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IGREJA: CORPODE CRISTO (Um estudo da epístola aos efésios) João Parahyba Daronch da Silva Publicação da Junta Geral de Ação Social Da Igreja Metodista do Brasil 1966 OBS: Há algumas notas e adaptações do texto do livro em vermelho, feitas especialmente para essa edição eletrônica.

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IGREJA:CORPODE CRISTO

(Um estudo da epístola aos efésios)

João Parahyba Daronch da Silva

Publicação da Junta Geral de Ação SocialDa Igreja Metodista do Brasil

1966

OBS: Há algumas notas e adaptações do texto do livro em vermelho, feitasespecialmente para essa edição eletrônica.

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

REFLEXÕES SOBRE A EPÍSTOLA DE EFÉSIOS1 - Natureza da Igreja2 - Caráter da Epístola3 - Conteúdo da Epístola em resumo4 - Questões que oferecem problemas especiais

I - A PROCLAMAÇÃO DOS ATOS DE DEUS1. A Separação destruída em Jesus Cristo2. Confessar Jesus Cristo3. A Ressurreição: um sobre todos4. O Espírito: poder para comunicação.

II - A COMUNHÃO DO POVO DE DEUS1. Revelação: nossa Salvação da morte2. Igreja e Conhecimento3. A Igreja não é do mundo, mas é no mundo4. A Igreja: Povo constituído por Deus

III - A PRESENÇA DA IGREJA1. Solidariedade: “Justificados e Pecadores”2. Dimensões da Ética no “Evangelho da Paz”3. O Ministério da Igreja

Conclusão: Unidade e Renovação da Igreja

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APRESENTAÇÃO"Mas, seguindo a Verdade em amor,cresçamos em tudo naquele que é oCabeça, Cristo".

(Efésios 4:15)

Em momento mui oportuno o Gabinete Geral está sugerindo o estudo naEpístola do apóstolo Paulo à comunidade cristã na cidade de Éfeso. Dentro daslinhas mestras do Plano Qüinqüenal em que se objetiva não apenas umaredescoberta da mensagem que motivou e dinamizou o Movimento Wesleyano doséculo XVIII, mas, em que se busca, acima de tudo, uma reafirmação inequívoca daResponsabilidade Cristã da Igreja Metodista do Brasil na conjunturacontemporânea, seguramente que uma reflexão sobre o grande documento aosEfésios virá enriquecer a mente da Igreja abrindo-a para uma compreensão maisampla de sua Natureza e de sua Missão conferidas uma vez para sempre em JesusCristo, o Senhor da Igreja e do Mundo.

Todo o panorama eclesiástico atual confirma a necessidade inadiável de umre-exame da Igreja até à raiz mesma da totalidade de sua vida e de suas formas deexpressão na sociedade brasileira. Somos desafiados hoje como nunca a umtestemunho integral do "Evangelho do Reino de Deus" afim de que "a supremariqueza de Sua graça" seja comunicada aos séculos e não seja confundida com aspequenas riquezas de "evangelismos de reinos religionistas". Pois, em verdade,Jesus pregava o Evangelho do Reino de Deus contra todas as formas einterpretações que pretendessem usurpar o lugar exclusivo da pessoa e daautoridade graciosa de Deus. Devemos nos perguntar sempre sobre que tipo deevangelho estamos mostrando como Igreja!

Este re-exame não pode ser feito pela Igreja à luz de si mesma, de sua própriahistória mas à luz mais alta que é a Palavra viva do Deus vivo; é à Luz da Palavra deDeus que a Igreja pode ver-se a si mesma e ver corretamente o que estáacontecendo no século e discernir o relevante do irrelevante, o significativo ecriativo de tudo quanto é vazio de significado e discernir os fundamentos daverdade dos rudimentos do mundo.

"Natureza e Missão da Igreja" constitui o ponto de partida da eclesiologiacontemporânea porque este tema nos atira para dentro do fundamental que é aCristologia que dá validez e justificativa à existência da Igreja no mundo.Seguramente o erro capital que podemos perceber na História da Igreja é aresistência eclesiástica ao governo renovador e permanente de Jesus Cristo;decisões de concílios que afetam o sentido da natureza e do ministério da Igrejatomadas em completo divórcio dos fundamentos bíblicos e teológicos.

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Dai todo um comprometimento alienante da Igreja com estruturas superadas eque, de modo algum, constituem a Igreja de Jesus Cristo. Talvez a contribuiçãomáxima de Lutero para o pensamento teológico tenha sido precisamente o fato deconseguir desvincular "Reino de Deus" de sua pecaminosa identificação com ahierarquia eclesiástica. Aliás, esta é uma tensão permanente para a qual nãopodemos estar desprevenidos, pois nunca poderemos capturar a realidade daIgreja que é o Corpo de Jesus Cristo em nossas estruturas e tradiçõesdenominacionais. Assim, antes de qualquer decisão nossa, antes de qualquerConcílio em que se vai "definir" a Ordem da Igreja e o sentido das formas de suapresença na sociedade, é imprescindível o estudo profundo da Natureza e daMissão da Igreja a partir do Ministério de Jesus Cristo — o Servo de Deus quedetermina a forma permanente da Igreja e a amplitude de sua presença no mundoafim de que "a suprema riqueza de sua graça seja mostrada aos séculosvindouros".

É exatamente o espírito de obediência reverente à Palavra do Servo de Deus,que é o Senhor da Igreja, o fator determinante da medida de humildade própria daIgreja para confessar-se arrependida a Jesus Cristo a fim de ser renovada por Elepara Seu Serviço. Tal disposição não é uma simples opção para a Igreja; é umimperativo de sua Natureza e de sua Missão dadas na Palavra Viva de Deus, quecria, transforma, julga, salva e sustenta a Igreja.

A Igreja somente é seu verdadeiro ser quando existe para os membros dahumanidade "mundana": isto é, o homem na sociedade é concretamente oendereço do amor de Deus em Jesus Cristo. Existir para os outros, existir em JesusCristo, compartir o sofrimento de Deus pelo mundo, "descer até às partes maisbaixas da terra", transpor as "paredes de separação e inimizade", é a graça maiscara e mais preciosa que foi dada à Igreja, A graça de Deus é uma graça "custosa",seu alto preço consiste em arrancar o homem decisivamente de si mesmo,incorporando-o à comunhão da família de Deus — Corpo de Cristo — onde imperauma nova ordem de relações e uma nova e permanente possibilidade de vida.

A carta do apóstolo Paulo aos cristãos em Éfeso indica seguramente ocaminho do discipulado para a presente situação tanto da Igreja quanto do mundo.Este discipulado não é uma nova forma de mérito humano ou alguma maneira sutilde se alcançar a "santidade" e a "perfeição"; é uma disciplina concreta: isto é, umadisciplina no Corpo de Cristo, uma disciplina em Cristo, que incluí basicamenteuma relação sacrificial com a comunidade cristã que é o corpo do amor em cujaságuas vivas somos batizados para não pertencermos mais a nós mesmos e nãovivermos mais para nós mesmos: "Se alguma Igreja quiser vir após Mim, negue-sea si mesma...".

