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Impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Estado do Paraná: uma abordagem preliminar 1 Pery Francisco Assis Shikida Sebastião Neto Ribeiro Guedes Eliana Tadeu Terci Maria Thereza Miguel Peres Alice de Paula Peres Rafaela Brustolin Resumo: Este trabalho faz parte de uma proposta maior articulada numa parceria multi- institucional (envolvendo um grupo de pesquisadores) e tem como objetivo identificar, diagnosticar e analisar as modificações recentes nas relações econômicas entre usinas e fornecedores de cana dos estados de São Paulo e Paraná no contexto das modificações organizacionais, tecnológicas e do ambiente institucional da agroindústria canavieira brasileira, via aplicação de questionários e entrevista. Neste texto, analisam-se os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana-de- açúcar do Paraná. Como corolário, pode-se inferir - no geral - que esse fornecedor comumente possui extensões de terras numa faixa média de 235,9 hectares, seu domicílio no campo pode ser considerado bom, e são poucos aqueles que não tem outras fontes de renda fora da ocupação de fornecedor de cana. A produtividade obtida está no patamar acima da média paranaense, mormente em função da atenção dada para questões de melhoria tecnológica. O plantio é feito mediante uso de mão-de-obra assalariada (safristas e diaristas) e/ou familiar, contratada pela usina ou fornecedor. Dois tipos de contratos norteiam a colheita da cana: “cana em pé” (a cargo da usina) e a “cana na esteira” (a cargo do fornecedor). Houve manifestação quanto à queda dos preços da cana e piora na sistemática de pagamento (por ATR). Para sobreviver no ambiente institucional e de mercado pós-desregulamentação, coube ao fornecedor a congregação na CANAPAR, como forma de defesa dos direitos e interesses da categoria, pari passu ao desenvolvimento técnico e econômico da lavoura canavieira. Palavras-chaves: agroindústria canavieira, fornecedor, desregulamentação, Paraná 1. Introdução A agroindústria canavieira brasileira é uma das atividades mais antigas do País, estando ligada a muitos eventos históricos da economia nacional, a ponto de tornar-se importante fonte de renda e de ter dado origem ao ciclo do açúcar. Na safra 2002/2003 foram produzidas cerca de 317.229.333 toneladas de cana-de-açúcar, 22.425.014 toneladas de açúcar e 12.451.750 m 3 de álcool, o suficiente para caracterizar o País como o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, açúcar e álcool e o maior exportador mundial de açúcar (em 2002 foram exportadas 13.354.331 toneladas de açúcar, que significaram divisas da ordem de US$ 2.093.643.745 - cumpre salientar que o custo de produção da cana-de-açúcar brasileira está no patamar de US$ 130/tonelada contra US$ 334/tonelada dos principais exportadores). Segundo estimativas, a agroindústria canavieira movimenta anualmente cerca de US$ 12 bilhões, sendo US$ 2,8 bilhões em impostos (ALCOPAR, 2004c e 2004d; WAACK & NEVES, 1998). Atualmente vem ocorrendo um processo de desregulamentação da agroindústria canavieira nacional, desencadeado inicialmente no início dos anos 90. “O papel do Estado mudou, ele agora é mais de coordenador do que interventor” (VIAN, 2003, p.11). Diante disso, as mudanças institucionais que ocorreram no setor têm influenciado as decisões dos 1 Os autores são gratos às pessoas do Sr. Paulo José Buso Júnior, Carlos A. da Silva, Vagner Roni Archangelo, Ademar Moises T. Vilas Boas, Clóvis Domingos, Elisangela Cristina Pereira e Poliana Viana de Oliveira, todos da CANAPAR, pela disponibilidade e presteza com que auxiliaram todo o processo de pesquisa de campo.

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Page 1: Impactos das transformações institucionais e do progresso ... · impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Estado do

Impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Estado do Paraná: uma abordagem preliminar1

Pery Francisco Assis Shikida

Sebastião Neto Ribeiro Guedes Eliana Tadeu Terci

Maria Thereza Miguel Peres Alice de Paula Peres

Rafaela Brustolin

Resumo: Este trabalho faz parte de uma proposta maior articulada numa parceria multi-institucional (envolvendo um grupo de pesquisadores) e tem como objetivo identificar, diagnosticar e analisar as modificações recentes nas relações econômicas entre usinas e fornecedores de cana dos estados de São Paulo e Paraná no contexto das modificações organizacionais, tecnológicas e do ambiente institucional da agroindústria canavieira brasileira, via aplicação de questionários e entrevista. Neste texto, analisam-se os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana-de-açúcar do Paraná. Como corolário, pode-se inferir - no geral - que esse fornecedor comumente possui extensões de terras numa faixa média de 235,9 hectares, seu domicílio no campo pode ser considerado bom, e são poucos aqueles que não tem outras fontes de renda fora da ocupação de fornecedor de cana. A produtividade obtida está no patamar acima da média paranaense, mormente em função da atenção dada para questões de melhoria tecnológica. O plantio é feito mediante uso de mão-de-obra assalariada (safristas e diaristas) e/ou familiar, contratada pela usina ou fornecedor. Dois tipos de contratos norteiam a colheita da cana: “cana em pé” (a cargo da usina) e a “cana na esteira” (a cargo do fornecedor). Houve manifestação quanto à queda dos preços da cana e piora na sistemática de pagamento (por ATR). Para sobreviver no ambiente institucional e de mercado pós-desregulamentação, coube ao fornecedor a congregação na CANAPAR, como forma de defesa dos direitos e interesses da categoria, pari passu ao desenvolvimento técnico e econômico da lavoura canavieira. Palavras-chaves: agroindústria canavieira, fornecedor, desregulamentação, Paraná

1. Introdução

A agroindústria canavieira brasileira é uma das atividades mais antigas do País, estando ligada a muitos eventos históricos da economia nacional, a ponto de tornar-se importante fonte de renda e de ter dado origem ao ciclo do açúcar. Na safra 2002/2003 foram produzidas cerca de 317.229.333 toneladas de cana-de-açúcar, 22.425.014 toneladas de açúcar e 12.451.750 m3 de álcool, o suficiente para caracterizar o País como o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, açúcar e álcool e o maior exportador mundial de açúcar (em 2002 foram exportadas 13.354.331 toneladas de açúcar, que significaram divisas da ordem de US$ 2.093.643.745 - cumpre salientar que o custo de produção da cana-de-açúcar brasileira está no patamar de US$ 130/tonelada contra US$ 334/tonelada dos principais exportadores). Segundo estimativas, a agroindústria canavieira movimenta anualmente cerca de US$ 12 bilhões, sendo US$ 2,8 bilhões em impostos (ALCOPAR, 2004c e 2004d; WAACK & NEVES, 1998). Atualmente vem ocorrendo um processo de desregulamentação da agroindústria canavieira nacional, desencadeado inicialmente no início dos anos 90. “O papel do Estado mudou, ele agora é mais de coordenador do que interventor” (VIAN, 2003, p.11). Diante disso, as mudanças institucionais que ocorreram no setor têm influenciado as decisões dos

1 Os autores são gratos às pessoas do Sr. Paulo José Buso Júnior, Carlos A. da Silva, Vagner Roni Archangelo, Ademar Moises T. Vilas Boas, Clóvis Domingos, Elisangela Cristina Pereira e Poliana Viana de Oliveira, todos da CANAPAR, pela disponibilidade e presteza com que auxiliaram todo o processo de pesquisa de campo.

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agentes econômicos, seja ele usineiro, fornecedor, indústria automobilística, exportador, etc. A modernização agrícola e industrial tornou-se condição sine qua non para sobrevivência nesse mercado, em que a adoção de diferentes estratégias competitivas deixa evidente a diversidade de interesses (VIAN, 2003). Por exemplo, novas articulações de capitais no complexo canavieiro estão ocorrendo, como as fusões, aquisições e formação de alianças estratégicas entre empresas e grupos econômicos (ALVES, 2002a). Diante desse cenário competitivo, muitas unidades produtivas, mal acostumadas com o paradigma subvencionista que reinou na agroindústria canavieira até o início dos anos 90, sucumbiram. Destarte, predomina na agroindústria canavieira a lógica de acumulação intensiva, seja com progresso técnico, redução do emprego, e/ou aumento da produção diferenciada (açúcar líquido, invertido, orgânico, etc.). E, por trás dessa lógica, existe um contingente expressivo de fornecedores de cana que estão deixando de produzir.

Em relação aos fornecedores de cana do Paraná (o ranking brasileiro estabelece a liderança ao Estado de São Paulo, em área, produção e derivados de cana-de-açúcar. O Paraná é o 3º colocado, sendo Alagoas o ocupante da 2a posição. A vantagem comparativa do Paraná, cabendo-lhe a liderança nacional, reside na sua produtividade média - ZAMPIERI, 2000) esse panorama setorial não é diferente da realidade nacional. Como resultado das mudanças que vêm acontecendo nessa agroindústria, pode-se observar, no seio desta categoria, duas tendências: a redução do número de fornecedores e o crescimento de práticas de novas parcerias, arrendamento ou compra de terras pertencentes aos fornecedores pelas usinas. Este aspecto é de suma relevância: parece óbvio supor que o progresso técnico tem eliminado progressivamente a categoria dos proprietários fornecedores, no entanto esta categoria pode estar ressurgindo numa outra condição, não mais como proprietário, mas numa das outras formas subordinadas às usinas.

