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Page 1: II - Choque circulatório

CHOQUE CIRCULATÓRIO

CIRCULATORY SHOCK

Walter Villela de Andrade Vicente1, Alfredo José Rodrigues1, Jairo Rosa e Silva Júnior2

1Docente da Divisão de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cirurgia e Anatomia; 2MD, PhD, Divisão de CirurgiaTorácica e Cardiovascular do Departamento de Cirurgia e Anatomia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.CORRESOPONDÊNCIA: Departamento. de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Av. Bandeirantes, 3900.CEP; 1408-900. email: [email protected]

Vicente WVA, Rodrigues AJ, Silva Júnior JR. Choque Circulatório. Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (4):437-48.

RESUMO: São apresentados os aspectos práticos da fisiologia cardiovascular e do sistemacirculatório para a compreensão das anormalidades hemodinâmicas nos diferentes quadros dechoque circulatório. Também são apresentados os métodos terapêuticos básicos para o cho-que circulatório.

Descritores: Choque. Choque/Diagnóstico. Choque Circulatório.

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1- INTRODUÇÃO

Aos médicos em geral pode, à primeira vista,parecer desnecessário interessar se pelo choque cir-culatório, uma vez que, atualmente, esses pacientessão tratados em ambiente de terapia intensiva, sob oscuidados de médicos especialistas.

É preciso, todavia, considerar que o sucessoterapêutico depende muito da percepção precoce doestado de choque circulatório por parte, quase sem-pre, do médico que presta o primeiro atendimento. Poroutro lado, o intensivista, com freqüência, terá deinteragir com o colega que lhe encaminhou o paci-ente, na tomada de decisões terapêuticas que envol-vam, diretamente, a participação deste último. Porexemplo, pode ser necessário que o otorrinolarin-gologista intervenha cirurgicamente para coibir he-morragias ou drenar coleções purulentas que possamser responsáveis ou agravantes do quadro de choquecirculatório.

Neste capítulo enfocamos o assunto sob pris-ma eminentemente prático, ressaltando aspectos bá-sicos da Fisiologia cardiovascular, com o recurso de

fórmulas físicas simples, de fácil compreensão, e que,transpostas para o sistema circulatório, com as devi-das abstrações, permitem, de maneira lógica e des-complicada, tanto entender as profundas alteraçõeshemodinâmicas existentes nos diferentes quadros dechoque circulatório, como inferir as medidas terapêu-ticas básicas aplicáveis em cada situação.

2- DEFINIÇÃO

O choque circulatório é uma condição clínicaaguda, representada pela incapacidade do sistemacardiovascular em manter perfusão suficiente paraatender à homeostase, de modo a desencadearem seprofundas alterações do metabolismo celular que, senão corrigidas a tempo, levam à disfunção de múlti-plos órgãos e, finalmente, à morte (Figura 1).

Essa definição, por si só, diferencia o choquecirculatório da síncope pelo fato de que, nesta última,mecanismos de auto regulação cardiocirculatória sãocapazes de, em questão de minutos, reverter o desar-ranjo hemodinâmico causador da perda da consciên-cia por déficit transitório da perfusão cerebral.

Medicina (Ribeirão Preto) Simpósio: FUNDAMENTOS EM CLÍNICA CIRÚRGICA - 2ª Parte2008; 41 (4): 437-48. Capítulo II

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3- CLASSIFICAÇÃO

A classificação do choque circulatório é útil,particularmente, para fins didáticos, e baseia se, emgeral, no principal mecanismo desencadeante, embo-ra se deva reconhecer que, em várias situações, pos-sam coexistir dois ou mais mecanismos na gênese e/ou na evolução do choque.

Considerando se que, na sua essência, o siste-ma circulatório pode ser reduzido a um circuito hidro-dinâmico simples, composto por um conjunto de vasosatravés dos quais um fluido é bombeado, desenvolveuse uma classificação ampla e simples do choque cir-culatório, em três grandes grupos, denominados hipo-volêmico, cardiogênico e distributivo. Essa deno-minação pressupõe que o mecanismo deflagrador dochoque tenha sido, respectivamente, a redução abruptado volume circulante, a insuficiência cardíaca agudaou um profundo desajuste do tônus vascular e/ou damicrocirculação. Por conveniência, e ainda com basena etiopatogenia, a cada um deles acrescentaram seduas ou mais subdivisões, discriminadas a seguir.

3.1- Choque hipovolêmíco

Conforme o componente do fluido intravascu-lar perdido, subdivide se em dois grandes grupos:

• Hemorrágico: perda sangüínea quer para omeio interno (por exemplo, hemotórax), quer para omeio externo.

• Não hemorrágico: diarréia, poliúria, quei-maduras extensas, desidratação.

3.2- Choque cardiogênico

Decorrente de disfunção miocárdica (infarto domiocárdio, miocardiopatias, contusão cardíaca, etc.).

• Obstrução da via de saída ventricular: porexemplo, embolia pulmonar a cavaleiro.

• Restrição ao enchimento ventricular: porexemplo endomiocardiofibrose, pericardite constritivae tamponamento cardíaco.

• Distúrbios do ritmo cardíaco: por exem-plo, bradi ou taquiarritmias.

