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TUNEIRAS DO OESTE

2012

(IN)VISIBILIDADES EM PRÁTICAS DISCURSIVAS: a leitura do texto publicitário em sala de aula

Autora: Maria Judite dos Santos1

Orientadora: Drª Roselene de Fátima Coito2

Resumo

O presente artigo teve como objetivo refletir sobre as práticas discursivas em propagandas publicitárias veiculadas na mídia, com o intuito de demonstrar as ideologias que as engendram. A pesquisa é de abordagem qualitativa com características de pesquisa-ação no viés discursivo. A pesquisa envolveu 30 (trinta) alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Almirante Tamandaré - Ensino Fundamental e Médio, localizado na cidade de Tuneiras do Oeste, no distrito de Aparecida do Oeste. A docente trabalhou com diferentes estratégias, em situações variadas, a saber: explicitação oral, leitura individual, silenciosa e coletiva dos textos, pesquisas em dicionários e no laboratório de informática da escola, debates e trabalhos em grupos, apresentação de textos de propaganda utilizados pela mídia, com a intenção de levar os alunos a interagir oralmente e por escrito. Do ponto de vista discursivo, o estudo possibilitou aos alunos avançarem no processo de conhecimento da importância da análise do discurso, indo além dos horizontes dados pela gramática. Ao analisar o gênero discursivo propagandístico por meio da teoria de orientação francesa, os alunos tiveram a oportunidade de compreender os sentidos produzidos pela propaganda publicitária e suas condições de produção do discurso.

Palavras-chave: Leitura; Prática Pedagógica discursiva; textos publicitários.

1 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino.

2 Professora da .Universidade Estadual de Maringá – Pós-doutorada na École des Hautes

Études en Sciences Sociales - Paris.

1 Introdução

A linguagem é entendida como uma forma de interação humana. Interagir por

meio da linguagem implica em comunicação, levando em consideração o contexto

enunciativo que permeiam este meio. Isso é possível, pois a base da interação é o

discurso, entendido aqui como a língua em funcionamento.

Como forma de linguagem, a publicidade é um campo sujeito a múltiplas

influências permitindo o acesso a outras linguagens. De acordo com Teixeira (2012,

p. 01), “no contexto pós-moderno, o questionamento do caráter de verdade e

objetividade em diversos campos do saber repercutem na literatura e nas teorias

literárias, possibilitando um novo olhar sobre as manifestações culturais”.

Complementa a autora, que a leitura de textos publicitários auxilia o leitor a

depreender o valor universal e/ou particular, em conformidade com os contextos

culturais, de uma propaganda/publicidade, bem como as marcas interculturais que

este gênero textual pode apresentar em seus discursos.

Para Silva Filho (2011), o discurso não é mera transmissão de informações,

pois traz em seu bojo efeitos de sentido. No contexto escolar, os alunos precisam

ser levados a compreender os sentidos produzidos pela propaganda publicitária e

suas condições de produção do discurso.

Por sua vez, Orlandi (1987) sugere que a análise do discurso busca a

compreensão do processo discursivo, ou seja, ela problematiza a atribuição de

sentido(s) ao texto. Então, a tarefa do analista de discurso não é interpretar, mas

compreender como um texto funciona, ou seja, como ele produz sentidos.

A linguagem publicitária em seu valor poético/estético manifesta o cuidado

que se deve ter no estudo da dialogia deste objeto com o mundo e do conhecimento

sobre a humanidade, que desta interrelação pode ser extraído. Assim pensando, a

presente pesquisa justifica-se à medida que busca articular a linguagem em sala de

aula, não apenas enquanto forma linguística, mas como forma material, tendo os

textos publicitários como recurso didático para a leitura em sala de aula.

A intenção da temática “(In)visibilidades em Práticas Discursivas: a leitura do

texto publicitário em sala de aula” é refletir sobre os desdobramentos da confluência

verificada na leitura do texto publicitário na materialidade discursiva de um "corpus"

específico, formado pelas propagandas publicitárias veiculadas na mídia, junto aos

alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Almirante Tamandaré -

Ensino Fundamental e Médio, localizado na cidade de Tuneiras do Oeste, no distrito

de Aparecida do Oeste.

Pressupõe-se que o texto publicitário é um recurso importante para o

trabalho com a leitura na escola, possibilitado a criação de situações reais de leitura,

contribuindo para a formação do aluno leitor/escritor, auxiliando-o a descobrir,

redescobrir, criar e fazer transitar sentidos, combinando seu conhecimento de

mundo com as novas informações advindas da sociedade do conhecimento.

Portanto, este artigo resultado da pesquisa desenvolvida no Programa de

Desenvolvimento Educacional, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná

(PDE/PR) tem como objetivo refletir sobre as práticas discursivas em propagandas

publicitárias veiculadas na mídia, com o intuito de demonstrar as ideologias que as

engendram.

2 Considerações sobre a Análise do Discurso

Os estudos da linguagem sempre estiveram presentes na sociedade e, de

uma maneira geral, sempre se preocuparam mais com a linguagem como produto

acabado, isento das condições de produção. Sousa e Santos (2008) afirmam que à

medida que tais estudos foram evoluindo, surgiu a necessidade de desviar o

enfoque do produto final para enfatizar as condições do processo de produção.