Assim, esperamos humildemente, que este estudo faculte, pela proteção edireção do Espírito, em cada congregação onde dois ou três estiverem reunidos emCristo, uma crescente compreensão do ministério total da vida da Igreja bem comoauspicie uma tomada de consciência da imensa possibilidade aberta na situaçãobrasileira e em cujos tormentos o Senhor está supremamente interessado.

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Este manual é apenas 'uma ferramenta para o serviço. Nele está o resultadode uma tentativa de exegese do texto bíblico em que vão extraídas e sublinhadasem simples esboço as grandes realidades do "mistério revelado no Evangelho".Destas realidades nos poderemos alimentar em comunhão uns com os outros paraa responsabilidade cotidiana de servir ao Senhor; é pão para a jornada, mas é pãoque demanda meditação comunitária com o mais alto sentido de não nosalimentarmos para nós mesmos, de não nos apascentarmos a nós mesmos senãopara vivermos no Corpo de Cristo que é o Corpo que existe em amor para comtodos os demais.

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REFLEXÕES SOBRE A EPÍSTOLA

A carta do apóstolo Paulo aos "santos em Éfeso" é um documento a respeitoda Igreja de Jesus Cristo; não é uma carta sobre problemas particulares dacongregação, mas é uma carta capital cujo conteúdo versa sobre as dimensõesessenciais da Natureza e da Missão da Ecclesia de Jesus Cristo sublinhando:

a) Sua Unidade (Efésios 4);b) Sua Integridade (Ef 1:4; Ef 5:27;c) Sua Apostolicidade (Ef 2:20; Ef 3:1; Ef 4:7,11; Ef 6:15);d) Sua Catolicidade (Ef 2:19; Ef 4:13; Ef 6:8 e 1:1).

1) NATUREZA DA IGREJA:A natureza da Igreja é dada na epístola pelas relações que estabelecem

dependência permanente, constituindo laços indissolúveis entre a Igreja e:1. Deus — o Pai (Ef 3:14)2. Jesus Cristo — o Cabeça (Ef 1:22; Ef 4:13; Ef 5:29-32)3. Espírito Santo — de quem procedem os carismas (Ef 1:13; 4:7).d) Comunidade de Israel — (Ef 2:12, 19 e 22)e) Comunidade gentílica — (Ef 4:17; Ef 5:5-13; Ef 6:11)f) Com todos os santos — (Ef 1:15; 3:15; Ef 4:13; Ef 6:18-24)

Destas relações é que decorre a natureza da Igreja; é a natureza destasrelações que constituí a Igreja como Igreja. Toda verdade a respeito da Igreja (paranão dizer o próprio sentido da palavra Ecclesia nos é comunicada em termos destasrelações, desta ordem de relações criadas por Deus em Jesus Cristo e no EspíritoSanto. É na epístola aos Efésios que aparece pela primeira vez uma doutrinaespecial sobre Igreja. A verdade "relacional" (ou dialógica) sobre a Igreja queaparece em Efésios aparece em Colossenses onde se afirma que Cristo é a cabeçada Igreja e que a Igreja é o corpo de Cristo. Em Efésios 3:21 e 5:32 Cristo e a Igrejasão colocados lado a lado, como que na mesma ordem; por outro lado, em outraspassagens fala-se de uma relação de subordinação da Igreja a Cristo). Estalinguagem figurada parece ser empregada sem nenhum rigor lógico: Cristo é aprópria Igreja e esta é o seu corpo; e ainda: Cristo está acima da Igreja como suacabeça e como Aquele que é antes de todas as coisas e para quem todas"convergem".

Todas essas fórmulas são intimamente relacionadas entre si. Em EfésiosEclesiologia é Cristologia e vice-versa. Tudo o que se refere a Cristo e à Igreja épensamento de Deus, é obra de Deus, é resultado da ação de Deus. O clímax detudo é atingido no hino final no capítulo Ef 5:25-32. As imagens empregadas aí sãoprovenientes da linguagem mítica daquela época. As expressões da carta aosEfésios sobre a Igreja e Cristo mostram uma visão unitária do mundo daquelaépoca e seu autor fala a linguagem de círculos gnósticos. O salvador que sobe aoscéus vence em seu caminho os poderes celestes (Ef 4:8ss) e rompe o muro de

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divisão que separa o mundo do Reino de Deus (Ef 2:14ss); volta para junto de simesmo como o anthropos (o ser humano) supremo (Ef 4:13ss) . Contudo Ele é aCabeça sob cujo governo todas as coisas são reunidas; sendo assim Ele eleva osseus membros, cria o "homem novo" e edifica seu corpo em que se revela a obrainteira de Deus (Ef 3:8-19). O salvador ama e atende, purifica e salva a sua Igreja.Ela é sua esposa, Ele é seu esposo, unidos um ao outro em obediência e amor (Ef5:22-32). Este mundo de idéias, figuras e imagens empregadas na epístola sãoadequadas a finalidade primordial de exprimir a relação indissolúvel entre Cristo eIgreja; ainda mais; para explicar a realidade de que a Igreja não é instituição ousociedade humana apreensível pelas leis da sociologia e sim a resultante da açãode Deus. O ponto decisivo da eclesiologia em Efésios é a comunhão com Cristo.Somente a partir dessa comunhão com Cristo passa a existir a comunhão doshomens entre si como irmãos. Contra as tentativas sociológicas em solver (explicar)a questão da Igreja, devemos anotar que Paulo em suas epístolas não concebeEclesiologia senão em função da Cristologia.

Cristo alimenta e cuida da Igreja. Tem-se a impressão de que, numarepresentação tão complexa, e ao mesmo tempo grandiosa pelas imagens usadas,se encontram divagações em que a fé em Deus e em Sua assembléia divina éinterpretada dentro de uma moldura especulativa. Por mais que tal impressão seimponha, é preciso repeli-la resoluta e radicalmente. A maneira como se fala daIgreja mostra que não se trata de especulações sem base e muito menos deafirmações esotéricas. Assim, quando o apóstolo trata da sabedoria e doconhecimento de Deus não está tratando de intelectualismo e sim daquele"conhecimento do coração", (Ef 1:18), que se realiza na obediência da fé querelaciona o homem com os atos de Deus. É uma linguagem muito rica que não estáem função de si mesma, nem a serviço de especulação intelectual, mas é a aptidãoem que se expressa a verdade sobre a Igreja em sua natureza derivada da obra deDeus em Jesus Cristo.

