imagens da mudança - waldemar anacleto

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TRABALHADORES DE SANTA CATARINA NO ACERVO DE WALDEMAR ANACLETO MUDANÇA IMAGENS DA

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Catálogo da exposição 'Imagens da Mudança - trabalhadores de Santa Catarina no acervo de Waldemar Anacleto', realizada pelo SESC SC e Universidade Federal de Santa Catarina, 2013. Design do catálogo: Paula Albuquerque

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trabalhadores de santa Catarina no aCervo de Waldemar anaCleto

mudançaimagens da

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O programa de cultura do Sesc Santa Catarina, ao longo dos últimos dez anos, tem levado

a público algumas das mais representativas ações e produções de arte visual no estado.

É salutar, nesse contexto, que a significativa obra de Waldemar Anacleto figure entre

as exposições escolhidas para percorrer quase trinta cidades nos próximos cinco anos.

Não apenas pelo importante resgate da história do povo de Santa Catarina,

seu desenvolvimento, as mudanças no modo de produção e costumes que o fotógrafo

habilmente soube registrar em seus mais de trinta anos na função, mas também

pela inegável qualidade artística do conjunto, cujo olhar e sensibilidade em retratar

o cotidiano de um estado, de um povo, colocaram Waldemar Anacleto como um realizador

suis generis de sua arte no estado.

O mundo do trabalho, enfoque da presente exposição, apresenta na visão de Waldemar

Anacleto, de modo peculiar e esteticamente notável, um recorte precioso dessa época

onde as mudanças estão cada vez mais rápidas, instantâneas, e onde a memória de um

modo de vida, de produção e de relação entre as pessoas, cada vez mais rápido se torna

obsoleto, ultrapassado ou mesmo desconhecido.

Assim, em conjunto com a Secretaria de Cultura da UFSC, que disponibilizou todo

o acervo fotográfico do artista para possibilitar a realização da curadoria desta exposição,

o Sesc tem orgulho em poder dividir com os catarinenses um apanhado da história

de Santa Catarina sob o olhar de um dos mais representativos fotógrafos do estado.

Roberto Anastácio MartinsDiretor Regional do Sesc Santa Catarina

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Álvaro de Azevedo DiazFotógrafo, professor de fotografia, curador da exposição “Imagens da mudança: trabalhadores de Santa Catarina no acervo de Waldemar Anacleto”.

Jacques MickProfessor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC, coordenador do projeto de extensão “Imagens da mudança: visibilidade para o acervo fotográfico do TMT”.

O TRAbAlhO, A TÉCNICA,

O TeMPO

A sequência de imagens em preto e branco aqui apresenta-da foi selecionada do acervo de mais de 4 mil fotos e filmes doados pela família de Waldemar Anacleto ao Núcleo de es-tudos sobre Transformações no Mundo do Trabalho (TMT), da Universidade Federal de Santa Catarina. Os critérios ado-tados para a escolha de fração tão reduzida do acervo devem ser compartilhados.

As imagens no arquivo do TMT refletem o trabalho de uma vida inteira dedicada a registrar, através da fotografia, um perí-odo de tempo extenso, de mais de três décadas. São registros pessoais, mas, sobretudo, institucionais, uma vez que Walde-mar Anacleto era funcionário do estado de Santa Catarina, o que o levou a realizar registros públicos de um momento po-lítico e econômico marcante na história do estado e do país, entre os anos 1950 e 1970. Além da esfera público-política, Anacleto voltou suas lentes para o universo, cenário e perso-nagens do trabalho, cerne dessa mostra.

A obra de Anacleto divide-se em dois períodos distintos: em um primeiro momento, as imagens são quadradas e em pre-to e branco, formato amplo, imposto pela câmera padrão do fotojornalismo mundo afora na época, a mítica Rolleiflex.