Para Brandão (2003), a análise do discurso atingiu sua maturidade teórica e

metodológica, consolidando-se como disciplina no cenário dos estudos da

linguagem, deslocando-se, por assim dizer, segundo a autora, da periferia para o

centro.

A análise do discurso, conforme Garcia (2003) surgiu da reação às concepções

de ideologia nas teorias sociais e de linguagem na linguística. No entanto, para

Orsatto (2009), as raízes da análise do discurso são bem mais profundas. Sem

negar a validade desta afirmação, a autora destaca que, é neste período, que a

análise do discurso é delineada de maneira mais próxima ao que se conhece hoje.

Brandão (2003) comenta que a análise do discurso atingiu sua maturidade

teórica e metodológica, consolidando-se como disciplina no cenário dos estudos da

linguagem, na década de 1960, deslocando-se, por assim dizer, segundo a autora

da periferia para o centro.

A teoria da análise do discurso tem como suporte o método da análise

estruturalista, o conceito de ideologia marxista e o conceito advindo da teoria

psicanalítica (MUSSALIM; BENTES, 2001). Esses conceitos podem ser assim

entendidos:

[...] 1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias; 2. a linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo; 3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos (PÊCHEUX; FUCHS, 1975 apud GARCIA, 2003, p. 123).

Complementam Pilha e Quadros (2009) que os estudos de Pêcheux

forneceram uma base teórico-metodológica para o desenvolvimento da análise do

discurso.

A análise do discurso trata das questões relativas ao sentido e não do

conteúdo do texto. Por isso, Orlandi (1987) sugere que o sentido é concebido como

o que não é traduzido, mas produzido. Orlandi (2002) sugere que a análise do

discurso, como seu próprio nome diz, não trata da língua nem da gramática, embora

todas essas coisas lhe interessem, mas, sobretudo, do discurso. A palavra discurso,

conforme o mesmo autor:

[...] etimologicamente, tem em si a ideia de curso, percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando (ORLANDI, 2002, p. 15):

Nesse caso, a análise do discurso articula o linguístico à história e à memória,

colocando a linguagem na relação com os modos de produção social. Por tudo isto

sugere Orlandi (2003) e Mutti (2003 apud PILHA; QUADROS, 2009), que a análise

do discurso não é uma metodologia, mas uma disciplina de interpretação fundada

pela intersecção de epistemologias distintas3.

Orlandi (2002, p. 12) destaca que a prática da análise do discurso implica em

uma relação entre “teoria, objeto e prática científica, em que o discurso entra como

um campo de questões posto para essas disciplinas”. A autora entende que este

campo de questões acarreta deslocamentos em relação à compreensão do que seja

história, sujeito, linguagem e ideologia. Afirma ela que a análise do discurso busca

compreender a língua enquanto trabalho simbólico, como parte do trabalho social

geral, constitutivo do homem e da sua história.

Para Brandão (2005), o discurso abarca toda a atividade comunicativa entre

os interlocutores, porquanto:

[...] seres situados num tempo histórico, num espaço geográfico; pertencem a uma comunidade, a um grupo e por isso carregam crenças, valores culturais, sociais, enfim a ideologia do grupo, da comunidade de que fazem parte. Essas crenças, ideologias são veiculadas, isto é, aparecem nos discursos. É por isso que dizemos que não há discurso neutro, todo discurso produz sentidos que expressam as posições sociais, culturais, ideológicas dos sujeitos da linguagem. Às vezes, esses sentidos são produzidos de forma explícita, mas na maioria das vezes não. [...] Fica por conta do interlocutor o trabalho de construir, buscar os sentidos implícitos, subentendidos (BRANDÃO, 2005, p. 2-3).

Assim sendo, o discurso é entendido pela autora como toda atividade

comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá na

interação entre falantes.

Referindo-se ao conceito de discurso, Pilha e Quadros (2009) fazem referência

a Pêcheux afirmando que a sua teoria intervém nas noções de estrutura (entendida

como sistema) e acontecimento (visto sob a ótica da historicidade) como

materialidades constitutivas, numa aproximação com o pensamento de Foucault

(2004). Este autor sugere que em toda a sociedade, a produção do discurso é

controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

procedimentos que têm por função conspirar seus poderes, perigos e dominar seu

acontecimento aleatório, esquivando a sua materialidade.

3 Pertencentes a áreas da linguística (releitura de Saussure por Pêcheux), do marxismo

histórico (releitura de Marx, por Althusser) e a psicanálise (releitura de Freud, por Lacan) (PILHA; QUADROS, 2009).

Complementam Pilha e Quadros (2009), que ao abordar a relação entre as

poderes que controlam e delimitam as práticas discursivas, Foucault (2004) defende

que, no discurso, estão implícitos elementos exteriores que exercem pressão e

condicionam a produção e a distribuição de discursos, referindo-se, também, a

procedimentos internos. Para os autores, a concepção foucaultiana de discurso é

entendida como prática, relacionando tal conceito à questão da ideologia e definindo

a formação discursiva como aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo

estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito.

