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PROCURA DENTRO DE TI O Inesperado Caminho para o Sucesso, a Felicidade (e a Paz no Mundo) Ilustrações de Colin Goh Traduzido por Jorge Nunes CHADE-MENG TAN

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PROCURA DENTRO DE TI

O Inesperado Caminho para o Sucesso, a Felicidade (e a Paz no Mundo)

Ilustrações de Colin Goh

Traduzido por

Jorge Nunes

CHADE-MENG TAN

Conteúdos

PREFÁCIO POR DANIEL GOLEMAN 9

PREFÁCIO POR JON KABAT-ZINN 13

INTRODUÇÃO > PROCURAR DENTRO DE NÓS 19

CAPÍTULO UM > ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL 27

CAPÍTULO DOIS > RESPIRAR COMO SE A NOSSA VIDA DEPENDESSE DISSO 47

CAPÍTULO TRÊS > ATENÇÃO PLENA SEM SENTAR O RABO NA ALMOFADA 71

CAPÍTULO QUATRO > AUTOCONFIANÇA ORGÂNICA E COMPLETAMENTE NATURAL 99

CAPÍTULO CINCO > MONTAR AS EMOÇÕES COMO UM CAVALO 123

CAPÍTULO SEIS > GERAR LUCROS, ATRAVESSAR OCEANOS A REMOS E MUDAR O MUNDO 151

CAPÍTULO SETE > EMPATIA, MACACOS DE IMITAÇÃO E TANGOS CEREBRAIS 179

CAPÍTULO OITO > SER EFICAZ E AMADO AO MESMO TEMPO 213

CAPÍTULO NOVE > TRÊS SIMPLES PASSOS PARA A PAZ NO MUNDO 249

EPÍLOGO > SALVAR O MUNDO NOS TEMPOS LIVRES 259

AGRADECIMENTOS 263

NOTAS 268

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C A P Í T U L O U M

Até um engenheiro consegue desenvolver inteligência emocional

O que é a inteligência emocional e como desenvolvê-la

O que está para trás de nós e o que está perante nós são coisas insignificantes quando comparadas com o que está dentro de nós.

RALPH WALDO EMERSON

Gostava de começar a nossa viagem com uma nota de otimismo, em parte porque começar com uma nota de pessimismo não ajuda a ven-der livros. Mas, mais importante, a experiência de ensino da minha equipa na Google e não só permite-me ser otimista e considerar que a inteligência emocional é um dos melhores preditores de sucesso profissional e de realização na vida, podendo ser treinada por qual-quer pessoa. Com o treino certo, qualquer pessoa se pode tornar mais inteligente emocionalmente. No espírito de “se o Meng conse-gue cozinhar, quem é que não consegue”, o certo é que se este treino resulta com um engenheiro altamente introvertido e cerebral como eu, é muito provável que resulte convosco.

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PROCURA DENTRO DE TI

INTELIGÊNCIAEMOCIONAL

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“A Frota Estelar mandou-me fazer este curso, não sei porquê. E tu?”

A melhor definição de inteligência emocional é dada por dois homens – Peter Salovey e John D. Mayer – unanimemente considerados os pais do seu enquadramento teórico. Eles definem a inteligência emo-cional como:

A capacidade de monitorizar os nossos próprios sentimentos e emoções, bem como os dos outros, distingui-los e utilizar essa informação para orientar o nosso pensamento e as nossas ações. 1

O livro pioneiro que popularizou o tema chama-se Inteligência Emo-cional: Porque Pode Ser Mais Importante do que O QI, da autoria de Daniel Goleman, nosso amigo e consultor. Uma das mensagens mais importantes desse livro é a de que as competências emocionais não são um talento inato; são capacidades que se aprendem. Por outras palavras, as competências emocionais são algo que podem deliberadamente adquirir com a prática.