Isto posto, este trabalho tem como escopo analisar, em caráter exploratório, os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Estado do Paraná, mediante busca de dados primários, via aplicação de questionários junto aos fornecedores de cana e entrevista com a diretoria da Associação dos Plantadores de Cana do Paraná (CANAPAR). Com este propósito, busca-se recuperar o fornecedor de cana do Paraná como objeto de estudo, uma vez que esse grupo social está praticamente circunscrito ao fornecimento de cana em somente duas usinas, qual seja, Jacarezinho e Dacalda. Não se verificam mais fornecedores nas outras unidades paranaenses, quer dizer, a cana-de-açúcar ou é oriunda de cana própria, acionistas ou associados.

Este estudo contém cinco partes, incluindo esta introdução. É feita na segunda parte uma concisa revisão de literatura, no qual destacam-se aspectos da evolução da agroindústria canavieira no Brasil e Paraná. Na terceira e quarta parte expõem-se, respectivamente, o material e métodos que balizam este estudo e os resultados e discussões derivados da aplicação de questionários e entrevista. Por último, expõem-se as considerações finais.

2. Revisão de literatura 2.1 Notas sobre a evolução da agroindústria canavieira no Brasil e Paraná

Em caráter sintético, pode-se dizer que a cana-de-açúcar foi trazida para o Brasil ainda no período colonial, tendo se expandido em faixas litorâneas, ocupando terras das capitanias de Pernambuco (durante o ciclo do açúcar – 1530 a 1650 – Pernambuco viria a tornar o maior produtor do mundo), Bahia de Todos os Santos, São Tomé (Rio de Janeiro) e São Vicente (São Paulo). Com o passar dos séculos o Centro-Sul foi a região que melhor se consolidou em termos de economia canavieira, pelo fato da mesma apresentar maiores vantagens locacionais (tais como proximidade dos grandes centros consumidores nacionais, condições edafo-climáticas favoráveis e elevada concentração técnica-econômica em torno dessa atividade) (SZMRECSÁNYI, 1979; RICCI et al., 1994).

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O Paraná colonial apresentava uma economia baseada fundamentalmente no setor de subsistência, e nenhuma influência no setor açucareiro, espaço que após longo tempo veio a conquistar. O Paraná teve a mineração, o tropeirismo, a exploração da erva-mate, da madeira e, mais recentemente, o café como produtos/atividades principais durante décadas. Com efeito, a falta de capital e terras necessárias, dentre outros fatores, contribuiu para a não tradição do estado na produção de cana-de-açúcar (SHIKIDA, 2001).

Não obstante esta falta de tradição do Paraná na cultura canavieira nacional, e de acordo com dados do ANUÁRIO AÇUCAREIRO (1935 e 1940), este estado possuía até 1935 316 engenhos, o que representava cerca de 1,3% do total de engenhos do País para o processamento do açúcar e derivados como álcool, aguardente e rapadura, localizados em sua maioria no norte paranaense.

Um relativo avanço da cana-de-açúcar no Paraná ocorreu após a crise de 1965-67, que afetou seriamente o setor cafeicultor. Porém, o Governo Federal, que era o maior agente financiador na construção de usinas, não dispensou devida atenção às necessidades deste estado, por considerar que a falta de experiência neste ramo traria muitos riscos (SHIKIDA, 2001). Ademais, segundo BELIK (1992), outros estados (principalmente São Paulo) orquestraram bem seus interesses de modo a concentrar em sua esfera produtiva (da cana-de-açúcar) não só grande aporte tecnológico como de recursos.

O recrudescimento da cultura canavieira no Paraná ocorreu, de fato, a partir da criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975, que consistia em substituir a gasolina pelo álcool combustível, procurando, dentre outros escopos, reequilibrar as contas externas do Brasil - oneradas devido ao preço do petróleo ter quadruplicado (nessa época, o País dependia em 80% do petróleo advindo do exterior). Este Programa impulsionou o crescimento das unidades produtivas, com grande apoio governamental.2 Enquanto isso, o Paraná dava importantes passos para conquistar seu espaço neste setor: se em 1937 detinha 0,1% da quantidade produzida de cana do Brasil, em 1977 este número já representava 2,5% (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL, 1930/40 e 1980).

(...) a agroindústria canavieira do Paraná entrou com maior força no Proálcool somente a partir do início dos anos 80, época em que o apoio governamental ao Programa era inconteste. (...) houve um aumento considerável da área colhida com cana-de-açúcar neste estado (passou de 57.990 ha em 1980, para 140.772 ha em 1986, ultrapassando a monta dos 300.000 ha a partir de meados dos anos 90), enquanto a participação percentual da área colhida e da quantidade produzida em termos nacionais, passou de 2,2% e 3,0%, respectivamente, em 1980, para 7,6% e 7,3%, respectivamente, em 1999/2000 (...). A evolução do número de unidades produtoras de cana moída no Estado do Paraná evidencia um quadro de forte crescimento inicial (1978/79 à 1985/86, taxa de crescimento de 525%), crescimento moderado (1986/87 à 1990/91, taxa de crescimento de 11,5%), oscilações (1991/92 à 1993/94) e de relativa estabilidade do número de estabelecimentos (1994/95 à 1999/00). (...) Ao longo de período em análise, a taxa geométrica de crescimento anual foi de 6,3% a.a. (SHIKIDA, 2001, p.33-34)

Com efeito, o Proálcool alavancou o desenvolvimento de novas regiões produtoras

como o Paraná, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em menos de cinco anos a produção de pouco mais de 300 milhões de litros atingiu a monta de 12 bilhões de litros, caracterizando este Programa de energia renovável como um dos maiores já estabelecidos em termos mundiais, economizando aproximadamente US$ 30 bilhões em divisas (CARVALHEIRO, 2003). 2 Faz-se necessário ressaltar que o PROÁLCOOL teve quatro fases características: expansão “moderada” (1975 a 1979); expansão “acelerada” (1980 a 1985); “desaceleração e crise” (1986 a 1995); e “crise e rearranjo” (de 1996 aos dias atuais). Ainda no final da década de 90, o Governo Federal, a agroindústria canavieira e parcela da indústria automobilística demonstraram maiores preocupações no sentido de retomar o PROÁLCOOL, contando também com o apoio incisivo de ecologistas, preocupados com a poluição ao meio ambiente ocasionado pela combustão da gasolina (SHIKIDA, 2000).

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Entretanto, com a crise do Proálcool explicitou-se a inabilidade do Estado em regulamentar o setor, principalmente nos anos 90, com o processo de afastamento do Governo Federal de diversos setores produtivos da economia, parte de um processo mais amplo, ou seja, a política neoliberal de desresponsabilização do Estado e minimização do mesmo (MORAES, 2002). Nesse contexto, a agroindústria canavieira vivenciou inúmeras transformações: no início da década de 90 os preços do açúcar, no mercado interno, passaram a não mais serem tabelados; as exportações açucareiras foram liberadas a partir da safra 1997/98; o álcool anidro passou, em 1997, a não mais ser tabelado; em 1998 a cana-de-açúcar teve seus preços liberados pelo Governo Federal; e ainda houve a liberação dos preços do álcool hidratado em 1999 (ALVES, 2002b). As referidas transformações geraram uma grande preocupação para os estados produtores que estavam despreparados para essa nova conjuntura; sobretudo porque as regiões com menor progresso técnico e condições para a produção de cana não conseguiam se manter sem as ações do Estado (SHIKIDA, 1998).

Para MORAES (2002), o afastamento do Estado da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, após mais de meio século de intervenção, fez emergir uma destacada questão: quais as novas formas de atuação do governo e dos agentes privados neste setor produtivo? Embora o Estado ainda tenha importantes papéis a desempenhar, estes devem estar alinhados com o novo ambiente institucional estabelecido. Outrossim, a necessidade de reorganização da cadeia produtiva, o planejamento adequado da oferta da matéria-prima e o funcionamento do mercado de álcool em ambiente de livre mercado surgem como desafios a serem enfrentados, mormente, pelo setor privado. A liberação dos mercados de combustíveis e o desequilíbrio entre oferta e demanda por este produto também são barreiras a serem enfrentadas. A desregulamentação que afetou a agroindústria canavieira brasileira estabeleceu um novo paradigma, conduzindo à remodelação da atuação do Estado, o que, por sua vez, traz novos desafios ao setor privado e induz novas formas de gestão mais competitivas.

Conforme expõe ALVES (2002a), com a saída do Estado e a abertura econômica no Brasil houve mudanças significativas no interior da agroindústria canavieira, a saber: internamente, as empresas passaram a competir mais acirradamente entre si do que ocorria antes (no regime intervencionista); uma nova articulação de capitais no complexo canavieiro está ocorrendo, haja vista as fusões, aquisições e formação de alianças estratégicas entre empresas e grupos econômicos atuantes no complexo - tais alianças visam garantir o fornecimento de novos produtos para as indústrias (açúcar líquido, açúcar invertido, ácido cítrico, etc.) e as fusões/aquisições visam garantir bases mais sólidas para o processo produtivo das usinas/destilarias. Outra mudança estratégica ocorre em termos da política unificada em torno de arranjos organizacionais/institucionais como o da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA), que passa a ter no Estado de São Paulo um papel chave na condução política do complexo.

A UNICA foi criada em 1997 com o intuito de unificar o trabalho institucional numa só entidade, visando fortalecer a interlocução deste setor com o governo e a sociedade. As categorias de unidades industriais associadas a UNICA fabricam açúcar e álcool ou então se dedicam apenas à produção de um dos produtos citados. Seus associados somam mais de 100 unidades de produção, sendo responsáveis por mais de 60% da produção brasileira (UNICA: representante paulista do setor sucroalcooleiro, 2004).