• Disfunção valvar: avançada.

Figura 1: Representação esquemática da evolução do choque circulatório.

HIPOPERFUSÃO

Musculaturaesquelética

Fadiga respiratória

GastrointestinalTranslocação bacteriana,

hemorragia digestiva

PulmonarSARA, hipoxia, hipercapnia,

hipertensão pulmonar

Alterações dacoagulação

CIVD

CoraçãoFalência cardíaca,

arritmias

CerebralAlterações daconsciência

HepáticaDist. Coag. Hipoprot.,

colestase, elevação datransaminase

RenalInsuficiência renal(necr. tub. aguda)

Alterações imunológicasSíndrome da respostainflamatória sistêmica

Síndrome da disfunção demúltiplos órgãos Morte

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3.3- Choque distributivo

• Toxêmíco: desencadeado por processos in-flamatórios intensos (septicemia, traumas, queimadu-ras graves e pancreatite necro hemorrágica).

• Anafilático: deflagrado por reações inflama-tórias secundárias a reações antígeno anticorpo.

• Neurogênico: determinado por abolição ouredução acentuada do tônus vasomotor por disfunçãocentral.

• Farmacológico: quando conseqüente à açãodireta de agentes químicos exógenos.

O leitor verifica que, na classificação apresen-tada, não se encontra o choque traumático, um dosmais freqüentemente vistos nos grandes núcleos ur-banos e nos confrontos armados. Essa ausência ex-plica se por mesclarem se na sua etiopatogenia váriosfatores, concomitantes ou não, dentre os quais a per-da volêmica, o trauma tissular, a dor intensa e a conta-minação de ferimentos com sepse subseqüente.

Na presença de ferimento cardíaco ou pleuro-pulmonar, o choque traumático pode ser, rapidamente,

fatal, devido tanto a tamponamento cardíaco determi-nado por acúmulo de sangue no saco pericárdico, oque é mais freqüente, ou por pneumotórax hipertensivo,com compressão não só mediastinal e, portanto, docoração e das grandes veias que a ele se conectam,mas também do pulmão contralateral.

4- FISIOPATOLOGIA

As alterações cardiovasculares e o quadro clí-nico do choque embasam se em muitos mecanismosfisiopatológicos, imbricados entre si, conforme expos-to na Figura 2, e que se expressam em intensidadevariável, culminando com o aparecimento de hipoper-fusão orgânica, quase sempre, associada à intensa hi-potensão arterial.

Apesar da hipoperfusão tissular poder ser de-tectada e avaliada pelo exame clínico cuidadoso e se-riado, é usual considerar a pressão arterial sistêmica avariável clínica mais significativa tanto no diagnósticoquanto na evolução do choque circulatório. Isso nãosignifica que outras variáveis cardiocirculatórias deavaliação até mais simples, por exemplo, freqüência e

Figura 2: Eventos fisiopatológicos básicos do choque circulatório.

Disfunção cardíaca:Sistólica ou diastólica

Hipovolemia Perda do tônussimpático

Substâncias vasoativasmediadoras: bradicinina,

leucotrienos, etc

Pd2f do VE e VDLei de Frank-Starling

Retornovenoso

Vasodilatação:Arterial e venosa

Outros efeitossistêmicos

Congestão pulmonare sistêmica:

PVC-PAE-PCP

Resoluçãodo débitocardíaco

Depressãomiocárdica

Hipoperfusão Hipotensão

Choque CardiogênicoChoque Séptico

Choque HipovolêmicoChoque Séptico

Choque Traumático Choque Neurogênico

Choque AnafiláticoChoque Farmacológico

Choque SépticoChoque Traumático

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intensidade do pulso arterial periférico, sejam menosimportantes, ou que certas variáveis de obtenção maiselaborada, como a pressão venosa central ou o índicecardíaco, sejam menos informativas, mas sim, que amedida da pressão arterial, desde muito cedo, passoua ser reconhecida por médicos e, principalmente,paramédicos, como um sinal de alarme, na avaliaçãode pacientes em estado crítico, uma vez que se viacomo habitual e menos preocupante a aceleração dosbatimentos cardíacos, comumente presente em mui-tos outros estados mórbidos agudos.

Em que pese considerar que a lesão orgânicaprogressiva determinada pelo choque circulatório de-corra, na verdade, de insuficiente fluxo sangüíneotecidual para prover nutrientes e eliminar escóriascelulares e que a maioria das unidades de terapia in-tensiva conte com suporte laboratorial para acompa-nhar as alterações metabólicas e gasométricas decor-rentes do choque, é preciso, no entanto, compreender,com clareza, as alterações hemodinâmicas subjacentes,mesmo porque, é de sua readequação, por meio dediferentes agentes terapêuticos que, em geral, se con-seguirá reajustar o quadro hemodinâmico, com a so-brevivência do paciente.

Na Figura 3A observa se, esquematicamente,a redução do sistema circulatório a um circuito hidro-dinâmico simples, constituído de uma bomba (cora-ção), que propulsiona o sangue através de um tubo,

representativo de toda rede vascular, e que interliga aaorta ascendente com o átrio direito.