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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Goleman atribui uma estrutura muito útil à inteligência emocio-nal, classificando-a em cinco domínios. São eles:

1. Autoconsciência: conhecimento dos nossos estados interiores, preferências, recursos e intuições2. Autorregulação: gestão dos nossos estados interiores, impulsos e recursos3. Motivação: tendências emocionais que orientam ou facilitam a concretização de objetivos4. Empatia: consciência dos sentimentos, das necessidades e das preocupações dos outros5. Competências sociais: proficiência em induzir respostas desejáveis nos outros

Salovey e Mayer não são as únicas pessoas cujo trabalho está relacio-nado com a inteligência social e emocional. Howard Gardner, por exemplo, introduziu a célebre ideia de inteligências múltiplas. Ele defendeu que as pessoas podem ter formas de inteligência que um teste de QI não consegue medir. Uma criança, por exemplo, pode não ser boa a resolver problemas matemáticos, mas pode ser dotada em línguas ou em música, pelo que deve ser considerada inteligente. Gardner formulou uma lista de sete inteligências (posteriormente ampliada para oito). Duas delas, a inteligência intrapessoal e a inter-pessoal, são especialmente relevantes para a inteligência emocional. Gardner chamou-lhes “inteligências pessoais”. Os cinco domínios da inteligência emocional definidos por Goleman enquadram-se perfeitamente nas inteligências pessoais de Gardner: podemos pen-sar nos três primeiros domínios da inteligência emocional como inteligência intrapessoal e nos dois últimos como inteligência inter-pessoal.

Curiosamente, para mim, o melhor exemplo da inteligência emo-cional como competência adquirida não provém de uma publicação académica mas sim da história de Ebenezer Scrooge em O Cântico de Natal. 2 No início da história, Scrooge surge como um exemplo de pouca inteligência emocional. A sua inteligência intrapessoal é tão limitada, que é incapaz de gerar bem-estar emocional para si próprio,

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apesar da sua riqueza. A sua autoconsciência é tão má, que precisa de três fantasmas para o ajudarem a conhecer-se. É claro que a sua inte-ligência interpessoal só podia ser péssima. Porém, perto do final da história, Scrooge torna-se um exemplo de inteligência emocional ele-vada. Ele desenvolve uma forte autoconsciência, torna-se capaz de controlar o seu próprio destino emocional, e a sua empatia e as suas competências sociais despertam. Scrooge demonstra que a inteligên-cia emocional pode ser trabalhada (na versão que vi, isso aconteceu no espaço das duas horas do filme, com anúncios e tudo, mas o tempo necessário pode variar de pessoa para pessoa).

Mais adiante neste livro, iremos examinar em pormenor o desen-volvimento de cada um dos domínios da inteligência emocional. Felizmente, não vamos precisar de fantasmas para nos ajudarem.

Os benefícios da inteligência emocional

Há uma pergunta importante, a que os meus amigos na área da for-mação chamam a pergunta e depois? Tipo: sim, sim, muito giro, mas e depois? O que é que a inteligência emocional pode fazer por mim? No contexto de um ambiente profissional, a inteligência emocional capacita três conjuntos de competências: desempenho profissional excelente, liderança marcante e a capacidade de criar condições para a felicidade.

Desempenho profissional excelente

A primeira das coisas que a inteligência emocional possibilita é um desempenho profissional excelente. Os estudos demonstraram que as competências emocionais têm uma importância para a excelência duas vezes superior à do intelecto puro e da experiência. 3 Um estudo realizado por Martin Seligman, considerado o pai da moderna psico-logia positiva e criador da ideia de otimismo aprendido, demonstrou que os agentes de seguros que são otimistas conseguem vendas oito

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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

por cento superiores às dos seus colegas pessimistas durante o pri-meiro ano e 31 por cento superiores no segundo ano. 4 (Sim, estou otimista em relação à possibilidade de este livro vir a ser um best-sel-ler. Obrigado por perguntar.)

Isso não constituiu uma surpresa para mim. Afinal, existem mui-tos trabalhos, como as vendas e o serviço a clientes, em que as com-petências emocionais fazem obviamente uma grande diferença. Já sabemos isso intuitivamente. O que me surpreendeu foi saber que o mesmo é verdadeiro até para colaboradores do setor tecnológico, nomeadamente engenheiros como eu, de quem se esperaria que fos-sem bem-sucedidos devido exclusivamente aos seus talentos intelec-tuais. De acordo com um estudo, as seis principais competências que distinguem os profissionais com um desempenho de topo daqueles com um desempenho mediano no setor tecnológico são (por esta ordem):

1. Forte instinto empreendedor e altos padrões de concretização2. Capacidade de influenciar3. Pensamento conceptual4. Capacidade analítica5. Iniciativa para aceitar desafios6. Autoconfiança 5

Destas seis, apenas duas (o pensamento conceptual e a capacidade analítica) são competências puramente intelectuais. As outras qua-tro, incluindo as duas primeiras, são competências emocionais. Ser forte em inteligência emocional pode ajudar qualquer pessoa a tor-nar-se excecional no seu trabalho, até os engenheiros.

