imagens da pré-história, anne marie- pessis6ano/arqueologia/fichas_2012/arqueologia... · viviam...

20
1 Imagens da Pré-História, Anne Marie- Pessis Em 1992 uma notícia fez tremer a comunidade científica brasileira. Escavações realizadas pela arqueóloga Niède Guidon no sítio Boqueirão da Pedra Furada, no Piauí, revelaram a data mais antiga até então alcançada pela arqueologia nacional: 48.000 anos. Uma análise detalhada dos artefatos, achados no sítio do Boqueirão Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, foi apresentada durante o Simpósio Internacional "O Povoamento das Américas". O trabalho foi feito por Emílio Fogaça, da Universidade Católica de Goiás, e Eric Boeda, da Universidade de Paris. Os dois são especialistas na tecnologia da Idade da Pedra. "Só dá para explicar as características desse material com base numa ação intencional. São instrumentos já finalizados, com gumes bem preparados", disse Fogaça. Para eles, não há razões para duvidar da associação das ferramentas com o carvão antigo. "Todas elas foram achadas dentro de estruturas de fogueira, ou nas proximidades delas, claramente de origem humana. Além disso, se fossem objetos mais recentes, teríamos indicações disso na estratigrafia [a sucessão de camadas do sítio arqueológico]. Mas ela é perfeita, não se vê perturbação." Divulgação - Canal Verde Enterramento coletivo com a presença de adornos feito de ossos, conchas e sementes encontrados na Toca do Enoque, PARNA Serra das Confusões. Niède Guidon, responsável pelo projeto de pesquisa Origem e Evolução Migratória dos Primeiros Grupos Humanos no Sudeste do Piauí, desenvolvido pela FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano) desde 2005, disse que foi achada uma mandíbula na Toca do Alto do Capim que é completamente diferente das encontradas até agora na região do sudeste do Piauí. Trata-se de um Homo Sapiens Sapiens, mas é diferente das outras mandíbulas escavadas. O achado estava associado com ossos humanos queimados. “Eles praticavam antropofagia, deviam comer os outros e essas cerimônias podem estar ligadas a esses rituais antropofágicos. Pelos dentes, esse indivíduo deveria ter 45 anos, mas foi assado e comido. Nós estamos vendo se também pode ser uma doença, mas o canibalismo se praticava no mundo

Upload: dinhphuc

Post on 03-Dec-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

Imagens da Pré-História, Anne Marie- Pessis

Em 1992 uma notícia fez tremer a comunidade científica brasileira. Escavações realizadas pela arqueóloga Niède Guidon no sítio Boqueirão da Pedra Furada, no Piauí, revelaram a data mais antiga até então alcançada pela arqueologia nacional: 48.000 anos.

Uma análise detalhada dos artefatos, achados no sítio do Boqueirão Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, foi apresentada durante o Simpósio Internacional "O Povoamento das Américas". O trabalho foi feito por Emílio Fogaça, da Universidade Católica de Goiás, e Eric Boeda, da Universidade de Paris. Os dois são especialistas na tecnologia da Idade da Pedra. "Só dá para explicar as características desse material com base numa ação intencional. São instrumentos já finalizados, com gumes bem preparados", disse Fogaça.

Para eles, não há razões para duvidar da associação das ferramentas com o carvão antigo. "Todas elas foram achadas dentro de estruturas de fogueira, ou nas proximidades delas, claramente de origem humana. Além disso, se fossem objetos mais recentes, teríamos indicações disso na estratigrafia [a sucessão de camadas do sítio arqueológico]. Mas ela é perfeita, não se vê perturbação."

Divulgação - Canal Verde

Enterramento coletivo com a presença de adornos feito de ossos, conchas e sementes encontrados na Toca do Enoque, PARNA Serra das Confusões.