Sobre isso, Bakhtin (2000) destaca que, um produto ideológico, faz parte de

uma realidade (natural ou social), como todo corpo físico instrumento de produção

ou produto de consumo; mas ao contrário destes, ele também reflete e refrata outra

realidade, que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a

algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo.

Para o autor, sem signos não existe ideologia. A existência do signo nada mais é do

que a materialização de uma comunicação. É nisso que consiste a natureza de

todos os signos ideológicos.

Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete

e refrata outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um

ponto de vista específico, etc. “Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação

ideológica (isto é: se for verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.)” (BAKHTIN,

2000, p. 32).

Neste sentido, Bakhtin (2000) afirma que o signo reflete e refrata uma

realidade, à medida que se refere uma realidade que lhe é exterior; e refrata porque,

dentro dos seus mais variados índices de valor possíveis, um signo se sobressai e

outros se ocultam. Decorre dessa constatação, que o mesmo signo tem significados

diferentes de acordo com a situação histórico/social do sujeito e que todo e qualquer

discurso se constitui como diálogo entre vários enunciados, estes constituídos

socialmente.

Assim, compreender o processo de leitura na perspectiva discursiva consiste

em não considerar um texto como um sistema significativo fechado, sem relação

com o exterior, mas a partir da descontinuidade da história, da dispersão do sujeito.

Nesta perspectiva, a linguagem é considerada como produção social e o

sujeito é compreendido como produtor do discurso e receptor do discurso. Desta

forma, o sujeito não é visto como uma pessoa, mas como uma posição social, do

qual o sentido não emana, uma vez que, de acordo com Pêcheux (1997) é

assujeitado à ideologia e atravessado pelo inconsciente.

Ao tratar do discurso publicitário pode-se dizer que este combina diversas

linguagens – verbal e não-verbal – além de manter relações com qualquer outro tipo

de discurso existente na sociedade. Segundo Teixeira (2012) “é por meio da

linguagem da propaganda que ela pode ser entendida como uma combinação de

vários signos, que na mensagem, conseguem estimular a venda do produto ao

público determinado”.

Como afirma Trindade (2003, p. 23), “[...] há “jogos de sentido implicados

nesses processos de significação (das mensagens publicitárias)“. Para este autor,

ao mesmo tempo em que um determinado elemento do discurso que compõe o

objeto publicitário, é utilizado como incitar a venda, este mesmo objeto atinge a

construção da subjetividade do público, a partir da identificação com este signo.

Por isso, Monagatti e Prados (2009) dizem que, o discurso é o ponto de

articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos. Partindo desse

pressuposto, a análise do discurso apresenta-se como uma disciplina não acabada,

em constante mudança, em que o linguístico é o lugar, o espaço que dá

materialidade, espessura às ideias temáticas de que o homem se faz sujeito, um

sujeito concreto, histórico, porta voz de um amplo discurso social.

Neste sentido, Rezende (2006) enfatiza que o discurso publicitário é um

discurso social entre outros e que, como os outros, contribui para definir a

representação dada pelas pessoas ao mundo social que as rodeia. Mas, ao mesmo

tempo, combinando texto e imagem, esse discurso social é talvez um dos lugares

privilegiados para a figuração no sentido mais concreto do termo, de certas relações

sociais.

Portanto, é possível afirmar que a propaganda publicitária traz implícita um

discurso social que age de maneira invisível e afeta psicologicamente o seu público

com a intenção de conseguir o maior número de consumidores para as mercadorias

e serviços.

3 Metodologia

A metodologia apresentada articula as ações desenvolvidas durante o

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) no que se refere às atividades de

integração teórico-práticas.

A pesquisa é de abordagem qualitativa com características de pesquisa-

ação. A abordagem qualitativa em educação, conforme André (1995) busca

entender o universo cultural da sala de aula, caracterizando-se pelo contato direto

do(a) pesquisador(a) com a realidade pesquisada, objetivando narrar uma situação,

desvendando seus significados.

Sobre a pesquisa-ação Fonseca (2002) destaca que este processo recorre a

uma metodologia sistemática, no sentido de transformar as realidades observadas, a

partir da sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos

elementos envolvidos na pesquisa.

A pesquisa-ação delimita um plano de ação baseado em objetivos,

envolvendo um processo de acompanhamento da ação planejada e no relato do

processo. Este tipo de pesquisa pode receber o nome de intervenção (ANDRÉ,

1995).

Assim sendo, a metodologia utilizada possibilitou que a pesquisadora

procedesse às intervenções dentro de uma problemática social, analisando-a e

anunciando seu objetivo de forma a mobilizar os alunos para a construção de novos

saberes. A pesquisa-ação possibilitou mediar o conhecimento propiciando ações

para reflexão crítica, embasada em um processo de reflexão-ação-reflexão.

A pesquisa envolveu 30 (trinta) alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio

Estadual Almirante Tamandaré - Ensino Fundamental e Médio, localizado na cidade

de Tuneiras do Oeste, no distrito de Aparecida do Oeste - Paraná.

Primeiramente, a proposta foi apresentada ao diretor, equipe pedagógica,

funcionários e pais de alunos. O estudo foi desenvolvido no período de 10 de

setembro a 29 de outubro de 2011, perfazendo um total de 32 horas, distribuídos em

oito oficinas pedagógicas.

