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O futuro que advm.

A evoluo e a f crist segundo Teilhard de ChardinGeorge CoyneF e cincia: um dilogo em construo E mais:>>

John Haught

Evoluo e o futuro infinitamente expansivo

ngela de Castro Gomes: Vargas inverteu o jogo do poder quando se matou>>

304ISSN 1981-8469flash.indd 1

Ano IX 17.08.2009

Jacques ArnouldO Cristo csmico

Paulo Nodari: A sociedade ps-metafsica

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O futuro que advmO universo inteiro est em evoluo afirma John Haught. Segundo ele, Teilhard de Chardin foi um dos primeiros cientistas no sculo passado a reconhecer que todo o cosmos, e no apenas as fases da vida e da existncia humana, uma histria importante. Sobre a evoluo da Terra j trouxe a esfera da matria (geosfera) e da vida (a biosfera). Agora se est criando a esfera da mente/ esprito (a noosfera). Para entender melhor a genial e peculiar viso de Pierre Teilhard de Chardin sobre a evoluo do cosmos, na viglia do IX Simpsio Internacional Ecos de Darwin, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos IHU, nos dias 9 a 12 de setembro, na Unisinos, a revista IHU On-Line desta semana, alm do professor John Haught, da Universidade de Georgetown, EUA, entrevistou Jacques Arnould, dominicano francs, doutor em Cincias e em Teologia, George Coyne, matemtico, astrnomo e jesuta norte-americano, Ludovico Galleni, cientista italiano, Lus Miguel Sebastio, professor da Universidade de vora, Portugual, Paul Schweitzer, matemtico e professor da PUC-Rio, Pedro Guimares Ferreira, doutor em Engenharia de Sistemas e Computao e professor na PUC-Rio, e Waldecy Tenrio, professor da PUCSP. Esta edio foi feita em parceria com o Centro de Teologia e Cincias Humanas (CTCH) da PUC-Rio. Completam esta edio as entrevistas com a historiadora ngela Maria de Castro Gomes, sobre a Era Vargas, no ms em que se lembram os 55 anos da morte de Getlio, com teloga ecofeminista Mary Judith Ress, com o desembargador do Rio Grande do Sul, Aramis Nassif, sobre o tema Poder Judicirio e segurana pblica - o dogma da responsabilidade, e com Paulo Nodari, professor da Universidade de Caxias do Sul UCS, sobre a sociedade ps-metafsica. A todas e todos uma tima leitura e uma excelente semana!

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Expediente

IHU On-Line a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos IHU Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. ISSN 1981-8769. Diretor da Revista IHU On-Line: Incio Neutzling ([email protected]). Editora executiva: Graziela Wolfart MTB 13159 ([email protected]). Redao: Mrcia Junges MTB 9447 ([email protected]) e Patricia Fachin MTB 13062 ([email protected]). Reviso: Vanessa Alves ([email protected]). Colaborao: Csar Sanson, Andr Langer e Darli Sampaio, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores CEPAT, de Curitiba-PR. Projeto grfico: Bistr de Design Ltda e Patricia Fachin. Atualizao diria do stio: Incio Neutzling, Greyce Vargas ([email protected]) e Juliana Spitaliere. IHU On-Line pode ser acessada s segundas-feiras, no stio www.unisinos. br/ihu. Sua verso impressa circula s teras-feiras, a partir das 8h, na Unisinos. Apoio: Comunidade dos Jesutas - Residncia Conceio. Instituto Humanitas Unisinos - Diretor: Prof. Dr. Incio Neutzling. Gerente Administrativo: Jacinto Schneider ([email protected]). Endereo: Av. Unisinos, 950 So Leopoldo, RS. CEP 93022-000 E-mail: [email protected]. Fone: 51 3591.1122 ramal 4128. E-mail do IHU: [email protected] - ramal 4121.

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Leia nesta edioPGINA 02 | Editorial

A. Tema de capa Entrevistas PGINA 06 | Jacques Arnould: Teilhard e a redescoberta da noo de Cristo csmico PGINA 09 | George Coyne: F e cincia: um dilogo em construo PGINA 11 | John Haught: Evoluo e o futuro infinitamente expansivo PGINA 17 | Ludovico Galleni: Teilhard e o mover-se para a complexidade, a vida, a conscincia PGINA 20 | Lus Miguel Sebastio: Teilhard de Chardin: um anti-Darwin PGINA 23 | Paul Schweitzer: Teilhard de Chardin: a natureza como um caminho para Deus PGINA 26 | Pedro Guimares Ferreira: O Ponto Omega da evoluo: Cristo ressuscitado PGINA 29 | Waldecy Tenrio: Literatura e teologia: Teilhard de Chardin, Saint-Exupry e a terra dos homens

B. Destaques da semana Entrevista da Semana PGINA 34 | ngela Maria de Castro Gomes: Vargas inverteu o jogo do poder quando se matou Teologia Pblica PGINA 37 | Mary Judith Ress: O crescimento do ecofeminismo na Amrica Latina Coluna Cepos PGINA 39 | Nadia Helena Schneider: Expectativas e possibilidades da TV digital na educao Destaques On-Line PGINA 42 | Destaques On-Line

C. IHU em Revista Eventos PGINA 44| Aramis Nassif: O dogma da responsabilidade PGINA 45| Paulo Csar Nodari: Sociedade ps-metafsica PGINA 49| Sala de Leitura IHU Reprter PGINA 50| Luiz Fernando Medeiros RodriguesSO LEOPOLDO, 17 DE AGOSTO DE 2009 | EDIO 304

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Pierre Teilhard de Chardin: uma biografiaPierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, na Frana, em 1 de maio de 1881 e faleceu em Nova Iorque, aos 10 de abril de 1955. Padre jesuta, telogo, filsofo e paleontlogo francs, Chardin conhecido por construir uma viso integradora entre cincia e teologia. Criado em uma famlia profundamente catlica, Chardin entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Aix-en-Provence, no ano de 1899, e para o juniorado em 1900, em Laval. Teve que deixar a Frana e os seus estudos prosseguiram na ilha de Jersey, Inglaterra, onde cursou Filosofia e Letras. Licenciou-se neste curso em 1902. Entre 1905 e 1908, foi professor de fsica e qumica no colgio jesuta da Sagrada Famlia do Cairo, no Egito, onde teve oportunidade de continuar suas pesquisas geolgicas, iniciadas na Inglaterra. Seus estudos de teologia foram retomados em Ore Place, de 1908 a 1912. Ordenou-se sacerdote em 1911. Entre 1912 e 1914 cursou paleontologia no Museu de Histria Natural de Paris. Foi a sua porta de entrada na comunidade cientfica. Durante seus estudos teve a oportunidade de visitar os stios pr-histricos do noroeste da Espanha, entre eles, a Caverna de Altamira. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi carregador de maca dos feridos e depois capelo em diversas frentes de batalha. Passada a Guerra, retomou os estudos em Paris, onde obteve o doutorado em 22 de maro de 1922, na Universidade de Sorbonne. Em 1920, tornara-se professor de geologia no Instituto Catlico de Paris. Em 1922, escreveu Nota sobre algumas representaes histricas possveis do pecado original, que gerou um dossi pela Santa S, acusando-o de negar o dogma do pecado original. Teve que assinar um texto que exprimia este dogma do ponto de vista ortodoxo e foi obrigado a abandonar a ctedra em Paris e embarcar para Tianjin na China. Este fato marcar uma nova etapa da sua vida: o silncio sobre temas eclesiais e teolgicos que duraria o resto da sua vida. Em Pequim, realizou diversas expedies paleontolgicas, e, em 1929, participou da descoberta e estudo do sinantropo - o homem de Pequim. Tambm realizou pesquisas em diversos lugares do continente asitico, como o Turquesto, a ndia e a Birmnia. Em Pequim, escreveu sua obra prima: O Fenmeno Humano. Em 1946, retornou a Paris. Seus textos mimeografados continuavam a circular e suas conferncias lotavam os auditrios. Foi convidado a lecionar no Collge de France. Entre 1949 e 1950, deu cursos na Sorbonne que geraram a obra O grupo zoolgico humano. Em 1950 foi eleito membro da Academia de Cincias do Instituto de Paris. Teilhard de Chardin faleceu em 10 de abril de 1955, num domingo de Pscoa, em Nova Iorque. Obras de Teilhard de Chardin Cartas a Lontine Zanta (traduo em portugus - Lisboa: Moraes Editores, 1967) Cartas de Viagem (traduo em portugus - Lisboa: Portugalia, 1969) Cartas do Egipto (traduo em portugus - Lisboa: Moraes Editores, 1967) Cincia e Cristo (traduo em portugus - Petrpolis: Vozes, 1974) O Fenmeno Humano (traduo em portugus So Paulo: Cultrix, 1986) Hino do Universo (traduo em portugus So Paulo: Paulus, 1994) O Lugar do Homem no Universo (traduo em portugus Lisboa: Instituto Piaget, 1997) O Meio Divino (traduo em portugus So Paulo: Cultrix, 1981) A Minha F (traduo em portugus Lisboa: Ed. Notcias, 2000) Reflexes e Oraes no Espao-Tempo (traduo em portugus Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1978) Sobre a Felicidade / Sobre o Amor (traduo em portugus Campinas: Verus, 2005)

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Teilhard e a redescoberta da noo de Cristo csmicoO que parece extraordinrio em Teilhard de Chardin, na opinio de Jacques Arnould, sua f inquebrantvel, sua confiana encarniada no movimento da vida, na aventura humanaPor Graziela Wolfart | traduo Benno dischinGer