2) CARÁTER DA EPÍSTOLA:a) Mais intensiva e extensivamente do que qualquer outro livro do Novo

Testamento, Efésios tem o caráter e a forma da oração. Não somente a primeirametade (Ef 1:3 a 3:4), mas a exortação à conduta cristã e à unidade do Espírito nasegunda parte (Ef 4:1) são basicamente oração em sua forma; além dessasexpressões de adoração e de intercessão, a epístola nos dá vários chamados àoração (Ef 5:14,19; Ef 6:18). "Lex orandi, lex credendi" — isto é, a verdade da fé temsentido somente como um ato de culto; Efésios nos dá um sentido bem profundo dedogmática cristã que é o sentido da comunhão com Deus, pois a verdadeira fé ématéria da mais verdadeira comunhão com Deus. Tudo o que a epístola nosoferece sobre Fé e Vida, sabre Dogmática e Ética é precisamente na forma daoração.

b) Efésios não apresenta o Evangelho na forma polêmica tradicional, adespeito de estar em jogo todo o tremendo conflito entre cristianismo judaico eétnico; também não nos dá o Evangelho pelos caminhos da argumentação racionalnem com lugares comuns de compaixão sentimentalista. Há apenas uma base quepara o autor é suficiente e que constitui a única possibilidade de preservação do

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"mistério revelado em Jesus Cristo": são os grandes atos de Deus. Os atos de Deussão a sua palavra, isto é, o que Deus tem feito e revelado em Jesus Cristo. Asabedoria e a vontade, o amor e o propósito de Deus, a pregação, a morte aressurreição de Cristo, o poder do Espírito — na forma de carismas sobre a Igrejapara o desempenho do ministério. Qualquer outra base é passageira, vem e vai,mas, os atos de Deus são, para empregar uma linguagem de Agostinho, "começosabsolutos ou eternos" — são permanentes, não sofrem nenhuma variação. Efésioscelebra o ágape de Deus (o amor) que ultrapassa toda forma de sabedoria (Ef 3:19); é exatamente neste amor que se apóia o Evangelho da Paz que prescinde, queabre mão de todo e qualquer argumento para defendê-lo; o autor da epístoladispensou inclusive a forma tradicional dos argumentos escriturísticos. Os atos deDeus são proclamados e não argumentados apologeticamente. Efésios não é adefesa de um Evangelho cheio de informações interessantes para nós, mas é aproclamação do Evangelho em que estão dadas uma vez por todas as bases novasa respeito de nós e de toda a criação em Jesus Cristo: o que Deus fez em nossofavor e que nova situação a obra de Deus criou graciosamente para todas asesferas e relações da vida.

3) CONTEÚDO DA EPÍSTOLA EM RESUMO: Capítulos 1 e 2:São constituídos basicamente do que Deus, em Seu Amor e Vontade

soberana, tem proposto desde a eternidade;

Capítulos 3 a 4:1-24:São expressivos dos grandes atos de Deus; isto é: aquilo que Deus tem feito e

revelado como o "mistério do Evangelho" presente de forma total em Jesus Cristo;

Capítulos 4:24 até o final da epístola:Este longo trecho é uma repercussão dos Atos de Deus: Seu amor, Sua luz

através da vida da Igreja e sobre o mundo. É exatamente — após tratar das obrasde Deus que aqui dão a medida exata da Natureza da Igreja como resultado daação de Deus (a Igreja é obra de Deus em Jesus Cristo) — que a carta vai tratar daMissão da Igreja no mundo também como resultado da mesma presença e obra deDeus em Jesus Cristo; o sentido da presença da Igreja em todas as esferas e emtodas as fronteiras da vida é dado como uma resultante dos atos de Deus em JesusCristo que criaram a nova ordem de relações (a comunidade cristã) e que constitui anova vida ou a boa nova de salvação para todos.

É muito extraordinário que o conteúdo de Efésios nos ofereça o mesmomovimento teológico que temos no Evangelho segundo João e que se resume noversículo 16 do terceiro capítulo: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira quedeu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenhaa vida eterna". Os cristãos não vivem daquilo que negam, mas daquilo que podemafirmar e confessar como os atos de Deus. Sobre Deus e sobre o homem, sobre acomunidade e a respeito de pessoas, quanto a extensão do Reino de Jesus Cristosobre os poderes do século (aeon), aos cristãos é dado conhecer as novas desalvação como atos praticados por Deus mesmo. Daí o método que a epístola

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segue na proclamação do Evangelho apoiando-se não nas bases da argumentaçãológica que pode ter seu valor alterado como variável é o coração humano.

Se Deus mesmo é a base e o motivo, nenhuma variação deve ser receada. AIgreja está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas sendo JesusCristo mesmo a pedra angular (Ef 2:20). A Igreja obviamente está dispensada dealicerçar-se e de fundamentar sua responsabilidade senão nos atos de Deusmesmo. Há epístolas paulinas em que o apóstolo parece tomar uma posiçãodefensiva porque a verdade do Evangelho mesmo, a Igreja visada na carta ou aprópria pessoa do apóstolo estão sendo atacados seriamente. Em Efésios,entretanto, um tom de júbilo triunfal, "falando entre vós com salmos, entoando elouvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais" (Ef 5:19),determina o caráter de cada pensamento e de cada sentença. É o júbilo de quemvive pelo privilégio de conhecer as boas novas concernentes a todos os homens,tanto gentios como judeus que induz o autor a omitir até mesmo as "provasescriturísticas" usadas nas outras cartas de modo geral.

Temos no caráter e na forma da epístola aos Efésios uma imagem muito ricado apóstolo como "evangelista": ele mostra um Evangelho no qual confiainteiramente, pois a dimensão do mesmo coincide com a Pessoa do próprio Deus.Não há nenhum perigo de que falte real comunicação ou amor pelo homem,quando um evangelista como Paulo testifica confiar no Evangelho comoSUFICIENTE!

Fora de qualquer dúvida, esta confiança faz parte inseparável da Missão daIgreja — é um dos sentidos do próprio testemunho da Igreja. Tratar da restauraçãodesta confiança já em si seria uma verdadeira renovação dentro da Igreja e,especificamente, uma total renovação de nossas formas tradicionais de 'pregação'do Evangelho como 'sermões' dados dos púlpitos. Efésios nos auspicia pela formaem que nos mostra o Evangelho (forma esta que o próprio Evangelho determina) apossibilidade de exame dos métodos e do conteúdo bem como dos objetivosdaquilo que nós chamamos hoje de evangelização ou de responsabilidadeevangelística da Igreja.

4) QUESTÕES QUE OFERECEM PROBLEMAS ESPECIAIS:Apresenta-nos a epístola algumas questões cuja solução racional nos escapa.

Todavia, não podemos deixar de encará-las humildemente. Aliás, devemos tratardessas questões para nos tornarmos mais conscientes da impossibilidade humanaem transformar a Palavra de Deus em mero objeto de pesquisa e curiosidadeintelectual. Os problemas levantados pela Epístola nos auspiciam uma atitude dehumildade perante o fato "invulgar" do Evangelho, mostrando-nos a medida exatade nossa contingência humana e levando-nos a desistir da pecaminosa tentativaem "desnaturar" o mistério da Palavra e violar o "escândalo" da mesma. Temos quenos convencer de que os limites da razão humana não são os limites da Vida emuito menos ainda os limites da Palavra de Deus. Nenhuma palavra humana podecapturar a Palavra e esgotá-la em sua plena significação. Esta tentativapecaminosa gerou muito conflito ao longo da História por se pretender com uma

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palavra (geralmente um conceito filosófico) aprisionar a Livre Palavra de Deus emJesus Cristo revelada para sempre.

