impactos da inovaÇÃo biotecnolÓgica na dinÂmica … · e à cristiane, minha irmã, sempre ......
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RODRIGO GAVA
IMPACTOS DA INOVAÇÃO BIOTECNOLÓGICA NA DINÂMICA DA
ESTRUTURA DE CONCORRÊNCIA DA INDÚSTRIA DE SEMENTES
Tese apresentada à Universidade
Federal de Viçosa, como parte das exi-
gências do Programa de Pós-Graduação
em Extensão Rural, para obtenção do
título de “Magister Scientiae”.
VIÇOSA
MINAS GERAIS - BRASIL
2000
RODRIGO GAVA
IMPACTOS DA INOVAÇÃO BIOTECNOLÓGICA NA DINÂMICA DA
ESTRUTURA DE CONCORRÊNCIA DA INDÚSTRIA DE SEMENTES
Tese apresentada à Universidade
Federal de Viçosa, como parte das exi-
gências do Programa de Pós-Graduação
em Extensão Rural, para obtenção do
título de “Magister Scientiae”.
APROVADA: 31 de agosto de 2000.
Eduardo Rezende Galvão José Roberto Reis
Telma R. da C. Guimarães Barbosa Geraldo Magela Braga
(Conselheiro)
José Benedito Pinho
(Orientador)
ii
A seu Eloy e dona Mariza, meus amáveis pais,
e à Cristiane, minha irmã, sempre amigos, companheiros e compreensivos
nos erros e acertos de minha vida.
A minha esposa Manoela, grande influenciadora desse esforço acadêmico
e de tantos outros, por sua paciência nesses anos.
A todos os amigos, em especial, a Adriano, Carlos Henrique, Cristiano,
Denilson, Felipe, Gaúcho, João, Júlio, Walderson e Tico (in memoriam),
pelos quais tenho imensa admiração.
iii
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG), pelo suporte financeiro para realização desta pesquisa.
Aos membros da Comissão Orientadora, em especial, ao prof. José
Benedito Pinho, pela competência e pela dedicação como orientador, e aos
demais professores e funcionários do Departamento de Economia Rural (DER)
da UFV.
Aos professores do Departamento de Administração, em especial, à
prof.a Telma, cujas contribuições foram decisivas para conclusão desta pesquisa.
Aos alunos das disciplinas Teoria Geral da Administração,
Administração de Vendas e Marketing I, por terem minhas atenções divididas
entre as duas atividades.
Aos colegas do curso, Alexandre, Bruno, Celso, Cláudia, Denilson, Beth,
Helen, Luciene, José Geraldo, Nazaré e Vânia.
A minha esposa Manoela, pelas valiosas sugestões, principalmente no
início da elaboração desta dissertação.
À Marísia, acadêmica de destaque, com quem o simples convívio muito
me incentivou nesta tarefa.
iv
BIOGRAFIA
RODRIGO GAVA, filho de Eloy Gava e Mariza Bardoza Gava, nasceu
em 16 de novembro de 1970, em Viçosa - Minas Gerais.
Em 1995, graduou-se em Administração na Universidade Federal de
Viçosa. Em 1996, trabalhou com pesquisa de marketing na Empresa APTA -
Pesquisa e Informação Ltda. Em 1997, fez o curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” em Gestão Estratégica em Marketing, no Instituto de Educação
Continuada (IEC), da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-
MG).
Em 1998, iniciou o Programa de Mestrado em Extensão Rural no
Departamento de Economia Rural, da Universidade Federal de Viçosa. No
mesmo ano, passou a lecionar disciplinas da área de administração no
Departamento de Administração do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
da mesma Universidade.
v
CONTEÚDO
Página
LISTA DE TABELAS ............................................................................... viii
LISTA DE FIGURAS ............................................................................... ix
RESUMO ................................................................................................... x
ABSTRACT .............................................................................................. xii
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1
1.1. Pesquisa básica e aplicada .............................................................. 4
1.2. Concentração industrial .................................................................. 5
1.3. O problema e sua importância ........................................................ 6
1.4. Objetivo geral ................................................................................. 10
1.5. Objetivos específicos ..................................................................... 11
2. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................. 12
2.1. Mercado globalizado e corporações transnacionais (TNCs) .......... 12
vi
Página
2.1.1. As corporações transnacionais e os investimentos externos
diretos ......................................................................................
17
2.2. O sistema agroalimentar (SAA) ..................................................... 23
2.2.1. Emergência do moderno SAA ................................................. 23
2.2.2. Implicações da emergência do SAA no processo de produ-
ção agrícola .............................................................................
27
2.2.3. O papel do Estado: a divisão do trabalho e a consolidação das
empresas de sementes .............................................................
30
2.2.4. A economia mundial e a expansão da indústria de sementes .. 36
2.2.5. Uma nova base tecnológica: a biotecnologia e as sementes .... 37
2.3. Análise da estrutura de concorrência da indústria: o modelo das
cinco forças de Porter ....................................................................
41
2.3.1. Rivalidade entre as empresas existentes .................................. 44
2.3.2. Ameaça de entrada de novos competidores ............................. 45
2.3.3. Pressão advinda de produtos substitutos .................................. 46
2.3.4. Poder de negociação dos fornecedores .................................... 47
2.3.5. Poder de negociação dos compradores .................................... 48
3. METODOLOGIA .................................................................................. 49
3.1. Unidade de análise ......................................................................... 49
3.2. Tipo de pesquisa ............................................................................. 50
3.3. Modelo de trabalho ........................................................................ 52
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO ................................................................... 62
4.1. Intensidade da rivalidade entre as empresas existentes .................. 62
vii
Página
4.1.1. Fusões e aquisições .................................................................. 67
4.1.2. Organismos geneticamente modificados (OGMs) ................... 74
4.2. Ameaça de entrada de novos competidores ................................... 81
4.3. Pressão advinda de produtos substitutos ........................................ 89
4.4. Poder de negociação dos fornecedores .......................................... 90
4.5. Poder de negociação dos compradores .......................................... 95
5. RESUMO E CONCLUSÕES ................................................................ 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 106
viii
LISTA DE TABELAS
1 Ranking das 10 maiores empresas da indústria de sementes e de
agroquímicos no ano de 1996 (em milhões de dólares) ...............
71
2 Ranking das 10 maiores empresas da indústria de sementes e de
agroquímicos no ano de 1997 (em milhões de dólares) ...............
71
3 Ranking das 10 maiores empresas da indústria de sementes e de
agroquímicos no ano de 1998 (em milhões de dólares) ...............
73
4 Área de cultivo de transgênicos em plantio comercial, por paí-
ses, nos anos de 1997 e 1998 (em milhões de hectares) ...............
75
5 Os maiores proprietários mundiais de patentes biotecnológicas
de milho (1998) ............................................................................
79
6 Maiores detentores de patentes biotecnológicas de plantas ......... 94
ix
LISTA DE FIGURAS
1 Forças que dirigem a concorrência na indústria ........................... 44
2 Fatores definidores das forças de concorrência na indústria ........ 53
3 Participação no mercado das quatro maiores empresas no Brasil,
por segmento, em 1999, em % .....................................................
63
4 Estimativa das áreas plantadas com sementes transgênicas, em
2000 ..............................................................................................
97
x
RESUMO
GAVA, Rodrigo, M.S., Universidade Federal de Viçosa, agosto de 2000.
Impactos da inovação biotecnológica na dinâmica da estrutura de
concorrência da indústria de sementes. Orientador: José Benedito Pinho.
Conselheiros: Alberto da Silva Jones e Geraldo Magela Braga.
Neste trabalho, procurou-se verificar como os avanços científicos e
tecnológicos, aqui tidos como principais instrumentos para a modernização
empresarial e elementos-chave para ganhos de participação de mercados de alta
competitividade, têm contribuído para que grandes grupos empresariais do setor
de sementes ampliem seu poder no mercado. Neste sentido, o objetivo geral deste
trabalho foi analisar a dinâmica da estrutura de concorrência do setor de insumos
agrícolas em decorrência das recentes inovações biotecnológicas, cujas
aplicações são incorporadas no insumo semente. De natureza descritiva e
interpretativa, o estudo utilizou, fundamentalmente, a pesquisa bibliográfica na
coleta de dados. A unidade de análise foram as corporações transnacionais da
indústria de sementes e o modelo utilizado na análise foi o das cinco forças de
Porter, com vistas em identificar a estrutura de concorrência da indústria de
sementes e revelar a sua dinâmica. Assim, a rivalidade entre as empresas
concorrentes, os entrantes potenciais, a ameaça de substituição, o poder de
xi
negociação dos fornecedores e o poder de negociação dos compradores foram as
variáveis de mensuração usadas para revelar a dinâmica da estrutura de
concorrência de uma indústria de sementes, cujas características básicas estão
enraizadas em sua economia e tecnologia. Os resultados demonstraram que, ao
reunir forças políticas e tecnológicas, o capital caminha rumo ao estabelecimento
de uma nova estrutura operacional, com destaque para a relação sinérgica entre
os avanços da biotecnologia e o estabelecimento de leis de patentes,
determinados pelos interesses das indústrias de sementes. Essas inovações
tecnológicas tendem a concretizar-se como projeções socialmente delineadas a
partir de uma visão de mundo como a de um grande mercado, alimentadas por
forças econômicas e difundidas pelo meio social dominante. É nesse sentido que,
embora exista um mercado para colheitas orgânicas, a maioria dos investimentos
toma a direção da agricultura biotecnológica. Pode-se apontar, como importante
achado deste estudo, que a busca de posição estratégica no mercado mundial tem
levado ao aquecimento das fusões e aquisições entre empresas, onde ganham
destaque as investidas das empresas agroquímicas rumo às de sementes, o que
demonstra o desejo das primeiras em apossar-se de um importante elemento
aglutinador das inovações, que é a semente. Pelos constantes movimentos de
fusão e aquisição, intensos nos anos em análise (1996, 1997 e 1998), percebeu-se
que pequeno número de empresas concentrou, de tal maneira, o mercado mundial
de sementes que a competição acabou se restringindo a elas, numa configuração
própria de um oligopólio industrial e distante da idéia de livre mercado formado
por grande número de vendedores independentes.
xii
ABSTRACT
GAVA, Rodrigo, M.S., Universidade Federal de Viçosa, August 2000. Impacts
of biotechnological innovation on the competition dynamics of the seed
industry. Adviser: José Benedito Pinho. Committee Members: Alberto da
Silva Jones and Geraldo Magela Braga.
The objective of this work was to verify how the scientific and
technological advances - here seen as the main tools for enterprise
modernization, decisive for assuring participation gains in a highly-competitive
market - have contributed for the greater expansion of large seed company
groups. Thus, the overall aim of this work was to analyze the dynamics of
competition in the farming input sector, caused by the new technological
innovations applied to the seed industry. Following a descriptive and
interpretative approach, bibliographic research was the main tool used for
collecting data. The analysis unit consisted of transnational seed corporations and
the analysis model used was that of Porter‟ five strengths (favor checar este
termo), aiming to identify seed industry competivity and its dynamics. Thus,
competition among the companies, potential beginners, the threat of replacement,
and buyers‟ and sellers‟ bargaining power were the variables used to measure the
competivity dynamics of a seed industry whose basic characteristics are rooted in
xiii
its economy and technology. The results showed that, by combining political and
technological forces, capital is moving towards the establishment of a new
operative structure, a synergistic relation between biotechnological advances and
the regulation of patents, determined by the interests of the seed industries. These
technological innovations tend to become socially-designed reflections based on
a vision of the world as a big marketplace, fed by economic forces and diffused
by the dominating social community. That‟s why, despite the existence of market
opportunities for organic agriculture, most investments turn to biotechnological
agriculture. An important finding in this study was that the search for a strategic
position in the world market has led to an increasing fusion and buying among
companies, especially investment of agrochemical companies on seed
companies. This shows the former‟s intention to take over the seed market – an
important element of innovation agglutination. The constant fusing and buying
activities, which were intense during the years this work was carried out (1996,
1997 and 1998), showed that a small number of corporations has concentrated on
the world seed market in such a way that competition ended up to be limited to
them, becoming an industrial oligopoly, far from the idea of free market
envisioned by a great number of independent sellers.
1
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho discute-se um tema de extrema atualidade - a
biotecnologia no contexto da globalização -, hoje imerso em demandas
econômicas, políticas, tecnológicas, culturais e ambientais. Entre outras questões,
MARINE (1997) identificou algumas características próprias do mercado
globalizado.
O processo mundial no qual ingressamos a partir da década de 1980, e que se convencionou chamar de globalização, se caracteriza pela superação
progressiva das fronteiras nacionais no quadro do mercado mundial, no que se
refere às estruturas de produção, circulação e consumo de bens e serviços,
assim como por alterar a geografia política e as relações internacionais, a organização social, as escalas de valores e as configurações ideológicas
próprias de cada país (MARINE, 1997:90).1
Nesse sistema globalizado, as corporações transnacionais (TNCs)
emergem como importantes protagonistas. São empresas que se dedicam à busca
de melhores alternativas para se adaptarem ao ritmo imprimido pelo processo de
globalização e de uma postura estratégica em um ambiente turbulento, mutante e
extremamente competitivo. Da mesma forma, reconhecem a necessidade de
1 Tradução literal para “el proceso mundial a que ingresamos a partir de la década de 1980, y que se ha
dado en llamar de globalización, se caracteriza por la superación progresiva de las fronteras nacionales
en el marco del mercado mundial, en lo que se refiere a las estructuras de producción, circulación y
consumo de bienes y servicios, así como por alterar la geografía política y las relaciones
internacionales, la organización social, las escalas de valores y las configuraciones ideológicas propias
de cada país” (MARINE, 1997:90).
2
ajuste nos Estados Nacionais em que haja livre concorrência, propalada como a
verdadeira mola mestra que impele o desenvolvimento das sociedades.
No entanto, ainda ganham importância outros dois importantes atores, as
instituições financeiras e os bancos. A relação entre eles e as TNCs foi
estabelecida por COX (1997), segundo o qual uma economia globalizada está,
primeiramente, associada à internacionalização da produção pelas corporações
multinacionais e ao estabelecimento de um mercado financeiro global
desregulamentado. Como sugeriu GREIDER (1997), o sistema industrial de
produção multinacional e o mercado mundial financeiro formam uma moldura na
qual se enquadra o conceito de “um único mundo”. Isto ocorre porque as pessoas,
a partir dos mais diversos lugares, estão ligadas aos mesmos mercados. Essa
convergência não tem centro fixo, fronteiras definidas ou resultados
estabelecidos. Segundo ele, cada vez que uma empresa desbrava novos
territórios, o mapa muda - e muda tão rapidamente que já se tornou lugar comum
falar de mercados de “um único mundo” para tudo, de carros a capital.
Nesse mercado sem fronteiras, a busca de fatias de mercado é acirrada,
sendo que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) por parte das
TNCs alcançam cifras vultosas. Já reconhecida como fator impulsionador do
desenvolvimento capitalista e importante elemento para fortalecimento de uma
posição competitiva de mercado, a tecnologia representa um ponto nevrálgico
para as empresas, principalmente para aquelas que operam em nível global.
Assim, a inovação tecnológica assume importância à medida que se torna o
principal instrumento para a modernização empresarial e para o lançamento de
novos produtos ou aperfeiçoamento dos existentes, fatores que lhe conferem
papel estratégico em mercados de alta competitividade.
Pela concepção clássica e neoclássica, a alteração técnica se produz em
resposta à demanda do consumidor. Nesse sentido, a sociedade adquire uma
dinâmica natural, o que implica que seus participantes estão em constante
mudança. Entretanto, para compreender o sentido da inovação tecnológica, é
necessário tomá-la num sentido crítico, inerente à complexidade das relações
existentes na sociedade. Na verdade, a alteração técnica converte-se num traço
3
fundamental da sociedade, ao mesmo tempo que o mercado (capitalista) se
converte num traço da atividade econômica da atualidade. Portanto, uma vez que
o mercado se institucionaliza, os produtores se encontram numa situação de
constante e inatingível busca da competência.
A habilidade em aplicar novas tecnologias aos seus processos industriais
e aos seus produtos tem sido a marca registrada do setor de insumos agrícolas. O
próprio desenvolvimento dessas indústrias, assim como o seu sucesso, pode ser
creditado a sua habilidade em suprir o processo de produção agrícola com as
mais inovadoras tecnologias. Estas, ao elevar os ganhos de produtividade,
acabam por reduzir os custos do setor produtivo. É a partir desses esforços que se
desenvolveram novas empresas, dedicadas, exclusivamente, ao fornecimento de
insumos ao setor produtivo. São essas firmas, segundo BEIERLEIN e
WOOLVERTON (1991), as grandes responsáveis pela maior parte das
modificações introduzidas nas práticas de produção agrícola, na medida em que
os produtores passam a comprar os novos insumos.
A partir do momento em que os produtores compram mais do que
preparam seus próprios insumos, eles passam a ter mais tempo para se dedicarem
à produção. Com estratégias bem definidas de marketing, os três segmentos deste
setor - de equipamentos, de sementes e fertilizantes e o químico -
desenvolveram-se, dadas as suas habilidades em atender às demandas dos
produtores. Mas é justamente a racionalidade desse modelo que leva a uma
situação que torna os produtores cada vez mais dependentes das empresas de
insumos agrícolas.
Para se manterem atualizados e produtivos, os produtores agrícolas
buscam competência, de modo que os preços de seus produtos sejam
constantemente reduzidos a partir do aumento da produtividade. O produtor tem
que optar por se retirar do mercado ou por tomar medidas para reduzir custos e
produzir mais com o mesmo capital. Nesse ponto, ele recorre à nova tecnologia.
Em contrapartida, a necessidade de vender também é maior.
Caso os setores do agronegócio não estejam integrados, grande parte do
capital investido pelo produtor estará imobilizado em um produto perecível e
4
altamente sensível à ação do tempo. Por outro lado, é justamente a integração que
intensifica as relações de dependência dos produtores, que cada vez mais
empregam as inovações para se ajustarem às necessidades industriais do setor de
processamento e manufatura.
Em essência, a alteração técnica é um processo cujo resultado deriva de
esforços conscientes de grupos específicos para satisfazer a suas necessidades
criadas socialmente, o que elimina qualquer caráter de neutralidade na geração de
tecnologia.
1.1. Pesquisa básica e aplicada
O caráter de complementaridade entre as ciências básicas e as aplicadas é
grande, na medida em que, a partir do conhecimento gerado na primeira, a
segunda produz seus resultados. Entretanto, como será visto no capítulo 2, a
vocação das empresas privadas é voltada para a pesquisa aplicada, que permite a
rápida aplicação comercial e o retorno dos investimentos realizados. Assim,
THIRTLE e ECHEVERRIA (1994) ressaltaram que haverá poucos incentivos
para que o setor privado se envolva com pesquisa, quando esta for do tipo
básica2, quando se referir a áreas de tecnologia, em que o conhecimento não pode
ser facilmente incorporado à produção, como é o caso da maioria das pesquisas
agrícolas, e quando as instituições de proteção aos direitos de propriedade
intelectual forem ineficientes, dentre outros.
Na pesquisa biológica, observa-se que o setor público tende a dirigir suas
atividades de pesquisa rumo ao controle e à investigação de material genético
básico, enquanto o setor privado se preocupa com sua aplicação prática. No caso
das indústrias de insumo, particularmente as de sementes e fertilizantes, a
2 Consideram-se como tipos de pesquisa a básica, voltada para o desenvolvimento do conhecimento, em
que se procura conhecer o objeto em estudo e não a sua aplicação prática; a estratégica, definida por parâmetros políticos, segurança nacional, alimentação, etc.; a aplicada, em que o interesse é na
aplicação do conhecimento; e a adaptativa, que abrange a idéia de desenvolvimento, ou seja, adaptar-se
usando o meio ambiente, o ambiente econômico e a tradição cultural. Vale ressaltar também que, no
emprego do termo P&D (pesquisa e desenvolvimento), o D refere-se ao uso sistemático do
conhecimento científico para a produção de um material útil, incluindo desenho e desenvolvimento de
protótipos e processos.
5
pesquisa toma a direção de mercado, para criar a diferenciação de produtos. Esta
questão ganha relevância pelos impactos que a biotecnologia promove na
estrutura de concorrência do setor de insumos, notadamente em relação à
indústria de sementes, objeto deste estudo.
1.2. Concentração industrial
As TNCs utilizam as fusões e aquisições como principais estratégias
mercadológicas para ganhos de participação de mercado e posição competitiva
estratégica. Além disso, elas levam à diminuição de poder dos demais
concorrentes e, em conseqüência de sua reestruturação organizacional, podem
ainda estar mais preparadas para o atendimento de demandas futuras.
As companhias norte-americanas foram as maiores protagonistas deste
processo de fusões e aquisições. Em 1996, os valores atingiram US$ 648 bilhões,
logo superados, em 1997, por um valor que excedeu US$ 744 bilhões. Embora
transações como estas tenham ocorrido no norte industrializado, essa
consolidação é um fenômeno global, como pode ser percebido pelos
investimentos estrangeiros diretos (IEDs) dessas companhias no exterior
(RURAL ADVANCEMENT FOUNDATION INTERNATIONAL - RAFI,
2000e).
A Rural Advancement Foundation International (RAFI) tem monitorado
alianças e fusões na indústria de sementes durante as duas últimas décadas. O
desenvolvimento de novos cultivares de plantas e a venda de sementes não são
mais domínio de pequenas empresas e companhias regionais, mas sim das
grandes corporações agroquímicas e farmacêuticas.
O grau de concentração desse mercado também pode ser notado quando
se sabe que, de meados de 1995 ao final de 1996, a empresa norte-americana
Monsanto investiu cerca de US$ 2 bilhões em aquisições de empresas do
6
mercado de sementes3. Em 1996, as 10 maiores companhias de sementes
controlavam cerca de 40% do mercado global, com valor estimado em US$ 15
bilhões (RAFI, 2000e).
Já no setor agroquímico, as 10 maiores corporações venderam US$ 25,1
bilhões em 1996, representando 82% de todas as vendas do mercado de
agroquímicos. Em agosto de 1997, a DuPont (também norte-americana) adquiriu
20% da Pioneer Hi-Bred, maior empresa de sementes do mundo, por US$ 1,7
bilhão. As duas empresas investiriam cerca de US$ 400 milhões em pesquisa
agrícola. A AgriBiotech, outra companhia sediada nos EUA, foi fundada em
1995 e estabeleceu planos de controlar, no ano de 2000, 45% do mercado de
sementes de forragem e grama. Para isso, no curto período de 1995 a 1997, a
transnacional realizou 14 aquisições de companhias de sementes e suas vendas
anuais passaram de US$ 4,7 milhões para US$ 230 milhões (RAFI, 1999a).
Estudo recente da RAFI (2000d) mostra que as cinco maiores empresas
de genes detêm, aproximadamente, 60% do mercado global de pesticida, quase
23% do mercado de sementes comerciais e, teoricamente, 100% do mercado de
sementes transgênicas.
Nesse contexto, argumenta-se que a biotecnologia tende a aumentar a
concentração no setor industrial de insumos agrícolas. Tendo em vista,
principalmente, o alto custo dos investimentos necessários, essa movimentação
acaba criando forte barreira de entrada para outras empresas, minimizando a
possibilidade de estas explorarem o mercado com produtos inovadores e
protegidos por leis de proteção aos criadores de plantas e pelas leis de patentes.
1.3. O problema e sua importância
Ao longo do tempo, muitos países na América Latina, em especial, o
Brasil, adotaram vários gigantes do agronegócio mundial e tornaram-se países
3 Outro valor presente nas fusões e aquisições pode estar em assegurar a propriedade das inovações
tecnológicas de cada empresa envolvida na negociação, o que as torna ainda mais lucrativas por
deterem os direitos, nos casos dos criadores de plantas e das patentes, resultantes de inovações. A
propriedade das inovações garante o retorno dos investimentos.
7
orientados para a exportação (export-oriented), a partir de uma agricultura
intensiva que representava a chave para o crescimento econômico de cada um
deles. O crescimento dessas empresas no Brasil, principalmente a partir da
disseminação ideológica da Revolução Verde, de origem norte-americana, teve
apoio e ação governamentais brasileiros.
Essa influência hegemônica dos EUA passa a direcionar a política
agrícola dos países do então Terceiro Mundo, que, de auto-suficientes em
diversos setores, principalmente na produção de grãos, passam a reestruturar-se
em razão de interesses externos. A nova direção leva a agricultura para uma base
exportadora, portanto, mais suscetível aos desequilíbrios externos4. Por outro
lado, além do interesse num mercado promissor, as grandes corporações
transnacionais do agronegócio buscam mercados como o brasileiro, dada a
possibilidade de apropriação de sua rica diversidade biológica, que, entre outras
características, é também fonte de lucro.
Na sociedade atual, a passagem do fim da revolução industrial às
primeiras fases da tecnológica tem revolucionado tanto aspectos inerentes à
produção quanto à informação. Em suas incursões, a biotecnologia tem seu uso
como principal fator para a produção agrícola, em que podem ser destacadas as
novas possibilidades de manufatura das commodities agrícolas e,
conseqüentemente, os demais elementos da cadeia agroalimentar (KING e
STABINSKY, 2000).
A Convenção em Diversidade Biológica (CBD), em 1992, definiu a
biotecnologia como “qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas
biológicos, organismos vivos ou derivados, para fazer ou modificar produtos ou
processos para usos específicos”5 (FOOD AND AGRICULTURE
4 Instaura-se ainda um regime de exportação agrícola para financiar a importação de alimentos, tendo este
esforço se direcionado para a importação de produtos de alto valor agregado, aumentando, ainda mais, a
diferença não só nas relações comerciais desfavoráveis ao Terceiro Mundo, como também entre a
produção agrícola doméstica (exportação) e as demandas alimentares locais. Em apenas uma geração, a auto-suficiência na produção de grãos foi desarticulada e a dependência à importação transferiu o
controle dos recursos naturais para o mercado internacional e para os complexos agroalimentares,
dominados pelas corporações transnacionais (GOODMAN, 1991).
5 Tradução literal para “any technological application that uses biological systems, living organisms or
derivates thereof, to make or modify products or processes for especific uses”.
8
ORGANIZATION - FAO, 2000). Sua aplicação na produção agrícola e na
agroindústria inclui, principalmente, a cultura de tecidos, as técnicas
imunológicas e as técnicas de genética molecular e DNA recombinante. Apesar
de suas inúmeras aplicações industriais, este trabalho focalizará as inovações
biotecnológicas aplicadas à indústria de insumos agrícolas, em especial, à
indústria de sementes.
A biotecnologia representa um importante instrumento para o
desenvolvimento agrícola, dados seus aspectos positivos e negativos. Associada a
outras tecnologias, ela pode indicar novas soluções para antigos problemas
relacionados com o desenvolvimento de uma agricultura sustentável e com a
produção de alimentos.
A despeito de suas inúmeras possibilidades, o que se tem percebido é a
busca de aplicações que traduzam os investimentos em biotecnologias em lucros,
numa conduta de fortes tendências mercadológicas, o que tem trazido à tona uma
intensa discussão ética e moral.