Com base na analogia existente na Figura 3, Ae B, pode se considerar que o coração tem funçãosemelhante à do gerador de corrente elétrica, conquan-to a rede vascular, representada pelo tubo, correspon-de à fiação interposta entre os dipolos do gerador. Apli-cando se a lei de Ohm (V = Ri) ao diagrama apresen-tado em C, e substituindo se na equação, o gradienteelétrico (V), pela diferença de pressão entre a raiz daaorta (PAo) e o átrio direito (PAD), e a corrente elé-trica (i), pelo volume sangüíneo ejetado pelo coraçãopor unidade de tempo, denominado volume minuto cir-culatório (VMC), obtém se a equação [1]:

(PAo PAD) = Resistência x VMC 1

Como estamos nos referindo à circulação sis-têmica, o valor da resistência corresponde à resistên-cia vascular sistêmica (RVS), daí surgindo a fórmula[2]:

(PAo PAD) = RVS x VMC 2

Dada a ordem de grandeza da pressão na raizda aorta, muito superior à da existente no átrio direito,pode se simplificar o termo à esquerda da equação,substituindo-o, simplesmente, pelo valor da pressão naraiz da aorta (PAo) [3]:

PAo = RVS x VMC 3

Figura 3: Esquema simplificado do aparelho circulatório (A); da vazão de fluidos por tubo e secção circular (B); e de um circuitoelétrico simples (C).

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O VMC corresponde, por sua vez, à multipli-cação do volume sangüíneo ejetado por sístole (VS)pela freqüência cardíaca (FC), conforme a fórmulaseguinte [4]:

VMC = VS x FC 4

Por essa razão, a fórmula [3] pode ser grafadacomo [5]:

PAo = RVS x VS x FC 5

O VS, por seu turno, corresponde à multiplica-ção do volume diastólico final (ou de enchimento) doventrículo esquerdo, por um fator representativo dacondição contrátil do miocárdío ventricular, comumentedesignado contratilidade miocárdica (CM), fato expres-so na fórmula [6]:

VS = VD x CM 6

Com base nessa informação, a fórmula [5] podeser modificada, obtendo se a fórmula [7]:

PAo = RVS x VD x CM x FC 7

Por outro lado, POISEUILLE, a partir de ex-perimentos com vazão de fluidos em tubulações rígi-das de secção circular transversa, como a esquemati-zada na Figura 3 B, elaborou a fórmula [8], represen-tativa do fluxo de fluidos por tubulações cilíndricas,análogas aos vasos sangüíneos.

(P1 _ P2) - π x R4

Fluxo = viscosidade 88 x L x µ

Transpondo se essa fórmula para o esquemada circulação representado na Figura 3, A, pode seentender o fluxo como representativo do fluxosangüíneo, ou, melhor dizendo, do volume minuto cir-culatório (VMC), ao passo que o gradiente de pres-são entre as extremidades do tubo seria, mais umavez, representado apenas pela PAo, obtendo-se en-tão, a fórmula [9]:

PAo x R4

VS x FC = viscosidade 9

8 x L x viscosidade

Isolando se a PAo à esquerda, chega se, final-mente, à fórmula da pressão arterial sistêmica [10],que passaremos a comentar.

VD x CM x FC x L x viscosidade x 8PAo = 10

R4 x π

Deve se atentar, inicialmente, para o fato deque o termo:

L x viscosidade x 8

R4

presente na fórmula [10], é a representaçãomatemática da resistência vascular sistêmica.

A fórmula [10] permite analisar os efeitos de-correntes da interação dos vários fatores responsá-veis pelas alterações pressóricas observadas no cho-que circulatório e, por esse motivo, deve ser de plenodomínio de todos os médicos interessados em tratarpacientes nessa condição clínica.

Deve se, em particular, observar fato muito sig-nificativo na fórmula [10], o de que o raio dos vasossangüíneos está elevado à quarta potência. Vale dizerque, se ocorrer vasodilatação com, por exemplo, du-plicação do calibre vascular, a pressão arterial deve-ria sofrer queda imediata, extremamente acentuada,da ordem de 16 vezes. Felizmente, essa resposta émuito amortecida pela deflagração de outros meca-nismos compensatórios, também reguladores da pres-são arterial, como o de retroalimentação a partir dosreceptores aórticos e carotídeos.

Diante do exposto, compreende se a grandeimportância de atentar para o estado de vasoconstriçãoou vasodilatação periférica nos estados de choque.Pela mesma razão, explica se serem as drogasvasoconstritoras tão potentes em reverter a hipoten-são arterial.

Em decorrência da ativação de circuitos deretroalimentação cardiovascular desencadeados pelahipotensão arterial, são necessários grande discerni-mento e ponderação ao proceder à analise da situa-ção hemodinâmica num determinado momento, sendomais prudente e prático observá la ao longo do tempo,à medida que se adotam medidas terapêuticas, procu-rando levar em consideração o comportamento domaior número possível de variáveis clínicas envolvi-das no controle da pressão arterial sistêmica.