A

o falar sobre o legado de Teilhard de Chardin para nossos dias, o dominicano Jacques Arnould declara que retm de Chardin primariamente o mpeto de confiana que ele tem com o mundo das cincias e das tcnicas, juntamente com a exigncia que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia. E completa: Confiana e lucidez, curiosidade e esprito crtico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder. Arnould reflete sobre a atualidade do cientista e jesuta e considera que o dia em que nossa humanidade no contar mais com homens e mulheres da tmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, ento a humanidade estar prxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos j estiveram em risco de ter lugar no passado; mas tambm estou persuadido que nossa poca nos lana um mesmo desafio. O dominicano Jacques Arnould engenheiro agrnomo, doutor em Histria das Cincias e em Teologia. Ele tem como reas de interesse em suas pesquisas as relaes entre as cincias, culturas e religies, mantendo particular interesse por dois temas: os seres vivos e sua evoluo, o espao e sua conquista. Consagrou vrios livros e artigos de histria e teologia ao primeiro tema. Com relao ao segundo tema, desde 2001, trabalha como responsvel pela misso no Centro Nacional de Estudos Espaciais (Centre National dEtudes Spatiales) na dimenso tica, social e cultural das atividades espaciais. autor de numerosos artigos e livros entre os que destacamos La Thologie aprs Darwin (Cerf, 1998); Quelques pas dans lunivers de Teilhard de Chardin (Aubin, 2002); e Pierre Teilhard de Chardin (Perrin, 2005). igualmente autor dos Cadernos Teologia Pblica, nmero 22, de 15/09/2006, intitulado Terra Habitvel: um desafio para a teologia e a espiritualidade crists, e disponvel no link http://www.ihu. unisinos.br/uploads/publicacoes/edicoes/1158328626.04pdf.pdf. Confira a entrevista. IHU On-Line - Qual a importncia e atualidade de Teilhard de Chardin neste cenrio de crise financeira e ambiental que estamos vivendo? Jacques Arnould - Eu devo confessar que jamais pensei particularmente em Teilhard de Chardin nesta poca de crise financeira. , sem dvida, uma falha, na medida em que esta crise poderia marcar uma ruptura importante na histria da humanidade... Mesmo se, at o presente, eu tenha antes a impresso de que os governos, os responsveis polticos e econmicos tenham procurado impedir esta ruptura. No tenho nenhuma competncia para falar sobre isso, mas, como a maioria das pessoas, sou realmente obrigado a reconhecer que o mundo est em chamas, para retomar uma palavra que no de Teilhard, mas de Teresa de vila. At onde possvel manter sistemas econmicos fundados exclusivamente no progresso, no nico sempre mais? Ento, se eu tivesse que evocar o pensamento de Teilhard nesse contexto, eu antes me perguntaria: tem ele realmente algo a nos dizer, ele que estava to convencido do progresso geral do mundo? Paradoxalmente, creio que sim. IHU On-Line - Quais os caminhos que Chardin indica para a sada da crise ecolgica e da crise de valores (morais, cristos) em que se encontra a humanidade hoje? Jacques Arnould - , com efeito, em relao aos valores, que as obras de Teilhard de Chardin merecem, sem dvida, serem relidas e sua prpria existncia ser redescoberta (pois eu no posso separar a vida da obra do pensamento deste homem). Ele tambm vivenciou diversas crises, diversas rupturas mundiais; no esqueamos que ele nasceu na Frana, em 1881, e morreu em Nova York, em 1955. Ele atravessou, portanto, duas guerras mundiais, a Grande Crise de 1929 etc. O que parece extraordinrio nele sua f inquebrantvel, sua confiana encarniada no movimento da vida, na aventura humana. Ele jamais se refugia na retaguarda, mas corre aos postos avanados, ao front, persuadido de que um futuro sempre possvel e que este futuro deve necessariamente ser melhor que o presente. No para cada indivduo, mas ao menos falando glo-

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balmente. Porque Teilhard v as coisas em nvel macro, no que ele esquea as pessoas (ele tem tantos amigos!), mas sua viso sempre elevada: ele considera sempre as vagas sucessivas da evoluo, da histria. IHU On-Line - Como se d a relao entre Filosofia, Teologia e Cincia em Teilhard de Chardin? Jacques Arnould - Eu no ignoro os embaraos e questes de Teilhard com as autoridades romanas; mas tambm no iria at o ponto de dizer que ele seja um exemplo perfeito das relaes a promover entre a filosofia, a teologia e a cincia. No certo que Teilhard j tivesse escolhido a atitude mais pastoral e mais lcida, em todo o caso, certamente no a mais prudente. Este um assunto sobre o qual haveria muitas coisas a dizer e a debater, principalmente entre os amigos de Teilhard e aqueles que menos o apreciam... Mas, de Teilhard eu retenho primariamente o mpeto de confiana que ele tem com o mundo das cincias e das tcnicas, juntamente com a exigncia que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia. Ele viveu no meio dos cientistas, fez a numerosos amigos; tomou posio nos debates cientficos, sob o risco de se enganar e de defender causas perdidas; mas, nessa poca, ningum ps em causa a qualidade de seu engajamento no seio desse mundo. Vale o mesmo para o meio teolgico: ele s tinha, todavia, amigos e, no entanto, no cessou de esperar dos intelectuais cristos que eles levassem a srio o mundo das cincias e as questes que este ento levantava... e que ainda levanta. Confiana e lucidez, curiosidade e esprito crtico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder. IHU On-Line - Qual a atualidade das frases de Teilhard no tenhais medo e tenha confiana na vida diante dos avanos tecnolgicos contemporneos? Jacques Arnould - Voc tem razo: a mensagem de Teilhard se inscreve na linha daquela de Pscoa e prefigura as primeiras palavras do pontificado de Joo Paulo II. No tenhamos medo, tenhamos

confiana nesta vida que vem de to longe, de uma dimenso to profunda, para nos soerguer e que nos ultrapassar bem aps nosso desaparecimento. Teilhard sempre esteve entusiasmado pelos progressos tecnolgicos, sujeito a lhe faltar um pouco de lucidez. Mas, no esqueamos que ele morreu em meados do sculo XX; raros eram, ento, os que comeavam a distinguir os possveis malefcios das tcnicas modernas. Einstein, que morreu no mesmo ano que ele, tinha, apesar de tudo, visto e denunciado os danos da bomba atmica; Teilhard s tinha visto as proezas tecnolgicas das pilhas nucleares. Talvez seja preciso aliar o entusiasmo de Teilhard (eu no falaria necessariamente de sua confiana) e a lucidez crtica de Einstein para abordar atualmente as realizaes tecnolgicas antes de falar de progresso.

mesma forma como o Catecismo da Igreja Catlica partir da criao a caminho, de aperfeioamento em aperfeioamento. Mas Teilhard constata e deplora um excesso de mal, incompreensvel; ele fala de um caminho de cruz. No penso que tenhamos avanado mais do que ele, tanto no bem como no mal. No que me diz respeito, no me sinto vontade com os discursos que pretendem que a humanidade jamais tenha sido to perversa, etc. No pequemos por orgulho, pretendendo ser piores do que nossos predecessores. IHU On-Line - Por que o senhor acha que Teilhard se encantaria com a Internet? Jacques Arnould - Ouvi muitas vezes, como voc, que Teilhard poderia ser considerado como o profeta da Internet. Digamos ao menos que ele viu nascer uma conscincia humana planetria. Ele prprio percorreu o mundo, graas a meios de transporte cada vez mais eficazes (embora jamais tenha realmente apreciado o avio), e conheceu os primeiros passos da noosfera. Ele pensou, ento, que a humanidade iria viver uma nova etapa, a da noosfera, da qual ele, sem dvida, teria reconhecido uma bela realizao na prtica da Internet. Alis, por que no fazer dele o santo padroeiro? IHU On-Line - Podemos vislumbrar um futuro de esperana, com um rosto humano, ou at de um Deus csmico, para o cenrio de crise atual? Jacques Arnould - No sei se podemos entrever o que quer que seja. Ns somos os responsveis por esta crise; sua sada est, pois, em parte, em nossas mos (pois sabemos tambm que h processos realmente j lanados, que no controlamos mais). a ns que cabe a tarefa, no de entrever, mas de dar a esta crise uma fisionomia humana, ou melhor, de orient-la para Deus. Para tal, preciso, sem dvida, sair do discurso que s pensa no que seria preciso FAZER; absolutamente necessrio interrogar-se sobre o que ns queremos SER. Isso no fcil, pois no algo que se regula a golpes de plano econmico, nem mesmo de grandes slogans, do estilo desenvolvimento sustentvel etc. E ns temos tal pavor

Talvez seja preciso aliar o entusiasmo de Teilhard e a lucidez crtica de Einstein para abordar atualmente as realizaes tecnolgicas antes de falar de progressoIHU On-Line - Qual o sentido do mal e do sofrimento para o ser humano contemporneo? Teilhard teria a mesma f no fenmeno humano atual? Jacques Arnould - Por que a posio, ou a f, como voc diz, de Teilhard teria mudado? Voc pensa que nosso mundo seria hoje mais (ou menos) marcado pelo sofrimento do que aquele de Teilhard? Pessoalmente, no o creio. Foi com frequncia censurado a Teilhard o fato de parecer ignorar a existncia do mal, do sofrimento dos humanos. Ele tenta dar-lhes uma explicao, um sentido ao termo de seu livro O fenmeno humano. Ele fala do carter finito, limitado, imperfeito do mundo em evoluo, da

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de nos interrogar sobre a fisionomia que gostaramos de dar humanidade de amanh! Preferimos de tal modo permanecer onde estamos, persuadidos de que todos os problemas se resolvero, que tudo voltar a ser como antes... Sinceramente, ainda possvel acreditar nisso? IHU On-Line - Pensando no dilogo entre Teilhard e Darwin, qual a atualidade da ortognese, defendida por Teilhard em relao evoluo humana? Jacques Arnould - Devo confessar que sempre tive dificuldade para compreender exatamente o que Teilhard entendia por ortognese1. Ser uma direo fixada, determinada da evoluo? Sem dvida, no. Mas ento, que lugar deixar ao acaso? Teilhard, parece-me, no deixou ideia precisa, digamos definitivamente fixada. Acaso, finalidade, determinismo, contingncia: essas so questes amplamente debatidas no seio da comunidade cientfica e alm da mesma. Elas no esto muito distantes da questo to clssica em filosofia: por que existe algo antes do que nada? preciso que permaneamos modestos em nossas respostas, ao mesmo tempo em que claros a propsito do registro no qual nos situamos. De um ponto de vista teolgico, creio que a criao determinada, j que ela est imersa na vontade criadora de Deus; mas, do ponto de vista cientfico, s posso constatar a presena de processos aleatrios. Por trs desta questo, esconde-se aquela da possibilidade (ou da impossibilidade) para um esprito humano de apreender o decurso do tempo, o sentido da histria... na medida em que ele prprio est nisso mergulhado! IHU On-Line - Como podemos atualizar hoje, em nosso contexto, a ideia de Cristo csmico levantada por Teilhard de Chardin? Jacques Arnould - A voc evoca uma contribuio extremamente im1 Ortognese: evoluo ortogentica ou evoluo progressiva; a hiptese de que a vida tem uma propenso inata para se mover (evoluir) de modo linear (para um objetivo pr-definido) devido a alguma fora motriz interna ou externa. (Nota da IHU On-Line)

Teilhard, este homem com os ps ao vento, j percorreu este caminho sua maneira. Resta-nos inventar, cada um de ns, o nossoportante da obra de Teilhard: a de ter redescoberto a noo de Cristo csmico. Ela era familiar aos padres da Igreja, mas a tradio ocidental se reduziu muito frequentemente questo da salvao das almas, esquecendo que existe o cosmos. Dito isso, as cincias modernas do atualmente ao cosmos tais dimenses, que se torna quase assustador pensar de um ponto de vista humano e cristo: o que somos ns na escala do universo, espacial e temporal? Teilhard tem realmente razo de lhes exigir abrirem sua f nas dimenses do Universo. Mas isso , ao mesmo tempo, um pouco assustador, no? Seria preciso que nos habitussemos pouco a pouco, passo a passo. IHU On-Line - Em sua opinio, a partir da vida e do pensamento de Chardin, como seria a nossa Terra e nossa humanidade se ns perdssemos a f? Jacques Arnould - A f em qu? Em Deus, no homem, na vida? O que extraordinrio, no pensamento de Teilhard, que tudo est a para que ele mergulhe na depresso (ele era, alis, depressivo), no pessimismo; mas, sua vontade e sua f so mais fortes. Por vezes at surpreendente v-lo se debater, autopersuadir-se: ele no pode acreditar que o mundo seja sem finalidade, sem sada; e ento ele decide crer... e age em consequncia. certo que o dia em que nossa humanidade no contar mais com homens e mulheres da tmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, ento a humanidade estar prxima de seu fim. Estou convencido que tais mo-

mentos j estiveram em risco de ter lugar no passado; mas tambm estou persuadido que nossa poca nos lana um mesmo desafio. IHU On-Line - Como se d, em Teilhard de Chardin, a relao entre Cosmognese,2 Biognese,3 Noognese,4 e Cristognese? Jacques Arnould - Esta viso, toda teilhardiana, evidentemente continua sendo mais filosfica e teolgica do que cientfica. Ela literalmente grandiosa, maneira dos relatos bblicos que falam da criao. Ela por vezes at esquece a questo do mal, do fracasso possvel, do sofrimento. Mas coloca um elemento fundamental da f crist: o sentido do mundo se encontra sempre mais frente, na figura do Cristo, primeiro ressuscitado, imagem perfeita de Deus, em quem se recapitular toda a histria do Universo. Encontramos o No tenhais medo!: devemos admitir no poder compreender tudo desde agora, mas podemos, no obstante, inserir nossos pensamentos, nossos desejos, nossa f, nosso amor a qualquer coisa, muito mais em Algum que est diante de ns. Teilhard, este homem com os ps ao vento, j percorreu este caminho sua maneira. Resta-nos inventar, cada um de ns, o nosso.