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A partir do final dos anos 1960 e acompanhando a marcha global do fotojornalismo, Anacleto migra para o portátil e retangular 35mm e para a avassaladora imposição da cor na fotografia.

essa migração revela-se um divisor de momentos, especialmente do ponto de vista técnico. Após um longo período refinando um olhar em preto e branco, a cor confere outro perfil às imagens por ele produzidas, criando a princípio um nítido desconforto. Mas foi a troca de formatos o que mais afetou o seu fazer fotográfico, distanciando-o do período inicial em preto e branco. em primeiro lugar, o formato maior em 6x6 da fase inicial de Anacleto era mais qualitativo que o 35mm pelo simples fato de o negativo ser quase quatro vezes maior em área. Além disso, a simplicidade de construção da Rollei-flex, com apenas uma lente e formato quadrado, permitia ao fotógrafo operar com mais simplicidade e fluência. Não havia a preocupação de a imagem ser vertical ou horizontal; a não intercambiabilidade das lentes facilitava a adaptação do olhar do fotógrafo àquela distância focal específica, permitindo uma pré-visualização mais acurada e um resultado mais previsível. A câmera 35mm, em contrapartida, oferecia um visor à altura do olho, ao contrário do visor na altura da cintura da 6x6, pontos de vista completamente diferen-tes para a tomada das fotografias; a possibilidade de trocar as lentes, que a princípio era tida como uma vantagem, terminou por ser um incômodo, por excesso de flexibilidade. Por fim, ter que escolher uma orientação para a foto também roubou muito da fluência da fase inicial do trabalho de Anacleto. O resultado é que as imagens em 35mm colori-das desse fotógrafo são quase todas tomadas com uma única lente, a 50mm “normal”, e horizontais na sua ampla maioria. A cor, no fim das contas, foi forçosamente adotada com o passar do tempo. O melhor trabalho de Waldemar Anacleto encontra-se, portan-to, na primeira fase, quando teve sua câmera, como afirmou Cartier-bresson, alinhada com a sua mente, seu olho e seu coração.

É desse período que é composta esta exposição. É a fase mais produtiva, criativa e estética de Anacleto, um homem nascido em um mundo desde sempre visto em pre-to e branco. Do ponto de vista técnico, havia uma homogeneidade universal: todos os profissionais tinham basicamente o mesmo equipamento, restando ao fotógrafo poucas variáveis diferenciais, sendo o olhar a mais arguta de todas. Nisso Anacleto se distinguiu dos seus pares, com uma visão direta e sem rebuscamento, como na straight photography

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norte-americana. O resultado é um conjunto visualmente eloquente, uma narrativa que contribui para elucidar o universo pouco documentado das transformações no mundo do trabalho em Santa Catarina, sobretudo durante os anos 1960, quando a industrialização e a urbanização combinaram-se fortemente.

As fotografias dessa mostra não apresentam uniformidade quanto aos procedimentos técnicos. Apesar de terem sido feitas pelo mesmo fotógrafo e com a mesma câmera, a conduta laboratorial é bastante diversa e a película adotada para os registros nem sempre foi a mesma, criando, dessa forma, resultados bastante díspares no que diz respeito à densidade e à escala tonal. esses resultados refletem o fotojornalismo da época, em que era natural reutilizar os químicos algumas vezes por questões de econo-mia e compensar essas deficiências na ampliação, utilizando-se papéis de contrastes diferentes para contrabalançar eventuais oscilações de densidade. O momento e o acon-tecimento cristalizados pela imagem era o que pesava mais (e até hoje é assim). Outro procedimento bastante corriqueiro no fotojornalismo é o recorte da imagem. Aqui optamos por imprimi-la integralmente, sem nenhum tipo de corte, preservando o formato quadrado da câmera, desvelando, assim, o enquadramento original feito pelo fotógrafo.

O recente avanço das tecnologias digitais permitiu a recuperação de fotografias a partir de suas matrizes, os negativos. As cópias desta exposição se beneficiaram desse avanço e foram produzidas com escaneamento, tratamento e saídas digitais. essa tecnologia permitiu a recuperação das fotografias em sua plenitude, com toda a sua tonalidade, superando em qualidade o método original para o qual esses negativos foram produ-zidos. Primeiro os negativos foram escaneados em altíssima resolução. em seguida, as imagens foram tratadas digitalmente para a remoção de poeira, riscos e arranhões, um grande trabalho de restauro para, a seguir, terem recuperada a sua gama tonal através de ajustes de brilho e contraste. As cópias finais foram impressas com tintas de perma-nência no papel edition, da Canson, cem por cento algodão, e finalizadas em molduras adequadas para a sua máxima preservação e permanência. Ao optarmos por trabalhar assim tais imagens, podemos afirmar que a qualidade das cópias aqui apresentadas extrapola em muito as originais, uma vez que a tecnologia digital contemporânea permite uma equalização de resultados outrora praticamente impossível.