Para ALVES (2002a, p.331), “a saída do Estado da regulamentação do setor e a abertura comercial brasileira são os elementos essenciais para a adoção de diferentes estratégias de concorrência pelas empresas do setor. A saída do Estado tornou as relações no interior do complexo totalmente privadas”. Por exemplo, ao ser suprimida a fixação dos preços da cana, preços internos ou de exportação do açúcar e do álcool, as relações entre fornecedores de cana e usineiro tornaram-se dependentes do poder de barganha de cada um desses agentes. Pelo fato da agroindústria canavieira ser caracterizada pelo grande número de

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fornecedores e pequeno número de usinas (enquadrando-se como um mercado de características oligopolistas), o maior poder de barganha vai evidentemente para as usinas e destilarias. Acresce a isto o fato de que após a extinção da fixação de preço da cana, este passou a ser resultado do valor associado ao equivalente recebido pelos produtos finais (açúcar e álcool), por meio de uma fórmula que tem como base o coeficiente “Açúcares Totais Recuperáveis” (ATR). Isto é, o valor da cana entregue às usinas passou a depender da qualidade da matéria prima medida em teor de sacarose.

(...) Essa nova forma de pagamento apresenta a seguinte lógica de cálculo: como as usinas produzem açúcar e álcool com base na sacarose contida na cana, quanto maior o teor de sacarose maior o valor da cana, mas este depende ainda do preço final dos produtos produzidos a partir da sacarose, açúcar e álcool. Porém (...), as usinas estão aumentando o leque de produtos produzidos, diversificando e diferenciando sua produção. Alguns dos novos produtos nada têm a ver com o açúcar contido na cana, como o bagaço, que tem tendência enorme de crescer de importância no complexo, através da co-geração de energia, da ração animal e da celulose, por exemplo. Nesta medida, como os fornecedores de cana vendem cana, mas recebem pelo açúcar contido na cana, a matéria verde, biomassa, é dada de graça às usinas, porque estas não compraram a biomassa, compraram e pagaram pela quantidade de sacarose nela contida. Além disto o cálculo da quantidade de açúcar contido na cana é feito pelos laboratórios das usinas, sob os quais os fornecedores não têm nenhum controle (ALVES, 2002a, p.335).

No modelo de pagamento do valor da tonelada da cana, determinado a partir da

quantidade de ATR contidos na matéria-prima, o produtor ou mesmo o fornecedor de cana participa mais das variações ocorridas nos mercados dos produtos finais (MORAES, 2000), enquanto o maior beneficiado com a precificação via ATR, a fortiori, é o usineiro.

Diante da vigência das leis de mercado, ALVES (2002a) aponta que na agroindústria canavieira passa a existir a lógica da acumulação intensiva, seja com aumento de produtividade, redução do emprego e fornecedores, e/ou aumento da produção diferenciada. Ademais, “a exclusão de fornecedores e a redução de trabalhadores empregados, tanto na parte agrícola, quanto industrial, estão sendo potencializados pela rápida mecanização do plantio e do corte de cana crua e da automação industrial, que tem reduzido a quantidade de trabalhadores empregados, ao mesmo tempo em que exclui áreas de produção de maior declividade, irregularidade, parcelada e menor produtividade” (ALVES, 2002a, p.334).

EID (1996) e RAMOS (1999) já apontavam que o progresso técnico evidenciado na agroindústria canavieira, bem como suas mudanças institucionais, contribuíram para o processo de redução do número de pequenos e médios fornecedores às expensas de um aumento na participação da cana própria, significando uma maior concentração da produção. Vale acrescentar, entretanto, que a revigoração das velhas práticas de arrendamento, parceria e até mesmo terceirização do cultivo e colheita da cana pelas usinas, pode significar que tal concentração visa sobretudo o controle sobre a oferta de matéria prima, em detrimento da sua qualidade.

Outro aspecto a salientar diz respeito à algumas áreas de fornecedores, que por conta da legislação, não podem ser queimadas e não há condições de mecanização. Resta aos fornecedores a contratação de trabalhadores para o corte de cana crua, pagando como se fosse queimada. (este fato ainda não tem ocorrido no Paraná). O resultado é que os trabalhadores cortam menos e ganham menos, e para não onerar custos, os fornecedores transferem aos trabalhadores a necessidade de redução de custos, o que, amiúde, reflete em mais exploração, traduzida na redução de salários, no não pagamento de direitos trabalhistas, aumento da intensidade de trabalho, etc. (ALVES, 2002a).

2.2 A inserção da agroindústria canavieira do Paraná no contexto atual Em termos estaduais, segundo ALCOPAR (2003 e 2004d), a agroindústria canavieira

do Paraná conta atualmente com 27 unidades produtoras de açúcar e álcool - de modo geral de

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perfil moderno - atingindo economicamente 126 municípios, com geração de cerca de 74 mil empregos diretos e movimentação financeira de aproximadamente R$ 2 bilhões. A produção de cana do estado tem acompanhado as vicissitudes da indústria sucroalcooleira, mediante investimentos na ampliação da área de cultivo e no volume de cana produzida, além de elevação da produtividade e da melhoria da qualidade da matéria-prima. Ademais, entre os principais subprodutos derivados da economia canavieira, o bagaço da cana é destinado à geração de energia calorífera em unidades termoelétricas, além de constituir suplemento para a engorda de animais.

De acordo com CARVALHEIRO (2003), no ambiente organizacional, o Paraná possui algumas entidades de classe representativas na agroindústria canavieira, a saber: a Associação de Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná (ALCOPAR), fundada em 13/06/1981; o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado do Paraná (SIAPAR), fundado em 30/08/1988; e o Sindicato da Indústria do Álcool do Estado do Paraná (SIALPAR), reconhecida pelo Ministério do Trabalho em 04/07/1986.

Trata-se de formas organizacionais complementares às ações das usinas, à competição do mercado e ao papel do Estado, e tem como atributo geral proporcionar novas alternativas para compensar as deficiências observadas nas ações individualizadas das usinas, do próprio mercado e do Estado, visando, via de regra, coordenar, proteger e representar legalmente as categorias econômicas supracitadas. Nesse caso é válida a diretriz de que as ações coletivas, devidamente coordenadas, possuem força maior que cada ação tomada isoladamente (SHIKIDA & FRANTZ, 2002).

As unidades associadas a ALCOPAR respondem por 92% da produção total de cana, 88% da produção de açúcar, 97% do álcool hidratado e 93% do álcool anidro produzidos no Estado do Paraná (CARVALHEIRO, 2003).

No âmbito do agregado total, as usinas e destilarias ocupam 2% da área agricultável do estado - sobretudo nas regiões Norte e Noroeste (ALCOPAR, 2002). Hoje existem mais de 300 mil hectares plantados no Estado e um enorme potencial que pode ser ocupado pela cultura. Em termos quantitativos, o Paraná vem se destacando pela sua produtividade média (74 t/ha nas doze últimas safras – para efeito de cotejo, a média nacional está abaixo deste patamar) e pelo seu 2o lugar nas produções de cana-de-açúcar e álcool e 3o lugar na produção nacional de açúcar (sendo responsável por 7,5% da produção canavieira, 7,9% da produção alcooleira e 6,6% da produção açucareira do País, safra 2002/03) (ALCOPAR, 2003).

O mapa e a tabela a seguir apresentam as usinas e destilarias do Estado do Paraná, suas respectivas produções e localização.

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Fonte: ALCOPAR (2004)

Tabela 1 – Produção e área plantada com cana por usina (PR) - safra 2002/03

Unidades produtivas Cana moída (t) Açúcar (sacos de 50 Kg)

Álcool anidro (mil/l)

Álcool hidratado

(mil/l)

Área plantada com cana (hectares)

Usina Alto Alegre S/A - Açúcar e Álcool 2.873.434 275.500 52.983 21.715 33.613 Coop. Agrícola Reg. Produtores de Cana Ltda - COOPCANA 1.412.192 - 44.422 69.304 15.470

Cia. Agrícola Usina Jacarezinho 1.356.002 90.600 20.000 31.920 14.956 FB Açúcar e Álcool Ltda - USACIGA 1.241.396 98.665 1.962 29.264 17.215 Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda – Matriz (Maringá) 1.223.000 127.934 20.345 3.547 16.367

Central Paraná 1.221.096 100.530 26.146 507 26.000 Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda – Filial Paranacity 1.218.961 121.069 0 28.351 15.363

Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda – Filial Tapejara 1.162.252 124.378 14.557 6.002 16.056

Vale do Ivaí S/A - Açúcar e Álcool 1.131.962 94.227 22.035 1.604 13.964 Usina de Açúcar Santa Terezinha Ltda – Filial Ivaté 1.111.473 116.823 13.556 7.773 15.069 Açúcar e Álcool Bandeirantes S/A 996.140 51.700 21.234 19.563 14.760 Coop. Agroind. Produtores de Cana de Rondon Ltda - COOCAROL 963.162 - 0 68.959 12.788

Sabarálcool S/A Açúcar e Álcool 732.136 87.312 10.270 3.721 9.395 Dacalda Açúcar e Álcool Ltda 717.522 - 41.751 12.703 7.230 Usina de Açúcar e Álcool Goioerê Ltda 697.985 45.493 0 20.399 11.026 Coop. Agrícola de Produtores de Cana do Vale do Ivaí Ltda - COOPERVAL 644.332 54.107 0 20.222 9.329

