impasses e desafios da polÍtica de carreira … · do pará (uepa), dos processos de luta travados...

14
IMPASSES E DESAFIOS DA POLÍTICA DE CARREIRA DOCENTE NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ Emerson Duarte Monte 1 Giselle dos Santos Ribeiro 2 Resumo O presente texto versa sobre os históricos impasses e atuais desafios em torno da política de carreira docente na Universidade do Estado do Pará. Trata-se de uma análise documental dos planos de carreira da universidade, de documentos do sindicato dos docentes da universidade e de dados estatísticos e salariais. Constatam-se avanços no histórico de desenvolvimento da carreira docente, sempre articulados e condicionados com as mobilizações docentes. Entretanto alguns impasses históricos ainda se colocam, precisamente, a política de reajuste salarial, o acesso ao regime de dedicação exclusiva e a progressão vertical na carreira. Palavras-chave: Política de Educação Superior; Carreira do Magistério Superior; Universidades Estaduais; Universidade do Estado do Pará. Abstract This paper deals with the historical impasses and current challenges regarding the career policy of the University of Pará. It is a documentary analysis of the university's career plans, documents of the University Teachers' Union and data Statistics and salaries. There are advances in the history of the development of the teaching career, always articulated and conditioned by the teacher mobilizations. However, some historical impasses still include, precisely, the policy of salary readjustment, access to the regime of exclusive dedication and vertical progression in the career. Keywords: Higher Education Policy; Career of the Higher Magisterium; State Universities; University of the State of Pará. I. INTRODUÇÃO Este artigo trata da organização da carreira docente na Universidade do Estado do Pará (UEPA), dos processos de luta travados pelos docentes no particular da carreira desde a sua estruturação organizacional, em 1997, até 2016 quando ainda residem alguns impasses históricos os quais se colocam como desafios a serem superados por meio da 1 Licenciado em Educação Física. Doutor em Educação. Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail: [email protected]. 2 Licenciada em Educação Física. Mestranda em Educação. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected].

Upload: lamnhu

Post on 25-Jan-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

IMPASSES E DESAFIOS DA POLÍTICA DE CARREIRA DOCENTE NA UNIVERSIDADE

DO ESTADO DO PARÁ

Emerson Duarte Monte1 Giselle dos Santos Ribeiro2

Resumo O presente texto versa sobre os históricos impasses e atuais desafios em torno da política de carreira docente na Universidade do Estado do Pará. Trata-se de uma análise documental dos planos de carreira da universidade, de documentos do sindicato dos docentes da universidade e de dados estatísticos e salariais. Constatam-se avanços no histórico de desenvolvimento da carreira docente, sempre articulados e condicionados com as mobilizações docentes. Entretanto alguns impasses históricos ainda se colocam, precisamente, a política de reajuste salarial, o acesso ao regime de dedicação exclusiva e a progressão vertical na carreira. Palavras-chave: Política de Educação Superior; Carreira do Magistério Superior; Universidades Estaduais; Universidade do Estado do Pará. Abstract This paper deals with the historical impasses and current challenges regarding the career policy of the University of Pará. It is a documentary analysis of the university's career plans, documents of the University Teachers' Union and data Statistics and salaries. There are advances in the history of the development of the teaching career, always articulated and conditioned by the teacher mobilizations. However, some historical impasses still include, precisely, the policy of salary readjustment, access to the regime of exclusive dedication and vertical progression in the career. Keywords: Higher Education Policy; Career of the Higher Magisterium; State Universities; University of the State of Pará.

I. INTRODUÇÃO

Este artigo trata da organização da carreira docente na Universidade do Estado

do Pará (UEPA), dos processos de luta travados pelos docentes no particular da carreira

desde a sua estruturação organizacional, em 1997, até 2016 quando ainda residem alguns

impasses históricos os quais se colocam como desafios a serem superados por meio da

1 Licenciado em Educação Física. Doutor em Educação. Universidade do Estado do Pará (UEPA).

E-mail: [email protected]. 2 Licenciada em Educação Física. Mestranda em Educação. Universidade Federal do Pará (UFPA).

E-mail: [email protected].

organização sindical e da luta dos docentes desta universidade, que se expressaram nas

greves de 2015 e 2016.