Niède Guidon, responsável pelo projeto de pesquisa Origem e Evolução Migratória dos Primeiros Grupos Humanos no Sudeste do Piauí, desenvolvido pela FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano) desde 2005, disse que foi achada uma mandíbula na Toca do Alto do Capim que é completamente diferente das encontradas até agora na região do sudeste do Piauí. Trata-se de um Homo Sapiens Sapiens, mas é diferente das outras mandíbulas escavadas. O achado estava associado com ossos humanos queimados. “Eles praticavam antropofagia, deviam comer os outros e essas cerimônias podem estar ligadas a esses rituais antropofágicos. Pelos dentes, esse indivíduo deveria ter 45 anos, mas foi assado e comido. Nós estamos vendo se também pode ser uma doença, mas o canibalismo se praticava no mundo

2

todo. Era inclusive uma forma ritual. Existem relatórios daqui que os índios só comiam os índios que eram valentes, uma forma de incorporar a coragem. A arqueóloga relatou que as pesquisas do Parque Nacional Serra da Capivara demonstraram que houve uma primeira migração direta da África, que deve ter descido pelo rio Parnaíba e entrou pelo rio Piauí, que era muito grande. “Escavações feitas na sede do Museu do Homem Americano puderam constatar que há 20 mil anos a área do prédio do museu era do rio Piauí, que tinha nove quilômetros de largura. “Esses povos desceram e chegaram na Pedra Furada porque o rio Piauí chegava a ter dois quilômetros do local. “Depois houve uma alteração climática muito grande”, falou Guidon.

http://www.canalverde.tv/arqueologia/infotexto/2009-10-12/origem-e-evolucao-migratoria-no-sudeste-do-piaui-593.html

“Os vestígios mais antigos do território brasileiro foram encontrados no Piauí, numa região rochosa cheia de cavernas, em São Raimundo Nonato. Numa caverna chamada Toca da Pedra Furada alguns pedaços de carvão parecem datar mais de 40 mil anos! Outro local muito importante é o Estado de Minas Gerais, e em particular a região de Lagoa Santa, com um grande número de sepulturas com mais de duzentos esqueletos, habitantes que viviam no Brasil entre 7 e 11 mil anos atrás” Guarinello.

GRAFITES DA PRÉ-HISTÓRIA

Se a arqueologia já é uma ciência naturalmente polêmica, ninguém dentro da arqueologia consegue ser mais polêmica do que a brasileira Niéde Guidon. Há 30 anos ela escava na região de São Raimundo Nonato, no meio do sertão do Piauí, onde garante ter encontrado vestígios da presença humana na região, que remonta 50 mil anos no passado. Nesse período, Niéde e sua equipe foram os responsáveis pela criação, em 1979, do Parque Nacional da Serra da Capivara, o mais bem estruturado parque nacional do país — considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1991. O parque é um triunfo da arqueologia brasileira que só saiu do papel graças à teimosia e dedicação de Niéde, que o administra com a energia de uma coronel de saias. Em suas cavernas e lapas, preserva o maior conjunto de pinturas rupestres do mundo, algumas datadas com até 8 mil anos de idade. Elas representam danças rituais, orgias, cenas de caça e diversos tipos de animais, inclusive alguns extintos, como um parente da lhama andina e a preguiça gigante, e são um verdadeiro livro, impresso na paredes das cavernas, sobre a cultura dos primeiros brasileiros.

Fonte: Revista Terra ano 12 no 151 nov de 2004

3

A arte rupestre

A arte foi relativamente tardia na história do Homem. Enquanto o

aparecimento de nossa espécie remonta a 125.000 anos, os mais antigos

vestígios de arte tem cerca de 40.000 anos (Europa e Austrália). Os vestígios

da arte desses caçadorescoletores que chegam até nós vêm na forma de

paredes pintadas e gravadas, a arte rupestre; estatuetas de argila, pedra e

marfim; ossos, dentes e conchas decoradas com gravuras, a arte mobiliária.