1. "ELEIÇÃO" (erradamente chamada de predestinação) — é muito claro naEpístola que o apóstolo proclama o Evangelho como a revelação de uma "decisão"e uma "eleição" por iniciativa de Deus "antes da fundação do mundo" (Ef 1:11-14).Há uma série de verbos indicativos desta realidade. Numa leitura superficial dotexto e mesmo num estudo mais cuidadoso do sentido etimológico é possível aconclusão "fácil" de que o autor esteja tratando de um determinismo filosófico eesteja de pleno acordo com a mentalidade tradicional da "dupla" ou "simples"predestinação. Será real esta conclusão? As referências à eleição em Cristo podemser consubstanciadas numa doutrina ou crença determinista? Na simples fidelidadeao texto, sem pretender solucionar a questão, devemos sublinhar certas realidadesque o autor busca explicitar:

a) o sujeito dos verbos empregados — Paulo emprega uma terminologia emque procura comunicar precisamente a "gratuidade absoluta" do ato em que Deusnos torna "herdeiros do seu amor" ou “filhos adotivos"; isto é os verbos conjugam oamor (ágape), totalmente determinado por Deus em nosso favor. Entretanto, Pauloemprega tais verbos (inclusive o verbo proorisas que aparece em Ef 1:11) , com ogrande propósito de adorar neste ato redentivo (a eleição em Cristo), o amorsoberanamente livre de Deus revelado. "Eleitos em Cristo" e "em amor" sãoabsolutamente sinônimos.

b) a fonte de todas as bênçãos — Paulo, por outro lado, comunica com estesentido de "salvação antecipada" — a eleição na eternidade da vontade de Deusem seu amor — que é o amor de Deus a fonte exclusiva de todas as bênçãosconcedidas à Igreja e que a Igreja é um resultado precisamente dessa decisão doamor de Deus. Este é o sentido maior da grande palavra do Evangelho — a "graça"que redime o pecador.

c) "proorisas hemas" - (“nos predestinou para Ele” - Ef 1:5) — Este particípiosubordinado ao verbo principal indica como foi que Deus nos elegeu e, com umaprecisão totalmente nova, indica a finalidade de nossa eleição. A eleição nãoconstitui um fim em si nem mesmo um fim para os eleitos. Ela é efetivada dentro domovimento total e do propósito total do amor de Deus que determina tudo.

2. "CONHECIMENTO" E "INTELECTUALISMO" — Efésios apresenta umaênfase sobre certas palavras que podem induzir a uma noção intelectualista da fécristã. São as palavras gregas “apokalypsis" (revelação), "sophias” (sabedoria),“katalabesthai" (compreensão) e a palavra "gnosei" (conhecimento). Entretantoesta palavra "gnosei" que teria dado margem para toda a confusão de gnosticismobíblico, não aparece como uma simples "glosei", pois Paulo lhe antepõe um "epi" eemprega "epignosei" (que é muito freqüente em suas epístolas e é como apareceno Evangelho de João). Não há então possibilidade de confusão, pois se tratadaquele conhecimento “que vem de cima”, que vem por revelação de Deus e nãopor conquista humana. Paulo ora a Deus para que os cristãos sejam dotados do

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"espírito de sabedoria" e de "revelação". Paulo está convencido de que os eleitossão os que ouviram a "palavra da verdade" (Ef 1:13) e podem crescer emconhecimento (Ef 1:17; Ef 3:19; Ef 4:13) e que são responsáveis pela comunicaçãoao próprio universo (Ef 2:7; Ef 3:10) desta "multiforme sabedoria de Deus". Queatitude de arrogância pode derivar dai para a Igreja em relação ao mundo? Seráque é pelo conhecimento de certas coisas extraordinárias que se justifica a condutade prioridade da Igreja sobre o mundo? Esta questão de suma gravidade vamostratar na exegese sobre a Igreja especificamente.

3.) "MISTÉRIO" ou "SUPERSTIÇÃO"? — É na Epístola aos Efésios queencontramos certas realidades cuja ênfase tem sido dada pela melhor teologiareformada; por exemplo: "que Deus atua por grande amor e graça" (Ef 2:4,7); que"Deus ama" a Igreja até ao ponto de "entregar-se a si mesmo" em Jesus Cristo porela (Ef 5:2,25), e torna-se um exemplo de que cada um deve amar assim ao seupróximo com mútua sujeição (Ef 5:21). Mas, Efésios apresenta um apelo comrespeito a Cristo num sentido e numa dimensão que se poderia chamar de uma"cristologia redentiva de alcance cósmico"! Exatamente na Epístola em que se tratatão intensamente da presença de Cristo "pela fé" no coração humano, apontandocerta noção de interioridade da fé cristã, é que somos surpreendidos comexpressões que apontam para "regiões celestes", para "habitantes dos ares", para"potestades do maligno" e para as "hostes da maldade" (Ef 1:19; Ef 2:1; Ef 4:8; Ef6:11).

Em Efésios temos duas ênfases: o amor de Cristo e o caminho de Cristo noser humano; a outra é a que assiná-la a Cristo como "aquele que desce às partesinferiores da terra e que sobe às alturas celestiais" (Ef 4:8,10); Cristo é aquele emquem Deus exerceu a eficácia do Seu poder a ressurreição tendo-o colocado à Suadireita acima de todo poder, dando-lhe todo o domínio e submetendo tudo a seuspés (1:20-22). Isto é, em Efésios, Jesus é maior que tudo e tudo está submetido àsua autoridade, mesmo aqueles que se rebelam, tais como os "principados epotestades (1:21; 3:10 6:12), os séculos (aeon) e das gerações (Ef 2:7; Ef 3:5), dopríncipe do ar, maldade ou maligno (Ef 2:2; Ef 4:27; Ef 6:11).

A totalidade do mundo (Ef 1:10), o ar, até regiões celestes (Ef 2:2), parecemestar cheios e .dominados por tais espíritos. É muito impressionante que a epístolafale tanto na "sabedoria e no conhecimento da verdade" e ao mesmo tempo useuma constelação de expressões de conotação supersticiosa. Tal fato levantaproblemas muito sérios para a nossa compreensão da Cristologia dada na epístolaem que Cristo é a "cabeça sobre todo o universo" (Ef 1:10) — temos aí sem dúvidauma dimensão cósmica da fé cristã. Mas, como em Colossenses, Cristo não estáem guerra com o Universo e sim "reconciliando todas as forças e fazendo a paz".