Os estudos acerca da carreira docente que motivaram a publicação do artigo

“Política de Carreira Docente na Universidade do Estado do Pará (UEPA) de 1997 a 2012:

estruturação, processos de luta e perspectivas”, na VII Jornada Internacional de Políticas

Públicas, instigaram a continuidade do debate tendo em vista que as perspectivas

apontadas ao final daquele artigo, de intensificação das lutas, confirmaram-se, porém,

diferentemente dos processos de lutas até o ano de 2012, as greves de 2015 e 2016 não

geraram ganhos significativos à categoria, sobretudo no que tange a atualização do plano

de carreira e rejuste salarial.

Neste sentido, tornou-se imperioso questionar: Que mudanças ocorreram para

que atualmente o governo do estado se tornasse ainda mais intransigente frente à pressão

exercida pela categoria e não atendesse suas demandas, como fizera outrora,

especialmente acerca da atualização do plano de carreira?

A partir dessa pergunta científica este artigo objetiva apresentar, em perspectiva

histórica, de que modo se deu a organização da carreira docente, o desenvolvimentos das

lutas atuais, as principais transformações na carreira docente e os atuais impasses e

desafios da política de carreira docente na UEPA.

O referencial teórico utilizado para localização e análise no plano geral das

contradições sociais, políticas e educacionais consolidou-se autores de elaboram sobre

política educacional e o corpo documental constituiu-se dos planos de carreira, notas

públicas dos processos de luta dos docentes e dados do Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

II. A CONDUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO

BRASIL

A delimitação que se faz nesse artigo acerca do marco regulatório das políticas

públicas para a educação superior no Brasil é, precisamente, a Reforma do Aparelho de

Estado, iniciada em 1995 e consolidada ao longo do século XXI. É sabido que as medidas

de ajustes na superestrutura jurídico-política para implementar o receituário Neoliberal,

como política adequada à América Latina, tiveram início, de acordo com Silva Júnior e

Sguissardi (1999), no Governo Collor de Mello, em 1990, na tentativa de se iniciar a reforma

do “Aparelho do Estado”. Todavia, a necessária “reforma” só decolou em 1995, com o

primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).

O Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) constituiu a materialização, para

a realidade brasileira, do projeto Neoliberal de enfrentamento à crise da década de 1970, ou

de suas possíveis raízes. A concepção de público e de privado desenvolvida pelo PDRE

elimina a contradição subjacente a estes dois âmbitos da sociedade, a oposição entre

Estado e Mercado, quando se visualiza no primeiro o ente garantidor de direitos

fundamentais e universais. Diluindo, ainda que fantasiosamente, a polaridade entre os dois

campos é que se consolida a ideia de um espaço público em que transitam as ações do

público e do privado, com finalidades equivalentes – atender ao público. (BRASIL, 1995)

Com isso, ficou delimitado o novo campo de organização das relações jurídicas

entre o Estado e o Mercado, com grandes possibilidades de crescimento de novos tipos de

mercadorias, a exemplo da Educação Superior, e de relações simbióticas do modus

operandi da administração científica forjada pelo toyotismo na dinâmica do espaço estatal,

contudo, não necessariamente apenas gestado pelo setor público e suas relações jurídicas.

Esse movimento se expressou no crescimento do setor privado da educação

superior ante o setor público. Um primeiro movimento, vigoroso, é identificado no período

1995-2002. Nele, o crescimento das matrículas em cursos de graduação presenciais e a

distância, no setor privado, fechou em 129,8%, um salto de 1.059.163 para 2.434.650

(INEP, 2000; 2003), enquanto que no setor público esse valor ficou na ordem de 55,0%,

ampliando de 700.540 para 1.085.977, numa clara demonstração das prioridades do

governo FHC alinhado às orientações determinadas no Consenso de Washington, nos

documentos do Banco Mundial (BM) e pertencente ao corpo teórico da Reforma do Estado.

As orientações do Banco para a reforma da Educação Superior se expressam na

atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei n. 9.394/1996) e nas

legislações que a sucederam. Sguissardi (2006) faz alusão ao documento “Higher

education: the lessons of experience”, publicado em 1994, como a mais importante

publicação do Banco das duas últimas décadas.