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A exposição está organizada em três conjuntos de imagens. O primeiro mostra o traba-lhador em si, isolado em sua atividade, em pleno exercício do seu trabalho. É notória a ciência do fotografado da presença do fotógrafo. Não é possível medir a extensão do arranjo e da intervenção no contexto, nem sequer se ela ocorreu, mas é importante mencionar a nuance no ato fotográfico relacionada à possibilidade da pose.

há, a seguir, um ponto intermediário, no qual o trabalhador é mostrado no seu âmbito de trabalho, seu métier. Nesse portfolio, vê-se mais do ambiente onde o trabalho era exercido, muitas vezes junto a outras pessoas. Aqui o mundo em que Anacleto transitava começa a criar forma, em especial através de personagens coadjuvantes que ilustram uma época inteira. É assim também na imagem do trabalhador informal, um camelô na esquina das ruas Trajano e Felipe Schmidt. A paisagem humana dos anos 1950 na Capital é bem tipificada pelas pessoas que povoam a imagem, todos homens (da única mulher, só se vê a nuca), de várias idades, com as indumentárias carregando as marcas do tempo.

Nessa escala do particular rumo ao geral, o último portfolio nos apresenta um grupo de imagens que representa o contexto em que o trabalho se dava. Aqui o observador aten-to consegue compreender um pouco mais do cosmos que Anacleto perscrutava com sua câmera. É assim especialmente nas fotografias dos professores, seja na imagem no recreio (claramente um instantâneo) ou na saída da escola (evidentemente arranjada). A escola despontava como o espaço para o disciplinamento da força de trabalho. É assim também nos lugares sociais emergentes daquela época: o supermercado, a indústria.

O conjunto convida a reflexões sobre a conversão de artesãos em operários, a implantação das linhas de produção, o surgimento de uma sociedade de massas em Santa Catarina – temas tratados detalhadamente no texto da professora bernardete Wrublevski Aued, neste catálogo.

A própria obra de Anacleto é atravessada pelas mudanças que ele fotografa; também nele a tecnologia impôs um novo padrão de trabalho, afetando seu olhar. Aqui, podemos ver o fotógrafo em sua configuração primeira, confortável no domínio da técnica com a qual aprendeu a trabalhar. em outras mostras, será possível exibir o momento posterior, carregado das marcas da nova tecnologia.

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esta é a primeira de uma série de exposições que serão organizadas a partir do acer-vo Waldemar Anacleto, do TMT/UFSC. O acesso ao conjunto das imagens é aberto ao público, pela internet, no endereço http://anacleto.ufsc.br.

Na UFSC, um grupo de pesquisadores está trabalhando para identificar com legendas cada uma das imagens, situando especialmente lugar, data e personagens. Se você iden-tificou alguém ou algum cenário e quer contribuir na identificação das imagens, escreva um email com as informações para [email protected]. (A equipe do TMT agradece.)

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Bernardete Wrublevski AuedProfessora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC (aposentada). Criadora do Núcleo de estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho (TMT).

O FOTÓGRAFO e A MeMÓRIA

O Núcleo de estudos Sobre as Transformações no Mundo do Trabalho (TMT), vinculado aos Programas de Pós-Graduação de Sociologia Política e de educação da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis (SC), lança a exposição “Imagens da mudança: trabalhadores de Santa Catarina no acervo de Waldemar Anacleto”, com fotos de aspectos relevantes do ambiente de trabalho e de profissionais em território catarinense no final da década de 1960.

Todas as imagens integram o acervo formado por parte importante da obra do fotógrafo, cedida ao TMT por Maria de lourdes Vieira Anacleto e catalogado para pesquisa. Mais de 4.100 cópias, slides, filmes e negativos produzidos entre o final da década de 1950 e o início de 1970 compõem esse acervo. São registros de municípios importantes do estado de Santa Catarina (como Joinville, blumenau, brusque, São bento do Sul, Florianópolis, São Pedro de Alcântara) e refe-rem-se a temas como trabalho, indústrias, profissões, religi-ões, paisagens, cidades e políticos. Uma visita de Juscelino Kubitschek a Santa Catarina e momentos significativos dos governos de Antônio Carlos Konder Reis e Jorge bornhausen estão entre as imagens cedidas.