Cooperativa Agropecuária Rolândia Ltda – COROL 643.004 41.963 15.249 9.399 7.438 Destilaria Melhoramentos 621.621 - 11.325 41.635 8.968 Coop. de Cafeicultores e Agropec. de Maringá Ltda - COCAMAR 601.206 - 30.941 15.217 8.066

Coop. Agrária dos Cafeicultores de Nova Londrina - SRL COPAGRA 543.291 - 18.953 24.890 8.250

Destilaria de Álcool Ibaiti Ltda - DAIL 521.620 - 0 46.557 7.140 Coop. Dos Cafeicultores de Porecatu Ltda - COFERCATU 505.150 22.200 7.646 19.045 7.124

Coop. Agroindustrial Nova Produtiva Ltda 476.675 - 20.946 13.028 6.585 Coop. dos Cafeicultores de Mandaguari Ltda - COCARI 474.644 - 14.761 20.856 5.049

Casquel Agrícola e Industrial S/A 355.190 16.420 0 16.780 3.737 Perobálcool Ind. de Açúcar e Álcool Ltda 280.601 - 0 1.546 5.646 Destilaria Americana 166.578 - 0 13.982 3.177 Produção total do Paraná 23.892.625 1.468.921 409.082 568.489 319.781

Fonte: ALCOPAR (2004a)

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A tabela 2 apresenta um quadro das evoluções da área de cana plantada, produção de cana moída, açúcar e álcool do Paraná. Conforme observado, as evoluções das produções de açúcar e álcool anidro atingiram, no período enfocado (1990/91-2002/03), um crescimento médio de 20% ao ano. A área de cana plantada e a produção de cana moída tiveram crescimentos médios de 6,19% e 7,65% a.a., respectivamente. Ao revés, a produção de álcool hidratado mostrou uma evolução instável (vide o baixo coeficiente de determinação), com taxa de crescimento média negativa (-0,98% a.a.). A produção total de álcool apresentou também uma evolução inconstante, com crescimento médio anual de 3,3% a.a..

A exportação de açúcar do Paraná cresceu de forma acelerada, passando de 60 toneladas em 1992 para 1.003.619 toneladas em 2002 (crescimento médio anual de 147,57%), e sua participação percentual no total das exportações paranaenses saltou de 0% em 1992 para 2,70% em 2002 (tabela 3). A concentração maior dessas exportações deu-se em termos de açúcar bruto (participação média de 77% no total de açúcar exportado), sendo notório também o aumento em termos de faturamento e suas elevadas taxas médias de crescimento anuais. Contribuiu para a elevação das exportações, além da forma de comercialização via trading, o desenvolvimento dos meios de transporte – ferroviário, rodoviário ou portuário – que tiveram uma substancial melhora e progresso técnico.3 Tal aspecto contribuiu para uma redução nos custos de “fobagem” (Free On Board - FOB), que atingiram US$ 31,00/toneladas em 1995 e caíram para US$ 20,00/toneladas em 2001 (dados obtidos junto a ALCOPAR).

Tabela 2 - Área plantada e produção de cana no Paraná – 1990/91 a 2002/03

Álcool (em m³) Safras Área de Cana (hectares)

Cana Moída (toneladas)

Açúcar (toneladas) Anidro Hidratado Total

90/91 - 10.862.957 221.113 47.491 579.588 627.079 91/92 179.684 11.401.098 235.827 107.369 629.608 736.977 92/93 180.850 11.989.326 232.776 97.024 635.347 732.371 93/94 191.314 12.475.268 305.148 67.250 663.449 730.699 94/95 202.203 15.531.485 430.990 77.612 809.180 886.792 95/96 236.511 18.596.119 555.842 99.099 979.613 1.078.712 96/97 273.679 22.258.512 789.858 199.998 1.047.023 1.247.021 97/98 313.928 24.963.603 973.718 425.002 915.756 1.340.758 98/99 315.819 24.430.484 1.261.913 366.185 673.197 1.039.382 99/00 325.802 24.477.522 1.430.202 432.412 604.034 1.036.446 00/01 293.633 19.320.858 996.542 262.429 536.839 799.268 01/02 296.077 23.120.054 1.351.248 367.141 593.071 960.212 02/03 319.781 23.892.645 1.468.921 409.082 568.489 977.571

Taxa de crescimento e coeficiente de determinação

(R2)4

6,19%

R2 = 0,82

7,65%

R2 = 0,77

20%

R2 = 0,91

20%

R2 = 0,78

-0.98%

R2 = 0,03

3,3%

R2 = 0,31

Fonte: ALCOPAR (2004d)

Tabela 3 - Evolução das exportações paranaenses de açúcar – 1992 a 2002 Exportações paranaenses de açúcar (X)

Em Toneladas Em US$ FOB (mil) Ano Bruto Refinado* Total Bruto Refinado* Total

% de X no total do PR*

1992 60 0 60 91 0 91 0 1993 117 0 117 144 0 144 0 1994 156 31.850 32.006 253 9.763 10.016 0,29 1995 52.842 48.954 101.796 16.756 15.183 31.939 0,9 1996 297.189 189 297.378 84.661 68 84.729 2 1997 518.194 26.121 544.315 141.078 7.722 148.800 3,07 1998 632.462 211.935 844.397 133.434 46.389 179.823 4,25 1999 841.784 228.363 1.070.147 122.439 37.701 160.140 4,07

3 Segundo CARVALHEIRO (2003), existe um terminal para o setor açucareiro (Paraná Operações Portuárias Ltda. – PASA), no porto de Paranaguá, com capacidade de expedição de 1.000 t/h, capacidade de recepção de até 750 t/h, graneleiro de 60.000 toneladas e calado do berço 32 pés; tendo como unidades participantes as usinas Santa Terezinha, Usaciga, Sabarálcool, Perobálcool, Corol, Goioerê, Vale do Ivaí, Cooperval e Copagra. 4 A estimativa da taxa geométrica de crescimento está de acordo com o método dos mínimos quadrados. Seguem também os coeficientes de determinação ou ajustamento (R2) – que designa o poder explicativo de uma equação: quanto mais o R2 se aproximar de 1, maior será o seu poder explicativo; quanto mais o R2 se aproximar de 0, menor será esse poder. Maiores considerações, ver: HOFFMANN & VIEIRA (1987).

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2000 638.589 126.986 765.575 113.033 25.620 138.653 3,16 2001 771.731 132.127 903.858 152.512 29.014 181.526 3,41 2002 851.760 151.860 1.003.619 128.550 25.371 153.921 2,70

Taxa de crescimento e R2

182,49% R2 = 0,74

50,21% R2 = 0,25

147,57% R2 = 0,69

120,29% R2 = 0,72

37,75% R2 = 0,19

102,44% R2 = 0,67

26,53% R2 = 0,54

Fonte: ALCOPAR (2004b) *o cálculo da taxa de crescimento corresponde ao período 1994 a 2002.

Em termos regionais, as mudanças que afetaram a agroindústria canavieira também

foram sentidas, exigindo uma reorganização dos produtores porquanto a responsabilidade pela coordenação do setor passou a ser delegada fundamentalmente ao mercado e às instituições que nele atuam. Diante disso, a Comissão Técnica de Cana-de-Açúcar da Federação da Agricultura do Estado do Paraná propôs que os representantes do setor formassem um Grupo, objetivando o estudo de um novo método para a fixação do preço da cana no Paraná. Sendo assim, em 02/03/2000 deu-se a formação do Grupo de Estudos que, após análises, tirou como conclusão que o modelo CONSECANA responderia às necessidades do estado. Portanto, em 26/04/2000, o Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado do Paraná (CONSECANA-PR) foi fundado pelo SIALPAR, SIAPAR e pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), tendo como principais finalidades:

I – zelar pelo relacionamento da cadeia produtiva da agroindústria canavieira do Estado do Paraná, conjugando esforços de todos aqueles que desta participarem, desde o plantio da cana até a venda dos produtos finais (...); II – zelar pelo aprimoramento do sistema de avaliação da qualidade da cana-de-açúcar, efetuando estudos, desenvolvendo pesquisas e promovendo a sistematização e constante atualização dos critérios tecnológicos de avaliação desta qualidade; III – desenvolver e divulgar análises técnicas sobre a qualidade da cana e sua aferição, bem como acerca da estrutura e evolução do mercado da agroindústria canavieira, inclusive no que tange às condições de contratação e negociação no setor... (CONSECANA-PARANÁ, 2003)

O modelo de autogestão do CONSECANA-PR conta ainda com as seguintes entidades

colaboradoras: Associação dos Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná (ALCOPAR); Departamento de Economia e Extensão Rural da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Comissão Técnica de Cana-de-Açúcar da FAEP (CONSECANA-PR, 2000). O Estatuto do CONSECANA-PR, no seu art. 9o, salienta que a Diretoria deste Conselho é composta de 12 (doze) membros efetivos, sendo 3 (três) indicados pelo SIALPAR, 3 (três) indicados pelo SIAPAR e 6 (seis) pelo sistema FAEP, com igual número de suplentes.

Na agroindústria canavieira os processos de Fusões e Aquisições (F&A) se deram por conseqüência dos altos índices de endividamento, diante da fragmentação e estagnação do setor, do aumento dos preços do açúcar nas safras de 2000 e 2001, e em face das novas conjunturas do ambiente concorrencial no Brasil. Os principais benefícios empresariais com as F&A são a redução dos custos e despesas derivadas da integração de estruturas administrativas, a profissionalização da gestão administrativa das usinas, os ganhos de escala, a consolidação no setor, as vantagens fiscais, a capitalização, a facilidade para a obtenção de financiamento para investimentos em expansão e modernização (PASIN & NEVES, 2001).