As atividades propostas no caderno temático serviram de apoio para a

implementação pedagógica na escola, contribuindo com as reflexões sobre a análise

do discurso, tendo como objeto de estudo, o quadro conceitual básico da análise do

discurso de linha francesa ou “derivada de Pêcheux”.

O docente trabalhou com diferentes estratégias, em situações variadas, a

saber: explicitação oral, leitura individual, silenciosa e coletiva dos textos, pesquisas

em dicionários e no laboratório de informática da escola, debates, trabalhos em

grupos, apresentação de textos de propaganda utilizados pela mídia, produção oral

e escrita.

Em um primeiro momento, foi abordado o quadro conceitual básico da teoria

da análise do discurso de orientação francesa, com destaque ao seu surgimento e

analisando-a como uma disciplina de entremeio, onde são discutidos seus

pressupostos continuamente. Abordou-se a propaganda publicitária como meio de

construção e legitimação de significados, buscando demonstrar que a propaganda

cria por meio dos processos de comunicação um discurso que interpela e institui

condutas moduladoras de conduta.

Em seguida, tratou-se da teoria da análise do discurso, enfatizando que o

estudo da língua deve estar aliado ao aspecto social e histórico, ou seja, abordou-se

especificamente a teoria de análise do discurso de linha francesa.

Posteriormente, refletiu-se acerca das práticas discursivas em propagandas

publicitárias veiculadas na mídia, com o intuito de demonstrar as ideologias que as

engendram

Por fim, foram trabalhadas em sala de aula algumas propagandas publicitárias,

tendo o quadro conceitual de Pêcheux como referência de estudo, considerando que

este teórico trata do discurso, não como mera transmissão de informação, mas como

efeitos de sentido.

O relato da pesquisa-ação realizada foi feita com base nas observações das

atividades, especialmente, mediante os discursos orais e registros escritos tanto

individuais como coletivos dos alunos. Os dados foram fichados e organizados de

forma a possibilitar a análise dos resultados em confronto com a literatura estudada.

4 Resultados e Discussão

O trabalho com os alunos iniciou-se com a exposição da temática surgida na

década de 1960-1971 denominada pela escola francesa de “análise do discurso”.

Na oportunidade, foi entregue uma cópia do texto sobre “O Surgimento da Análise

do Discurso”, visando reflexões sobre o tema. Os alunos interagiram com a leitura do

texto, sendo levados a compartilhar ideias e sentimentos. Para auxiliar na

compreensão de alguns termos, os alunos utilizaram o dicionário para pesquisa,

sempre com a mediação da professora pesquisadora.

Refletiu-se que um texto nunca está pronto, pois é construído junto ao seu

destinatário, que o interpreta e assume uma atitude responsiva e ativa diante dele.

Todavia, a interpretação depende da caminhada leitora que se tem, já que um texto

dialoga com outros textos. O leitor só será capaz de perceber a presença do diálogo

entre os textos, caso tenha leituras anteriores (dos originais), que fornecem

subsídios na identificação dos encontros dos textos. Caso contrário poderá não

notá-los, o que significa que para o fenômeno da compreensão, este traz sua

experiência sociocultural, seu interdiscurso (FIORIN, 2006) determinando, assim,

leituras diferentes para cada leitor e também, para um mesmo leitor, conforme seus

conhecimentos, interesses e objetivos naquele momento. Este momento foi muito

importante para o debate das questões propostas.

O diálogo inicial abriu caminho para o estudo e compreensão da análise do

discurso enquanto prática social. Como propõe Freire (1996, p. 42), “o diálogo é

essencial em qualquer prática social e indica respeito pelos alunos, não somente

enquanto indivíduos, mas enquanto expressões de uma prática social”.

Os alunos demonstraram interesse pela leitura do texto e interagiram com o

texto e entre si. Sobre a importãncia da leitura do texto ouvi:

Aprendi que temos que ler muito para saber avaliar um discurso, quem não lê não consegue interagir com o texto e saber reconhecer o seu significado, saber o está por traz das palavras, as palavras escondem muita coisa que só uma pessoas experiente que lê muito pode saber compreender o seu significado. Quem não pratica a leitura tem dificuldade para interpretar o que lê (Aluno 1).

O trabalho com a leitura exigiu um encaminhamento didático-pedagógico que

privilegiou leituras e releituras do texto apresentado, consentindo o diálogo entre os

alunos e a docente pesquisadora. Isso implicou no reconhecimento por parte dos

alunos e a docente dos processos discursivos, os vazios manifestados de forma

implícita, subtendidas, que devem ser preenchidas pelo leitor, pelas vias da leitura e

da escrita.

As discussões foram seguidas de algumas questões provocativas para trabalho

em grupo: Como surgiu a análise do discurso? Qual a importância da análise do

discurso? Por que a análise do discurso é entendida como uma disciplina de

entremeios? Você gostou do tema?