4) ECLESIASTICISMO: (OU VIDA COMUNITÁRIA)? — É, como jádissemos, a epístola que trata, em sua verdadeira essência, da Igreja. Muitasepístolas do Novo Testamento são endereçadas a uma ou outra Igreja em algumacidade do mundo Mediterrâneo; Efésios também. Mas, em adição, Efésios é umacarta sobre a Igreja, sobre a Igreja com “I” Maiúsculo segundo podemos discernirno grande documento do apóstolo. Não sobre os problemas de determinada

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congregação local, mas da IGREJA em sua Unidade (Ef 4:3), em sua Santidade (Ef1:4; Ef 5:27), em sua Apostolicidade (Ef 2:20; Ef 3:1; Ef 4:7,11; Ef 6:15-20) e em suaCatolicidade (Ef 2:19; Ef 4:13; Ef 6:18). No foco da epístola está, mais uma vez, aIgreja Universal em todas as Suas relações. A concentração de Efésios no tópico"Igreja", encontra alguns paralelos no Evangelho de Mateus, na primeira Epístolaaos Coríntios, nas epístolas endereçadas a Timóteo e a Tito, em I Pedro e nas setecartas do Apocalipse em seus capítulos 2 e 3. Quanto mais a Igreja tem crescidomais tem crescido o interesse dos estudiosos sobre a questão da "Natureza daIgreja". Atualmente a Igreja Católica Romana e a Comissão de Fé e Ordem doConselho Mundial de Igrejas estão fascinados por este tema. Haverá apóio naepístola aos Efésios para as noções de uma Igreja Mundial de acordo com opensamento Católico Romano e o pensamento Protestante?

Efésios nos ensina que a Igreja é o Corpo de Cristo (Ef 1:23; Ef 4:4, 12; Ef5:30); que a Igreja é a "plenitude daquele que é tudo em todos" (Ef 1:23). Dai, serápossível concluir que a Igreja seja a 'extensão da encarnação', a "sociedaderedentiva" ou a expressão histórica da 'natureza divina'? Leitores que por natureza,nascimento ou inclinação pessoal sejam Católicos Romanos ou Anglicanos pareceque sempre se regozijam em justificar com Efésios todo o seu eclesiasticismo! Dequalquer forma, ansiosos ou jubilosos, o fato é que todos nós temos a tendência dejustificar "nossa" Igreja como a portadora da real presença de Cristo e chegamosaté a tomar a decisão de determinar tal presença... Entretanto, face a tal problemaconvém lembrar sempre que dois evangelistas narram o estranho acontecimentoem que a "assembléia em torno de Cristo" foi o obstáculo para que uma pessoativesse acesso a Cristo (Lc 5:18-19 e Mc 2:1-4)! É possível que a Igreja constituauma parede a separar o homem de Cristo impedindo-lhe comunhão com Deus?Haverá possibilidade de tal problema? A Igreja pode chegar à terrível tentação decolocar-se como Igreja no lugar de Cristo? Tudo o que Efésios nos oferece sobre aIgreja se refere à obra de Deus em Cristo em que a Igreja se deve inteiramente àobra da graça do Senhor.

5) MORALISMO: (OU ÉTICA "EM AMOR")? — Nenhum pesquisador sérioda verdade e da sabedoria no campo da ética pessoal e comunitária podequestionar o valor de termos como crescimento e perfeição amor e justiça, poder eunidade. Tais conceitos brotam na epístola contra toda a mentalidade da impurezado paganismo que contrasta com a nova vida que se abre em Jesus Cristo: (Ef4:13,17-24; Ef 5:3,8). Paulo, entretanto, vai até ao detalhe especialmente nochamado "código doméstico" (Haus-Tafeln) em que nos dá exortaçõesconcernentes à vida cotidiana do homem e da mulher, pais e filhos, senhores eservos (Ef 5:21 6:9). Tais exortações são dadas e fundadas em duas palavraschaves do texto: "submissão" e "obediência" (Ef 5:21,33; Ef 6:1,5). Tal fato temfeições que tendem a uma espécie de autoritarismo e conservadorismo moral quenão incluem justiça e possibilidade de mudança ou "revolução" nas relaçõeshumanas. Parece agravar-se o problema quando alguns estudiosos observamcerta omissão da epístola quanto a doutrina da segunda vinda de Cristo. Emboranão se possa negar o silêncio da carta quanto a dimensão escatológica emespecífico, pode-se pelo menos constatar uma ênfase unilateral na realidade davida terrena. No capítulo seis, especialmente, o autor dá claramente a idéia de uma

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aceitação total, em submissão, do servo ao seu senhor sem encorajar qualquer lutapor modificação.

Parece, por outro lado, que o autor de Efésios ignora que "nós não temos aquinossa última cidade" (Hb 13:14) e parece esquecer que "nós somos estrangeiros eperegrinos sobre a terra" (Hb 11:13; 1Pd 2:11). Enquanto outros livros do NovoTestamento tratam claramente da dispersão da Igreja ou da vida cristã no mundocomo uma vida em "diáspora" (Tg 1:1; 1Pd 1:1), o autor de Efésios ensinaexplicitamente que "vós não sois mais estrangeiros e forasteiros, mas simconcidadãos dos santos e família de Deus" (Ef 2:19)! Que estranha parece ser esta"casa de Deus"! Quão aprisionante sujeição (Ef 5:21 e Ef 6:5)! Que grandeinspiração para conselhos legalistas quando não há nem possibilidade de umaporta aberta pata libertar o escravo do seu senhor autoritário, nem mesmopossibilidade de emancipação da mulher ou do homem quando vítimas da injustiçaou impiedade!

Aí estão as questões que oferecem os principais problemas para a exegesenesta epístola do Novo Testamento. Os grandes perigos e problemas dedeterminismo, intelectualismo, superstição demonológica, eclesiasticismo, e,finalmente moralismo legalista! Referi assim cada problema não somente paraprovocar nossa reflexão mais profunda e criativa, mas, especialmente, porfidelidade aos textos e para desafiar-nos a uma visão mais integral de um estudobíblico que nos liberte da fragmentação da Palavra de Deus. Um dos mais sériosproblemas no estudo bíblico está precisamente nas interpretações que violentam osentido do Evangelho e o reduzem a "evangelho do nosso pobre reino individual,deixando de ser o "Evangelho do Reino de Deus".

O único método de "preparação para o Evangelho da paz" (Ef 6:15) e acorrespondente tarefa da evangelização não é o estudo de "métodos deevangelismo" e sim a comunhão com o Evangelho mesmo. É este o plano daepístola aos Efésios; daí sua relevância para a nossa presente situação.Tentaremos nas páginas seguintes acompanhar o autor na apresentação doEvangelho que ele nos dá na proclamação aos "santos em Cristo e em Éfeso".

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CAPÍTULO I

A PROCLAMAÇÃO DOS ATOS DE DEUS

"Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos, fezum; e, tendo destruído a parede de separação queestava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne a leidos mandamentos na forma de ordenanças para quedos dois criasse em si mesmo novo homem, fazendo apaz, e reconciliasse ambos em um só corpo em Deus,por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade."

(Ef 2:14-16)

Efésios não parte de abstrações ou de princípios especulativos, mas sim deeventos indicativos da Ação de Deus na História em Jesus Cristo especificamente.É uma epístola que parte da conjugação dos verbos que proclamam, quecomemoram os grandes atos de Deus praticados em e por Jesus Cristo. Aqui, nestacarta de Paulo, temos a explícita referência a "mão de obra" de Deus (Ef 2:10), a"perfeita humanidade" (Ef 4:3), a um "novo homem" criado conforme à imagem deDeus (Ef 4:24) ou "nova natureza", segundo a tradução RSV e conforme Cl 3:9). OEvangelho que Paulo é comissionado a proclamar aos gentios (Ef 3:8), como "dasinsondáveis riquezas de Cristo", é apresentado basicamente como a morte, aressurreição e o domínio universal de Jesus Cristo como expressão do amor deDeus para com a humanidade no contexto do mundo "judeu-gentílico".