Neste documento, a equipe do BM realiza uma caracterização dos desafios e

das limitações das políticas de reformas educacionais para os países em desenvolvimento,

em seguida, aponta a sua política nos seguintes tópicos: 1. Maior diferenciação das

instituições; 2. Diversificação do financiamento das instituições estatais e adoção de

incentivos para o seu desempenho; 3. Redefinição da função do governo; e 4. Enfoque na

qualidade, na adaptabilidade e na equidade. (BANCO MUNDIAL, 1995)

Portanto, na perspectiva das diretrizes do BM, a política para o ensino superior,

no período FHC, foi de facilitar a expansão do ensino privado, reduzir os investimentos

públicos para as IES Públicas, em específico para as IFES e, com isso, aplicar uma política

de contenção salarial dos docentes, e implementar uma política de avaliação dos resultados.

A educação superior estatal foi vítima de um amplo processo de sucateamento das suas

instalações e das condições de trabalho e completamente aberta (autônoma) para captar

recursos no setor privado.

Essa nova realidade para o trabalho docente é parte do conjunto de reformas

empreendidas no Brasil para modificar a estrutura estatal, conforme destaca Alves (2007) ao

definir o Estado neoliberal:

O Estado neoliberal é a forma de Estado político que se surge com a mundialização do capital. É o elemento político constitutivo da lógica da precarização do trabalho que hoje se impõe à reprodutibilidade capitalista. O neoliberalismo não é apenas uma forma de governo, mas uma forma de Estado político. Por isso é que, entra governo e sai governo, a dinâmica neoliberal continua se impondo. A constituição da precariedade e o processo de precarização do trabalho é reflexo da nova estatalidade política neoliberal que surge com o capitalismo global. (ALVES, 2007, p. 149).

Em fins da década de 1990, após a aprovação da LDB, a construção de um

Plano Nacional de Educação (PNE) passou a ser o centro da intervenção dos movimentos

sociais, sindicatos e partidos que defendiam outra política para a educação superior. Nessa

disputa, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-

SN) em conjunto com diversas organizações e partidos políticos do campo da esquerda

formularam uma proposta, democraticamente construída, da Sociedade Brasileira. Nesta

estava previsto, também, um plano para a Educação Superior que foi sintetizado na

consigna do “Padrão Unitário de Qualidade”, que consistia de:

[...] carreira unificada, isonomia salarial, estabilidade no emprego, estrutura curricular, regime de contratação, concurso público de provas e títulos para ingresso na carreira, critérios transparentes para aprovação de projetos de pesquisas, política de capacitação de técnico-administrativos e docentes. (PNE, 2000, p. 19).

Contudo, o plano aprovado pelo governo, materializado por meio da Lei n.

10.172, de 9 de janeiro de 2001, deixou de fora a estruturação da Carreira Docente para a

Educação Superior (BRASIL, 2001). A resposta do movimento docente, reunido no 42º

Conselho Nacional das Associações de Docentes (CONAD), foi uníssona: denúncia aos

vetos presidenciais ao PNE aprovado e defesa do PNE da Sociedade Brasileira. (ANDES-

SN, 2001, p. 77)

A partir de 2003 com a chegada à direção política do Brasil da Frente Popular

petista, encabeçada por Lula, o que se processou foi a continuidade da política para a

educação superior, com ausência de mudanças estruturais profundas. Arcary (2014)

destaca que se trata de um governo populista com discurso sicofanta. O sustentáculo das

campanhas presidenciais de 2006, 2010 e 2014 estruturou-se em uma falsa realidade,

reproduzida pelo conjunto da base de sustentação política do PT: 1. Redução do

desemprego; 2. Recuperação do salário médio; 3. Aumento da mobilidade social; 4.

Elevação do salário mínimo; e 5. Ampliação dos benefícios do Bolsa Família. (ARCARY,

2014, p. 11)

O posicionamento aqui defendido é o de que, desde 2003, visualiza-se a

manutenção da contrarreforma da educação superior. A concepção de educação superior

defendida pelo Governo Lula era de ampliar o processo de privatização interna das

instituições público, elevar a proporção entre estudantes e professores, impulsionar o

desenvolvimento do setor privado e garantir crédito educativo. Essa constatação ficou

explícita quando da publicização dos primeiros documentos sobre a (contra)Reforma

Universitária oriundos do governo.