Algumas respostas ilustram a compreensão dos alunos sobre o texto

apresentado para discussões em grupos:

Eu não tinha estudado sobre análise do discurso e gostei do jeito que a professora falou que nós temos que ler e estudar para aprender os significados do texto. Quem não sabe ler, não sabe analisar um discurso, sabe o que está escondido, agente aprende valores e é capaz de trocar ideias com os outros em casa e na escola (Grupo 1). Aprendi que a análise do discurso surgiu de vários estudos feitos sobre o tema e ficou mais forte na década de 1960, passando a ser reconhecida em sua importância por meio de muitos pesquisadores da área (Grupo 2). A análise do discurso é uma disciplina de entremeios porque ela conduz a muitas leituras da realidade da vida das pessoas. Só que o sujeito que não cultiva a leitura vai ter muita dificuldade para analisar um texto (Grupo 4).

As leituras e releituras do texto apresentado contribuíram para que esses

alunos compreendessem aspectos importantes sobre o surgimento da análise do

discurso. Para os alunos, a leitura do texto contribuiu para gerar valores, implicando

em leitores críticos, capazes de questionar e compartilhar ideias. Os alunos situaram

o surgimento da análise do discurso e debateram sobre a sua importância, como

meio se situar as realidades em casa, na escola e na comunidade.

Orlandi (2003) lembra que a leitura contribui para situar realidades em

tempo e espaço diversos, gerando descobertas linguísticas, propondo novos valores

sociais e éticos. Por meio da leitura do texto proposto, os alunos puderam construir

novos conhecimentos, articulando como afirma Orlandi (1998), o linguístico com o

social e o histórico, ocupando-se da determinação histórica dos processos de

significação.

Em um segundo encontro foi proposto outro texto para leitura e discussão

intitulado “Teoria da Análise do Discurso”. Barreto (1994) contribui para a discussão

ao destacar que, a partir da constituição simbólica do homem, da busca (inevitável)

de sentidos, a análise do discurso situa as práticas de linguagem no eixo tempo-

espaço. Assim sendo, explicou-se que, horizontalmente, estas práticas se referem a

lugares sociais e verticalmente, ao processo histórico-discursivo.

Após a explicação oral pela professora e leitura do texto pelos alunos,

sugeriu-se algumas questões para pesquisa no laboratório da escola e debates

posteriores: O que é discurso? Discurso e gramática são a mesma coisa? O estudo

do discurso é importante para o estudo da Língua Portuguesa? O que entenderam

sobre a análise do discurso? As falas a seguir mostram a compreensão dos alunos

acerca das questões propostas:

Discurso significa um encadeamento de palavras, ou uma sequência de frases segundo determinadas regras gramaticais e numa determinada ordem de modo a indicar a outro o que pretendemos comunicar/significar alguma coisa (Grupo1).

Quando a gente pretende significar algo a outro é porque temos a intenção de lhe transmitir um conjunto de informações coerentes. Se não tiver coerência o discurso não será entendido (Grupo 2).

Aprendemos que a linguagem não deve ser estudada apenas no seu aspecto gramatical, porque exige dos usuários um saber linguístico, mas também em relação aos aspectos ideológicos, sociais que se manifestam através de um saber sócio ideológico, daí agente pode saber de onde as pessoas falam e por que falam (Grupo 5).

A análise do discurso deve considerar que as pessoas vivem em um determinado tempo histórico e em uma dada sociedade que tem valores e vivem em interação social em um determinado tempo-espaço (Grupo 6).

Os alunos demonstraram um entendimento bastante aproximado da teoria

posta para discussão. Para os alunos a análise do discurso é percebida como um

constructo teórico interdisciplinar, que agrega conhecimentos de várias áreas, por

isso, constitui-se dessa forma, um modelo pedagógico apropriado para analisar

textos e seus efeitos de sentido, nas diversas situações de interação social.

Não se pode deixar de mencionar que as inferências construídas pelos alunos

são resultantes da integração dos conhecimentos prévios dos mesmos relativos ao

assunto proposto, com as informações apresentadas pelo texto. Portanto, durante a

leitura, os alunos foram levados a observar as possibilidades elencadas no texto

proposto, através das inferências construídas na antecipação da leitura, com-

provando-as ou descartando-as.

Para Brandão (2011), o discurso é entendido como um jogo estratégico

provocador de ações e reações (verbais, que se dão pela palavra); em que ocorre

um jogo de dominação ou aliança, de submissão ou resistência, o discurso é o lugar

em que se travam as polêmicas. Por isso, na análise do discurso, a autora propõe

estudar a linguagem, não somente em relação ao seu aspecto gramatical, exigindo

de seus usuários um saber linguístico, mas, também, em relação aos aspectos

ideológicos, sociais que se manifestam através de um saber sócio ideológico.

Assim sendo, para a análise do discurso, o estudo da língua está sempre

aliado ao aspecto social e histórico. As discussões iniciais sobre o significado da

teoria da análise do discurso abriram caminho para conduzir as reflexões acerca das

práticas discursivas em propagandas publicitárias veiculadas na mídia, com o intuito

de demonstrar as ideologias que as engendram.

Para tratar sobre as práticas discursivas em propagandas publicitárias, a

professora recorreu às propagandas veiculadas na mídia para abordar o assunto. De

início, a professora pesquisadora explicou sobre a importância deste gênero textual

e de suas implicações, vez que a publicidade, neste caso, as propagandas

publicitárias são consideradas um dos gêneros mais acessíveis à população.