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>> Jacques Arnould j concedeu outra entrevista IHU On-Line: * Cientista, mstico e poeta publicada na IHU On-Line, nmero 140, de 09-05-2005, disponvel no link http://www.ihuonline.unisinos.br//uploads/edicoes/1158268345.05pdf.pdf.

2 Cosmognese se refere ao surgimento e evoluo do cosmo. J foram propostas diversas teorias que tentam explicar a origem do Universo, tanto no contexto cientfico (cosmologia e astrofsica), quanto por parte das religies e na mitologia. (Nota da IHU On-Line) 3 Biognese uma hiptese biolgica segundo a qual a matria viva procede sempre de matria viva. O primeiro passo na refutao cientfica da abiognese aristotlica foi dado pelo italiano Francesco Redi, que em 1668, provou que larvas no nasciam em carne que ficasse inacessvel s moscas, protegidas por telas, de forma que elas no pudessem botar l seus ovos. (Nota da IHU On-Line) 4 Noognese o termo utilizado pelo telogo, filsofo e cientista francs Teilhard de Chardin para descrever o nascimento e a evoluo da mente humana. (Nota da IHU On-Line)

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F e cincia: um dilogo em construoSegundo George Coyne, Chardin reconhecido por todos os cientistas como um dos maiores pensadores cientficos de todos os temposPor mrcia JunGes e Patrcia fachin | traduo ana Paula Penkala

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eilhard de Chardin, ao estabelecer o dilogo entre f e cincia, viu que somos co-criadores do Universo, to desejado por Deus, que temos uma sria responsabilidade para com toda a criao divina e que a nossa prpria derradeira salvao intimamente ligada forma como ns amamos esse Universo. A posio defendida pelo jesuta, matemtico e astrnomo norte-americano George Coyne, em entrevista concedida, por e-mail, IHU On-Line. Segundo ele, a evoluo do Universo contnua e ainda est em curso. O Universo frtil deu luz um contedo biolgico para o Universo que os neodarwinistas da evoluo estudam mais detalhadamente, mas sempre tendo como pano de fundo o Universo evolutivo em uma escala cosmolgica, completa. Dedicado tambm aos estudos do darwinismo, Coyne diz ainda que a relao entre f e cincia melhorou. Cientistas e religiosos tentam compreender os princpios que regem as diferentes reas, contudo, assegura, o maior obstculo para o dilogo o fundamentalismo nas comunidades religiosas. Coyne foi diretor do Observatrio do Vaticano durante 28 anos. Em 2009, recebeu o prmio Van Biesbroeck da Associao Americana de Astronomia por relevantes servios prestados. Defensor do darwinismo, Coyne trabalha com o dilogo entre f e cincia, na Universidade do Arizona, localizada na cidade de Tucson, Estados Unidos. Confira a entrevista.

HU On-Line - Quais so as maiores influncias de Charles Darwin sobre Teilhard de Chardin? George Coyne - No sei de qualquer influncia direta. No entanto, Teilhard certamente se moveu da anlise puramente cientfica de Darwin, mas respeitando-a, para um domnio mais teolgico, ou melhor, mais mstico. IHU On-Line - Como Darwin e Chardin contribuem para o dilogo entre f e cincia? George Coyne Ambos deram grandes contribuies, tanto negativas como positivas. Negativas: Darwin foi visto pela maioria dos cristos como desafiador de seus tradicionais pontos de vista da criao do Universo por Deus e tudo que est nele. Teilhard era reconhecido por pisar longe demais da cincia, e por ficar no terreno teolgico ou mstico, confundindo os dois setores do conhecimento humano: a cincia e a religio. Positivo: Ambos foram pio-

neiros no dilogo. Darwin desafiou os cristos a examinar suas crenas religiosas em virtude da cincia moderna. Teilhard levou a cincia a srio e intuiu o quanto ela poderia ser profcua para a pessoa crente. IHU On-Line - Qual a novidade de Chardin na aproximao que promove entre f e cincia? George Coyne - Teilhard, intuitivamente - no cientificamente - viu que o melhor que a cincia poderia oferecer, para quem acredita, o ato de reforar a sua f e tambm de desafila. Mas a f o maior desafio. IHU On-Line - Pensando num dilogo entre esses dois pesquisadores, qual a atualidade da ortognese defendida por Teilhard em relao teoria da evoluo? George Coyne A ortognese, segundo Chardin, primitiva demais. O DNA, por exemplo, veio depois de seu tempo. Devemos evitar comparar Darwin

e Chardin com conceitos fundamentais da cincia atual, pois eles no tinham nenhum dos conhecimentos cientficos que temos hoje. Cada um tinha suas vises, certas ou erradas, mas no podemos julgar esses insights. IHU On-Line - Quais os caminhos que Chardin indica para a sada da crise ecolgica e da crise de valores em que se encontra a humanidade hoje? George Coyne - Para mim essa uma das grandes idias de Teilhard. quase como se ele antecipasse nossas atuais crises. Ele viu que somos cocriadores do Universo, to desejado por Deus, e que temos uma sria responsabilidade para com toda a criao divina, e que a nossa prpria derradeira salvao intimamente ligada forma como ns amamos esse Universo. IHU On-Line - Como a concepo de universo frtil que o senhor sustenta se relaciona com a teoria da evoluo e com as ideias de Chardin?

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Muitos jesutas, como aqueles no Observatrio do Vaticano, so tanto cientistas profissionais como bem formados em Filosofia e Teologia. Isso certamente contribui para avanar o dilogo cincia-f

IHU On-Line - Poderia explicar por que o universo frtil a evoluo em escala cosmolgica, e a evoluo neodarwiniana ocorre na escala biolgica? George Coyne - O Universo inteiro - fsico, qumico, biolgico, mesmo, se voc desejar, espiritual, um deles. A evoluo do Universo tem sido contnua e est ainda em curso. Somos nascidos da poeira de estrelas, uma vez que a abundncia qumica para nos fazer veio das estrelas. O Universo frtil deu luz um contedo biolgico para o Universo que os neodarwinistas da evoluo estudam mais detalhadamente, mas sempre tendo como pano de fundo o Universo evolutivo em uma escala cosmolgica. IHU On-Line - O senhor se diz otimista quanto ao futuro da relao entre cincia e religio. Que avanos percebe nesse dilogo? E que obstculos persistem? George Coyne - Vejo uma melhor apreciao das crenas religiosas entre os cientistas. Vejo tambm um aumento da nsia entre telogos para compre-

IHU On-Line - Os jesutas tm uma longa tradio cientfica, assim como os agostinianos. Como essa particularidade facilita o dilogo f e cincia? George Coyne - Muitos jesutas, como aqueles no Observatrio do Vaticano, so tanto cientistas profissionais como bem formados em Filosofia e Teologia. Isso certamente contribui para avanar o dilogo cincia-f.

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>> Sobre Coyne, o stio do IHU j publicou algumas notcias. Confira. A substituio do astrnomo do Vaticano. Darwinista demais?. Publicada nas Notcias do Dia, em 26-08-2006 e disponvel em http:// www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_not icias&Itemid=18&task=detalhe&id=597; Jesuta afirma que caso existam, os extra-terrestres tambm seriam filhos de Deus. Publicada nas Notcias do Dia, em 26-08-2006 e disponvel no link http://www.ihu.unisinos.br/index. php?option=com_noticias&Itemid=18&task=deta lhe&id=598; Universo frtil. Entrevista com George Coyne. Publicada nas Notcias do Dia, em 05-07-2009 e disponvel no endereo eletrnico http://www. ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias& Itemid=18&task=detalhe&id=23663.

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ParticiPe do ihu ideias.

George Coyne - Muito j foi conhecido pela cincia desde Teilhard, mas suas ideias so apoiadas por aquilo que sabemos agora. O Universo antigo e tem muitas estrelas. Durante milhares de anos essas estrelas esto suprindo o Universo com os ingredientes qumicos para a vida. O Universo frtil para a vida. Que tal fertilidade tenha produzido vida - as origens dela - ainda mistrio. Teilhard viu isso como um Universo no apenas destinado vida, mas para a vida em Cristo - o ponto Omega, por Chardin. A cincia congruente com a viso da Teilhard - eu no disse que o apoia.

ender melhor cincia. O maior obstculo para o dilogo o fundamentalismo nas comunidades religiosas. IHU On-Line - Disposto a desfazer o mal-entendido entre f e cincia, Chardin foi mal-entendido por ambas. Qual a sua reputao hoje, nesses dois campos? George Coyne - Claro, ele reconhecido por todos os cientistas como um dos maiores pensadores cientficos de todos os tempos. Ele menos suspeito entre os crentes religiosos conforme eles amadurecem para compreend-lo melhor.

nas quintas-feiras, das 17h30min s 19h, na sala 1G 119 - ihu.17/8/2009 18:28:34

Evoluo e o futuro infinitamente expansivoPara Teilhard, matria e esprito so termos que se referem propriamente no a substncias distintas, mas a tendncias na evoluo do Universo, defende John HaughtPor Graziela Wolfart e mrcia JunGes | traduo ana Paula Penkala