A contextualização feita pelos referidos autores cabe de explicação para a situação da agroindústria canavieira paranaense. O Paraná conta com 27 unidades produtivas, no entanto, o que se pode constatar com os dados da tabela 4 é que efetivamente o número de unidades não é o mesmo que o número de grupos ou famílias proprietárias destas usinas, de modo que está havendo uma concentração do capital - conforme alertava RAMOS (1999) - por exemplo, a família Meneguetti detém 4 unidades produtivas e a família Rezende duas.

Tabela 4 – Unidades da agroindústria canavieira paranaense, municípios e diretores

Unidades Municípios Diretor Unidades Municípios Diretor Sta. Terezinha – Filial

Ivaté Ivaté Francisco Meneguetti Cooperativa Nova Produtiva Astorga José Carlos de Carli

Sta. Terezinha – Maringá Paulo Meneguetti Cofercatu Florestópolis José Otaviano de

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Matriz Oliveira Ribeiro Sta. Terezinha – Filial

Paranacity Paranacity João Batista Meneguetti Coocarol Rondon Roberto Consalter

Sta. Terezinha – Filial Tapejara Tapejara Júlio Cesar Meneguetti Cocamar São Tomé Luiz Lourenço

Coopcana São Carlos do Ivaí Elias Fernando Vizzoto Alto Alegre Colorado Em processo de

escolha

Vale do Ivaí São Pedro do Ivaí Paulo Adalberto Zanetti Dail Ibaiti Reinaldo Martin

Ferrari

Cocari Marialva Décio da Silva Bacelar Goioerê Moreira Sales Reinaldo Massao Okamoto

Corol Rolândia Eliseu de Paula Sabarálcool Engenheiro Beltrão Ricardo Albuquerque Rezende

Usaciga Cidade Gaúcha Fiorenço Baréa Perobálcool Perobal Ricardo Albuquerque Rezende

Jacarezinho Jacarezinho Roberto de Oliva Mesquita Bandeirantes Bandeirantes Daniel Meneguel

Melhoramentos Jussara Gastão de Souza Mesquita et al. Dacalda Jacarezinho Constante Ometto

Corrêa de Arruda

Cooperval Jandaia do Sul Hélcio Rabassi Casquel Cambará Thereza de Jesus Silva Casquel

Copagra Nova Londrina Miguel Rubens Tranin Americana Nova América da Colina Pedro Baggio Neto

Central do Paraná Porecatu Jorge Wolney Atalla - - -

Fonte: Compilado de informações primárias das próprias unidades pesquisadas, ALCOPAR, Anuário Jornalcana (2000)

Embora sejam precárias as fontes de dados sobre fornecedores de cana no Paraná,

conforme ANUÁRIO JORNALCANA (2000), neste estado a maior parcela de cana moída advém de cana própria (média de 60%), seguido de acionistas (21%) e de fornecedores (19%). Segundo GRUPO Temático Permanente "Cana" - Relatório da Reunião (2003), os fornecedores de cana encontram-se na mesorregião “velha” (norte pioneiro paranaense), enquanto que nas mesorregiões consideradas “novas” (noroeste paranaense, centro-ocidental paranaense e norte central paranaense) predominam os arrendamentos e as parcerias. Outro dado interessante é que praticamente duas unidades concentram fração de sua cana recebida na rubrica fornecedores, quais sejam, Jacarezinho e Dacalda (dados fornecidos pela ALCOPAR e CANAPAR).

Conforme exposição anterior, o panorama de desregulamentação na agroindústria canavieira contribuiu para ressaltar o papel do empresário, do planejamento estratégico e trouxe o risco para dentro das usinas, destilarias e demais agentes econômicos inseridos nesse complexo (VIAN, 2003). Os impactos dessas transformações organizacionais e institucionais acabam por afetar o progresso técnico, pois é pela incorporação de modernas tecnologias que se determina(rá) a questão da sobrevivência setorial (SHIKIDA, 1998).

Em relação aos fornecedores de cana do Paraná esse panorama setorial não é diferente, porquanto se verifica uma reorganização desses agentes – em torno da CANAPAR – visando principalmente a defesa dos interesses dessa classe, bem como o desenvolvimento técnico e econômico da lavoura canavieira. Isto porque, em anos passados, como resultado das mudanças gerais que vêm acontecendo nessa agroindústria, pôde-se observar, no seio da categoria dos fornecedores, duas tendências: a redução do número de fornecedores e o crescimento de práticas de novas parcerias, arrendamento e compra de terras pertencentes aos fornecedores pelas usinas, numa forma bastante peculiar de terceirização e diferente daquela que vigorou em outro contexto institucional (sobre isto, ver: GUEDES, 2000).

Este último aspecto sinaliza claramente para um novo tipo de relacionamento entre fornecedores e usineiros/destiladores, que terá como eixo as relações e práticas sociais firmadas a partir e sobre a propriedade e uso da terra. Nesse contexto, de que tipos são essas relações efetivamente? Quem é hoje o fornecedor de cana do Estado do Paraná? Como ele produz? Que papel pode jogar a pequena e média propriedade familiar no novo ambiente institucional em construção no setor? As mudanças institucionais e tecnológicas jogam a favor ou contra esse grupo social?

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Essas e outras questões exigem uma pesquisa empírica que, além de oferecer respostas às interrogações anteriormente formuladas, pode:

- recuperar o fornecedor de cana do Paraná como objeto de estudo, uma vez que esse grupo social foi praticamente abandonado pela investigação científica a partir da década de noventa;

- permitir melhor compreender o papel da terra na estruturação das práticas sociais e econômicas, bem como seu papel na nova dinâmica institucional do setor;

- permitir elaborar reflexões que poderão auxiliar na elaboração de estratégias de sustentabilidade econômico-social para este contingente social.

3. Material e métodos Este trabalho se configura como de natureza qualitativa baseado, sobretudo, na análise

das percepções dos elementos pesquisados (CAMPOMAR, 1991; GODOY, 1995). Portanto, as informações foram coletadas por intermédio de pesquisas de campo (field study), via técnica de interrogação, com aplicação de questionários in loco. Este tipo de pesquisa “tem por objetivo a coleta de elementos não disponíveis, que, ordenados sistematicamente, de acordo com processos adequados, possibilitam o conhecimento de uma determinada situação, hipótese ou norma de procedimento” (MUNHOZ, 1989, p.85).

Esta técnica de interrogação, via aplicação de questionários, permitiu maior flexibilidade por ter possibilitado o ajustamento aos mais diversos tipos de problemas e de informantes, aprofundando-se, caso necessário, em algumas respostas (GIL, 2000). Com esta técnica qualitativa pôde o pesquisador detectar informações que estavam além das respostas dadas pelos entrevistados. Dessa forma, a condução da aplicação de questionários, embora tivesse perguntas previamente definidas, assumiu um caráter não metódico, haja vista a dependência do contexto da conversação. Ou seja, além das informações obtidas via questionário, a coleta dos dados também ocorreu via depoimentos pessoais e observação espontânea do pesquisador no local da pesquisa e em contato com o entrevistado.

Com esta estratégia buscou-se uma imagem mais completa e real dos fatos que caracterizam o problema pesquisado (FERRARI, 1982). Contudo, faz-se necessário parafrasear GIANNETTI (2002), que aponta para a não existência de razões que levem o entrevistado a mentir em pesquisas de opinião em qualquer ambiente ou tempo, em que os mesmos não são identificados pelo nome.

Cumpre expor que a redação preliminar do questionário foi feita por professores/pesquisadores da área de economia canavieira de duas importantes universidades do País. No mês de dezembro de 2003 foi realizada uma reunião com a diretoria da CANAPAR para definição do modelo de questionário para pré-teste. O questionário final foi definido em fevereiro de 2004, após interlocução com os objetos da pesquisa.

Para a definição da amostra fez-se um levantamento do número de fornecedores junto às usinas do Paraná que contou 873 fornecedores. No entanto, no rastreamento para a aplicação de questionários revelou-se uma população total conhecida de apenas 40 fornecedores da CANAPAR, com terras localizadas neste estado5 (houve antes a incorporação de cooperados no cômputo geral dos fornecedores, mas, estes não se enquadram na categoria do fornecedor legítimo de cana - foco maior deste trabalho).

No que diz respeito à definição da quantidade e quais fornecedores seriam entrevistados, optou-se por seguir um critério mais qualitativo, dimensionado pela

5 A CANAPAR é uma sociedade civil, sem finalidade lucrativa, com sede em Jacarezinho (PR), que tem como alguns dos seus objetivos: congregar e representar os plantadores de cana, parceiros, arrendatários ou proprietários rurais que se dedicam à exploração e fornecimento de cana; defender os direitos, interesses e aspirações dos associados e incentivar todas as atividades concernentes ao cultivo da cana-de-açúcar, visando o desenvolvimento técnico e econômico dessa lavoura (CANAPAR, 2001).

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amostragem por tipicidade (sobre isto, ver: GIL, 2000). Ou seja, selecionou-se um subgrupo da população que, com base nas informações repassadas pela CANAPAR (este com considerável conhecimento sobre os fornecedores), fosse considerada representativa de toda a população.

Foram realizadas as aplicações de questionários in loco durante o mês de fevereiro de 2004, perfazendo 19 pesquisados (47,5% do total da população, índice relevante para os propósitos de representatividade amostral). Vale frisar, novamente, que o contato direto dos pesquisadores com o objeto de estudo (foram estes que aplicaram o questionário), possibilitou obter não só os dados inerentes à aplicação do questionário, mas, o feeling do entrevistado. Outrossim, houve a colaboração dos funcionários da CANAPAR para questões logísticas – localização e encontro do fornecedor – além da apresentação inicial dos pesquisadores e dos objetivos do trabalho junto ao fornecedor. Isto foi fundamental importância para facilitar o acesso aos pesquisados, além de dar credibilidade institucional ao estudo.