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Nascido em 6 de agosto de 1923, em Florianópolis, no bairro Coqueiros, Waldemar era o filho único de Maria Anacleto, solteira, empregada doméstica. Maria criou o filho até os seis anos de idade, quando ficou muito doente. Nos oito anos seguintes, Waldemar foi cuidado pelo avô e, depois, pela família Pauli, em brusque. Aos 14 anos, voltou a viver com a mãe.

embora Waldemar lesse e escrevesse, nunca havia cursado uma escola. entrou, pela pri-meira vez, para o Grupo escolar São José e, com 15 anos, passou a freqüentar o curso de mecânica da escola de Aprendizes e Artífices. Mesmo não concluindo o curso, Waldemar Anacleto reconheceu que os rudimentos em mecânica lá aprendidos foram muito úteis em sua trajetória profissional futura.

Depois de alguns anos no Rio de Janeiro, retornou a Florianópolis. Seu aprendizado pro-fissional prosseguiu: tentou ser aprendiz de protético, de relojoeiro e, sem muito sucesso nessas áreas, aproximou-se da fotografia. Conheceu uma fotógrafa alemã de sobreno-me Ruland, e com ela aprendeu os primeiros ensinamentos sobre como produzir, revelar e ampliar fotografias. Anos depois, comprou os equipamentos dela e passou a exercer a profissão. No bairro do estreito, mais ou menos em 1945, abriu o Foto São Jorge. Um tempo depois, mudou o ponto comercial para o centro de Florianópolis, iniciando o Real Foto. em certa ocasião, recebeu uma encomenda para fazer uma reportagem para o então candidato Jorge lacerda, que apreciava o trabalho de Anacleto. Ao ser eleito, o governador o chamou para trabalhar em sua assessoria de imprensa, como fotógrafo.Nessa época casou-se com Conceição e teve cinco filhos: loisimery, loisimar, loisiane, loisilene e Jorge.

De suas opções políticas pouco sabemos. Permaneceu no cargo de assessor de im-prensa durante 17 anos e então a sua atividade profissional se diversificou: fotografia, filmagem, organização de exposições, construção de ‘engenhocas’ e em paralelo foto-grafava comemorações familiares por meio do Foto Anacleto. Depois se aposentou, mas continuou fotografando e o Foto Anacleto passou a ser administrado por sua segunda esposa, Maria de lourdes Vieira Anacleto (falecida em 2009). Deste segundo casamento nasceram as filhas Meriloise e Aneloise.

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Waldemar Anacleto não se restringe ao ato de documentar ações de governos, ainda que elas tenham tido centralidade na sua vida. Observando a diversidade das situações por ele fotografadas, percebemos não apenas o cumprimento obrigatório do ofício de assessor de imprensa num gabinete governamental. O seu registro fotográfico eterniza uma época, de ofícios manuais e pessoas em situações públicas e privadas, evidencian-do que ele não estava, apenas, cumprindo um dever. Por mais de 30 anos, emoldurou imagens de Santa Catarina, registrando cenas históricas de pessoas diversas, trabalha-dores, políticos, reformas urbanas, paisagens, entre outros temas. Faleceu em 2003 em decorrência de câncer.

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Partes da obra de Anacleto foram apresentadas ao público em duas ocasiões, dentro e fora do brasil. em 1970, o próprio Waldemar organizou uma exposição, com o objetivo de demonstrar os avanços da industrialização e as belezas da paisagem em Santa Catarina. O estado, na década de 1960, vive uma virada industrializante, decisiva, que vai consolidar-se nas décadas subsequentes, acompanhando a virada, dos anos 1950-1960, proposta pelo governo de Juscelino Kubitschek (1956 -1960) no “Plano de Metas”, que pretendia fazer com que o brasil se desenvolvesse cinquenta anos em cinco. A orientação política desenvolvimentista aspirava à modernização nacional, por meio da criação de infraestrutura e da industrialização. As multinacionais – primeiramente, as pertencentes à indústria automobilística – foram incentivadas a se instalar no País.