A

inda hoje no h melhor lugar para a teologia crist para iniciar uma conversa com Darwin sobre Deus do que olhando para sntese da evoluo e da f por Teilhard. Essa a compreenso do telogo norte-americano John Haught, que aceitou conceder a entrevista que segue IHU On-Line, por e-mail, sobre Teilhard de Chardin. Haught defende que, para Teilhard, religio a forma pela qual o Universo, agora que atingiu o nvel de autoconscincia, continua a sua eterna busca por seu derradeiro Centro e Meta. Portanto, a religio, em vez de ser uma oposio evoluo, essencial para o seu futuro. John Haught ainda acrescenta que teologicamente falando, nos termos de Teilhard, o que est realmente acontecendo no cosmos que Deus est se tornando cada vez mais encarnado (...) e o mundo est explodindo para cima de Deus. Para Teilhard, a evoluo est ocorrendo, fundamentalmente, no simplesmente por acaso e por determinismo cego (...), mas porque Deus se aproxima do mundo e o convida a novos nveis de existncia, respeitando sua espontaneidade ao mesmo tempo. Haught professor de Teologia da Universidade de Georgetown, Estados Unidos, e membro snior do Woodstock Theological Center. Graduado em Filosofia pela St. Marys University, de Baltimore, mestre e PhD. pela Catolic University of America, Washington, com a tese Foundations of the hermeneutics of eschatology. autor de inmeros livros, dentre os quais destacamos Deeper than Darwin: the prospect for religion in the age of evolution (Boulder, Colo: Westview Press, 2003); Purpose, evolution and the meaning of life (Ontario: Pandora Press, 2004); Is nature enough: meaning and truth in the age of science (Cambridge: Cambridge University Press, 2006) e Christianity and science (Maryknoll: Orbis Press, 2007). Em portugus, leia Deus aps Darwin. Uma teologia evolucionista (Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2002). Confira a entrevista. IHU On-Line - Qual a atualidade de Teilhard de Chardin para os campos da cincia e da f? John Haught - Teilhard trouxe uma nova e profunda contribuio ao estudo da Natureza. Ele colocou o que chamamos de mente ou reflexo de volta no Universo, considerando que muito do pensamento moderno assumiu que mente e experincia subjetiva no so realmente parte do mundo natural. Considerando a relao da religio com a cincia, as vantagens que vm de colocar a mente num continuum com a Natureza no podem ser exageradas. Uma vez que a mente retornou ao seu lugar apropriado na Natureza, dois dos maiores desafios que a religio enfrenta numa era da cincia comeam a se dissolver. O primeiro deles o desafio religio, colocado pelo mecanismo-materialismo, uma viso das coisas que Teilhard exps, na melhor das hipteses, como uma abstrao til. O segundo a questo de como pensar a ao divina no mundo da Natureza. Ao reconhecer que a subjetividade humana um contnuo com toda a histria do Universo, Teilhard percebeu que no h uma clara separao de matria do domnio da mente ou esprito. Assim, a ao de Deus (a quem as religies identificam como o epteto do esprito) no mundo fsico possvel porque as coisas do Universo nunca foram separveis da conscincia e do esprito. No existe tal coisa como um domnio essencialmente negligente de matria inerentemente fechado influncia de Deus. Para Teilhard, matria e esprito so termos que se referem propriamente no a substncias distintas, mas a tendncias na evoluo do Universo. Matria designa a inclinao das entidades de escorregarem para a condio de multiplicidade e disperso que constituem as primeiras etapas do processo csmico, ao passo que o esprito representa a propenso

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dos seres a convergir para a unidade complexa e diferenciada em torno de um centro ou uma meta. Essa meta , em ltima instncia, o que os cristos chamam de Deus. Deus age no universo, trazendo unidade multiplicidade representada pelo termo matria. Essa convergncia para Deus o que est acontecendo nas profundezas da evoluo. IHU On-Line - De que forma a obra de Chardin compatibiliza a f crist e a cincia moderna? John Haught - Teilhard pensa sobre o Deus da evoluo no como acima, mas como frente. Deus vem ao mundo vindo do futuro. Apenas pela mudana para uma perspectiva futurista, cheia de esperana, o pensamento cristo pode ligar o Deus promissor da f bblica com a cincia e, especialmente, nova imagem da vida por Darwin. O Universo, como implica a evoluo, ainda est por ser. um trabalho em progresso, e, por enquanto, ele permanece inacabado. Ele continua a ser traado para o futuro pelo poder atrativo de um Deus que cria o mundo oferecendo-lhe novas possibilidades de tornar-se mais - ou seja, oportunidades para modos de existncia mais intensos e valorosos. Como cientista, Teilhard aceita a evoluo darwinista, mas purgada de qualquer interpretao materialista. A histria evolutiva em que a totalidade da criao sofre uma transformao de modos de existncia mais simples para os mais complexos carrega um significado profundo de que a f crist pode iluminar e, assim, inspirar a f crist no nosso tempo. O Deus de evoluo cria continuamente um novo mundo no por empurrar as coisas do passado para frente, mas desenhando o mundo em direo a um novo futuro dali em diante. O futuro a principal morada de Deus. Apesar de Deus abraar presente e passado, Ele mais poderosamente eficaz agora abrindo todas as coisas para um futuro infinitamente rico. Deus est intimamente envolvido em cada momento presente exatamente por abrir esse momento para um novo futuro. O mundo repousa sobre esse futuro, Teilhard diz, como o

seu nico apoio. Aqui, as reflexes de Teilhard permanecem muito prximas ao entendimento bblico de Deus como aquele que promete. Ele acrescenta, porm, que na era da cincia, temos que perceber que a promessa de Deus no apenas para Israel, a Igreja e a histria humana, mas tambm para todo o Universo. A derradeira explicao da evoluo a vinda (ou advento) de Deus para o mundo de um futuro infinitamente expansivo. IHU On-Line - Quais das ideias de Teilhard de Chardin so as mais instigantes e visionrias em ambos os pontos de vista? John Haught - Podemos resumir as ideias mais importantes e visionrias de Teilhard assim:

Deus age no universo trazendo unidade multiplicidade representada pelo termo matria. Essa convergncia para Deus o que est acontecendo nas profundezas da evoluo1) O universo inteiro est em evoluo. Teilhard foi um dos primeiros cientistas no sculo passado a reconhecer que todo o cosmos, e no apenas as fases da vida e da existncia humana, uma histria importante. Sobre a evoluo da Terra j trouxe a esfera da matria (geosfera) e da vida (a biosfera). Agora se est criando a esfera da mente/esprito (a noosfera). 2) Existe uma clara orientao para a histria csmica. Apesar da bvia curva, o carter de arbusto ramificado da evoluo da vida, o universo como um todo claramente se moveu na direo da complexidade organizada crescente. O processo j passou

pelas fases pr-atmica, atmica, molecular, unicelular, multicelular, dos vertebrados, dos primatas e dos humanos. Durante essa viagem, manifestou uma intensificao mensurvel de complexidade organizada. (Quem pode negar que o crebro humano infinitamente mais complexo em sua organizao que um tomo ou clula?) Podemos apenas cogitar aonde a evoluo csmica ir agora tomar alguma tendncia futura para complexificar. Mas j vemos a complexificao comeando a tomar espao em escala global. Tecnologias emergentes, redes de comunicao, sistemas educativos e econmicos etc. esto provocando um novo tipo de complexidade organizacional na Terra, a noosfera. Teilhard no viveu para ver a Internet, mas as suas ideias claramente anteciparam esse tipo de desenvolvimento. 3) Durante o curso da evoluo, a conscincia continua crescendo em proporo direta ao aumento da complexidade fsica organizada. Teilhard chama isso de lei da ComplexidadeConscincia. A grosso modo, conforme a matria se tornou mais complexa em sua organizao, a percepo [conhecimento] e, eventualmente (especialmente em ns, humanos) autopercepo [autoconhecimento] surgiu. E no h razo para suspeitar que a lei da Complexidade-Conscincia, tendo atingido o nvel da conscincia humana, v agora ser suspensa. IHU On-Line - No que consiste a evoluo na concepo de Chardin? H muitas diferenas em relao a Darwin? Quais seriam essas diferenas? John Haught - Teilhard aceita a viso darwinista de que, a partir de uma perspectiva cientfica convencional, a evoluo envolve o jogo de azar e o mecanismo de seleo natural cega operando sobre um enorme espao de tempo. Mas em um nvel mais profundo, algo mais importante est acontecendo, algo que a biologia darwiniana ignora. Teologicamente falando, nos termos de Teilhard, o que est realmente acontecendo no cosmos que Deus est se tornando cada vez mais encarnado (um ponto testemunhado especialmente pelos ensinamentos cris-

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tolgicos), e o mundo est explodindo para cima de Deus. Para Teilhard, a evoluo est ocorrendo, fundamentalmente, no simplesmente por acaso e por determinismo cego - embora isso possa ser tudo o que conseguimos ver, em um nvel cientfico -, mas porque Deus se aproxima do mundo e o convida a novos nveis de existncia, respeitando sua espontaneidade ao mesmo tempo. Diferentemente de Darwin e evolucionistas materialistas contemporneos, Teilhard no podia separar evoluo de um princpio divino de criatividade e cuidado que permite a novidade emergente e garante a meritoriedade do devir do mundo. Em ltima anlise, a vida, o esforo humano e o processo csmico seriam um absurdo, separados de um eterno princpio de criatividade e cuidado que inspira o processo csmico e salva o mundo do absoluto perecimento. Algo grande est em vigor no cosmos s porque este est intimamente relacionado com a vida de Deus. Para Teilhard, o cosmos a matriz da complexidade emergente, da vida, da conscincia, da personalidade e do esprito. Esses resultados so possveis, porm, em ltima instncia, por causa de uma influncia divina operativa em um nvel de realidade profundo demais para a cincia comum entender. Teilhard ainda permite que Deus seja, em certo sentido, alterado por aquilo que acontece no mundo, sem que isso diminua, de forma alguma, a perfeio divina. Ele concorda com a tradio teolgica que diz que Deus auto-suficiente, mas ele prope que o Universo contribui com algo que absolutamente necessrio [para Deus]. IHU On-Line - Quais so as principais proposies darwinianas que influenciaram Chardin? John Haught - A receita para a evoluo darwinista constituda por trs componentes principais: acidentes, seleo natural e tempo profundo. Teologicamente, Teilhard est completamente confortvel, realmente entusiasmado, com esta explicao darwinista dos resultados evolutivos. Ou o prprio Darwin teria aceitado que o acolhimento religioso da evoluo por Teilhard duvidoso. importante lembrar, no en-

