poder imperial e de seu controle poltico interno.

A guerra, contudo, apenas um dos elementos dessa expanso, podendo ocorrer fora de qualquer quadro propriamente imperialista. Existiram, sem dvida, guerras defensivas, quando uma comunidade enfrentava um ataque externo, como a luta contra os invasores persas na Grcia, em 480 a.C., ou a resistncia romana invaso gaulesa de 386 a.C. Podiam igualmente ocorrer guerras motivadas por rivalidades regionais, como disputas fronteirias pelo controle de rotas de gado ou de sal, ou por territrios restritos, mas que no levavam submisso poltica de um Estado ou comunidade por outro mais forte. A guerra, alm disso, possua um carter religioso e ritualstico, particularmente acentuado entre os romanos (ius fetiale) e que teve seu papel na representao ideolgica da expanso imperialista. Este ltimo aspecto, todavia, extrapola a anlise dos mecanismos e da dinmica de expanso que pretendemos desenvolver aqui.

Imperialismo e poder

O imperialismo antigo manifesta-se atravs do estabelecimento de um diferencial de poder, obtido ou no por meio da ao militar direta cuja possibilidade consubstancia e assegura esse poder e que proporciona um fluxo centrpeto de bens para a cidade-Estado em expanso. Trata-se, assim, sempre da relao entre um centro acumulador o centro do poder e uma periferia submetida e explorada. As categorias de vantagens materiais e imateriais que compem tal fluxo, bem como as modalidades de expresso e exerccio de tal poder, podem variar profundamente no tempo e no espao. Exemplos so a busca de riquezas imediatas e em grande volume atravs do saque e da pilhagem, a obteno de territrios para os cidados desprovidos de terra ou o estabelecimento de uma tributao fixa que proporcione uma renda estvel cidade-Estado dominante. Incluem-se, igualmente, fatores diretamente ideolgicos, como o prestgio militar advindo das conquistas, que alteram o quadro das foras polticas na metrpole.

O poder imperial pode expandir-se por meio de alianas razoavelmente igualitrias (mas que o so progressivamente menos), protetorados, zonas de influncia etc., at a submisso total ou destruio do adversrio, com ocupao de seu territrio. Independentemente da possvel variao nas formas de expresso desse poder, permanece um fator de importncia fundamental que diferencia essencialmente o imperialismo antigo do moderno: enquanto este, como vimos, desenvolve formas econmicas de explorao de sua periferia, os mecanismos de concentrao no imperialismo antigo so, antes de tudo, pljticos. A explorao a, quase sempre, espoliao, exao direta de tributos, no apenas garantida, mas exercida e obtida por meio da fora bruta ou da ameaa de seu emprego. Tal fato corresponde, em certa medida, s formas de explorao do trabalho na antigidade clssica, baseadas no controle poltico de uma massa trabalhadora dependente. Da resultam, a nvel da representao ideolgica, manifestaes bastante distintas daquelas geradas pelo imperialismo moderno.

Tais consideraes no negam as motivaes econmicas por detrs da expanso de uma cidade-Estado, mas ressaltam que as necessidades econmicas associadas ao imperialismo antigo eram satisfeitas por instrumentos polticos. Apenas em Roma, a partir do sculo II a.C. desenvolvem-se mecanismos propriamente econmicos de explorao da periferia conquistada, mas mesmo assim de forma parcial e subsidiria no conjunto de bens e vantagens que compunham o fluxo centrpeto.

Esse quadro geral que esboamos permite-nos levantar algumas questes sobre os processos de expanso imperialista em Atenas e Roma, que ordenaro nossa investigao nos captulos subseqentes. Em primeiro lugar, quais so as causas e motivaes iniciais e de que maneira a conquista se articula com a estrutura de classes em ambas as cidades. Isso implica analisar as vantagens que o poder conferia, por quem era exercido no centro imperial e em benefcio ou prejuzo de que grupos. Nas suas relaes com a periferia, importa determinar os modos de exerccio do poder, as formas de explorao e sua evoluo no tempo, a reao dos povos submetidos ao domnio do centro. No tocante a Roma, o desenvolvimento de formas mais diretamente econmicas de explorao, concomitante com o notvel florescimento econmico da Itlia nos sculos II e 1 a.C., merecer uma ateno especial, pelos problemas que coloca definio de imperialismo que propusemos.2

A formao do

imprio ateniense

A Liga de DelosO processo de expanso imperialista de Atenas est intimamente relacionado com a guerra contra os persas e com a evoluo da democracia ateniense no sculo V a.C. O fracasso da invaso persa de 480 a.C., com as vitrias gregas em Salamina e Platia, motivou a criao de uma liga de cidades gregas em 478/7 a.C. que, sob a liderana de Atenas, pretendia continuar a luta contra os persas em seu prprio territrio, para libertar as cidades gregas ainda submetidas e obter presas de guerra que ressarcissem os gregos dos prejuzos da invaso.

Essa liga de cidades, que seria a base do imprio ateniense, no surgiu, contudo, por um processo de sujeio ou de domnio. Definia-se, de incio, como uma aliana militar (uma symmakhia), que previa autonomia para seus participantes, reservando a Atenas o comando (hegemonia) das operaes. dessa maneira que Tucdides se refere ao surgimento da liga, ao recompor o discurso que os embaixadores atenienses teriam proferido perante a assemblia espartana, no limiar da guerra do Peloponeso:Este imprio (disseram os atenienses), ns no o devemos violncia. Simplesmente vocs (espartanos) no quiseram continuar a guerra contra o resto das foras brbaras, e assim os aliados vieram nos procurar, para pedir-nos espontaneamente que exercssemos o comando (hegemonia).

(A guerra do Peloponeso, 1, 75)

Dessa forma, o poder executivo da liga foi conferido a um conselho federal das cidades aliadas, no qual Atenas tinha um papel preponderante, mas no exclusivo. A contribuio das cidades aliadas para o esforo de guerra dava-se, na origem, de duas maneiras: as cidades maiores, como Quios, Samos, Lesbos e Naxos, participavam com contingentes militares prprios (navios de guerra e soldados), enquanto as cidades de menor porte, que no enviavam barcos, contribuam com o pagamento de um tributo (phoros) para o tesouro federal. Este ltimo era centralizado no templo de Apolo, na ilha de Delos, e administrado por dez magistrados atenienses: os helenotamiai.

Segundo Tucdides (1, 96), o tributo original montava a 460 talentos (equivalentes a 2 760 000 dracmas), embora esse dado seja contestado pela bibliografia contempornea (veja-se discusso em RHODES, 1985, p. 7-8). Os magistrados atenienses elaboravam a lista das cidades confederadas e dos tributos pagos, que eram gravadas em lajes de pedra. Tais listas, que chegaram at ns em fragmentos, constituem um dos documentos mais importantes para a reconstituio do imprio ateniense. A lista mais antiga que conhecemos data de 454 a.C. e relaciona um total de 140 cidades como membros da liga, pagando cerca de 490 talentos como tributo.

Sob o comando do general ateniense Cmon, a liga cumpriu duas tarefas em seu perodo inicial: procedeu eliminao dos focos de pirataria que infestavam o Egeu, assolando as pequenas ilhas gregas e prejudicando o comrcio martimo; alm disso, expulsou os persas do mar, combatendo com sucesso a armada fencia, na qual se baseava o poderio naval persa (batalha do Eurimendonte, em 468 a.C.). At 462 a.C., portanto, a liga exerceu uma atividade essencialmente martima, apoiada na poderosa frota ateniense que Temstocles fizera construir para enfrentar a ameaa de invaso persa aps Maratona.

Desde o incio, contudo, o peso econmico e militar de Atenas no conjunto das cidades da liga fez com que se concentrasse em suas mos o poder executivo da aliana e que tendesse a carrear para si os benefcios que as aes militares traziam, O que em teoria deveria ser uma aliana igualitria e com a participao espontnea de seus membros, foi aos poucos convertendo-se, pela superioridade de Atenas, num sistema de explorao de seus membros e de concentrao de riquezas em Atenas mantido pela fora militar e do qual as cidades no podiam se desligar livremente.

Esse fato manifesta-se claramente j em cerca de 470 a.C., quando Naxos, um dos membros mais poderosos da aliana, tentou desligar-se desta. A cidade foi assediada pela armada da liga e obrigada a reintegrar-se, devendo entregar seus navios de guerra e demolir suas muralhas. A importncia do evento na transformao da aliana militar num imprio controlado pelos atenienses foi ressaltada por Tucdides (1, 98), segundo o qual Naxos foi a primeira cidade que Atenas escravizou contra o que fora estabelecido.

Dessa forma, desde seu incio a liga martima comea a configurar-se como um sistema fechado, do qual Atenas detm o comando militar, o poder poltico e que, em breve, passar a considerar como fonte de recursos para resolver seus problemas internos.Desenvolvimento da liga

Certos acontecimentos permitem balizar e determinar a evoluo das relaes entre Atenas e os demais membros da liga. A partir de 462 a.C., a aliana, sentindo-se mais segura com o refluxo do poderio persa no Egeu, inicia uma poltica militar agressiva dirigida anexao de territrios que interessavam particularmente a Atenas. nesse contexto ofensivo que se insere o envio de uma poderosa frota ao Egito (460/54 a.C.) com o objetivo de auxiliar o soberano local contra o rei persa. Em 454 a.C., contudo, o exrcito ateniense foi cercado e praticamente aniquilado pelas foras persas. Esse desastre custou aos atenienses a vida de milhares de seus cidados e foi utilizado como justificativa para que se transportasse o tesouro federal de Delos para Atenas. Esta, a partir de ento, passar a utilizar-se desses recursos de forma cada vez mais discricionria (a comear pela cobrana de 1/6 do tributo como oferenda sua deusa Atena).

Em 449/8 a.C. a liga assinou um tratado de paz com o rei persa a chamada Paz de Clias que ps fim s hostilidades entre o imprio oriental e a aliana grega. Os persas continuariam a intervir na poltica grega, mas agora apenas de forma indireta, financiando os contendores que se enfrentariam na grande guerra do Peloponeso.