A aplicação da biotecnologia, que tem causado polêmica, refere-se aos
alimentos derivados de plantas alteradas geneticamente, ou, como já são
conhecidos, organismos geneticamente modificados (OGMs). Plantas derivadas
de sementes transgênicas adquirem características de interesse a partir da
introdução de um ou mais genes de outro organismo. Assim, pode-se, por
exemplo, melhorar seu desempenho produtivo ou sua resistência a pragas e a
doenças.
O assunto está envolto em grandes incertezas, é polêmico e tem recebido
extensa cobertura da imprensa. O Jornal do Brasil, por exemplo, noticiou que a
Grã-Bretanha estava preparando uma revisão completa de sua política com
relação aos transgênicos, ou, como são conhecidos por lá, GM-foods (genetically
modified foods - alimentos geneticamente modificados), ou comida frankenstein.
Por sua vez, alguns grupos de defesa do meio ambiente, como o Greenpeace e os
Amigos da Terra (FOE), propuseram uma moratória para a liberação da
plantação comercial dos transgênicos. Nesse sentido, ganharam apoio da
Associação Médica Britânica, que condena explicitamente alimentos com genes
9
programados para atacar pragas da lavoura, por entender que podem produzir
efeitos inesperados, atacar outros animais da cadeia alimentar e resultar no
surgimento de superpragas resistentes aos agrotóxicos conhecidos (JOBIM,
1999). Dentre as regulamentações a serem discutidas, incluía-se, além da
moratória, a revisão do Acordo Mundial do Comércio para garantir que os
governos, e não as empresas privadas, se responsabilizassem pelas importações e
pelo controle dos transgênicos.
Como noticiado por MUNIZ (2000:40), “ecólogos e ambientalistas
alertam sobre a falta de dados científicos capazes de assegurar que uma planta
transgênica é realmente segura ao ambiente e à saúde humana”. Nesse sentido,
esses profissionais chegaram a enunciar prováveis desequilíbrios ecológicos
decorrentes da introdução dessas plantas modificadas geneticamente nas
lavouras, como, por exemplo, o risco de as plantas mutantes se tornarem pragas
de proporções alarmantes por serem mais resistentes, o que as faria reproduzir
com maior rapidez.
O Jornal do Brasil, em editorial do dia 24 de maio de 1999, comentou
que o pólen do milho transgênico mata, além das pragas que o atacam, borboletas
e mariposas6, o que comprometeria a biodiversidade. Isto ocorre pela ação do
vento, que dispersa o pólen para áreas próximas ao milharal, sendo depositado
em outras plantas, o que faz com que atinja outros organismos não-visados.
Em países como os EUA, onde a plantação e o consumo de alimentos
que contenham modificações genéticas estão liberados, já é possível encontrar
genes modificados em papinhas de bebês, biscoitos, achocolatados, molhos,
massas e, principalmente, derivados de milho e soja, como os cereais, que, nos
EUA, já têm metade de sua produção dominada pelas lavouras transgênicas
(MUNIZ, 2000). No Brasil, apesar de a produção ainda estar suspensa, já e
possível encontrar seus derivados nos supermercados, mediante importação.
6 Nos Estados Unidos, pesquisadores da Universidade de Cornell publicaram os resultados de um estudo
em que afirmam que as folhas pulverizadas com o pólen do milho transgênico Bt (de Bacillus
thuringiensis, a bactéria utilizada para modificar geneticamente a planta) matou larvas de borboleta-
monarca (Danaus plexippus) (MITCHELL, 1999).
10
Paralelamente a essa discussão de nível ético e moral dos resultados da
biotecnologia, outra, de igual importância, precisa ser ressaltada. Trata-se das
implicações da biotecnologia na estrutura da indústria de sementes e na sua
concorrência. Assim, como problema de pesquisa, far-se-á uma análise do
impacto da biotecnologia na estrutura de concorrência do setor de sementes e,
por conseqüência, na distribuição do poder de comando dos mercados.
A este contexto de competição numa economia de livre mercado global é
que essa dissertação está direcionada. Nesse sentido e com base num estudo
sobre as mudanças estruturais ocorridas na indústria, admite-se, como hipótese,
que a biotecnologia tenha provocado impactos na estrutura de concorrência do
setor de insumos agrícolas, afastando-a mais ainda de uma estrutura fragmentada,
o que seria uma estrutura mais próxima da perspectiva dada pela livre
concorrência. Esse afastamento leva a uma estrutura concentrada, fechada, com
grandes barreiras de entrada, na qual os participantes atuais detêm grandes
parcelas de mercado e, por conseqüência, detêm o poder de comando desses
mercados. Além disso, o novo formato da estrutura de concorrência aproxima-se,
cada vez mais, de uma estrutura oligopolizada, própria das TNCs.
As conseqüências dessas mudanças devem ser drásticas e óbvias,
especialmente quando ocorrem em países em desenvolvimento e com problemas
de desemprego e dívida externa. As mudanças relacionadas com a estrutura de
concorrência do setor industrial de insumos agrícolas, notadamente as indústrias
de sementes, são evidenciadas pelo emprego do modelo das cinco forças de
PORTER (1998), que é abordado no capítulo 2.
1.4. Objetivo geral
Com base nesse contexto, o objetivo geral deste trabalho é analisar a
dinâmica da estrutura de concorrência do setor de insumos agrícolas em razão
das recentes inovações biotecnológicas, cujas aplicações são incorporadas no
insumo semente.
11
1.5. Objetivos específicos
1. Apresentar a configuração atual do setor de sementes, assim como o nível de
concorrência nesta indústria e a rivalidade entre as empresas existentes;
2. Identificar como as recentes inovações biotecnológicas podem interferir no
poder de barganha dos fornecedores da indústria de sementes;
3. Identificar a forma pela qual as recentes inovações biotecnológicas interferem
no poder de negociação dos compradores da indústria de sementes;
4. Identificar a forma como as recentes inovações biotecnológicas tendem a
aumentar as barreiras de entrada na indústria de sementes; e
5. Identificar, no caso de produtos substitutos, a maneira como as recentes
inovações biotecnológicas aumentam a concorrência entre as empresas de
semente.
12
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Mercado globalizado e corporações transnacionais (TNCs)
Neste trabalho, a compreensão do processo de globalização segue a
orientação de autores que, em suas explanações, consideram as TNCs como
elementos dinâmicos desse processo, além de indicarem, em suas análises, o
lugar ocupado por países periféricos como o Brasil, em relação ao países
centrais.
Nesses termos, é necessário tratar o assunto com base na conjuntura
atual, de economia globalizada e premissas liberais, em que a idéia da
globalização se difundiu rapidamente. Para tanto, basta um simples olhar no
discurso político e econômico e no noticiário cotidiano dos diversos países, para
constatar que a “globalização”7 se tornou um conceito-chave nos anos 80.
No entanto, muitos autores começaram a demonstrar preocupação com a
disseminação de uma idéia restrita acerca do fenômeno, que exprime uma
aparente capacidade explicativa por reunir, numa única palavra, inúmeros
7 O emprego do termo nos círculos acadêmicos foi raro até a metade dos anos 80, sendo usado, pela
primeira vez, por Théodore Levitt, num artigo publicado em 1983, para designar a convergência dos
mercados do mundo inteiro. Mas é Kenichi Omae, a partir da obra The bordless world: powerand
strategy in the interlinked economy, publicada em 1990, que o popularizaria. Como o próprio nome do
livro indica, o contexto de referência para o termo globalização é o de um mundo sem fronteiras, que
represente, em última instância, um mercado aberto à disposição do capital.
13
acontecimentos e circunstâncias. É nesse sentido que CHESNAIS (1986)
defendeu uma distinção conceitual para o termo “globalização”.
Para ele, a busca de um termo mais preciso se faz justa quando se nota
que o conceito de globalização induz a uma falsa idéia de um mundo homogêneo
e integrado, distante da realidade desigual e desintegrada do mundo atual, o que
acaba por lhe conferir determinada carga ideológica. Além disso, CHESNAIS
(1986) ressaltou que, quando se pensa em administração de empresas, o termo
tem sua utilização direcionada às grandes corporações multinacionais
“triádicas”8, com o propósito de expressar o fim dos obstáculos à expansão das
empresas, independente do lugar onde se possam gerar lucros, graças à
liberalização e à desregulamentação, à telemática e aos satélites de comunicação,
que serviam de instrumentos de comunicação e controle.
Essa preocupação com a imprecisão do termo também está presente em
GÓMEZ (1999:129), segundo o qual
o termo está atravessado por uma ambivalência ou imprecisão constitutiva em
função da variedade de fenômenos que abrange e dos impactos diferenciados
que gera em diversas áreas: financeira, comercial, produtiva, social,
institucional, tecnológica, cultural, etc.
Ademais, ele questionou
se não se está diante de mais um modismo intelectual do ocidente neste final de
século, de consumo rápido e descartável; ou, ao contrário, se não se trata de algo revelador, para além do efeito de moda e de outros usos, da necessidade
de empreender um esforço de conceituação das múltiplas e profundas
transformações em curso no mundo atual (GÓMEZ, 1999:128).
Para usufruir dessa nova configuração mundial, seria necessário que
essas empresas reformulassem suas estratégias mercadológicas internacionais.
Instrumentos reguladores, como cotas de importação e controle de fluxos de
mercadorias, tornam-se ineficientes nesse contexto. As empresas estruturam-se
em nível global e a internacionalização acaba sendo dominada mais pelo
investimento internacional do que pelo comércio exterior, no qual os fluxos de
intercâmbios intercorporativos adquirem importância cada vez maior. Conforme
descreveu CHESNAIS (1986:27),
8 Termo empregado em referência aos três centros convergentes do poder econômico do capitalismo
mundial, ou seja, a tríade: Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão.
14
o que há de novo é que as empresas recorreram a novas combinações entre os
investimentos internacionais, o comércio e a cooperação inter-empresas
coligadas, para assegurar sua expansão internacional e racionalizar suas
operações. As estratégias internacionais do passado, baseadas nas exportações, ou as estratégias multidomésticas, assentadas na produção e
venda no exterior, dão lugar a novas estratégias, que combinam uma série de
atividades transnacionais: exportações e suprimentos externos, investimentos estrangeiros e alianças internacionais. As empresas que adotam essas
estratégias podem tirar proveito de um alto grau de coordenação, da
diversificação de operações e de sua implantação local.
Tomam forma a descentralização industrial e a formação de redes globais
baseadas no fluxo de informações, bases de sustentação para o crescimento das
empresas em nível mundial. Segundo CASTELLS (1999:21), essas são
características que correspondem a uma profunda reestruturação do capitalismo,
“caracterizado por uma maior flexibilidade de gerenciamento; descentralização
das empresas e sua organização em redes tanto internamente quanto em suas
relações com outras empresas (...)”.
A intenção era ter, como escorço desse processo, a idéia de que a
globalização, apesar de alguns inconvenientes, apresenta vantagens, embora estas
não sejam facilmente definidas nos relatórios oficiais. Generaliza-se, assim, a
noção de que é preciso que a sociedade se adapte às novas exigências e
obrigações, e também que se descarte qualquer intenção de controlar, dominar ou
orientar esse novo processo (CHESNAIS, 1986).
A globalização, pelo visto, reergue o ideal libertário do mercado, uma
vez que o grande efeito da liberalização do comércio exterior foi o de facilitar as
operações dos grupos industriais multinacionalizados.
À luz dessas considerações, CHESNAIS (1986) sugeriu o emprego do
termo “mundialização”, uma vez que este reflete mais nitidez conceitual que os
termos “global” e “globalização”. Para ele, a palavra “mundial” traduz mais
precisamente a idéia de que, já que a economia se mundializou, seria importante
construir instituições políticas mundiais capazes de dominar (domar) seu
movimento. Mas isso dificilmente ocorreria, pois é justamente o que não querem
os países do bloco triádico, cuja pretensão é tirar vantagem dessa liberdade e
assim impor sua força econômica e financeira, deixando aos demais a tarefa de se
adaptarem. Dada a liberdade desencadeada nesse processo, grupos industriais e
15
operadores financeiros mundiais estão distantes de quaisquer possibilidades de
políticas mundiais coercitivas. O contexto sugerido pelo termo “mundialização”
compreende todo o planeta como participante do processo. Ele estende a idéia de
que o mundo em questão não se refere apenas aos que, de alguma forma, são
atores diretos das trocas que dele decorre. Pelo contrário, sua abrangência
alcança os mais distantes países, estados ou cidades que, mesmo que não se
relacionem diretamente com o processo de trocas, sofrem suas conseqüências e
têm suas possibilidades de ação restringidas ou remodeladas.
Na mesma linha, COX (1997) entendeu que a globalização representa
um crescimento desconectado e com interdependência mundial. Ele abordou o
termo num sentido multidimensional, ou seja, ao mesmo tempo que representa
uma relação de interdependência, é também desconectado na política, na
economia e no bem-estar, na cultura, na ecologia e em valores de vários tipos.
Segundo ele, “nenhuma área de atividade humana está isolada; e dentro de cada
área, ninguém está a salvo das condições e atividades de outros” (1997:49).9
Assim, sem desconsiderar a decisiva contribuição de Chesnais, o
emprego do termo globalização não será descartado e seu significado
compreenderá, sempre, o sentido mais amplo sugerido pela idéia de
mundialização. No mesmo sentido, é oportuno que se faça a mesma consideração
sobre os termos multinacionais e corporações transnacionais, ou TNCs. Embora
ambos estejam empregados neste trabalho, o sentido a ser considerado é sempre
o de TNCs. Empresas multinacionais trazem a idéia de que, por estarem
presentes em vários países, possuem várias nacionalidades, o que nem sempre é
verdade. Por isso, optou-se pelo sentido dado pelo termo TNC, no qual fica claro
que, apesar de ter trânsito livre em diversos países, as decisões e estratégias
partem de seus países-sede, assim como a apropriação maior dos lucros.
9 Tradução literal para “No one area of human activity is isolated; and within each area, no one is
untouched by the condition and activities of others”. Nesse trabalho, Cox examinou como a
globalização da economia afeta as possibilidades da democracia. Dedicou-se à perspectiva de entender
democratização - o processo de se tornar democrático - de um modo que vai além da democracia liberal,
que compreende o território de um Estado com sua população. Considerou então o conceito em
instituições não-territoriais como empreendimentos industriais, igrejas, uniões comerciais, clubes,
instituições internacionais e em relações sociais em comunidades e na vida familiar.
16
Assim, a idéia base para compreender a economia globalizada refere-se
aos pressupostos do ideário liberal da economia marginalista, baseado na
liberdade das ações individuais e que sustenta o discurso dos que, aparentemente,
se beneficiam de uma liberdade generalizada.
É importante considerar que não se trata de negar a economia de
mercado em si, mas de posicionar seus elementos10
, de entender a
industrialização como força subordinada às exigências dos homens. Como
descrito por POLANYI (1980:243), “a verdadeira crítica da sociedade de
mercado não é pelo fato de ela se basear na economia - num certo sentido, toda e
qualquer sociedade tem que se basear nela - mas que a sua economia se baseava
no auto-interesse”.
O que se pretende, com essa passagem, é desmistificar a suposta
liberdade, consubstanciada na idéia de que uma mão invisível11
coordenaria as
relações internacionais. Na verdade, em busca de seu benefício próprio, o que
caracterizou o desenvolvimento dos países que hoje formam a tríade foi,
justamente, uma ativa e presente mão visível, ou seja, a mão do Estado.
POLANYI (1980) mostrou que, tanto para compreender o nascimento
quanto o sepultamento do livre mercado, o Estado é nuclear. Nas análises desse
autor, o Estado está no centro da questão, com papel decisivo tanto no
surgimento quanto na manutenção do capitalismo. DÓRIA (1994), ao comentar o
trabalho de Polanyi, argumentou que o Estado não só ajudou no surgimento do
capitalismo, mediante criação artificial do mercado de trabalho na Inglaterra do
Speenhamland Act (1795-1834), como também se fez presente como
“mediador”, sempre que foi imprescindível impor limites à exploração e amparar
10 Polanyi evidenciou que a organização econômica não tem nada de natural, contrapondo-se à idéia de
que o homem, na sua atividade econômica, tenderia a guiar-se pela racionalidade econômica, sendo
que todo pensamento contrário seria resultado de uma interferência externa. Ele opôs-se à idéia de que
o mercado aparece como instituição natural, que surgia espontaneamente a partir do momento em que o homem era deixado em paz. Um sistema econômico, em que o mercado era regido pelo controle
único dos preços e em que uma sociedade baseada nesse mercado seria o objetivo de todo progresso
(POLANYI, 1980).
11
Expressão cunhada por Adam Smith, em 1776, na obra “A Riqueza das Nações”.
17
o trabalhador. Mais à frente, pode-se perceber essa posição na forte participação
do Estado no desenvolvimento da indústria de insumos agrícolas.
Não se pretende aqui aprofundar a análise das ações do Estado e sua
complexa relação com a economia de mercado, o que fugiria aos objetivos deste
estudo, mas apenas apontar algumas considerações a ele inerentes e reconhecer o
papel fundamental que exerce nesta relação.
A partir dessas considerações, nota-se que no surgimento, no
crescimento e na consolidação dos grandes grupos industriais dos países
desenvolvidos, aqueles sempre se beneficiaram do expressivo apoio estatal.
Mesmo em épocas mais recentes, a intervenção do Estado se fez presente.
Segundo SANTOS (1993:57),
apesar do intenso processo de integração e globalização mundial e da sua
regionalização, os Estados Nacionais continuam a ser a unidade econômica,
política e cultural essencial sobre a qual se assentam esses fenômenos. (...). São eles que patrocinam ou freiam os processos globais,
pressupostos distantes do ideal de livre mercado e da não-intervenção estatal na
economia. Trata-se de uma “não-intervenção” qualificada, ou seja, o Estado não
interfere em prejuízo dos empresários, mas para disciplinar a força de trabalho.
Ele assume uma postura de permanente intervenção, numa suposta busca de
garantia da “economia da população”, a exemplo de suas ações de repressão às
greves.
Estado e mercado, mais que ordens contrárias, representaram uma força
eficaz para o desenvolvimento do capitalismo. No entanto, o discurso, de cunho
liberalizador da economia, clama pela mínima intervenção do Estado e pela
necessidade de adaptação à nova ordem mundial.
2.1.1. As corporações transnacionais e os investimentos externos diretos
A internacionalização deve ser entendida como um processo de
expressão genérica que envolve, principalmente, o comércio exterior, os
investimentos externos diretos (IED) e os fluxos internacionais de capital. Dada a
estreita relação desses fatores com os grandes grupos industriais multinacionais,
18
CHESNAIS (1986) sugeriu que se considerem as entradas e saídas de tecnologia
(sejam incorporadas aos equipamentos, sejam transmitidas ou adquiridas de
forma intangível), o movimento internacional de pessoal qualificado e o fluxo de
informação e dados como outros fatores desse processo. Entretanto, de todos, o
IED12
é o principal fator de configuração das relações internacionais, tendo,
inclusive, suplantado o comércio exterior como o vetor principal no processo de
internacionalização.
Basicamente, os IEDs foram impulsionados pela ação da concorrência,
que fizeram com que os grupos mais fortes arrebatassem das empresas
absorvidas suas participações de mercado. Além disso, reestruturam e
racionalizam suas capacidades de produção e conseguem, assim, centralizar e
concentrar suas atividades. Dessa forma, acabam obtendo maior poder. O
patamar de concentração de capital nessas grandes empresas, com suas sedes
invariavelmente nos países da tríade, acabou configurando um oligopólio
mundial, onde a estrutura de oferta de bens e serviços tem forma oligopolística.
É importante notar que as relações comerciais estabelecidas pelos
grandes grupos ocorrem, essencialmente, nos países da tríade, dando forma a um
“oligopólio mundial”13
, caracterizado por Chesnais como um “espaço de
rivalidade industrial”. Esse espaço acabou por ser constituído
sobre a base da expansão mundial dos grandes grupos, de seus investimentos diretos cruzados intratriádicos e da concentração internacional resultante das
aquisições e fusões que efetuam para esse fim. É delimitado por um tipo
peculiar de interdependência, que ligam o pequeno número de grandes grupos que chegam a adquirir e manter uma posição de concorrente efetivo a nível
mundial, em determinada indústria (CHESNAIS, 1986:37).
12 Segundo CHESNAIS (1997:30), “mais ou menos oitenta por cento dos investimentos diretos no
exterior aconteceram em países capitalistas avançados, e cerca de três quartos das operações tiveram
como objeto a aquisição e a fusão de empresas existentes, ou seja, uma mudança de propriedade do
capital e não a criação de novos meios de produção”.
13 O dinamismo das trocas foi circunscrito aos três pólos da tríade e às zonas localizadas imediatamente
em torno deles. Se se considerar que os países do Sudeste Asiático e do mar da China, a partir de
então, fazem parte do pólo em que o Japão é o centro, é entre as economias desses pólos, em direção a
eles e a partir deles que se concentram 87% das importações e 94% das exportações mundiais de produtos manufaturados. É aí que se encontram os únicos crescimentos significativos. São,
essencialmente, trocas “intra-ramo”, ou seja, baseiam-se em fluxos de produtos intermediários e
complementares e de componentes entre filiais ou empresas associadas. Os grupos industriais têm
participação ativa em dois terços das trocas internacionais de bens e serviços. Só em relação ao
comércio mundial, cerca de 33% pertencem à categoria “intragrupo” ou “intra-empresa” (CHESNAIS,
1997:42-43).
19
A idéia de oligopólio não corresponde apenas a uma quantificação
mecânica do grau de concentração de empresas na economia mundial. Segundo
CHESNAIS (1997:31), os oligopólios representam “grupos que são realmente
capazes de sustentar uma concorrência „global‟, conduzida, simultaneamente, em
seu próprio mercado, nos de seus rivais e nos mercados de terceiros”.
Ademais, a compreensão do termo torna-se mais precisa quando se têm,
como referência, dois planos de análise: o doméstico e o mundial. No plano
doméstico, o oligopólio tem forma de um monopólio coletivo, estabelecido e
gerido entre vários grupos, de acordo com regras determinadas e respeitadas por
todos. Nesse sentido, os preços são fixados pelo grupo dirigente, e a concorrência
se dá pela diferenciação de produtos, não pelos preços. Já em âmbito mundial, as
relações de oligopólio geralmente seguem acordos de cooperação técnica, de
fixação de normas comuns, entre outros; o que parece estar sempre presente é
que são normas que escapam ao alcance das legislações antitrustes. Essa
colaboração não impede que haja concorrência entre as empresas; pelo contrário,
os grupos têm relação interdependente. Tomando oligopólio como a
interdependência das empresas, percebe-se que suas reações são direcionadas não
às forças de mercados, mas diretamente a suas rivais. Essa arena de reações foi
bem descrita por CHESNAIS (1986:37), quando afirmou que
esse espaço é um lugar de concorrência escarniçada, mas também de
colaboração entre os grupos. A ele pertencem, essencialmente, grupos originários de um dos três pólos da Tríade, pois as relações constitutivas do
oligopólio são, por si mesmas, de modo intrínseco, um importante fator de
barreira de entrada, ao qual podem agregar-se, depois, outros elementos.
Embora sejam, em última instância, comandados pelo setor financeiro,
os grandes grupos manufatureiros dominam a paisagem industrial
contemporânea. Representam uma ordem concorrencial resultante de longos e
complexos processos de fusões, aquisições, incorporações etc.14
. Segundo
14 A fase de mundialização, desencadeada no início da década de 80, foi marcada pela multiplicação dos
chamados investimentos cruzados entre os países capitalistas avançados, movimento que foi seguido
de novas investidas, só que agora entre estes em busca de aquisições nos chamados novos países
industrializados (NPI), permitidos graças à desregulamentação neoliberal e a suas políticas de
liberalização e de privatização (CHESNAIS, 1997).
20
CHESNAIS (1997:30), “estima-se que mais de oitenta por cento das despesas
com pesquisa-desenvolvimento do setor de empresas dos países da OCDE são
efetuadas em firmas classificadas na categoria de grandes empresas”.
A concentração desses ativos é de tal forma relevante que, mesmo em
economias onde as pequenas e médias empresas são fortes (caso de alguns países
da Europa), a continuidade de suas atividades depende das possibilidades que
lhes são dispostas pelos grandes grupos, seja quando são compradores de seus
produtos intermediários, seja quando se pensa na natureza da cooperação
tecnológica por eles proporcionada. Assim, mesmo que a mundialização do
capital não se restrinja à ação das multinacionais, a importância do papel que
estas desempenham nesse processo é clara (CHESNAIS, 1997).
É nesse contexto que se torna possível, segundo CHESNAIS (1986),
entender as relações constitutivas do oligopólio. Estas representam, por si
mesmas, fatores de barreiras à entrada, em que elementos, como custos
irrecuperáveis (investimentos perdidos) e elevados gastos em pesquisa e
desenvolvimento, podem juntar-se. Assim, companhias multinacionais acabam
constituindo um mercado interno com suas filiais.
Assim, apreender a mundialização significa circunscrevê-la em um
regime de acumulação de nível mundial, constituída pelos grandes grupos
industriais em conjunto com as poderosas instituições financeiras bancárias e
não-bancárias, sendo que estas últimas, sob a forma de grandes fundos de pensão,
aplicações coletivas privadas, grupos de seguros e bancos multinacionais, têm
preferência pela liquidez na valorização do capital (CHESNAIS, 1997).
Traços dessas ligações podem ser vistos no caso das empresas que se
autodenominam “life science industries” ou “indústrias da ciência da vida”. As
estratégias de penetração no mercado agrícola brasileiro deram-se sob forte ritmo
de fusões e aquisições, como será visto mais adiante.
Torna-se essencial, nesse momento, elucidar alguns pontos a respeito da
relação de interdependência firmada entre bancos e indústrias. Embora seja
difícil evitar a posição central das finanças para a análise do regime de
21
acumulação, isso não significa que se devam ignorar seus vínculos com a
produção e com o investimento. Como esclareceu CHESNAIS (1997:39),
é certo que uma fração extremamente elevada das transações financeiras é
desenvolvida no campo fechado formado pelas relações entre instituições
especializadas, e não tem nenhuma contrapartida no nível das trocas de mercadorias e de serviços, e tampouco no plano do investimento. É o caso
particularmente de 1.400 bilhões de dólares de transações cotidianas no
mercado de câmbio, em que apenas 5 a 8% corresponderiam a transações internacionais efetivas. Mas isso não quer dizer que não haja ligações muito
fortes e, sobretudo, de grande alcance econômico e social, entre a esfera da
produção e das trocas e a das finanças.
Essas questões permitem apontar a presença hegemônica de
investimentos essencialmente rentísticos, desprovidos de valor15
e que
caracterizam a grande maioria dos investimentos externos diretos (IED), tanto
entre os países da tríade quanto entre estes e os países em desenvolvimento.
Na busca de multiplicar-se, esse capital rentístico acaba se deslocando
com ou sem a presença dos IEDs. Os deslocamentos sem IED são, geralmente,
operações de subcontratação internacional que representam a principal forma de
integração seletiva dos países do Sul e do Norte, que visam abastecer-se de
produtos padronizados com menores custos de produção. Estão incluídos nesses
produtos não apenas os semi-acabados, mas também os de consumo de massa,
comercializados pelas grandes cadeias comerciais e pelos grandes
supermercados. Esses dois, independentemente do local, buscam estabelecer seus
próprios contratos de subcontratação com produtores locais para depois
comercializá-los com suas próprias marcas. O que se busca é produzir em locais
em que os custos são mais baixos e vender onde os preços de mercado oferecem
maiores ganhos. O mundo pode parecer estar cada vez mais integrado nos
diversos ramos, mas ainda não o é com relação aos preços de venda das
mercadorias e às condições de fluxo da força de trabalho pelas diferentes
empresas (CHESNAIS, 1997).