Discutiu-se que o texto publicitário tem aspectos diferenciados de acordo com o

produto, com o público-alvo, com o meio onde será veiculado. Essas diferenciações

servem para atrair e motivar o consumidor final, fazendo com que ele sinta o desejo

de adquirir o produto anunciado (HOFF, 2007).

Com base nas considerações de Hoff (2007), os alunos foram levados a

compreender que as pessoas convivem com tanta familiaridade com as ideias e

imagens veiculadas na publicidade, que passam a aceitá-las como verdade sem

questioná-las, utilizando-as para guiar as decisões e escolhas de sua vida.

Isso é preocupante, pois como atinge um contingente numeroso e variado de

pessoas, a mídia tende a ser uma fonte hegemônica e homogeneizadora de

informação. Daí ser considerada uma espécie de opinião pública: o que divulga e

como divulga torna-se conhecido e aceito por grande parte de sua audiência.

Conforme Pêcheux (1997a), o discurso é tratado não como mera transmissão

de informações, mas como efeitos de sentido. Sendo assim, foi explicitado para os

alunos que a função do texto publicitário é criar um mundo ideologicamente

favorável e perfeito com a contribuição do produto a ser vendido. “Muitas pessoas

comem e vestem somente o que a mídia mostra, querem estar na moda e se

alimentar e beber somente do que é propagado pela mídia” (Aluno 9).

Por causa disto, segundo Trindade (2003), a mensagem do texto publicitário

trata de informar/manipular, objetivando transformar a consciência do possível

comprador. Além disso, a publicidade reflete e refrata as relações sociais e

econômicas de uma determinada sociedade.

Acerca das reflexões realizadas os alunos se posicionaram da seguinte forma:

Eu gostei das explicações da professora. Acho que a propaganda leva as pessoas a comprar produtos que nem precisam tanto (Aluno 4). Eu adorei essa aula, é importante este estudo, porque a gente quando assiste uma propaganda não percebe o que tem por traz, o que leva a gente a querer aquele produto (Aluno 6). A gente é manipulado o tempo todo e nem percebe, por isso a leitura ajuda a gente a aprender a ser melhor e saber refletir sobre o que se passa na mídia (Aluno 8)

Observa-se nos discursos dos alunos que as discussões realizadas

contribuíram para alertá-los sobre a influência dos textos publicitários, levando as

pessoas a sentirem o desejo de adquirir um determinado produto anunciado (HOFF,

2007).

Segundo Silva Filho (2011), ao trazer o gênero discursivo propagandístico para

sala de aula, pode-se ao ler e analisar o seu discurso, perceber os delineamentos

sociais que levam à construção dos sentidos discursivos, ou seja, verificar como as

práticas discursivas se processam em uma dinâmica interacional, na qual os

sentidos se constroem pela negociação entre os sujeitos e como esses têm suas

ações motivadas ideologicamente.

As várias leituras realizadas sobre alguns textos publicitários foi uma

experiência significativa para os alunos, mostrando a influência deste tipo de texto

nos delineamentos sociais. Os relatos são reveladores das experiências de alunos e

alunas ao se confrontarem com o discurso da propaganda:

A gente observa que cada período as empresas vendedoras de cervejas muda a forma de divulgação de seus produtos para que haja mais consumo, seja mostrando as mulheres na praia ou usando artistas famosos ou mesmo pessoas comuns que passam a ser famosos diante do posto (Aluno 1). Aprendemos que a propaganda vem com o poder de persuasão seja relacionado ao produto, marca, empresa ou política, pois é através dela que o vendedor vai atingir o consumidor (Aluno 2). A propaganda leva as pessoas a comprar a mercadoria que nem precisa e que faz mal à saúde. Por exemplo, o álcool que é tão prejudicial para as pessoas, é anunciado em horário nobre para que possa atingir um público maior de adultos, principalmente, em dias dos jogos (Aluno 6).

A propaganda atinge os adolescentes, é só ver pela moda de roupas, calçados. A bebida alcoólica e energético que faz com que eles se sintam fortes e corajosos, mas isso prejudica a saúde, mas mesmo sabendo disso as pessoas usam porque está na mídia (Aluno 9). A propaganda usa as pessoas famosas para vender bebidas alcoólicas, também animais, mulheres com pouca roupa em locais públicos. Aprendi que tudo isto serve para despertar maior desejo pela bebida, pois o homem olha as mulheres e toma cerveja. É dessa forma que muitas vezes em casa, os homens ou mulheres que tomaram muito agridem as famílias por motivo que nem justifica a sua agressão (Aluno 10). Também os filmes e novelas mostram as pessoas fumando ou comendo algo para despertar o desejo de compra dos consumidores (Aluno 12).

Os discursos dos alunos mostram a compreensão de que o termo propaganda

sugere a ideia de implantar, de incutir uma ideia, uma crença na mente alheia. Com

isso, os alunos mostram um entendimento de que o papel da propaganda é

influenciar os consumidores no sentido da aquisição de um produto, seja para

atender ou satisfazer as necessidades materiais quanto sociais.