A exposição de fotografias, em preto e branco, em grandes painéis de 1m x 1m, ocorreu concomitante com outra, de slides sonorizados apresentados por meio de um aparelho feito pelo próprio fotógrafo. A ‘engenhoca’, como ele mesmo chamou, era composta de peças de máquina de moer carne e de bicicleta, adaptadas para imitar um retroprojetor francês que minimizava o tempo de troca entre um slide e outro, mesclando imagens. A criação, que lhe valeu muitos elogios, foi, mais tarde, substituída por um ‘moderno’ retroprojetor.

eXPOSIÇÕeS: A MeMÓRIA QUe

PROJeTA O FUTURO

Aqui se trabalha construindo o desenvolvimento com braços de homens e de mulheres fortes. 1

1 Frase retirada da trilha sonora que acompanhava a exposição de 1970. Acervo fonográfico cedido por Waldemar Anacleto a bernardete Wrublevski Aued.

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A exposição circulou fora do estado e teve momentos marcantes no Rio de Janeiro (RJ) e em Gramado (RS). Também foi ao exterior, como na Alemanha, e contribuiu para demonstrar como os imigrantes de origem alemã “construíam fábricas e plantavam flores”2 no espaço catarinense. Dois incidentes dizimaram a iniciativa. Um acidente automobilístico, no retorno da exposição do Rio de Janeiro para Florianópolis, destruiu os painéis. O outro acidente foi mais trágico: um incêndio numa alfaiataria contígua ao laboratório fotográfico de Waldemar Anacleto desfalcou o acervo e inviabilizou refazer a exposição, uma vez que a água utilizada pelos bombeiros destruiu boa parte dos negati-vos. Ainda assim, restaram muitas fotografias, negativos e slides.

em 1999, fotos de Anacleto sobre trabalhadores, parte delas localizada nos arquivos do Foto Anacleto, serviram de ponto de partida para a exposição “Memórias de Pro-fissões em Santa Catarina”, promovida pelo TMT, lançada no salão da reitoria da UFSC e exibida em alguns municípios do estado. Poucas décadas depois de fotografados, muitos dos contextos e atividades profissionais retratados por Anacleto não mais existiam. As imagens selecionadas na exposição de 1999 tratavam de ofícios manuais cada vez mais raros nos dias atuais. Dos retratos de profissionais que compunham a ‘modernidade industrializante’ catarinense, nos anos sessenta, somente restavam lembranças.

A exposição de 1999 não exaltava o advento da ‘modernidade industrializante’ dos traba-lhadores das “mãos habilidosas”, isto é, imigrantes e brasileiros que haviam sido atraídos para o trabalho manual fabril, em ascensão, no estado. Uma parte significativa destes profissionais, provavelmente, adquirira habilitação por meio da relação mestre-apren-diz, dentro de uma oficina. Com as mudanças desencadeadas no mundo do trabalho, emergiam outros traços dos trabalhadores:

• o aprendizado ao trabalho passa a ser adquirido dentro do sistema escolar, não mais por meio da relação mestre-aprendiz; • o processo de produção e de trabalho deixa de ser gerido pelo próprio produtor; • advêm outras necessidades dos trabalhadores, como a organização na forma de sindicato ou de associação estabelecendo regras, normas de conduta e construção da identidade profissional coletiva.

2 Idem.

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O aspecto tradicional ou folclórico de alguns empregos não deve nos iludir. Mais do que prosaicas, e certamente mais numerosas do que imaginamos, algumas “velhas” profis-sões ainda fazem parte das nossas relações. Desta lista fazem parte não só os alfaiates, mas os sapateiros, os confeccionadores de sombrinhas e de guarda-chuvas, os tecelões, afiadores de facas, as costureiras, os mecânicos de automóveis, os consertadores de rádio, televisão, bicicleta e os confeccionadores de chaves, entre outros.