Acerca dessa reforma o ANDES-SN expressou posição contrária, conforme

segue:

Essa reforma favorece os empresários da educação em crise em busca de novos campos de exploração, tornando a educação um dos mais lucrativos setores de investimentos para empresários brasileiros e estrangeiros. [...] É nesse sentido que a privatização por dentro das instituições públicas e o estímulo ao empresariamento da educação estão colocados. (ANDES-SN, 2004, p. 22).

Para o sindicato, a Contrarreforma da Educação Superior do governo Lula,

estruturada nos dois primeiros anos do primeiro mandato presidencial, possuía várias

frentes que são articuladas: “o conteúdo político-pedagógico; a estrutura departamental; o

financiamento; a avaliação; a gestão; a autonomia universitária; e a carreira docente”.

(ANDES-SN, 2004, p. 22)

O período 2003-2015 manteve a dinâmica de fortalecimento da educação

superior privada em detrimento das instituições públicas. As matrículas presenciais e a

distância nas instituições privadas saltaram de 2.760.759 para 6.075.152, totalizando uma

ampliação na ordem de 120,0%. Nas instituições públicas essa ampliação ficou em 65,9%,

uma elevação de 1.176.174 para 1.952.145 (INEP, 2003; 2015). Logo, o movimento é

idêntico ao do período anterior, 1995-2002, sob a lógica dos governos de FHC.

Chaves (2015) deixa claro que se trata de uma ação política de continuidade

para a educação superior no Brasil. A expansão e o financiamento percorreram caminhos

próximos ao longo do grande período de implementação e consolidação do neoliberalismo

no Brasil – 1995-2012. Grande prioridade para o fortalecimento do setor privado, com

políticas bem delimitadas no âmbito do financiamento, tais como Programa Universidade

Para Todos (PROUNI) e o Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (FIES), e uma

paulatina redução dos recursos para o setor público proporcionalmente ao número de

instituições, tanto do sistema federal quanto dos distintos sistemas estaduais da educação

superior.

Mancebo, Silva Júnior e Schugurensky (2016) salientam que a natureza das

políticas públicas para a educação superior no Brasil, nos primeiros anos do século XXI, são

amplamente dependentes da lógica global de mundialização do capital e de financeirização

das economias nacionais. Isso tem conduzido dois processos articulados: 1. Precarização

das relações de trabalho e das condições de trabalho para os docentes do magistério

superior; 2. Mercantilização paulatina da produção do conhecimento, com forte avanço nas

relações público-privadas sobre a inovação tecnológica.

Portanto, as políticas para a educação superior no Brasil continuam a seguir os

pressupostos internacionais para a periferia do capitalismo. O conteúdo das reformas,

materializado por meio das políticas do governo, expressam as orientações, por exemplo, do

Banco Mundial para a educação superior no mundo. E nesse caso, o espaço para a lógica

pública e gratuita é limitado, contudo o fortalecimento da estrutura mercantil é largamente

valorizado.

III. POLÍTICA DE EXPANSÃO DA UEPA: movimento docente em luta pela efetivação da

carreira

A UEPA foi criada em 1993 a partir da fusão de Escolas e Faculdades

Superiores existentes em Belém (PA)3. Apenas quatro anos depois de sua criação é que

ficou definida sua Estrutura Organizacional e o Plano Especial de Cargos e Salários (PECS),

com a Lei Estadual n. 6.065, de 01 de agosto de 1997. (UEPA, 2007; PARÁ, 1997)

Ribeiro e Monte (2015) destacam que o PECS definiu a carreira docente em

quatro classes: Auxiliar, Assistente, Adjunto e Titular. Cada uma delas foi estratificada em

3 Cf. Lei Estadual n. 5.747, de 18 de maio de 1993.

quatro níveis, com exceção à classe de Titular4. Dessa forma, a política de carreira docente

desenvolveu a progressão de duas maneiras: entre níveis (horizontal) 5 e entre classes

(vertical)6 como é possível melhor compreender por meio do Quadro 1:

Quadro 1 – Estruturação, vagas e progressão salarial da Carreira Docente na UEPA nos planos de 1997 e 2006

PECS 1997

P

rog

ressã

o e

ntr

e c

lasses:

au

me

nto

de

10

% n

o

ve

ncim

en

to b

ase

PCCS 2006

Classe Nível Qtd.