Liderança marcante

A inteligência emocional torna as pessoas melhores líderes. Quase todos nos apercebemos disso de forma intuitiva, com base na nossa experiência diária de interação com aqueles que lideramos e com quem nos lidera. Existem também estudos que fundamentam essa

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nossa intuição com provas científicas. Por exemplo, Goleman revelou uma pesquisa que mostra que as competências emocionais represen-tam 80 a 100 por cento das competências dos líderes excecionais. 6 Uma história que ilustra essa conclusão é a de Gerald Grinstein, um CEO que teve de passar pelo penoso processo de reduzir custos. Grinstein era duro mas, sendo um virtuoso das competências inter-pessoais, conseguiu a colaboração dos seus empregados e geriu a situação de forma a manter a sua lealdade e o moral elevado enquanto invertia o rumo da empresa, apesar de ter de tomar decisões muito difíceis. Na realidade, Grinstein operou a sua magia, não uma, mas duas vezes, primeiro como CEO da Western Airlines e depois como CEO da Delta. Quando Grinstein assumiu a direção da Delta em plena crise, tratou imediatamente de restaurar as linhas de comuni-cação e a confiança no seio da empresa. Grinstein compreendeu a importância de criar um ambiente de trabalho positivo e, recorrendo a competências de liderança extraordinárias (inteligência emocio-nal), transformou um ambiente de trabalho pernicioso numa atmos-fera mais familiar.

Uma vez mais, nada disto me surpreendeu, porque já compreen-demos intuitivamente a importância da inteligência emocional na liderança. O que me surpreendeu foi isso ser verdade até para a Marinha dos EUA. Outro estudo do especialista em liderança Wallace Bachman demonstrou que os melhores comandantes da marinha norte-americana são “mais positivos e extrovertidos, mais expressivos em termos emocionais e dramáticos, mais calorosos e sociáveis (e também mais risonhos), mais amigáveis e democráti-cos, mais cooperativos, mais amáveis, mais divertidos, mais gratos e confiantes e até mais simpáticos do que os comandantes apenas medianos”. 7

Quando penso em liderança militar, penso em pessoas duras como o aço, que berram ordens e esperam obediência, pelo que acho fasci-nante, mesmo num ambiente militar, ser a inteligência emocional o que distingue os melhores líderes dos líderes medianos. Os melho-res comandantes militares são basicamente pessoas simpáticas e boa companhia. Curiosamente, o título do estudo de Bachman era Os tipos simpáticos acabam em primeiro.

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ATÉ UM ENGENHEIRO CONSEGUE DESENVOLVER INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

FAÇA FAVOR!ORA ESSA, O

SENHOR PRIMEIRO!

Militares simpáticos

A capacidade de criar condições para a felicidade

Talvez o aspeto mais importante da inteligência emocional seja o de nos dar as competências que nos ajudam a criar condições para uma felicidade sustentada. Matthieu Ricard define desta forma a felici-dade: “Uma profunda sensação de florescimento que emerge de uma mente excecionalmente saudável [...] não se limita a uma sensação agradável, a uma emoção passageira ou a um estado de espírito, mas é mais um estado ideal de ser.” 8 E esse estado ideal de ser é “um equi-líbrio emocional profundo decorrente de uma compreensão subtil do funcionamento da mente”.

Segundo a experiência de Matthieu, a felicidade é uma competên-cia que pode ser treinada. Esse treino começa por uma perceção pro-funda da mente, da emoção e da nossa experiência dos fenómenos, o que facilita então práticas que maximizam o nosso bem-estar interior a um nível profundo, gerando por fim uma felicidade sustentada e a compaixão.

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A minha experiência pessoal é semelhante à de Matthieu. Quando era jovem, era naturalmente muito infeliz. Se não acontecesse nada de bom, por defeito, era infeliz. Neste momento sucede o oposto: se nada de mal acontece, por defeito, sou feliz. Tornei-me naturalmente tão alegre, que acabei por ter o cargo de bom companheiro na Google. Todos temos um ponto de referência de felicidade a que voltamos sempre que a euforia de uma experiência agradável ou a dor de uma experiência desagradável se desvanecem. Normalmente, partimos do princípio de que esse ponto é estático, mas segundo a minha expe-riência pessoal, e a de muitos outros como Matthieu, esse ponto de referência pode ser deslocado através do treino.

