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34º Congresso de Pesquisa e Ensino em Transporte da ANPET 100% Digital, 16 a 21 de novembro de 2020 IMPACTO DA ATIVAÇÃO DO LIGANTE ASFÁLTICO DO FRESADO NA CURVA GRANULOMÉTRICA DE MISTURAS ASFÁLTICAS RECICLADAS Wellington Lorran Gaia Ferreira 1,2 Verônica Teixeira Franco Castelo Branco 2 Kamilla Vasconcelos Savasini 3 Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) 1 Universidade Federal do Ceará 2 Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes – PETRAN 2 Universidade de São Paulo (USP) 3 Laboratório de Tecnologia de Pavimentação 3 RESUMO Na literatura é comum a avaliação do grau de ativação do ligante asfáltico do fresado por meio de estudos no ligante asfáltico, porém há carência de trabalhos que buscam entender o impacto desse fenômeno no esqueleto mineral de Misturas Asfálticas Recicladas a Quente (MARQ). O objetivo desse estudo é avaliar o impacto da ativação parcial do ligante do fresado na curva granulométrica de MARQ. Foram realizados estágios de extração de ligante em dois fresados a fim de simular diferentes níveis de ativação do ligante. Após isso, a curva granulométrica foi obtida para cada amostra de fresado. Em seguida, utilizando uma curva granulométrica de referência (sem fresado), criou-se MARQ hipotéticas nas porcentagens de 20%, 40% e 60% de fresado, considerando a granulometria do fresado após diferentes cenários de ativação do ligante. Os resultados indicam que houve significante impacto da ativação parcial do ligante na curva granulométrica da MARQ, principalmente para porcentagens de fresado acima de 40% com nível de ativação do ligante entre 40% e 60%. Palavras chave: fresado, misturas asfálticas recicladas, agregados, granulometria. ABSTRACT In the literature it is common to assess the degree of activation (DoA) of reclaimed asphalt binder (RAP) from the asphalt binder perspective, but there is lack of studies that seek to understand the impact of this phenomenon on the aggregate properties of recycled asphalt mixtures (RAM). In this context, the objective of this study is evaluating the impact of RAP binder partial activation on the gradation curve of RAM. Staged of binder extraction were carried out in two RAPs to achieve different levels of binder activation. After this process, the gradation curve was obtained for each sample. Then, using a control granulometric curve (without RAP), hypothetical RAMs were created in the percentages of 20%, 40% and 60% of RAP, considering the RAP size distribution after different binder activation scenarios. The results indicate that there was a significant impact of the RAP binder partial activation on the gradation curve of the RAM, mainly for RAP percentages above 40% with DoA between 40% and 60%. Keywords: RAP, recycled asphalt mixture, aggregates, size distribution. 1. INTRODUÇÃO A busca por novos materiais que possam ser utilizados na pavimentação asfáltica tem sido foco de muitos pesquisadores. A disponibilidade, qualidade e custo dos materiais (agregados e ligantes asfálticos) são pontos críticos, principalmente pelo alto volume de agregados utilizados e o alto preço do ligante asfáltico. Desta forma, o uso de material fresado (do inglês, Reclaimed Pavement Asphalt – RAP), produzido durante os serviços de reabilitação do pavimento asfáltico, se tornou comum nas obras de pavimentação. Nos EU, cerca de 76 milhões de toneladas de RAP/ano estão disponíveis para reciclagem, gerando uma economia de $3,4 bilhões por ano (Newcomb, Epps e Zhou, 2016). Em alguns países da Europa pelo menos 70% do RAP disponível é usado em misturas asfálticas (os valores geralmente variam de 5 a 25% de RAP nas misturas asfálticas) (Mohajeri, 1547

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IMPACTO DA ATIVAÇÃO DO LIGANTE ASFÁLTICO DO FRESADO NA CURVA GRANULOMÉTRICA DE MISTURAS ASFÁLTICAS RECICLADAS

Wellington Lorran Gaia Ferreira1,2

Verônica Teixeira Franco Castelo Branco2 Kamilla Vasconcelos Savasini3

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)1 Universidade Federal do Ceará2

Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes – PETRAN2

Universidade de São Paulo (USP)3 Laboratório de Tecnologia de Pavimentação3

RESUMO Na literatura é comum a avaliação do grau de ativação do ligante asfáltico do fresado por meio de estudos no ligante asfáltico, porém há carência de trabalhos que buscam entender o impacto desse fenômeno no esqueleto mineral de Misturas Asfálticas Recicladas a Quente (MARQ). O objetivo desse estudo é avaliar o impacto da ativação parcial do ligante do fresado na curva granulométrica de MARQ. Foram realizados estágios de extração de ligante em dois fresados a fim de simular diferentes níveis de ativação do ligante. Após isso, a curva granulométrica foi obtida para cada amostra de fresado. Em seguida, utilizando uma curva granulométrica de referência (sem fresado), criou-se MARQ hipotéticas nas porcentagens de 20%, 40% e 60% de fresado, considerando a granulometria do fresado após diferentes cenários de ativação do ligante. Os resultados indicam que houve significante impacto da ativação parcial do ligante na curva granulométrica da MARQ, principalmente para porcentagens de fresado acima de 40% com nível de ativação do ligante entre 40% e 60%.

Palavras chave: fresado, misturas asfálticas recicladas, agregados, granulometria.

ABSTRACT In the literature it is common to assess the degree of activation (DoA) of reclaimed asphalt binder (RAP) from the asphalt binder perspective, but there is lack of studies that seek to understand the impact of this phenomenon on the aggregate properties of recycled asphalt mixtures (RAM). In this context, the objective of this study is evaluating the impact of RAP binder partial activation on the gradation curve of RAM. Staged of binder extraction were carried out in two RAPs to achieve different levels of binder activation. After this process, the gradation curve was obtained for each sample. Then, using a control granulometric curve (without RAP), hypothetical RAMs were created in the percentages of 20%, 40% and 60% of RAP, considering the RAP size distribution after different binder activation scenarios. The results indicate that there was a significant impact of the RAP binder partial activation on the gradation curve of the RAM, mainly for RAP percentages above 40% with DoA between 40% and 60%.

Keywords: RAP, recycled asphalt mixture, aggregates, size distribution.

1. INTRODUÇÃOA busca por novos materiais que possam ser utilizados na pavimentação asfáltica tem sido foco de muitos pesquisadores. A disponibilidade, qualidade e custo dos materiais (agregados e ligantes asfálticos) são pontos críticos, principalmente pelo alto volume de agregados utilizados e o alto preço do ligante asfáltico. Desta forma, o uso de material fresado (do inglês, Reclaimed Pavement Asphalt – RAP), produzido durante os serviços de reabilitação do pavimento asfáltico, se tornou comum nas obras de pavimentação. Nos EU, cerca de 76 milhões de toneladas de RAP/ano estão disponíveis para reciclagem, gerando uma economia de $3,4 bilhões por ano (Newcomb, Epps e Zhou, 2016). Em alguns países da Europa pelo menos 70% do RAP disponível é usado em misturas asfálticas (os valores geralmente variam de 5 a 25% de RAP nas misturas asfálticas) (Mohajeri,