Outro ponto a destacar foi a entrevista face a face feita com o Dr. Paulo José Buso Júnior - Diretor Presidente da CANAPAR e também fornecedor de cana - sobre os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Paraná. Esta entrevista foi necessária posto a necessidade de obtenção de respostas (institucionais) em profundidade, visto que o entrevistador se encontrava em condições de estabelecer um rapport adequado com o pesquisado.

4. Resultados e discussões Antes da exposição dos principais resultados da pesquisa, cumpre dizer que aos fornecedores consultados foi dada a garantia de anonimato de suas respostas. Assim sendo, os dados a seguir procuram respeitar esta diretriz, sendo que cada linha nas tabelas corresponde a um fornecedor. A tabela 5 expõe uma caracterização geral da propriedade do fornecedor de cana no Paraná. Conforme dados amostrais, dos 19 pesquisados, 68,4% possuem área de terra (total) na faixa de 20 a 200 hectares, 15,8% na faixa de 401 a 600 hectares, 10,5% na faixa de 201 a 400 hectares e 5,3% possui terras com extensão acima de 1.001 hectares. Há, portanto, uma predominância de áreas na menor faixa considerada (20 a 200 hectares). Ademais, de toda a amostra obtida, a média de área foi de 235,9 hectares - com desvio padrão de 248,5. Outro dado importante – não explicitado na tabela 5 – é que dez pessoas (52,6%) possuem mais do que uma propriedade e as outras nove (47,4%) possuem uma propriedade.

Tabela 5 - Caracterização geral da propriedade do fornecedor de cana no Paraná - 2004

Nos últimos cinco anos, em termos de transação de terras, comprou (C), vendeu (V), arrendou de terceiros (ADT) ou arrendou para terceiros (APT): Área de terra total atual do

fornecedor (hectares) Outras atividades praticadas

nas terras, além da cana C V ADT APT > 1.001 Nenhuma Sim Não Não Sim

201 a 400 Milho/soja Sim Não Não Não 20 a 200 Avicultura/silvicultura Sim Não Não Não 201 a 400 Milho/soja Não Não Não Não 20 a 200 Pecuária/avicultura Não Não Não Sim 401 a 600 Pecuária Não Não Sim Não 20 a 200 Nenhuma Não Não Sim Não 20 a 200 Nenhuma Não Não Sim Não 401 a 600 Nenhuma Sim Não Sim Não 20 a 200 Nenhuma Sim Não Sim Não 20 a 200 Nenhuma Não Sim Não Sim 20 a 200 Milho/soja Não Não Sim Sim 20 a 200 Pecuária Não Não Não Não 20 a 200 Nenhuma Não Não Não Não 20 a 200 Soja Sim Sim Não Não 20 a 200 Nenhuma Não Não Não Não 401 a 600 Soja/pecuária Não Não Não Não 20 a 200 Soja Sim Sim Sim Não 20 a 200 Soja/café/pecuária Sim Não Não Não

Fonte: Dados da pesquisa

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Ainda com relação a tabela 5, oito fornecedores (42,1%) trabalham apenas com cana, os outros onze (57,9%) trabalham também com outras atividades, com destaque para a soja, milho, avicultura, pecuária, silvicultura e café (das dez pessoas que disseram possuir outras propriedades, apenas duas as utilizam somente para o cultivo da cana). Nesse ponto, os fornecedores que praticam outras atividades agrícolas fizeram questão de salientar dois fatos: a rotação de culturas como aspecto positivo à produtividade do solo; e a diversificação de atividades como forma de minimizar o risco do agricultor. Não obstante, embora os preços da cana-de-açúcar tenham piorado recentemente (segundo opinião de 78,9% dos fornecedores), a rentabilidade da produção melhorou (segundo opinião de 36,8% dos fornecedores), mormente em função do uso de melhores técnicas de produção e ocorrência de condições edafo-climáticas favoráveis. Isto, aliado aos arranjos contratuais de 5 anos com a usina, tem feito com que 42,1% dos fornecedores citados se dediquem exclusivamente ao cultivo da cana. Esta é uma questão importante a ser explorada em estudos comparativos, principalmente o Estado de São Paulo, onde a tradição canavieira e a melhor rentabilidade garantida pelo Proálcool levou a intensificação da monocultura e a formação do fenômeno conhecido como "mar de cana" em regiões canavieiras tradicionais como Piracicaba (a mais antiga) e Ribeirão Preto (a mais moderna).

Nos últimos cinco anos, em termos de transação de terras (seja para o cultivo da cana-de-açúcar e/ou para outra atividade), cerca de 42,1% dos fornecedores compraram terras, enquanto 15,8% venderam terras. Apenas duas pessoas, desse elenco, compraram e também venderam terras nessa época. Desse modo, constata-se que a maioria dos pesquisados (52,6%), sobretudo no quesito vendeu terras, não comprou e nem vendeu. De igual maneira, uma expressiva parcela dos fornecedores consultados não arrendou terras de terceiros e nem para terceiros (47,4%). Houve, nesta perspectiva, 36,8% de pesquisados que acusaram arrendamento de terceiros e 21,1% de pesquisados que apontaram arrendamento para terceiros. Não se verificam relações entre as transações de terras e fatores como extensão da propriedade ou especialização somente em cultivo de cana-de-açúcar. Tais relações de transação estiveram correlacionadas aos momentos pessoais do fornecedor e/ou de sua família, e com situações conjunturais de mercado, seja da cultura canavieira ou de outras atividades agropecuárias. Torna-se oportuno mencionar que 42,1% dos fornecedores receberam suas propriedades por meio de herança, e 57,9% a compraram. No tocante aos arrendamentos de terceiros ou para terceiros, praticamente todos os contratos foram do tipo formal, escrito em cartório. Os valores dos arrendamentos variaram de caso para caso, com proeminência dos valores fixos por alqueire colhido (cuja amplitude foi de 35 toneladas por alqueire a 60 toneladas por alqueire).

Muito embora a maioria não tenha se utilizado do mercado de terras para práticas de compra/venda e aluguel de terra, o número dos que o fizeram é bastante elevado. Significativo é o número de transações (venda e compra = 11 em um período de cinco anos) e arrendamento de terras (ADT e APT = 11 em cinco anos) para um contingente de 19 fornecedores (os números da amostra). Observando-se a tabela 6 nota-se que em termos de área, o arrendamento foi expressivo: da produção total de cana dos fornecedores da amostra cerca de 52% era de cana própria, 16% de terras arrendadas de terceiros e 32% de terras arrendadas para terceiros. Em termos de área plantada 56% é própria, 17% arrendada de terceiros e 27% arrendada para terceiros. Tudo isso são evidências de arranjos novos no que diz respeito à propriedade e uso da terra entre os fornecedores de cana.

Tabela 6 - Caracterização geral da área colhida, produção e valor bruto da produção de cana-

de-açúcar do fornecedor no Paraná, safra 2003/2004 Cana própria Cana arrendada para terceiros Cana arrendada de terceiros

Área de cana (hectares)

Produção (toneladas)

Valor bruto da produção*

Área de cana (hectares)

Produção (toneladas)

Valor bruto da

produção***

Área de cana (hectares)

Produção (toneladas)

Valor bruto da produção*

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145,20 18.691,54 560.746,20 755,04 90.604,80 2.718.144,00 - - - 242,00 24.556,65 736.699,50 - - - - - -

18,44 2.065,97 61.979,10 - - - - - - 188,00 16.432,83 492.984,90 - - - - - -

- - - ** ** 41.452,20 - - - 105,00 9.864,00 295.920,00 - - - - - -

53,88 5.980,21 179.406,30 - - - 19,36 1.035,89 31.076,70 31,46 2.429,00 72.870,00 - - - 33,88 3.138,00 94.140,00

193,60 17.090,91 512.727,30 - - - 338,80 29.909,09 897.272,70 73,81 7.933,20 237.996,00 - - - 18,15 1.950,79 58.523,68 8,00 1.110,00 33.300,00 20,86 1.550,00 46.935,00 - - -

19,03 1.063,16 31.894,80 12,10 968,00 29.040,00 6,49 523,53 15.705,90 121,00 13.000,00 390.000,00 - - - - - -

88,00 7.920,92 237.627,60 - - - - - - 31,46 3.900,00 117.000,00 - - - - - -

120,71 10.528,86 315.865,80 - - - - - - 125,84 15.000,00 450.000,00 - - - - - -

12,10 1.450,00 43.500,00 - - - 94,98 11.382,50 341.475,00 60,50 5.500,00 165.000,00 - - - - - -

1.638,03 154.334,36 4.935.517,50 788,00 93.122,80 2.835.571,20 511,66 47.939,80 1.438.193,9

Fonte: Dados da pesquisa * estimativa (fator multiplicador = R$30/tonelada); ** não soube informar; *** estimativa (total da produção – cana arrendado para terceiro – está identificado como produção total e não a % do produtor)

Ainda sobre a tabela 6 – que retrata a caracterização geral da área colhida, produção e

valor bruto da produção de cana-de-açúcar do fornecedor no Paraná, safra 2003/2004 – a área média com cana própria foi de 91 hectares (desvio padrão de 70, variou de 8 a 242 hectares). Com cana arrendada para terceiros observa-se uma grande área arrendada (755,04 hectares) e duas áreas pequenas (20,86 e 12,10 hectares), o quarto respondente não soube informar. Essa amplitude em termos de área também ocorreu com a cana arrendada de terceiros (variou de 6,49 a 338,8 hectares).