Como cientista, Teilhard aceita a evoluo darwinista, mas purgada de qualquer interpretao materialistatanto, que o Deus que Darwin eventualmente renegou foi o muito limitado criador divino de William Paley1 e da teologia natural do sculo XIX, no o Deus bblico do futuro no qual Teilhard acreditava. Teilhard estava muito impressionado com a notvel consonncia entre a evoluo e o sentido bblico do Deus que est chegando. O quadro geral da sua teologia da evoluo uma f crist cheia de esperana, especialmente como expressa nas cartas de So Paulo. Essa viso religiosa compatvel com a cincia e a biologia evolutiva contempornea de Darwin, embora ela olhe para a vida de uma outra perspectiva que no a da cincia. As ideias de Teilhard realmente pareciam demasiado darwinianas para o Vaticano enquanto ele estava vivo. Ele no obteve permisso da Igreja para publicar o Fenmeno Humano e muitos outros escritos sobre f e evoluo, mas uma reao defensiva da evoluo ainda prevalece no catolicismo oficial durante a primeira metade do sculo XX. Consequentemente, as ideias de Teilhard sobre a evoluo e o cristianismo pareciam demasiado ousadas para os seus censores eclesisticos. Funcionrios da Igreja ficaram especialmente preocupados que um entendimento evolucionrio do surgimento da humanidade prejudicaria os ensinamentos cristos sobre o pecado original. Hoje, a sombra da desconfiana sob a qual alguns catlicos eclesisticos anteriormente colocaram Teilhard quase desapareceu, exceto entre os devotos mais reacionrios da espiritualidade pr-Vaticano II. Na verdade, os documentos promulga1 William Paley (1743-1805): telogo e filsofo britnico, autor da obra Natural Theology. Argumentou que a complexidade e adaptaes dos seres vivos eram prova da interveno divina na criao. (Nota da IHU On-Line)

dos pelo Conclio Vaticano II claramente contm o carimbo da teologia evolucionria dos gelogos jesutas. Em minha opinio, portanto, ainda hoje no h melhor lugar para a teologia crist para iniciar uma conversa com Darwin sobre Deus do que olhando para sntese da evoluo e da f por Teilhard. Aqui o que sobressai , em primeiro lugar, a recusa de Teilhard de proteger o pensamento cristo de um contato prximo com a cincia evolutiva e, em segundo lugar, o seu sentido da necessidade de expandir e aprofundar a nossa compreenso de Deus em harmonia com a descoberta da cincia do drama da vida e do crescimento da imagem do cosmos pela astronomia, uma impresso que aumentou a trancos e barrancos desde a poca de Darwin. Mentes teologicamente tmidas ainda consideram a ampliao do Universo por Teilhard, e seu correspondente alargamento do conceito de Deus, como quase herticos, mas Teilhard no mais inovador e controverso do que muitos outros pensadores cristos foram em suas prprias pocas. Por exemplo, Justino,2 Orgenes,3 Irineu de Lyon,4 Gregrio de Nissa,5 Agostinho de Hipona,6 Toms de Aquino7 e2 Justino (aproximadamente 105-165): filsofo cristo, tentou colocar a filosofia platnica e algumas doutrinas esticas a servio dos dogmas do cristianismo. (Nota da IHU On-Line) 3 Orgenes (aproximadamente 185-254): mestre catequista na Alexandria e discpulo de So Clemente. Criador de um sistema filosfico-teolgico no qual o cristianismo se apresentava como a culminncia da filosofia grega. (Nota da IHU On-Line) 4 Ireneu de Lyon, ou Ireneu de Lio (130-202 d. C.): padre da igreja, telogo e escritor cristo, considerado santo pelas igrejas Catlica Romana e Ortodoxa. Seu dia comemorado, pela primeira vez no ano, em 28 de junho, e pela segunda em 23 de agosto. (Nota da IHU On-Line) 5 So Gregrio de Nissa (330-395): telogo, mstico e escritor cristo. Padre da Igreja e irmo de Baslio Magno, faz parte, com este e com Gregrio Nazianzeno, dos assim denominados Padres Capadcios. (Nota da IHU OnLine) 6 Aurlio Agostinho (354-430): conhecido como Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho, bispo catlico, telogo e filsofo. considerado santo pelos catlicos e doutor da doutrina da Igreja. (Nota da IHU On-Line) 7 Toms de Aquino (1227-1274): frade dominicano e telogo italiano, considerado santo pela Igreja. Um de seus maiores mritos foi introduzir o aristotelismo na escolstica anterior. A partir de So Toms, a Igreja tem uma teologia (fundada na revelao) e uma filosofia (baseada no exerccio da razo humana) que se fundem numa sntese definitiva: f e razo.

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muitos outros foram todos bastante ousados em suas prprias tentativas de dar sentido ao cristianismo em suas prprias definies culturais e histricas. Para Teilhard, o contexto intelectual de qualquer teologia crvel hoje moldado principalmente pela cincia e, sobretudo, pela evoluo. Ento o que necessrio teologicamente uma profunda reinterpretao do ensino cristo sobre Deus, Cristo, criao, encarnao, redeno e escatologia em sintonia com o desvelamento de Darwin da longa evoluo da vida e divulgao da cosmologia contempornea da contnua expanso dos cus. O primeiro passo para a necessria reviso teolgica, porm, distinguir a cincia evolutiva da cincia do materialismo filosfico que aleijou o pensamento-mundo [mundo pensado por] de tantos cientistas darwinistas desde muito antes da poca de Teilhard e que persiste hoje. Teilhard est convencido de que a evoluo no redutvel a uma reorganizao dos tomos ao longo do tempo, e ele teria rejeitado a alegao de Richard Dawkins8 de que, no fundo, a evoluo redutvel a um rio de genes flutuando cegamente de uma gerao para a seguinte. Embora Teilhard aceite o fato de que tomos esto sendo embaralhados e genes esto fluindo em evoluo, ele est conNascido numa famlia nobre, estudou filosofia em Npoles e depois foi para Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de questes filosficas e teolgicas. Seus interesses no se restringiam religio e filosofia, mas tambm alquimia, tendo publicado uma importante obra alqumica chamada Aurora Consurgens. Sua obra mais famosa e importante a Suma Teolgica. (Nota da IHU On-Line) 8 Clinton Richard Dawkins (1941): zologo, etlogo, evolucionista e popular escritor de divulgao cientfica britnico, natural do Qunia, alm de professor da Universidade de Oxford. conhecido principalmente pela sua viso evolucionista centrada no gene, exposta em seu livro O gene egosta, publicado em 1976. O livro tambm introduz o termo meme, o que ajudou na criao da memtica. Em 1982, ele realizou uma grande contribuio cincia da evoluo com a teoria, apresentada em seu livro O Fentipo Estendido, de que o efeito fenotpico no se limita ao corpo de um organismo, mas sim de que o efeito influncia no ambiente em que vive este organismo. Desde ento escreveu outros livros sobre evoluo e apareceu em vrios programas de televiso e rdio para falar de temas como biologia evolutiva, criacionismo, religio. Ele tambm defende e divulga correntes como o atesmo, ceticismo e humanismo. (Nota da IHU On-Line)

vencido de que algo muito mais significativo tambm est ocorrendo em um nvel mais profundo da evoluo, um grande drama que aqueles que foram iniciados apenas no mundo do materialismo cientfico simplesmente no sero capazes de ver. IHU On-Line - H influncias de Chardin no conceito que o senhor desenvolve de teologia evolucionista? John Haught Encontrei, pela primeira vez, as ideias de Teilhard de Chardin no incio dos meus vinte anos, logo aps o Conclio Vaticano II, cujo avano nos documentos as prprias ideias do famoso gelogo jesuta ajudaram a moldar. Inmeras pessoas no mundo todo se animaram com suas ideias na poca do Conclio, e fui cativado tambm. Posso atribuir minha deciso de me tornar telogo e, mais tarde,

dada, que pinta Deus como uma eterna presena, como Ser imutvel, vertical e hierarquicamente acima e fora do mundo do devir. Depois de Darwin, no entanto, o mundo criado parece mais uma casa numa acepo bblica, uma sintonia com a intuio abramica e do incio do cristianismo que a derradeira realidade se torna no presente como um futuro sempre se renovando. O sentido teilhardiano de que o Universo repousa sobre o futuro como o seu nico apoio fundamental para a minha prpria teologia da evoluo. IHU On-Line - Para Chardin, Deus faz as coisas fazerem a si mesmas. Seria esse o pilar fundamental da criao contnua? John Haught A criao pode ocorrer de trs formas. Existe criao original, claro, mas h tambm criao contnua e nova criao. Criao contnua significa que Deus d existncia permanente ao mundo. E a nova criao, que tradicionalmente aponta em direo re-criao do mundo no fim dos tempos, implica que as formas sem precedentes de existncia podem continuar aparecendo no decorrer da histria natural. Portanto, a ideia de que a Natureza possa dar origem a novos tipos de ser durante a passagem do tempo jamais deveria ter sido perturbadora para os cristos. A ideia de que o mundo pode mudar dramaticamente, e que a vida de algum modo evolui, antiga. Santo Agostinho (354430) props que os novos tipos de vida passam a existir durante o curso do tempo terrestre a partir de princpios sementes semeados pelo Criador no incio. Hoje, normal a teologia crist reconhecer que a criao de novos seres ainda est acontecendo. Deus no apenas aquele que inicialmente cria e, posteriormente, sustenta a existncia do mundo, mas tambm aquele que faz novas todas as coisas (Isaas 42:9; Apocalipse 21:5). Uma vez que a criao ainda no est concluda, um considervel espao doutrinal se mantm na tradio teolgica para acomodar as provas cientficas da descendncia com modificao da vida por meio da seleo natural. A maioria dos cristos educados cientificamente no enxerga qualquer conflito entre a ideia

Teilhard no viveu para ver a Internet, mas as suas ideias claramente anteciparam esse tipo de desenvolvimentomeu entusiasmo por tomar parte nas discusses da cincia e religio contemporneas em grande medida a este aventuroso pensador cientista e religioso. Com o passar dos anos, a inadequao de qualquer grande pensador se tornou mais visvel, e Teilhard no exceo. Mas que ele tem permanente relevncia em vrias reas, no tenho dvidas. O mais importante para mim que Teilhard busca substituir a viso de mundo materialista em que muitos darwinistas acreditam pelo que poderia ser chamado de uma viso de mundo futurista no qual o que realmente real vem para o campo da nossa viso apenas enquanto olhamos para frente, em direo a uma unificao dos elementos csmicos dispersos no futuro de Deus. Essa antiga compreenso crist da criao como se movendo em direo futura renovao muitas vezes se perdeu durante os longos sculos da teologia platonicamente mol-

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darwinista de ascendncia comum e a doutrina teolgica de contnua e nova criao. Os crentes no tm de escolher entre ascendncia evolutiva e Deus. Na verdade, a ideia de ascendncia comum como tal no precisa implicar qualquer diminuio no poder de Deus para criar. Pense no Criador como trazendo existncia um mundo que pode, por sua vez, dar origem espontaneamente nova vida e conveniente diversidade e, eventualmente, aos seres humanos. A evoluo, nesse caso, o desdobramento do engenho do Deus-dotado do mundo original. O divino Criador de um to autocriativo mundo muito mais impressionante e, por conseguinte, digno da reverncia e gratido humanas do que um designer que molda e microadministra tudo diretamente. O ponto no que Deus faz as coisas, mas que Deus faz as coisas se fazerem, como Charles Kingsley,9 Pierre Teilhard de Chardin, Frederick e outros pensadores religiosos colocaram. A teologia no tem geralmente se oposto crena de que a criao propriamente dita pode continuar criando, no modo de causalidade secundria. Mesmo no Gnesis, Deus diz: Produza a terra seres viventes, conforme a sua espcie: animais domsticos, rpteis e animais selvticos, segundo a sua espcie. E assim se fez. (Gnesis 1:24). Deus a causa subjacente, mas Ele trabalha por meio da legalidade e espontaneidade da Natureza. IHU On-Line - Qual o espao da tica nesse mundo de criao contnua? John Haught - A fim de agir de forma responsvel, no suficiente saber s o que est acontecendo localmente, mas tambm no Universo como um todo. Analisar cuidadosamente o que foi acontecendo no largo Universo antes do surgimento dos humanos pode fornecer, pelo menos, as diretrizes gerais para o que ns deveramos estar fazendo agora eticamente. O homem moderno, infelizmente, tem tentado ser tico sem procurar mais profundamente por orientao do que nas esferas histrica, social e econmica.9 Charles Kingsley (1819-1875): romancista ingls. (Nota da IHU On-Line)

Mesmo crentes religiosos tm pensado em virtude sem considerar muito o contexto csmico de suas vidas. Infelizmente, para a espiritualidade e teologia ocidentais, o cosmos ainda funciona predominantemente como um fundo neutro para a ao humana e no como uma fonte profunda de incentivo tico e insight. Com os olhos fixos sobre as descobertas da cincia, no entanto, Teilhard desenvolveu uma viso da realidade na qual ver o que est acontecendo no Universo essencial para compreendermos o que temos de fazer. Amparado pelo sentido de um Universo onde algo importante j havia se tornado antes da vinda dos homens, Teilhard percebeu que a nossa prpria ao moral pode ser interpretada realisticamente como contribuindo para o maior empreendimento csmico. Uma convico cientificamente embasada de que nossas

As ideias de Teilhard realmente pareciam demasiado darwinianas para o Vaticano enquanto ele estava vivoprprias vidas e trabalhos esto sendo tecidos em um tear criativo que do mbito csmico pode dar o necessrio propsito e entusiasmo para as nossas vidas e despertar a nossa aspirao moral. A evoluo nos ensinou que o Universo lutou para tornar-se mais ao longo da sua longa histria. E tornarse mais significa tornar-se mais vivo, mais consciente e mais liberto do determinismo cego. Teilhard refere-se a esse processo como o surgimento do esprito. Assim, nosso dever tico participar e promover esse projeto ainda longe de terminar. A base inicial da existncia tica que j estamos imersos em um fluxo csmico de conscincia e esprito emergentes. O Universo ainda est dando luz conscincia e esprito, e nossa vocao contribuir para esse processo.