No choque hipovolêmico, cuja fisiopatologia éde mais fácil entendimento, o fator desencadeanteprimordial, a redução aguda do volume intravascular,

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é detectado tanto pelos receptores cardíacos respon-sivos ao grau de distensão das câmaras atriais, comopelos baro e quimioreceptores aórticos e carotídeos, epelos corpúsculos renais justaglomerulares, deflagrandose complexa resposta neuroendócrina envolvendomaior produção de hormônio natriurético atrial,estimulação do sistema nervoso simpático e liberaçãode vasopressina pela hipófise, hormônio esse que, alémde efeito antidíurético, também é potente vasoconstritorarteriolar.

Como hipovolemia acaba se instalando em, pra-ticamente, todas as formas de choque circulatório, emrazão do seqüestro extravascular decorrente da redu-ção da pressão coloidosmótica do plasma e/ou peloaumento da permeabilidade capilar, essa complexaresposta neuroendócrina, é também compartilhadapelas demais formas de choque circulatório, e tem porfinalidade última garantir a perfusão do sistema ner-voso central e do coração, graças ao restabelecimen-to da volemia, à redistribuição do volume circulante eao aumento do rendimento cardíaco.

É preciso salientar a grande importância dequatro variáveis do metabolismo do oxigênio: a pres-são e a saturação arteriais sistêmicas e venosas mis-tas de oxigênio (paO2 e SaO2, e pvO2 e SVO2), asduas primeiras reflexivas da habilidade pulmonar emoxigenar o sangue, e as duas últimas demonstradorasdo balanço tecidual entre a oferta e o consumo tecidualde oxigênio. Valores de pvO2 e SvO2 inferiores, res-pectivamente, a 45mmHg e a 35%, são preocupantessinais de gravidade na vigência de oxigenação ade-quada do sangue arterial sistêmico, pois indicam gra-ve hipoperfusão com baixa oferta tecidual de oxigê-nio. Essa situação decorre de índice cardíaco baixo eacompanha se, também, pela elevação do lactato sérico,resultante da ativação do metabolismo anaeróbio.

A redução na perfusão do sistema nervoso cen-tral durante hipotensão grave causa também intensaestimulação direta do sistema nervoso simpático, co-mandando a liberação de adrenalina pela camada me-dular supra renal e de noradrenalina na intimidade devários tecidos, resultando em taquicardia, aumento doinotropismo cardíaco e vasoconstrição arterial e venosa.

A estimulação da secreção de renina pelas cé-lulas justaglomerulares renais resulta na maior forma-ção de angiotensina, que, além de vasoconstriçãoarteriolar, diminui a excreção renal de água e eletrólitosdevido à estimulação da secreção de aldosterona pelocórtex supra renal (Figura 4).

Cabe também considerar que a ativação do sis-tema reticuloendotelial desencadeada pela lesão

tecidual (infecção, traumatismo, queimadura, etc.)pode, por razões ainda a esclarecer, exacerbar se,deflagrando resposta inflamatória sistêmica ampliadae potencialmente fatal, atualmente conhecida comosíndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS).4,6

Essa síndrome caracteriza se por duas ou maisdas seguintes manifestações clínicas:

• Temperatura central > 38ºC ou < 36ºC• Freqüência cardíaca > 90bpm• Freqüência respiratória > 20resp/min• paCO2 < 32mmHg• Contagem de leucócitos > 12.000mm3 ou

< 4.000mm3, ou percentual de células imaturas (des-vio à esquerda) > 10%

A hipertermia, embora das manifestações maiscomuns, pode não ocorrer, sobretudo em idosos e nochoque avançado, situações essas que, geralmente,cursam com hipotermia sistêmica. Evidências devasculite, como petéquias cutâneas e conjuntivas,necrose de extremidades, tromboflebites e linfangites,podem ser detectadas em quadros infecciosos gra-ves. A taquicardia também é sinal freqüente, a nãoser quando obstada pela presença de distúrbios do sis-tema de condução intracardíaco. A hipotensão e si-nais explícitos de hipoperfusão, embora possam estarausentes quando o quadro se instala, levam, à medidaque o paciente piora, à oligúria ou mesmo anúria, àacidose láctica e à alteração do estado mental.

Na presença de sepse, a disfunção do órgãoalvo da infecção, como por exemplo a insuficiênciarespiratória, na pneumonia, pode mesclar se com aagressão dos mediadores da SRIS, ao mesmo tempoem que passam a se exprimir as demais manifesta-ções sistêmicas da síndrome. Destas, as mais comunssão a síndrome da angústia respiratória do adulto(SARA), a insuficiência renal, a disfunção do sistemanervoso central e a insuficiência hepática. Esta últi-ma, comumente, deve se ao desenvolvimento de he-patite transinfecciosa, nos casos de sepse, ou à sín-drome hepatorrenal, nas situações em que pareçainexistir quadro séptico.

Dentre os achados laboratoriais mais freqüen-tes, incluem se elevação de bilirrubinas e transamina-ses, bem como dos tempos de tromboplastina parcialativada, tempo de protrombina, de creatinina e de uréiaplasmáticas. Leucocitose com desvio à esquerda, ouleucopenia, trombocitopenia, hiperglicemia e acidosemetabólica são achados freqüentes. Nas fases iniciaisda disfunção respiratória surge hipoxemia associadaà hipocapnia, mas à medida que a disfunção pulmonarse acentua, instala se hipercapnia.