Uma das dificuldades deste trabalho foi a obtenção de dados sobre o valor bruto da produção. Muitos dos fornecedores se negaram a pontuar esta questão, remontando a uma estimativa média de R$ 30 por tonelada comercializada. Os custos fixos e variáveis de produção, segundo consulta aos fornecedores pesquisados, perfazem a monta - aproximada - de 60% do valor total da produção.

A partir dos dados da tabela 6 pode-se constatar a boa média dos indicadores de produtividade obtidos para a cana própria, arrendada para terceiros e de terceiros, cujos valores foram de, respectivamente, 102, 91 e 90 toneladas/hectare (a média paranaense está em torno de 74 toneladas/hectare). Este destaque em termos de produtividade ocorreu em função da atenção dada pelos fornecedores para questões de progresso técnico - todos os pesquisados responderam fazer emprego de tecnologias agrícolas e mecânicas, donde, cabe dizer, é praticamente raro o uso de colhedeiras (a maioria do relevo das terras com cana não é favorável ao corte mecânico).

A resolução dos problemas técnicos na produção de cana foi feita, na maioria das vezes, pela CANAPAR, que conta com pessoal qualificado para tais atributos. Para alguns fornecedores esses problemas foram resolvidos pela usina, terceiros ou proprietário (tabela 7). Os recursos para o plantio/cultivo da cana foram fundamentalmente próprios, havendo dois casos desses recursos que foram advindos da usina e um de empreitada. A mão-de-obra para o plantio/cultivo da cana foi assalariada (sobretudo a contratada pelo fornecedor fora da família - safristas e diaristas - 47,4% das ocorrências), familiar (31,6% das ocorrências para o uso de mão-de-obra familiar, cujas faixas de área são comumente menores), contratada pela usina (10,5%) e de empreita (5,3%). Os recursos e mão-de-obra para a colheita da cana vieram, mormente, da usina (contrato tipo “cana em pé” – a usina busca a cana no campo), seguido de recursos próprios e com uso de mão-de-obra assalariada - safristas e diaristas (contrato tipo “cana na esteira” – o fornecedor leva a cana até a esteira da usina).

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Tabela 7 - Caracterização geral da produção de cana do fornecedor do PR, safra 2003/2004 Resolução dos problemas

técnicos Recursos e mão-de-obra para o

plantio/cultivo da cana Recursos e mão-de-obra para a colheita da

cana No de empregados

permanentes CANAPAR Empreitada Da usina 8 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Próprios e mão-de-obra assalariada* 8 CANAPAR Próprios e mão-de-obra familiar Da usina 0 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Da usina 5

Usina Da usina Da usina 0 CANAPAR Da usina Da usina 12 CANAPAR Próprios e mão-de-obra familiar Próprios e mão-de-obra assalariada** 0 CANAPAR Próprios e mão-de-obra familiar Próprios e mão-de-obra assalariada** 0 Terceiros Próprios e mão-de-obra assalariada** Próprios e mão-de-obra assalariada* 3

Usina Próprios e mão-de-obra familiar Da usina 0 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Próprios e mão-de-obra assalariada* 0 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Da usina 0 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Próprios e mão-de-obra assalariada* 3 Proprietário Próprios e mão-de-obra assalariada* Da usina 1

Não tem problema Próprios e mão-de-obra familiar Empreitada 0 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Próprios e mão-de-obra assalariada* 3 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Próprios e mão-de-obra assalariada* 7

Usina Próprios e mão-de-obra familiar Da usina 2 CANAPAR Próprios e mão-de-obra assalariada* Da usina 4

Fonte: Dados da pesquisa * contratada pelo fornecedor fora da família (safristas e diaristas); ** membros da família, contratada pelo fornecedor

Destacam-se duas ocorrências no procedimento que visa equacionar os problemas

decorrentes da sazonalidade na ocupação da mão-de-obra, que demanda maior contingente na fase da colheita da cana: a contratação e organização de turmas de cortadores de cana pela usina e a responsabilização pelo corte da cana dos fornecedores maximiza a utilização da força de trabalho durante a safra, permitindo compensar o ônus da contratação desse trabalho temporário, por outro lado, por este procedimento as usinas garantem a fidelidade no fornecimento da cana.

Em função do uso de safristas e diaristas na cultura canavieira, e da necessidade de diminuição de custos, o número de empregados (administradores, tratoristas, fiscais de lavoura, serviços gerais, encarregados, etc.) com carteira assinada é baixo, quando não inexistente, conforme pode ser observado na tabela 7. As cifras sobre o uso/remuneração de mão-de-obra para colheita de cana-de-açúcar (a mais utilizada) são muito variadas. No entanto, em média, um cortador de cana corta 8 toneladas por dia, trabalha 25 dias por mês, e gera uma produção de 200 tonelada/mês. A “paga” por tonelada de cana cortada repassada ao turmeiro (contratada pela usina ou fornecedor) é de aproximadamente cinco reais por tonelada e o cortador efetivamente recebe entre 55 a 70% desse valor. Diante da estimativa de produção supracitada, a remuneração do cortador (conhecida como “pirulito”) varia de R$ 550 a R$ 700/mês. A tabela 8 ressalta as outras fontes do pesquisado afora a ocupação de fornecedor de cana, se houve variação patrimonial no estabelecimento ou residência nas duas últimas safras e qual a classificação da infra-estrutura do domicílio no campo. Sobre o primeiro item, são várias as outras fontes de renda do fornecedor, que corroboram o exposto na tabela 5, especificação “outras atividades praticadas nas terras, além da cana”. Outra fonte de renda de destaque foi a aposentadoria. Nas duas últimas safras, segundo 52,6% dos pesquisados, houve variação patrimonial no estabelecimento ou residência, fato não assinalado por 47,4% dos pesquisados. As aquisições, neste caso, concentraram em máquinas e implementos agrícolas. Sobre a infra-estrutura do domicílio (tipo de parede, telhado, número de cômodos, existência de água encanada, instalações sanitárias, energia elétrica, principais utensílios domésticos, etc.), constatou-se uma predominância de infra-estruturas medianas (57,9%), seguidas pelas infra-estruturas consideradas acima de média (26,3%) e as precárias (10,5%). Observa-se que 9 fornecedores (47,4%) não moram no campo, desse total 3 domicílios possuem infra-estruturas consideradas acima da média, 3 medianas, 2 precárias e 1 não tem domicílio.

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Tabela 8 - Caracterização geral do fornecedor do Paraná, 2004

Outras fontes fora da ocupação de fornecedor de cana Variação patrimonial no estabelecimento ou residência nas duas últimas safras

Infra-estrutura do domicílio no campo

Arrendamento Positiva Acima da média Outras práticas agrícolas Positiva Mediana Outras práticas agrícolas Positiva Mediana

Outras práticas agrícolas/Aposentadoria/Aplicações Não houve Precária* Arrendamento/Aluguel/Avicultura Positiva Precária*

Pecuária/Outras Não houve Acima da média* Aposentadoria Positiva Mediana Aposentadoria Positiva Mediana

Não tem Positiva Mediana Não tem Positiva Mediana

Arrendamento/Aposentadoria Não houve Acima da média Arrendamento/Outras práticas agrícolas/Aposentadoria/Aluguel Não houve Acima da média*

Pecuária/Outras Não houve Mediana* Aposentadoria Não houve Mediana*

Outras práticas agrícolas Não houve Mediana Não tem Não houve Mediana*

Outras práticas agrícolas/Pecuária Positiva Acima da média* Outras práticas agrícolas Positiva Mediana

Outras práticas agrícolas/Pecuária Não houve Não tem*

Fonte: Dados da pesquisa * mora na área urbana

Sobre a descrição demográfica dos membros da família do fornecedor, pode-se inferir um número médio de 3 filhos, com razoável formação educacional, sendo que a maioria não ajuda o fornecedor nessa atividade (os filhos, quando não são estudantes, possuem outras atividades profissionais), exceção feita para a já citada mão-de-obra familiar. Este aspecto é revelador da sobrevivência da categoria dos fornecedores de cana, pois a não inserção dos filhos na atividade ou sua precoce busca por outra profissão dão fortes indicativos de que o futuro da propriedade pode não ficar a cargo da família. Alguns destes indicativos já puderam ser detectados por esta pesquisa, tais como a disseminação das práticas de arrendamento, parceria ou venda de terras. A significativa presença de renda proveniente de aposentadoria reforça esta inferência, pois indica que a propriedade deve estar sob a responsabilidade dos membros mais idosos. As questões de política setorial mostram o posicionamento dos fornecedores de cana-de-açúcar do Paraná a respeito de importantes pontos da agroindústria canavieira (tabela 9). Sobre o preço da cana pago ao fornecedor, houve uma piora segundo a opinião – bastante representativa – de 78,9% dos pesquisados. Tal fato está relacionado à sistemática de pagamento (pelo ATR), que para 42,1% não é a mais correta em virtude dos fatos relatados na revisão de literatura (os fornecedores de cana vendem a cana, mas recebem só pelo açúcar contido na cana, a biomassa é dada às usinas; no modelo de pagamento do valor da tonelada da cana, determinado a partir da quantidade de ATR contida na matéria-prima, o fornecedor de cana participa mais das variações ocorridas nos mercados dos produtos finais, enquanto o maior beneficiado com a precificação via ATR, a fortiori, é o usineiro). Já para 31,6% dos fornecedores, o pagamento da ATR melhorou, visto que estes passaram a ganhar mais, pois sempre investiram em melhores variedades e técnicas. Quanto ao cálculo da quantidade de açúcar contido na cana, que é feito pelos laboratórios das usinas, os fornecedores, neste caso, têm algum controle porquanto a CANAPAR atua como fiscalizador neste processo. Outro ponto bastante enfatizado foi o excesso de oferta de cana-de-açúcar que contribui para deprimir os preços. Não obstante, a rentabilidade da produção foi majoritariamente – ainda que por pouca diferença – considerada melhor. Este fundamento deu-se em virtude da incorporação de progressos técnicos, que contribuíram para arrefecer os custos de produção. A demanda de cana para o fornecedor, em função do mercado favorável para o açúcar e