IHU On-Line - Que elementos a obra de Chardin fornece para repensarmos a eticidade na relao com o Outro? John Haught - Se voc seguir o caminho da evoluo, voc ainda tem que fazer uma escolha entre se pretende evoluir por si prprio ou em comunho com outros. Com a nfase no individualismo dos tempos modernos, uma tentao muito forte faz-lo sozinho. Mas individualismo um beco sem sada evolutivo e tico. somente por meio do caminho de comunho, de entrar em cooperao com outros, que a evoluo avana em direo a algo de mais valor e importncia. E voc no precisa ter medo de que essa comunho v roub-lo de sua individualidade. Na verdade, voc est indo encontrar o seu verdadeiro e nico indivduo apenas por se envolver com outros em uma grande esperana mantida em comum. Para Teilhard, um princpio fundamental de evoluo e de toda a realidade que a verdadeira unio diferencia. A verdadeira unio no homogeneza ou reduz as coisas uniformidade. A verdadeira unio paradoxalmente permite que o outro seja, e permite que os componentes de qualquer unidade mais abrangente alcancem sua liberdade, sua individualidade, a sua independncia precisamente na sua relao com os outros. Como sabemos isso? Sabemos isso porque, se olharmos para a forma como a evoluo funcionou no passado, podemos ver que passou de um nvel para o outro apenas passando recorrentemente por trs frases: a fase de divergncia, seguida pela convergncia, seguida pela emergncia. Eu no posso entrar em detalhes com cada fase aqui, mas deixe-me exemplificar a questo, analisando a evoluo das clulas vivas. Quando as clulas individuais (formas unicelulares de vida) comearam a habitar este Planeta, elas levaram como sabemos agora - alguns bilhes de anos simplesmente se espalhando por toda a superfcie do globo. Essa foi a fase de divergncia. Mas, em um determinado ponto, no passado, um limiar crtico foi ultrapassado e, em seguida, a fase da convergncia comeou a ocorrer: as clulas comearam a coagular, primei-

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ro em associaes desconectadas, mas depois em cada vez mais fortemente integradas formas de comunho. Essa foi a fase de convergncia. Finalmente, num ponto de convergncia muito intensa, o aparecimento de algo novo, ou seja, os multicelulares, organismos autointegrados, ocorreram. Ento, o modelo, mais uma vez, este: divergncia, seguida de convergncia, seguida por emergncia. E a mesma sequncia se repetiu nas outras fases da complexificao da matria. Agora vamos passar para a ltima fase dominante na evoluo, o perodo da histria csmica quando o homem entrou em cena. Nossa espcie gasta mais do que os primeiros 100.000 anos de sua existncia neste Planeta espalhandose ou divergindo-se em padres tribais de existncia. Ento, entre cerca de cinco a oito mil anos atrs, em locais como a bacia do Nilo e Mesopotmia, indivduos humanos e tribos comearam a convergir mais fortemente um para o outro, primeiro nas antigas cidade-estado, mas mais recentemente nos estados-nao, e mais recentemente ainda no que Teilhard chamou planetizao e a noosfera. Se olharmos para o que tem acontecido recentemente no campo da poltica, economia e tecnologia, especialmente nas comunicaes, parecer que a Terra est passando por um processo muito rpido de convergncia agora. Em escala planetria, estamos neste momento passando o limiar da divergncia para a convergncia de uma maneira ambgua e incerta. Agora temos de imaginar como a vida na Terra ser, psiquicamente falando, Teilhard diz, um milho de anos a partir de agora, tendo em mente que um milho de anos no muito tempo em termos de evoluo. Ento, no devemos desistir de ns mesmos. Somos ainda muito novos para a evoluo. mesmo possvel que algo surpreendentemente novo esteja nascendo no Universo atravs de ns? O que Teilhard viu acontecer agora em nosso Planeta o lembrou do que tinha ocorrido h muito tempo na evoluo, quando o crebro primata tornou-se suficientemente complexo para que o salto para o pensamento acontecesse. A lei de complexidade -

conscincia em que a conscincia e, portanto, a intensidade da existncia corresponde ao grau de complexidade fsica organizada permeia tudo o que Teilhard escreve. Alm disso, como um devoto cristo, Teilhard tinha lido as cartas de So Paulo com muito cuidado. Ele levou a srio a percepo de Paulo de que todo o Universo desembocou para a nova criao, que o corpo de Cristo foi formado de muitos membros e que este corpo foi estendido por todo o Universo. Essa viso paulina foi uma que Teilhard queria transplantar para os conceitos de evoluo do sculo XX. IHU On-Line - Como podemos compreender o conceito de noosfera na sociedade globalizada e digital que vivemos? John Haught - Agora podemos ver que um processo de complexificao como esse da evoluo do crebro est ocorrendo em escala planetria: a Terra est tecendo em torno de si mesma algo anlogo ao crebro. Se o paralelismo instrutivo, por que no deveramos antecipar que algo importante est em vigor sobre esta Terra e possivelmente noutros locais do Universo? Algo novo e inimaginavelmente complexo ainda est sendo criado. E no temos quase uma obrigao tica de participar nessa aventura em curso da criao? Mas agora vamos levar estas reflexes ainda mais adiante e refletir sobre a possibilidade de vida inteligente noutros locais do Universo. Acho que se estivesse vivo hoje, Teilhard provavelmente iria prestar ainda mais ateno nesse tema do que as poucas observaes dispersas que fez sobre isso. Creio que o pensamento de Teilhard pode ser estendido numa era de SETI (The Search for Extraterrestrial Intelligence - A busca por inteligncia extraterrestre) da seguinte forma: comecemos com aquilo que sabemos. Sabemos que, por todo o Universo, tem havido um aumento gradual na complexidade fsica organizada, comeando com a matria pr-atmica, passando depois para os tomos, molculas e os compostos de carbono que compem o equivalente a 40% da poeira interestelar. Sabemos,

sem dvida, que o processo de complexificao tem avanado pelo menos at aqui por todo o cosmos. Sabemos tambm que, pelo menos na Terra, o processo de complexificao da matria foi ainda mais longe. Das molculas orgnicas surgiram clulas, organismos, animais vertebrados, primatas e humanos. E agora a noosfera comea a assumir uma forma ainda mais complexa, em escala planetria. Quem sabe o que mais pode surgir alm disso? Agora, de acordo com Teilhard, sabemos tambm que, em proporo direta ao aumento da complexidade fsica organizada, ao menos em nosso Planeta, tem surgido um aumento correspondente na conscincia. Ento, j no temos uma estrutura em termos daquilo que poderamos fazer de sentido cientfico e teolgico da vida inteligente extraterrestre se ns nunca a encontramos? Teilhard experimentava apenas timidamente essas ideias durante a sua vida. Mas, na base da sua compreenso geral da evoluo, no possvel que, se calhar de a inteligncia extraterrestre ser abundante, ento algo como noosferas extraterrestres tambm possam estar em processo de criao? Se esse acaba por ser o caso, ento essas noosferas individuais tornar-se-iam as unidades fundamentais de uma inimaginvel extenso da conscincia csmica. Ns ainda no sabemos como isso seria possvel, uma vez que as noosferas teriam que se comunicar uma com a outra se uma nova fase de convergncia est para ocorrer. E, sem dvida, essas especulaes iro soar demasiado ousadas [selvagens] para a maioria das pessoas. No entanto, pelo menos, Teilhard fornece um quadro inteligvel para pensar sobre essas possibilidades no contexto de um Universo premeditado. Na evoluo, naturalmente, as coisas tomam milhes e milhes de anos, mas a formao da noosfera at ento uma questo de apenas milhares de anos e, na sua ltima fase, apenas os ltimos 200 anos. Portanto, no devemos supor que a busca do Universo por mais e mais complexas evolues fsicas est em seu fim. Talvez, para tudo o que sabemos, a criao evolutiva ainda est em sua aurora csmica. A

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Terra, tendo agora atingido o nvel da noosfera, parece estar indo na direo de uma conscincia global ou planetria. A Terra e o Universo como um todo esto avanando em direo a um novo e maior centro. Teilhard abstratamente se refere a este centro (ou objetivo) como Omega, a ltima letra do alfabeto grego. Teologicamente falando, o Omega Deus. Agora que o Universo atingiu o estgio de noosfera, qual a forma que toma a procura pelo Omega? Ela assume muitas formas, mas a mais caracterstica maneira em que a busca continua a da religio. Religio se encaixa no Universo evolucionrio como o caminho pelo qual a vida consciente exerce a busca do Omega. Todas as religies tm a tendncia de procurar uma maior realidade ou um supercentro, como chamou Teihard. E, naturalmente, para Teilhard que era um cristo o nome deste supercentro Deus. Teilhard entendia Deus como tendo-se tornado encarnado em Cristo, e ele compreendeu Cristo como o objetivo fsico da evoluo csmica. Mas, em todas as religies, e no apenas no cristianismo, a busca de um supercentro j se d desde o tempo das primeiras manifestaes de anseio espiritual. Consequentemente, devemos olhar para a religio no s teologicamente, historicamente, psicolgica ou sociologicamente, mas tambm cosmologicamente. Para Teilhard, religio a forma pela qual o Universo, agora que atingiu o nvel de autoconscincia, continua a sua eterna busca por seu derradeiro Centro e Meta. Portanto, a religio, em vez de ser uma oposio evoluo, essencial para o seu futuro.