1.a) A SEPARAÇÃO DESTRUÍDA POR JESUS CRISTO

"PAREDE DA SEPARAÇÃO" (mesotoichon) - Ef 2:14Estas duas expressões são chaves do conteúdo total da epístola: a chamada

"parede de separação" que foi removida ou aniquilada, tendo perdido totalmentesua significação (por ter sido anulada) por Cristo. Na totalidade da carta o apóstolonos mostra que o Evangelho é a ação de Deus que se move sobre este eixo: Cristofez a Paz destruindo o muro de divisão. Eis porque a própria compreensão da Igrejacomo uma realidade de "relações" não nos pode escapar no estudo desta epístola.O eixo da ação de Deus em Filipenses, Colossenses e Romanos são argumentosCristológicos — o eixo em Efésios é a realização da Paz pela destruição da paredede separação: (Cl 1:15-20; Cl 2:14; Fp 2:6-11; Rm 3:1-26, etc.)

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QUE SIGNIFICA ESSA "PAREDE DE SEPARAÇÃO"?Podemos examinar primeiramente quatro possibilidades de sua significação

na epístola:

a) A parede de separação pode ser uma alusão à parede divisória dotemplo de Jerusalém que separava os judeus adoradores dos gentiosvisitantes. Aquela parede sem dúvida, selou aos pagãos como aqueles que são"do lado de fora". Pode também ser uma alusão ao anjo dando guarda em volta daterra prometida em Gênesis 32:1-2. Há também uma referência na parábolaprofética do Livro de Isaías 5:5 em que a Casa de Israel é chamada a "vinha doSenhor" e Deus promete derrubar o seu muro afim de ser pisada.

Alguns estudiosos do Novo Testamento sustentam que a carta aos Efésios foiescrita pelo ano 70. Neste caso Paulo não seria então seu autor. O elemento maisforte para estes comentaristas é exatamente o nosso texto em Ef 2:14 que,segundo eles, se refere à destruição de Jerusalém e do templo, em conseqüência,pelos romanos. Mas, neste caso, nos parece muito estranho que a catástrofehistórica que foi a queda de Jerusalém esteja servindo como objeto adornado comum argumento da obra de Jesus Cristo, isto é, um argumento cristológico da maisalta relevância pois sobre Ele repousa o sentido da obra de Jesus Cristo como autorda paz, sendo usado para simplesmente adornar a queda de Jerusalém! O fato éque o muro do templo e os muros de Jerusalém não esgotam o fundamento do textoem sua significação.

b) Outra possibilidade de compreensão do pensamento de Paulo aosEfésios é a referência à lei mosaica. A lei havia assumido uma função divisionistasegundo a interpretação rabínica que havia erigido um corpo de ordenanças eestatutos estabelecidos em certo modo para facilitar o cumprimento da Lei. Talcorpo de ordenanças era causa de divisão muito forte. Em Romanos, Gálatas eEfésios há uma distinção idêntica entre a Lei do Senhor e as "interpretações" dosrabinos fariseus (Rm 7:13; 3:31; Gl 3:19). Além do problema destas"interpretações", denunciadas como verdadeira corrupção da Lei, o autor de'Gálatas trata da função "tutelar" da Lei, implicando nisso, um sentido transitório daLei em relação ao sentido permanente da revelação da fé (Gl 3:23). A paredeabolida por Jesus Cristo poderia significar para o autor as ordenanças rabínicas oua própria Lei, em sua função de tutora até a chegada de Cristo. O capítulo terceiroda segunda epístola aos Coríntios parece apoiar esta interpretação quando trata da"remoção do véu" na antiga aliança pela nova aliança; ali o autor trata exata eexplicitamente da Lei como sendo o "ministério da condenação" escrito em tábuasde pedra" — "glorioso", mas inferior à glória do "ministério da justiça"!

Paulo mostra, sem sombra de dúvida, em Gálatas e em Romanos que a pazcom Deus e a liberdade da vida dos filhos de Deus não se alcança à glória demaneira nenhuma pela prática estatutária das "obras da lei". Somente uma atitudeescravizada à mentalidade legalista e formalista poderia sugerir a noção de quehaja alguma possibilidade de se alcançar "méritos" perante Deus mediante aobservação de certos deveres rituais. Com efeito, de acordo com Efésios 2:14-16— a "lei de ordenanças e estatutos" — se constitui num instituto divisionista entre

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Judeus e Gentios, colocando-os numa situação de inimizade mútua em face deDeus. Na discussão das "obras" (Ef 2:5,8), Paulo focaliza a mesma perspectiva dasEpístolas aos Romanos e Gálatas.

Realmente, o ensino a respeito da Lei é o mesmo nas três epístolas paulinas.A parede ou o muro destruído por Cristo pode significar precisamente a anulaçãoda função divisionista da Lei (motivada pela mentalidade legalista) sem ferir demaneira alguma a validez da Lei na economia da redenção.

c) A "parede" que divide os homens uns dos outros e de Deus e que foiremovida por Cristo, pode ser uma referência à "cortina" ou "véu" do templode Jerusalém que separava o Santo dos Santos. Em Marcos 15:38 o incidenteem que se rompe o "véu do santuário" está relacionado diretamente à "hora" emque Jesus Cristo "expira na cruz". Afirma o texto literalmente que o "véu rasgou-seem duas partes de alto a baixo". Isto porque a morte de Cristo é o evento quepossibilita a abertura do caminho de acesso ao Pai. Em Hb 10:19-22 há a referênciaprecisamente a este sentido aqui mencionado.

d) Finalmente, a "parede abolida" — pode significar as barreiras entreo homem e Deus, entre o homem e o homem, que consistem em "figuras" depoder nomeados como "anjos", "principados", "potestades", "hostes domaligno". O autor parece ter em mente um "reino invisível", formado de poderesincontroláveis, idéias, normas, ordens de forças que verdadeiramente dividem eseparam a terra dos céus que Deus governa. Entretanto, Paulo também afirma apresença desta "ordem de forças" nas "esferas celestiais". Aquilo que nóschamamos pela palavra "inferno" pode significar este "reino" de forças deseparação. Então a "parede" de que Efésios trata afirmando que Cristo destruiu,pode ser uma perfeita metáfora para os poderes dominantes de caráter angélico edemoníaco que tornam a vida humana uma vida miserável. Estes poderes, naEpístola aos Efésios não aparecem apenas em relação ao homem, mas sãotratados em sua relação cósmica. A "parede" de separação pode também envolveros níveis "racionais", "irracionais", "mágico", "religioso", "individual" e "coletivo",enfim todas as esferas de que participa a vida humana como as esferas de que elanão participa. Efésios declara a "atuação" destes poderes sem discutir a naturezados mesmos.