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Figura 4: Eventos desencadeados pelos mediadores inflamatórios da SRIS.

resposta ao estado de hipermetabolismo e da quedana pós carga por vasodilatação arteriolar, particular-mente se já iniciada a terapêutica de reposição volê-mica, com correção da hipovolemia.

A má perfusão tecidual explica se não somentepela hipotensão, mas também, e principalmente, poralterações na distribuição do fluxo sangüíneo no nívelda microcirculação4, de modo a interferir tanto nometabolismo tecidual quanto na auto regulação localdo fluxo sangüíneo. Obviamente, à medida que sur-gem disfunções orgânicas, inclusive cardíaca, sobre-tudo na presença de hipovolemia, há deterioração pro-gressiva do quadro clínico, com redução progressivado volume minuto cardíaco.

No choque anafilático, em particular, a degra-nulação de basófilos e mastócitos estimulada pelo com-plexo IgE-antígeno, previamente sensibilizado, liberahistamina, serotonina, enzimas proteolíticas e outrosmediadores, tais como leucotrienos e metabólitos davia da cicloxigenase que, em conjunto, deflagram umasérie de manifestações clínicas potencialmente letais.

Recentemente9, aventou se a hipótese, deno-minada "two hit", de que seriam necessários eventosagressores seqüenciais para desencadear se a SRIS,o primeiro dos quais iniciaria o processo inflamatórioe o segundo modularia a resposta inflamatória sistê-mica, tornando a desproporcional e exagerada.

Sabe se que as citocininas, sobretudo as inter-leucinas (IL-1 e IL 6), o fator de necrose tumoral,interferons e outras substâncias são mediadoreshumorais chaves na resposta inflamatória inicial. Es-ses mediadores, atuando juntamente com agentes ce-lulares, como os polimorfonucleares, macrófagos,monócitos e células endoteliais, ativam e recrutam di-versos outros sistemas que participam na resposta in-flamatória, dentre os quais destacam se a cascata decoagulação, a agregação e degranulação plaquetária,o sistema complemento, a ativação de mastócitos e osistema da bradicinina (Figura 4).

Embora a SRIS se acompanhe, quase sempre,de hipotensão, o débito cardíaco normalmente está au-mentado, sobretudo nas fases iniciais. Isso se dá em

Hipertensãopulmonar

Broncoespasmo Depressãomiocárdica Hipermetabolismo

Vasoconstriçãosistêmica e pulmonar Mediadores

Permeabilidadevascular

Agregação celularTrombose microvascular

Vasodilatação Hipotensão Hipovolemia

Má distribuição do fluxosangüíneo microvascular

Desproporção entreoferta e consumo de

O2 (Hipoperfusão)

Débito cardíaco

Síndrome da disfunçãode múltiplos órgãos

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QUADRO CLÍNICO

O choque circulatório, independentemente daetiologia, acompanha se de oligúria e hipotensão arte-rial (Figura 5). Esta última, dependendo do grau dehipovolemia presente, pode ser evidenciada apenas naposição ortostática. A pressão venosa central e a pres-são capilar pulmonar, que reflete o enchimento diastó-lico do ventrículo esquerdo, habitualmente, estão bai-xas, com exceção feita aos casos de choque por insu-ficiência com comprometimento cardíaco.

A hipotensão arterial é caracterizada por pres-são arterial sistólica inferior a 90mmHg ou mais de40mmHg abaixo da pressão arterial sistólica habitualdo paciente.

Nos casos de perda sangüínea expressiva, ahiperatividade simpática traduz se por pulsos finos,taquicardia, frialdade das extremidades, palidez cuta-neomucosa, sudorese e oligúria, constituindo o aumentoda diurese valioso indicador da melhora da perfusãotecidual, à medida que se repõe a volemia.

O nível de consciência costuma estar rebaixa-do nos pacientes com hipoperfusão grave do sistema

nervoso central (SNC), hipoxemia ou traumatismo crâ-nio-encefálico. Todavia, sobretudo nos politraumatiza-dos jovens, pode, pelo contrário, cursar com agitaçãopsicomotora, importante sinal de alerta para o médico.

Os achados laboratoriais refletem a hipoperfu-são tecidual, expressa por redução da pvO2 e da SvO2,acidose metabólica, elevação da creatinina plasmáticae rebaixamento dos níveis hematimétricos, nos casosde sangramento, ou em decorrência de reposição vo-lêmica não-sangüínea. O hematócrito, por outro lado,eleva-se quando a perda volêmica não envolve os ele-mentos figurados.

No choque por descompensação diabética, aintensa desidratação, o hálito e o odor cetônico da uri-na, juntamente com antecedentes diabéticos, apontamclaramente para o diagnóstico dessa grave condição.