A Paz de Clias, portanto, retirou da liga a razo oficial de sua existncia. Com a diminuio das presas de guerra, os tributos arrecadados das cidades-membros passaram a ser o nico ingresso assegurado do tesouro da liga, do qual os atenienses se utilizaram em benefcio prprio, da forma como veremos no captulo seguinte. Correspondentemente, diminuiu a autonomia das cidades em relao a Atenas. A esta perda de autonomia acompanhou-se um incremento no estabelecimento de clerquias de atenienses no territrio das cidades participantes da liga e submetidas a seu poder. As clerquias consistiam na ocupao de lotes (kleroi) das melhores terras agrcolas no territrio dos Estados da liga por cidados atenienses que no dispunham de propriedades agrrias na tica. Aqueles que eram agraciados com tais lotes conservavam a cidadania ateniense e no se integravam ao corpo social das cidades em cujo territrio se estabeleciam. Constituam, assim, ao mesmo tempo uma excelente vlvula de escape para as presses sociais em Atenas e um nus ofensivo para os aliados.

Consolidao do imprio ateniense

Da Paz de Clias at o incio da guerra do Peloponeso, a estrutura imperial ateniense se completou e a antiga aliana militar viu-se transformada num sistema de explorao envolvendo uma vasta regio, incluindo as ilhas gregas do Egeu e as cidades da Grcia do leste, alm de territrios no continente europeu. A essa transformao correspondeu um reflexo preciso no vocabulrio referente s relaes entre atenienses e aliados. O papel de Atenas, antes descrito como de liderana (em grego, hegemonia), passa agora a ser expresso por uma srie de termos indicando uma relao de poder bem mais intensa e definida (arkh, kratos). Os aliados, que precedentemente eram symmakhoi (membros de uma aliana militar), aparecem agora nos textos e inscries simplesmente como cidades ou, de forma mais direta, como sditos (hypekooi) ou tributrios (hypoteleis).

Nessa mesma poca desaparece o conselho federal, que agia como rgo executivo da liga, e o poder decisrio totalmente transferido para a assemblia de Atenas, cujo povo torna-se, dessa forma, senhor absoluto da aliana, responsvel pela arrecadao e gesto dos tributos e pela determinao de seu montante. Para uma melhor administrao do territrio, agora claramente subjugado a Atenas, as cidades so repartidas em cinco distritos, em 433 a.C.: Jnia, Cria, Ccladas, Trcia e Bsforo.

Com 202 membros, a liga dominada por Atenas atinge ento seu nmero mximo. Em 444 a.C. o tesouro federal completamente absorvido pelo tesouro de Atenas, que

constitua o fundo municipalda cidade. Essa fuso legitimou e acentuou o uso discricionrio do tributo por parte dos atenienses, que deixaram de dar qualquer satisfao a respeito aos aliados. Tambm a marinha foi unificada, tornando-se totalmente ateniense. Isto assegurou o monoplio do poder para sua cidade, representando um srio golpe para as cidades maiores da liga que, por enviarem contingentes militares e no estarem sujeitas ao pagamento de tributo, mantinham ainda uma certa autonomia. Esta tendeu a desaparecer completamente, o que em parte foi compensado por uma queda no montante do tributo cobrado (430 talentos, em 446 a.C.).

Aps 450 a.C., os aliados so obrigados a jurar fidelidade e obedincia ao povo ateniense, expondo a verdadeira essncia da liga e rompendo com as representaes ideolgicas que a queriam ainda como uma aliana de interesse mtuo. Ilustrativo, a esse respeito, o juramento prestado pelos calcdios, em 446 a.C.:No me separarei do povo ateniense por nenhum artifcio ou manobra, nem em palavras, nem em atos, e no obedecerei a quem se separe dele. Se algum me incentivar defeco, eu o denunciarei aos atenienses. Pagarei aos atenienses o tributo que me for fixado e procurarei ser um aliado bom e fiel. Auxiliarei sempre o povo de Atenas, se algum atac-lo, e obedecerei ao demos de Atenas.

(Inscriptiones graecae, 1, 39)

A partir de ento podemos falar da existncia de um sistema imperialista de explorao centrado em Atenas, segundo a definio esboada no primeiro captulo. Tal sistema, que propicia um fluxo constante de bens para a metrpole, fortalecido por uma srie de medidas que garantem o predomnio poltico de Atenas: medidas militares, como o estabelecimento de guarnies em cidades da liga, comandadas por um frurarca; medidas judicirias, que asseguram o exercicio formal do poder, como o envio de magistrados atenienses (episkopoi) para algumas cidades, mesmo em grandes centros, como Samos e Mitilene, ou a eleio de Atenas como foro privilegiado para o julgamento de determinados litgios.

Atenas garantia assim dois instrumentos essenciais para o exerccio e manuteno do poder: o controle dos procedimentos formais (legais) e o domnio dos mecanismos de coao direta, empregados quando os primeiros fossem desrespeitados. A esses instrumentos foram acrescentadas medidas de carter econmico/ideolgico, das quais a mais famosa e importante , sem dvida, o decreto de cerca de 420 a.C., que obrigava os aliados a usarem os pesos, medidas e moedas atenienses. Alm das suas implicaes econmicas, muito debatidas, esse decreto possua um claro carter ideolgico, se pensarmos que a cunhagem de moeda prpria era um dos elementos fundamentais da autonomia das cidades gregas, um instrumento privilegiado de sua autodefinio no plano ideolgico e de sua independncia poltica.

Tambm o pagamento do tributo revestia-se de elementos ideolgicos tendentes a ressaltar o predomnio de Atenas e a submisso dos aliados. Reavaliado a cada quatro anos, o tributo era trazido a Atenas por representantes dos Estados sditos e entregue durante as festividades das Grandes Dionisacas. Alm disso, todos estavam obrigados a enviar oferendas para Atena, poca das Panatenaicas. Assim, ao mesmo tempo que se celebravam ritos religiosos e a comunho do corpo de cidados atenienses, ressaltava-se sua importncia e poder no cortejo dos tributos extrados de seu imprio.

Dessa forma, em cerca de quarenta anos os atenienses formaram um vasto imprio, que apenas se desmoronaria aps a derrota na guerra do Peloponeso, em 404 a.C. A questo que se coloca diante de ns, agora, e qual procuraremos responder no captulo seguinte, a quem beneficiava, cm Atenas, o exerccio do poder imperial e que classes ou grupos sociais eram responsveis por sua administrao. Trata-se, em suma, de investigar como as lutas sociais dentro da prpria cidade determinaram os ritmos e a evoluo do processo expansionista dentro do quadro conceitual exposto no primeiro captulo. Alm disso, como veremos, as relaes entre Atenas e seus aliados estiveram longe de ser unvocas e unidirecionais, mas sofreram de forma acentuada a influneia da luta de classes no interior das prprias cidades do imprio, colocando este como um momento fundamental da profunda crise social que sacudiu os Estados gregos no sculo V a.C.3

O imperialismo ateniense:

natureza, motivaes,

conflitosA natureza da expanso de AtenasUm dos temas centrais no estudo do imperialismo ateniense no sculo V a.C. a questo dos mecanismos econmics subjacentes ao processo de expanso e dominao de outros Estados por Atenas. A resposta a esse problema depende de como se defina a natureza das relaes econmicas no Mundo Antigo: seja numa tica modernizante, aproximando os fenmenos econmicos da Antigidade queles observveis no capitalismo atual, seja ressaltando-se a especificidade das formas de organizao econmica do Mundo Antigo, utilize-se ou no os conceitos de modo de produo antigo e escravista.

Para os defensores da primeira abordagem autores como G. Glotz, O. Grundy e J. R. Bonner , os mecanismos e motivaes por detrs do imperialismo ateniense seriam muito semelhantes aos que levaram expanso europia, com o advento do capitalismo. J. R. Bonner via na concentrao do comrcio no Pireu, na supresso da pirataria e nas leis de navegao as principais caractersticas da poltica imperial ateniense:H indcios de que Atenas regulava o comrcio das cidades subordinadas atravs de medidas semelhantes s leis de navegao inglesas do sculo XVIII, visando centralizar o comrcio colonial na metrpole.(The commercial policy of imperial athens. ClassicalPhilology, 18: 193-201, 1923)

Essa perspectiva, que via o imperialismo ateniense como fundamentalmente comercial, visando ao controle das trocas comerciais no Egeu em benefcio prprio, baseava-se numa leitura acrtica de documentos, como o decreto monetrio de cerca de 420 a.C., mencionado no captulo anterior, ou em alguns dilogos de As vespas, de Aristfanes. Um texto do Pseudo-Xenofonte, em particular, utilizado para demonstrar o tipo de monoplio comercial exercido por Atenas:Apenas os atenienses so capazes de possuir as riquezas dos gregos e dos brbaros. Pois, se uma cidade rica em madeiras prprias para a construo de navios, para onde poderia vend-las se no se entender com o povo, que senhor dos mares? Se rica em ferro, cobre ou linho, a quem vend-los se no se entende com o povo, que senhor dos mares? Ora, tais produtos so aqueles que me servem para construir meus navios. De uma regio obtenho a madeira, de outra o ferro, de uma terceira o cobre, deste o linho, daquele a cera. Acrescentemos que, se nossos aliados quiserem exportar esses produtos alhures, ou sero impedidos por ns, ou no iro por mar. Quanto a mim, que sou ateniense, sem qualquer esforo fao vir do continente todos esses produtos por via martima.

(A repblica dos atenienses, II, 11-2)Uma leitura atenta do texto, contudo, no autoriza a tese da natureza mercantil do imperialismo ateniense. Como observa a crtica moderna, as informaes transmitidas pelo Pseudo-Xenofonte no se referem aos lucros comerciais obtidos pelo domnio martimo, no mencionam a venda de produtos atenienses sob qualquer monoplio, nem tampouco a aquisio de bens obtidos a preos aviltados e, talvez, o fato mais importante, no restringem aos comerciantes atenienses a responsabilidade pela circulao de tais bens. Trata-se, na verdade, de garantir para a metrpole, atravs do fluxo centrpeto assegurado pelo imprio, o suprimento de determinados bens estratgicos, no caso aqueles destinados construo de barcos de guerra, a prpria base do poder ateniense.