A arte rupestre é um dos aspectos da Arqueologia com maior apelo junto ao público interessado. Efetivamente, seja pelo impacto estético, seja por receber uma

“mensagem”, são os únicos vestígios deixados consciente e voluntariamente

pelos povos précoloniais. Por arte rupestre entende se todas as inscrições

deixadas pelo homem em suportes fixos de pedra (paredes de abrigos,

grutas, matacões). Muito dessa arte só chega até nós em condições especiais,

ou seja, em suportes protegidos dos elementos naturais como paredes de

abrigos e grutas onde podese encontrar pinturas quase intactas, enquanto

que em suportes expostos ao ar livre só se vêem gravuras. As

representações figurativas são as formas que associamos a seres humanos,

animais, plantas ou objetos (reais ou imaginários), enquanto que a

geométrica retrata quadrados, círculos, espirais, triângulos, pontos,

setas, etc. Outro aspecto a ser estudado é a técnica utilizada que pode variar

entre a pintura, o crayon e a gravura. E dentro destas técnicas ainda podese

constatar uma vasta variação de modos de fazer as representações. A

matéria prima para as pinturas são geralmente corantes minerais, como

hematitas (vermelho, amarelo), cal (branco) e manganês (preto).

Um sítio pode apresentar vários painéis que são divisões topográficas dos

sítios, isolando conjuntos de representações. Um painel será estudado

levando em conta o tipo de representação, as técnicas e cores utilizadas e sua

distribuição no painel, e com estes dados devidamente quantificados e

analisados, podemos determinar o estilo do conjunto pela predominância de

certas representações, disposição das mesmas, técnicas utilizadas, etc. Por

vezes, no mesmo paredão, podese ver uma sucessão de painéis

sobrepostos com diferentes estilos.

4

REGISTROS RUPESTRES

Madu Gaspar

Conta o arqueólogo André Prous que a pesquisadora francesa Anette Laming-Empire costumava dizer que a arte rupestre parecia o campo mais fácil de ser estudado na arqueologia: o “aficcionado” não tem dificuldades em discursar sobre vestígios – tão visíveis sem precisar de escavação, e tão mudos que aceitam qualquer interpretação -, mas acrescentava que, na realidade, trata-se de seu capítulo mais complexo, e no qual se cometem os maiores erros. O que é atualmente o território brasileiro está repleto de testemunhos arqueológicos que guardam importantes evidências da história da colonização humana em nosso continente. São os sítios arqueológicos com vestígios dos caçadores que iniciaram a ocupação da América do Sul, os monumentais sambaquis do litoral, as inúmeras aldeias de grupos ceramistas dispersas por todo o país que contém informações sobre o passado do que é hoje o território brasileiro e a diversidade cultural que foi, passo a passo, aqui se instalando.

Um tipo especial de manifestação, em decorrência de seu apelo estético, destaca-se entre as demais. São as pinturas rupestres e gravuras que foram feitas em grutas, abrigos, blocos, lajes e costões. Caçadores, pescadores e horticultores deixaram belas marcas de sua presença.

“Uma das realizações mais notáveis dos primeiros habitantes do Brasil foi, provavelmente, o desenvolvimento da pintura. Por motivos que desconhecemos, talvez por crenças mágicas, registros do cotidiano, decoração do local, muitos caçadores e coletores cobriam as paredes de suas cavernas com desenhos curiosos, as chamadas pinturas rupestres” Guarinello