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2015). O uso de elevadas quantidades de RAP (acima de 20-25%) está aumentando em todo o mundo; entretanto, ainda existem preocupações relacionadas ao projeto de Misturas Asfálticas Recicladas a Quente (MARQ) e seu desempenho a longo prazo devido à presença da maior quantidade de ligante envelhecido e a alta heterogeneidade do material, bem como questões práticas das usinas de asfalto. Devido ao alto interesse em MARQ, especialmente com maior quantidade de RAP, o grau de ativação do ligante presente no RAP (do inglês, Degree of Binder Activity - DoA), bem como o grau de interação entre este e o agente de reciclagem (ligante virgem e/ou rejuvenescedor) são pontos-chave para o projeto da MARQ. O DoA indica a porcentagem de ligante do RAP que um projetista pode considerar para projetar a mistura reciclada (Lo Presti et al., 2019). A maioria dos estudos concentra esforços na análise do DoA do ponto de vista do ligante asfáltico; no entanto, é importante analisar esse fenômeno não só sob este aspecto, mas também do ponto de vista da composição do esqueleto mineral da MARQ. A ativação parcial do ligante do RAP representa o cenário mais aceito na literatura (Huang et al., 2005; Shirodkar et al., 2011; Al-Qadi et al., 2009; Cavalli et al., 2017; Abed, Thom e Lo Presti, 2018, Kasser, Arámbula-Mercado e Martins, 2019), o que significa que parte do ligante do RAP ficará inativo. Devido a este fato, não está claro quais propriedades do RAP, como granulometria e forma, devem ser usadas para projetar a MARQ. A AASHTO M 323-17 especifica os parâmetros Superpave para o projeto da misturas asfálticas (incluindo misturas recicladas) e informa que os agregados do RAP devem ser caracterizados após a extração por solvente ou com o uso de um forno de ignição. Dessa forma, para o projeto da MARQ, é comum caracterizar RAPs com 0% ou 100% de ativação do ligante. Essas suposições desconsideram o cenário de ativação parcial que é o mais aceito, como comentado anteriormente. Neste contexto, não está claro qual granulometria deve ser usada para projetar MARQ, a granulometria após a extração total do ligante presente no RAP ou a granulometria quando o RAP é revestido com uma camada de ligante asfáltico com propriedades (espessura e características do ligante) desconhecidas. Além disso, a presença de grumos também pode afetar o comportamento do material. Nesse fenômeno, duas ou mais particulas de RAP são agrupadas funcionando como um único agregado. Ainda faltam recomendações ou especificações que considerem que o RAP é um material heterogêneo e instável, que muda conforme a ativação e a dissociação dos grumos presente no mesmo. Assim, o objetivo principal desta pesquisa é avaliar o impacto da ativação parcial do ligante do RAP na curva granulométrica de projeto da MARQ. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Em campo, foram coletados cerca de 80kg de RAP e, em seguida, o material foi homogeneizado e espalhado em superfície plana por três dias para eliminação da umidade. Dois RAPs foram analisados (Figura 1). A Figura 1 apresenta a curva granulométrica, o Tamanho Máximo Nominal (TMN) e o teor de ligante de cada RAP. As frações RAP abaixo da peneira #30 (0,60 mm) foram excluídas pois dessa forma após a ativação do ligante, cada particula abaixo da #30 (0,60 mm) deve pertencer aos grumos. Isso pode ser usado como um parâmetro para quantificar esse fenômeno em cada RAP.

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Figura 1: Curvas granulométricas dos RAPs.

Para obter RAPs com diferentes graus de ativação do ligante, foram utilizadas etapas de extração de ligante. O procedimento consiste em manter amostras de RAPs (cerca de 1.000g) imersas em solvente (tolueno) por 2 minutos e então o método de centrifugação (ASTM D2172-18, método A) foi usado para separar a solução (ligante asfáltico + tolueno) de agregados. A primeira etapa desse processo é calcular o teor Total de Ligante (TL) do RAP. O TL representa 100% de DoA, o que significa que todo o ligante asfáltico está ativado. A Figura 2 ilustra duas etapas de extração. O procedimento é repetido e segue até remover o máximo possível de ligante asfáltico do RAP. O número de estágios (DoA 1, DoA 2, ..., DoA n) depende das características do RAP (como TMN, idade, granulometria e outros). A amostra de RAP a ser testada foi selecionada considerando a percentagem retida em cada peneira seguindo a curva granulométrica de cada RAP; dessa forma, foi possível controlar a quantidade exata da fração de RAP em cada peneira antes e após cada etapa de extração do ligante.

Figura 2: Representação de dois estágios de extração de ligante asfáltico do RAP.

Após o processo de centrifugação, os agregados foram mantidos em uma bandeja plana dentro da capela com exaustor até a completa secagem (peso constante). Não foi utilizada estufa para secar as amostras a fim de evitar qualquer ativação do ligante asfáltico remanescente. O método de centrifugação foi escolhido para permitir que todas as frações de RAP fossem propensas à ativação, uma vez que o RAP é mantido imerso no solvente. Para cada estágio de extração do ligante, duas

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RAP 1 - 1/2" (12.5mm)

RAP 2 - 3/4" (19.0mm)Teor de Ligante (TL):

RAP 1 = 5.2%RAP 2 = 7.1%

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amostras (S1 e S2) foram preparadas. A Tabela 1 apresenta os valores de DoA para cada RAP e para cada amostra. O DoA é cumulativo e varia de 0%, que representa o RAP antes de qualquer extração de ligante, a 100% após duas ou mais extrações de ligante. Os números de 1 a 3 referem-se à quantidade de extrações de ligante, isto é, DoA 1 é a primeira extração de aglutinante, DoA 2 é a segunda e assim por diante. O DoA 0 representa o “black rock”, o que significa o RAP antes de qualquer ativação do ligante.