A partir dessas consideraes, a crtica moderna acentua o carter importador do imperialismo ateniense. Em termos econmicos globais, isto , sem tratar da distribuio interna na metrpole, o imprio de Atenas estava intimamente ligado obteno de meios bsicos de subsistncia, em especial de trigo, cuja produo na prpria Atica era insuficiente para alimentar a populao urbana. O Estado imperialista, dessa forma, no buscava mercados para exportao ou fontes de matrias-primas e de fora de trabalho a baixo custo para a sua indstria, mas procurava garantir recursos bsicos para sua existncia e proporcionar um suprimento de bens de todo tipo que no caso ateniense se revestia da forma de um tributo em metal , um fluxo centrpeto s possvel pelo diferencial de poder estabelecido entre o centro e a periferia do imprio.

Aceitando-se essa linha de raciocnio, tampouco pode-se concordar com aqueles autores que, numa viso diametralmente oposta, negam qualquer objetivo propriamente econmico ao imperialismo ateniense, mesmo que reconheam conseqncias econmicas, de resto aleatrias, no exerccio do poder. E. Will, por exemplo, afirma que:Nossos textos, repetimos, no autorizam a afirmao de que imperialismo ateniense comportasse, em suas motivaes e em seu exerccio, qualquer coisa que pudesse passar por uma

poltica econmica, ou seja, conscientemente destinada a assegurar o equilbrio e a prosperidade material da comunidade

ateniense.

(Le monde grec et lOriente: Le ve sicle. Paris, Hachette, 1972. p. 200)De uma tal perspectiva, a expanso imperialista s pode ser entendida como resultado de uma vontade de dominao, como a expresso de uma espcie de pulso de poder inerente ao ser humano (posio que E. Will condivide, por exemplo, com autores como P. Veyne, que insere essa vontade de dominao num contexto existencialista). Alm de se basear em pressupostos de psicologia histrica que, para dizer o mnimo, no so bvios e necessitariam de comprovao, essa viso do imperialismo ateniense toma como verdade a representao ideolgica que os prprios atenienses tinham de seu poder. Encontramo-la em diversos textos da poca e, de forma mais elaborada, o debate entre atenienses e melianos que antecedeu a destruio de Melos, em 415 a.C., tal como reescrito por Tucdides (sobre a concepo de poder em Tucdides, ver FRENCH, A. Thucydides and the power syndrome. Greece & Rome, Oxford, 27: 22-30, 1980):Atenienses Tambm ns pensamos poder contar com o favor dos deuses. Nem nossas pretenses, nem nossa conduta esto em contradio com as idias religiosas dos homens ou com os princpios nos quais se inspiram em suas relaes mtuas. Cremos, tendo em vista o que se pode supor com relao aos deuses e o que se sabe efetivamente dos homens, que ambos obedecem a uma lei da natureza que os impele a dominar os outros sempre que forem os mais fortes. No fomos ns que fizemos tal lei e tampouco fomos os primeiros a aplic-la aps seu estabelecimento. Outros transmitiram-na para ns e a obedecemos, como faro todos aqueles que nos sucederem. Sabemos que mesmo vocs ou qualquer outro povo no agiriam de forma diferente se dispusessem de um poder comparvel ao nosso.

(V, 8, 105)

O nvel de representao ideolgica, de resto um elemento fundamental do prprio imperialismo antigo, no deve, contudo, ser confundido com as bases concretas de funcionamento do sistema posto em ao pela expanso ateniense. Mesmo que se aceite uma distino preliminar entre motivaes, freqentemente envolvidas em complexos sistemas de representao ao nvel das mentalidades, e mecanismos efetivos de uso do poder, um exame acurado das fontes demonstra que, sem ter um carter mercantil de cunho moderno, o imperialismo ateniense estava profundamente ligado a fatores econmicos. Estes, por sua vez, diziam respeito tanto ao abastecimento da cidade, como vimos no texto do Pseudo

-Xenofonte, quanto ao atendimento de interesses de classe na prpria Atenas.

Devemos, portanto, tratar com maior detalhe os problemas envolvidos na distribuio interna dos benefcios do imperialismo e no controle do processo de expanso pelos grupos em luta dentro de Atenas. Se o imprio visava obteno de recursos que assegurassem a subsistncia e o predomnio do povo-rei utilizando uma expresso de M. Austin e P. Vidal-Naquet , o comando do processo de expanso e a diviso dos ganhos da derivados no se distribua de maneira uniforme pelo demos ateniense como um todo. Assim, de acordo com o perodo considerado, concentrou-se em determinadas classes e grupos sociais que exerceram uma certa hegemonia no controle do imprio. necessrio, dessa forma, investigar por quem e para quem se administrava o imprio de Atenas no sculo V. a.C.Benefcios do imprio:

controle e distribuio

A resposta a essa primeira questo no unvoca, nem tampouco fcil de ser elaborada, dada a fluidez prpria dos fenmenos polticos, que so processos de luta nos quais, a perodos de equilbrio entre os grupos em conflito, seguem-

-se constantemente momentos de choque, em que alguns tentam ou conseguem sobrepor-se aos demais. Como se sabe,

aps a reforma de Efialtes, em 462 a.C., o rebaixamento do censo mnimo e a introduo da mistoforia, a assemblia de Atenas e o conselho dos quinhentos tornaram-se os principais rgos decisrios no governo da cidade. Tal fato assegurava a possibilidade de uma ampla participao das camadas populares (dos pobres) no processo poltico, sendo irrelevante, no caso, avaliar o interesse e a efetiva atuao do povo na tomada de decises na assemblia, que, contudo, deveria ser grande (cf. FINLEY, 1985, p. 92).

Contudo, apesar do poder efetivo detido pela assemblia e pelo demos, observamos que a conduo executiva e o controle do processo de expanso permaneceram, por muito tempo, nas mos dos chefes militares (strategoi), nicos magistrados com direito reeleio. Tais magistrados, alm de controlarem diretamente as relaes com os aliados, exerceram uma grande influncia nas decises da assemblia at meados da guerra do Peloponeso. Isto no significa que a assemblia cedesse por completo seu poder de deciso, mas que compartilhava esse poder com grupos oriundos da aristocracia e que ocupavam postos na estratgia.

O que se observa, com a evoluo poltica interna em meados do sculo V a.C., uma progressiva passagem do controle executivo do imprio da aristocracia mais conservadora para uma aristocracia moderada, passagem espelhada no conflito entre figuras como Pricles e Cmon ou Tucdides. Tal conflito, contudo, como ressalta Finley, no se referia existncia do imprio como tal (Cmon, lder dos conservadores, comandou o ataque ilha de Samos, que pretendera uma defeco), mas distribuio dos benefcios internamente e aos desequilbrios que tais benefcios poderiam acarretar na repartio do poder. Plutarco nos d uma idia desses conflitos:

Isto, mais do que qualquer outra coisa, atraiu o dio dos adversrios de Pricles, que o caluiiavam nas reunies pblicas, exclamando que o povo havia adquirido mau nome e fama, por haver transportado o tesouro federal de Delos para Atenas (...). Pricles explicava aos atenienses que estes no tinham que dar conta desse dinheiro aos aliados, porque combatiam em lugar daqueles e mantinham os brbaros distncia (...). Alm disso, era justo que a cidade, estando provida das coisas necessrias para a guerra, convertesse o restante em bens materiais, que lhe trariam glria eterna (...) e que possibilitariam manter com pagamentos quase toda a cidade, que se embelezaria e nutriria a si prpria.

(Vida de Pricles, 12)Outro eco desse conflito encontramos na fonte oligrquica contempornea do Pseudo-Xenofonte, em que este afirma, no sem ironia:

Diria, de incio, que justo que o povo, em Atenas, goze de mais vantagens que os ricos e bem nascidos, pois o povo que sobe nos navios e faz o poderio da cidade (..). Ao povo parece melhor que cada ateniense goze individualmente dos bens dos aliados, ao invs de permitir que estes prosperem.

(1, 2)

Na verdade, a oposio dos grupos conservadores aristocrticos forma de conduo do imprio ateniense tornou-se significativa apenas no curso da guerra do Peloponeso, cuja origem muitos atenienses colocavam a prpria expanso de Atenas (cf. TUCDIDES, 1, 23), e isto por duas razes principais. Em primeiro lugar, a estratgia militar, seguida por Pricles e seus sucessores, de combater no mar e abandonar o territrio agrcola s devastaes do inimigo fazia com que os encargos da guerra recassem de forma muito mais intensa nos proprietrios rurais e, portanto, entre os aristocratas, do que na populao urbana. Embora boa parte da populao fosse camponesa, os ricos tinham certamente mais a perder com a devastao de seus campos, que dificilmente seria compensada pelas distribuies de alimentos, salrios ou ofertas de empregos na cidade, enquanto os pobres expulsos do campo poderiam encontrar a outros meios de subsistncia (cf. ARISTTELES, Constituio de Atenas, 24).

O outro fator envolvido na oposio dos grupos conservadores aristocrticos eminentemente poltico. Como ressalta o texto do Pseudo-Xenofonte, citado acima, a crescente Importncia da marinha, tripulada pela populao mais pobre, no conjunto da fora militar ateniense, tendia a desequilibrar a balana interna do poder em Atenas em favor das camadas mais pobres de cidados. Tal fato observvel na ascenso de oradores como Cleon, Hyperbolo ou Cleofon, personagens ligados ao comrcio e ao artesanato, que suplantaro a influncia poltica da aristocracia moderada durante a guerra do Peloponeso. Algumas comdias de Aristfanes, como As vespas, so uma demonstrao da averso e desprezo que a aristocracia votava a tais figuras.

Os conflitos polticos acentuaram-se nos trs ltimos lustros do sculo, medida que os insucessos da poltica externa ateniense encorajavati os aristocratas a inverter a distribuio interna do poder e restituir o que, segundo a elaborao ideolgica da poca, denominavam constituio ancestral (pdtrios politeia). De tais lutas resultaram dois golpes de Estado aristocrticos, em 411 e 404 a. C., que visavam abolir a democracia e reduzir o crculo do poder a um nmero restrito de cidados.