Vagas Classe Nível Qtd. Vagas

Progressão entre níveis: aumento de

5%

no venciment

o base

Progressão entre níveis: aumento

de

5%

no vencimento

base

Auxiliar I, II, III, IV

550

Auxiliar I, II, III, IV 225

Assistente I, II, III, IV Assistente I, II, III, IV 490

Adjunto I, II, III, IV Adjunto I, II, III, IV 200

Titular Titular 35

Total 550 Total 950

Fonte: Ribeiro e Monte (2015, p. 6).

O PECS além de prever a forma de progressão na carreira, entre níveis e

classes, estabeleceu um quantitativo de vagas para o quadro docente efetivo. No momento

de sua criação o total de 550 vagas era livre entre as classes, o que significa dizer que

poderiam existir 550 auxiliares ou adjuntos, 200 assistentes e 350 adjuntos, ou ainda

diversas possibilidades com o número de 550. A reestruturação do plano que aconteceu em

2006, por meio da Lei Estadual n. 6.839, de 15 de março de 2006, estabeleceu limites de

vagas entre as classes, impedindo, por exemplo, que uma determinada classe que

preenchesse seu quantitativo de vagas recebesse novos docentes titulados, aptos para a

progressão vertical.

Acerca disso, Ribeiro e Monte (2015, p. 8) afirmaram que:

Naquele momento essa condição não se colocava como um impedimento para a progressão vertical dos docentes, tendo em vista que em 2006 a Universidade contava com apenas 315 docentes titulados entre mestres e doutores, e as vagas para estes titulados no âmbito das classes em que cabiam (assistente e adjunto), somavam 690.

4 À classe de Titular não foi atribuída níveis, pois é o último nível da carreira e para ascender a tal

classe é necessário se submeter a Concurso Público de Provas e Títulos. 5 Realizada a cada 2 anos entre os níveis de uma classe, com o acréscimo de 5% no vencimento

básico. 6 Ascensão de classe por meio do critério de titulação, independente do intervalo de tempo. O

acréscimo na mudança de uma classe para a outra superior é estabelecido em 10% sobre o vencimento básico.

Entretanto, a realização de três concursos públicos (2007, 2010 e 2012),

conquistados por meio de greves, colocou um quadro problemático na perspectiva da

carreira. Na medida em que as vagas ofertadas foram prioritariamente para mestres e

doutores, o que alocou os novos docentes efetivos nas classes de assistente e adjunto, as

vagas para tais classes foram se tornando escassas para aqueles que estavam na carreira

desde a classe de auxiliar construindo, paulatinamente, sua ascensão. Tal problemática se

deu, centralmente, da classe de assistente para adjunto, pois para esta segunda classe o

quadro de vagas estava delimitado em 2007.

A ampliação no quadro geral de vagas para docentes da UEPA, por meio da

reestruturação da PECS que se tornou em 2006, Plano de Carreira, Cargos e Salários

(PCCS), não ocorreu como uma concessão do governo. Foi conquistada por meio da

organização e luta dos docentes frente às precárias condições que a universidade vivia

diante de seu processo de expansão não planejada.

O processo de expansão vivenciado na UEPA trouxe impactos significativos

para a categoria docente, com impactos na qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão

nessa instituição. Dados da expansão de 1997 a 2015 são apresentados na Tabela 1, com

os números dos cursos e matrículas, na graduação presencial, e de funções docentes em

exercício e afastados.

Tabela 1 – Expansão de cursos, das matrículas e das funções docentes em exercício e afastados na graduação presencial – UEPA – 1997, 2006 e 2015

Ano Cursos Matrículas

[A] Funções

Docentes [B] A/B

1997 17 3.852 752 5,1

2006 73 10.345 761 13,6

2015 104 12.604 1.316 9,6

∆ (%) 97-06 329,4 168,5 1,2 -

∆ (%) 06-15 42,4 21,8 72,9 -

∆ (%) 97-15 511,7 227,2 75,0 -

Fontes: INEP (1997; 2006; 2015).