15 O valor, assim como o lucro, continua se originando, pela concepção que se tem como referência, a
partir da esfera produtiva, sendo que a esfera financeira se alimenta da riqueza criada pelo
investimento e pela mobilização de uma força de trabalho em níveis de qualificação múltiplos. Mais
precisamente, “os capitais, cuja valorização os operadores financeiros garantem por meio de suas
aplicações financeiras e das arbitragens que efetuam entre os diferentes tipos de ativos, tiveram sua
origem invariavelmente no setor produtivo e começam a tomar a forma de rendimentos constituídos
eventualmente pela produção e pela troca de mercadorias e serviços” (CHESNAIS, 1997:39).
22
Já o deslocamento com IED tem sido marcado, essencialmente, pelas
aquisições e fusões, e não pelos investimentos criadores de novas capacidades.
O contexto histórico-econômico considerado neste estudo coloca em
evidência os grupos industriais com operações transnacionais. Não se pretende,
porém, aprofundar em problemas de ordem conceitual. Muitos debates foram
dedicados ao tema, o que, entretanto, não significou que se tenha chegado a
algum acordo sobre uma descrição majoritária deste. Além disso, uma discussão
dessa natureza deveria levar ao questionamento, inclusive, das posições
assumidas pelas diversas instituições que lidam com tais questões (UNCTNC,
UNCTAD, OCDE, entre outras), assim como das diversas posições no âmbito do
debate acadêmico.
Para compreender suas características predominantes, recorre-se à
contribuição de Dunning, segundo o qual
a empresa multinacional está assumindo, cada vez mais, o papel de regente da
orquestra, em relação a diversas atividades de produção e transações, que se dão no interior de um “cacho”ou “rede” de relações transnacionais, tanto
internas quanto externas às companhias, e que podem incluir ou não um
investimento de capital, mas cujo objetivo consiste em promover seus interesses
globais (CHESNAIS, 1986:69).
De acordo com Michalet, uma companhia multinacional é “uma empresa
(ou um grupo), em geral, de grande porte, que, a partir de uma base nacional,
implantou no exterior várias filiais em vários países, seguindo uma estratégia e
uma organização concebidas em escala mundial” (CHESNAIS, 1986:73).
Antes de abordar as críticas de Chesnais, é interessante analisar as
considerações que ele extraiu da definição de Michalet. Para Chesnais, estas são
empresas que começaram a se tornar grandes empresas primeiramente no plano
nacional, fato que implica que são resultados de um processo mais ou menos
longo e complexo, de concentração e centralização de capital, ou seja,
freqüentemente se diversificavam, antes de começarem a internacionalizar-se.
Sua constituição primordialmente nacional revelaria que os pontos fortes
e fracos de sua base nacional e a ajuda que teria recebido do Estado seriam
componentes de sua estratégia e de sua competitividade, e que, por serem
23
geralmente grupos (holdings), atuariam em escala mundial com estratégias e
organização estabelecidas para isso.
As críticas a esse processo de constituição ou gênese das multinacionais
podem ser melhor entendidas na perspectiva temporal. Michalet destacou a
implantação de filiais no exterior pelas multinacionais, assim como as estratégias
que as comandam. O que realmente vem caracterizando essas empresas, quanto
ao alcance de seus objetivos, é a natureza e a forma das relações que estabelecem
com outras empresas, o que não indica que, para manterem suas atividades no
exterior, devam necessariamente instalar filiais.
O objetivo continua sendo a maximização do lucro, o que pressupõe
eficiência organizacional e produtiva. Essa é a razão do crescimento dos grupos
tanto em nível local quanto em suas incursões além de suas fronteiras.
2.2. O sistema agroalimentar (SAA)
2.2.1. Emergência do moderno SAA
A relação entre a indústria de processamento de alimentos e o novo
padrão da dieta da classe trabalhadora representa um fato marcante para a
compreensão do sistema agroalimentar.
Nas primeiras décadas do século XX, a maioria da população urbana era
demasiadamente pobre. Assim, quais mudanças teriam ocorrido na indústria de
alimentos e nos empregos, de modo geral, a partir da disseminação desse novo
padrão de consumo? Inicialmente, as mais importantes mudanças no consumo de
alimentos tiveram seu impacto na classe média, o que, gradativamente, chegaria
à dieta das camadas mais pobres da população. A partir daí, davam-se os
impulsos necessários à emergência das indústrias de alimentos.
A partir do momento em que passa a desenvolver uma carreira
independente da do ambiente doméstico, a mulher passa a ter sua influência,
como consumidora, avaliada pelos anunciantes. Gradativamente, distancia-se de
sua principal contribuição para a família, cujos esforços se dirigiam aos cuidados
24
com o ambiente doméstico, como a manutenção da casa e o preparo da comida
para o marido e para as crianças.
Atualmente, apesar de esse papel ainda ficar sob sua responsabilidade,
em grande parte das famílias, é grande o impacto causado pela inserção da
mulher no mercado de trabalho. A introdução de novas tecnologias que
amenizariam as atividades domésticas, aliada às oportunidades de empregos
remunerados, contribuiu para a formação de um ambiente propício aos interesses
da indústria de alimentos.
O ponto central desse argumento é que há uma correspondência,
conforme se desenvolve o sistema alimentar, entre as mudanças no processo de
trabalho e as mudanças na preparação da comida, em que o papel das mulheres
tem grande importância. Segundo GOODMAN e REDCLIFT (1991:44),
sem um maior número de mulheres em empregos remunerados fora do ambiente doméstico, a revolução do consumidor no pós Segunda Guerra não
teria ocorrido; e um dos principais elementos nessa revolução foram as
mudanças no modo como o trabalho doméstico passou a ser executado. (...) Assim como o trabalho havia sido transferido de casa e assim se tornado uma
commodity, a comida se comoditizou com ele, e a transformação de valor de
uso em valor de troca ocorreu por mudanças a nível ideológico, assim como em termos econômicos.
16
Essas mudanças tiveram significado de grandes proporções, basta
verificar a radical diferença entre a dieta atual e aquela de 50 ou 100 anos atrás.
Hoje, a origem da maioria de nossa comida diária é processada e preparada fora
de nossa cozinha, o que, em conjunto com uma série de aparelhos
elétricos/eletrônicos, como freezers, fornos de microondas e lava-louças,
transformou a natureza do trabalho doméstico. Caso não se queira comer em
casa, a opção por um almoço rápido ofertado pelas cadeias de fast-food está
bastante disseminada. Esse mercado vem obtendo crescimento em grandes
escalas e sua conexão com a produção agrícola tornou esta última uma grande
16 Tradução literal para “without more women in paid employment outside the home the post Second
World War consumer revolution could not have occurred ; and one of the principal elements in this
revolution has been changes in the way housework is performed. (…) As labour has been transferred
from the home and become a commodity, food has been commoditized with it, and the transformation
of use values into exchange values has come about through major shifts at the ideological level, as
well as in economic terms" (GOODMAN e REDCLIFT, 1991:44).
25
fonte de produtos "comoditizados", distante de sua vocação como provedora de
produtos naturais variados.
Dessa forma, é importante considerar o sistema alimentar como aquele
que se desenvolveu ao redor de um processo estruturalmente compatível com
mudanças tanto tecnológicas como no mercado de trabalho e que não se limitou
ao nível doméstico nem ao industrial, mas a ambos. O desenvolvimento do
trabalho e do sistema alimentar não foi resultado de um imperativo tecnológico
unicamente, tampouco foi uma determinação inteiramente social, mas decorreu
da convergência de uma série de processos e componentes cuja característica
principal foi a transformação do trabalho feminino, que acabou por se configurar
como um veículo por meio do qual ocorreram mudanças radicais tanto na
produção quanto na preparação de alimentos (GOODMAN e REDCLIFT, 1991).
Ademais, essas transformações trouxeram outras conseqüências
importantes. À medida que a mulher participava de um trabalho remunerado fora
do ambiente doméstico, sua importância como consumidora crescia, e a indústria
de alimentos passava a intensificar seus esforços para maximização de lucros em
setores do mercado que apresentassem maior crescimento potencial nas vendas,
modificados por essa nova condição. Assim, os produtos alimentares tornaram-se
parte importante das estratégias de marketing, principalmente em razão do
declínio no consumo familiar de alimentos in natura no ambiente doméstico.
Associado a essa concentrada atenção às demandas dos consumidores,
emerge, segundo GOODMAN e REDCLIFT (1991), considerável poder nas
mãos dos varejistas sobre as indústrias de alimentos, assim como sobre os
produtores de alimentos nos campos, uma vez que o varejo, em busca do
desenvolvimento de novas linhas de produtos, passa a pressionar os demais elos
da cadeia agroalimentar. Nesse ponto, passa a constar nos objetivos estratégicos
de marketing das indústrias de alimentos a busca pela diferenciação dos
produtos, quando o termo “produtos de alto valor agregado” passa a imperar.
Como a produção agrícola está diretamente associada a esse processo, o
principal reflexo nele refere-se, logicamente, às mudanças em sua estrutura
produtiva. Pode-se afirmar que tais mudanças atingiram, decisivamente, muitos
26
países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, que teve sua estrutura adequada
aos padrões de consumo de países industrializados. Em GOODMAN e
REDCLIFT (1991), isso se torna evidente quando afirmaram que, “em países
como o Brasil e a Tailândia, o aumento do monocultivo de terras está associado,
embora indiretamente, a mudanças nas práticas de consumo de alimentos no
Reúno Unido e em outros países industrializados”17
.
Os produtos de alto valor agregado, que passam a ser ofertados a esse
“novo mercado”, têm como principais características a conveniência e maior
“shelf life” (tempo de prateleira), em decorrência das novas técnicas de
conservação de alimentos, o que resulta, principalmente, em preços mais
elevados. Além disso, esses produtos apresentam em sua composição um
percentual cada vez menor de produtos agrícolas primários. Não é difícil
entender por que razão as três principais matérias-primas dessas indústrias (trigo,
arroz e soja) foram justamente as culturas que fizeram parte do projeto de
produção agrícola, que, segundo seus idealizadores, resolveria o problema de
escassez da oferta de alimentos no mundo e, conseqüentemente, minimizaria a
fome - a “Revolução Verde”.
A partir do incremento dessas indústrias, inicia-se uma reação
sistemática nos demais atores da cadeia agroalimentar. As novas oportunidades
mercadológicas intensificam as influências no alastramento de formas
"comoditizadas" que chegariam à produção agrícola, buscando dotar toda a
cadeia da maior conformidade industrial possível. Como é comum em qualquer
mercado organizacional, sua demanda total é geralmente uma demanda derivada,
ou seja, a partir de um aumento na demanda no consumo final (doméstico),
desenrola-se uma demanda subseqüente entre os setores envolvidos na produção,
na circulação e na oferta de mercadorias.
17 Tradução literal para “In countries like Brazil and Thailand increased monocultivation of land is linked,
albeit indirectly, to changes in food consumption practices in the United Kingdom and others
industrialized countries”.
27
2.2.2. Implicações da emergência do SAA no processo de produção agrícola
Mudanças no consumo de alimentos e na ocupação remunerada das
mulheres fora do ambiente doméstico podem ser consideradas como mudanças
nos padrões tecnológicos efetuados pelas nascentes indústrias de alimentos,
desde que a isto se associem também forças sociais, políticas e ideológicas.
Ademais, tudo isso se fez possível em decorrência de um movimento de regresso
que impôs modificações fundamentais no modo de produção agrícola,
capacitando-o para o fornecimento padronizado de alimentos, seguindo as
exigências da produção industrial das processadoras de produtos alimentares.
A emergência da indústria alimentar condicionou a integração do sistema
alimentar à produção de alimentos nas propriedades rurais. Paralelo a isto, houve
um impulso demográfico relacionado com o crescente deslocamento de pessoas
dos campos para as cidades, principalmente na Europa e também nos EUA, o que
transformaria uma sociedade de bases rurais numa sociedade urbana. Não se
pode desconsiderar que, além dessa influência demográfica, havia forte
convicção ideológica que daria impulso a uma sociedade urbanizada.
Dentre essas mudanças que passaram a ocorrer na sociedade da pós
segunda guerra, destaca-se a capacidade dos produtores rurais em absorver as
mudanças tecnológicas que começavam a se tornar disponíveis ao campo.
É a partir desse período que a agricultura inicia uma relação mais
intensa, contínua e estreita com o mercado, o que levaria ao rompimento da
necessidade de se respeitar o ciclo orgânico natural das plantas. Iniciava-se,
assim, um processo de distanciamento da agricultura tradicional, um sistema que
combinava produção de comida com proteção ambiental. Nesses termos, o
produtor rural constatava que aumentava sua dependência de fornecedores
externos, assim como aumentava a presença do capital industrial no campo. Este
fato se agravava quando o Estado assumia o papel de regulador dos termos sobre
os quais a produção agrícola se constituiria, particularmente no que diz respeito
ao mercado para os produtos agrícolas (GOODMAN e REDCLIFT, 1991).
28
O fato mais marcante da penetração do capital no campo refere-se a seu
poder de transformação das condições de produção. Torna-se uma característica
desse momento o crescimento dos excedentes agrícolas, ao mesmo tempo que há
um declínio no número de agricultores nas sociedades que experimentavam essa
situação.
Novas relações tomavam forma e sua essência se referia à idéia de
empreendimento empresarial agrícola, cuja produção foi intensificada pela
crescente apropriação industrial dos modos de produção. É nesse momento que a
indústria lança suas bases para transformar o sistema agroalimentar desde a
produção até o consumo final de alimentos, ou seja, implementar modificações
suficientes para que toda a cadeia produtiva se concretizasse sem as
interferências e limitações relacionadas com a natureza, quais sejam, intempéries
climáticas, pragas e doenças das lavouras e respeito ao ciclo de vida destas. Isso
levava os produtos agrícolas a se assemelharem às demais matérias-primas
usadas como insumo pela indústria. Sobressai a idéia da "comodificação", busca
fundamental da fluência e da precisão exigidas pelo processo de produção
industrial.
Mas, ao se abordar a interação indústria e agricultura, tem-se implícita a
idéia de que as possibilidades de sucesso daí provenientes irão depender das
dificuldades que a segunda impõe à primeira. Por suas próprias características, o
modo de produção agrícola tem representado um entrave à penetração do capital.
As limitações mais comuns referem-se às exigências e às imposições da própria
natureza, como condições climáticas favoráveis e disponibilidade de espaços de
terra que sejam aproveitáveis, além de outras, como as constantes manifestações
de pragas e doenças nas culturas, embora estas tenham sido potencializadas,
consideravelmente, pelas opções de cultivo do homem moderno. Como
argumentaram GOODMAN et al. (1990:5),
a agricultura tem-se constituído no principal obstáculo à imposição de um
processo de produção capitalista unificado no sistema agroalimentício e, conseqüentemente, à capacidade de revolucionar os meios de produção.
Mas seu impulso transformador levou o capital a encontrar formas de
aliviar as dificuldades em referência. Nesse sentido, assumiu duas propriedades
29
principais: a do apropriacionismo, num primeiro instante, e a do
substitucionismo, posteriormente.
O processo apropriacionista materializava-se sob três formas principais: a
mecânica, a química e as relacionadas com inovações genéticas. Mas esse
processo não se deu sobre a totalidade do processo de produção agrícola,
tampouco seguiu uma linha temporal constante. Na verdade, as apropriações
foram e têm sido parciais e dependentes das diferentes conjunturas históricas.
É a partir desse momento que se consolidam as primeiras indústrias do
sistema agroalimentar. Elas emergem dos setores constituídos por essas
apropriações, quando as atividades essencialmente rurais passam a ficar
subordinadas ao capital, iniciando a remoção gradativa das barreiras inibidoras
da acumulação. Os investimentos em pesquisa intensificam-se para suplantar as
dificuldades próprias da natureza, o que confere às inovações tecnológicas um
papel aglutinador de vantagens competitivas entre empresas concorrentes.
Os avanços apropriacionistas buscavam dar impulso a ganhos de
produtividade de determinada lavoura (pela intensificação do emprego de
máquinas e equipamentos agrícolas, de insumos sintéticos/inorgânicos para
correção de solo, ou pela utilização de sementes híbridas).
Já o substitucionismo buscava transformar as atividades rurais em
atividades industriais, diminuindo as limitações impostas pela natureza. Tende a
reduzir o produto rural a um simples insumo industrial, no sentido de substituir
os produtos agrícolas por matérias-primas não-agrícolas, a partir da indústria
química e do desenvolvimento dos sintéticos. A diferença básica reside no fato
de o substitucionismo afastar-se de uma base rural, ou melhor, sua tendência
caminha em direção à “eliminação do processo rural de produção, seja pela
utilização de matérias-primas não-agrícolas, seja pela criação de substitutos
industriais dos alimentos e fibras” (GOODMAN et al., 1990:52).
É importante notar que os capitais relativos a investimentos
apropriacionistas ainda mantêm laços com o processo de produção de base rural,
enquanto o capital substitucionista caminha em direção oposta, justamente por
buscar substitutos industriais dos produtos agrícolas (alimentos e fibras).
30
Os investimentos em P&D, relacionados com a industrialização da
produção rural, acabam por constituir uma situação paradoxal, em referência à
biotecnologia. Algumas inovações biotecnológicas contribuíram para melhorar as
perspectivas econômicas de determinados produtos agrícolas (por modificações
nos genes que tornam as plantas mais resistentes a condições climáticas adversas,
pela adição de valores nutricionais etc.).
2.2.3. O papel do Estado: a divisão do trabalho e a consolidação das empre-
sas de sementes
Para KLOPPENBURG (1988), a ciência agrícola tem se tornado
crescentemente subordinada ao capital e seu contínuo processo moldou o
conteúdo da pesquisa e, necessariamente, o caráter de sua produção. Isto não
significa dizer que o capital obteve completo domínio do setor, que encontrou
uma variedade de barreiras para penetrar no campo da criação de plantas e fazer
da semente um veículo de acumulação.
São as próprias características naturais das sementes que ajudam a
esclarecer as dificuldades da penetração do capital na agricultura. A principal
delas refere-se à capacidade de auto-transformação inerente às sementes, quando
o embrião amadurece e transforma-se numa planta. Isto significa que a semente
acaba desempenhando dupla característica, que une os dois extremos do processo
de produção da colheita, ou seja, é tanto meio de produção quanto produto.
Como produto, pode-se entendê-la sob a forma de semente ou de grão,
quando o agricultor colhe a safra. É graças a essa possibilidade de reprodução
que milhares de agricultores têm se mantido como tal, principalmente os
pequenos, quando selecionam os melhores grãos de cada safra para plantio
futuro.
Dessa forma, evidencia-se que sua característica reprodutiva representa o
mais grave entrave à penetração do capital, uma vez que de nada adiantaria a
incorporação de inovações tecnológicas advindas de elevados gastos em pesquisa
31
e desenvolvimento, se todo o investimento se perde no momento em que a
semente é vendida. Nas palavras de KLOPPENBURG (1988),
desde que essa situação perdure, existe pouco incentivo para que o capital
penetre na criação de planta cujo propósito seja desenvolver variedades
superiores de colheita, porque o objetivo a que essa pesquisa se dedica – a semente - é instável como forma comodificada. As características naturais da
semente constituem uma barreira natural para sua comodificação.
Na visão desse autor, o capital tem duas rotas para a "comodificação" da
semente, que, apesar de serem distintas, estão interligadas: um caminho seria o
técnico, o outro, o legal, ou seja, a semente tornar-se-ia uma mercadoria atraente
para investimentos industriais, seja pela manipulação biológica, seja pela força
legislativa. São fundamentalmente esses fatores que marcam a gênese do
mercado de sementes.
O caminho técnico iniciou-se com a descoberta da via híbrida18
de
produção de sementes, que permitiu a diferenciação entre a semente e o grão. Já
o caminho legal refere-se ao surgimento de legislações relativas à propriedade
intelectual, que possibilitaram a apropriação privada das variedades de alto
rendimento.
De fato, o discurso corrente na época dirigia-se à capacidade de ganhos
em produtividade trazida pelas variedades híbridas, no entanto, sua grande
importância estava na possibilidade de separação da identidade da semente como
produto e meio de produção. Esta provou ser uma excelente solução tecnológica
às barreiras que historicamente preveniram baixos níveis de investimentos
privados na melhoria das colheitas. Ela abriu ao capital uma nova fronteira de
acumulação, cujos criadores rapidamente migraram para explorar.
Vale destacar que isso não foi possível em todas as culturas. Por razões
técnicas, a hibridação não alcançou culturas economicamente importantes, o que
estimulou a continuidade de investigações científicas nessa área. As recentes
18 Pelo método da hibridação procura-se explorar o vigor híbrido apresentado pelas plantas resultantes
do cruzamento entre indivíduos contrastantes, o qual se perde na geração seguinte. Desse modo, não é
aconselhado, economicamente, o plantio de gerações avançadas, o que implica o retorno ao mercado,
a cada ano, para aquisição das sementes híbridas (F1). Além disso, no processo de criação do milho
híbrido, as linhagens que entram na sua constituição são mantidas em segredo pelas empresas que os
produzem, fazendo da semente híbrida um produto com propriedade (informações prestadas por
Eduardo Rezende Galvão na defesa deste trabalho, em 31 de agosto de 2000).
32
inovações na engenharia genética têm representado passos decisivos para
suplantar as barreiras que ainda restam à disseminação de formas
"comodificadas".
É importante apontar a importância do Estado para que essas
modificações biológicas tivessem êxito. A primeira cultura que resultou da
hibridação foi desenvolvida por agências públicas de pesquisa norte-americanas,
como solução para problemas de produtividade. Assim, a partir de 1935, o
desenvolvimento do milho híbrido foi fundamental para o rápido crescimento da
indústria de sementes. Mas, antes mesmo dessa data, era grande e crescente o
volume de investimento público em pesquisa agrícola e quase insignificante o de
origem privada. Segundo KLOPPENBURG (1988), a partir da coleção global de
germoplasma iniciada em 1839, pelo US Patent Office, estabelecia-se forte
tradição do compromisso estatal com a agricultura, no geral, e com a ciência de
planta, em particular. Esse compromisso acabou explicitamente
institucionalizado em 1862, pela criação do United State Department of
Agriculture (USDA) e pelo “Morril Act”, que autorizou suporte federal para os
“land-grant universities” direcionados para a agricultura. KLOPPENBURG
(1988) citou ainda o “Hatch Act”, de 1887, que proveu assistência às estações
experimentais estatais agrícolas (SAEGs), dando estrutura para a aplicação
sistemática da ciência em problemas agrícolas.
Assim, já na virada do século, havia grandes investimentos tanto em
nível federal quanto estadual, ideologicamente compromissados com a missão de
servir ao agricultor. Nesse ponto, investir no melhoramento de plantas era crucial
para o desenvolvimento do capitalismo americano. Havia preocupação com o
provimento de comida barata à classe trabalhadora americana e também com a
geração de trocas externas, pois o estabelecimento do capitalismo industrial era
fundamentalmente dependente do setor agrícola. Para GOODMAN e REDCLIFT
(1991), essa relação entre agricultura e desenvolvimento industrial está presente
no importante papel da agricultura para a expansão do capitalismo industrial,
quando alivia a pressão sobre a taxa de lucro ao fornecer alimentos da dieta
básica a preços baixos para o setor industrial urbano.
33
Mas é importante notar que, nesse período, como o capital não se fazia
disponível, o capital social foi estimulado e o Estado empreendeu a tarefa do
melhoramento de plantas. A partir desse momento, buscou-se difundir uma
racionalidade para a agricultura, a qual permitisse a entrada do capital nos meios
de produção agrícola.
No entanto, chega-se a um ponto em que o desenvolvimento de
variedades agrícolas por agências públicas se torna uma barreira institucional à
penetração do capital empreendedor no campo, já que o produto da pesquisa
pública acabava competindo diretamente com aqueles oriundos dos produtores
privados, que disputavam posições no mercado de sementes. Os criadores
públicos disciplinaram o mercado com qualidade, preço e estrutura, de tal forma
que limitaram as habilidades dos produtores de sementes em acumular capital
(KLOPPENBURG, 1988). Nesse caso, o Estado, que numa sociedade capitalista
é encarregado de prover as condições para acumulação capitalista, acaba por
promover barreiras à acumulação.
Essa contradição logo iria se desfazer, quando o capital passou a
promover uma divisão do trabalho entre os setores público e privado. O Estado
passaria a desenvolver pesquisas relacionadas com investigações básicas,
enquanto o privado se dedicaria à pesquisa aplicada. Pode-se perceber essa
relação mais claramente em PESSANHA (1993:63), quando afirmou que
o setor público foi paulatinamente afastado da criação de variedades finais,
atendo-se cada vez mais às pesquisa básica, ou seja, à pesquisa quanto aos métodos de melhoramento vegetal e à produção de linhagens puras, oferecendo
suporte para a atividade do setor privado no desenvolvimento de novas
variedades comerciais.19
A relação passa a ser muito mais de cooperação que de concorrência,
ficando o setor público cada vez mais subordinado ao privado, perdendo sua
autonomia e seu papel disciplinador do mercado e tendo sua agenda de pesquisa
determinada pelas influências diretas dos objetivos e necessidades do setor
privado. No entanto, mais importantes que o tipo de pesquisa que passa a
19 Pessanha também chamou atenção para o fato de que essa mudança não ocorreu de forma imediata,
sem resistência dos melhoristas públicos e amplas discussões nas diferentes instâncias institucionais
correlatas. As transformações ocorriam à medida que o setor privado amadurecia e ganhava poder de
pressão e articulação.
34
direcionar esses dois setores são a proximidade e o grau de controle que o setor
privado passa a exercer sobre a semente na forma de commodity.
A partir de 1935, percebe-se uma inversão das forças ligadas ao
melhoramento de plantas, dada pela perda de liderança pública e pela ascensão
do setor privado. A indústria de sementes passa a direcionar as pesquisas em
melhoramento de plantas subsidiadas pelo Estado para atividades que são mais
complementares que competitivas a seus esforços.
O próprio híbrido, que foi desenvolvido por agências públicas de
pesquisa norte-americanas, foi decisivo para o rápido crescimento da indústria
sementeira a partir de 1935. No entanto, é o capital privado que daria o impulso
determinante na disseminação do híbrido, primeiramente nos EUA e depois no
mundo. PESSANHA (1993:62-63), quando buscou identificar a gênese do
mercado de sementes, afirmou que já em 1926 foi fundada a primeira companhia
norte-americana dedicada à comercialização de híbridos de milho, a HI Bred
Corn Company, que veio a se tornar a multinacional Pioneer Hi-Bred. Por ter
alcançado sucesso comercial, ela acabou contribuindo para a disseminação de
sementes híbridas.
A via híbrida não resolveu por completo as barreiras20
encontradas pelo
capital, razão por que se pode dizer, então, que os esforços despendidos para o
estabelecimento de direitos de propriedade para as atividades ligadas ao
melhoramento de plantas podem ser encarados como um mecanismo institucional
que viria solucionar o problema da apropriabilidade das espécies, nas quais a via
híbrida de produção de sementes ainda é economicamente inviável.