Teilhard e o mover-se para a complexidade, a vida, a conscinciaSegundo o cientista italiano Ludovico Galleni, Teilhard de Chardin prope um novo instrumento: a rvore em lascas. De um ncleo central se separam vrias lascas que, no entanto, ao invs de divergir, procedem por certo tempo paralelasPor Graziela Wolfart | traduo Benno dischinGer

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>> John Haught j concedeu outras entrevistas IHU On-Line: * Uma teologia da evoluo precisa mostrar que a f bblica no contradiz o carter evolutivo do mundo publicada na IHU On-Line, nmero 245, de 26-11-2007, disponvel no link http://www. ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_ tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=834; * A nossa compreenso de Deus no pode ser a mesma depois de Darwin publicada na IHU OnLine, nmero 300, de 13-07-2009, disponvel no link http://www.ihuonline.unisinos.br/index. php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=d etalhe&id=1702&id_edicao=328.

o falar sobre a reflexo de Teilhard de Chardin acerca da natureza e de Deus, o cientista e professor italiano Ludovico Galleni alerta que preciso ser muito claro nesse tema, em funo do risco de interpretar, de maneira pantesta, a obra de Teilhard. Na realidade, explica ele, na entrevista que concedeu, por e-mail, IHU On-Line, a natureza no Deus, porm o mostra, atravs das indagaes sobre os seus mecanismos, graas aos quais evolve um movimento geral, que, no final, ela conduz a uma humanidade que capaz de uma aliana com o Criador, a qual faz com que o prprio cosmo se torne hstia viva. Para ele, o aspecto mais fascinante de Teilhard no ver a perfeio no passado como uma perfeio alterada pelo pecado do Homem, mas, no futuro, na Terra construda com a aliana. O fascnio da proposta teolgica teilhardiana, na viso de Galleni, est no fato de que a escatologia no se refere salvao de cada um no Paraso, mas de toda a humanidade sobre a Terra e no cosmo, construda na justia. E ele ainda identifica que partiu deste ponto a teologia da libertao, que permanece como um aspecto fundamental para construir a Terra e, talvez, seja um dos frutos mais fecundos da perspectiva teilhardiana. Ludovico Galleni professor, entre outras disciplinas, de Zoologia Geral e Biologia Evolucionria na Faculdade de Cincias da Agricultura na Universidade de Pisa, Itlia, bem como Cincia e Teologia. membro do corpo editorial da Rivista di Biologia. Graduou-se em Cincia Natural pela Universidade de Pisa, onde realizou pesquisas no Instituto de Zoologia e Anatomia Comparativa. Atualmente, trabalha com modelos de simulao matemtica relacionados evoluo da biosfera e ecossistemas e a aplicao de tcnicas de vida artificial. Um de seus temas de interesse contnuo a Teoria da Evoluo para explorar a possibilidade da teoria Bioesferocntrica, cujo precursor foi o cientista jesuta Teilhard de Chardin. Por essa razo, iniciou um projeto de pesquisa sobre Chardin e esse assunto. autor das obras De Darwin a Teilhard de Chardin, Interventi sull evoluzione (1983- 1995). (SEU: Pisa, 1996) e Biologia (La Scuola: Brescia, 2000). Confira a entrevista. IHU On-Line - Qual a principal contribuio de Teilhard de Chardin para o dilogo entre cincia, filosofia e teologia? Ludovico Galleni - A principal contribuio de Teilhard de Chardin a esse dilogo foi precisamente a de admitir, do ponto de vista epistemolgico, a legalidade do prprio dilogo: embora estejam se movendo paralelamente, cincia, filosofia e teologia convergem, como os meridianos que correm paralelos ao longo do globo terrestre, mas convergem nas vizi-

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nhanas do plo. Isto quer dizer que h pontos de contato e que estes pontos devem ser objeto de indagao como instrumentos caractersticos das trs disciplinas que se confrontam e se integram. IHU On-Line - O que resume a reflexo de Teilhard sobre a natureza e sobre Deus? Ludovico Galleni - Aqui preciso ser muito claro, porque existe o risco de interpretar de maneira pantesta a obra de Teilhard. Na realidade, a natureza no Deus, porm a mostra, atravs das indagaes sobre os seus mecanismos, graas aos quais evolve um movimento geral, que, no final, ela conduz a uma humanidade que capaz de uma aliana com o Criador, a qual faz com que o prprio cosmo se torne hstia viva, como disse recentemente o Papa Bento XVI1: A funo do sacerdote consagrar o mundo para que se torne hstia viva, para que no mundo se torne liturgia. a grande viso que teve depois Teilhard de Chardin: no final, teremos uma verdadeira liturgia csmica, onde o cosmo se torne hstia viva. Por conseguinte, o cosmo, a natureza e a matria se tornam, no alternativas para a salvao, mas instrumentos necessrios para a salvao da humanidade em sua inteireza. No podemos deixar de sublinhar com alegria a referncia do Papa a Teilhard e tambm a uma das partes mais controversas e difceis de sua obra, a relao entre o cosmo e a Eucaristia. Isto nos recompensa de todas as dificuldades e das amarguras suportadas trabalhando sobre Teilhard de Chardin. IHU On-Line - Quais so as caractersticas dadas por Teilhard de Chardin ao nosso universo em permanente construo e evoluo? Ludovico Galleni - um universo imperfeito, no qual a ordem entra progressivamente e pouco a pouco, graas ao lento e contnuo processo de11 http//www. Radiovaticana.org/itI/Articolo. asp?e 304977. Confira, ainda, a notcia Para citar Chardin e sua viso do cosmos como hstia viva, no link http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Item id=18&task=detalhe&id=24332 . (Nota da IHU On-Line)

complexificao da matria, graas aos efeitos limiares (ou de fronteira) como os da vida e do pensamento e graas obra do ser pensante que reconhece e aceita a aliana. A ordem no se d, portanto, num passado ao qual se deve retornar, mas num futuro a construir. IHU On-Line - Qual a herana deixada por Teilhard de Chardin no sentido da superao de modelos somente causais da evoluo? O que ele nos sugere? Ludovico Galleni - Teilhard escreve claramente que preciso reinserir

provvel (mas, vistas as dimenses do universo) praticamente certo das linhas para as quais se move a evoluo. Mas, para sermos claros, estas linhas so postas em evidncia pela reconstruo dos fsseis. IHU On-Line - Como podemos entender a necessidade, proposta por Teilhard, da emergncia do ser humano dentro da natureza? Em que sentido esta necessidade tinha para ele particular importncia do ponto de vista teolgico? Ludovico Galleni - Do ponto de vista teolgico havia, para Teilhard, a necessidade do ser pensante na economia do Universo. Deus cria para a aliana e a aliana podia ser proposta somente a uma Criatura pensante e livre. Mas, esta necessidade teolgica devia deixar vestgios experimentalmente indagveis. Por isso, uma necessidade da teologia se tornou um instrumento para organizar um programa de pesquisa e isso no deve surpreender: atualmente a epistemologia contempornea fala de metafsicas influentes... Por conseguinte, devem existir, na evoluo, os vestgios ou sinais do mover-se para. E eis, portanto, que a indagao paleontolgica vem sendo desenvolvida nesta direo. Seja que trabalhe sobre as Pr-smias Europias, ou sobre os Ratos Talpa do Pleistoceno chins, Teilhard desenvolve uma linha de indagao que tende a pr em evidncia um mover-se para, demonstrado pelos paralelismos que caracterizam a evoluo. E o mais importante aquilo que Teilhard pe em evidncia nos animais, o moverse para estruturas cerebrais sempre mais complexas. Esses resultados so de uma linha de indagao cientfica precisa, da qual, no entanto, so bem visveis e usadas de maneira correta as sugestes da filosofia e da teologia. Mas as excessivas referncias ao acaso de outros autores, por exemplo, de Monod, so tambm o resultado de indagaes endereadas por sugestes filosficas, daquela filosofia que Teilhard dizia ser dos darwinistas radicais.

Desenvolvendo o pensamento teilhardiano, o pecado original no tanto uma queda, porque no h sinal de queda na histria da vida, nem uma culpa de um casal originrio, porque no h sinal de um casal originrio nas origens da humanidadeum fator preferencial no interior dos mecanismos casuais. Ele no nega, portanto, que, na evoluo, existam tambm fenmenos estocsticos, mas emerge, com uma anlise das grandes linhas evolutivas, a anlise que faz parte dos instrumentos de indagao do paleontlogo, um mecanismo preferencial, um verdadeiro e prprio mover-se para a evoluo, da matria para a complexidade e da vida para a complexidade e a conscincia. Portanto, o ser pensante o resultado

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IHU On-Line - Como pode a questo da evoluo ser analisada na tica da Biosfera? Ludovico Galleni - Este o pontochave da contribuio teilhardiana sobre os mecanismos evolutivos: ele no se limita a descrever paralelismos e convergncias, mas procura tambm questionar por pistas de indagao para entender suas razes e mecanismos. Nesse ponto (j nos anos 1920), ele prope a biologia como a cincia do infinitamente complexo, estando cnscio que, mudando de escala, entram em jogo mecanismos que se perdem nas escalas mais baixas. , portanto, aquela viso de conjunto que a indagao populacionista dos anos anteriores segunda guerra mundial perdia. E , portanto, uma via para a superao dos modelos reducionistas em biologia. Em Pequim, nos anos 1940, ele prope uma nova cincia: a Geobiologia, a cincia que deve estudar a Biosfera como um nico objeto complexo que evolui. So as leis gerais da evoluo da Biosfera que daro a razo do mover-se para, mover-se para a complexidade, a vida, a conscincia. E hoje, a cincia da Biosfera, como justamente havia indicado Teilhard, um dos instrumentos-chave para entender a evoluo. IHU On-Line - Como se caracteriza o novo modo de ler o problema do pecado original proposto por Teilhard de Chardin? Ludovico Galleni - Desenvolvendo o pensamento teilhardiano, o pecado original no tanto uma queda, porque no h sinal de queda na histria da vida, nem uma culpa de um casal

IHU On-Line - Para Chardin, onde reside a importncia da segunda vinda de Cristo no processo evolutivo? Ludovico Galleni - A segunda vinda de Cristo o cume do esforo humano. A aliana leva a humanidade a construir uma nova Terra e nela uma nova humanidade. , no fundo, a esposa preparada para o esposo, de que fala o Apocalipse. a Terra a construir que, construda na aliana e, portanto, por uma humanidade caracterizada por ter aceitado a aliana, torna-se pronta a convergir no ponto Omega, no momento da segunda vinda de Cristo. Aqui nasce o fascnio da proposta teolgica teilhardiana: a escatologia no se refere salvao de cada um no Paraso, mas de toda a humanidade sobre a Terra e no cosmo, construda na justia. Partiu daqui aquela anlise importante da Teologia latino-americana que circulou sob o nome de teologia da libertao e que entre infinitas dificuldades e problemas permanece, todavia, como um aspecto fundamental para construir a Terra e, talvez, seja um dos frutos mais fecundos da perspectiva teilhardiana.

Religies do Mundo | De 10-08-2009 a 08-10-2009

IHU On-Line - Quais so os novos modelos sugeridos por Chardin para que possamos reconstruir as rvores da filognese? Ludovico Galleni - Para Teilhard, preciso sublinhar principalmente os paralelismos e as convergncias. E, no fundo, Teilhard prope um novo instrumento: a rvore em lascas. De um ncleo central se separam vrias lascas que, no entanto, ao invs de divergir, procedem por certo tempo paralelas.

originrio, porque no h sinal de um casal originrio nas origens da humanidade. , quando muito, uma aliana que falhou no sentido de que Abrao, que aceita finalmente a aliana que Deus prope, figura recente na histria do Homem. H, ento, um longo caminho distante da aliana, que indicado pelo escritor bblico com o termo de pecado original. Mas, o aspecto mais fascinante de Teilhard no ver a perfeio no passado como uma perfeio alterada pelo pecado do Homem, mas, no futuro, na Terra construda com a aliana.