Tabela 1: DoA para cada RAP, duas amostras (S1 and S2). RAP 1 RAP 2

S1 S2 S1 S2 DoA 0 (%) 0 0 DoA 1 (%) 61 63 43 44 DoA 2 (%) 85 85 68 73 DoA 3 (%) 100 100

Após a execução do processo que gerou RAPs com diferentes níves de ativação de ligante, uma análise granulométrica foi realizada em cada amostra (S1 e S2). Em seguida, para avaliar o impacto desse fenômeno na curva granulométrica de projeto de MARQ, utilizou-se uma curva granulométrica de referência (sem RAP) que representa para esse estudo a curva granulométrica de controle (Figura 3). A porcentagem de cada um dos (4) quatro agregados que compõem essa curva são: 17,1% agregado 1; 46,7% agregado 2; 25,4% agregado 3 e 10,8% agregado 4. Os limites de tolerância apresentados na Figura 3 foram obtidos na norma DNIT 031/2006 – ES, e referem-se a faixa de tolerância para curvas granulométricas de projeto. Esses valores variam de ±7% para as peneiras mais graúdas (acima da #4 – 4.75mm) até ±2% para a #200 (0.075mm).

Figura 3: Curva granulométrica dos agregados e de controle da mistura asfáltica.

Com base na curva granulométrica de controle que representa a situação onde não há RAP (0% de RAP), três cenários foram avaliados considerando 20%, 40% e 60% de RAP adicionados para projetar misturas asfálticas recicladas. Essas porcentagens foram escolhidas com base em valores comuns encontrados na literatura para misturas recicladas. Há um esforço para se aumentar os teores de RAP em MARQ, isto é, projetar misturas com teores de fresado acima de 20-25%. Para cada cenário, foram simulados o impacto da curva granulométrica do RAP após cada estágio de extração, isto é, diferentes níveis de ativação do ligante (DoA 1 até DoA 3, Tabela 1), na curva

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granulométrica de projeto da MARQ. Os limites de tolerância apresentados na Figure 3 servirão como base para verificar se as mudanças na curva granulométrica da MARQ considerando diferentes níveis de ativação do ligante asfáltico do RAP foram significantes ou não.

4. RESULTADOSInicialmente, a curva granulométrica de cada um dos RAPs após cada estágio de extração é apresentada na Figura 4. Como os resultados nas amostras 1 e 2 foram similares, apenas os resultados das amostras 1 estão presentes na Figura 4.

(a) (b) Figura 4: Curva granulométrica dos RAPs após cada estágio de ativação, RAP 1 (a) eRAP 2 (b).

Observando os resultados apresentados na Figura 4 verifica-se que após os primeiros estágios de extração, as curvas inicialmente ficam abaixo da curva granulométrica do RAP (DoA = 0%), porém com o aumento dos estágios de extração, a curva tende a subir. Isso ocorre pois a medida que os grumos são dissociados e o ligante asfáltico é ativado, a quantidade de partículas finas, abaixo da #30 tende a crescer pois os grumos se desmancham. A parte graúda (acima da #4) do RAP 2 parece ter sofrido mais impacto do processo de ativação se comparada com o RAP 1. O RAP 2 apresenta maior TMN (19mm) e também uma maior quantidade de agregados graúdos, o que pode ajudar a explicar esses resultados. Ademais, verifica-se que a curva granulométrica após a primeira extração e a última extração apresenta diferenças significativas (em algumas peneiras essa diferença chega a ser de 10% ou mais). A quantidade de partículas abaixo da #30 fica próximo de 20% após o último estágio de extração, o que indica a grande quantidade de particulas miúdas que estavam agrupadas funcionando como grumos.