KLOPPENBURG (1988) considerou a configuração do Plant Variety
Patent Act (PVPA) um acontecimento determinante na consolidação do direito
de propriedade das variedades criadas. Ademais, julgou essencial entendê-lo
20 Parte do problema estava resolvido com relação às espécies alógamas, mas as dificuldades ainda
permaneciam quando se referiam às autógamas. Nestas últimas, havia a possibilidade de apropriação
por parte dos agricultores ou pelas indústrias concorrentes. Autogamia refere-se a qualquer processo
de fusão de gametas do mesmo indivíduo, ou, se tomar uma aplicação da botânica, a fertilização e a
fecundação de uma planta por meio de seu próprio pólen. Já a alogamia refere-se ao processo de
fecundação por união de gametas, oriundos de dois seres diferentes, ou seja, a fecundação cruzada
pelo qual o pólen de uma flor vai ao estigma de outra, o que caracteriza a oposição entre os termos.
35
como resultado de um processo histórico que envolvia a progressiva penetração
do capital privado no melhoramento vegetal e não como fato isolado.
Uma idéia sintética da situação que envolveu a divisão do trabalho pode
ser percebida em PESSANHA (1993:71-72), para quem,
em linhas gerias, a defesa da adoção de direitos de propriedades para os
melhoristas de plantas dava-se pelo entendimento de que tais direitos
estimulariam o investimento privado em melhoramento. Isto oferecia aos agricultores maior possibilidade de escolha e variedades superiores em
rendimento e qualidade, e liberaria a pesquisa pública do desenvolvimento de
variedades para concentrar seus esforços na pesquisa básica necessária para o melhoramento vegetal. Os argumentos contrários eram de que a concessão de
direitos monopolista sobre as variedades agrícolas acarretariam a
concentração na indústria e ao aumento de preços das sementes.
Dar ao capital privado a função de investimentos em pesquisa é
reconhecer que ele irá dar um rumo próprio aos seus interesses. Nesse ponto,
pode-se fazer uma analogia dos gastos realizados pelos setores públicos e
privados em pesquisas médicas. Em estudo do Fórum Global de Pesquisa sobre a
Saúde, apresentado em Genebra, na Suíça, em 03 de maio de 2000, relatou-se
que as enfermidades que causam 90% da mortalidade mundial recebem somente
10% do dinheiro dedicado à pesquisa médica. Os gastos chegam a US$ 7 bilhões
anuais, mas sua distribuição se mostra extremamente ineficaz e injusta (EL PAÍS
DIGITAL, 2000). A maioria dessas decisões está nas mãos de pequeno número
de países que dão prioridade a seus próprios problemas sanitários. “Tanto a
grande indústria farmacêutica quanto as instituições públicas de pesquisa se
concentram nos problemas sanitários típicos do Ocidente, muitas vezes ligados
ao envelhecimento, à obesidade e ao estilo de vida dos países desenvolvidos”21
.
Os dois principais assassinos do planeta - a pneumonia e as diarréias infecciosas -
representam 11% daqueles que morrem ou ficam incapazes no mundo, mas só
atraem 0,2% do dinheiro dedicado à pesquisa sanitária.
Seguindo seus próprios interesses e com o apoio do Estado, a indústria
de sementes expande-se, alcançando espaços cada vez mais significativos fora
21 Tradução literal para “tanto la gran industria farmacéutica como las instituciones públicas de
investigación se concentren en los problemas sanitarios típicos de Occidente, muchas veces ligados al
envejecimiento, a la obesidad y al estilo de vida de los países desarrollados” (EL PAÍS DIGITAL,
2000).
36
dos EUA. Assim, para compreender a emersão da indústria de sementes, é
fundamental compreender as relações no plano internacional.
2.2.4. A economia mundial e a expansão da indústria de sementes
A expansão da indústria de sementes nos países em desenvolvimento tem
relação direta com o fenômeno da “Revolução Verde”22
. Institucionalizou-se um
mercado para as empresas norte-americanas em diversos países a partir da
concepção de que a produção agrícola teria de dar um salto em produtividade
para acompanhar o crescimento vertiginoso da população, principalmente em
países em desenvolvimento.
A relação entre o fenômeno da Revolução Verde e a expansão do
mercado mundial de sementes melhoradas possibilitou a criação desse mercado e
a conseqüente internacionalização das indústrias sementeiras.
A justificativa para se implantar tamanha estrutura relacionava-se com
um projeto que solucionaria a crise na produção de alimentos e o problema da
forme no dito Terceiro Mundo. Além disso, mais convincente ainda era o
argumento de que a modernização das técnicas de produção de alimentos serviria
de solução para o desenvolvimento desses países. Como o tempo encarregou de
evidenciar, isto não ocorreu e a Revolução Verde acabou imersa em numerosas
críticas.
A principal delas refere-se ao modelo de agricultura que se firmaria
depois da Segunda Guerra Mundial, estruturado num modelo agrícola de
interesse dos países desenvolvidos e baseado na exportação de “pacotes
tecnológicos”. As plantações eram baseadas no monocultivo, e, devido às
características das variedades desenvolvidas pelos centros de pesquisas, era
grande a dependência dessas do uso intensivo de insumos químicos (fertilizantes,
defensivos) e de irrigação. As conseqüências foram o endividamento dos
22 A Revolução Verde, por meio da difusão internacional das técnicas da pesquisa agrícola, marca maior
homogeneização do processo de produção agrícola em torno do conjunto compartilhado de práticas
agronômicas e de insumos genéricos (GOODMAN et al., 1990).
37
agricultores e a presença indispensável de subsídio governamental para a
agricultura. Ademais, todo o fornecimento de insumo agrícola era realizado por
empresas multinacionais, o que contribuiu para maior dependência dos países em
desenvolvimento, ao mesmo tempo que crescia o mercado para tais empresas.23
2.2.5. Uma nova base tecnológica: a biotecnologia e as sementes
Quase tudo aquilo que se come tem origem na produção agrícola, na qual
a semente representa o elemento fundamental, a origem e o meio de produção
para as culturas de interesse dos agricultores.
Os povos pré-históricos encontravam alimentos em mais de 1.500
espécies de plantas silvestres e pelo menos 500 vegetais foram utilizados na
agricultura antiga. Atualmente, 95% da nutrição humana deriva de não mais que
30 plantas, sendo que oito delas equivalem a três quartas partes da contribuição
do reino vegetal para a energia humana. O trigo, o arroz e o milho são
responsáveis por cerca de 75% de consumo de cereais. “No espaço de mil anos, a
diversidade de nossos alimentos vegetais reduziram-se às 200 espécies cultivadas
pelos pequenos agricultores e às 80 espécies preferidas pelos produtores
comerciais” (MOONEY, 1987).
Essa queda no número de plantas que servem de base para a alimentação
humana pode ser atribuída, dentre outros motivos, à constante e crescente
penetração do capital industrial na produção de alimentos. Neste sentido,
direcionou a produção agrícola para grandes escalas, usando espécies das quais
poderiam derivar seus produtos alimentares para o consumo final.
Antes dessa apropriação, o homem, no seu trato com a terra, sempre
procurou selecionar e salvar as melhores sementes de determinada colheita para
aproveitá-las na próxima safra. Esse processo perdurou por muito tempo, mas
23 A difusão desse tipo de plantação em detrimento dos cultivos tradicionais-locais acarretou
uniformidade e erosão genética das espécies agrícolas dos países em desenvolvimento. Com isso
pode-se relacionar um fato com implicações mais recentes e de impacto ainda maior. A busca tanto de
informações genéticas originárias dessas culturas tradicionais assim como daquelas advindas da
enorme biodiversidade encontrada nestes países, para suprir as pesquisas desenvolvidas pelas grandes
multinacionais dos setores agrícolas, farmacêutico e químico, tem contribuído para a desigualdade das
relações internacionais entre centro e periferia.
38
começou a se desfazer à medida que o capital privado ganhava espaço no campo.
É nesse sentido que neste trabalho se considera a semente como elemento
aglutinador e ponto focal para a compreensão dos movimentos dessa indústria.
Analisá-la, como meio de produção e também como produto, é um caminho
seguro para descobertas reveladoras do desenvolvimento da agricultura.
Para RIFKIN (1999:243), o “século que se encerra foi a era da física,
com a energia nuclear ocupando lugar de destaque, o próximo (...) pertencerá à
biologia, e sua tecnologia mais importante será a engenharia genética”. Parte-se,
nesse momento, para melhor compreensão de suas aplicações que são
incorporadas às sementes.
A era da biotecnologia24
tem início em 1973, quando os pesquisadores
norte-americanos, Cohen e Boyer, conseguiram recombinar trechos de DNA de
uma bactéria, depois de terem incluído na seqüência um gene de sapo.
Constataram que o código genético era universal (DNA de espécies distantes
eram compatíveis) e assim adquiriram a faculdade de criar genótipos. Batizaram
esta técnica de DNA recombinante (LEITE, 2000).
A biotecnologia refere-se a qualquer técnica que utiliza organismos vivos
ou partes destes para gerar ou modificar um produto ou melhorar plantas,
animais, e microorganismos para usos específicos. Todas as características de
determinado organismo estão codificadas em seu material genético (genes), que
consiste da coleção de moléculas de DNA (ácido desoxirribonucléico) que existe
em cada célula dos organismos (plantas como milho ou soja, por exemplo,
contêm cerca de 20 mil a 25 mil genes). Assim, a coleção de características de
um organismo (fenótipo) depende dos genes presentes em seus genomas
(genótipo). A manifestação de uma característica específica também irá
depender, dentre vários fatores, do fato de o gene responsável pela característica
manifestar-se ou não e também do grau de seu envolvimento com fatores
ambientais (PERSLEY et al., 1999).
24 Duas precondições importantes para que a biotecnologia adentrasse de fato no mercado foram a
primeira patente concebida a um ser vivo, nos EUA, em 1980, e a decisão histórica que permitiu a
pioneira liberação intencional de um OGM no ambiente, em 1999 (LEITE, 2000).
39
A biotecnologia agrícola é a área da biotecnologia cujas aplicações se
restringem à agricultura e tem sido usada há milhares de anos, desde o advento
das primeiras práticas agrícolas. Mais recentemente, suas técnicas seguem dois
estágios. O primeiro diz respeito ao isolamento do DNA das células de um
organismo e à determinação da seqüência de nucleotídeos de regiões específicas
daquele DNA que representa os genes (muitas patentes se referem à descoberta
de algum sequenciamento de genes). O segundo estágio diz respeito à introdução
desses genes em células de diferentes espécies, ou a modificação de genes e sua
reintrodução nas espécies originais.
As aplicações agrícolas têm-se destinado à procriação seletiva, ou seja, à
realização de troca de material genético entre duas plantas para que se obtenham
descendentes com características desejadas, como maior produtividade,
resistência a doenças e melhoramento da qualidade de produtos.
Ao enumerar as principais aplicações da biotecnologia depara-se com
inovações revolucionárias. A princípio, a lógica da produção de organismos
geneticamente modificados não é diferente dos métodos tradicionais de
hibridação, usados há mais de 10.000 anos. Nesta, ocorre o cruzamento de
variedades da mesma espécie para ganhos de qualidade e produção. No caso dos
OGMs, a diferença reside no fato de a mistura ocorrer em seres de espécies
completamente diferentes, como plantas, bactérias e vírus, dos quais é retirado
um gene para desenvolver essa ou aquela qualidade (RYDLE e VERANO,
2000). Além disso, essa nova técnica permitiu aumentar a precisão das trocas de
genes de interesse e reduziu o tempo em que o processo de melhoria possa
finalmente gerar uma nova planta (PERSLEY et al., 1999).
Dessa forma, torna-se possível isolar e transferir os genes da maioria dos
organismos, de humanos a moluscos, passando pelos vegetais. Assim é que a
insulina humana, hoje, pode ser produzida por bactérias, enquanto vacas, cabras,
ovelhas e porcos têm sido modificados geneticamente para produzir grande
variedade de proteínas humanas (KING e STABINSKY, 2000).
O processo manipulativo, que resultará em sementes modificadas para
conter características específicas, é, resumidamente, o seguinte: primeiro, as
40
bactérias, os vírus e as plantas têm seus genes de interesse isolados, em seguida,
o gene é inserido no DNA de células de tecido da planta a ser alterada com
auxílio de máquinas especiais ou de microorganismos que, assim, geram
embriões transformados; por fim, ao crescerem, esses embriões dão origem a
plantas com as características desejadas, uma vez que o gene de interesse está
incorporado em seu material genético, que passa a produzir sementes
geneticamente modificadas.
A semente então gerada conterá as características que irão garantir os
retornos dos investimentos da indústria. Dentre outros produtos, os mais comuns
são a soja, que representa 54% da produção de transgênicos e tem sua principal
alteração na resistência a herbicidas (já existe desde 1996); o milho, com dezenas
de variedades alteradas, que correspondem a 28% do total dos transgênicos e cuja
modificação também visou à geração de plantas resistentes a alguns tipos de
insetos e herbicidas; a canola, cuja semente é usada para fazer óleo comestível,
que equivale a 9% do total produzido e foi alterada para tornar-se mais resistente
e produzir óleo menos nocivo à saúde. Finalizando, o algodão, cuja área plantada
já corresponde a 4 milhões de hectares ou 9% do total de transgênicos plantados
e cuja alteração buscou dar resistência à planta diante das pragas que infestam as
plantações (RYDLE e VERANO, 2000).
Vale ressaltar que, por considerar a resistência a herbicidas e similares,
essas modificações genéticas acabam por contribuir para a venda de
agroquímicos, prolongando sua vida comercial, já em decadência. Esse tipo de
modificação é classificado como representante da primeira fase das aplicações
biotecnológicas, mais relacionadas com o atendimento dos interesses da indústria
de sementes e agroquímicos, sendo que a próxima estaria direcionada à
confecção de produtos mais claramente benéficos para as pessoas, como plantas
modificadas para conter vitaminas (as chamadas plantas-vacina) ou menores
índices de gordura, açúcares etc. Nesse sentido, abre-se a possibilidade de “se
construir a pedra de toque da propaganda pró-biotecnologia” (LEITE, 2000:64).
A realidade atual, portanto, ainda apresenta alguns produtos cujas
modificações visaram, diretamente, aprisionar os produtores agrícolas a seus
41
interesses, como é o caso das sementes que contêm os genes Terminator e
Traitor.
A idéia contida no gene Terminator era modificar geneticamente a
planta, para que não produzisse sementes na geração seguinte. Desenvolvido por
um cientista do governo norte-americano, o invento foi posteriormente
patenteado pelo próprio governo, em associação com a TNC Delta and Pine Land
Co., que havia "co-financiado" a investigação. Mais tarde, esse invento entrou na
mira da Monsanto, que estava engajada em campanha para aquisições no setor de
sementes. Mas a reação pública foi tamanha que, em 1999, ela anunciou a
desistência do negócio (LEITE, 2000).
Já as modificações em plantas para conterem o gene Traitor não
impedem que eles produzam sementes, como no caso do gene Terminator. No
entanto, as sementes com o gene Traitor são incapazes de gerar novas plantas,
incapacidade que se refere, na verdade, a uma situação de latência, pois,
conjugada com produtos químicos (obviamente da mesma empresa que vende as
sementes), as sementes ganharão sobrevida e passarão a germinar normalmente.
2.3. Análise da estrutura de concorrência da indústria: o modelo das cinco
forças de Porter
O modelo das cinco forças de Porter foi elaborado em obra publicada
originalmente em 1980. Em suas sucessivas reedições, a mais recente de 199825
,
o modelo tem permanecido inalterado e, neste estudo, forneceu ferramentas
sistematizadas para avaliação da indústria de sementes e para melhor
compreensão da ação e da posição competitiva de seus concorrentes. A
aplicabilidade deste modelo tem reforço nas próprias palavras do autor:
25 Embora as empresas atuais possam ser diferentes das empresas da década de 70 ou 80, PORTER
(1998) sustentou a permanência de seu modelo, pelo fato de a base da rentabilidade superior dentro de
um setor continuar sendo os custos relativos e a diferenciação. Assim, o que afeta a rivalidade do setor
é a posição de custo relativo da empresa ou a sua capacidade de se diferenciar e cobrar preços
maiores, já que ser produtor com custos mais baixos e ainda ser realmente diferenciado, cobrando
preços mais elevados, é raramente compatível. As estratégias bem sucedidas exigem opção por uma
coisa ou por outra, ou podem ser facilmente imitadas.
42
O livro apresenta uma base conceitual para a análise competitiva que
transcende setores, tecnologias ou abordagens gerenciais específicas. Aplica-se
a setores de alta tecnologia, de baixa tecnologia e de serviços (PORTER,
1998:7-8).
Antes de se tratar do modelo em questão, é necessário esclarecer os
conceitos de indústria e de produto, conforme empregados por Porter. Por
definição, indústria deve ser entendida como o grupo de empresas fabricantes de
produtos que são substitutos bastante aproximados entre si. Já o termo produto é
empregado para referência tanto a produtos como ao serviço final de uma
indústria, uma vez que os princípios da análise estrutural proposta podem ser
aplicados, igualmente, a atividades de produção e de serviços.
Localizando-se este estudo no contexto de um mercado globalizado, o
modelo de Porter oferece a vantagem adicional de a análise estrutural também
poder ser aplicada ao diagnóstico da concorrência industrial em qualquer país ou
em um mercado internacional, embora algumas circunstâncias institucionais
possam ser diferentes.
Para PORTER (1998:22), “a essência da formulação de uma estratégia
competitiva é relacionar a companhia ao seu ambiente”. No entanto, embora seu
meio ambiente relevante seja muito amplo, uma vez que abrange forças sociais,
econômicas e até políticas, o aspecto principal do ambiente da empresa é a
indústria ou as indústrias com as quais ela compete. A estrutura industrial tem
forte influência na determinação das regras competitivas em determinado setor
industrial. Além disso, tais forças atingem não só uma ou duas, mas sim todas as
empresas do ramo, e as diferentes habilidades das empresas em lidar com tais
forças constituem o ponto básico para garantir uma posição de destaque.
A concorrência de uma indústria supera a mera ação de seus
concorrentes. Na verdade, o grau de concorrência irá depender da ação das cinco
forças competitivas básicas, quais sejam, concorrentes, entrantes potenciais,
produtos substitutos, fornecedores e compradores. É o conjunto dessas forças que
irá determinar o potencial de lucro final da indústria, medido em termos de
retorno, no longo prazo, sobre o capital investido. Isto significa que o ponto
central da atenção das empresas de um setor industrial é encontrar uma posição
43
em que ela possa se defender contra a ação dessas forças competitivas ou
influenciá-las a seu favor. Assim, o resultado de uma boa estratégia é aquele que
garante rentabilidade à empresa, ou seja, que traga lucro em relação ao capital
investido. Mesmo assim, a obtenção de rentabilidade superior às taxas de
retornos de determinado mercado acaba por estimular o fluxo de investimentos
dos concorrentes, como também por atrair empresas de outros setores para a
indústria em vantagem.
O modelo ressalta, ainda, a relação inversa entre as margens de lucro
(retorno) e a intensidade da concorrência, ou seja, à medida que a intensidade da
concorrência aumenta, as margens e os retornos sobre o capital investido
diminuem. Essa constatação pode requerer mudanças na estratégia competitiva
para manter a empresa no setor, como também para levá-la à decisão de
abandoná-lo (NICKOLS, 2000).
Assim, as cinco forças que dirigem a competição dentro de determinada
indústria ampliam a visão de quem são os concorrentes. Nesses termos, clientes,
fornecedores, substitutos e os entrantes potenciais são todos “concorrentes” para
as empresas na indústria, podendo ter maior ou menor importância, dependendo
das circunstâncias particulares. É a concorrência que PORTER (1998)
denominou de rivalidade ampliada.
A ação conjunta dessas cinco forças determina a intensidade da
concorrência no setor, assim como a rentabilidade da indústria, sendo que as
forças mais atuantes se tornam cruciais para formulação das estratégias.
Assim, a partir dessas contribuições será analisada a indústria de
sementes. A atenção estará dirigida para a “identificação das características
básicas da indústria, enraizadas em sua economia e tecnologia, e que modelam a
arena na qual a estratégia competitiva deve ser estabelecida” (PORTER,
1998:25).
A Figura 1 representa as cinco forças que conduzem a competição em
determinado setor industrial, quais sejam, a ameaça de entrada de novos
competidores, a intensidade da concorrência entre os competidores existentes, a
pressão advinda de produtos substitutos, o poder de negociação dos compradores
44
e o poder de negociação dos fornecedores. NICKOLS (2000) agregou a elas seus
respectivos fatores, com base em Porter, sem que isso signifique novos
acréscimos ao modelo. Neste capítulo, o modelo será discutido em cada um dos
seus componentes.
Fonte: PORTER (1998:23).
Figura 1 - Forças que dirigem a concorrência na indústria.
2.3.1. Rivalidade entre as empresas existentes
A rivalidade entre os concorrentes assume a forma corriqueira de disputa
por posição, mediante o uso de táticas como concorrência de preços, batalhas de
publicidade, introdução de produtos e aumento dos serviços ou das garantias ao
Ameaça de novos
entrantes
Ameaça de produtos
ou serviços
substitutos
Poder de negociação
dos fornecedores
Poder de negociação
dos compradores
CONCORRENTES
NA INDÚSTRIA
Rivalidade entre as empresas existentes
COMPRADORES
(Poder de
barganha)
FORNECEDORES
(Poder de
barganha)
SUBSTITUTOS
ENTRANTES
POTENCIAIS
45
cliente, em que ações bem elaboradas no marketing tático têm grande
importância.
A rivalidade ocorre porque um ou mais concorrentes sente-se
pressionado ou visualiza oportunidades para melhorar sua posição. Na maioria
das indústrias, segundo PORTER (1998), os movimentos competitivos de
determinada empresa têm efeitos diretos em seus concorrentes, o que poderia
levar à retaliação ou a esforços para conter esses movimentos, implicando a
dependência mútua entre as empresas de uma indústria. Ademais, esse padrão de
ação e reação pode, ou não, permitir que a indústria como um todo se aprimore.
Algumas formas de concorrência, notadamente a de preços, são
altamente instáveis. Os cortes de preços são fáceis e rapidamente igualados pelos
rivais, passando a reduzir as receitas de todas as empresas. Por outro lado, as
batalhas de publicidade podem expandir a demanda ou aumentar o nível de
diferenciação do produto na indústria, com benefício para todas as empresas.
Segundo PORTER (1998), a rivalidade é conseqüência da interação de
vários fatores estruturais, quais sejam, os concorrentes numerosos ou bem
equilibrados; o crescimento lento e gradual da indústria, os altos custos fixos ou
de armazenamento, a ausência de diferenciação ou custos de mudança, a
capacidade aumentada em grandes incrementos, os concorrentes divergentes, os
grandes interesses estratégicos e as barreiras de saída elevadas.
A rivalidade da concorrência entre os competidores existentes será
analisada com base na avaliação de seus fatores estruturais, compreendidos por
variáveis de mensuração, analisadas na metodologia.
2.3.2. Ameaça de entrada de novos competidores
Quando novas empresas entram para determinada indústria apresentam
nova capacidade, desejo de ganhar parcela de mercado e, freqüentemente,
recursos substanciais. Tendo a rentabilidade como ponto focal a partir da entrada
de novos participantes, os preços podem cair ou mesmo os custos destes podem
ser inflacionados, o que reduziria a taxa de retorno, ou seja, a rentabilidade.
46
Quando uma empresa entra num mercado pela aquisição de outra
existente, geralmente com o objetivo de construir uma posição nesse mercado,
configura-se uma entrada, embora nenhuma empresa tenha sido criada.
A ameaça de entrada em uma indústria pode variar em virtude das
barreiras existentes, em conjunto com a reação esperada da parte dos
concorrentes já estabelecidos. Se as barreiras são altas, a ameaça de entrada é
pequena, porque o novo entrante deverá receber retaliação acirrada daqueles que
compõem o mercado. Os elementos que constituem barreiras à entrada dos novos
competidores são economias de escala, diferenciação de produtos, necessidade de
capital, custos de mudança, acessos a canais de distribuição, desvantagens de
custos independentes de escalas e política governamental. Estes sete elementos
serão avaliados na metodologia.
2.3.3. Pressão advinda de produtos substitutos
Em termos amplos, todas as empresas em uma indústria estão
competindo com concorrentes que fabricam produtos substitutos, que, por sua
vez, reduzem os retornos potenciais de uma indústria, colocando um teto nos
preços que as empresas podem fixar com lucro. Quanto mais atrativa a
alternativa de preço-desempenho dos produtos substitutos, mais firme será a
pressão sobre os lucros da indústria.
PORTER (1998) usou como exemplo a experiência da indústria de
açúcar, que tem grande proximidade com as questões tratadas neste trabalho. A
busca de alternativas para adoçar os alimentos mudou o setor. Depois de
enfrentar, por muito tempo, outros concorrentes que comercializam o açúcar,
esses produtores passaram a defrontar-se com a comercialização, em larga escala,
do xarope de milho como substituto e, hoje, dos adoçantes artificiais. O fato de o
mercado agroalimentar atual ser extremamente competitivo e de os seus atores
investirem grandes cifras em P&D tem colocado diante dos diversos produtores
uma variedade extrema de materiais alternativos com custo mais baixo. Pelo fato
de a identificação de produtos substitutos ser conquistada por meio de pesquisas
47
na busca de outros produtos que possam desempenhar a mesma função que
aquele existente, podem-se entender as inúmeras aplicações industriais na cadeia
agroalimentar como frutos dos avanços na biotecnologia.
Os produtos substitutos que exigem maior atenção são aqueles sujeitos a
tendências de melhoramento do seu trade-off de preço-desempenho, ou que são
produzidos por indústrias com altas margens de lucro.
Assim, PORTER (1998) indicou, como fatores determinantes para se
avaliar a pressão advinda de produtos substitutos, a capacidade de estes
desempenharem a mesma função que o produto da indústria em análise, o trade-
off de preço-desempenho em relação ao produto da indústria e a lucratividade da
indústria em que os produtos são produzidos, que serão abordados na
metodologia.
2.3.4. Poder de negociação dos fornecedores
Os fornecedores podem exercer poder de barganha sobre os participantes
de uma indústria, quando ameaçam elevar preços ou reduzir a qualidade dos bens
e serviços fornecidos. Dessa forma, fornecedores poderosos podem sugar a
rentabilidade de uma indústria que seja incapaz de repassar os aumentos de
custos a seus próprios preços.
Como dito anteriormente, as condições que tornam os fornecedores
poderosos tendem a refletir aquelas que tornam os compradores poderosos. O
poder de barganha dos fornecedores está relacionado com o número de
fornecedores e com o grau de concentração que apresentam em relação à
indústria tida em análise, com existência ou não de produtos substitutos, com
número de clientes importantes para os fornecedores, com importância dos
produtos dos fornecedores para os negócios do comprador, com nível de
diferenciação dos produtos fornecidos e com possibilidade de os fornecedores
representarem uma ameaça de integração para frente, em direção aos
compradores. Essas variáveis serão apresentadas na metodologia.