Temos uma indicação cheia de significado para nossa compreensão, emboranão nos ofereça muita segurança, de que a compreensão "legalista e meritória" dasrelações com Deus e os chamados "rudimentos cósmicos" são coisas idênticas. Éuma possível conclusão a que chegamos da leitura em Cl 2:8 e Gl 4:3-9 — onde a"Lei" (como ordenação legalista) e os "rudimentos do mundo" (stoicheia touKosmou) são a mesma coisa. Em Efésios 2:14 não só a parede da assim chamada"lei natural", e das "obras meritórias", mas também a "parede" no sentido dementalidade ou de estruturas mentais da vida são declaradas dissolvidas. Parecehaver um relacionamento da "parede abolida" com a totalidade das forças que de

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uma forma ou de outra, atingem a vida humana tanto de fora para dentro como dedentro para fora.

A seleção de um dos quatro significados acima apontados para a expressãodo apóstolo que procura comunicar o significado da própria morte de Jesus Cristona Cruz, é muito improvável que possa ser feita. A variedade de significação de sualinguagem e o fato de nela estar referido o sentido mais central da mensagem daIgreja — o significado da morte do Senhor — nos adverte seriamente a nãolimitarmos a realidade do texto paulino sobre a "parede destruída" à esfera"religiosa". É inquestionável, quando lemos Efésios e, especificamente o versículoquatorze do segundo capítulo, que se trata do Evangelho cujo poder e implicaçõessão concernentes às esferas políticas, cósmicas, intelectuais, morais ou éticas atéàs distinções físicas e metafísicas de todas as estruturas da vida do homem e dasociedade. Traduzindo na linguagem contemporânea: Efésios proclama o queJesus Cristo tem feito com as divisões existentes entre raças e nações, entreciência e ética, entre leis naturais e códigos sociais, povos primitivos e povos,progressistas, os de fora e os de dentro, entre todas as instituições onde se jogacom o ser humano. O testemunho de Efésios a Jesus Cristo é inequívoco quanto aopoder de sua morte para quebrar, destruir e superar todas as fronteiras e divisõesentre os homens. Ainda mais, Efésios proclama que Jesus Cristo reconciliou ohomem com Deus e criou a ordem nova das relações para todos os homens.

1.b.) CONFESSAR JESUS CRISTO.Tal é o alvo fundamental. É afirmar em novas relações, a destruição definitiva

de todas as formas de forças divisionistas, de hostilidade, de inimizade, desegregação e a nulidade de toda sorte de "gueto".

Nem rico, nem pobre, judeu ou grego, homem ou mulher, de qualquer cor ouraça, pode pretender superioridade e, muito menos, apropriar-se de Jesus Cristocom alguma ambição de exclusividade (Ef 4:22). Não tem sentido vermos o homempelos critérios divisionistas e artificiais que criamos — Deus revelou em JESUSCRISTO uma NOVA HUMANIDADE, é através deste ato grandioso de Deus, quese chama JESUS CRISTO, que podemos e devemos saber o que é o HOMEM. O"velho homem" estabelecido pelos elementos da "concupiscência enganosa" foideclarado irreal, totalmente vão, anulado e com ele toda ordem de relações que tal"humanidade" estabeleceu.

Jesus Cristo criou uma realidade para todos os homens, uma vitória embenefício de todos — para ambos — (Ef 2:14; Ef 4:21-24); não pode haverdiscriminação alguma que já não haja sido condenada e anulada por Jesus Cristo.Há agora um novo rosto de homem perante todos os homens. Podemos repetir comEfésios que agora "há um novo homem criado segundo Deus" (Ef 4:24)! Não hámais nenhum significado em permanecermos em nossas próprias obras, pois játemos a "mão de obra" de Deus (o novo homem) criado em Jesus Cristo para as"boas obras" (Ef 2:9)! É inteiramente vão chamarmos Jesus Cristo "Senhor,Senhor", a não ser que signifiquemos por "Cristo" este novo homem, o fim dasdivisões separatistas, "uma realidade nova feita de ambos", um "novo corpo" ondemorrem os dois antagonistas de Deus (Ef 2:14-16).

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Dizer "Senhor, Senhor" significa afirmar o império de um Reino novo, umanova ordem de relações cujo critério é aquele "homem novo"; isto é, dizer JesusCristo, significa dizer: RECONCILIAÇÃO, ou PAZ (Ef 2:16 e Ef 2:14,17). Em termosnegativos, significa dizer "abolição" e "ab-rogação" de cada hostilidade e de todasas hostilidades (Ef 2:14)!

Abolição e Paz — estas grandes palavras nos arrancam da utopia, ou doescárnio, de que o Cristianismo deve produzir uma espécie de humanidade semsexo, sem raça, sem diversidade de ocupação e situação social — um"super-homem". As palavras "nem judeu, nem grego, nem escravo, nem livre, nemhomem ou mulher; todos sois um só em Jesus Cristo" (Gl 3:28; Cl 3:11; 1Co 12:13)pelas quais Paulo descreve a obra de Cristo, não significam a inexistência de sexo,nacionalidades, classes e ocupações. De outra forma Paulo não incluiria em suascartas exortações especificas a judeus e gregos (Rm 2:17; Rm 11:13), a esposas(Ef 5:22; Cl 3:18), servos e senhores (Ef 6:5), etc. Mas, a fé em Jesus Cristo,enquanto se trata de Cristo mesmo, significa as duas coisas — existem asdistinções —e, exatamente nele, elas são transformadas e incorporadas napossibilidade de uma vida comum: os que estavam formalmente em oposição, quese excluíam mutuamente, separados por circunstâncias que pareciam ser um"muro" intransponível.

Confessar Jesus Cristo, de conformidade com Efésios significa afirmarsimples e redentivamente: COMUNIDADE, CO-EXISTÊNCIA, NOVA VIDA,RECONCILIAÇÃO, PAZ (Ef 2:14).

As implicações desta equação para a totalidade da vida da Igreja hoje sãoenormes (JESUS CRISTO — RECONCILIAÇÃO — COMUNIDADE —CO-EXISTÊNCIA — PAZ)! Podemos, graças à dádiva da Palavra de Deus emJesus Cristo, e devemos repensar sempre sobre a Natureza e a Missão da Igrejacomo relevante em qualquer situação e face a qualquer ovelha ou nova fronteiraque desafie a nossa fé. Podemos pensar sobre a Natureza e a Missão exatamentecomo a "nova humanidade" (esta forma que o amor de Deus tomou em Jesus Cristopara estar presente na história e expressar-se como "nova humanidade serva"; aíteremos a perspectiva para um re-exame fecundo e renovador (revitalizante) daMissão Cristã frente às tensões reais e artificiais do mundo contemporâneo: - adesordem das relações internacionais, a pré-potência de qualquer Nação sobre asdemais, desordem das relações eclesiásticas, a tensão das gerações e dasdiferentes classes sociais, as tensões entre os diversos "mundos" que estãotentando em “coisificar” o homem (transformar o homem reduzindo-o a uma coisa,um objeto como, por exemplo, mão de obra, uma ficha, um número, etc.).