O golpe de 404 a.C. ocorreu aps a queda do imprio ateniense e com o concurso do exrcito espartano, mas significativo que os oligarcas que tomaram o poder em 411 a.C. e aboliram a constituio de Clstenes, no propusessem o fim do imprio e a libertao dos aliados, mas antes tenham lutado por mant-lo intacto, recusando uma proposta de paz espartana em 410 a.C. Igualmente significativo o fato de a reao ao golpe ter partido da esquadra ateniense sediada em Samos, cujos marinheiros se recusaram a aceitar a nova iltuao poltica. Os oligarcas em Atenas, divididos entre moderados e radicais, acabaram por recuar e o sistema poltico anterior foi recomposto.A oposio aristocrtica ao imperialismo, portanto, nunca se dirigiu contra sua existncia e, sim, contra o poder poltico interno que dele obtinham o demos e as camadas pobres da populao. O controle desse poder permitia ao demos distribuir os encargos da guerra e os benefcios do imprio de forma desigual, desfavorecendo os mais ricos.

Isso no significa, contudo, que os cidados pobres fossem os nicos beneficirios da posio dominante de Atenas, como tampouco dispunham do poder poltico total, como vimos. A repartio, tanto do poder como dos benefcios advindos de seu exerccio, dependia dos equilbrios e desequilbrios sucessivos entre os vrios grupos nas lutas internas em Atenas. Devemos, portanto, analisar com maior detalhe quais os frutos gerados pelo imprio ateniense e a que camadas da populao beneficiavam.Os benefcios do imprio e sua distribuioPodemos enumerar algumas vantagens bem gerais relativas estabilidade poltica de Atenas e ausncia de crises sociais profundas (staseis) durante a existncia do imprio:

paz social interna, manuteno do regime democrtico e ausncia de tirania, eliminao do perigo persa, to premente nos anos que antecederam liga. Em termos mais concretos, mas ainda beneficiando a populao em seu conjunto, so de grande importncia o suprimento de trigo garantido, proveniente em grande parte do mar Negro, cujo acesso os atenienses controlavam no Helesponto, e a ausncia de tributao interna (eisfora), abolida para todas as classes em 427 a.C.

Os ingressos do imprio, contudo, que amontavarn a cerca de 60% do total de recursos do Estado ateniense (de acordo com R. Meiggs), propiciaram a criao de formas de redistribuio que visavam especificamente assegurar a participao politica dos mais pobres. Entre essas formas destaca-se a mistoforia, instituda por Pricles, que significava o pagamento pelo exerccio de certas atividades pblicas, na Bul, nos tribunais ou no exrcito.

Segundo Finley, o soldo pago aos marinheiros era um Outro recurso importante na redistribuio. Assim, Atenas dispunha de trezentas trirremes, das quais cem em atividade permanente, o que representava a manuteno de cerca de Vinte mil cidados com um pagamento que se elevou de 2/3 bulos antes da guerra do Peloponeso at um dracma dirio no seu decorrer. A atividade de remador constitua-se, portanto, em um verdadeiro ofcio, garantindo a subsistncia de grande nmero de cidados pobres.

No mesmo sentido devemos considerar a participao nas grandes obras pblicas executadas poca de Pricles em Atenas, entre as quais se destacam os Arsenais e depsitos do Pireu, o erguimento de um terceiro muro ligando a cidade ao porto e as construes realizadas na Acrpole, como o Parthenon e o Propileu. Segundo Plutarco:

(Pricles), querendo que o povo que no se ocupava do exrcito tivesse tambm ele parte do dinheiro pblico, no atravs do cio e da preguia, mas pelo trabalho, props ao povo o empreendimento de grandes construes e projetou trabalhos envolvendo vrias artes e longos perodos de tempo, para que os que permanecessem em Atenas tivessem, no menos do que os marinheiros, sentinelas e soldados, um pretexto para obter seu quinho da riqueza pblica.

(Vida de Pricles, 12)A execuo de tais trabalhos, contudo, no era privilgio dos cidados atenienses, pois deles podiam participar, como comprovam as inscries do Erkhteion (cf. Inscriptiones lraecae, 12, 374), tambm metecos (estrangeiros domicilia- dos em Atenas) e escravos. Neste ltimo caso, o salrio recebido (por volta de um dracma dirio) deveria permanecer, .m grande parte, nas mos dos respectivos proprietrios.

Se os trabalhos pblicos efetivamente constituam uma forma de redistribuio de renda, no necessrio que os objetivos por trs de sua execuo se restringissem mesma (como poderamos supor pelo texto de Plutarco). No devemos esquecer a importncia ideolgica de que se revestia o embelezamento urbano de Atenas, exaltando e magnificando seu poder entre os povos subjugados e em toda a Grcia, difundindo respeito e admirao e, assim, de certa forma, contribuindo para a prpria manuteno do diferencial de poder que o tornara possvel e do qual era um sinal visvel.

As clerquias constituam-se, provavelmente, na maior vantagem advinda do imprio para os cidados pobres, recebendo entre oito e dez mil atenienses sem terra. Os lotes distribudos, no valor de duzentos dracmas, permitiam a elevao de categoria entre as classes censitrias solonianas, representando uma rpida ascenso econmica e social para os beneficirios. Essa distribuio das terras dos aliados (Lesbos, por exemplo, recebeu 2 700 colonos) funcionou como uma vlvula de escape no interior do corpo social ateniense, permitindo aliviar a presso dos cidados sem terra (que, contudo, em 404 a.C. ainda amontavam a cinco mil) e minimizar os efeitos da devastao da guerra entre a populao mais pobre.

Aferir as vantagens obtidas diretamente pelos ricos , sem dvida, mais difcil, o que no significa que a eles estivessem reservados apenas os encargos do imprio. Algumas dessas vantagens so de ordem ideolgica, derivadas do prestgio advindo do comando militar, em geral reservado aos aristocratas. Tucdides enumera, em vrias passagens, como o exerccio do imprio conferia aos aristocratas glria, honra, esplendor, renome ou a recordao de seu feitos. A atribuio de tais qualificativos de grande importncia numa sociedade em que o prestgio individual tem um papel fundamental na organizao das relaes sociais e polticas. Isso se observa, igualmente, no exerccio das liturgias, ou seja, no pagamento de atividades pblicas como a coregia (no teatro) ou a equipagem de uma trirreme, que conferiam prestgio e influncia aos cidados mais ricos que delas se encarregavam.

Os benefcios materiais so menos claros, mas de forma alguma ausentes. H uma passagem em Tucdides, de difcil interpretao, na qual Frnico, um aristocrata moderado, ope-se, em 412 a.C., volta de Alcibades e ao estabelecimento de uma oligarquia nos seguintes termos:

Alm disso (dizia Frnico) acreditava-se entre os aliados que um governo oligrquico (em Atenas) no lhes criaria menos dificuldades que o democrtico, pois era por instigao dos ricos e sob sua presso que a democracia cometia seus desmandos, dos quais os ricos eram os principais beneficirios.

(VIII, 48)

Mas beneficirios de qu? Ou seria apenas uma imagem retrica que Tucdides empresta a Frnico para ressaltar a inconsistncia dos golpistas de 411 a. C.? Pesquisas recentes (cf. GAUTHIER, 1973) permitem entrever ao menos uma das possveis vantagens que os aristocratas retiravam do poder imperial de Atenas: a posse de terras nos territrios aliados fora das clerquias. Em O banquete, de Xenofonte, cujo dilogo se passa em 422 a.C., h uma meno a tais propriedades, quando Crmides, um rico ateniense que participaria do golpe de 404 a.C., afirma: Agora que fui privado das propriedades que possua fora das fronteiras (da tica) (..) (IV, 31).

Um outro documento significativo a esse respeito so as estelas de confiscao dos bens dos hermocpidas, que datam de 415/13 a.C. Em 416 a.C, s vsperas da grande expedio Siclia, que marcaria uma reviravolta no poderio ateniense, apareceram mutiladas as esttuas de Hermes que ornavam as ruas da cidade. O sacrilgio gerou uma grande comoo na cidade e o feito foi atribudo aos grupos aristocrticos como parte de um plano para subverter o regime democrtico. Iniciou-se uma grande perseguio aos suspeitos, que em sua maior parte situavam-se entre os cidados mais ricos, como o famoso Alcibades, que comandava a expedio Siclia e que, ao saber das suspeitas que pesavam sobre si, refugiou-se no Peloponeso. Os condenados tiveram seus bens confiscados, e a relao desses bens foi inscrita em pedra e exposta. Nessa relao podemos identificar grandes proprietrios de terras em Atenas, mas que possuam, igualmente, propriedades no territrio de regies submetidas, como Thasos, Eubia, e Abidos. Essa posse de terras em territrios estrangeiros s pode ser explicada pelo exerccio do poder discricionrio conferido pelo imprio, que permitia romper as fortes barreiras existentes na poca para a aquisio de propriedades por no-cidados. Trata-se, portanto, de um benefcio material direto, e provavelmente no oficial, usufrudo pelos aristocratas atravs do imprio ateniense.

Das consideraes expostas acima podemos concluir que o imperialismo ateniense, em termos de distribuio interna do poder e de seus benefcios, constitua-se num fenmeno complexo e dinmico. A paz social de que gozou Atenas durante a existncia do imprio, apenas abalada pelo golpe de 411 a.C. que no entanto foi incruento e esgotou-se sozinho , no deve, portanto, ser considerada como um dos objetivos conscientes da expanso, mas como um de seus resultados. O poder e as vantagens advindas do imprio no foram objeto de concrdia entre as classes e, sim, de um acirrado conflito por seu controle e distribuio. O que se pode considerar que a grande quantidade de tributos arrecadados e um relativo equilbrio do poder na metrpole permitiram o usufruto geral do imprio, de forma a minimizar a intensidade dos conflitos, na medida em que se lutava para administrar no a escassez, mas a abundncia.

Atenas e os Estados sditos

Tampouco as relaes entre Atenas e os aliados foram unvocas. Ao contrrio, muitas vezes o jugo ateniense foi recebido como um fator de libertao por determinados grupos dentro das cidades submetidas (sobre estas questes, veja-se RFIODES, 1985, p. 36-8). Para entender essa aparente contradio preciso levar em conta que as cidades gregas, no sculo V a.C., foram sacudidas por violentos choques internos entre oligarcas e democratas. Tucdides, comentando os distrbios em Crcira, em 428 a.C., trata longamente das lutas sociais do perodo:

Em seguida, as convulses polticas atingiram, por assim dizer, a totalidade do mundo grego. Em todas as cidades ocorreram choques entre os chefes democratas e oligarcas, os primeiros querendo chamar os atenienses e os outros os lacedemnios (...) uma vez em guerra, cada uma das partes podia contar com uma aliana externa para abater seus inimigos e aumentar seu poder, e aqueles que desejavam uma revoluo tiveram todas as facilidades para provocar uma interveno externa (...). Assim, de cidade em cidade a guerra civil estendia suas devastaes.