48
2.3.5. Poder de negociação dos compradores
Os compradores competem com a indústria, ao forçarem o preço para
baixo, ao barganharem melhor qualidade ou mais serviços e ao “jogarem” os
concorrentes uns contra os outros. O poder de cada importante grupo de
compradores da indústria depende de certas características da sua situação no
mercado e da importância relativa de suas compras na indústria, em comparação
com seus negócios totais.
Assim, um grupo comprador tem seu poder medido por fatores como a
relação direta entre concentração de sua indústria ou da quantidade/volume de
suas compras e a importância dos produtos que compram para seus custos, o
nível de padronização dos produtos adquiridos, o nível do custo de mudança que
enfrenta, os lucros que consegue obter, a possibilidade de efetuar uma integração
para frente, a importância que os produtos que compra têm para a qualidade de
seus produtos e o nível de informação que possui.
Essas variáveis que medem o poder de barganha dos fornecedores em
face aos compradores são apresentadas na metodologia.
Como será percebido no momento da análise do poder de negociação dos
fornecedores, a maior parte dessas fontes de poder, usadas em referência ao
comprador, pode também ser atribuída aos fornecedores, bastando apenas
algumas modificações no quadro de referência.
Outra consideração importante diz respeito às mudanças que ocorrem,
com o passar do tempo, nos fatores citados, principalmente das que decorrem das
decisões estratégicas de determinada companhia. Exemplo disso é a migração do
poder que antes era da indústria e que, mais recentemente, passou a ser dos
distribuidores, no setor de roupas. À medida que as lojas de departamento e de
confecções ficaram concentradas, o poder passou para suas grandes cadeias,
ficando a indústria sob crescente pressão, o que tem significado margens
declinantes de lucro.
49
3. METODOLOGIA
3.1. Unidade de análise
Consideraram-se como unidades de análise as corporações transnacionais
da indústria de sementes, determinação que contradiz o pensamento de Heffernan
e Constancem, citados por BONANNO et al. (1994).
Para eles, quando se pretende compreender o sistema agroalimentar
global, as TNCs devem ter papel de destaque, como unidade de análise chave.
Segundo esses autores, a definição da unidade de análise irá depender do tópico a
ser pesquisado, ou seja, do problema de pesquisa. Assim, quando este se refere à
identificação da força determinante da reestruturação do sistema alimentar em
nível global, a unidade de análise devem ser as corporações transnacionais
(TNCs), ou grupos de TNCs, pois são estas que decidem onde, como e por quem
o alimento será desenvolvido.
Heffernan e Constance, citados por BONANNO et al. (1994), ainda
consideraram duas outras possibilidades, quais sejam, o uso de um sistema de
commodity qualquer ou do Estado-nação como unidades de análise. A primeira
se aplica quando o problema da pesquisa se refere aos deslocamentos do trabalho
e aos impactos resultantes nas comunidades rurais. A segunda é utilizada quando
o problema de pesquisa diz respeito aos aspectos regulatórios. No entanto, apesar
50
de estes terem ligação com o problema levantado neste estudo, sua consideração
levaria à perda de foco na sua investigação.
Definidas as TNCs como unidades de análise, a reunião dos dados
relativos a suas vendas e participações de mercados restringiu-se aos anos de
1996, 1997 e 1998. Ademais, esses dados se referem às 10 maiores empresas dos
ramos de semente e agroquímicos, pois são estas que concentram o maior
número de investimentos em P&D biotecnológico, assim como em gastos em
publicidade.
3.2. Tipo de pesquisa
Quanto ao arcabouço metodológico usado para se chegar aos objetivos
propostos neste trabalho, sua natureza é descritiva e interpretativa.
Seguindo a orientação de SELLTIZ et al. (1967:59), a organização das
condições para agrupamento e análise dos dados foi feita com base no objetivo
desta. Como ressaltou a autora, quando o objetivo for “apresentar precisamente
as características de uma situação, um grupo ou um indivíduo específico (com ou
sem hipóteses específicas iniciais a respeito da natureza de tais características)”,
e quando são estabelecidas relações entre variáveis, o estudo adequado é o
descritivo.
A natureza descritiva deste estudo transparece à medida que se procura
evidenciar o impacto gerado pelas inovações biotecnológicas na estrutura de
concorrência do setor de sementes. Já seu caráter interpretativo busca avaliar as
implicações desse impacto nos participantes diretos desse mercado, que são as
próprias empresas de sementes. Apesar de a principal atenção estar voltada para
essas empresas, os demais atores que integram o sistema agroalimentar também
foram considerados.
Seu sentido interpretativo vai além da simples identificação da existência
de relações entre as TNCs, uma vez que também se pretende determinar a
natureza dessa relação (GIL, 1987).
51
A técnica utilizada na reunião de dados foi, essencialmente, a pesquisa
bibliográfica, que, para CERVO (1996:68), “tem como objetivo encontrar
respostas aos problemas formulados e o recurso é a consulta de documentos
bibliográficos”, que, geralmente, se referem a livros e a artigos científicos.
Ademais, sua principal vantagem reside no fato de que a cobertura acerca do
fenômeno pode se realizar de forma muito mais ampla do que aquela advinda de
uma pesquisa direta (GIL, 1987).
Assim, este trabalho destinou-se ao levantamento de indicadores e
referenciais relacionados com o contexto do mercado atual, de economia
globalizada, em que as TNCs e as instituições financeiras têm papel
preponderante na maior proximidade com o campo da biotecnologia, sem, no
entanto, aprofundar em seus aspectos técnicos, e na compreensão do modelo das
cinco forças de PORTER (1998), utilizado na análise da estrutura de
concorrência da indústria de sementes. Em relação às características do mercado
atual e dos avanços biotecnológicos, procurou-se abranger, além de sua dimensão
e evolução conceitual, seus aspectos históricos e elementos constitutivos.
A principal fonte de dados foi a Rural Advancement Foundation
International (RAFI), organização não-governamental, sediada no Canadá, que
se dedica à conservação e ao incremento da sustentabilidade da biodiversidade
agrícola e também do desenvolvimento socialmente responsável de tecnologias
úteis às sociedades rurais. Abrange, também, as questões acerca do impacto da
propriedade intelectual na agricultura e na segurança alimentar do mundo.
Os sites da internet, especializados em biotecnologia, foram fonte de
constantes consultas, tendo em vista a rápida cobertura que dão a assuntos como
este, de extrema atualidade e em constante mudança. Tendo em vista que grande
parte de jornais e revistas, nacionais e internacionais, tem uma versão on-line,
essas fontes também foram usadas.
Outra característica do procedimento metodológico foi a definição de
cortes para precisar a observação do fenômeno. Nesse sentido, optou-se pelo
estudo dos impactos da biotecnologia no setor de insumos e, mais
especificamente, naquelas empresas fornecedoras de sementes para o setor de
52
produção agrícola. A escolha se deve ao fato de a semente ser fração
indispensável à produção agrícola e por ter sido o elemento modificado para
atender aos interesses do capital, passando a ser, além de meio de produção, cada
vez mais produto. Assim, ela concentra grande parte das inovações e representa o
ponto de partida para as inovações biotecnológicas, como a produção dos
alimentos modificados geneticamente.
É importante ressaltar que, pelo fato de as principais indústrias de
sementes terem sido adquiridas da indústria de agroquímicos ou fundidas com
esta, a análise, em diversos pontos, também considera esta última para respeitar a
sua complementaridade.
3.3. Modelo de trabalho
O modelo de PORTER (1998), discutido no Capítulo 2, foi empregado
na análise dos dados, com vistas em compreender os impactos provocados pelos
avanços da biotecnologia na dinâmica da estrutura de concorrência da indústria
de sementes.
As forças definidas por PORTER (1998) - rivalidade entre as empresas
concorrentes, entrantes potenciais, ameaça de substituição, poder de negociação
dos fornecedores e poder de negociação dos compradores - foram utilizadas na
análise da estrutura da indústria de sementes, cujas características básicas estão
enraizadas em sua economia e tecnologia.
O emprego do modelo das cinco forças de PORTER (1998), como
instrumento de análise que satisfaça aos objetivos deste trabalho, implica
considerar cada um dos fatores estruturais que caracterizam cada uma das forças.
Esses fatores correspondem às variáveis de mensuração que revelam a dinâmica
da estrutura de concorrência de uma indústria, as quais podem ser visualizadas na
Figura 2.
53
Fonte: Adaptado de PORTER (1998) e NICKOLS (2000).
Figura 2 - Fatores definidores das forças de concorrência na indústria.
CONCORRENTES
NA INDÚSTRIA
(a) Rivalidade entre as
empresas existentes
(e)
COMPRADORES (Poder de barganha)
(d)
FORNECEDORES (Poder de barganha)
(c)
SUBSTITUTOS
(b)
ENTRANTES
POTENCIAIS
Economia de escala
Diferenciação
Necessidade de K
Custo de mudança
Acesso aos canais de distribuição
Desvantagens de custo
independentes de escala
Política governamental
Esses fatores tendem a aumentar as barreiras de entrada no mercado por
novos entrantes
Poucos fornecedores e mais concentrados que os compra-
dores
Ausência de substitutos
Fornecedores têm clientes
mais importantes
Os insumos dos fornecedores
são críticos para os negócios do comprador
Produtos diferenciados ou o
grupo desenvolveu custos de mudança
Grupo de fornecedores é uma
ameaça de integração para
frente
Concorrentes numerosos ou
bem equilibrados
Crescimento lento da in-
dústria
Custos fixos ou custos altos
de armazenamento
Ausência de diferenciação
ou custo de mudança
Capacidade aumentada em
grandes investimentos
Concorrentes divergentes
Grandes interesses estraté-
gicos
Barreiras de saída elevadas
Estão concentrados ou adqui-rem grandes volumes
Compram produtos que repre-sentam grande parte de seus custos
Compram produtos padroniza-dos
Enfrentam poucos custos de mudança
Conseguem lucros baixos
Quando representam uma ame-
aça de integração para trás
O produto que compram tem
pouca importância para a qua-lidade dos seus
Têm total informação
Esses fatores tendem a aumentar o poder de barganha dos
fornecedores
Esses fatores tendem a aumentar o poder de barganha dos
compradores
Esses fatores tendem a aumentar a rivalidade entre as empresas
existentes
Capacidade de desempenhar a
mesma função que o produto da indústria em análise
O trade-off de preço - desempe-
nho em relação ao produto da indústria
Lucratividade da indústria em
que os produtos substitutos são
produzidos
54
Este modelo foi elaborado por PORTER (1998) e permite a análise da
dinâmica da estrutura de concorrência de um setor industrial e a formulação de
estratégias adequadas para que uma empresa se destaque nesse setor. No entanto,
não sendo este o propósito do trabalho, o referido modelo será aplicado para
identificar a estrutura da indústria de sementes e revelar sua dinâmica.
Os fatores relacionados com as cinco forças - rivalidade entre as
empresas existentes, ameaça de entrada de novos competidores, pressão advinda
de produtos substitutos, poder de negociação dos fornecedores e poder de
negociação dos compradores - serão apresentados e explicados a seguir.
a) Rivalidade entre as empresas existentes
Numa indústria, a rivalidade entre as empresas é conseqüência da
ocorrência dos seguintes fatores estruturais:
Concorrentes numerosos ou bem equilibrados. Quando é grande o número
de empresas, algumas tendem a acreditar que podem fazer movimentos sem
serem notadas. Já quando a indústria é altamente concentrada ou dominada por
uma ou por poucas empresas, os líderes podem impor disciplina,
desempenhando um papel coordenador na indústria por meio da liderança de
preço.
Crescimento lento da indústria. Em negócios que crescem devagar, os
competidores disputam fatias de mercado em uma concorrência que é mais
instável do que numa situação em que o crescimento rápido garante que as
empresas possam melhorar seus resultados apenas se mantendo em dia com a
indústria.
Altos custos fixos ou de armazenamento. Pressionam as empresas a
produzirem na sua plena capacidade ou evitarem a formação de estoques
elevados. Essa situação ocorre quando se tem um produto cujo
armazenamento ou estoque é difícil e despendioso. Para evitar esse processo,
muitas empresas se tornam vulneráveis a baixar os preços, de modo a
assegurar as vendas.
55
Ausência de diferenciação ou de custos de mudança. Um produto que seja
bem diferenciado e que tenha o custo de mudança facilmente percebido pelo
consumidor permite deixar a empresa em uma posição confortável em face à
concorrência.
Capacidade aumentada em grandes proporções. Quando as economias de
escala determinam que a capacidade deve ser acrescentada em grandes
proporções, esses acréscimos de capacidade podem romper o equilíbrio
oferta/procura da indústria, particularmente quando existe o risco de esses
acréscimos serem excessivos. Como ocorre no mercado de fertilizantes
nitrogenados, a indústria pode enfrentar períodos alternados de
"supercapacidade" e de reduções de preços.
Concorrentes divergentes. Concorrentes que divergem em seus objetivos e
estratégias, no que diz respeito a como competir, podem estar em choque
contínuo ao longo de todo o processo. Nesse sentido, quando uma empresa
tem dificuldade em decifrar as intenções dos outros concorrentes, as
alternativas estratégias corretas para um concorrente podem não o ser para
outros.
Grandes interesses estratégicos. A rivalidade será maior à medida que nas
empresas houver muitos interesses em jogo. Com vistas em promover uma
estratégia empresarial global que lhes garanta prestígio ou credibilidade
tecnológica, algumas empresas podem estar potencialmente inclinadas a
sacrificar sua lucratividade, uma vez que consideram importante elevar o valor
de sua marca e garantir o seu posicionamento.
Barreiras de saída elevadas. São fatores econômicos, estratégicos e
emocionais que mantêm a companhia em atividade, mesmo quando esta obtém
retornos baixos, ou mesmo negativos, sobre os investimentos que realiza. As
principais fontes de barreiras de saída são os ativos especializados, que
apresentam baixos valores de liquidação ou altos custos de transferência; os
custos fixos de saída, como acordos trabalhistas, custos de restabelecimento,
capacidade para componentes sobressalentes etc.; as inter-relações estratégicas
56
das unidades da empresa em termos de imagem; a capacidade de marketing; e
o acesso aos mercados financeiros e às instalações compartilhadas.
b) Ameaça de entrada de novos competidores
A ameaça de entrada de novos competidores depende da intensidade dos
seguintes fatores:
Economias de escala. Referem-se aos declínios nos custos unitários de um
produto à medida que o volume absoluto por período aumenta. Essas
economias detêm a entrada ao forçar a empresa entrante a ingressar em larga
escala e arriscar-se a uma forte reação das empresas existentes, ou a ingressar
em pequena escala e sujeitar-se a uma desvantagem de custo. A economia de
escala pode estar presente em quase toda função de um negócio, como as
compras e os investimentos em P&D, em marketing, na distribuição, no uso da
força de vendas e nos serviços prestados.
Atividades potencialmente compartilháveis, sujeitas a economias de
escala, podem trazer benefícios, caso existam custos conjuntos. Estes ocorrem
quando uma empresa que fabrica (vende, distribui, compra etc.) o produto “A”
tem, inerentemente, capacidade de fabricar (vender, distribuir, comprar etc.) o
produto “B”. Esta empresa, que compete tanto pelo produto “A” quanto pelo
produto “B”, terá vantagem substancial em relação àquela que compete
somente por um dos produtos. Essas atividades podem incluir a força de
vendas, os sistemas de distribuição, as compras etc.
É possível também obter economia de escala quando existem vantagens
econômicas na integração vertical, isto é, quando há operação em estágios
sucessivos de produção e distribuição. Assim, a empresa entrante, caso não
ingresse no mercado de forma integrada, enfrentará desvantagem de custo, ou
até mesmo a exclusão de insumos e de mercado para seu produto, se a maioria
dos demais concorrentes estiver integrada. Quando a maioria dos clientes
compra de unidades filiadas, ou a maioria dos fornecedores vende seus
produtos para o mesmo grupo a que pertence, ocorre a exclusão.
57
Diferenciação de produtos. A diferenciação constitui uma barreira aos
entrantes, por forçá-los a elevar despesas para quebrar essa lealdade, as quais,
geralmente, acarretam prejuízos iniciais e podem durar um longo período de
tempo. Segundo PORTER (1998), diferenciar o produto talvez seja a mais
importante barreira para dificultar a entrada em várias indústrias.
Necessidade de capital. A necessidade de amplos investimentos para poder
competir cria uma barreira de entrada, particularmente se o capital for
necessário para atividades arriscadas e, em alguns casos, irrecuperáveis, como
gastos em publicidade prévia ou em P&D. O capital pode ainda ser necessário
para instalações físicas de produção, para oferecer crédito aos consumidores,
para gastar com estoques e para cobrir investimentos iniciais que minam o
capital de giro da empresa. Embora as grandes companhias tenham recursos
suficientes para entrar em qualquer indústria, os altos investimentos exigidos
em P&D acabam por inibir ou por limitar o número de pretendentes.
Custos de mudança. São aqueles com os quais se defronta o comprador ao
mudar de um fornecedor para outro. Podem estar relacionados com
treinamento de empregados, aquisição de novos equipamentos, necessidade de
assistência técnica, novo projeto do produto, ou até mesmo com custos
psicológicos de se desfazer ou romper um relacionamento. Caso esses custos
sejam altos, as empresas entrantes precisam oferecer custos diferenciados para
que o comprador se decida a deixar um produtor já estabelecido.
Acesso a canais de distribuição. Empresas entrantes têm necessidade de
assegurar distribuição para o seu produto. Considerando-se que os canais de
distribuição lógicos já estão sendo atendidos pelas empresas estabelecidas, os
entrantes precisam persuadir esses canais a aceitarem o seu produto. Isto,
geralmente, ocorre por meio de descontos de preço e dotação de verbas para
campanhas de publicidade em cooperação, causando, entre outros efeitos, a
redução dos lucros.
Desvantagens de custo independentes de escala. Empresas já estabelecidas
podem ter vantagens de custos que dificilmente serão igualadas pelos entrantes
em potencial, independentemente do tamanho e das economias de escala que
58
puderem obter. Essas vantagens podem advir de fatores como tecnologia
patenteada; acesso favorável à matéria-prima; localização favorável; subsídios
oficiais, quando alguma empresa recebe subsídio do governo que pode lhe
oferecer vantagens duradouras em alguns negócios; e curva de aprendizagem
ou curva de experiência, que ocorre em alguns negócios quando os custos
unitários declinam à medida que a empresa acumula maior experiência na
fabricação de um produto.26
Política governamental. O governo pode limitar ou impedir a entrada de
determinadas indústrias por meio de controles como exigências de licença para
funcionamento, limites ao acesso de matérias-primas, mecanismos de controle
de preços etc. Restrições mais sutis podem derivar de controles como padrões
de poluição do ar e da água e índices de segurança e de eficiência do produto.
Padrões para testes de produtos, comuns em indústrias alimentares, não só
aumentam o custo de capital da entrada como dão às empresas estabelecidas
notícia de entradas iminentes e até o conhecimento do produto do novo
concorrente, permitindo aos já estabelecidos formularem estratégias
preventivas.
É importante destacar que nenhuma análise estrutural pode ser realizada
e considerada completa sem um diagnóstico sobre como a política governamental
atual e futura irá afetar as condições estruturais da indústria em referência. No
entanto, seguindo a sugestão de PORTER (1998), é mais esclarecedor entender
seus impactos por meio das cinco forças competitivas, do que tomá-los como um
força por si só. Essa sugestão será adotada para que não se perca a importância
que este ator tem na estrutura de concorrência do setor de insumo agrícola.
26 Dessa forma, os custos caem, pois os operários aprimoram seus métodos e se tornam mais eficientes, o
lay out é aperfeiçoado, são desenvolvidos equipamentos e processos especializados, consegue-se
melhor desempenho do equipamento, mudanças no projeto do produto tornam sua fabricação mais
fácil, melhoram as técnicas de medição e controle das operações, etc., como no caso das economias de escala, em que o declínio dos custos em função da experiência não se relaciona com a empresa como
um todo, mas surge de operações isoladas que constituem a empresa. Ademais, pode ser aplicada não
só à produção mas também à distribuição e às atividades de apoio. Numa só palavra, se os custos
declinam com a experiência em uma indústria e se a experiência pode ser resguardada pelas empresas
estabelecidas, então este efeito conduz a uma barreira de entrada.
59
c) Pressão advinda de produtos substitutos
Os produtos substitutos podem provocar concorrência entre os
competidores de uma indústria, e sua intensidade pode estar relacionada com os
fatores descritos a seguir:
produto substituto desempenha a mesma função que o produto da
indústria em referência. Nesse caso, o posicionamento em relação aos
produtos substitutos pode ser uma questão de ação coletiva empreendida pela
indústria. Por exemplo, embora a publicidade feita por uma empresa possa não
ser suficiente para sustentar a posição de uma indústria contra um substituto,
uma publicidade constante e intensa, conduzida por todos os participantes da
indústria, pode melhorar a sua posição.
trade-off de preço-desempenho em relação ao produto da indústria. Os
produtos substitutos sujeitos a melhoramentos no trade-off de preço-
desempenho exigem maior atenção.
Lucratividade da indústria em que os produtos substitutos são
produzidos. Nos casos em que os produtos substitutos são produzidos por
indústrias com lucros altos, eles entram rapidamente em cena, se algum
desenvolvimento aumentar a concorrência em suas indústrias e ocasionar
redução de preço ou aperfeiçoamento do desempenho.
d) Poder de barganha dos fornecedores
Os fatores descritos a seguir tendem a aumentar o poder de barganha dos
fornecedores:
Número de fornecedores e sua concentração em relação aos compradores.
Se a atividade for dominada por poucos competidores e a indústria for mais
concentrada do que aquela para a qual vende seus produtos, o poder de
barganha do fornecedor tenderá a ser grande. Isto porque, ao vender para
compradores mais fragmentados, os fornecedores terão capacidade de exercer
influência nos preços, na qualidade e nas condições.
Ausência de substitutos. Não sendo obrigados a lutar com outros produtos
substitutos na venda para a indústria, o poder de barganha dos fornecedores é
60
maior, visto que até fornecedores fortes enfrentam riscos ao concorrerem com
substitutos.
A indústria não é um cliente importante para o grupo fornecedor. Caso
contrário, se a indústria for um cliente importante, o destino dos fornecedores
estará fortemente ligado à indústria e eles tentarão protegê-la por meio de
preços razoáveis, de assistência em atividades como P&D e do exercício de
influência.
Os insumos dos fornecedores são críticos para os negócios do comprador.
Quando os produtos dos fornecedores forem um insumo importante para o
negócio do comprador, com influência direta no processo de fabricação do
comprador ou na qualidade do produto, o poder de barganha do fornecedor
cresce.
Os produtos são diferenciados ou o grupo desenvolveu custos de
mudança. Os fornecedores terão grande poder de barganha caso seus produtos
sejam diferenciados ou tenham sido desenvolvidos custos de mudanças, os
quais descartam a opção de o comprador jogar um fornecedor contra o outro.
Grupo de fornecedores é uma ameaça de integração para frente. Nesse
caso, o poder de barganha do fornecedor tende a ser maior, uma vez que isso
representa uma ameaça de controle das atividades do comprador.
e) Poder de barganha dos compradores
O poder de barganha do comprador tende a aumentar à medida que se
verificar um ou mais dos fatores descritos a seguir:
Os compradores estão concentrados ou adquirem grandes volumes. A isso
se acrescenta o fato de que, quando os custos fixos do vendedor são altos, os
compradores ficam ainda mais poderosos.
Compram produtos que representam grande parte de seus custos ou
compras. Nesses casos, o comprador irá buscar preços mais favoráveis,
tornando-se, portanto, altamente sensível ao preço.
61
Compram produtos padronizados. Dada a baixa diferenciação, os
compradores podem sempre encontrar fornecedores alternativos mais
facilmente e jogar uma empresa contra a outra.
Enfrentam poucos custos de mudanças. Como visto, os custos de mudanças
prendem os compradores a determinados vendedores e, inversamente, baixos
custos de mudanças aumentam o poder dos compradores.
Conseguem lucros baixos. Quanto mais baixos forem os lucros dos
compradores, maior será a tendência na busca de baixos preços junto aos
vendedores.
Representam uma ameaça de integração pra trás. Quando os compradores
são parcialmente integrados ou representam uma ameaça real de integração
para trás, eles adquirem boa posição de negociação.
Produto da indústria não é importante para a qualidade dos produtos ou
serviços do comprador.
Comprador tem total informação. Um comprador bem informado sobre
demanda, preços reais do mercado e custos dos fornecedores adquire maior
poder para negociar do que quando a informação é deficiente.
62
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO
Neste capítulo, as análises são desenvolvidas com base nos dados obtidos
a partir das referências empíricas dadas em cada uma das cinco forças do modelo
de PORTER (1998). O ponto de partida é uma apresentação da configuração
conjuntural do setor de sementes no período de 1996 a 1998 - a qual reflete o
emprego das inovações da biotecnologia - com o exame dos fatores que
determinam a intensidade da rivalidade dos concorrentes da indústria de
sementes.
4.1. Intensidade da rivalidade entre as empresas existentes
O mercado tem se concentrado27
em praticamente todos os setores da
economia global. Essa tendência de concentração corporativa vem, na verdade,
ocorrendo há tempos, mas tem sido mais intensa em anos mais recentes. Segundo
pesquisa realizada pela consultoria Price Waterhouse e Coopers, citados por
LEME e SOUZA (2000), 3.276 transações comerciais envolveram atos de
27 Para se ter dimensão do avanço de investimentos extrafronteiras, pode-se avaliar o nível de
investimentos estrangeiros diretos (IEDs), tendo em vista ser uma forma de medida da globalização
econômica. De acordo com o Informe Mundial de Investimentos da UNCTAD, citado por RAFI
(2000b), os investimentos das corporações transnacionais no estrangeiro alcançaram a cifra recorde de
440 bilhões de dólares em 1998. Ademais, essas empresas são responsáveis por cerca de dois terços
do comércio mundial, sendo que as fusões e aquisições por meio de fronteiras alcançaram 58% de
todo IED em 1997.
63
concentração no Brasil, divulgadas pela imprensa ao longo da década de 90. A
conseqüência dessas ações foi justamente a elevação da concentração de capital,
fator determinante para dar poder a determinadas indústrias da cadeia
agroindustrial. A Figura 3 permite visualizar o grau de concentração do
agronegócio no Brasil, num paralelo à tendência em escala global. Nos setores
que compõem o agronegócio, a concentração também tem sido constante. As
fusões e aquisições que envolvem empresas diretamente relacionadas com
diversos sistemas agroindustriais têm alcançado valores bastante elevados.
Fonte: LEME e SOUZA (2000).
Figura 3 - Participação no mercado das quatro maiores empresas no Brasil, por
segmento, em 1999, em %.
64
Boa parte desses números tem a contribuição direta das empresas que
formam a “indústria da ciência da vida” e dominam a pesquisa, a produção e a
comercialização de produtos agrícolas, alimentícios e farmacêuticos. Numa
definição considerada pela RAFI (2000b) como “um tanto vaga”, pode-se dizer
que esses gigantes genéticos incluem as transnacionais que dominam os avanços
tecnológicos presentes em pesticidas, sementes, produtos farmacêuticos,
alimentos e produtos veterinários. Um ponto comum de suas inovações é que
grande parte delas é proveniente de pesquisas em biotecnologia, contrariando os
que pensam haver grande distância entre tais setores.