Felizmente, as competências que nos ajudam a cultivar a inteligên-cia emocional ajudam-nos também a identificar e a desenvolver os fatores interiores que contribuem para um profundo sentido de bem--estar. As mesmas coisas que constroem a inteligência emocional também nos ajudam a criar condições para a nossa própria felici-dade. Assim, a felicidade pode ser um dos efeitos secundários inevi-táveis de se cultivar a inteligência emocional. Outros efeitos colate-rais podem incluir a resiliência, o otimismo e a bondade. (Talvez queiram ir ao médico saber se a felicidade não vos fará mal.)

F

A

T

U

R

A

“Sim, você sofre de felicidade. Mas não há problema, consigo curar isso num instante.”

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Verdade seja dita, das três coisas que a inteligência emocional nos proporciona, a felicidade é a que verdadeiramente prezo. (Só aqui entre nós e os milhões de leitores deste livro, os outros argumentos do desempenho profissional excelente e da liderança marcante, embora úteis, verdadeiros e sustentados por provas científicas, só servem para conseguir a aprovação dos meus superiores.) O que realmente me interessa é a felicidade dos meus colegas. É por isso que a inteligência emocional me entusiasma. Porque nos proporciona as condições para termos sucesso no trabalho, mas sobretudo porque nos oferece todas as condições para sermos felizes. E eu gosto da felicidade.

Otimize-se

Se existe uma palavra capaz de resumir tudo o que acabei de dizer (uma dica: existe mesmo), essa palavra é otimizar. O objetivo de se desenvolver a inteligência emocional é otimizarmo-nos e funcionar-mos ainda melhor do que o que já somos capazes. Mesmo que já sejamos muito bons no que fazemos (e todos que frequentam o nosso curso na Google são), aperfeiçoar e aprofundar as competências emo-cionais só nos pode trazer mais vantagens. Esperemos que o treino apresentado nestas páginas vos possa ajudar a passar de bons a exce-lentes.

Cultivar a inteligência emocional

Quando as pessoas vêm frequentar um curso como o nosso, que é anunciado como um “curso de inteligência emocional”, a maioria espera que se trate de um curso puramente comportamental. Espe-ram que as ensinem a serem simpáticas, a dividirem as guloseimas e a não serem desagradáveis com os colegas.

Nós optámos por uma abordagem completamente diferente, concen-trando-nos sobretudo em aumentar o alcance e a profundidade das

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capacidades emocionais das pessoas. Começamos por mostrar que a inteligência emocional consiste num conjunto de competências emo-cionais e que, tal como todas as competências, também elas podem ser treinadas. O que fizemos foi criar um curso para treinar essas compe-tências. Achamos que, se desenvolvermos essas competências, os pro-blemas comportamentais desaparecem automaticamente. Por exem-plo, se alguém aprende a gerir de forma competente a sua irritação, todos os seus problemas relacionados com a irritação ficam “automagi-camente” resolvidos. A competência emocional liberta -nos da compul-são emocional. Criamos problemas quando somos compelidos pelas emoções a agir de uma ou outra forma, mas se nos tornarmos tão competentes a lidar com as nossas emoções, e deixarmos de ser com-pelidos por elas, podemos agir de uma forma racional, melhor para nós e para todos. Então seremos simpáticos, passaremos a dividir as guloseimas e não seremos desagradáveis para os nossos colegas.

A inteligência emocional pode ser treinada, mesmo nos adultos. Esta afirmação baseia-se num ramo da ciência relativamente novo, conhecido por “neuroplasticidade”. A ideia é a de que aquilo que pen-samos, que fazemos e aquilo a que prestamos atenção altera a estru-tura e a função do nosso cérebro. Um exemplo muito interessante é o dos motoristas dos tradicionais táxis pretos londrinos. Para obter uma licença para conduzir esses táxis, é preciso conseguir navegar mentalmente pelas vinte cinco mil ruas de Londres e conhecer todos os pontos de interesse. É um teste difícil que pode levar entre dois a quatro anos de treino intensivo a preparar. Estudos demonstraram que a área do cérebro associada à memória e à navegação espacial, o hipocampo, é maior e mais ativo nos taxistas londrinos do que na média das pessoas. Mais interessante ainda é o facto de quanto mais tempo alguém conduzir um táxi em Londres, maior e mais ativo é o seu hipocampo. 9