5

6

A arte desses caçadores mostra figuras humanas em movimento, revelando diversas cenas do cotidiano. A luta, a caça, a dança e o sexo ilustram diferentes painéis. As figuras humanas seguram armas como bastões e propulsores, carregam cestas, dançam em volta de uma árvore. Algumas pinturas parecem indicar momentos cerimoniais, mas é impossível ao arqueólogo interpretá-las. Também animais aparecem com freqüência, como emas, tucanos e veados. A cor vermelha predomina, embora estes artistas também tenham utilizado o branco, o amarelo, o preto e o cinza. A técnica utilizada revela um traço leve e seguro. Niède afirma ainda que no Parque Nacional Serra das Confusões foram encontradas pinturas rupestres e costumes funerários muito diferentes dos povos da Serra da Capivara. Lembra que foi encontrado na Serra das Confusões um enterramento muito diferente com treze pessoas enterradas juntas. “As crianças embaixo, depois os adolescentes e em cima os adultos completamente enfeitados, a pele pintada de vermelho, com desenhos, e vários tipos de adorno”, falou a arqueóloga. Ela informou que os indivíduos possuíam adornos nos braços, pescoço, joelho e cintura. Os adornos foram feitos com conchas, sementes e dentes de animais, e tinham sido polidos. “São coisas extremamente bonitas”, relata. Acrescentou ainda que acredita que os indivíduos dos quais acharam as ossadas teriam participado de um ritual extremamente complexo. (Parque Nacional da Serra das Confusões, no sudoeste do Piauí.)

PINTURA RUPESTRE Tintas: extração mineral, vegetal e animal. Terra, carvão, ossos queimados, minérios de ferro (aquecimento do óxido de ferro), fezes de aves com sangue, sangue dos animais abatidos, gordura, pigmentos vegetais, gema de ovos de animais, cera de abelha, Pincel: dedos, penas e pêlos de animais, galhos das árvores. INTERPRETAÇÕES - POSSIBILIDADES: registro do cotidiano; comunicação; magia e sobrenatural; expressão artística.

Vermelho: Hematita (ôxido de ferro). Amarelo: Goetita. Branco: Gipsta e Kaolinita. Preto: Carvão – Ossos queimados. Para pintar, o ser humano produzia suas próprias tintas misturando pigmentos como: terra, carvão, fezes de aves com sangue, gordura e gema de ovos de animais. Usavam seus dedos e algum tipo rudimentar de pincel. A origem das tintas está na pré-história, quando pintavam figuras coloridas nas paredes das cavernas com tintas grosseiras, que eram provavelmente constituídas por florais ou argilas suspensas em água. Os egípcios desenvolveram a arte de pintar por volta de 1500 a.C., tinham grande variedade de cores. Em 1000 a.C., inventaram os antecessores dos vernizes, feitos resinas naturais ou cera de abelha como o ingrediente formador de película.

7

As tintas usadas na pré-história eram feitas de corantes naturais: terras, carvão vegetal, óxido de ferro, cal branco e ossos queimados de animais. Apanhados do chão em sua forma natural, os diferentes tipos de terra forneciam os tons ocres característicos das pinturas rupestres, nas quais predominavam também pretos e vermelhos. Os tons de vermelho, assim como o amarelo e o lilás, eram obtidos a partir do aquecimento do óxido de ferro, encontrado nas cavernas.

Os pigmentos de pinturas rupestres eram preparados de precursores naturais; as cores eram obtidas a partir de ocres ricos em óxidos de ferro (hematita, αFe2O3, e goethita, αFeOOH), carvão vegetal, ossos queimados e óxido de manganês (MnO2), entre outros minerais. É possível também que tenham sido feitas pinturas à base de pigmentos vegetais, que desapareceram totalmente no decorrer do tempo.

Os pigmentos usados nessas pinturas foram extraídos de óxidos minerais, ossos carbonizados, carvão vegetal e, possivelmente, sangue dos animais abatidos. O primeiro pincel foi o dedo; mas há indícios posteriores da utilização de pincéis feitos de penas e pêlos de animais: são os primeiros recursos técnicos do artista pré-histórico. Tinturas: a tinta de pedra é feita de cacos de minério que forneciam as cores para as pinturas rupestres: os artistas raspavam as pedras para arrancar os pigmentos coloridos, o vermelho e o amarelo vinham do minério de ferro, o preto, do manganês. Misturado com cera de abelha ou resina de árvores o pigmento virava tinta.

8

9

10

11

12

13

14

15

22

23

24

25

26