(III, 82)

Dessa forma, os grupos democratas e a populao pobre tendiam a apoiar a associao com Atenas, mesmo que isso significasse sua submisso e o pagamento de um tributo (que, de resto, recairia com maior intensidade sobre os ricos). Tal foi o caso de Samos, Mitilene, Crcira, Argos e muitas outras cidades nas quais os democratas apoiaram e foram sustentados os atenienses. Como afirma o Pseudo-Xenofonte:(...) se os ricos e as camadas aristocrticas prevalecerem nas cidades (do imprio), o domnio ateniense ter curta existncia. Esta a razo pela qual os atenienses privam os homens honestos de seus direitos civis, confiscam seus bens, exilam-nos ou matam, enquanto elevam as camadas mais pobres.

(1, 15)

Tais relaes, contudo, no eram to simples. As cidades que, sob influncia dos oligarcas, se rebelavam contra Atenas, corriam o risco de ser completamente destruidas e de ter seus habitantes mortos ou escravizados, independente de serem ricos ou pobres, democratas ou oligarcas. Foi de uma tal sorte que Mitilene escapou, em 427 a.C., aps longos debates na assemblia ateniense, nos quais as foras mais democrticas, capitaneadas por Cleon, eram precisamente as que pediam a morte tanto de democratas como de oligarcas. J os habitantes de Melos, governados por uma oligarquia, e portanto sem poder decisrio quanto s relaes de sua cidade com Atenas, foram massacrados e escravizados.

Por trs de tais massacres, ou de sua proposio, podemos entrever razes ideolgicas implantar o terror entre os dissidentes e motivaes econmicas, como a ocupao das terras deixadas vagas pelos habitantes mortos (como efetivamente ocorreu em Meios e, mesmo sem o massacre da populao, em Mitilene).

O imperialismo ateniense do sculo V a.C. fornece-nos, portanto, um modelo para compreendermos os complexos e freqentemente contraditrios fatores polticos e econmicos envolvidos na expanso imperial na Antigidade. Como vimos, o estudo da dominao imperialista no pode se resumir s relaes externas, polticas/econmicas entre a metrpole e sua periferia, mas deve se voltar para o estudo da utilizao desse poder no interior do prprio centro imperial. Por outro lado, se o domnio de Atenas freqentemente significou alteraes de regime poltico nas regies submetidas, jamais interviu ao nvel de suas estruturas produtivas, que permaneceram inalteradas em relao poca anterior. Sobrepondo-se s estruturas locais sem modific-las, o imperialismo ateniense projetava-se como uma superestrutura de poder que arrecadava tributos, concentrando-os no centro imperial, sem proceder a uma explorao econmica que integrasse essas regies ao seu prprio sistema produtivo. Portanto, do ponto de vista dos povos subjugados, e com exceo das clerquias (que na verdade constituam enclaves), a dominao ateniense sempre foi um fator externo cuja concretizao, em termos econmicos, dava-se apenas por ocasio do pagamento do tributo anual.

Como veremos nos captulos seguintes, o imperialismo romano, mesmo possuindo muitos pontos de contato com o modelo ateniense, apresenta caractersticas especficas que o destacam do conjunto dos processos de dominao entre sistemas polticos na Antigidade.4

O imperialismo romano:

natureza, fasesImportncia e significado

O desenvolvimento da expanso imperialista em Roma apresenta caractersticas que o diferenciam profundamente do imperialismo ateniense, em termos das origens e conseqncias da expanso, de seus ritmos e periodizao. Mas, acima de tudo, a expanso romana um fenmeno de longa durao, que se estende da monarquia etrusca, nos sculos Vil-VI a.C., at um momento imprecisvel no Baixo Imprio, quando a distino centroperiferia muda de natureza. Trata-se, portanto, de quase um milnio de expanso militar e de domnio de outros Estados e povos por parte de Roma.

No perodo que se estende de 509 a.C., data tradicional da derrubada da monarquia, at o principado de Augusto, Roma esteve constantemente em guerra. Desse estado de guerra permanente testemunha o ritual ligado ao templo de Jano, divindade propiciatrja das partidas e retornos, e cujas portas se abriam ritualmente ao incio de cada guerra. Durante todo o perodo republicano, tais portas se fecharam apenas uma vez, em 202 a.C., para serem reabertas logo em seguida, quando Roma venceu a segunda guerra pnica. Esse estado de guerra co ttnte exigiu uma mobilizao popular sem precedentes na histria das cidades antigas, tanto na freqncia do chamado s armas quanto na durao dos perodos de mobilizao, que aos poucos foi se ampliando, quando as conquistas se tornaram mais difceis e distantes. Durante o sculo II a.C., quando Roma expandiu seu poder por toda a bacia do Mediterrneo, estima-se que ao menos l0Vo da populao masculina adulta estivesse em servio a cada ano (cerca de 130 mil soldados), cada soldado servindo, em mdia, seis anos no exrcito. Uma mobilizao de tal envergadura provocou uma acentuada militarizao da sociedade romana e teve profundas conseqncias polticas e econmicas, como veremos.

Imperialismo defensivo?

Essa importncia da guerra e da expanso na histria da Roma republicana fez da problemtica do imperialismo romano um dos temas centrais da investigao histrica sobre Roma, fundamental para se compreender sua histria interna e a formao de seu imprio. Dessa ateno derivou um intenso debate, entre os historiadores, sobre as causas, motivaes, natureza e conseqncias do imperialismo romano. Parte pondervel da bibliografia a respeito considera que a expanso romana foi o resultado natural e inesperado de guerras defensivas, nas quais Roma se envolveu contra a vontade, entrando na posse de territrios que no queria dominar. No fcil efetuar um balano crtico dessas posies, tendo em vista que se referem, em geral, a momentos especficos da expanso romana, como as guerras pnicas ou a conquista do Oriente.

Alguns autores, como P. Veyne, descartam o uso do conceito de imperialismo no caso romano, afirmando que a expanso foi imotivada e quase involuntria, na medida em que o senado romano nunca buscou conscientemente a hegemonia (com exceo da segunda guerra macednica, em 200 a.C). A prova estaria na recusa romana em anexar os territrios conquistados, contentando-se em estabelecer protetorados ou em finlandizar os povos submetidos J no sculo passado, T. Mommsen defendia a idia de uma expanso involuntria e defensiva de Roma, que se teria limitado a responder s agresses externas e a preveni-las.

E na conquista da Grcia helenstica, em particular, que os defensores da tese do imperialismo preventivo ou defensivo concentram sua ateno. Segundo M. Holleaux, a interveno romana na Grcia derivaria da ingenujda do senado romano, manipulado pelos embaixadores gregos, de seu medo de Antioco e de Felipe e de um sincero filo-helenismo, manifesto na sua determinao em libertar a Grcia do jugo macednico. Tal tese seguida por H. Scullard, que identifica em Roma um genuno interesse pelo bem-estar da Grcia. T. Frank, que aceita o motivo de ajuda desinteressada aos gregos no surgimento desse conflito, ressalta tambm elementos Poltico-ideolgicos como a nsia de glria, fama e dignidade por parte da aristocracia romana.

freqente, igualmente, encontrarmos uma distino entre um primeiro momento, defensivo, do imperialismo romano e uma etapa expansionista e agressiva, cujo incio se coloca, segundo a periodizao adotada e o ponto de vista de cada autor, na primeira guerra pnica, quando Roma se aventura pela primeira vez fora da Itlia, na segunda guerra com Cartago ( a tese de J. Carcopino) ou no curso do sculo II a.C., seja nas campanhas orientais (segundo De Sanctis), seja no episdio da destruio de Cartago e Corinto, em 146 a.C.

Apesar das diferenas que observamos entre os defensores do imperialismo involuntrio e defensivo, baseiam-se todos em alguns pressupostos comuns sobre a natureza da expanso romana e suas causas. Em primeiro lugar h uma nfase quase absoluta em fatores polfticos (ou mesmo psicolgicos) e a tendncia a negar qualquer fator econmico subjacente expanso (segundo T. Frank, Scullard, M. Holleaux etc.) ou a localizar uma influncia de tais fatores apenas a partir de certo momento (de acordo com De Sanctis e G. Colin). Outro elemento comum uma maior ateno s determinaes externas da expanso presso de outros povos, alianas, necessidades defensivas em contraposio s circunstncias internas desse processo, em termos de luta de classes, presso demogrfica, divergncias entre faces etc.

A noo de guerra defensiva, por outro lado, deriva em parte de uma leitura acrtica de determinadas fontes (em especial Tito Lvio) e da aceitao, como realidade de fato, da auto-representao ideolgica, de cunho religioso, que os romanos elaboraram nas etapas iniciais da expanso. Na Roma primitiva, com efeito, e ao menos at meados do sculo 111 a.C., a guerra em Roma revestia-se de um profundo carter religioso. A declarao de guerra envolvia um complexo ritual, executado por um colgio de sacerdotes, denominados feciais, e implicava sempre a noo de guerra justa, ou seja, a guerra como reparao de uma injustia ou dano cometido contra o povo romano. Antes de qualquer ato de guerra, os feciais deviam, segundo o ritual, pedir satisfaes (res repetere), reclamar as injrias sofridas (clarigatio) e, em caso de no atendimento, declarar a guerra, atirando uma lana ensangentada em territrio inimigo. Vencida a guerra, os adversrios batidos deviam entregar-se discrio, tanto pessoas como bens (deditio), e estabelecer um tratado (foedus), pelo qual se colocavam sob a proteo de Roma (uenire in fidem). Essa aliana, efetuada por meio dos feciais, era consagrada com o sacrifcio de um porco, invocando-se a vigilncia de Jpiter para seu cumprimento (para o ritual dos feciais veja-se TIT0 Livio, Histria de Roma desde afundao da cidade, 1, 24).