Compartilhando do entendimento de Silva Filho (2011), a propaganda explora

as necessidades, identifica o ego e, por meio de estratégias específicas seduz as

pessoas, despertando-lhes o desejo de consumir. Para o mesmo autor, dentre as

várias características manipulatórias próprias da propaganda publicitária que

permeiam desde o conjunto de características linguísticas específicas, até seu

projeto argumentativo, há dois importantes elementos constitutivos desse gênero: a

persuasão e a ideologia.

Para Silva Filho (2011), o estudo da argumentação do texto publicitário permite

que se verifique como os elementos linguísticos e icônicos são manipulados

objetivando a persuasão. Fica claro, portanto, que a estratégia publicitária é de

natureza persuasiva e que a argumentação, de acordo com Kock (1987 apud SILVA

FILHO, 2011), é uma atividade estruturante do discurso, pois é essa estratégia que

marca as possibilidades de sua construção, assegurando a continuidade.

Os recursos que o texto publicitário utiliza para convencer ou persuadir,

recorrendo aos apelos verbais e visuais, objetivam levar o leitor a acreditar naquilo

que está sendo anunciado. Dessa forma, conforme Silva Filho (2011) vem carregado

de ideologia que, muitas vezes (ou sempre), ilude o interlocutor. A questão da

ideologia pode-se ser compreendida como uma visão de mundo. Sobre isto, Fiorin

(2005 apud SILVA FILHO, 2011) afirma que existem tantas visões de mundo

quantas forem as classes sociais. A esta afirmativa, Sandmann (1997 apud SILVA

FILHO, 2011) acrescenta que, a linguagem da propaganda é, até certo ponto,

reflexo e expressão da ideologia dominante.

A estratégia utilizada pelo texto publicitário é a de capitação de enunciados.

Como relatado por Maingueneau (2005, p. 173) “captar um texto significa imitá-lo,

tomando a mesma direção que ele”. A publicidade trabalha com valores sociais já

existentes que estão em circulação, ou seja, utiliza elementos simbólicos que

consigam se adequar aos desejos e ao comportamento dos consumidores, pois

refletem as tendências sociais, entretanto não muda nem influencia a sociedade.

“Daí a gente imita e ingere álcool e outras drogas como fumo que tanto prejudicam a

saúde” (Aluno 10), a gente imita e compra o que pode e o que não pode (Aluno 14).

Essa resposta do aluno, deve-se ao fato de ele não ter consciência de que a

propaganda circula pautada nos desejos dos consumidores e como tal não muda e

não influencia a sociedade, mas responde aos seus anseios.

O gênero textual contribuiu para orientar os alunos, discutir, problematizar o

assunto em suas variáveis. Para a docente pesquisadora ficou evidente que ao

estudar esse gênero faz-se necessário que, a propaganda, ou seja, o discurso

publicitário, seja encarado pelo educador e alunos como uma construção social, não

individual, que deve ser lido e analisado considerando seu contexto histórico-social,

suas condições de produção, além de perceber que esse discurso reflete uma visão

de mundo determinada, vinculada à do(s) autor(es) e à sociedade em que vive(m)

(SILVA FILHO, 2011).

No decorrer da proposta de implementação, os alunos participaram

ativamente das leituras e discussões realizadas, interagindo com o texto. Concorda-

se com Brandão (2003) ao propor que o discurso é o espaço em que saber e poder

se unem, articulam-se, pois fala de algum lugar, a partir de um direito que lhe é

reconhecido socialmente.

Foi possível observar que a maioria foi capaz de argumentar sobre o texto

publicitário enquanto forma de discurso. Logo após, passou-se à interpretação de

informações implícitas no gênero, que culminou com a elaboração do seguinte texto

coletivo:

O texto publicitário é um forte veículo de dominação e é capaz de transformar os hábitos diários e opiniões das pessoas, não somente no que se refere à escolha de um produto, mas também dos padrões de avaliação.

A propaganda usa um discurso para aconselhar as pessoas a usar determinado produto, passando a ficar amigo íntimo do consumidor. Desta forma, este tipo de texto convence e arrasta multidões, ditando regras e impondo conceitos. Este tipo de texto passa a impor valores morais. Aprendemos que a mídia domina as pessoas com as suas propagandas, as pessoas aprendem de tudo pela mídia, mas o texto publicitário está em todo lugar, nos outdoors, cartazes, banners, jornais, revistas dentre outras formas de divulgação de produtos tem e a pretensão de venda dos mesmos aos consumidores. O que é errado passa a ser certo. Para isto usam as mulheres quase sempre seminuas para ditar e espalhar conceitos. As mulheres são usadas para levar a sociedade a consumir cada vez mais, com a ditadura da beleza. Em razão disso, vemos meninas adoecendo na tentativa de ficar magras, pois a moda é ser magra, ou seja, pelo menos este é o padrão imposto pela mídia (TEXTO COLETIVO).

O texto elaborado pelos alunos mostra a compreensão de que o texto

publicitário é impregnado de um conteúdo ideológico que contribui para manipular o

destinatário. Tomando essas constatações como base, segundo Silva Filho (2011)

parece ter ficado claro para os alunos que o texto publicitário em sua proposta

argumentativa, é entendido como um jogo de signos, empregado pelo locutor para,

ideologicamente, dissimular a sua intenção e manipular o destinatário.