Contemplar, ver e pensar são ações interconexas e historicamente inseparáveis. Des-crevem a realidade não exatamente como um espelho, porém como uma interpretação daquilo que compõe o presente e o que poderia ser o futuro. expor fotografias acerca do mundo do trabalho é ampliar o conhecimento sobre a forma de produção de nossas existências, de como é impossível a produção individual. Tudo o que nos cerca é resultado de produção coletiva. Portanto, mostrar as situações profissionais em vias de desapare-cimento ou extintas não resulta em olhar para tais profissionais com nostalgia, nem com saudade de tempos que estão se indo ou que se foram. Nossos olhos acerca do mun-do do trabalho nada têm “de admiração do tempo que foi”, mas, ao contrário, dirige-se à sociedade atual, que se alicerça no passado e contém os germes da sociedade futura. No mundo dos homens, o presente engendra o futuro.

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A exposição atual destaca fotos de cotidiano, de capacitação da força de trabalho e de algumas habilidades, ou seja, pessoas de “mãos hábeis” inseridas no mundo do trabalho manual e fabril. Muitas imagens enchem d’água os olhos do observador, pois tudo o que resta é a lembrança de tempos e de contextos de trabalho que não existem mais. É de chamar a atenção, no entanto, que a defesa do trabalho manual como valor pedagógi-co ocorra na atualidade, quando a vida se pauta pela aplicação consciente da ciência. O artesanato, que se nutriu da pedagogia do aprender fazendo, a qual se passava de pai para filho ou de mestre para aprendiz, pertence, rigorosa e historicamente, ao tempo de organizações que receberam vários nomes: Guildas, na Inglaterra e Alemanha; Métiers, na França; Artes, na Itália, entre outros (RUGIU, 1998: 8).

O observador vai perceber que algumas imagens revelam singularidades do trabalho em Santa Catarina, revelações do “instante decisivo” imortalizado por Cartier-bresson (Folha de S. Paulo, 2009: 5, volume 1) ao qual jamais alguém fica imune. Neste sentido ela é me-diação que auxilia a interpretação da realidade em movimento continuum, pleno de signifi-cados e de questões relacionadas ao trabalho atual que vem se transformando dia por dia.

O que mudou na vida dos trabalhadores e no trabalho a partir das recentes transforma-ções tecnológicas? O que persiste? Uma, entre muitas significações possíveis, pode ser percebida por meio da mudança nos processos de trabalho. O trabalhador artesanal que ocupou boa parte da sua vida na “lida” com ferramentas manuais, tal como os seus ancestrais, transformou-se. evidentemente, para responder a essa complexa questão, a análise fotográfica é insuficiente e necessita de complementações impossíveis sem

IMAGeNS DA MUDANÇA

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o ‘terceiro olho’ 3 . e o que é o terceiro olho? Imagine um cego fotografando. Pesquisar com o ‘terceiro olho’ é ir além da aparência, é ler nas entrelinhas, é perceber as silhuetas na neblina, como o fez eugène bavcar. Ter o ‘terceiro olho’, conforme sugere a metáfora, é uma rara qualidade entre os pesquisadores. No filme documentário ‘Janela da alma’, há um cego que fotografa, corroborando com a idéia de que, de fato, precisamos mais do que dos olhos para ver.

Para ver, acionamos todo o nosso código de cultura, nossas emoções e sentimentos, as-sim como também as experiências pretéritas acumuladas. O que é aparentemente uma simples coletânea de fotografias é transcendência. Melhor seria dizer que é inscrever tra-balhadores numa determinada história. Desta feita, a exposição tem o intuito de ampliar a reflexão. A fotografia que, em geral, não é feita ao acaso é uma referência, um ponto de par-tida para a reflexão, jamais o final do trabalho. A fotografia é um meio que permite a cons-trução da interpretação e, mesmo, a sua teorização. ela também contribui para inscrever personagens sociais numa determinada temporalidade, articulando passado, presente e futuro. O olhar constrói a foto, e esse trabalho realiza-se por meio de categorias históricas.