Ao se analisarem quais são as 10 maiores companhias de pesticidas,
sementes, produtos farmacêuticos e veterinários e compará-las com as grandes
empresas que mais investem em biotecnologia e P&D, nota-se que são as
mesmas. São elas a DuPont, Novartis, AstraZeneca, Monsanto, Dow e Aventis,
dentre outras, que, além de serem líderes em biotecnologia e em P&D e deterem
maior número de patentes, também têm em seu poder os maiores números em
investimentos na área de genoma e pesquisas que exploram o seqüenciamento de
genes. Por estarem consolidadas, possuem bastante poder de controle nos setores
de atuação.
Mas as similaridades que as aproximam não são apenas coincidências,
pelo contrário, devem-se à investida estratégica da indústria de agroquímicos,
cuja principal fonte de retornos vem dos pesticidas, em direção à de sementes.
A queda nas vendas de pesticidas nos países de origem obrigava as
indústrias a orientarem sua produção para a exportação, razão por que seguiram
em direção ao Sul. No entanto, mesmo que esses mercados estivessem em
expansão, os retornos declinavam, pois resultavam de patentes que já expiravam.
Ademais, possíveis retornos provenientes da venda de pesticidas desenvolvidos
para a agricultura própria do Sul não justificam os gastos em pesquisa, em
desenvolvimento e no processo regulador que o cerca.
Assim, a reorientação da produção para o Sul foi parte da estratégia das
TNCs em assegurar o controle do mercado. Países como China, Índia e Brasil,
com baixo custo de mão-de-obra e pouca capacidade técnica, poderiam tornar-se,
65
na visão daquelas, grandes centros de produção e consumo. Mediante aquisições
e fusões, as TNCs produtoras de pesticidas partiram em busca do controle
daqueles mercados nacionais. Mesmo indústrias como a Mitsu, da Índia, que
adquiriu capacidade suficiente para competir na produção e exportação de
piretróides com a Aventis, acabaram tendo 51% de seu capital adquirido por esta
empresa, em março de 1999 (KUYEK, 2000).
As fusões e aquisições na indústria de pesticida iniciaram-se na década
de 70, acentuaram-se nos anos 80 e atingiram o ápice na década de 90. Em 1996,
a Ciba-Geigy e a Sandoz ultrapassaram todas as previsões de alianças entre as
empresas de pesticidas e criaram a Novartis. Em 1998, Rhône-Poulenc e AgrEvo
formaram a Aventis, que se tornaria líder desse mercado. Mas, pouco menos de
um ano depois, ela deixaria seu posto, quando a Novartis e a Zeneca anunciaram
fusão e a formação da Syngenta, com vendas de, aproximadamente, US$ 8
bilhões (KUYEK, 2000).
Essa urgência de fusões e aquisições foi fortemente influenciada pela
indústria de alimentos. Os processadores de alimentos e os varejistas
aumentavam seu poder sobre a cadeia agroalimentar. Grandes companhias, como
a Cargill, a Phillip Morris e a Nestlé, alcançaram vendas de US$ 50 bilhões e,
numa posição próxima à de um monopólio em seu mercado, conseguiram poder
suficiente para ditar preços, termos e condições em que as colheitas deveriam
crescer. Os impactos nos agricultores foram grandes. Por exemplo, três
companhias de cereais - Kelogg‟s, Quaker Oats e General Mills - são 500 vezes
mais lucrativas que os produtores agrícolas e obtêm um retorno médio de 147%,
comparado aos 0,3% dos agricultores.
Desde 1992, havia pressões para que os preços dos pesticidas fossem
menores, o que levava a menos esforços em inovações. A direção deveria ser
guiada por uma mentalidade de commodity, com menores custos possíveis.
Assim, todas as TNCs começaram a diminuir seus gastos em P&D relacionados
com pesticidas. A Novartis chegou a anunciar que reduziria o número de novos
pesticidas, introduzidos por ano, para 1. Outro eficiente meio para se reduzirem
os custos em P&D era a fusão com outros competidores. Assegurando maiores
66
participações de mercado, as TNCs reduziriam as pressões para o
desenvolvimento de novos produtos.
Assim, o caminho trilhado pelas TNCs agroquímicas visou completa
redefinição, agora como “indústrias da ciência da vida”, baseando suas pesquisas
em biologia e engenharia genética. Nesse esforço, começaram a migrar mais
decisivamente para os setores agrícolas e farmacêuticos, sendo comum a busca
pela integração vertical. Com vistas em atingir os dois extremos, iniciaram a
aquisição de companhias de sementes e estabeleceram alianças estratégicas com
a indústria de alimentos.
A estrutura atual da indústria de sementes pode ser percebida nas
palavras de KUYEK (2000):
a mais visível manifestação da integração vertical que está acontecendo no
sistema alimentar é a aquisição da indústria de sementes pela indústria de
pesticida e a subseqüente formação de oligopólios em vários setores do mercado de sementes. (...) A aquisição da indústria de sementes é um elemento
central das estratégias das TNCs de pesticidas para retirar mais renda e um
sistema alimentar já bastante explorado nos dois extremos - tanto para fazendeiros quanto para os consumidores.
KUYEK (2000) ainda afirmou que os resultados desses esforços irão
depender do sucesso dessas indústrias no mundo da biotecnologia. Enquanto em
outras indústrias ainda é difícil levar a biotecnologia até o mercado, no caso da
biotecnologia, em nível agrícola, este canal com o mercado é também facilmente
estabelecido pela semente. Nesse sentido, as companhias de biotecnologia
agrícola precisam ter acesso às sementes, seja na sua criação (desenvolvimento),
seja na aquisição ou fusão de alguma empresa de sementes. No entanto, dada a
dominação que a indústria de agroquímicos exerce sobre a indústria de sementes,
não seria de estranhar que a grande maioria das aplicações biotecnológicas
associe as sementes aos pesticidas. Um caso clássico é o Sistema Roundup
Ready, da Monsanto, seguido por outras companhias que dispõem de sementes
tolerantes a herbicidas ou mesmo por meio da autorização daquela empresa.
A formação da “indústria da ciência da vida” acaba por unir setores
anteriormente desconectados, mas que passam a representar uma força
estratégica de grandes dimensões. Para melhor compreender como indústrias
67
aparentemente distantes têm traços comuns em seus negócios, recorre-se às
palavras de um Diretor Executivo da Novartis, Daniel Vasella:
O denominador comum em nosso negócio é a biologia. A investigação e a
tecnologia são aplicadas com o objetivo de descobrir, desenvolver e vender
produtos que afetam sistemas biológicos, quer sejam humanos, plantas ou animais (RAFI, 2000b).
28
Apesar de as áreas que envolvem a “indústria da ciência da vida”
parecerem distantes ente si, algumas proximidades fundamentais para o êxito dos
investimentos podem ser percebidas nas palavras do Presidente da Zeneca, David
Barnes:
Os mercados agrícolas e médicos são muito diferentes, mas em nível de
pesquisa estão se aproximando cada vez mais. Tecnologia tais como o
sequenciamento genético, a química combinatória e o “screening” de alta precisão são tão relevantes para a agricultura como o são para a saúde
humana29
(RAFI, 2000b).
Assim, as antigas fronteiras existentes entre indústrias, como
farmacêutica, biotecnológica, agrícola, química e de cosméticos, tendem a
desaparecer. Sob as novas estratégias que envolvem a “indústria da ciência da
vida”, as transnacionais acabam por utilizar tecnologias complementares para se
transformarem nos atores dominantes dos diferentes setores industriais. Muitas
empresas têm, inclusive, despendido esforços para entrarem na indústria da
biologia e em suas recentes descobertas, casos de companhias petrolíferas,
químico industriais, farmacêuticas, etc.
4.1.1. Fusões e aquisições
A despeito de terem participações em várias áreas, nas mais diferentes
oportunidades comercias, aqui serão explorados os dados que se referem à
indústria de sementes. É importante ressaltar a proximidade desta com o mercado
28 Tradução literal para “El denominador común en nuestro negocio es la biología. La investigación y la
tecnología son aplicadas con el fin de descubrir, desarrollar y vender productos que afectan sistemas biológicos, ya sean humanos, plantas o animales”.
29 Tradução literal para “Los mercados agrícolas y médicos son muy diferentes, pero a nivel de
investigación se están acercando cada vez más. Tecnologías tales como el secuenciamiento genético,
la química combinatoria y el screening de alta precisión son tan relevantes para la agricultura como lo
son para la salud humana”.
68
de agroquímicos, tendo em vista ser comum a venda de “pacotes” que conjugam
o uso conjunto da semente com determinado produto químico (casos do Sistema
Round-up Read, da Monsanto, e do Gene Traitor).
Há cerca de 20 anos existiam cerca de 7.000 instituições públicas e
privadas envolvidas na comercialização de sementes em todo o mundo.
Atualmente, este número está em cerca de 10 companhias que controlam,
aproximadamente, um terço do mercado mundial de sementes.
Naquela época, nenhuma companhia ocupava percentual significativo do
mercado global de sementes30
(MULTINATIONAL MONITOR, 2000), situação
que se alteraria à medida que constantes fusões e aquisições levaram o mercado
de sementes e agroquímicos a alto grau de concentração.
No início de 1997, a Monsanto (EUA) adquiriu a Holdens Foundation
Seeds, uma grande empresa do mercado de sementes híbridas de milho, por
US$ 1,2 bilhão. Cerca de 25 a 30% dos hectares plantados com milho nos EUA
eram baseados em germoplasma desenvolvidos pela Holdens. Combinado com
os 40% que já havia adquirido da Dekalb Genetics (maior companhia de
sementes da época), ela acabou se tornando o maior ator comercial da indústria
de sementes de milho. No final do mesmo ano, a Monsanto, mediante aquisição
da empresa brasileira de sementes Agroceres, adquiriu a maior base de
germoplasma tropical, o que deu a ela cerca de 30% de participação no mercado
brasileiro de sementes. Segundo o analista Dain Bosworth, citado por RAFI
(2000e), o objetivo da Monsanto é levar suas sementes da bioengenharia para,
pelo menos, 40 milhões de hectares de milho, mediante aquisição das maiores
companhias desse mercado.
30 É interessante notar que essa concentração não se restringe à indústria de sementes, mas também a
outros setores que, de alguma forma, se relacionam com a formação da “indústria da ciência da vida”.
Nesse sentido, pode-se perceber que, no final da década 70, eram 65 as companhias que desenvolviam
e comercializavam os químicos destinados às lavouras - herbicidas, inseticidas, nematicidas etc. - e hoje este mercado se restringe a nove empresas que controlam cerca de 91% deste mercado global.
Ainda no fim dos anos 70, as 20 maiores empresas detinham cerca de 5% do mercado farmacêutico
mundial. Os dados de hoje mostram que elas detêm 40% desse mercado. Ademais, naquela época nem
se prestava muita atenção ao mercado de produtos veterinários, no entanto, as 10 maiores empresas do
setor controlam, atualmente, cerca de 60% deste (MULTINATIONAL MONITOR, 2000).
69
Ainda em 1997, a DuPont (EUA) adquiriu 20% da Pioneer Hi-Bred, a
maior empresa mundial de sementes, por US$ 1,7 bilhão. As duas companhias
iriam investir US$ 400 milhões em pesquisa agrícola no ano de 1998 e
formariam uma nova empresa, a Optimun Quality Grains. No mesmo ano em que
comprou a Pioneer, a DuPont também acabou adquirindo a Protein Technologies
International, da Ralston Purina, por US$ 1,5 bilhão (RAFI, 2000e).
A AgriBiotech (EUA), para chegar aos 45% do mercado de sementes de
forragem e gramíneas nos EUA, em torno do ano de 2000, chegou à marca de 14
aquisições de companhias de sementes desde sua fundação, em 1995. Assim,
suas vendas anuais saltaram de US$ 4,7 milhões, em 1995, para US$ 230
milhões, no ano de 199731
(RAFI, 2000e).
Na busca de forte posição no mercado de sementes, a lista de fusões e,
principalmente, de aquisições contabiliza inúmeras operações. A AgrEvo, que,
em 1996, era líder do ranking agroquímico, tendo em vista a aquisição da Plant
Genetic Systems por US$ 725 milhões, tentou adquirir a Holdens, mas acabou
perdendo a batalha para sua concorrente Monsanto, como visto anteriormente
(RAFI, 2000e).
A Novartis é outra presença constante na lista das 10 maiores
companhias tanto da indústria de sementes quanto da de agroquímicos. Uma de
suas aquisições de peso foi a compra da parte da Merck, responsável pelos
negócios agroquímicos, o que ajudou a reforçar a supremacia em pesticidas.
O mercado de atuação da “indústria da ciência da vida”, principalmente
em relação às indústrias de sementes e agroquímicos, tem características
oligopolísticas como as apontadas por CHESNAIS (1986:37), segundo o qual a
concorrência é encarniçada, ou, em suas palavras em tom de eufemismo, um
“espaço de rivalidade industrial”.
Os dados referentes aos mercados de sementes e agroquímicos serão
apresentados em tabelas sucessivas que abrangem os anos de 1996, 1997 e 1998.
31 Segundo a própria empresa, as aquisições implementadas não trariam resultados tão significativos sem
as mudanças feitas nas leis que versam sobre os direitos dos melhoristas e as leis de patentes, que
impuseram limites à possibilidade de os produtores rurais salvarem suas sementes para as safras
seguintes (RAFI, 2000e).
70
É importante notar que algumas empresas presentes num ano estão ausentes em
outros, conseqüência direta das fusões e, ou, das aquisições. Além disso, pode-se
perceber que, devido à grande intensidade das fusões e aquisições ocorridas em
1997, os números, do ano anterior para este, são bastante diferentes. Já em 1998,
os valores desses mercados não se alteraram tanto, pois já haviam chegado ao
novo patamar, apesar de a concentração ter continuado.
Em 1996, as 10 maiores empresas de sementes controlavam cerca de
40% de um mercado mundial avaliado em US$15 bilhões (Tabela 1). No
mercado agroquímico, a concentração era ainda maior, já que as 10 maiores
detinham, aproximadamente, 82% do mercado global, que era de US$ 30,5
bilhões (um valor 15% maior que as cifras de 1994). Nota-se, também, que a
Monsanto não aparece entre as 10 maiores empresas de sementes no ano de
1996, situação que viria a ser bem diferente no ano seguinte, quando ela parte, de
forma bastante agressiva, para aquisição e fusão de companhias de sementes
tanto nos EUA quanto em outros países.
Das empresas que constam na lista das 10 maiores do mercado de
sementes, apenas a Novartis também aparece como competidora da indústria de
agroquímicos, situação que começaria a mudar a partir de 1997 (Tabela 2).
No ano de 1997 (Tabela 2), o mercado de sementes teve considerável
expansão, passando de US$ 15 para US$ 23 bilhões. Acredita-se que esse
crescimento seja conseqüência do aumento da venda de outros ou novos
competidores, uma vez que, apesar de as vendas das 10 maiores companhias
também terem aumentado (de US$ 6,021 para US$ 6,933 bilhões), esse
incremento foi insuficiente para acompanhar o crescimento total do mercado.
Assim, de uma participação de 40% do mercado em 1996, essas empresas
passaram a ter, aproximadamente, 30%, relação que volta a ter a direção da
concentração já no ano de 1998. Tudo leva a crer que algumas empresas que
tenham se destacado acabaram sendo adquiridas por algumas das 10 maiores.
71
Tabela 1 - Ranking das 10 maiores empresas da indústria de sementes e agroquí-
micos no ano de 1996 (em milhões de dólares)
Indústria de sementes Indústria de agroquímicos
Empresas Vendas Empresas Vendas
Pioneer Hi-Bred Intl (EUA) 1.721 Novartis (Suíça) 4.511
Novartis (Suíça) 991 Monsanto (EUA) 2.997 Limagrain (França) 552 Zeneca (Grã Bretanha) 2.638
Advanta (Holanda) 493 AgrEvo (Alemanha) 2.475
Group Pulsar (México) 400 DuPont (EUA) 2.472 Sakata (Japão) 403 Bayer (Alemanha) 2.350
Takii (Japão) 396 Rhone-Poulenc (França) 2.203
Dekalb Plant Genetics (EUA) 388 Dow Agrosciences (EUA) 2.010
KWS (Alemanha) 377 American Home Products (EUA) 1.989 Cargill (EUA) 300 BASF (Alemanha) 1.536
Total 6.021 Total 25.181
Total do mercado em 1996 15.000 Total do mercado em 1996 30.500
Fonte: RAFI (2000a).
Tabela 2 - Ranking das 10 maiores empresas da indústria de sementes e agroquí-
micos no ano de 1997 (em milhões de dólares)
Indústria de sementes Indústria de agroquímicos
Empresas Vendas Empresas Vendas
DuPont/Pioneer Hi-Bred Intl (EUA) 1.784 Aventis Group (França) 4.554
Monsanto (EUA) 1.320 Novartis (Suíça) 4.199
Novartis (Suíça) 928 Monsanto (EUA) 3.126
Groupe Limagrain (França) 686 Zeneca/Astra (Reino Unido/Suécia) 2.674
Advanta (Reino Unido e Holanda) 437 DuPont (EUA) 2.518
AgriBiotech, Inc. (EUA) 425 Bayer (Alemanha) 2.254
Grupo Pulsar/Seminis/ELM (Méx.) 375 Dow Agrosciences (EUA) 2.200
Sakata (Japão) 349 American Home Products (EUA) 2.119
KWS (Alemanha) 329 BASF (Alemanha) 1.855 Takii (Japão) 300 Sumimoto (Japão) 717
Total 6.933 Total 26.216
Total do mercado em 1997 23.000 Total do mercado em 1997 30.900
Fonte: RAFI (2000a).
72
Muitas fusões e aquisições foram implementadas no ano de 1997 (Tabela
2), fato que levou à troca de posições no ranking. Em primeiro lugar, no ranking
de sementes começa a aparecer a DuPont, tendo em vista a aquisição de 29% da
Pioneer. Em segundo, tomando a posição da Novartis, que cai para terceiro
posto, aparece a Monsanto, empresa que não figurava entre as 10 maiores no ano
anterior, mas que, em razão das constantes aquisições de companhias de
sementes e biotecnologia agrícola que efetuou a partir de 1996, equivalente a
US$ 8 bilhões até o início do ano de 1998, chegou a este posto. Como citado
anteriormente, em 1997 ela adquiriu a Holdens e, logo depois, a Dekalb, depois
de já ter adquirido a Asgrow, em 1996.
A partir de 1997 (Tabela 2), o mercado de sementes passa a ter forte
domínio das três primeiras ocupantes do ranking, dentro de um mercado que já
era extremamente dominado pelas 10 maiores. A venda anual dessas três
empresas em conjunto (US$ 4 bilhões) passa a representar um valor 38%
superior à venda total das sete demais (US$ 2,9 bilhões). Essas três maiores
empresas tinham, neste ano, 17,5% do mercado global de sementes.
O poder desses três grandes competidores da indústria de sementes pode
ser percebido pela presença paralela destas na indústria de agroquímicos. Nota-se
que a Monsanto e a Novartis, que, na indústria de sementes, ocupam o segundo e
o terceiro lugar, respectivamente, trocam de posição na indústria de
agroquímicos, já que a líder em sementes também está presente no mercado de
agroquímicos, mesmo que num posição um pouco inferior, em quinto lugar.
Essa situação não se alteraria muito em 1998 (Tabela 3), ocasião em que
a Monsanto e a Novartis ocupavam os mesmos postos nas duas indústrias. A
diferença foi a subida da DuPont para o quarto posto.
Em 1998, tanto o mercado de sementes quanto o de agroquímicos
mantiveram seus valores globais do ano anterior (pequena alteração ocorreu no
setor agroquímico, que passou de US$ 30,9 para US$ 31 bilhões), assim como a
posição dos três maiores atores, DuPont, Monsanto e Novartis. O que aumentou
foram as vendas das 10 maiores empresas nesses dois setores, manifestando-se,
73
Tabela 3 - Ranking das 10 maiores empresas da indústria de sementes e agroquí-
micos no ano de 1998 (em milhões de dólares)
Indústria de sementes Indústria de agroquímicos
Empresas Vendas Empresas Vendas
DuPont 1.835 Aventis 4.676
Monsanto 1.800 Novartis 4.152 Novartis 1.000 Monsanto 4.032
Groupe Limagrain 733 DuPont 3.156
Savia S.A. de C.V. 428 AstraZeneca 2.897 AstraZeneca 412 Bayer 2.273
KWS 370 American Home Products 2.194
AgriBiotech, Inc. 370 Dow 2.132
Sakata 349 BASF 1.945 Takii 300 Makhteschim-Agan 801
Total 7.597 Total 28.258
Total do mercado em 1998 23.000 Total do mercado em 1998 31.000
Fonte: RAFI (2000a).
novamente, tendência de concentração nessas indústrias. Nesse sentido, pode-se
observar que, em 1998, a venda das 10 maiores companhias de sementes passou
a representar 33% do mercado mundial (contra 30% em 1997), um sinal de
aumento na concentração no setor. Ademais, as vendas das três maiores empresas
também passou para US$ 4,6 bilhões, representando um valor 56% maior que as
vendas das outras sete empresas de sementes somadas e não mais os 38% do ano
anterior. Nesse mesmo ano, o poder das três maiores também foi maior,
chegando a ser de 20% do mercado global (contra 15,5% em 1997).
A indústria de agroquímicos seguiu essa tendência de concentração, mas
num nível muito radical. As 10 maiores obtiveram, neste ano, aproximadamente
91% do mercado mundial (contra 84,5% de 1997), sendo que somente as três
maiores detinham 41% deste (contra 38% de 1997).
Outra questão se refere à tendência da ação dessas empresas em direção
aos países do Sul. Como alternativa à tendência de estagnação na demanda em
74
seus países de origem, essas empresas norte-americanas e européias começaram a
dirigir suas estratégias de aquisição para outros grandes mercados de sementes.
Uma indicação disso é a compra, em 1997, da brasileira Sementes
Agroceres, pela Monsanto, já apontada anteriormente. Em julho de 1998, esta
mesma empresa também adquiriu a divisão internacional de sementes da Cargill,
quando a Monsanto começou a colocar em operação testes com sementes e
plantas em 24 países e a comercialização e distribuição para 51 países. Esses
fatos dobraram o potencial para aplicação de suas tecnologias de sementes. A
Monsanto chegou, assim, a controlar mais da metade do mercado de milho da
Argentina. No ano de 1998, a Dow Agrosciences adquiriu a Morgan Seeds,
segunda maior companhia de sementes de milho da Argentina. Neste mesmo
país, a Phytogen, onde a maioria das ações pertencia à Dow, acabou adquirindo o
maior programa de criação de sementes de algodão, localizado na província de
Chaco. Em 1998, a mexicana do agribusiness, chamada Empresas La Moderna
(ELM), comprou duas empresas sul coreanas de sementes de vegetais e a indiana
Nath Sluis, empresa especializada em biotecnologia agrícola.
4.1.2. Organismos geneticamente modificados (OGMs)
Os campos experimentais dos transgênicos estão se alastrando pelo
mundo, mesmo diante das incertezas que rondam a produção e o consumo dos
alimentos deles provenientes (aí inclusos os derivados e carnes de animais que se
alimentam de plantas transgênicas), tanto para o meio ambiente quanto para a
saúde humana e animal.
Somente durante o período que se estendeu do início de 1986 até o fim
de 1997, foram realizados 25.000 testes de campo com cultivos transgênicos,
num total de 45 países. Destes 25.000 testes, 15.000 foram realizados durante os
10 primeiros anos, e o restante, nos dois últimos anos. Em 1998, informa a RAFI
(2000b), quase 28 milhões de hectares foram cultivados com variedades
geneticamente modificadas em todo o mundo, tendo a soja e o milho
transgênicos representado 52% e 30% do total das áreas de sementes
75
transgênicas, respectivamente. O caráter dominante empregado nessas culturas
foi a tolerância a herbicidas (71% dos casos) e a insetos (28%).
Segundo informação da Federação Internacional de Sementes, o mercado
mundial de sementes modificadas geneticamente alcançará US$ 2 bilhões por
volta do ano de 2000 e deverá triplicar em 2005. A Federação também prevê que,
por volta de 2010, o mercado mundial de sementes modificadas geneticamente
irá chegar a US$ 20 bilhões (RAFI, 2000b). A Tabela 4 indica a área total
cultivada com transgênicos para plantio comercial.
Tabela 4 - Área de cultivo de transgênicos em plantio comercial, por países, nos
anos de 1997 e 1998 (em milhões de hectares)
País 1997 1998
Estados Unidos 8.100 20.500
Argentina 1.400 4.300
Canadá 1.300 2.800
Austrália 100 100
México 100 100
Espanha 0 100
França 0 100
África do Sul 0 100
Total 11.000 28.100
Fonte: RAFI (2000a).
Observa-se que, de um ano para outro, a área cultivada com sementes
geneticamente modificadas mais que dobrou. Na realidade, o aumento foi de
aproximadamente 155%, sendo que os EUA concentram grande parte desta área,
com cerca de 73% do total em nível mundial.
76
No mercado norte-americano, a quantidade de hectares cultivados não
representa o dado de maior impacto, mas sim o fato de que ele está
completamente dominado pelos chamados “gigantes genéticos”. Segundo a
Sparks Companies, citada por RAFI (2000b), apenas três empresas cobrem todo
este mercado, sendo que duas delas, a Monsanto e a Novartis, circulam também
entre as 10 maiores do setor de sementes em nível mundial. Assim, este mercado
é controlado de forma extremamente dominadora pela Monsanto, com 88% de
participação, seguida pela Aventis, empresa líder do setor agroquímico, com 8%,
e pela Novartis, com apenas 4%. Apesar de alguns competidores, como a DuPont
e a American Home Products, começarem a produzir novos cultivares
transgênicos, o mercado parece ser controlado por uma elite extremamente
reduzida de transnacionais.
Os dados da estrutura da indústria de sementes, considerando-se o
emprego das inovações biotecnológicas, levam a crer que a concorrência do setor
de sementes acompanha o que já vem ocorrendo em outros setores, ou seja, ela
não mais se restringe à busca do desenvolvimento de novos produtos em virtude
da ameaça de novos participantes do mercado e seus produtos substitutos ou
similares. Dada a tendência de concentração do mercado de sementes, a ação dos
maiores competidores tem sido a aquisição ou fusão, num ambiente onde a
rivalidade acaba se restringindo, cada vez mais, aos grandes “players”.
Ademais, mesmo que produzam praticamente uma commodity, a
biotecnologia tem permitido que essas empresas diferenciem seus produtos
(sementes). Dessa maneira, essa indústria apresenta um perfil cada vez mais
distante do oligopólio puro, direcionado-se para a forma de um oligopólio
diferenciado. O primeiro consiste em algumas empresas que fabricam,
essencialmente, o mesmo produto tipo commodity (nesse caso, a semente). Os
concorrentes oferecem serviços similares e a única maneira de obter vantagens é
reduzir custos. Já no oligopólio diferenciado as empresas fabricam produtos
parcialmente diferenciados, e a diferenciação pode ocorrer em qualidade,
características, estilos ou serviços. Essa mudança é importante para compreender
os impactos que a biotecnologia traz na indústria de sementes.