Podemos, portanto, afirmar que a guerra na Roma primitiva envolvia aspectos religiosos importantes, na forma de tratar o estrangeiro ou inimigo e, ao menos no que diz respeito s relaes entre os homens e o mundo divino, devia ser apresentada como uma reparao, como a recuperao de algo perdido e, no, como uma conquista ou saque objetivando um ganho consciente e imotivado. Contudo, embora tal formulao religiosa deva ter influenciado o processo de expanso romana, devemos considerar que representa to somente uma das elaboraes ideolgicas envolvendo tal processo, que preserva traos bastante arcaicos, devidos sua insero na esfera do sagrado. No podemos descartar, dessa forma, a elaborao paralela de explicaes leigas ou polticas para a atividade expansionista, que surgiam e eram utilizadas nos debates e choques internos que precediam a declarao de uma guerra. Quando dispomos de fontes romanas contemporneas, a partir do sculo 11 a.C., observamos uma elaborao leiga que, sem dispensar a noo de guerra justa, no centra nela sua ateno: para os autores do final da repblica, a expanso se explicava, entre outros fators, por uma vocao divina de Roma (cf. VJR;ILIO, Eneida, 1, 279), pela paz e segurana trazidas pelo imprio (cf. CiCERO, Repblica, 1, 63) ou, mais simplesmente, pela possibilidade de se obterem poder e ganhos materiais elevados (cf. SALSTIO, Histrias, IV, 69; CCERO, Cartas a ticv, IV, 16).

Alm do fato de a representao religiosa, mesmo que eventualmente predominante, no ser a nica possvel num mesmo momento, parece-nos que o problema principal envolvido na noo de guerra defensiva reside na adoo imediata, pelos autores modernos, de uma forma de representao que, na sociedade romana, era mediada pelas relaes sociais e polticas. Os procedimentos envolvidos no direito fecial implicavam o estabelecimento de relaes desiguais entre vencidos e vencedores, vantajosas para estes ltimos. Qualquer que fosse a motivao consciente da guerra, portanto, ou a forma de representar/justificar seu incio, a vitria acarretava a obteno de bens materiais (presas de guerra, territrios, escravos e soldados), alm de poderio poltico (glria para os chefes, alianas com aristocracias locais). Estes deveriam ser administrados e distribudos entre os vencedores, seguindo os percursos de sua prpria estrutura poltica e econmica. , assim, absurdo supor que conseqncias de tal entidade, advindas de uma vitria, no entrassem nas consideraes sobre o incio de uma determinada campanha.

Imperialismo e economia

Por outro lado, so igualmente inconvincentes as tentativas de explicar a expanso romana a partir de causas unicamente econmicas, por vezes conferindo sua economia um carter moderno, com caractersticas prximas quelas do imperialismo contemporneo. Fatores mercantis influenciaram, sem dvida, o processo de expanso romana, sobretudo a partir do sculo II, mas no nos termos em que aparecem atualmente, nem tampouco, com a possvel exceo de algumas guerras localizadas, constituindo-se no nico elemento em jogo no desenvolvimento do imperialismo romano. Como afirmamos no primeiro captulo, os fatores polticos e econmicos so inextrincveis no estudo do imperialismo antigo. Se a expanso militar ocasiona um diferencial de poder entre Estados ou povos, esse poder no uma categoria abstrata (como uma vontade de poder, visto como poder em si), mas se define sempre para alguma coisa, ou seja, tendo em vista objetivos delimitados. Alm disso, implica uma dupla relao de poder. Uma primeira, que define um centro (expansionista) e uma periferia (submetida) e que permite um fluxo centrpeto de bens, materiais ou no, necessrios metrpole. E uma segunda, igualmente fundamental, que se estabelece internamente, a partir da prpria estrutura de poder da cidade imperialista, tendo em vista a delimitao dos objetivos da expanso (o que se visa obter) e de sua distribuio (como distribuir seus frutos). Essa estrutura de poder, por sua parte, remete estrutura econmica da cidade-Estado, s diferenas de acesso terra entre ricos e pobres e, portanto, est ligada ao equilbrio poltico resultante da luta de classes em seu interior.

As fases da expanso

O processo de expanso romana pode ser dividido em perodo distintos, que representam ritmos diferentes de conquista e retrao, uma organizao diversa do poder interna e externamente, afetando os objetivos e conseqncias do imperialismo, em concomitncia com as transformaes que ocorrem na estrutura econmica da metrpole. So mltiplas as maneiras de se periodizar e definir momentos distintos no processo expansionista de Roma, conforme se confira maior importncia a uma ou outra das variveis em jogo. Diodoro da Siclia, por exemplo, que escrevia no sculo 1 a.C., diferenciava claramente duas etapas no imperialismo romano, definidas pelo tipo de tratamento dado aos vencidos:

Os romanos, quando decidiram aspirar ao domnio do mundo, conquistaram o imprio com o valor de suas armas, mas, para seu prprio benefcio, trataram com benignidade os povos vencidos. Afastaram-se tanto da crueldade e do esprito de vingana contra os vencidos que pareciam comportar-se no como inimigos, mas como benfeitores e amigos (...) a uns cederam a cidadania, a outros o direito de matrimnio, a alguns deixaram a autonomia, e a ningum mostraram mais rancor do que era necessrio (...). Contudo, tendo assegurado o domnio de todo o mundo, quiseram torn-lo mais estvel por meio do terror e da destruio das cidades mais eminentes. Com efeito, destruram completamente Corinto (em 146 a.C.), erradicaram a potncia macednica, arrasaram Cartago (em 146 a.C.) e, na Celtibria, Numncia (em 133 a.C.), aterrorizando muitos povos.(Bibliotheca historica, XXXII, 4)

Salstio, que, ao contrrio de Diodoro, preocupa-se com os efeitos internos do imperialismo romano, tambm considera esse perodo, em particular aps a destruio de Cartago, como uma nova fase do poder imperial de Roma, mas por motivos diferentes:

Alm disso, as lutas entre o partido popular e as classes dirigentes, causa de todos os males que se seguiram, haviam surgido poucos anos antes em Roma, resultantes do cio e da fartura, os bens mais estimados pelos homens. Pois antes da destruio de Cartago, o povo e o senado romano administravam conjuntamente a repblica com placidez e moderao. Nem a glria, nem o poder geravam disputas entre os cidados, pois o medo do inimigo mantinha a cidade no bom caminho.

(Guerra de Jugurta, XLI, 1-2)A moderna bibliografia distingue tambm fases diferentes no desenvolvimento do imperialismo romano, definindo sejam alteraes polticas em sua conduo e organizao, sejam transformaes econmicas no sistema produtivo romano ou nos objetivos da expanso ou ainda mudanas de mentalidade no seio da classe dirigente. Como marcos importantes so mencionados, com freqncia, acontecimentos como a primeira guerra pnica, em 264 a.C., quando a expanso ultrapassa os limites da Itlia, rompendo com o antigo sistema de alianas no tratamento dos territrios conquistados (Siclia e Sardenha); a segunda guerra pnica, que transformou Roma em uma grande potncia mediterrnea, pondo-a em contato com os remos helensticos; diversos episdios da expanso romana no sculo II a.C., tanto no Ocidente como no Oriente, considerados indicativos de alteraes significativas na conduo do imperialismo romano (por exemplo, a segunda e terceira guerras macednicas, as campanhas na Espanha, a destruio de Cartago e Corinto).

M. Finley (1978, p. 62-3) prope uma periodizao da expanso romana em trs fases, caracterizadas pelo sistema de organizao das conquistas e pelo tipo de vantagens advindas da ao imperjalista: um primeiro perodo, marcado pela conquista da Itlia central e meridional, que produziu presas de guerra e grandes extenses de terra confiscadas, alm do reforo militar proveniente da insero, no exrcito romano, de soldados recrutados entre os povos itlicos; da guerra com Cartago at o fim da repblica deu-se a formao do sistema provincial, gerando um grande aumento das presas de guerra e taxas regulares das provncias; durante o principado, apax romana reduziu enormemente as presas de guerra, mas as taxas e requisies provinciais aumentaram constantemente.

Embora tal esquema tenha virtudes em sua economia e simplicidade, e conquanto se possa concordar, em linhas gerais, com os balizamentos cronolgicos adotados, esses critrios parecem-nos insuficientes para caracterizar os diferentes momentos da expanso romana. Em outras palavras, no permitem observar, com a riqueza necessria, a diferente natureza do imperialismo romano em suas fases. Para tanto, necessrio levar em conta os elementos estruturais internos, a organizao da economia e do sistema poltico, para que se possa compreender as causas e motivaes da expanso e as formas de sua organizao. Por outro lado, como veremos, o diferencial de poder entre Roma e sua periferia, bem como o afluxo de riquezas que proporcionou, levaram transformao das condies internas da prpria metrpole.

Podemos distinguir dois perodos no imperialismo romano, essencialmente diversos em sua natureza, suas causas, motivaes e conseqncias. Tal distino, a nosso ver, origina-se da especificidade das relaes econmicas e polticas em Roma nos dois momentos. A expanso da Roma monrquica e republicana, at o sculo III a.C., foi realizada por uma sociedade essencialmente camponesa, na qual os cidados se definiam pela propriedade de lotes de terra, em geral de pequena extenso, que eram cultivados pelo proprietrio e sua famlia ou, no caso das famlias aristocrticas, por trabalhadores dependentes, ligados classe dominante por laos de clientela. As unidades produtivas tendiam, assim, a ser autrquicas, e a produo destinava-se, fundamentalmente, ao consumo direto do prprio produtor e de seus dependentes. Tratava-se, portanto, de uma economia voltada para a produo de valores de uso, na qual o mercado e as trocas eram subsidirios no conjunto das atividades produtivas. Os conflitos sociais envolviam a luta pela terra e pela abolio das dvidas (que submetiam os pequenos camponeses aristocracia) e, em termos polticos, pela igualdade civil e jurdica e pelo acesso s magistraturas.

No curso do sculo III a.C. e, com maior intensidade, a partir da segunda guerra pnica, desenvolve-se em Roma a produo mercantil, baseada na utilizao de mo-de-obra escrava em larga escala. O desenvolvimento, pela primeira vez no Mundo Antigo, do modo de produo escravista como sistema produtivo dominante foi possibilitado e favorecido pela expanso imperialista anterior, que propiciara a acumulao de recursos em bens materiais, terras e escravos em grande quantidade e sua inverso numa forma de produo (a fazenda ou vilia escravista) voltada produo de bens agrcolas para venda num mercado em expanso. Por outro lado, essa vasta transformao econmica alterou profundamente a dinmica e a prpria natureza do imperialismo romano, na utilizao e distribuio dos recursos e na forma de organizar e administrar as conquistas.