4.1 Curva Granulométrica de Projeto Após observar o comportamento das curvas granulométricas do RAP depois de cada estágio de extração, foi analisado o impacto dessas diferenças na curva de projeto de controle quando misturas asfálticas recicladas foram simuladas. Para realizar essa análise, as seguintes etapas foram realizadas. Inicialmente, adiciou-se à curva granulométrica de controle as porcentagens de 20%, 40% e 60% de RAP em relação ao peso total da mistura asfáltica considerando a situação onde 100% do ligante do RAP foi ativado (DoA = 100%), esse cenário representa o que acontece atualmente na maior parte dos projetos de misturas recicladas. Foi utilizada a ferramenta solver do excel para ajustar as porcentagens de forma a minimizar as possíveis diferenças entre a curva

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RAP 1 - DoA = 0%DoA - 61%DoA - 85%DoA - 100%

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eAbertura Peneira (mm)

RAP 2 - DoA = 0%DoA - 43%DoA - 68%DoA - 100%

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granulométrica de controle (0% de RAP) e as curvas após adicionar os RAPs na condição de 100% de ativação do ligante asfáltico. Em seguida, com as porcentagens de cada agregado definidas (agregados convencionais e RAP), mudaram-se apenas as curvas granulométricas do RAP considerando os cenários para diferentes estágios de ativação do ligante asfáltico, apresentados na Figura 4 da seção anterior. Isto é, a curva de projeto foi definida para 100% de ativação do ligante asfáltico, porém se isso não ocorrer de fato, a curva granulométrica mudará, como apresentado na Figura 5, onde pode-se verificar os resultados para o RAP 2, amostra 1. Os resultados para o RAP 1 seguiram a mesma tendência.

(a)

(b)

Figura 5: Curvas granulométricas de projeto para diferentes estágios de ativação do ligante do RAP 2 – S1, 20% de RAP (a), 40% de RAP (b) e 60% de RAP (c).

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Curva de Projeto (Sem RAP)DoA = 100% (40% RAP)DoA = 43%DoA = 68%Limites de Tolerância

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Curva de Projeto ( Sem RAP)DoA = 100% (60% RAP)DoA = 43%DoA = 68%Limites de Tolerância

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Os resultados apresentados na Figura 5 indicam que, inicialmente, à medida que a porcentagem de RAP aumenta, a diferença entre a curva de controle e as curvas considerando cada estágio de extração tendem a aumentar, como esperado, visto que se aumentou a proporção de RAP no total. No entanto, em alguns casos (acima de 40% de RAP para os casos avaliados nesse estudo), para valores de ativação do ligante asfáltico entre 40% e 60% de DoA aproximadamente, a curva granulométrica de projeto fica no limite da tolerância inferior (para o cenário com 40% de RAP), sendo que em alguns pontos (para o cenário com 60% de RAP), a curva ultrapassa esse limite.

Diante dos resultados obtidos, o cenário ideal é que a curva granulométrica de projeto seja definida a partir da decisão do nível de ativação do ligante asfáltico do RAP que o projetista irá considerar. Dessa forma, os ajustes das porcentagens dos agregados que compõem a curva de projeto podem ser definidos com base na curva granulométrica do RAP para aquele grau de ativação específico definido pelo projetista. A título de exemplo, considerando a mistura reciclada referente aos RAPs 1 e 2 com 60% de RAP, se os ajustes nas porcentagens dos agregados fossem realizados após a definição do nível de ativação do ligante asfáltico envelhecido presente no RAP, os resultados seriam diferentes, como apresentado na Figura 6.

(a)

(b) Figura 6: Curvas granulométricas de projeto para diferentes estágios de ativação após ajustes das porcentagens dos

componentes considerando RAP 1 – S1, 60% de RAP (a), e RAP 2 – S1, 60% de RAP.

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DoA = 100% (60% RAP)DoA = 61% DoA = 85%Limites de Tolerância

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DoA = 100% (60% RAP)DoA = 43% DoA = 68%Limites de Tolerância

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Como pode-se verificar na Figura 6, as curvas de projeto ficariam dentro dos limites de tolerância definidos em norma. Outra informação importante seria a porcentagem do RAP que funcionará como agregado a depender do nível de ativação definido pelo projetista. Dessa forma, criou-se o parâmetro RAP como Agregado (RCA). O RCA é definido como a porcentagem de fresado que funcionará como agregado em relação ao total de agregados da MARQ. Para o caso do cenário apresentado na Figura 6, considerando uma composição com 60% de RAP, a Figura 7 é possível ver a relaçao do parâmetro RCA versus DoA. Essa curva é característica para cada RAP, para porcentagem de RAP de projeto.