77
Nota-se, ainda, que os movimentos competitivos de determinada
empresa provocam efeitos em seus concorrentes. Segundo PORTER (1998), esse
padrão de ação e reação pode levar ao aprimoramento de toda a indústria. A
restrição, nesse ponto, refere-se ao fato de esse aprimoramento estar muito
concentrado aos grandes competidores dessa indústria. São elas também que
travam batalhas de publicidade para expandir a demanda e reservam grandes
investimentos em pesquisa para poder diferenciar seus produtos.
Pelo fato de a indústria como um todo estar caminhando a passos largos
para a biotecnologia e os produtos daí resultantes estarem sendo questionados
sobre sua segurança (para alimentação humana e para meio ambiente), as ações
publicitárias acabam promovendo o mercado para todos os competidores, uma
vez que estão direcionadas para sensibilizar favoravelmente a opinião pública
quanto aos benefícios da aplicação dessa tecnologia.
Assim, um dos traços mais marcantes da indústria de sementes é seu
elevado grau de concentração, visto que um número cada vez menor de grandes
companhias tende a exercer seu domínio sobre todo o mercado. Mesmo sendo
expressivo o número de empresas que concorrem neste setor, parte destas
pertence às grandes companhias de sementes. Aquelas que não são subsidiárias
de uma empresa maior dificilmente podem ser consideradas como uma
concorrente equilibrada em frente às 10 maiores. Sabe-se que a inovação
tecnológica, descoberta por uma pequena empresa deste setor, pode garantir uma
patente que lhe permita atingir uma posição satisfatória para concorrer nesse
mercado. Entretanto, como foi comum na década passada, ela logo estará sendo
assediada e adquirida por alguma grande empresa. Assim, mesmo havendo
grande número de empresas no setor, a concorrência fica restrita às TNCs, campo
no qual a concorrência tende a ser muito grande, principalmente entre as 10
maiores empresas do setor.
Segundo PORTER (1998), quanto maior for o número de concorrentes e
o equilíbrio entre eles, maior será a rivalidade da indústria. No caso da indústria
de sementes, o número de concorrentes é grande, o que tende a aumentar a
rivalidade, mesmo que esta seja mais intensa entre seus grandes atores. O
78
equilíbrio também é outra marca dessa indústria, sintomas de que a rivalidade
tende a ser expressiva.
O elevado número de patentes requeridas pelas grandes empresas do
setor, na sua maioria, que favorece a diferenciação de seus produtos, dá a
dimensão da intensidade da rivalidade entre elas.
A maioria das patentes de milho, por exemplo, foi solicitada pelas
empresas norte-americanas presentes na lista das 10 maiores companhias de
sementes e, ou, agroquímicos. Elas também são responsáveis pela metade das
333 patentes biotecnológicas concedidas às culturas de milho, que podem ser
cultivadas em todo o mundo. Nota-se também que as três maiores, DuPont-
Pioneer, Monsanto e Novartis, figuram tanto no mercado de sementes quanto no
de agroquímicos. Outros indicadores da grande concentração nos pedidos de
patentes são dados por LEITE (2000:69), a seguir:
Dos 56 produtos transgênicos aprovados para o plantio comercial nos Estados
Unidos em 1998, 33 eram propriedade intelectual de apenas quatro companhias (Monsanto, Aventis, Novartis e DuPont).
A Tabela 5 mostra que, em 1998, 59% das patentes requeridas e obtidas
pertenciam a grandes companhias e que, seguindo as tradições norte-americanas
de forte apoio do Estado ao desenvolvimento deste mercado, o departamento de
agricultura e duas universidades também figuram entre os mais importantes
detentores de patentes.
O crescimento lento de uma indústria resulta na maior concorrência entre
seus competidores. No entanto, mesmo que, de 1997 para 1998, o crescimento
tenha sido quase insignificante, as previsões apontam que haverá crescimento
desse mercado à medida que novas descobertas vão sendo passíveis de aplicação
comercial. Tomando como exemplo os negócios com transgênicos, o faturamento
deve passar de US$ 3 bilhões, em 2000, para US$ 25 bilhões, em 2010
(ALFREDO, 1999), o que demonstra o quanto esse mercado pode ser
impulsionado pelos avanços biotecnológicos.
79
Tabela 5 - Os maiores proprietários mundiais de patentes biotecnológicas de mi-
lho (1998)
Empresa N.o de patentes
Du-Pont/Pioneer (USA) 55
Novartis (Switzerland) 38
Monsanto (USA) 25 Advanta (UK, Netherlands) 17
Aventis (France) 14
Dow Agrosciences (USA) 08 Japan Tobacco (Japan) 07
U.S. Department of Agriculture (USA) 06
Gene-Shears (Australia) 06 Cornell University (USA) 05
Max-Planck Institute (Germany) 05
PlantTech – Biotech 05
University of Florida (USA) 05
Total de patentes dos 13 maiores grupos industriais 196
Total de patentes 333
Fonte: BIOTHAI, GRAIN, MASIPAG and PAN Indonesia. Whose agenda? The
corporate takeover of corn in SE Asia. August 1999. [online]. Disponível
na Internet via WWW. URL: http://www.grain.org/publications/reports/
takeover.htm.
80
Por isso, o crescimento desse mercado pode ser associado à
diferenciação de seus produtos, que, antes da biotecnologia, tinham fortes
características de um mercado de commodities. Segundo a Food and Agriculture
Organization (FAO), a biotecnologia está crescentemente direcionada para o
mercado e suas demandas, e a maioria de seus produtos resulta de investimentos
em P&D, realizados pelo setor privado em países desenvolvidos. Segundo a FAO
(2000), pesquisas de mercado são fundamentais para definir em que culturas os
investimentos devem ser aplicados. Além disso, os interesses comerciais estão
longe de refletir preocupação social, que deveria ser básica no setor público de
pesquisa.
Os avanços da biotecnologia criam oportunidades para empresas que
investem em pesquisa, a qual resulta na possibilidade de diferenciação dos
produtos. Nesse sentido, a pesquisa em biotecnologia parece estar caminhando,
principalmente por estar sendo conduzida essencialmente pelo setor privado.
Percebe-se, então, que esta é uma indústria de grande rivalidade, visto
que conta com muitos competidores em todo o mundo. A alta concentração e o
domínio do mercado por poucas empresas acabam impondo certa disciplina e
fazendo com que elas desempenhem papel coordenador na indústria.
A existência de muitas e pequenas empresas acaba levando-as a achar
que podem fazer movimentos sem serem notadas. Mas o que tem ocorrido é que,
assim que começam a se destacar, acabam sendo adquiridas pelas maiores. Nesse
movimento, a rivalidade, de certa forma, adquire um perfil mais negociado que
aquele próprio de um embate natural entre os concorrentes. Mesmo assim, os
grandes participantes rivalizam-se, diretamente, por fatias de mercados que
garantam demandas de seus produtos.
O poder concentrado nas mãos dos grandes atores dessa indústria acaba
imobilizando o perfil de sua concorrência. Como visto, de 1996 para 1997, houve
grande e rápido crescimento desta, o que poderia aliviar a rivalidade (um
crescimento proporcionado, inclusive, por outros competidores e não somente
pelas 10 maiores). No entanto, assim que esse mercado sofreu o boom de
crescimento, permitindo o surgimento de novos competidores, esses foram logo
81
absorvidos pelas grandes companhias da indústria. Assim, o mercado ficava
novamente concentrado. Apesar de tender ao rápido crescimento, acredita-se que
esse mercado manterá seu grau de rivalidade, tendo em vista a rapidez com que
ocorrem as fusões e aquisições. Isso significa que, mesmo que surjam novos
competidores, o que dissiparia a rivalidade, esses provavelmente serão adquiridos
pelas TNCs antes de chegarem a um porte expressivo.
Uma situação que, a princípio, tende a diminuir a rivalidade nessa
indústria é a crescente diferenciação que a biotecnologia tem permitido
implementar nas sementes. A Monsanto, por exemplo, desenvolveu o Sistema
Roundup Ready para a cultura da soja, o que lhe garantiu participação exclusiva
em um segmento de mercado.
A elevada barreira de saída dessa indústria é outro fator que contribui
para o aumento da rivalidade ente os concorrentes, principalmente por ser uma
indústria que tende ao crescimento. Além disso, é um setor de extrema
importância estratégica, cujas descobertas têm grandes aplicações em outros
setores industriais, o que está compreendido no conceito de “indústria da ciência
da vida”.
4.2. Ameaça de entrada de novos competidores
A estrutura de determinada indústria é afetada, diretamente, pela
capacidade advinda de novas empresas, com reflexos na rentabilidade dos
competidores existentes. Entretanto, entrar num novo mercado, principalmente
naqueles onde os competidores são de grande porte, não é tarefa fácil, tendo em
vista as inúmeras barreiras de entrada.
Tem sido freqüente a destinação de grandes volumes de investimentos
em P&D em resposta a um novo paradigma dos setores industriais, que
privilegiam a inovação como vantagem competitiva. Assim, o binômio inovação
tecnológica-competitividade passou a ter importância estratégica para a
participação no mercado internacional.
82
Como a indústria de sementes concorre numa arena de dimensões
globais, os investimentos em pesquisa que lhe garantam ofertas diferenciadas ao
mercado são uma busca constante. A despeito das incertezas inerentes a seus
resultados, esses investimentos têm sido crescentes, e, por mais que possam ser
incertos quando se chega a alguma aplicação comercial, a empresa tem em suas
mãos uma nova tecnologia a ser aplicada em seus processos de produção ou a
possibilidade de obtenção de novos recursos via royalties, eventualmente pagos
por transferências de tecnologia, licenças e contratos de assistência técnica, bem
como a oportunidade de a alta gerência explorar um posicionamento estratégico
para a empresa. A partir do momento em que a alta gerência institui uma gestão
própria da tecnologia por meio de investimentos sistemáticos em P&D, numa
estrutura que permite decisões autônomas para obtenção ou desenvolvimento de
tecnologia própria, são maiores as possibilidades de a empresa tornar-se cada vez
mais competitiva.
Os destino de grande parte dos investimentos em P&D realizados pela
indústria de sementes visou, historicamente, o melhoramento de plantas. Como
visto no capítulo 2, estes se tornaram mais sistemáticos à medida que se tornou
possível recuperar o investimento realizado, quando se passou a obrigar os
produtores rurais a recorrerem ao mercado, a cada safra. Esse ponto inicial,
representado pelo desenvolvimento da semente híbrida, foi decisivo para dar
impulso à pesquisa privada.
Seguindo a tendência iniciada pelo híbrido, chegou-se à era da
biotecnologia, que possibilitou dar às sementes características que resguardam
ainda mais as possibilidades de retornos dos investimentos pelas empresas do
setor. Os genes terminator e traitor, por exemplo, possibilitam que as empresas
assegurem vendas constantes de seus produtos.
Analisando-se a indústria de sementes em relação à possibilidade de
novos entrantes, podem-se definir melhor os traços de sua estrutura. O primeiro
fator é a economia de escala, de grande importância para os participantes desse
setor, tendo em vista a relação inversa entre o volume absoluto da produção de
sementes e seu custo. Como as principais empresas desse setor possuem recursos
83
suficientes para realizarem investimentos em proporções superiores que os
demais competidores, a tendência segue em direção à concentração de mercado.
Esses investimentos, no entanto, não se restringem à capacidade de suas unidades
de produção, mas também aos seus gastos em propaganda, em P&D, em recursos
humanos altamente qualificados etc., ficando em patamares difíceis de serem
atingidos por empresas com menores recursos.
Contribuem também, como barreira de entrada nesse mercado, as
economias de escalas obtidas pelas TNCs, em razão da integração vertical
(produção e distribuição), situação comum que resulta das inúmeras e constantes
fusões e aquisições que realizam. Por exemplo, o grupo francês Limagrain tinha,
em 1998, 49 subsidiárias em todo o mundo. A norte-americana AgriBiotech, Inc.
(detentora de, aproximadamente, 45% do mercado de sementes de forragem e
grama) completou 29 aquisições, de 1995 a 1998, empresa que tinha, em 1998,
33 subsidiárias. A Monsanto contabilizava, neste ano, 21 subsidiárias no mundo
e suas vendas foram maiores que o dobro das efetuadas pela Limagrain. Já o
grupo mexicano Pulsar, Seminis, Empresas La Moderna tinha 12 subsidiárias, e a
alemã KWS, 27. A situação leva um grande número de clientes a recorrer,
obrigatoriamente, a uma dessas empresas para compra de sementes (RAFI,
2000f).
Outro importante elemento, a diferenciação de produtos, aumenta a
barreira de entrada de novos competidores no setor de sementes. Como visto, a
diferenciação foi um elemento decisivo para definir o mercado de sementes como
um oligopólio diferenciado e não como um oligopólio puro. Pela diferenciação, a
empresa tem sua marca identificada no mercado consumidor, o que acaba
desenvolvendo um sentimento de lealdade em seus clientes. Para conquistar a
fidelidade dos consumidores, a empresa divulga seu produto como aquele que foi
desenvolvido para os problemas e necessidades próprias daqueles. Nesse sentido,
pode-se citar o Sistema Roundup Ready Soja, da norte-americana Monsanto,
assim descrito por ela:
84
O Sistema Roundup Ready Soja, desenvolvido pela Monsanto do Brasil, oferece
excelente controle de plantas daninhas para a cultura da soja, baseada na
utilização conjunta da soja Roundup Ready e do herbicida Roundup Ready. É o
mais completo e revolucionário sistema de controle de plantas daninhas da cultura da soja. Este sistema inclui i herbicida Roundup Ready aplicado na pós-
emergência das variedades de soja geneticamente modificadas Roundup Ready,
tolerantes ao herbicida. A utilização conjunta das sementes e do herbicida possibilita um controle supereficiente de plantas daninhas (MONSANTO, 2000).
A empresa aponta, entre as vantagens e benefícios desse sistema, a
simplicidade de apenas uma aplicação, sem nenhuma necessidade de misturas; a
flexibilidade da aplicação, independente do estágio das plantas daninhas e da
cultura, com menor dependência das condições climáticas; e a certeza dos
resultados, uma vez que controla as ervas daninhas mais difíceis. Diferencia seu
produto dos demais quando também aponta que o uso desse sistema otimiza a
produção, permite que se ganhe tempo para o agricultor e se reduzam as
impurezas no grão, que se obtenham custos operacionais e uso de combustíveis
etc. (MONSANTO, 2000).
Outras aplicações da biotecnologia, que permitem às empresas
diferenciar seus produtos, foram aprovadas para serem comercializadas nos
EUA. Uma delas é a canola alterada para gerar óleo com alta concentração de
lauric acid, que expande seu uso para sopas e outros produtos alimentares,
desenvolvida pela Monsanto/Calgene. A Monsanto também desenvolveu um
tomate com maior tempo de prateleira, o que é comercialmente interessante para
toda a cadeia agroalimentar. Além dessas, outras sementes com inúmeras
alterações genéticas irão produzir plantas cada vez mais diferenciadas, com
conseqüências que se expandem para toda a cadeia. Ademais, a grande maioria
das diferenciações diz respeito à resistência a alguma praga ou doença nas mais
diversas culturas (LEADING..., 2000).
Acredita-se que a biotecnologia, à medida que permite a constante
diferenciação das sementes, crie barreiras para a entrada de novos competidores,
que são forçados a efetuarem pesadas despesas para romper a lealdade já obtida
pelos competidores atuais. As empresas que pretendem entrar nessa indústria
devem ser capazes de arcar com os prejuízos próprios de sua defasagem em nível
85
de pesquisa, pois é ele o responsável pelos avanços biotecnológicos patenteados
pelas grandes competidoras.
A necessidade de capital é outra barreira de entrada decisiva nessa
indústria e está diretamente relacionada com o propulsor das diferenciações, ou
seja, com o desenvolvimento de pesquisas. Esse é um ponto fundamental para
impedir novos entrantes, particularmente por existirem situações em que parte do
capital se refere a investimentos a fundo perdido. Assim, os elevados
investimentos realizados pelos grandes atores desse mercado agem como grandes
inibidores, como limitadores do número de pretendentes à entrada.
As empresas que se destacam no mercado de sementes pela diferenciação
dos seus produtos podem oferecer aos clientes custos ou desempenhos
diferenciados que os convençam a mudar de fornecedor sem grandes transtornos.
Como são as grandes empresas do setor que conseguem gerir tais ofertas aos
consumidores, os custos de mudança serão altos para possíveis entrantes.
Em mercados como os de cervejas ou refrigerantes, o acesso a canais de
distribuição é elemento fundamental para se entrar no mercado, pois os produtos
precisam ser disponibilizados para expressivo número de consumidores. As
empresas de grande porte já instaladas e suas inúmeras subsidiárias, além de
terem seus próprios canais para distribuir seus produtos, possuem poder de
negociação suficiente para restringir a comercialização de possíveis entrantes.
Ademais, mesmo que estes busquem formas como descontos em preços, verbas
para campanha de publicidade em cooperação e semelhantes, o poder de fogo das
grandes empresas instaladas é muito maior, o que lhes permite atuar nas mesmas
condições por maior período de tempo, tornando inviável a ação promocional dos
novos entrantes.
No caso em estudo, o gene traitor ilustra alguns dos benefícios, com a
relação entre inovações biotecnológicas e canais de distribuição. A técnica
milenar de garantir a nova safra era possível graças ao reaproveitamento dos
melhores grãos, que eram guardados e usados na geração de novas colheitas. Na
busca de sementes mais produtivas, caminho aberto pelos híbridos, chega-se ao
gene terminator, que, por produzir grãos estéreis, obrigava o produtor rural a
86
recorrer ao mercado para garantir sua safra seguinte. O gene traitor vai ainda
mais longe. As sementes modificadas que contenham esse gene são incapazes de
gerar novas plantas, mas essa sua incapacidade se refere, na verdade, a uma
situação de latência. No entanto, com o uso de produtos químicos produzidos
pela mesma empresa que vende as sementes, elas ganharão sobrevida e passarão
a germinar normalmente.
Para as companhias que detêm essa tecnologia, este é um meio muito
mais lucrativo do que fornecer sementes estéreis, pois não é mais necessário
manter estoques tão grandes de sementes para serem compradas novamente (o
que inclui menores custos de produção destas). Elimina-se, inclusive, a
necessidade do uso intensivo dos canais de distribuição. Na mesma venda
negocia-se todo o pacote, ou seja, ao venderem as sementes, vendem-se também
as condições de sua produção, como acontece com o Sistema Roundup Ready.
Algumas vantagens das empresas já estabelecidas nessa indústria
dificilmente serão igualadas pelos novos entrantes, o que PORTER (1998)
chamou de custos independentes de escala. No caso da indústria de sementes, a
tecnologia patenteada oferece vantagem decisiva para uma posição de destaque.
As grandes empresas desse setor contam com a proteção de Leis de patentes, que
garantem a posse das invenções que permitem a diferenciação de seus produtos.
Em 1999, sete novas patentes do gene terminator foram requeridas. As empresas
que as solicitaram foram a Delta & Pine Land/USDA (duas patentes diferentes),
a Novartis, a Pioneer Hi-Bred Foundation (da DuPont), a Cornell Research
Foundation, a ExSeed Genetics, a L.L.C./Iowa Sate University e a Purdue
Research Foundation, com apoio do USDA. Pelo menos 43 patentes sobre
sistemas induzidos de controle genético e tecnologias de controle de
características genéticas foram outorgadas. Dentre os proprietários se encontram
praticamente todos os gigantes genéticos e suas subsidiárias, como Aventis,
Bayer, DuPont, Monsanto, Novartis, Zeneca, dentre outros (RAFI, 2000d).
Nota-se que o United States Department of Agriculture (USDA) teve
participação conjunta em três das patentes requeridas, o que denota o apoio dado
87
por este país à esterilização genética de sementes, ação que se converteu numa
das grandes metas da indústria biotecnológica.
Ademais, com tecnologia assegurada, essas empresas acabam se
distanciando das demais, em razão do conceito da curva de aprendizagem ou de
experiência, ou seja, à medida que a companhia adquire experiência na
fabricação de seus produtos biotecnológicos diferenciados, ela tende a ter
diminuição nos seus custos unitários.
Por fim, mas não menos importante, a política governamental é fator
decisivo na atratividade desse setor industrial. Governos de vários países têm
realizado diversos encontros para se chegar a um consenso sobre produção e
comercialização de sementes geneticamente modificadas, tendo em vista as
incertezas que cercam o assunto e suas implicações econômicas.
Pela participação nos requerimentos de patentes, como foi visto, o
governo norte-americano tem sido um aliado na disseminação dessas tecnologias.
No entanto, enquanto o cultivo de transgênicos cresce, exponencialmente, em
países como EUA, Canadá, Argentina e China, alguns países europeus e asiáticos
ainda relutam em adotar a tecnologia baseados em diferentes argumentos, entre
os quais os aspectos de segurança qualitativa do alimento, impactos ambientais e
saudabilidade dos produtos, bem como questões éticas e morais, concentração de
empresas e liberdade de escolha do consumidor.
Dessa forma, os governos de vários desses países mostram-se mais
resistentes à disseminação desse tipo de tecnologia, o que tem dificultado sua
presença ou expansão nesse continente. Esses governos também têm sido
sensíveis às manifestações da população, que exigem maiores certezas da
segurança do consumo dos alimentos alterados geneticamente.
Quando se consideram os possíveis efeitos em toda a cadeia, pode-se ter
a dimensão econômica de decisões governamentais, favoráveis ou não à
disseminação dessa tecnologia. A indústria de processamento e as principais
empresas do varejo do setor de alimentos, importantes elos na cadeia
agroindustrial, acabam tomando suas posições em decorrência das decisões de
seus clientes diretos, os consumidores. Como muitos desses estão cobertos de
88
dúvidas, razão por que preferem adotar a precaução, aquelas empresas acabam
evitando produtos que contenham OGMs.
A Nestlé já declarou, no Reino Unido e na Alemanha, que não vai
utilizar produtos transgênicos em sua linha de produção. Outras empresas,
contrárias ao uso de ingredientes transgênicos em seus produtos, são o
hipermercado francês Carrefour (inclusive no Brasil); as filiais da Unilever, do
Reino Unido, da Áustria e da Alemanha; a Tesco, maior rede de supermercados
da Inglaterra; e a Prysca, maior rede espanhola de supermercados (IDEC, 1999).
No Brasil, o governo tem concentrado atenção naqueles que pretendem
comercializar aqui seus produtos geneticamente modificados. A situação está
imersa em grandes incertezas, tamanha a confusão que cerca o assunto.
A Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, primeiro, afirma que não exigirá a
retirada do mercado de alimentos que já contenham OGMs, porque não há
legislação que autorize essa medida; mas, poucos dias depois, determinou essa retirada. O Ministério da Agricultura diz que não pode impedir a importação e
venda, por falta de legislação sobre rotulagem. Mas, em um semestre, só
fiscalizou 5% dos campos de plantio de transgênicos autorizados pela CTNBio - porque não contrata fiscais desde 1982 (NOVAES, 2000).
Se alguma empresa já se preparou para comercializar seus produtos neste
País, certamente está tendo dificuldades em virtude do imbróglio criado. Nas
palavras de NOVAES (2000), é possível perceber quão incerta está a situação.
Em decorrência disso, alguns possíveis novos entrantes podem estar
esperando melhor oportunidade para ingressarem nessa indústria, embora esta
decisão possa acabar contribuindo para maiores dificuldades futuras, uma vez
que as novas pesquisas que estão se realizando pelos atuais competidores podem
levar a inovações que possivelmente contornem os problemas hoje inerentes a
esta tecnologia.
A análise dos fatores que se referem às barreiras de entrada para novos
competidores parece indicar que a chance de êxito segue uma tendência
desestimuladora. As grandes empresas do setor atuam num sentido que torna as
barreiras cada vez maiores. Pode-se perceber isso, principalmente, quando se
pensa nos vultosos investimentos feitos em pesquisas, grandes responsáveis pelas
possibilidades de novas diferenciações patenteadas de seus produtos. O volume
89
de capital e o investimento em pesquisa constituem a base para que as demais
barreiras se solidifiquem.
4.3. Pressão advinda de produtos substitutos
O conceito de concorrência deve seguir uma perspectiva mais ampla e
envolver não só os concorrentes da mesma indústria, mas também competidores
de outras, cujos produtos atendam a mesma necessidade.
A crescente presença de produtos substitutos tende a reduzir os retornos
potenciais de uma indústria, à medida que colocam um preço-limite para que as
empresas possam fixar o lucro. Numa indústria onde os produtos têm baixo nível
de diferenciação, a tendência é que os preços sejam bastante similares, situação
em que a concorrência acaba se estabelecendo em nível de custos, ou seja, a
maneira de aumentar os retornos seria pela competência da empresa em fabricar
seus produtos com menores custos possíveis.
Como as possibilidades de diferenciação do produto semente têm
crescido muito em razão dos avanços da biotecnologia, o setor tende a ser
favorável às empresas que estão investindo em P&D, permitindo-lhes fugir da
pressão de substitutos. Os produtos desta indústria também são diferenciados em
relação ao preço final.
As possibilidades abertas pela biotecnologia são tantas que empresas de
outros ramos estão se dirigindo a ela, sendo um exemplo nítido dessa tendência a
formação da “indústria da ciência da vida”, que agrega as áreas próximas da
agricultura e da medicina, além das possibilidades abertas pelo desenvolvimento
de biomateriais.
Entretanto, a ameaça de um produto que substitua a semente ainda não se
concretizou, apesar das possibilidades abertas pelos avanços da biotecnologia.
90
4.4. Poder de negociação dos fornecedores
A importância da relação de uma empresa e seu fornecedor é decisiva em
qualquer setor industrial. O setor de sementes não é diferente, mas apresenta uma
característica peculiar. Em outros setores, enquanto a relação com fornecedores é
fundamental para um bom fluxo de matérias-primas necessárias à produção,
neste, a relação mais importante parece estar na aquisição de conhecimento, ou
seja, de tecnologia, para que as instituições de pesquisa possam emergir como
seus principais fornecedores.
Caso tenham forte poder de barganha, os fornecedores podem exercer
pressões para elevar os preços de seus bens/serviços ou mesmo alterar a
qualidade destes, fatores que provocarão mudanças diretas na rentabilidade da
companhia compradora (indústria de semente), principalmente quando esta é
incapaz ou limitada para repassar os aumentos de custos a seus próprios preços.
Dessa forma, para analisar o poder de barganha dos fornecedores de
matérias-primas para a indústria de sementes, estes serão definidos como os
geradores da tecnologia que resulta na criação do produto semente. Como
corolário, estão sendo desconsiderados os demais fornecedores cuja relação com
a empresa está direcionada mais para as atividades-meio do que para as
atividades-fim. Dentre esses fornecedores, aqui não serão analisados os
agricultores integrados ou não, envolvidos nas plantações onde são geradas
sementes, e os fornecedores de material usado nos laboratórios, as companhias de
energia, de água, de material administrativos etc.
O foco estará, então, direcionado para os responsáveis diretos pela
tecnologia que é implantada nas sementes. Essa tecnologia pode ser obtida na
própria empresa e em suas subsidiárias, em seus departamentos de P&D, ou
adquirida de fornecedores externos, que são, principalmente, as instituições
públicas de pesquisas, as universidades ou outras empresas concorrentes.