Como num teatro, é fundamental retermos o desempenho dos personagens sociais que trabalham. O ator empresta a vida ao personagem, o qual, por sua vez, exige que ele mer-gulhe inteiramente no papel. No palco, discernir ator e personagem é tarefa difícil. De forma semelhante, o mesmo raciocínio aplica-se às relações sociais. elas não são feitas de aço, ainda que assim pareçam, mas de atos instituídos no coletivo, e a ciência social denomina--as como relações de poder. Ao expressar em letras o mundo social, o intérprete, com este ato, cria uma ordem categorial como sugere Ciavatta: a fotografia é mais o resultado de uma construção histórica produzida mediante o desenvolvimento técnico, do que o resul-tado de um processo físico-químico entre imagem e o referente (2002: 28).

A fotografia pode se constituir em mediação para a superação do presente, todavia, não pode atuar sozinha. essa invenção, precursora dos instrumentos mediáticos modernos, coloca-nos na condição de fazer parte do mundo fotografado, poder olhá-lo e indagar:

3 Idéia desenvolvida no filme de JARDIM, J. e CARVAlhO, W. A janela da alma, 2002. .

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de que mundo faço parte? Dessa feita, a fotografia é um instrumento de combate. Nada pode ser mais subversivo que a imprevisível e inesgotável matéria. A sociedade que está dominada por inúmeros mediadores contém, também, as formas da rebeldia, aquilo que a faz avançar. existem coisas feitas pelas mãos dos homens e das mulheres que, em re-lação com estes mesmos homens e mulheres, se traduzem em uma indiferença altiva e uma cumplicidade muda como se fossem coisas da natureza.

Nas imagens interessam-nos os seus desafios. ela sacode aquele que vê! As manifes-tações podem variar quanto à maneira, mas com segurança ninguém sai indiferente. A fotografia é uma estranha invenção que, ao invés de nos levar a contemplar o mundo, nos lança questões. Oxalá, esta exposição suscite reações alentadoras ou, até mesmo, indignações e, principalmente, lutas que coloquem um ponto final às manifestações de trabalho explorado. Ou, como sugere o fotógrafo Alberto Korda (1997: 14), ao ver uma criança brincando com um pedaço de pau como se fosse uma boneca: nesse momento ele se convenceu de que deveria dedicar o seu trabalho “a uma revolução que transfor-masse essas desigualdades”.

As fotografias de Waldemar Anacleto registram o tempo das fábricas com muitas pesso-as trabalhando, na era da revolução industrial. Um tempo de mãos hábeis, de mestres e aprendizes e profissionais como fiandeiras, costureiras e bordadeiras, entre outras que labutaram pela sobrevivência com as próprias mãos e com a força do corpo. Tempo da grande fábrica, do trabalho assalariado, com direitos, com jornada de trabalho definida e férias. Mas tudo anda tão acelerado que é como se tivesse sido sempre tal como hoje. Ninguém mais precisa encomendar ternos no alfaiate ou vestidos na costureira. basta ir ao shopping center. Muitos mal conseguem se lembrar de como o mundo outrora era diferente, o que nos faz pensar: então houve um tempo em que não era assim?

As imagens de Anacleto retêm cenas do “chão da fábrica” mil vezes transmutado. A fá-brica com muitas pessoas trabalhando cedeu lugar à indústria fragmentada da facção e do retorno ao trabalho em domicílio. Amplia-se o trabalho, mas não o assalariamento. em brusque, Joinville ou blumenau, o que vemos deixa-nos apreensivos quanto ao fu-turo. Na indústria de malhas não se tece mais o fio e nem se confecciona a malha. Numa

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situação semelhante ao que vive o bancário, o tecelão vive a iminência do fechamento de seu posto de trabalho fabril. As grandes fábricas ‘enxugam’ a planta e eliminam postos de trabalho. O desenhista, uma importante atividade que marcou a indústria ascendente, atualmente tem sido substituído pelo projetista habilitado em linguagem informacional. esse é o resultado de um complexo processo de mudança e mantém poucas conexões com uma qualificação profissional inadequada ou insuficiente. Ao contrário, em quase todos os postos de trabalho, eles eram qualificados. A estruturação produtiva que se im-pôs nos anos subsequentes eliminou postos de trabalho no interior do emprego indus-trial. Uma certa proporção deste enxugamento é conhecida como “reengenharia” ou, também, como mudança na forma de organização do trabalho. Os trabalhadores das ‘mãos hábeis’ ficaram desempregados e mudanças de toda ordem se instalaram: alguns mudaram de cidade, de bairro e, até mesmo, de profissão.