Ao longo do desenvolvimento do PECS (1997-2006) o número de docentes ficou

estagnado, ao passo que os cursos e as matrículas cresceram significativamente. O

segundo período, que marca a implementação do PCCS (2006-2015), expressa um

crescimento menor nos cursos e matrículas e uma ampliação significativa no número de

7 Em fevereiro de 2017 a lista de espera para realizar a progressão vertical de assistente para adjunto

já somava 104 professores.

docentes. Contudo, isso ocorre à custa de um conjunto de problemas no âmbito da carreira

docente.

Destaca-se que dentro desse quantitativo de funções docentes, há um quanto

significativo de substitutos. Como o atual PCCS limita o quantitativo de docentes efetivos em

950, a média de substitutos, com vínculos precários de diversas formas8, fica na ordem de

328 professores. Os dados expressos na Tabela 2 apresentam esses números.

O movimento do quadro docente da UEPA indica situações de extrema

precariedade. Nos anos de 2010 e 2011 o percentual de substitutos se eleva acima de 30%

do total de docentes. Esses dados indicam a necessidade de se ampliar o quadro docente

em, pelo menos, o dobro do número de substitutos, tendo em vista que os professores que

se encontram com esse vínculo trabalhista não realizam pesquisa ou extensão, são lotados

exclusivamente para suprir as necessidades do ensino de graduação.

Tabela 2 - Total de docentes efetivos e substitutos – UEPA – 2009-2015

Ano Efetivos Substitutos Total Proporção Substitutos

2009 693 226 919 24,6%

2010 647 391 1.038 37,7%

2011 766 356 1.122 31,7%

2012 831 293 1.124 26,1%

2013 986 322 1.308 24,6%

2014 920 330 1.250 26,4%

2015 921 322 1.243 25,9%

Fontes: INEP-Microdados (2009-2015).

Em 2011, por meio da Resolução do CONSUN/UEPA n. 2.339, de 24 de agosto

de 2011, foram modificados os critérios para distribuição da carga horária docente no

processo de lotação. O principal objetivo da resolução foi o de ampliar a carga horária em

sala de aula. Dentro de organização da carga horária de ensino, antes da resolução, era

possível distribuir a hora de planejamento no interior da carga horária total de ensino, que

era de 24 horas para os docentes em jornada de trabalho de 40 horas. Após a resolução, a

carga horária de planejamento ficou fora das 24 horas totais, de modo que os docentes

passaram a ter preencher 24 horas de sala de aula, principalmente os substitutos.

Por fim, o problema objetivo da remuneração continua presente no PCCS da

UEPA. Apesar das conquistas ao longo dos anos de sua implementação, três problemas

precisam ser destacados: 1. Reajuste salarial; 2. Regime de trabalho em Dedicação

Exclusiva; 3. Progressão Funcional.

8 Destaca-se a pesquisa realizada por Tavares (2011) sobre a contratação temporária de docentes na

UEPA.

No que diz respeito a política de reajuste salarial, logo após a aprovação do

PCCS, em 2006, os docentes vivenciaram longo período de ausência de reajuste. Apenas

em 2012, em virtude de forte movimento grevista, é que foi reajustada a remuneração dos

docentes. Como produto da greve o movimento docente conseguiu garantir rejustes salariais

anuais, vinculado percentualmente ao Piso Nacional do Magistério Público.

Essa política de reajuste anual ocorreu entre os anos de 2012 a 2015,

garantindo a recuperação salarial que fora perdida entre 2006 e 2012. Contudo, em 2016

não houve reajuste, apesar de o Estado do Pará arrecadar mais do que gasta, ou seja, suas

finanças são superavitárias e, em 2017, no processo de negociação, o governo do PSDB,

por meio da Secretaria de Administração, já anunciou que não haverá qualquer aumento

para o funcionalismo estadual.

Na Tabela 3 é possível visualizar a política salarial para os docentes da UEPA,

considerando o Regime de Trabalho de 40 horas.

Tabela 3 – Remuneração Docente em Regime de 40h, conforme as classes – UEPA – 1997, 2006 e 20159

Nível/Referência 1997 2006 2015 Variação (%)

97-06 06-15 97-15

Auxilia I 2.956 4.005 4.287

35,5 7,0 45,5 Assistente I 4.404 5.967 6.637

Adjunto I 6.903 9.352 10.011

Titular 8.790 11.909 12.748

Fontes: Pará (1997; 2006).

Destaca-se na análise da Tabela 3 a valorização que ocorreu ao longo do

período 1997-2015, na ordem de 45,5% acima da inflação, ou seja, um crescimento real.