Esse fato observvel no apenas no tratamento dado aos vencidos e na forma como o poder exercido sobre os mesmos, mas igualmente nas disputas polticas em Roma, onde alteraes na estrutura social levariam a uma agudizao dos conflitos, no final da repblica, pela distribuio dos benefcios do poder imperial. Contudo, a caracterstica mais original desse perodo, se tomar-mos o conjunto dos imperialismos antigos, a capacidade de o imperialismo romano alterar a estrutura econmica das regies subjugadas e, em grande medida, integr-las sua prpria economia, mercantil e escravista. Nesse sentido, o estabelecimento do principado agir sobretudo na esfera da superestrutura poltica, mediando e regulando as relaes entre as classes no interior da metrpole e organizando um sistema de explorao das provncias, sob o signo da paz romana, condizente com as dimenses territoriais do imprio romano.5

Os incios do

imperialismo romanoAs fases iniciais da expanso romana, aps o estabelecimento da repblica, so conhecidas apenas atravs da tradio posterior, em particular por meio de autores como Tito Lvio e Diodoro da Siclia, que escreveram no sculo 1 a. C. A reconstruo dos eventos e, para alm deles, da dinmica do imperialismo nessas etapas recuadas s pode ser tentada atravs de uma avaliao crftica das informaes contidas nessas fontes, com base nos modelos desenvolvidos sobre a estruturao social e o funcionamento da economia romana nessa poca. Alm dos relatos legendrios, dos recursos estilsticos (como os discursos) e das limitaes impostas pela viso prpria que nossas fontes tinham dos perodos iniciais da expanso romana, vemo-nos freqentemente diante de reconstrues anacrnicas, que projetam no passado de Roma episdios da histria posterior, dos eventos e conflitos que marcaram o fim da repblica. Tais elementos impregnam as evidncias disponveis, dificultando a anlise das causas e objetivos da expanso romana em seus incios.

Terra e expanso

Um dos elementos determinantes dessa expanso parece ter sido a busca de terras cultivveis, observvel nas lutas internas em Roma e nos recursos obtidos com as conquistas. As lutas sociais na Roma arcaica so geralmente encaradas por seu ngulo poltico, centrando-se na disputa entre patrcios e plebeus pela diviso do poder na cidade e pelas sucessivas vitrias da plebe: tribunado, redao das leis, participao nas magistraturas civis e religiosas. Mas reveste-se, igualmente, de um forte componente econmico, opondo no apenas patrcios e plebeus, mas ricos e pobres. A se enquadram a luta pela abolio da escravido por dvidas e do nexum, bem como as 22 leis agrrias mencionadas pela tradio entre 486 e 367 a.C.

A forma como eram tratadas as cidades submetidas relaciona-se intimamente com a questo da terra. Ao contrrio do que podemos observar, por exemplo, no imperialismo ateniense, as reas progressivamente anexadas por Roma eram integradas em seu sistema poltico e seus habitantes admitidos, em maior ou menor grau, na cidadania romana. Isso ocorria no quadro de uma complexa escala de relaes, indo da preservao da autonomia municipal, com a integrao ao direito pblico e privado romano (direito de votar e ser eleito, de comrcio e matrimnio), at formas intermedirias: cidades aliadas, cidades que recebiam apenas o direito privado, colnias de direito latino e romano e reas que perdiam a capacidade de autogoverno, sendo administradas por magistrados romanos. Por outro lado, Roma expropriava parte das terras nas regies conquistadas pela fora ou que se haviam rebelado, apropriando-se de uma extenso varivel de seu territrio (entre 1/3 e 2/3). Tais terras constituam, provavelmente, o principal aporte material da conquista e eram integradas propriedade pblica do Estado romano como ager publicus (terras pblicas). A ampliao do ager publicus tornou-se, assim, um dos principais resultados da expanso romana e o foco das lutas polticas travadas em torno da distribuio de seus benefcios em Roma.

Terras pblicas e conflito agrrio

A terra anexada, que se tornava propriedade do Estado, era distribuda aos cidados segundo diferentes modalidades de assignao. Uma parte considervel era destinada fundao de colnias, que funcionavam como postos avanados do domnio romano, controlando regies hostis e agindo como vlvula de escape para as presses pela terra em Roma e nas cidades aliadas. At meados do sculo IV a.C. a expanso foi, em grande medida, um feito da Liga Latina, que congregava as cidades do Lcio incluindo Roma, ainda que em posio hegemnica e por vezes hostil frente aos aliados (cf. HEURGON, J. Roma y ei Mediterrneo occidental. Barcelona, Labor, 1976. p. 202-5). Com efeito, o comando do exrcito e as decises sobre o processo de expanso eram tomados em conjunto (iussu nominis latim) e as colnias fundadas no territrio conquistado eram latinas, de cuja formao tomavam parte cidados romanos e habitantes de outras cidades do Lcio.

Aps a dissoluo da Liga Latina, por volta de 340 a.C., prosseguiu a fundao de colnias, diferenciadas em dois tipos: umas, de carter essencialmente militar, eram colnias de cidados romanos, cujos colonos preservavam a cidadania romana. Eram formadas por grupos pequenos, de trezentos soldados, que recebiam lotes de terra de extenso reduzida e em territrio hostil. Outras eram instaladas na costa (Antium, Terracina), um indcio de que a poltica expansionista romana, j nessa poca, no se limitava conquista territorial, mas possua interesses martimos. Por outro lado, Roma continuou a fundao de colnias latinas, com contingentes mistos (romanos e latinos) que podiam atingir seis mil colonos. Estes recebiam lotes de terra variveis, em geral muito pequenos. Alm de atenderem a objetivos defensivos, essas fundaes tinham um claro escopo colonizador, distribuindo a terra conquistada entre a populao camponesa de Roma e de seus aliados e reproduzindo, nas colnias, a economia de subsistncia, centrada na pequena propriedade camponesa, que era caracterstica de Roma nesse perodo, As quarenta colnias fundadas entre 338 a 218 a. C., implicando o deslocamento fsico de uma populao entre cem e 250 mil pessoas, do uma idia da importncia da colonizao como fenmeno poltico e econmico na Itlia arcaica.

A fundao de colnias no era o nico destino dado ao terreno pblico conquistado. Este podia ser distribudo populao individualmente, como parte do prprio territrio de Roma. Os exemplos de tais assignaes so raros na Roma arcaica. O mais famoso e importante est ligado conquista da cidade etrusca de Veios, com quem Roma travou uma longa guerra e cujos amplos territrios foram confiscados em sua totalidade. As terras da cidade, transformadas em agerpublicus, foram posteriormente repartidas em lotes de sete ugera e distribudas populao de Roma, como resultado de uma intensa agitao social na cidade. Tal forma de repartio, cujo carter social evidente, enfrentava, por vezes, a oposio da aristocracia e do senado. Assim, a proposta de distribuio das terras conquistadas aos gauleses no norte da Itlia (ager gaiicus) pelo tribuno Caio Famnio, no final do perodo que estamos considerando, foi violentamente combatida pelo senado, que, pela primeira vez, perdia o controle sobre a distribuio dos benefcios da expanso. Polbio, historiador grego do sculo II a.C., viu nessa derrota o incio de uma longa crise poltica em Roma: foi para os romanos a origem do pervertimento do povo.

A maior parte do ager publicus, contudo, permanecia indivisa e era ocupada por aqueles que possuam os meios para cultiv-lo, mediante o pagamento de uma taxa para o Estado. Tais terras eram, por vezes, deixadas aos habitantes originais, dos quais se obtinha assim uma renda, mas, em geral, acabavam nas mos da aristocracia fundiria romana (at o sculo IV a.C., o patriciado), que a encontrava uma forma de estender suas propriedades e de aumentar sua riqueza.

Ao contrrio das assignaes a camponeses, a ocupao do ager publicus pela aristocracia no levava, necessariamente, a um grande deslocamento populacional, pois ela cultivava os lotes ocupados por meio de seus dependentes ou utilizando-se da mo-de-obra local. Tais lotes, alm de mais extensos que os pequenos terrenos distribudos populao pobre, localizavam-se longe de Roma e se repartiam por vrios territrios. Assim, sua ocupao por uma aristocracia cada vez mais urbana, que no os geria diretamente, visando to-somente a obteno de uma renda agrcola, representaria um passo importante na transformao da economia camponesa, essencialmente familiar e autrquica, em direo ao modo de produo escravista e economia mercantil.

As leis agrrias

A distribuio dos territrios confiscados, nas suas vrias formas possveis, provocou uma longa srie de lutas sociais em Roma, materializada nas vrias leis agrrias do perodo, transmitidas pela tradio. Destas, a mais antiga a proposta de lei agrria de Esprio Cssio (na primeira metade do sculo V a.C.), que visava distribuir plebe e aos latinos as terras tomadas aos rnicos no Lcio (cf. TIT0 Lvio, II, 41; DioDoRo, VIII, 69). Apesar dos anacronismos presentes nesses relatos, pode-se observar, na legislao agrria, uma certa correlao entre as lutas polticas, opondo patrcios e plebeus, e aquelas econmicas, pela posse da terra. Essa associao mais compreensvel ao sabermos que a estrutura poltica era o instrumento principal pelo qual se determinavam os objetivos da expanso e se distribuam seus resultados.

A partir de 424 a.C. ocorre uma nova concentrao de leis agrrias e agitaes, correspondendo aquisio de novos territrios, como Fidenae. Contudo, no incio do sculo IV a.C., tais agitaes parecem cessar por mais de um sculo, o que pode ser atribudo a dois fatores: em primeiro lugar, conquista da igualdade poltica entre patrcios e plebeus, que desfez a aliana entre plebeus ricos e pobres; alm disso, a conquista de Veios, em 396 a.C., com seu amplo e frtil territrio, deve ter contribudo para o esvaziamento das tenses sociais em Roma por um longo perodo.