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recuperação do Proálcool, melhorou, segundo 42,1% dos fornecedores.6 A maioria dos pesquisados (47,4%) não utiliza crédito agrícola, contudo, na opinião de 31,6% dos fornecedores, esta modalidade teve uma piora. As relações com os usineiros melhoraram (para 47,4% dos pesquisados), não se alteraram (31,6%) e pioraram (15,8%). As relações com os problemas ambientais basicamente não se alteraram devido ao fato da ainda não exigência de corte de cana crua no Paraná, aos moldes do que ocorre no Estado de São Paulo. Reclamações foram feitas sobre a sistemática de definição da área de preservação ambiental.

Tabela 9 - Questões de política setorial apontadas pelos fornecedores de cana-de-açúcar do

Paraná, 2004 (em %) Itens

Preço da cana pago ao

fornecedor

Demanda de cana para o fornecedor

Sistemática de pagamento (pelo ATR)

Rentabili-dade da produção

Política de crédito agrícola

Relação com os usineiros

Relação aos problemas ambientais

Piorou 78,9 21,0 42,1 31,6 31,6 15,8 36,8 Não alterou 10,5 31,6 15,8 26,3 10,5 31,6 52,6 Não informou 0 5,3 10,5 5,3 5,3 5,3 5,3 Melhorou 10,5 42,1 31,6 36,8 5,3 47,4 5,3 Não utiliza 0 0 0 0 47,4 0 0

Fonte: Dados da pesquisa

Por fim, sobre a entrevista face a face feita com o Dr. Paulo José Buso Júnior - Diretor Presidente da CANAPAR e também fornecedor de cana - sobre os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Paraná, cabe destacar o paradigma subvencionista que servia como “guarda-chuva” para o setor canavieiro. Após a extinção do IAA, e retirada do “guarda-chuva”, todo mundo passou a se molhar... Uma das novas articulações nesse novo ambiente institucional é o CONSECANA, em que há condições de sentar-se à mesa e poder negociar aquilo que vai ser definido pelas unidades produtivas.

Sobre a ATR, o entrevistado fez questão de frisar que a matéria-prima cana-de-açúcar não é exclusivamente o açúcar, tem outros componentes, como o bagaço, que não tem seu valor repassado para o fornecedor. É preciso considerar todos os subprodutos da cana, não contemplados pelo ATR. Quanto à redução do número de fornecedores, Sr. Paulo Buso não a contestou, mas, salientou que no Paraná está havendo incorporações tecnológicas no processo produtivo dos produtores, de modo a compensar esta diminuição na área e número, isto significa mais eficiência.

A respeito dos cenários futuros do setor, o diretor da CANAPAR acredita que o fornecedor tem que se adaptar às mudanças institucionais e tecnológicas, incorporando estratégias mais eficientes de produção (como já vem sendo feito), capazes de proporcionar a sobrevivência dentro da atividade. Para tanto, uma das finalidades da CANAPAR é buscar a defesa socioeconômica dos seus associados, para que eles possam produzir e gerar riqueza não só para si como para toda a região. Considerações finais Este trabalho procurou analisar, em caráter exploratório, os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre os fornecedores de cana do Estado do Paraná. Devido à falta de informações sobre os fornecedores, este estudo baseou-se na análise das percepções dos elementos pesquisados, sendo os dados - primários - obtidos via técnica de interrogação, mediante aplicação de questionários in loco e entrevista com a

6 Isto, em parte, justifica o dado anteriormente mencionado de que cerca de 42,1% dos fornecedores compraram terras, enquanto 15,8% venderam terras, e 36,8% dos fornecedores pesquisados acusaram arrendamento de terceiros, enquanto 21,1% apontaram arrendamento para terceiros.

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CANAPAR (foram aplicados 19 questionários durante o mês de fevereiro de 2004, para uma população de 40 fornecedores).

Como principais resultados, pode-se inferir que houve, na caracterização geral do fornecedor, uma predominância de áreas na menor faixa considerada por este estudo (20 a 200 hectares). A média de área – incluindo cana própria, arrendada para terceiros e arrendada de terceiros – foi de 235,9 hectares - com desvio padrão de 248,5. A infra-estrutura do domicílio no campo pode ser considerada boa, e são poucos aqueles que não tem outras fontes de renda fora da ocupação de fornecedor de cana. No contexto agropecuário, existem fornecedores que só trabalham com cana e outros que diversificam suas produções. Os fornecedores pesquisados que também praticam outras atividades fizeram questão de salientar a rotação de culturas como aspecto positivo à produtividade do solo, e a diversificação de atividades como forma de minimização de riscos. Para aqueles que se dedicam exclusivamente ao cultivo da cana, a razão maior para isto está na rentabilidade da produção, que melhorou nesses últimos anos, devido, sobretudo, a incorporação de técnicas de cultivo e devido a ocorrência de condições edafo-climáticas favoráveis – isto num cenário de preços da cana-de-açúcar desfavorável.

Nesse sentido, constatou-se a boa média dos indicadores de produtividade obtidos para a cana própria, arrendada para terceiros e de terceiros, cujos valores foram de, respectivamente, 102, 91 e 90 toneladas/hectare (a média paranaense está em 74 toneladas/hectare). Este destaque, conforme salientado, ocorreu em função da atenção dada pelos fornecedores para questões de melhoria tecnológica - os pesquisados fazem emprego de modernas tecnologias agrícolas e mecânicas. Outrossim, de valia tem sido a resolução dos problemas técnicos na produção de cana feita, na maioria das vezes, pela CANAPAR.

Em termos de transação de terras, a maioria dos pesquisados não comprou e nem vendeu terras. De igual maneira, uma expressiva parcela dos fornecedores consultados não arrendou terras de terceiros e nem para terceiros.

As práticas de cultivo da cana demandam, nessa ordem, recursos próprios ou advindos da usina. A mão-de-obra para o cultivo da cana tem sido predominantemente a assalariada (safristas e diaristas) e familiar. Com os contratos tipo “cana em pé” e “cana na esteira”, a colheita ou fica a cargo da usina ou do fornecedor, sendo que ambos fazem uso de safristas e diaristas na colheita. Outrossim, o número de empregados com carteira assinada é baixo.

Sobre as questões de política setorial, houve forte apelo negativo à queda dos preços da cana e à piora na sistemática de pagamento (pelo ATR). Não obstante, a rentabilidade da produção foi – por pouca diferença – considerada melhor, isto em virtude da incorporação de progressos técnicos. A demanda de cana para o fornecedor, em função do mercado favorável para o açúcar e recuperação do Proálcool melhorou, e as relações com os usineiros não mostraram piora significativa. Diga-se em escorço, o fornecedor de cana paranaense, diante de um cenário em que o papel do Estado mudou – passando de interventor para coordenador, e finalizando o paradigma subvencionista que reinou na agroindústria canavieira até o início dos anos 90 – vê-se diante da redução do número de fornecedores e crescimento de práticas de novas parcerias, arrendamento ou compra de terras pertencentes aos fornecedores pelas usinas, ambos mais fortes em áreas “novas” do estado. Para sobreviver nesse novo ambiente institucional e de mercado, coube ao fornecedor duas frentes: o progresso técnico, mediante incorporação de melhorias tecnológicas de âmbito agrícola e mecânico; e a congregação numa associação capaz de representar os plantadores de cana associados, para a defesa dos direitos e interesses coletivos da categoria ou individuais dos seus membros, visando sempre o desenvolvimento técnico e econômico da lavoura canavieira, fato este feito na Associação dos Plantadores de Cana do Paraná - CANAPAR. Diante desse panorama, as estratégias de plantio, cultivo e colheita da cana de cada fornecedor seguem padrões que respeitam distintos

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arranjos contratuais, sendo clara a opção por fazer esta prática por si só (o fornecedor contratando mão-de-obra assalariada e/ou usando a familiar) ou designar tais atividades para a usina. Apenas no tocante ao pagamento da cana é que se vê uma sistemática única – via ATR – contestada pela maioria dos pesquisados (42,1%), com o argumento de que os fornecedores de cana vendem a cana, mas recebem só pelo açúcar, e defendida por outra fração (31,6%), que passaram a ganhar mais, pois sempre investiram em melhores variedades e técnicas.

Por fim, vale dizer que este artigo apenas explorou preliminarmente os dados provenientes da pesquisa de campo realizada no Paraná. A análise será ainda aprofundada a partir da comparação com os dados provenientes da pesquisa realizada em São Paulo, o que permitirá um panorama bastante expressivo sobre os impactos das transformações institucionais e do progresso técnico sobre a categoria dos fornecedores de cana da região Centro-Sul, responsável por 68,2% da produção brasileira de cana de açúcar.

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