O choque anafilático é caracterizado por bron-coespasmo, aumento da secreção da mucosa respi-ratória, laringoespasmo, vasoconstrição pulmonar,hipotensão, taquicardia, aumento da permeabilidadecapilar, síncope, convulsões, letargia, podendo compli-car se com coagulação intravascular disseminada.Somam-se, a estas, outras manifestações menos gra-

Hipotensão eHipoperfusão

AldosteronaSistema renina-angiotensina

(angiotensina II)Vasopressina

ADHReflexo barorreceptor

Reflexo quimiorreceptorResposta isquêmica SNC

Retenção hidrossalinaOligúria

Vasoconstrição arterial evenosa: palidez, pulso fino,colopso venoso, frialdade

Estimulação dosistema nervoso

simpático e adrenal

Aumento da volemia

Taquicardia

Contratilidademiocárdica

Aumento do débitocardíaco e da pressão

arterial

Figura 5: Resposta neuro hormonal à hipotensão arterial e à hipoperfusão do sistema nervoso central.

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Tabela I: Doses de administração, receptores envolvidos e efeitos das drogas vasoativas mais comumente utiliza-das*

Droga Dose ( µ/kg/min) Receptor predominan- Efeitotemente estimulado

Dopamina 1 3 Dopaminérgico Diurese2,5 a 6 β Aumento do VMC* e vasodilatação

> 6 α Vasoconstrição

Dobutamina 5 15 β Aumento do VMC e vasodílatação

Adrenafina < 0,03 β Aumento do VMC e vasodílatação0,03 0,15 α e β Misto

> 0,15 α Vasoconstrição

Noradrenalina 0,01 0,05 α e β Misto> 0,05 α Vasoconstrição

* Modificado de Wagner, B.K.J. - Drug monitoring In: Ayres, S.M.; Shoemacker, W.C.; Grenvik, A.; Holbrook, P.R.. - Textbook ofCritical Care, 3rd ed., Philadelphia, W.B., Saunders, 1995.

ves, como urticária, angioedema, eritema cutaneo-con-juntivo, lacrimejamento, náusea, vômito, diarréia, dorabdominal.

É preciso ter em conta que os sintomas podemocorrer dentro de segundos a minutos após a exposi-ção ao antígeno, e ter caráter bifásico, pois, algumashoras após o sucesso terapêutico inicial, podem res-surgir manifestações graves.

TRATAMENTO

O tratamento do choque visa, simultaneamen-te, à eliminação dos fatores desencadeantes e à nor-malização da perfusão tissular e da oferta tecidual deoxigênio.5,10.

O sucesso terapêutico depende, na maioria doscasos, da presteza, lucidez e agressividade com quese tomam medidas terapêuticas, particularmente areposição volêmica vital à otimização do enchimentoventricular, refletidas, na prática clínica, no ajuste finoda PVC e da PCP, pois o leitor deve sempre lembrarque o coração, como bomba motriz obediente à lei deFrank Starling, já abordada anteriormente, depende doenchimento diastólico ventricular para aumentar ovolume sistólico e, em decorrência, o volume minutocardíaco, na ausência de outros fatores estimulantesda contratilidade miocárdica.

Como lesões traumáticas graves podem, comfreqüência determinar choque traumático e morte,quando não tratadas adequadamente, tem se preconi-zado, e exigido, há vários anos, o treinamento de mé-

dicos traumatologistas e intensivistas em cursos espe-cíficos sobre o assunto.

No choque cardiogênico, o prognóstico é som-brio, com alta taxa de mortalidade, de 50 a 80%. Ca-bem nessa entidade métodos específicos de tentati-vas de salvamento do miocárdio isquêmico peri-infartoou mesmo localizado à distância, com angioplastiapercutânea, infusão de trombolíticos, revascularizaçãocirúrgica associada à contrapulsação aórtica, ou mes-mo implante de ventrículos artificiais de cunho defini-tivo ou como ponte para o transplante cardíaco.

A hipovolemia presente no choque séptico re-quer tática de reposição volêmica gradual, mediante ainfusão de alíquotas de 250 a 500ml de soluçãocristalóide ou colóide, a intervalos de 10 a 15min, Emrazão da depressão da função cardíaca que pode es-tar presente, é aconselhável a monitoração da pressãocapilar pulmonar mediante cateter de Swan Ganz. Apressão capilar pulmonar pode ser elevada até18mmHg, para otimizar a pré carga e, conseqüente-mente, o volume minuto cardíaco, desde que a pres-são coloidosmótica esteja normal, Ainda com vistas aotimizar a oferta tecidual de oxigênio, é prudente, alémde garantir a saturação da hemoglobina arterial sistê-mica, manter o hematócrito acima de 30%.

Quando a otimização da volemia é insuficientepara a normalização do quadro hemodinâmico, inici-am se drogas vasoativas, sendo as mais freqüente-mente utilizadas em nosso meio a dopamina, a dobu-tamina, a adrenalina e a noradrenalina, cujas doses eefeitos17 estão resumidos na Tabela I.

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A escolha da droga depende da experiênciapessoal do médico e da condição do paciente. Geral-mente, inicia se com dopamina em dose β-adrenérgica,podendo se elevar a taxa de infusão até se atingir efei-to α−adrenérgico. A dobutamina, em geral, é associa-da à dopamima quando são necessárias doses relati-vamente elevadas desta última, na tentativa de queseus efeitos inotrópicos sinérgicos possam melhorarainda mais o débito cardíaco.