Numa sociedade essencialmente camponesa, como a romana arcaica, no difcil entender a centralidade da questo da terra na expanso imperial. Para tanto, no necessrio propugnar como causa um suposto exaurimento das terras arveis (como faz T. Frank). Fatores mais importantes foram, sem dvida, uma forte presso demogrfica e uma estrutura agrria que distribua desigualmente o acesso terra. Enquanto a aristocracia dispunha de vrios lotes de terra, relativamente grandes e espalhados por um amplo territrio (graas ocupao do agerpublicus), a famlia camponesa depositava todas as suas esperanas em uma nica unidade produtiva, em geral de reduzida dimenso. Deve-se ressaltar, ainda, o baixo nvel tecnolgico da agricultura, que expunha os camponeses a graves crises sazonais, quando a produo no atingia o montante necessrio reproduo do prprio ncleo familiar. Da advinham a fome, o endividamento e a conseqente perda da propriedade e sujeio s famiias ricas, cujas propriedades eram menos susceptveis aos efeitos de uma crise.

Imperialismo e luta poltica

Se possvel identificar na busca de terras um dos mveis fundamentais da expanso romana no perodo, no clara a maneira como essa necessidade era mediada e expressa politicamente. E necessrio, portanto, analisar em maior detalhe as formas de controle poltico do processo de expanso e os conflitos associados ao mesmo. Apesar da existncia de duas assemblias e da participao popular na eleio dos magistrados e na aprovao das leis, a estrutura poltica romana preservou sempre um ntido carter oligrquico, manifesto na hegemonia exercida pelo senado que era vitalcio na conduo poltica do Estado. Isso no significa, entretanto, que a populao pobre estivesse excluda do processo poltico ou que no dispusesse de instrumentos de presso para o atendimento de suas reivindicaes, desde aes radicais como as vrias secesses da plebe at o apoio a candidatos que sustentassem uma plataforma de seu interesse. No que diz respeito, especificamente, ao processo de expanso, ou seja, tomada de decises sobre determinada guerra e administrao de seus resultados, o poder repartia-se desigualmente entre o senado, os magistrados superiores, tambm membros do senado, encarregados do comando das operaes de guerra, e os comcios por centria, que, na Roma arcaica, eram responsveis pela aprovao das declaraes de guerra sob proposta do senado e pela aprovao de leis (como as leis agrrias) relativas a seu resultado.

Essa estrutura poltica deixava ampla margem de controle e deciso nas mos da oligarquia senatorial. Tal controle, por sua vez, era ressaltado pelas caractersticas de funcionamento das duas assemblias populares em Roma: por centrias e por tribos. As assemblias da plebe, de carter mais democrtico, reuniam toda a cidadania (excetuando-se os patrcios), que votava por tribos, independentemente da riqueza pessoal dos participanteS. No entanto, os votos no eram computados individualmente, mas por tribos, e as decises da assemblia (os plebiscita) no tinham, at o sculo III a.C., valor de lei para o conjunto da sociedade, sendo aplicveis apenas aos prprios plebeus. Mais importantes, na repblica antiga, eram as assemblias por centrias, que representavam o povo em armas e nas quais o voto era segmentado em centrias (originariamente batalhes de soldados), distribudas segundo a riqueza individual dos soldados. Assim, de um total de 193 centrias, 98 eram reservadas s classes mais ricas, que votavam em primeiro lugar, enquanto os cidados mais pobres (os proletaril), que no atingiam um censo pecunirio mnimo e no participavam do exrcito, votavam em uma nica centria. Era a assemblia centunada que elegia os magistrados e aprovava declaraes de guerra, deixando uma grande margem de controle nas mos dos ricos.

Tendo em vista o domnio exercido pela aristocracia fundiria no comando da expanso, como entender que a busca de terras constitusse um dos fatores por trs do imperialismo romano e uma vlvula de escape das tenses sociais? De que maneira os romanos sem terra, cuja participao no sistema poltico era insignificante, poderiam influenciar na conduo e delimitao dos objetivos da guerra? Por outro lado, possvel supor que o exrcito romano, formado por camponeses que j possuam um lote de terra, fizesse guerra tendo em vista os interesses daqueles que nem mesmo eram recrutados?

Para responder a tais questes necessrio admitir que a resoluo das tenses sociais no era um dos objetivos explcitos da expanso, mas o resultado, seja da maior disponibilidade de terras, seja das lutas internas na prpria Roma. Os benefcios da conquista, portanto, podiam levar, num primeiro momento, agudizao dos conflitos e, no, sua soluo. A aristocracia fundiria tinha na expanso uma forma de ampliar seu prprio poder, adquirindo glria e prestgio militar, estabelecendo alianas com as aristocracias dos Estados aliados, fortalecendo o exrcito com os contingentes provindos destes ltimos. No tocante s terras confiscadas, sua principal preocupao residia no aumento de suas propriedades atravs da ocupao do ager publicus. J para a massa camponesa plebia, que possua pequenos lotes de terra cultivados pela prpria famlia, tais terras representavam a possibilidade de aliviar os efeitos da presso demogrfica, evitando a excessiva fragmentao de suas propriedades por herana ou dote. No se tratava, portanto, da multiplicao dos lotes de uma mesma famlia, como no caso da aristocracia, mas da multiplicao das unidades familiares. Por outro lado, a participao no exrcito oferecia a oportunidade de adquirir presas de guerra, em especial gado e outros bens mveis. Para os proletarii, que nessa poca constituam, provavelmente, um contingente minoritrio da populao mas que se ampliar constantemente at o sculo 1 a.C. , essas terras representavam a possibilidade de acesso ao meio bsico de produo, com conseqente elevao de seu status social e de sua participao poltica.

Tambm os interesses dos aliados, que participavam no esforo militar romano, deviam ser levados em considerao. Em primeiro lugar, porque a expanso romana at o sculo IV a.C. foi, como dissemos, em grande parte uma ao conjunta da Liga Latina. Alm deste fator, entretanto, o imperialismo romano implicava uma integrao progressiva das reas conquistadas sua estrutura poltica, baseando-se numa aliana entre grupos aristocrticos com objetivos comuns. Se a conquista romana representava a perda de bens materiais e da autonomia poltica dos vencidos, possibilitava que as camadas dominantes destes ltimos preservassem sua autonomia frente plebe, baseando-se no imenso poderio militar de Roma. Esta, por sua vez, integrava a seus interesses expansionistas aqueles dos aliados, fossem comerciais como na defes dos comerciantes itlicos, em particular aps a conquista da Magna Grcia , polticos ou sociais (na distribuio de terras).

Os interesses de todos esses grupos achavam-se, de certa forma, conjugados na fundao de colnias, em especial aquelas de direito latino. Como vimos, contudo, os lotes repartidos eram de extenso muito reduzida, localizados em regio hostil e distante de Roma, fazendo com que seus colonos perdessem seus direitos polfticos de cidado romano. Alm disso, devemos admitir que a oligarquia reservava para si as melhores terras (em fertilidade e proximidade de Roma). Esses fatores explicam uma certa resistncia, por parte dos plebeus pobres, em aceitar a emigrao para essas colnias, fossem romanas ou latinas, ou seu abandono logo aps a fundao (cf. TIT0 Lvio, X, 21).

A presso popular se exercia, portanto, no sentido de se distriburem, individualmente, as terras mais frteis e prximas a Roma, sem a criao de colnias. Essa forma de repartio chocou-se com uma forte oposio senatorial todas as vezes em que foi proposta, como na j citada distribuio das terras de Veios ou naquela que foi a primeira tentativa de assignao individual, a lei agrria de Esprio Cssio (data tradicional, 486 a.C.), cujas vicissitudes nos so descritas por vrias fontes posteriores. O relato de Tito Lvio, apesar de certos anacronismos, permite-nos ter uma idia das aspiraes e conflitos envolvidos:No ano seguinte (486), no consulado de Esprio Cssio e Prculo Vergino, foi feito um tratado de paz com os rnicos, incluindo-se em seus termos O Confisco de 2/3 de seu territrio. O cnsul Cssio props entregar metade dessa terra aos latinos e metade plebe romana, e estava ansioso para, se possvel, aumentar essa doao pela distribuio de outras parcelas de agerpublcus mantidas ilegalmente em mos privadas. Os homens que as ocupavam em grande nmero ficaram alarmados com a ameaa a seus interesses, enquanto a nobreza como um todo preocupava-se com o aspecto poltico da questo (...). Esta foi a primeira vez que se apresentou uma proposta de lei agrria perante o senado, e desde ento todas as propostas nesse sentido causaram srios distrbios. O outro cnsul, Vergino, ops-se entrega das terras, no que foi apoiado pelo senado.

(TI, 41)

As agitaes populares em torno da distribuio de terras estenderam-se por todo o sculo IV a.C., culminando

na tomada de Veios em 396 a.C., cujas terras, como j foi observado, permitiram aliviar a presso popular por um certo perodo. Os embates em Roma, quando da declarao de guerra a Veios, permitem avaliar como o servio militar, a distribuio dos benefcios da guerra e a repartio do poder poltico eram temas intimamente ligados na Roma arcaica:O senado romano instruiu os tribunos militares para que pedissem o consentimento do povo, o mais rpido possvel, para a declarao de guerra (contra Veios). O resultado foi uma onda de protestos (...). Os tribunos da plebe incitavam o descontentamento geral, afirmando que o verdadeiro inimigo contra o qual lutava o senado no era Veios, ou qualquer outro Estado estrangeiro, mas a plebe romana. O senado, diziam, atormentava deliberadamente os plebeus com o servio militar e cortava-lhes as gargantas sempre que podia, mantendoos ocupados em regies estrangeiras, com receio de que, se gozassem de uma vida pacfica em casa, comeassem a pensar em coisas proibidas liberdade, terras prprias para cultivar, a diviso das terras pblicas, o direito de votar segundo sua vontade.

(TIT0 Livio, IV, 58)

Caractersticas da expanso inicialDo exposto neste captulo, podemos extrair algumas concluses sobre as caractersticas essenciais dessa primeira fase do imperialismo romano, confrontando-o com o imprio de Atenas no sculo V a.C. Em primeiro lugar, a questo da terra fundamental em ambos os processos de expanso. Alm disso, tanto em Atenas como em Roma essa questo nunca