Uma implicação muito importante da neuroplasticidade é poder-mos alterar intencionalmente o nosso cérebro. Por exemplo, a inves-tigação desenvolvida por Philippe Goldin, meu amigo e professor do nosso curso Procura Dentro de Ti, demonstra que, após dezasseis ses-sões de terapia cognitivo-comportamental (TCC), pessoas com trans-torno de ansiedade social são capazes de aumentar a atividade nas

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áreas do cérebro associadas à autorregulação, ao processamento lin-guístico e à atenção quando trabalham com as suas próprias crenças pessoais negativas. 10 Pensem nisso – se conseguimos treinar o nosso cérebro para ultrapassar até transtornos emocionais graves, é fácil imaginar tudo o que podemos fazer para melhorar substancialmente a qualidade da nossa vida emocional. É esta a premissa da ciência e das práticas descritas nestas páginas.

Um exemplo fascinante de aplicação da neuroplasticidade provém do trabalho liderado por Christopher deCharms. 11 DeCharms colo-cou pessoas que sofrem de dor crónica no interior de uma máquina de ressonância magnética, e recorrendo à tecnologia de ressonância magnética funcional em tempo real (rtfMRI), mostrou a cada parti-cipante a imagem de um fogo num ecrã. Quanto maior a atividade neural das áreas do cérebro do participante associadas à sua dor, maior o fogo se tornava. Utilizando essa representação visual, conse-guiu ensinar as pessoas a regularem essa atividade cerebral, redu-zindo-a ou aumentando-a, uma capacidade que permitiu aos partici-pantes registarem uma diminuição dos seus níveis de dor. Ele chama a esta técnica “terapia de neuroimagiologia”.

Cérebro. Treinável. Bom.

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Treinar a atenção

Como se começa a treinar a inteligência emocional? Começa-se por treinar a atenção. A princípio, isto pode parecer um pouco estranho. Afinal, o que é que a atenção tem a ver com as competências emocio-nais?

A resposta é que uma atenção forte, estável e percetiva, que propor-ciona tranquilidade e clareza, é o alicerce para a construção da inteli-gência emocional. Por exemplo, a autoconsciência depende de ser-mos capazes de nos vermos a nós próprios de forma objetiva, o que nos exige a capacidade de examinarmos os nossos pensamentos e emoções a partir de uma perspetiva exterior, sem nos deixarmos levar pela emoção, sem nos identificarmos com ela, observando-a simplesmente com clareza e objetividade. Isto exige uma atenção firme, clara e sem juízos de valor. Temos outro exemplo que mostra como a atenção está relacionada com a autorregulação. Há uma capa-cidade chamada “flexibilidade de resposta”, que é um nome caro para a capacidade de se fazer uma pausa antes de agir. Quando experi-mentamos um forte estímulo emocional, em vez de reagirmos de imediato, como seria normal (por exemplo, mostrar o dedo do meio ao outro condutor), fazemos uma pausa por um breve instante, e essa pausa dá-nos a oportunidade de escolher a forma como pretendemos reagir nessa situação emocional (por exemplo, optando por não mos-trar o dedo do meio, o que pode evitar grandes dissabores, pois o outro condutor pode ser um senhor irascível munido de tacos de golfe que, por acaso, até é o pai da sua atual namorada). Também esta capacidade depende de uma atenção clara e inabalável.

Citando Viktor Frankl: “Entre o estímulo e a resposta, existe um espaço. Nesse espaço, reside a nossa liberdade e o nosso poder para escolher a nossa resposta. Na nossa resposta, reside o nosso cresci-mento e a nossa felicidade”. O que uma mente tranquila e clara faz é aumentar esse espaço.