O capítulo 2 traz revelações importantes do relacionamento entre o setor
público e o privado no que se refere à realização de pesquisas na área agrícola.
Sabe-se que o setor público jamais abandonou as pesquisas; no entanto, passou a
91
dedicar-se mais profundamente à pesquisa básica, enquanto o setor privado
aumentava seu ingresso na pesquisa aplicada. Dessa forma, quando se considera
a relação das empresas de sementes com os fornecedores públicos de tecnologia,
entende-se que mantiveram relação muito mais próxima de complementaridade
do que de rivalidade.
A pesquisa básica é o tronco de uma árvore, enquanto a pesquisa
aplicada corresponde aos galhos, à folhagem, aos frutos. Ou se fortalece o tronco
durante toda a vida da árvore, ou a atenção é voltada para o nascimento dos
galhos e para sua formação. Portanto, os atalhos laterais, ou seja, os galhos, são
as invenções com aplicação industrial que resultam em patentes, que, por sua
vez, geram recursos que remunerarão novas pesquisas (WOLFF, 2000).
Beier e Strauss, citados por WOLFF (2000), identificaram três passos
fundamentais em um processo inventivo:
1. A etapa da pesquisa propriamente dita, que engloba o avanço científico;
2. A etapa do desenvolvimento à qual pertence o avanço técnico; e
3. A etapa da aplicação da pesquisa, que representa o avanço econômico e social.
Esses são os passos que, geralmente, um pesquisador deve percorrer para
que sua invenção reverta em retorno financeiro. Assim, na fase do
desenvolvimento, realizam-se as invenções patenteáveis e, muitas vezes, é nesta
ocasião que já se indica a elaboração de um pedido de patente, mesmo que ainda
não tenha concluído naquele momento, com detalhes, o contexto inventivo global
do produto ou do processo recém-desenvolvido. A fase da aplicação representa a
utilização do produto ou do processo comercialmente (WOLFF, 2000).
Apesar de serem uma das instituições que mais se dedicam à pesquisa
básica, com vistas no avanço científico, as universidades estão também se
dirigindo para o desenvolvimento e para a aplicação desta, tornando-se
importantes fornecedores de tecnologia para os mais diversos setores industriais.
Em torno de 1930, ela já havia desenvolvido a tecnologia do milho híbrido, que
deu impulso ao avanço capitalista para o desenvolvimento de sementes. Mais
recentemente, sem abandonar a investigação básica, a universidade tem feito
92
parte do ranking das instituições que mais requerem patentes no mundo (Tabela
5).
Em linhas gerais, acredita-se que o poder de barganha que as
universidade e instituições de pesquisa pública exercem sobre as companhias de
sementes é pequeno. Ao comparar os gastos entre essas duas esferas, podem-se
observar as diferenças. Segundo LEITE (2000:71),
apenas para efeito de comparação, o orçamento do CGIAR, maior instituição
pública internacional de tecnologia agrícola, alcança US$ 400 milhões, enquanto se estima que a Monsanto gastou perto de US$ 500 milhões apenas
para desenvolver a soja Roundup Ready, um investimento que só terá retorno
se seus derivados estiverem protegidos pelo tacão das patentes.
A atividade de pesquisa não é dominada por poucas instituições similares
e tampouco só por esse tipo de instituição, uma vez que outros competidores da
indústria de sementes também agem como fornecedores mediante recebimento de
royalties provenientes das patentes que registram. A existência de vários
fornecedores diminui o poder que poderiam exercer sobre seus compradores,
obrigando-as a descobertas que realmente se destaquem dos demais. Nesse
primeiro fator está inclusa a idéia de que tais fornecedores deverão,
necessariamente, lutar com outros fornecedores na venda para a indústria.
As universidades e instituições de pesquisa pública são menos
concentradas que as grandes empresas que dominam a indústria de sementes. Por
sua vez, ela é um dos seus mais importantes clientes, se não o mais importante.
Isso pode ser verificado na forte concorrência entre os grandes competidores
dessa indústria pelos bilhões de dólares que representa o mercado de sementes.
Como essa indústria está cada vez mais direcionada estrategicamente para a
formação da “indústria da ciência da vida”, o poder desses compradores tende a
ser ainda maior. Conseqüência disso é que o destino desses fornecedores estará
fortemente ligado à indústria de sementes, quando, segundo PORTER (1998),
eles tentarão protegê-la por meio de preços razoáveis, de assistência em
atividades como P&D e da influência.
Ademais, os produtos dos fornecedores são importantes para o negócio
do comprador, que tem influências diretas no processo de fabricação do
comprador ou na qualidade do produto. No entanto, pelo fato de a indústria de
93
sementes também realizar pesquisas e ter poder suficiente para novas aquisições
e fusões com outras indústrias que também realizam grandes investimentos em
P&D, os fornecedores acabam tendo seu poder reduzido. É compreensível o fato
de que algumas dessas instituições ocupem investigações onde a indústria de
semente não está presente (como a pesquisa básica).
Esses fornecedores não buscam aplicar as tecnologias que geram em
produtos, por isso, não se pode inferir sobre a ameaça que produtos diferenciados
dos grupos de fornecedores (universidades e instituições públicas de pesquisa)
causam aos compradores. Além disso, é pouco provável que essas instituições
representem uma ameaça de integração para frente, pois sua atividade fim é a
geração de tecnologia e não sua utilização comercial aplicada à produção e à
comercialização de determinado produto, como as sementes.
Quanto aos demais fornecedores, aqui considerados como os demais
competidores dessa indústria, assim são caracterizados por também venderem
tecnologias que são aplicadas nas sementes. A relação entre eles reflete interesses
próprios da busca por participação de mercado, num panorama de rivalidade.
Nesse caso, não ocorre a relação típica de fornecedores que não competem com
seus clientes na produção e na busca por parcelas de mercados. Dessa forma,
fornecem tecnologias cujo aproveitamento por parte de seus concorrentes não
lhes permite uma condição de vantagem ameaçadora. Se os competidores-
fornecedores relacionam-se com seus compradores em nível de concorrência, as
universidades e instituições públicas de pesquisa tendem a aproximar-se cada vez
mais da indústria de sementes para cobrir os grandes custos de suas pesquisas
biotecnológicas.
Nos casos em que as patentes dos competidores-fornecedores expiram,
os demais concorrentes podem aproveitar-se dessa tecnologia para avançar na
diferenciação de seus produtos. No entanto, o tempo do registro da patente até
sua expiração é suficiente para que se adquira um posicionamento de mercado
suficiente para enfrentar os seguidores.
Assim, o acesso à tecnologia entre os próprios competidores ficará cada
vez mais restrito às possibilidades de fusões e, ou, aquisições entre eles. A posse
94
e o controle das patentes são amplamente determinados pelo acesso à tecnologia,
que, nessa indústria, tem estado nas mãos dos grandes grupos da “indústria da
ciência da vida” (Tabela 6).
Tabela 6 - Maiores detentores de patentes biotecnológicas de plantas
Empresas Patentes % do total
Syngenta 205 9
DuPont/Pioneer 184 8
Monsanto 173 8 Aventis 55 2
Dow AgroSciences 45 2
Total das cinco companhias 662 29
Total geral 2.226 100
Fonte: KUEYK (2000).
Percebe-se que as cinco maiores detentoras de patentes têm cerca de 30%
de todas as patentes em biotecnologia agrícola. Nessas condições, especialmente
num regime de propriedade intelectual global, a competição acaba sendo
substituída por uma disputa legal. Uma semente transgênica, por exemplo, pode
envolver dezenas de patentes, e, para cada produto lançado no mercado, os
advogados dessas empresas lutam pela propriedade de seus inventos, buscando
formas de licenciamentos de benefícios mútuos.
Ao fornecer tecnologias a seus competidores, as empresas fornecedoras
garantem mais uma fonte de lucros, uma vez que ganharão royalties a partir das
vendas dos produtos de seus competidores. Ademais, não existem razões para
que se acredite que o acesso à tecnologia irá se expandir no futuro. Esse acesso
95
limitado à tecnologia agrícola é e continuará sendo direcionado para os interesses
da indústria.
4.5. Poder de negociação dos compradores
A análise da indústria de sementes e a percepção das mudanças que são
provocadas em decorrência da biotecnologia levam, inevitavelmente, à
exploração do elo mais frágil da cadeia agroalimentar - o produtor agrícola, que é
o comprador dessa indústria.
Dos setores que compõem a cadeia agroalimentar, os produtores
agrícolas são os que mais têm sentido os impactos da concentração ocorrida em
toda a cadeia, principalmente na indústria de insumo e na de processamento.
Conseqüência direta dessa concentração é que os agricultores têm tido suas
atividades cada vez mais direcionadas e determinadas pelos interesses daquelas
indústrias.
Principalmente em resposta às demandas dos processadores de
alimentos, o setor de produção agrícola tem submetido seu processo produtivo a
intensa penetração do capital. Como a produção de alimentos está sendo
crescentemente direcionada não mais para o consumo da população, mas para o
consumo da indústria de processamento, é necessário que ela forneça alimentos
no mesmo ritmo em que a indústria trabalha.
Para que a produção pudesse seguir o ritmo da demanda do setor de
processamento, o setor de insumos passou a fornecer as condições materiais
suficientes. Tais condições objetivavam transformar o produtor em mero
cultivador, completamente desprovido de decisões sobre o quê plantar, assim
como sobre os insumos a serem utilizados e para quem seriam vendidos. O certo
é que o setor agrícola ficou “encurralado” entre dois grandes oligopólios que
controlam tanto a entrada como a saída do setor de produção agrícola, resultado
direto da crescente dependência dos agricultores a um número limitado tanto de
fornecedores (indústria de insumos) quanto de compradores (indústria de
processadores).
96
Segundo estudo do Diretório de Agricultura da União Européia
publicado no El País, intitulado “Impactos econômicos dos cultivos transgênicos
no sector agroalimentar”, esta situação é resultado do "acúmulo emergente de
empresas que controlam o sistema de alimentação desde o gene até as prateleiras
dos supermercados"32
. Além disso, assinala que "o agricultor se torna um
cultivador que provê a força de trabalho e algum capital, mas nunca chega a
possuir o produto que se move pelo sistema alimentar e nunca toma uma decisão
importante sobre sua gestão"33
(EL PAÍS DIGITAL, 2000).
Os agricultores vão se tornando frágeis diante dos grupos fortes, o que
torna a negociação completamente desfavorável a seus interesses. Para agravar a
situação, muitas das inovações biotecnológicas permitem às empresas aumentar a
dependência dos agricultores em frente a seus produtos.
Muitas empresas biotecnológicas estão vendendo tanto a semente modificada geneticamente como o produto associado para a proteção da colheita. Por
exemplo, uma firma pode vender uma semente resistente a um herbicida e
depois vende esse herbicida. A vantagem para o agricultor é que ele pode pulverizar seus campos com o herbicida sem temer danos à sua colheita. O
inconveniente é que ele se vê forçado a adquirir todos esses produtos da mesma
firma34
(EL PAÍS DIGITAL, 2000).
Para que se tenha uma idéia mais precisa da abrangência dessa situação,
a União Européia estima que, no ano 2000, haverá no mundo cerca de 42 milhões
de hectares plantados com cultivos transgênicos (Figura 4).
32 Tradução literal para “cúmulos emergentes de empresas que controlan el sistema de alimentación desde
el gen hasta la estantería del supermercado” (EL PAÍS DIGITAL, 2000).
33 Tradução literal para “El agricultor se vuelve un cultivador, que provee la fuerza de trabajo y a menudo
algo de capital, pero que nunca llega a poseer el producto que se mueve por el sistema alimentario y
nunca toma una decisión importante sobre su gestión” (EL PAÍS DIGITAL, 2000).
34 Tradução literal para “muchas empresas biotecnológicas están vendiendo tanto la semilla modificada
genéticamente como el producto asociado para la protección de la cosecha". Por ejemplo, una firma
puede vender una semilla resistente a un herbicida concreto y además vende ese herbicida. La ventaja
para el agricultor es que puede fumigar sus campos con el herbicida sin temor a que pueda dañar su
cosecha. El inconveniente es que se ve forzado a adquirir todos esos productos a la misma firma” (EL
PAÍS DIGITAL, 2000).
97
Fonte: EL PAÍS DIGITAL (2000).
Figura 4 - Estimativa da áreas plantadas com sementes transgênicas, em 2000.
A principal cultura cultivada com sementes transgênicas é a soja, com
53% da área plantada, em segundo lugar, bem abaixo do percentual da primeira,
vêm o milho (27%), o algodão (9%), a colza35
(8%) e a batata (0,1%).
Dada a continuidade dessas ações, há forte tendência de os agricultores,
ao adotarem as sementes transgênicas em suas plantações, ficarem cada vez mais
“apertados” entre os dois oligopólios. De um lado, as transnacionais
biotecnológicas, que lhes vendem as sementes, de outro, as transnacionais
processadoras de alimentos, que lhes compram a produção.
Pode-se deduzir, então, que o poder de barganha dos agricultores em
frente à indústria de sementes é cada vez menor. Além dos dados já comentados,
sabe-se que eles existem em grande número, mas a maioria não está organizada
para enfrentar as grandes empresas do setor de sementes. Em países em
desenvolvimento, essa situação é ainda mais grave, uma vez que o número de
agricultores de pequeno e médio porte cresce ainda mais. O pequeno número de
grandes produtores agrícolas está distante de reunir poder suficiente para
negociar, em pé de igualdade, com as companhias de sementes. Pelo fato de o
setor de produção agrícola não estar concentrado e de o volume comprado por
cada agricultor da indústria de insumos ser insignificante em relação às vendas
35
Variedade de couve comestível (Brassica campestris), que, no inverno, serve de forragem, de cuja
semente se extrai um óleo (FERREIRA, 1995).
98
dessas indústrias, tem-se a confirmação de mais uma circunstância que
caracteriza o pouco poder de barganha dos compradores diante da indústria de
sementes.
Pelo fato de a biotecnologia levar à tendência de diferenciação das
sementes, distanciando-a da posição de produtos padronizados, é pouco provável
que os compradores consigam jogar uma indústria contra a outra, dadas as
alternativas para sua compra.
Seguindo esse mesmo raciocínio, é grande a inclinação para que os
compradores tenham cada vez mais custos de mudanças, o que os torna ainda
menos poderosos em face à indústria de sementes. Nesse sentido, as empresas de
sementes têm, via biotecnologia, amarrado os agricultores aos seus “pacotes” de
insumos, como nas sementes que contêm o gene traitor, que, devido ao impacto
em torno da situação de dependência do produtor agrícola, está com venda
suspensa.
Outro fator que também aponta para a perda de poder de barganha por
parte dos compradores é que estes representam pouca possibilidade de integração
para trás. É mais provável que a indústria de sementes ameace os produtores
agrícolas com a integração para frente, que o contrário.
A análise dos fatores que tratam da relação entre a indústria em
referência e os compradores continua a ser desfavorável para os últimos. Isto
porque o produto da indústria tem importância direta na qualidade dos produtos
do comprador, o que contribui para diminuir o poder de barganha do comprador
na negociação. O produto das empresas, a semente, é de vital importância para a
qualidade dos produtos que os agricultores irão vender a seus clientes. Esse fato
coloca os produtores rurais numa situação completamente desfavorável na
negociação, já que a semente é o insumo-base de seu processo produtivo, razão
por que qualquer alteração nesse insumo poderá provocar mudanças diretas em
sua colheita.
Além disso, o nível de informação que o comprador tem sobre o produto
que está por adquirir parece ser um grande problema, não só para os agricultores
quanto para toda a sociedade. Não se sabe ao certo que problemas os alimentos
99
modificados geneticamente poderão trazer para a saúde humana e para o meio
ambiente. Os agricultores, além de não terem conhecimento acerca dos
componentes biotecnológicos presentes nas sementes que compram, têm a
preocupação voltada para a produtividade de sua safra e para a demanda que sua
colheita terá no mercado.
Como as incertezas abrangem também os consumidores finais, são
grandes as retaliações sobre os alimentos que contêm algum tipo de alteração
genética, o que tem resultado, inclusive, na queda na previsão da safra de
transgênicos para o próximo ano.
Por fim, outro fator que levaria ao aumento do poder de compra dos
compradores, que também tem provocado poucos efeitos práticos, refere-se à
importância da semente como fração significativa dos custos de compra. As
primeiras aplicações da biotecnologia têm conjugado a compra de sementes a
insumos químicos, como herbicidas. Assim, o custo fica ainda maior; no entanto,
a dependência dos agricultores desses pacotes acaba eliminando a força desse
fator como aquele que contribui para ganho de poder de barganha para os
compradores.
Esses fatores representam um peso suficiente para retirar poder de
barganha dos compradores e deixar que a concentração na indústria de sementes
continue aumentando. Mesmo que os lucros dos compradores sejam baixos, o
que os levaria a buscar preços mais baixos junto às empresas de sementes, este
fator tem agido a favor destas, uma vez que as aplicações biotecnológicas tendem
a caminhar em direção à queda nos custos de produção para os agricultores.
100
5. RESUMO E CONCLUSÕES
Este trabalho pretendeu avaliar algumas tendências do impacto da
biotecnologia na estrutura de concorrência da indústria de sementes, embora se
reconheça que muitas destas são complexas e irredutíveis a respostas rápidas.
Procurou-se, à luz de considerações sobre a economia mundial atual, espaço de
ação das grandes responsáveis pelos avanços científicos dessa ciência e suas
aplicações - as corporações transnacionais (TNCs) - verificar esses impactos,
tendo em vista que essas indústrias são importantes agentes do setor de insumos
agrícolas.
Ao direcionar a questão para o setor agrícola, essas tecnologias abrem a
possibilidade de crescente aumento da produção de alimentos e fibras, que está,
entretanto, cada vez mais associada às exigências industriais. Num extremo dessa
tendência, a própria produção de alimentos tende a ser feita no interior das
indústrias, por uma fração do preço da produção no campo. Assim, estar-se-ia
diante de uma revolução social e econômica de grandes impactos, tendo em vista
a perda de importância da produção tradicional e a consolidação da hegemonia
do capital sobre uma das últimas atividades produtivas artesanais de grande
importância.
Ao reunir forças políticas e tecnológicas, o capital caminha para o
estabelecimento de uma nova estrutura operacional. Dentre outros, merecem
101
destaque a relação sinérgica entre os avanços da biotecnologia e o
estabelecimento de Leis de patentes, determinados pelos interesses das indústrias.
O poder adquirido por essas empresas tende a corromper os processos
normativos, colocando lado a lado autoridades governamentais, executivos de
empresas e cientistas, com vistas em assegurar as inovações biotecnológicas,
destacando a posição que os EUA ocupam nesse emergente mercado, já que suas
empresas figuram entre os maiores competidores tanto da indústria de sementes
quanto das de agroquímicos.
A possibilidade de isolar, identificar e recombinar os genes está tornando
possível a formação de novas e potentes matérias-primas para a atividade
industrial. Essas técnicas biotecnológicas estão permitindo que as empresas
manipulem os recursos genéticos para fins econômicos específicos. Associado à
concessão de patentes de genes, o mercado ganha um incentivo comercial
essencial para a exploração de novos recursos, ou seja, a combinação desses
fatores ganha dimensões globais a partir do momento em que as “indústrias de
ciência da vida” passam a atuar nos recursos biológicos em todo o planeta.
O contexto de economia globalizada dá sentido às ações das TNCs ao
contar com o apoio dos Estados Nacionais de origem dessas empresas, ao mesmo
tempo que age a favor da desnacionalização de economias de países em
desenvolvimento, que representam mercados agrícolas potenciais e alternativas
estratégicas em frente aos saturados e bastante disputados mercados de origem. A
recente disseminação de políticas neoliberais na América Latina pode representar
bem esses esforços.
A busca de posição estratégica nesse mercado mundial tem resultado no
aquecimento das fusões e aquisições entre empresas, em que ganham destaques
as investidas das empresas agroquímicas rumo às de sementes.
Essa seria uma importante percepção deste estudo. Ao partir para a
análise dos dados referentes à estrutura do mercado de sementes, constataram-se
os movimentos das TNCs agroquímicas sobre as TNCs de sementes. Essa corrida
parece demonstrar o desejo das primeiras em apossar-se de um importante
elemento aglutinador das inovações, que é a semente. Ao controlar a distribuição
102
de sementes patenteadas assegura-se, praticamente, a hegemonia da agricultura
global.
Pelos constantes movimentos de fusão e aquisição, intensos nos anos
analisados (1996, 1997 e 1998), percebe-se que pequeno número de empresas
concentrou de tal maneira o mercado mundial de sementes, que a competição
acabou se restringindo a elas, numa configuração própria de um oligopólio
industrial. Ao examinar somente as três maiores empresas do setor, constata-se
que elas tiveram, em 1998, 20% de todo o mercado mundial de sementes, valor
significativamente superior aos 15,5%, em 1997. Além de restrita, a estrutura do
mercado desses grandes competidores apresenta rivalidade intensa. Como há
tendência de uniões parciais ou até mesmo totais de umas sobre as outras,
acredita-se que a concentração industrial se agrave nesse setor.
Ao considerar as possibilidades mercadológicas abertas pela
biotecnologia, principalmente no que se refere à diferenciação do produto
semente, essa tendência de consolidação se agrava. Os avanços biotecnológicos
aplicados às sementes fazem destas o elo de ligação decisivo para obtenção de
retornos sobre o capital investido, principalmente em P&D. As grandes somas de
capital destinadas às pesquisas, que levam a um número crescente de novas
possibilidades de diferenciação das sementes, acabam representando importante
barreira de entrada para novos competidores.
Além dos investimentos em P&D (muitas vezes a fundo perdido), para se
chegar a aplicações que tornem as sementes produtos diferenciados, o poder que
as grandes competidoras desse setor adquirem em relação à economia de escala,
não só em nível de produção mas também em fatores como publicidade e
marketing, e aos intensos avanços rumo à integração vertical, em que a estrutura
de canais de distribuição conseqüente se torna importante força competitiva,
resulta em forte tendência de concentração do setor de sementes, com vistas na
redução da ameaça de entradas de novos competidores.
Os outros três fatores analisados, para compreender a estrutura de
concorrência no setor de sementes, também apontam forte tendência de
103
concentração dessa indústria, na qual os agentes reguladores deveriam intervir na
disciplina de situações de alta concentração.
Assim, a pressão advinda de produtos substitutos seria cada vez menor.
Isto porque, quando a concorrência se estabelece em razão de produtos similares,
os retornos de investimentos acabam sendo disciplinados com base nos limites de
preços, quando a grande preocupação das empresas seria com a diminuição de
seus custos. No entanto, a partir do momento em que os produtos se diferenciam,
esses limites se desarticulam, beneficiando as empresas que apresentam grandes
níveis de diferenciação de seus produtos. Por estas serem função direta do poder
de investimentos em P&D, o poder dos grandes competidores tende a levá-las a
uma situação de destaque.
Para analisar o poder de negociação dos fornecedores, consideraram-se
como tais as universidades e instituições públicas de pesquisas, num primeiro
momento, e os demais competidores da indústria de sementes, num segundo,
sendo a tecnologia a matéria-prima empregada, ou melhor, a biotecnologia.
Percebeu-se que o destino dos primeiros está direcionado ao desempenho
comercial das grandes empresas do setor, principalmente quando ampliam seus
negócios para “ciências da vida” e tendem a adquirir crescente número de
tecnologias para serem incorporadas em seus produtos. Quanto à aquisição de
tecnologias de outros competidores, esta tende a ficar restrita às possibilidades de
fusões e aquisições entre elas. Dado o alto grau de concorrência, a aquisição de
tecnologias que permitissem apenas igualar seus produtos aos de seus
concorrentes só seria importante para não deixar algum segmento de mercado
desprovido de produtos com tais características.
Os compradores de sementes aqui analisados foram os produtores rurais,
que mais têm sentido os impactos da concentração na cadeia agroalimentar. Uma
amostra disso é que eles têm tido suas atividades cada vez mais definidas pelos
interesses das indústrias, principalmente as de sementes e de processamento. Por
estarem pouco organizados e terem pouco poder quando são comparados aos
demais elos da cadeia agroalimentar, os agricultores estão submetendo seu
processo produtivo a uma intensa penetração do capital, que o leva a ser mero
104
produto, desprovido de decisões sobre o quê plantar, quais insumos utilizar e
para quem vender. Encurralados entre dois oligopólios, a indústria de sementes e
a de processamento, esses produtores tendem a se tornar ainda mais frágeis, o
que influencia diretamente o seu poder de barganha com os fornecedores.
Ademais, o fato de a semente ter importância fundamental para a qualidade de
sua produção, de estarem cada vez mais diferenciadas (o que torna pouco
provável que os agricultores joguem umas empresas contra as outras na busca
por melhores negociações), por serem grandes os custos de mudanças (tendo em
vista os pacotes tecnológicos específicos - sementes e químicos), aliados à pouca
informação que têm sobre as inovações contidas nas sementes geneticamente
alteradas, faz com que o setor de semente esteja subjugado aos interesses das
indústrias, principalmente quando se percebe que estas tendem a se tornar ainda
mais fortes.
Percebe-se que a tendência de concentração percebida pela análise da
estrutura de concorrência do setor de sementes não pode ser compreendida
isoladamente, numa referência única da racionalidade mercadológica. Em outros
termos, ela deve estar circunscrita num contexto mais amplo, que considere as
demais relações estabelecidas na sociedade atual, onde, além de econômicas,
estão as sociais, as políticas e as tecnológicas.
Ao restringir as bases nas quais a sociedade se sustenta em seus aspectos
econômicos, caminha-se para uma visão reducionista de mundo, onde ganham
importância o isolamento em frente à integração, a separação à composição e a
aplicação da força à prática de controle.
Não é o caso de se desconsiderarem as inúmeras descobertas científicas
na agricultura, medicina, geração de energia, dentre outros, mas de observar as
tendências de aplicações científicas que apresentem maiores retornos financeiros
em detrimento de inúmeras demandas sociais importantes. Nesse sentido,
questionou-se a razão pela qual, nos ramos de atuação das “indústrias de ciências
da vida”, as direções tomadas pela ciência seguiram, em sua grande maioria, o
sentido do lucro.
105
Acredita-se que o contexto de mundo atual, no qual há livre circulação
do capital e o mercado torna-se uma instituição fundamental, favoreça esse
enfoque reducionista, uma vez que é o mercado que gera os lucros. As inovações
tecnológicas tendem a concretizar-se como projeções socialmente delineadas a
partir de uma visão de mundo como a de um grande mercado, alimentado por
forças econômicas e difundido pelo meio social dominante. Nesse sentido,
embora exista um mercado para colheitas orgânicas, a maioria dos investimentos
direciona-se para a agricultura biotecnológica.
A mudança dessa situação exigiria a alteração no padrão por meio do
qual a ciência e suas aplicações são vistas. Seriam necessárias mudanças nas
escalas de valores, o que parece pouco provável. Essas indústrias que se fundem
para formar a “indústria da vida” devem ter suas ações monitoradas de perto por
instituições reguladoras. O poder que adquirem está cobrindo aspectos
fundamentais da vida, nos quais se incluem a geração de energia e as profundas
transformações na produção de alimentos e na medicina, fatores muito
importantes para serem deixados a cargos de presidentes de grupos industriais
privados.
106
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