Para Bakthin (1988, p. 32), o domínio do ideológico coincide com o domínio

dos signos. São recíprocos, portanto, correspondentes.

[...] não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e

refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou

apreendê-la de um ponto de vista específico. Ali onde o signo se encontra,

encontra-se também o ideológico. Tudo o que é ideológico possui um valor

semiótico (BAKTHIN, 1986, p. 32).

Dos relatos dos alunos e do texto coletivo elaborado é possível perceber que

entre outros discursos presentes na propaganda, não raramente, o texto publicitário

retrata uma realidade que costuma reproduzir a imagem estereotipada da mulher,

baseada na ditadura da beleza e voltada para o consumo.

Para Pêcheux (1990), a linguagem não pode ser compreendida como um

sistema significativo fechado, sem relação com o exterior, mas, sim, a partir do

contexto histórico-ideológico dos sujeitos que a produzem e que a interpretam.

Segundo o autor:

Segundo Pêcheux, a análise do discurso consiste em uma teoria não-subjetiva da linguagem que concebe o sujeito não como o centro do discurso, mas como sujeito cindido pelo inconsciente e interpelado pela ideologia. Na produção do discurso, o sujeito sofre uma tripla determinação: a da língua, a da ideologia e a do inconsciente. O imanentismo constitutivo da Linguística saussuriana dá lugar à exterioridade. Essa é entendida não como mera adição, que vem de fora se sobrepor ao que está dentro, num contexto, mas como constitutiva de todo dizer (BARONAS; KOMESU, 2008, p. 11).

A análise do discurso exige indagar, questionar os aspectos que estão além

do objeto, não anulando o real, mas transformando-o. Em razão de o texto da

propaganda ser composto por imagens e palavras, os efeitos de sentido são

instaurados no movimento dialógico entre o não verbal e o verbal, em que se

enredam vozes complementares e polêmicas. Como evidenciado por Bakhtin (2000):

A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma orientação viva e intensa (BAKHTIN, 2000, p.88).

O texto publicitário em suas marcas de expressão contém uma soma de

referências a outros textos, mesmo que veiculadas de forma inconsciente. Esse tipo

de texto compreende uma atitude do escritor/dupla de criação frente ao mundo real:

um texto apresenta nexos literários, sociais, históricos e, também, a visão pessoal -

vestígios da experiência de muitas leituras e da observação da realidade.

Por isso, de acordo com Marcuse (1967, p.13), os “meios de informação em

massa encontram pouca dificuldade em fazer aceitar interesses particulares como

sendo de todos os homens sensatos”. Assim sendo, não raras as vezes, as

necessidades políticas da sociedade acabam por tornar-se aspirações individuais.

Isso é o que justifica a fácil aceitação de valores ideológicos impostos pela

publicidade.

A criação publicitária requer uma participação ativa da dupla de criação para

ler o mundo a partir de leituras variadas, havendo, na produção publicitária, uma

absorção e/ou transformação de outros textos, pois não é possível criar no vazio,

isto é, sem pré-texto. O diálogo entre textos implica sempre uma atitude criativa,

reinventado conforme o momento histórico e cultural em que está inserido.

5 Considerações finais

Objetivando refletir sobre as práticas discursivas em propagandas

publicitárias veiculadas na mídia, com o intuito de demonstrar as ideologias que as

engendram, concluiu-se que a análise do discurso de linha francesa, enquanto teoria

e prática contribuem para que o aluno compreenda o contexto sócio-histórico em

que ela é/foi produzida.

A análise do discurso constitui-se por uma prática e um campo especializado

na análise das construções ideológicas presentes em um texto, neste caso

específico, o texto publicitário. A análise do discurso por meio da propaganda

publicitária permitiu aos alunos analisarem suas formas de funcionamento para

estabelecer determinados sentidos, sendo considerada de extrema importância para

o estudo da ideologia engendrada na propaganda publicitária.

Do ponto de vista discursivo, o estudo possibilitou aos alunos avançarem no

processo de conhecimento da importância da análise do discurso, indo além dos

horizontes dados pela gramática. Todo texto é composto de uma rede de memórias.

No caso do texto publicitário, o sentido nasceu da desconstrução das imagens, da

presença de vestígios deixados que foram interpretados na relação com diálogo

estabelecido entre os textos/contextos.

As estratégias de ação implementadas possibilitaram aos alunos debateram

suas ideias e manifestarem a sua curiosidade, a partir da leitura e da escrita sobre

as práticas discursivas em propagandas publicitárias veiculadas na mídia. O texto

publicitário possibilitou contextualizar a prática da análise do discurso. Se ler

qualifica toda relação com o real, percebe-se que esta ação se expressou na prática

da sala de aula no Ensino Médio, pela elaboração de um código, o qual, por sua vez,

manifestou o domínio dos alunos sobre a ação.

Ao analisar o gênero discursivo propagandístico por meio da teoria de

orientação francesa, os alunos tiveram a oportunidade de compreender os sentidos

produzidos pela propaganda publicitária e suas condições de produção do discurso.

social do

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