Como primeira escolha, a utilização isolada dedobutamina é reservada aos pacientes normotensosou cuja hipotensão seja, apenas, discreta, após se terprocedido a reposição volêmica, e nos quais se desejaaumentar o débito cardíaco decorrente de indicativosde hipoperfusão orgânica (oligúria, lactato elevado,disfunção orgânica). Reservam-se a adrenalina e anoradrenalina para os casos em que, apesar da repo-sição volêmica e de doses máximas de dopamina edobutamina, permanecem a hípotensão e a hipoperfu-são. Em razão da vasoconstrição arteriolar esplâncni-ca, sobretudo renal, provocada por essas drogas, mui-tas vezes se lhes associa dopamina em dose dopami-nérgica, na tentativa de manter a perfusão renal.

Deve se atentar, por outro lado, à maximizaçãodo aporte de oxigênio pelos pulmões. Esta última me-dida requer pleno domínio da fisiologia respiratória,pois envolve imensa gama de medidas, desde a maissimples, a suplementação nasal de oxigênio até aintubação traqueal com ventilação mecânica, poden-do, alguns centros, até mesmo dispor de oxigenaçãoextracorpórea com oxigenador de membrana, nos ca-sos extremos.

Alguns advogam a hipercorreção da ofertatecidual de oxigênio, particularmente nos casos dechoque distributivo, recomendando manter-se o índi-ce cardíaco acima de 4,5l/min/m2 e o índice de ofertatecidual de oxigênio (DO2) acima de 600ml/min/m2, afim de que o índice de consumo de oxigênio (VO2)permaneça acima de 170ml/min/m2. 2,11,12

Todavia, não existe consenso acerca das variá-veis fisiológicas mais adequadas para avaliação daperfusão tecidual.10 A aferição da relação entre a ofer-ta e o consumo de oxigênio,11,12 assim como métodostonométricos para a aferição da pCO2 e do pH damucosa gastrointestinal,10,15 bem como métodos demedida do fluxo sangüíneo tecidual por espectroscopiapróxima ao infravermelho14 foram propostos.

O acompanhamento e correção dos distúrbioseletrolíticos e ácido básicos, sobretudo a acidose me-tabólica, são, entretanto, outras medidas práticas im-

portantes, a fim de propiciar melhores condiçõeshomeostáticas, essenciais às funções bioquímicas ce-lulares.

A nutrição adequada, preferencialmente por viaenteral, além de evitar a rápida desnutrição a que es-ses pacientes estão sujeitos, contribui para a vitalida-de da mucosa gastrointestinal, de modo a impedir oaparecimento de úlceras de estresse e a translocaçãobacteriana. Quando a nutrição enteral não puder serimplementada, cabe salientar a importância dos blo-queadores da secreção ácida do estômago, em quepese o efeito colateral facilitador da contaminaçãodesse órgão em decorrência da hipocloridria.

A diálise peritoneal ou a hemodiálise deve serimplementada sem perda de tempo quando a insufici-ência renal fugir do controle clínico.

A controvérsia quanto às soluções mais ade-quadas para a reposição volêmica, se colóides ou cris-talóides, persiste, sobretudo nos casos de choque trau-mático, pois parece não haver diferença entre elas noque se refere ao aparecimento de edema pulmonar,mortalidade e tempo de internação.3

Em vista dos custos elevados e dos riscos en-volvidos nas transfusões de sangue e derivados, atu-almente, tem se procurado racionalização de sua utili-zação,8,13 obedecendo os critérios resumidos no Qua-dro 1.

Todo o esforço deve ser feito para a erradicaçãoda infecção por meios clínicos e/ou cirúrgicos. Cate-teres vasculares, drenos e sondas suspeitos devem serretirados ou substituídos, sempre submetendo os aoexame microbiológico.

A investigação do(s) microrganismo(s), respon-sável (is) pela infecção é necessária para a instituiçãoda terapia antimicrobiaria. Caso aquela não traga sub-sídios, ou demore a ser obtida, deve se instituir antibi-oticoterapia de amplo espectro, levando se em consi-deração as disfunções orgânicas associadas, o localda infecção e o conhecimento das infecções hospita-lares mais comuns na instituição.

No choque anafilático, condição muito alarman-te e potencialmente fatal, em curto espaço de tem-po,16 deve se afastar imediatamente o agente desen-cadeante. Caso se trate de droga, interrompe se a in-fusão tão logo surjam sinais e sintomas sugestivos deanafilaxia. A terapêutica padrão inclui a administra-ção de adrenalina, anti histamínicos, bloqueadores H2e corticóides.

A adrenalina deve ser administrada na dose de0,3ml de solução 1:1000, no subcutâneo (0,01mcg/kg

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na criança), e repetida a intervalos de 15min, se ne-cessário, nos casos leves a moderados. Nos casos gra-ves, com hipotensão alarmante ou ausência de pulsopalpável, infundem se por via endovenosa até 3ml desolução de adrenalina a 1:10.000, nos adultos. Acessovenoso central e monitoração invasiva da pressão ar-terial são desejáveis na continuidade do tratamentodesses casos.

Anti histamínico (bloqueador H1) é iniciado emantido por, pelo menos, 48 horas. Em nosso meioestão disponíveis a prometazina, cuja dose é de 50mg,por via intramuscular, e a dextrocloroféniramina, nadose de 5mg, pela mesma via.