Contudo, considerando o atual PCCS fica explícita a estagnação salarial. Com a inflação do

ano de 2017 os docentes vão iniciar 2018 com o salário equivalente ao ano de 2006, um

atraso histórico de 12 anos, produto da política de arrojo salarial do PSDB no estado do

Pará.

A política de fixação docente por meio do Regime de Trabalho de Tempo

Integração e Dedicação Exclusiva (TIDE) é desastrosa na UEPA. Apesar de ser um regime

de trabalho previsto do PCCS, não se configura como uma opção do docente, trata-se de

conquista meritocrática. Para conseguir adentrar a esse regime de trabalho os docentes se

submetem a edital específico para tal, e disputam, entre si, por uma vaga disponibilizada

entre as oferecidas por meio do edital.

9 Valores corrigidos para janeiro de 2017 pela inflação medida pelo IPCA.

Os dados expressos por meio da Tabela 4 explicitam a elevação de 1,8% de

docentes em Regime de Trabalho TIDE, em 2009, para 10,7%, em 2015. Dessa forma,

configura-se como uma política insuficiente para garantir a fixação do quadro docente na

instituição, com impactos diretos para o desenvolvimento da pós-graduação stricto sensu,

grupos de pesquisa e pesquisas nas diversas áreas do conhecimento.

Tabela 4 – Total de docentes por Regime de Trabalho – UEPA – 2009-2015

Regime de Trabalho 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009

TIDE 133 114 145 94 38 55 17

40H 824 846 949 897 963 908 800

20H 152 68 68 68 60 41 96

Horista 134 222 146 65 61 34 6

Total 1.243 1.250 1.308 1.124 1.122 1.038 919

Proporção de TIDE 10,7% 9,1% 11,1% 8,4% 3,4% 5,3% 1,8%

Fontes: INEP-Microdados (2009-2015).

Por fim, a cena catastrófica no interior da UEPA acerca do PCCS se localiza no

processo de progressão na carreira. Desde 2014, os docentes com título de doutor não

progridem mais para a classe de adjunto, e os docentes com título de mestre deixaram de

progredir para a classe de assistente em 2016. O movimento docente, por meio do Sindicato

dos Docentes da UEPA (SINDUEPA), tem lutado pela ampliação das vagas no atual PCCS

com o objetivo de garantir a progressão vertical na carreira, enquanto não se aprova um

novo plano de carreira.

CONCLUSÃO

Diante da atual política para a carreira docente na UEPA fica o grande desafio

em se garantir a aprovação de um novo Plano de Carreira. Contudo, não é suficiente se não

existir, por parte do Estado, uma política clara de financiamento da UEPA, que inexiste até

então. Os recursos para o seu financiamento são definidos sem planejamento e a liberação

segue critérios políticos, logo a autonomia universitária preconizada pela Constituição de

1988 é negligenciada.

O movimento docente, de outro modo, tem realizado um conjunto de ações em

direção a denuncia do processo de privatização interna da instituição e da precarização das

relações de trabalho, como produto da política nacional para a educação superior, como

abordado aqui.

A garantia de um projeto de Universidade pública e gratuita, democrática e

socialmente referenciada necessita de uma política ampla de fortalecimento das suas

estruturas internas, o que implica na efetiva implementação de um Plano de Carreira, e em

uma política robusta de financiamento.

Fora desses marcos, o que se visualiza é o aprofundamento da precarização e

intensificação das condições de trabalho, o paulatino sucateamente da estrutura da

universidade pública, o abandono desse espaço pelo quadro docente e, no horizonte

imediato, a possibilidade da completa privatização e terceirização, inclusive na oferta de

docentes.

REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Práxis; Bauru: Canal 6, 2007. ARCARY, Valério. Um reformismo quase sem reformas: uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira. 2. ed. São Paulo: José Luis e Rosa Sundermann, 2014. BANCO MUNDIAL. La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiencia. Washington, DC: BM, 1995. Disponível em: <http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2005/06/14/000090341_20050614161209/Rendered/PDF/133500PAPER0Sp1rior0Box2150A1995001.pdf >. Acesso em: 8 nov. 2014. BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Imprensa Nacional, nov. 1995. Plano aprovado pela Câmara da Reforma do Estado da Presidência da República em setembro de 1995. BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2001/lei-10172-9-janeiro-2001-359024-norma-pl.html>. Acesso em: 13 jan. 2015. CHAVES, Vera Lúcia Jacob. Política de financiamento e a expansão da educação superior no Brasil: o público e o privado em questão. Educação temática digital, Campinas, v. 17, p. 427-441, maio/ago. 2015. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse estatística do ensino superior: graduação 1997, 2000, 2003, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015. Brasília: INEP. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior>. Acesso em: 20 jan. 2017. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Microdados da educação superior: graduação 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015. Brasília: INEP. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/microdados>. Acesso em: 20 jan. 2017.

MANCEBO, Deise; SILVA JÚNIOR, João dos Reis; SCHUGURENSKY, Daniel. A educação superior no Brasil diante da mundialização do capital. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 32, n. 4, p. 205-225, out./dez. 2016. PARÁ. Lei n. 5.747, de 18 de maio de 1993. Cria a Universidade do Estado do Pará. Diário Oficial do Estado do Pará, 19 maio 1993. PARÁ. Lei n. 6.065, de 10 de agosto de 1997. Diário Oficial do Estado do Pará. n. 28.519. Ano CVI -107ª da Republica. Caderno 2. p. 01-07. Belém: IOEPA, 1997. Disponível em: <http://www.ioe.pa.gov.br:8080/diarios/1997/08/04.08.caderno.01.pdf.>. Acesso: 10 ago. 2014. PARÁ. Lei n. 6.839, de 15 de março de 2006. Diário Oficial do Estado do Pará. n. 30.643. Ano CXIV -116ª da Republica. Caderno 1. p. 03-09. Belém: IOEPA, 2006. Disponível em: <http://www.ioe.pa.gov.br:8080/diarios/2006/03/17.03.caderno.01.pdf>. Acesso: 10 ago. 2014. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Proposta da sociedade brasileira. II Congresso Nacional de Educação. Belo Horizonte, 9 nov. 1997. Disponível em: <http://www.adusp.org.br/files/PNE/pnebra.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2015. RIBEIRO, Giselle dos Santos; MONTE, Emerson Duarte. Política de carreira docente na Universidade do Estado do Pará (UEPA) de 1997 a 2012: estruturação, processos de luta e perspectivas. In: Jornada Internacional de Políticas Públicas. 7. São Luís, 2015. Anais... JOINPP: UFMA, 2015. SILVA JÚNIOR, João dos Reis; ANELLI JÚNIOR, Luiz Carlos; MANCEBO, Deise. O lulismo e a mudança da natureza do trabalho docente. Revista Eletrônica de Educação, São Carlos, v. 8, n. 1, p.106-118, 2014. SILVA JÚNIOR, João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. Novas faces da Educação Superior no Brasil: reforma do estado e mudança na produção. Bragança Paulista: EDUSF, 1999. SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. Relatório final do 42º CONAD. Uberlândia, 28 jun/1 jul. 2001. Disponível em: <http://www.andes.org.br/andes/portal-relatorio-conad-congresso.andes>. Acesso em: 20 set. 2012. SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. Relatório final do 48º CONAD. Aracajú, 17-20 jun. 2004a. Disponível em: <http://www.andes.org.br/andes/portal-relatorio-conad-congresso.andes>. Acesso em: 20 set. 2012. SGUISSARDI, Valdemar. Reforma universitária no Brasil – 1995-2006: precária trajetória e incerto futuro. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96, p. 1021-1056, out. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v27n96/a18v2796.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2013. TAVARES, André Luis dos Santos. A precarização do trabalho docente na educação superior: um estudo sobre a contratação temporária de docentes na Universidade do

Estado do Pará. 2011. 268 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Ciências da Educação. Universidade Federal do Pará. Belém (PA), 2011. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ. Plano de Desenvolvimento Institucional 2005-2014. Belém, PA: UEPA, 2007. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ. CONSELHO SUPERIOR UNIVERSITÁRIO. Resolução n. 2.339, de 24 de agosto de 2011. Aprova os Critérios Adotados no Processo de Distribuição da Jornada de Trabalho dos Docentes da Universidade do Estado do Pará. Belém, PA: UEPA, 2011.