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As metamorfoses do mundo do trabalho são expressões materiais da produção da vida, a qual – em cada momento da história e geração após geração – corresponde à produção da vivência cotidiana do comer, beber, vestir, da produção de novas necessidades, da re-produção social, da cooperação e da consciência como aspectos constitutivos do desen-volvimento da história da humanidade. As metamorfoses do mundo do trabalho revelam necessidades sociais. Não são os instrumentos de trabalho que descartam as pessoas; são as pessoas que descartam as pessoas. As pessoas, na luta para assegurar a sua so-brevivência, inventam instrumentos de trabalho que se podem voltar contra elas próprias. O escravismo foi extinto por pessoas que não conseguiam mais viver sob esta situação.

em contrapartida às novas formas de industrialização, observamos o aumento dos serviços, desde os mais sofisticados até os mais personalizados cujos nomes, em inglês, mascaram a condição do retorno do trabalho doméstico. Para acompanhante individual, o personal trainning; para o trabalho em domicílio, o home working, como se o nome, em inglês, mudasse o conteúdo do enorme retrocesso do autoemprego e, na maioria das vezes, da ausência de horário de trabalho delimitado e de direitos trabalhistas. esta é praticamente uma tendência mundial de “concentração do capital” (OlIVeIRA, 2003: 10). Ou, ainda, dizendo de outro modo, a reestruturação é a maneira técnica em que se realiza o aumento do capital e de produtividade do trabalho.

De certa maneira, essa exposição é uma elegia ao desaparecimento rápido de formas tradicionais de trabalho e de profissão. Mas, livre de melancolia, é também um apelo es-perançoso, para que a humanidade possa compreender melhor o que está ocorrendo a sua volta e que possa lutar. Nem tudo é mudança, nem toda mudança é para melhor, há forças conservadoras que tudo fazem para permanecer como está. Criar um mundo novo, imaginar que existe uma vida nova, perceber que existe um limite, delinear, com as mãos, o mundo novo, sonhar, ousar sonhar que o mundo pode ser diferente.

A propósito, quais são as novas profissões e respectivas tecnologias que já são obsole-tas? Quais os profissionais que se perpetuam na atualidade? Quais são os pressupostos que justificam e orientam a conexão trabalho e educação e as profissões do futuro?

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referências

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Sesc – Serviço Social do Comércio

Presidência do Conselho Regional do Sesc/SCbruno breithaupt

Direção Regional do Sesc/SCRoberto Anastácio Martins

Direção Administrativa e FinanceiraAdolfo Willian Oldemburgo

Direção de Programação Socialeduardo Makowiecki Júnior

Direção de Recursos HumanosInaldo de Souza

Assessoria de PlanejamentoSimone Karla da Rocha batista

Assessoria de Comunicação e MarketingAdriana Cadore borborema Gusmão

Programa de CulturaMaria Teresa Piccoli, Maristela Alves de Medeiros e Afonso Nilson barbosa de Souza

ProduçãoPrograma de Cultura

Universidade Federal de Santa Catarina

ReitorAlvaro Toubes Prata

Vice-ReitorCarlos Alberto Justo da Silva

Secretária de Cultura e ArteMaria de lourdes Alves borges Núcleo de Estudos sobre Transformações noMundo do Trabalho (TMT):

CoordenadoresCélia Regina Vendramini (Centro de Ciências da educação – CeD/UFSC) e Ricardo Gaspar Müller (Centro de Filosofia e Ciências humanas – CFh/UFSC)

Exposição Imagens da Mudança: Trabalhadores de Santa Catarina no Acervo de Waldemar Anacleto

Coordenador do projeto de extensãoJacques Mick (TMT/UFSC)

CuradoriaÁlvaro de Azevedo Diaz

Bolsistas de cultura e arteTreicy Giovanella da SilveiraTalita Machado

Bolsistas de extensãoCristina de Oliveirabeatriz Nedel de Aguiar

Tratamento de imagens e cópiasGuilherme Ternes

MoldurasMichelangelo Arte

Design do catálogoPaula Albuquerque

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ANACleTO.UFSC.bR

Realização