A ranitidina (bloqueador H2), na dose 50mg, porinfusão lenta, endovenosa, é útil nos casos de hipoten-são refratária à adrenalina e à reposição volêmica.

Embora corticosteróides não tenham efeito nafase aguda, faltem evidências clínicas consistentes,julga se que a hidrocortisona, na dose de 100 a 200mgIV, repetida a cada 6h, possa minorar a recorrênciadas manifestações.

No atendimento inicial é essencial manter asvias aéreas pérvias. Caso o edema de glote esteja pro-

vocando dificuldade respiratória grave, não responsivaàs medidas clínicas iniciais, impõe se intubação oro-traqueal. Se esta não for conseguida, recorre se àcricotireotomia ou à punção da cartilagem cricóideacom agulha calibrosa. A traqueostomia, por envolvermais riscos e complicações, deve ser protelada paradepois que uma dessas medidas já tiver sido executa-da e a situação esteja mais controlada.

A vasodilatação arterial e venosa, parte da res-posta anafilática, causa hipovolemia relativa que re-quer correção com infusão endovenosa de soluçãocristalóide (solução salina 0,9% ou de Ringer lactato)ou colóide. Caso a hipotensão persista após essa me-dida, inicia se infusão endovenosa contínua de adre-nalina (0,01mcg/kg/min), dopamina (> 6mg/kg/min) ounoradrenalina (2 a 3mcg/min).

O broncoespasmo resistente à adrenalina e antihistaminicos pode melhorar com nebulização com β2 -agonista ou infusão endovenosa de aminofilina, na dosede 5mg/kg, infundida em 30min, e seguida da infusãocontínua de 0,3 a 0,9mg/kg.

Pacientes porventura em uso de β−bloqueado-res podem não responder satisfatoriamente à admi-

Quadro 1. Critérios para transfusão de hemoderivados no tratamento do choque*

Critérios para a transfusão de concentrado de hemácias

1. Pacientes de alto risco para eventos isquêmicos (AVC, infarto agudo do miocárdio, etc.) Hemoglobina inferior a6g/dl usualmente necessária; 6 a 10g/dl depende da condição do paciente; superior a 10g/dl raramente neces-sária.* Taquicardia e hipotensão não corrigidas por reposição volêmica, pvO2, inferior a 25mmHg, extração de O2superior a 50% e VO2 inferior a 50% do basal geralmente é necessária.

Critérios para a transfusão de plasma fresco congelado1. Perda sangüínea igual ou maior que uma volemia.2. Definitivamente indicada para perda superior a 150% da volemia.Quando a deterioração da hemostasia normal é antecipada ou se torna evidente, a rápida infusão de 4 a 5 unidadesde plasma fresco deve ser utilizada, no adulto, ou 4 unidades para cada 6 de concentrado de hemácias.- O TTPa e TP só têm valor se 1,5 vez maiores que o esperado e associados a sangramento anormal.- Devido à alta concentração de citrato deve se monitorar o cálcio plasmático.

Critérios para a transfusão de crioprecipitadoGeralmente, suficiente fibrinogênio é reposto com a transfusão de plasma fresco, devendo reservar se a transfusãode crioprecipitado quando se documenta hipofibrinogenemia.

Critérios para a transfusão de concentrado de plaquetas1. Como o surgimento de plaquetopenia é imprevisível, deve se monitorar a contagem de plaquetas.2. A contagem plaquetária deve ser mantida acima de 50.000 durante operações de grande porte, todavia tem se

recomendado que em pacientes com extensos traumas de alta energia a contagem seja mantida acima de 100.000.- Geralmente utilizam se de 8 a 12 unidades para um adulto de 75kg.

*Baseado em Simon TL et al. Practice parameter for the use of red blood cell transfusions: developed by the Red BIoodCeIl Administration Practice Guideline Development Task Force of the College of American Pathologists. Arch pathol lab med,122: 130-8, 1998.

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nistração de adrenalina. Nesse caso, recorre se àatropina, se houver bradicardia e broncoespasmo per-sistentes. A administração de glucagon, cujas açõesnão dependem de receptores P, na dose de 1 a 5mgIV, durante 1min, seguido da infusão contínua de 1 a5mg/h, pode ser útil.

Antibióticos β-lactâmicos, alimentos, picadas deinsetos e contrastes radiológicos são os veículos maiscomumente implicados na gênese do choque anafilá-tico. Por essa razão, deve se sempre investigar a ex-posição pregressa a esses agentes e a ocorrência dereações prévias a eles.

Vicente WVA, Rodrigues AJ, Silva Júnior JR. Circulatory Shock. Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (4): 437-48.

ABSTRACT: Practical physiological aspects of both the cardiovascular and the circulatorysystem, which help to give an insight into the hemodynamic abnormalities that underlie the differentsymptoms of circulatory shock, are presented. Furthermore, basic therapeutic methods for thetreatment of circulatory shocks are discussed.

keywords: Shock. Shock/diagnosis. Circulatory Shock.

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Recebido para publicação em 20/08/2008

Aprovado para publicação em 23/10/2008