(a) (b) Figura 7: Porcentagem de RAP como Agregado (RCA) versus DoA, para misturas recicladas com 60% de

RAP, RAP 1 (a) e RAP 2 (b).

Na Figura 7, se o ligante do RAP não for ativado (DoA = 0%), 60% do RAP será totalmente considerado como agregado nessa situação hipotética. Essa porcentagem muda a depender do nível de ativação do ligante do RAP, e é importante para definir a porcentagem de agregados virgens que serão substituídos pela presença do RAP. A inclinação dessa curva também ajuda a diferenciar os dois RAPs avaliados, quanto mais inclinada a curva (RAP 2), menor será a quantidade de RAP que funcionará como agregado para um mesmo nível de ativação. Com exemplo, se o DoA de projeto for igual a 60%, o RAC para o RAP 1 será de 58,2% enquanto que para o RAP 2 será de 57,4%. Essa diferença parece ser pouca, mas isso pode se tornar maior para diferentes valores de DoA e vai mudar a depender das características de cada RAP.

5. CONCLUSÕESNesse estudo foi avaliado o efeito do grau de ativação do ligante asfáltico do RAP na curva granulométrica de projeto de misturas asfálticas recicladas a quente. Estágios de extração de ligante foram realizados em dois RAPs distintos com o objetivo de simular diferentes níveis de ativação do ligante asfáltico do RAP. Após cada estágio de extração, as curvas granulométricas dos RAPs foram determinadas. O impacto dessas curvas distintas, após cada estágio de extração, foi avaliado simulando uma curva de projeto de uma mistura asfáltica reciclada hipotética composta de 20%, 40% e 60% de RAP para diferentes níveis de ativação do ligante asfáltico do fresado.

Os resultados indicam que o nível de ativação do ligante asfáltico do fresado afetou significativamente a curva granulométrica de projeto da mistura reciclada, especialmente para o cenário com 60% de RAP e baixos valores de ativação de ligante do fresado (entre 40% e 60%). As curvas extrapolaram os limites de tolerância definidas nas normas do DNIT. Esses resultados servem de alerta para os projetistas visto que na maior parte dos casos considera-se o RAP com

y = -0.0312x + 60

55565758596061

0 20 40 60 80 100 120

RA

C (%

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60% de RAP 1

y = -0.0426x + 60

55565758596061

0 20 40 60 80 100 120

RA

C (%

)

DoA (%)

60% de RAP 2

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100% de ativação para montar a curva granulométrica de projeto. Porém, o cenário de ativação parcial ( 0 % < DoA < 100%) é mais realista (e bastante dependente da usina que irá produzir esse material) e pode gerar curvas granulométricas distintas daquela que foi projetada. Pequenas modificações na curva granulométrica podem não ser tão relevantes a nível de laboratório, no entanto, em campo, com uma produção da ordem de toneladas de misturas recicladas, esse impacto pode ser maior tanto na quantidade dos componentes (agregados e ligante asfáltico), bem como no desempenho da mistura asfáltica produzida.

Com base nesses resultados, sugere-se que o nível de ativação do ligante asfáltico do RAP seja previamente definido, considerando valores mais realistas, visto que o cenário mais adotado (100% de ativação) não representa o que estudos mais atuais indicam. Projetar misturas asfálticas recicladas considerando 100% de ativação do ligante do RAP não representa a realidade principalmente para misturas com alto teor de RAP. O cenário de ativação parcial do ligante do RAP pode gerar esqueletos minerais distintos do cenário onde 100% do ligante foi ativado.

Agradecimentos Os autores agradecem CAPES, CNPq, FUNCAP e FAPESP pelo suporte financeiro aos autores. Ademais os autores agradecem a The University of Texas at Austin, Texas, USA, onde os ensaios laboratoriais foram realizados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Al-Qadi, I. L., S. H. Carpenter, G. Roberts, H. Ozer, Q. Aurangzeb, M. Elseifi, J. Trepanier (2009) Determination of

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Wellington Lorran Gaia Ferreira ([email protected])1 Verônica Teixeira Franco Castelo Branco ([email protected])2

Kamilla Vasconcelos Savasini ([email protected] )3 1Departamento de Engenharias, Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Campus Caraúbas/RN 2Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará (UFC), Campus do Pici, Fortaleza/CE 3Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP

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