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>> Ludovico Galleni j concedeu outra entrevista IHU On-Line: * Negar a historicidade do fenmeno evolutivo um erro como elevar o darwinismo a um dogma publicada na IHU On-Line, nmero 245, de 26-11-2007, disponvel no link http://www. ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_ tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=835&id _edicao=273.

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Teilhard de Chardin: um anti-DarwinPara Lus Miguel Sebastio, o esforo de pensamento de Teilhard de Chardin o de articular harmonicamente uma viso dinmica e evolutiva do Universo com a ideia de um Deus criador e pessoal. Teilhard seria anti-Darwin no sentido de quem nega o carter absolutamente aleatrio e sem sentido da evoluoPor Graziela Wolfart e mrcia JunGes

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odo o empreendimento teilhardiano se pode descrever como a tentativa de produzir uma viso unificada do mundo e da vida (...) que pudesse, ao mesmo tempo, ser uma narrativa coerente, dar conta da pluralidade da experincia humana (...) e com ela ser consistente e permitir um horizonte de abertura e de esperana aos humanos que a ela aderissem. A opinio do professor portugus Lus Miguel Sebastio, em entrevista concedida, por e-mail, IHU On-Line. Em suas respostas, Lus Sebastio lembra que Teilhard de Chardin dizia que cincia e religio eram como dois meridianos terrestres: afastados maximamente no Equador, tendiam a aproximar-se indefinidamente no plo. Isto , quando ambas as formas de saber procuravam dar uma explicao cabal da realidade total (...), tendiam inexoravelmente a aproximar-se. E isso, estou convicto que Teilhard de Chardin conseguiu. O professor ainda acrescenta que o jesuta francs foi capaz de produzir uma mundividncia onde se encontraram evoluo e sentido (...) e assim foi capaz de construir uma narrativa onde cabem as conquistas da cincia e os dados da revelao. Professor no Departamento de Pedagogia e Educao da Universidade de vora, Portugal, Lus Miguel Sebastio doutor em Cincias da Educao, com especialidade em Filosofia da Educao pela Universidade de vora, onde defendeu a tese Possibilidade de fundamentao da educao no pensamento cosmogensico de Pierre Teilhard de Chardin. autor, com Jos Manuel de Barros Dias, de Educao e Construo Europeia no Dealbar do Terceiro Milnio (vora: A.E.D.E., 1999) e, com Manuel Ferreira Patrcio, de Conhecimento do Mundo Social e da Vida. Passos para uma sabedoria da sageza (Lisboa: Universidade Aberta, 2004). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Muitas pessoas chamam Teilhard de Chardin de Darwin catlico. Que aproximaes o senhor faria entre ambos os cientistas? Lus Miguel Sebastio - Antes de nos confrontarmos com o que aproxima Teilhard de Darwin, importa tomarmos conscincia daquilo que os afasta. Darwin morreu menos de um ano depois de Teilhard de Chardin ter nascido (Darwin faleceu em 19 de abril de 1882 e Teilhard tinha nascido em 1 de maio de 1881). Charles Darwin tinha publicado, em 1859, a Origem das Espcies e, quando Teilhard comeou a sua vida profissional como cientista, a ideia de evoluo do cosmos, da vida, das sociedades j tinha se instalado como o hmus de todo o conhecimento cientfico. grande ebulio

Nunca procurou demonstrar com o recurso cincia as verdades da f, nem limitar pela f o esforo de procura da verdade cientficaintelectual que o darwinismo provocou, respondeu a Igreja Catlica com um movimento de fechamento e retrao de que a condenao do modernismo pelo Papa Pio X1 serve de exemplo. A circunstncia de Teilhard de Chardin , ento, a de se sentir espartilhado,1 So Pio X (1835-1914): 257 papa. Seu pontificado decorreu de 4 de agosto de 1903 at a data da sua morte. Ficou conhecido como o Papa da Eucaristia e foi o primeiro Papa a ser canonizado desde Pio V (156672). (Nota da IHU On-Line)

mesmo dilacerado, entre dois mundos que, poca, tinham muita dificuldade em se intercomunicar. E neste contexto que se pode compreender a natureza do seu esforo de pensamento: articular harmonicamente uma viso dinmica e evolutiva do Universo com a ideia de um Deus criador e pessoal. Em rigor, Teilhard , ento, um anti-Darwin. No no sentido de quem nega a evoluo, mas no sentido de

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quem nega o carter absolutamente aleatrio e sem sentido da evoluo. IHU On-Line - Em sua opinio, Chardin conseguiu harmonizar a teoria da evoluo e o cristianismo? Por qu? Lus Miguel Sebastio - importante que fique muito claro que Teilhard nunca procurou estabelecer uma teoria concordista. Isto , nunca procurou demonstrar com o recurso cincia as verdades da f, nem limitar pela f o esforo de procura da verdade cientfica. com esta cautela em mente que poderemos enfrentar a questo de saber se o padre jesuta francs conseguiu harmonizar a teoria da evoluo e o cristianismo. Todo o empreendimento teilhardiano se pode descrever como a tentativa de produzir uma viso unificada do mundo e da vida (uma Weltanschauung) que pudesse, ao mesmo tempo, ser uma narrativa coerente, dar conta da pluralidade da experincia humana (da cincia mstica, da razo emoo, do conhecimento emprico ao pensamento sistematizado) e com ela ser consistente e permitir um horizonte de abertura e de esperana aos humanos que a ela aderissem. Teilhard de Chardin usou uma imagem muito eficaz, que permite clarificar o seu pensamento. Dizia ele que cincia e religio eram como dois meridianos terrestres: afastados maximamente no Equador, tendiam a aproximarse indefinidamente no plo. Isto , quando ambas as formas de saber procuravam dar uma explicao cabal da realidade total Teilhard diria nas proximidades do todo tendiam inexoravelmente a aproximar-se. E isso, estou convicto que Teilhard de Chardin conseguiu. O jesuta francs foi capaz de produzir uma mundividncia onde se encontraram evoluo e sentido, e disso deu conta no seu magistral O Fenmeno Humano. E assim foi capaz de construir uma narrativa onde cabem as conquistas da cincia e os dados da revelao. IHU On-Line - Os crticos de Chardin acusam-no de ter uma viso demasiada otimista da natureza, que flerta com o pantesmo. Em que medida

o jesuta se inspira em Darwin para compor a sua cosmoviso? Lus Miguel Sebastio - Esta questo , na realidade, um conjunto de questes, a que procurarei responder de per si: a questo do otimismo em Teilhard de Chardin, a questo do pantesmo e a questo da inspirao darwinista do seu pensamento. Foram todas questes que lhe foram suscitadas em vida e as quais ele prprio teve oportunidade de responder. No deixa de ser interessante que Louis Salleron2 tenha chamado a Teilhard de Chardin de desespe-

A base essencial do chamado otimismo teilhardiano decorre da sua profunda convico de que o Universo foi criado por Deus para que nele pudesse emergir a conscincia e para que, atravs desta, todo o Universo pudesse ser redimidorado do Cosmos e tenha atribudo o seu otimismo a uma estratgia para sobreviver psicologicamente a essa angstia. Julgo que mesmo que essa interpretao possa ter algo de verdade, a base essencial do chamado otimismo teilhardiano decorre da sua profunda convico de que o Universo foi criado por Deus para que nele pudesse emergir a conscincia e para que, atravs desta, todo o Universo pudesse ser redimido. E, sendo assim, como que poderia no se cumprir esse desgnio maior? Tei2 Louis Salleron (1905-1989): jornalista e terico catlico. (Nota da IHU On-Line)

lhard no tem iluses quanto maldade dos homens. E sabe, at, que a humanidade, no uso da sua liberdade, poderia colocar tudo a perder. O que acontece que ele no acredita que isso seja possvel. Como acontece com os grandes nmeros, em que graus de liberdade dos componentes individuais no comprometem o resultado global, assim tambm o desnorte de indivduos humanos no ser de maneira a prejudicar a humanidade. Por isso, o otimismo de Teilhard feito de confiana e no de uma qualquer crena irracional, ou do desconhecimento das faces mais obscuras da natureza humana. Do mesmo modo, uma leitura atenta do pensamento do eminente paleontlogo pe em evidncia o fato de que este est longe de qualquer tentao pantesta. A f que Teilhard diz ter na matria no seno a forte convico no fato de que a matria animada por dentro pela fora csmica fundamental que puxa a criao para a complexidade progressiva e, em consequncia, para a conscincia. Esta fora, que Teilhard identifica com a componente radial da energia que anima o Universo, no seno o Amor que imana de Deus e que faz com que todas as coisas convirjam umas para as outras. Deus, o Deus dos catlicos, em particular na compreenso que dEle teve So Paulo, que o princpio e o fim do Universo, o alfa e o Omega, para Teilhard de Chardin. E em nenhum momento da sua vida ou dos seus escritos Teilhard duvidou desta que , para si, uma verdade fundamental e instituinte. Por ltimo, vejamos o problema das influncias de Darwin sobre o pensamento de Teilhard. O naturalista ingls faz parte daquele nmero muito restrito de pessoas que introduziram um marco que divide o tempo em dois. H um antes de Darwin e um depois de Darwin. Nessa medida, claro que a sua influncia no pensamento de Teilhard enorme. Mas, e j o disse em resposta anterior, o pensamento do jesuta francs construiu-se a partir de premissas e com intencionalidade opostas ao do naturalista. Esta afirmao

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poder parecer, talvez, demasiado ousada. At porque Teilhard socorrese de um conjunto de mecanismos explicativos que parecem plasmados diretamente do pensamento darwinista. Mas impe-se que nunca percamos de vista que aquilo que para Darwin um fim, para Teilhard um meio. Porque para este, a evoluo tem um sentido e uma intencionalidade, ideias que so completamente estranhas ao pensamento de Charles Darwin. IHU On-Line - Quais os principais pontos da educao inspirada em Teilhard de Chardin? Quais as possibilidades de fundamentao da educao no pensamento de Chardin? Lus Miguel Sebastio - Excetuando algumas notas do seu dirio, nos tempos em que ensinou Fsica no Cairo, e de algumas referncias em cartas dirigidas sua prima Margueritte Teillard-Chainbom, e num pequenssimo ensaio em que apresenta a educao como um processo de hereditariedade social, Teilhard de Chardin no tratou expressamente a questo da educao. Por isso, a utilidade do pensamento do jesuta francs para esta problemtica decorre da utilidade que lhe encontramos para fundamentar um projeto antropolgico que sirva de base ao projeto educativo global. A educao, sendo a ao humana por excelncia, aquela pela qual os humanos se constroem a si prprios, pressupe uma viso do mundo que possibilite aquilo a que Teilhard de Chardin chamava o gosto de viver. Ora, para o prprio Teilhard, o gosto de viver depende de trs condies que devem respeitar as mundividncias. Por isso, para alm de s