A forma de treinar esse estado de atenção é uma coisa conhecida por “meditação de atenção plena”. A atenção plena é assim definida por Jon Kabat-Zinn: “prestar atenção de uma forma particular: inten-cionalmente, no momento presente e sem fazer juízos de valor”. 12

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O célebre mestre Zen vietnamita Thich Nhat Hanh definiu-a de forma muito poética: “Manter a consciência viva para a realidade pre-sente 13”. Gosto muito desta, mas considero a definição de Jon mais fácil de explicar aos engenheiros, e eu gosto de engenheiros. A aten-ção plena é um estado mental que todos experimentamos e de que desfrutamos ocasionalmente, mas se a praticarmos regularmente podemos desenvolvê-la ainda mais, e quando se torna inabalável con-duz diretamente à tranquilidade e clareza de espírito, que constitui a base da inteligência emocional.

Existem provas científicas que demonstram que melhorar a capaci-dade de disciplinar a nossa atenção pode ter um impacto significativo na forma como reagimos às emoções. Um interessante estudo reali-zado por Julie Brefczynski-Lewis, uma investigadora na área da neu-roimagiologia, em colaboração com vários colegas seus, expôs espe-cialistas em meditação (meditadores com mais de dez mil horas de treino de meditação) a sons negativos (por exemplo, uma mulher a gritar). Estes apresentaram uma menor ativação de uma área do cére-bro emocional chamada amígdala inferior, em comparação com meditadores iniciados. 14 Para além disso, quanto mais horas de medi-tação os especialistas tinham, mais baixa era a ativação da amígdala. Isto é fascinante porque a amígdala tem uma posição privilegiada no cérebro – ela é a sentinela do nosso cérebro, pesquisando constante-mente tudo o que vemos em busca de ameaças à nossa sobrevivência.

A amígdala é um gatilho sensível que prefere prevenir do que reme-diar. Quando ela deteta o que parece ser uma ameaça à sua sobrevi-vência, por exemplo o ataque de um tigre dentes de sabre ou uma falta de respeito por parte do chefe, ela entra em modo “lutar ou fugir” e diminui o pensamento racional. Acho fascinante que, através do sim-ples treino da atenção, nos consigamos tornar tão bons a regular uma parte do cérebro tão primitiva e importante como a amígdala.

Outra série de estudos provém do laboratório de Matthew Lieber-man, na UCLA. 15 Há uma técnica simples de autorregulação cha-mada “verbalização de afetos”, que significa simplesmente rotular sentimentos com palavras. Quando se verbaliza uma emoção que se está a sentir (por exemplo “sinto raiva”), isso ajuda de alguma forma a gerir essa emoção. Lieberman sugeriu os mecanismos neurais que

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estão por detrás do funcionamento desse processo. As provas indi-cam que a verbalização aumenta a atividade no córtex pré-frontal ven-trolateral direito, geralmente considerado o “travão” do cérebro, o que, por sua vez, aumenta a ativação de parte do centro executivo do cérebro, o córtex pré-frontal medial, o qual regula então a amígdala reduzindo a sua atividade.

Outro estudo, da autoria de David Creswell e Matthew Lieberman, demonstrou que, nas pessoas com uma forte capacidade de atenção plena, o processo neural que acabo de descrever funciona ainda melhor, sendo também ativada uma outra área do cérebro chamada córtex pré-frontal ventrolateral. O estudo sugere que a atenção plena pode ajudar o cérebro a utilizar mais partes do seu circuito, tornando--o mais eficaz a gerir emoções. 16

Treinem ao nível da fisiologia

Após desenvolvermos uma atenção forte, estável e percetiva, o que fazemos com ela? Concentramo-la no nosso corpo, claro. Mais uma vez, isto soa um pouco estranho. O que tem o nosso corpo a ver com o desenvolvimento da inteligência emocional?

Há duas boas razões para trabalharmos com o nosso corpo: nitidez e resolução.

Todas as emoções têm uma correlação no corpo. A Dr.a Laura Deli-zonna, uma investigadora que se tornou estratega da felicidade, define muito bem o que é a emoção: “Um estado fisiológico básico caracterizado por alterações autonómicas ou corporais identificá-veis”. 17 As experiências emocionais não se resumem a experiências psicológicas; elas são também experiências fisiológicas.

Normalmente, vivemos as emoções com maior nitidez no corpo do que na mente. Por isso, quando estamos a tentar perceber uma emoção, conseguimos geralmente melhores resultados se dirigirmos a nossa atenção para o corpo em vez de a dirigirmos para a mente.

Mais importante ainda, dirigir a atenção para o corpo permite-nos ter uma perceção de alta resolução das emoções. Perceção de alta reso-