Efésios confessa e celebra com júbilo intenso (é uma carta cheia de melodia!)a grandiosidade do Ato de Deus chamado JESUS CRISTO em cuja realidade damorte e da ressurreição temos a criação da Nova Ordem das Relações.

Confessar Jesus Cristo é afirmar a nulidade de todas as formas e critérios derelações que segregam e fragmentam a vida humana; é afirmar que, uma vez por

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todas, Deus aniquilou, que Deus anulou a força de todos os "rudimentos domundo", reduziu a nada as "potestades" do século em torno às quais estavaestruturada a vida e todas as relações humanas.

Mas, COMO é que Cristo destruiu o "muro de separação" entre o homem eDeus? Seguir o significado de Efésios é ir bem mais longe do que simplesmenteafirmar que Jesus Cristo é o "evento" de unificação social! Efésios coloca a maiorênfase no fato de que "somente Jesus Cristo é aquele que traz a Paz e aReconciliação entre Deus e o homem". Isto é, somente Jesus Cristo é o EVENTOREDENTOR.

Como é que Efésios proclama a efetividade da Paz? A resposta a estapergunta básica é uma resposta múltipla: "em seu sangue" (Ef 2:13); "em suacarne", (Ef 2:15); "através da cruz", (Ef 2:16); "em si mesmo" (conforme o textogrego de Ef 2:15-16) ; "em um espírito" (Ef 2:18). As palavras "sangue", "carne","um corpo", "um espírito" nenhuma outra realidade circunscrevem senão JESUSCRISTO MESMO! Isto significa que a totalidade de sua humanidade, e, maisespecificamente, sua morte na cruz, seu sacrifício é o caminho único em que nosvem a Paz. As palavras "em sua carne", "em seu sangue", em um corpo", são asbrutais palavras em que se traduz o concreto sacrifício do amor substitutivo — éexatamente por "substituição" que somos redimidos e reconciliados com Deus epara Deus — isto é — "EM JESUS CRISTO" somos salvos e não "EM NÓSMESMOS"!

Em Efésios, a morte de Cristo na cruz não resulta em miséria, mas naquiloque, se chama "at-one-ment", isto é, o resultado redentivo, reconciliador do homemcom Deus, a Paz do homem com Deus e com o homem é o saldo da morte de Cristopara a humanidade. A epístola aos efésios não apresenta uma doutrina elaboradada Encarnação ou da Expiação. Mas, trata a morte de Cristo explicitamente como"uma entrega de si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus" (Ef 5:2)! Trata,então dos resultados, dos efeitos permanentes da morte de Cristo, da ressurreiçãode Cristo, de CRISTO MESMO, como o "evento" da reconciliação e da Paz! Ele é anossa Paz". Contudo, a cruz é mencionada como o meio da reconciliação; aspalavras sacrificiais "sangue" e "carne" expressam o tom do argumento (Ef2:13-18). A dádiva de si mesmo "como oferta e sacrifício", em Efésios (Ef 5:2) éafirmada exatamente para estampar perante seus leitores o "paradigma de Cristo"para a nova vida inaugurada: da mesma forma como "Cristo vos amou e seentregou a si mesmo por nós..." Em semelhante caminho podemos discernir emCl1:22, em Hb 2:14 e no Evangelho segundo João 1:14, que a carne e o sangue e amorte de Cristo (isto é a totalidade da humanidade de Cristo sacrificada), são omeio em que a Graça e a Verdade, a Reconciliação e a Vida, o Amor e a Paz, sãodados ao homem. Paulo é extremamente explícito: Ele declara em palavras quenão deixam dúvida alguma, que pregar significa "tornar conhecido e proclamado",nada senão "Jesus Cristo e este crucificado" (1Co 1:23; 1Co 2:2).

Os termos sacrificiais "sangue" e "carne" usados em Efésios 5:2, a freqüênciacom que a morte de Jesus Cristo no Novo Testamento é situada em referência aocapítulo 53 do livro Isaías — tais fatos indicam claramente que temos, numa

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compreensão conjunta dos textos do Antigo e do Novo Testamento, a mais vividaresposta à questão do "por que e do como que a morte de Cristo "faz a Paz"!

Enquanto no Antigo Testamento o "muro" (o véu do templo!) está construído eo rompimento do mesmo tem que ser feito por um "mediador", em Efésios o próprioresultado da "dádiva" do mediador é apresentado. Não somente para Israel ("osque estavam perto" — Ef 2:17), mas igualmente para os Gentios ("vós que antesestáveis longe" — Ef 2:13) — a salvação é alcançada.

No Antigo Testamento o "muro" permanece para o povo de Israel enquantoque no Novo Testamento ele é abolido. Esta é a diferença entre ambos. Contudoem ambos, há o elemento essencial que lhes é comum: o homem escolhido por atode Deus como o "mediador", o "intercessor". Ele intercede perante Deus pelooferecimento de si mesmo e a totalidade de sua vida finalmente. Ele se coloca nãoao lado de Deus contra os pecadores a acusá-los, mas, ao contrário, Ele está,estranhamente, ao lado dos “inimigos” (os que não têm comunhão e se rebelramcontra Deus na condição de pecadores) de Deus para orar, para interceder por Elesdiante de Deus — sua intercessão, sua oração é o oferecimento de si mesmo, seucorpo, sua vida, sua honra, sua bênção, sua eleição, seu amor total a Deus "pelostransgressores", os malfeitores (Isaias 53:12 e Efésios 5:2), "por nós"!

Como os Efésios têm "Paz" com Deus em Jesus Cristo"? Nós agora podemosresponder esta pergunta: porque Eles podem contar com UM que, do seu lado,intercede por eles perante Deus. Eles não estão mais sozinhos. Por eles tem oradoAquele que é Justo (1Jo 2:1) e que é "amado" (Ef 1:6). Aquilo que Efésios não dizexplicitamente sobre a intercessão de Cristo é claramente refletido em João17:1-26; 1Jo 2:1, e Hb 5:7; Hb 7:25, e é dramaticamente descrito em todas asnarrativas dos evangelistas quando mostram a Jesus Cristo numa cruz entre doiscriminosos e ao mencionar as "últimas" palavras do crucificado. A intercessão feitapor Jesus Cristo é a soma total de sua vida e sofrimento que o símbolo dosapóstolos expressou no uso dramático do verbo "Padeceu...". Esta realidade dointercessor é totalmente nova, é inaudita a Israel. No antigo Testamento temos aconfissão de Moisés: "Eu não posso sozinho levar todo este povo, pois me épesado demais" (Nm 11:14-15 e Ex 18:18).

Efésios denuncia como completamente inúteis, estéreis, todos os meios eengenhos do homem em fazer a Paz. Ela é a grande decorrência, a máximapalavra, que vem do sacrifício de Jesus Cristo; é a realidade "pré-determinada" porDeus em "seu filho amado" (Ef 1:4-6), o que efetivamente temos "em seu corpo"..."através da cruz" (Ef 2:13) em que o "seu sangue", a "sua carne" aboliram amuralha de separação entre o homem e Deus e entre homem e os demais homens:"Paz aos que estavam longe e aos que estavam perto".

A profundeza, a verdade e o poder desta confissão do nosso próprio pecado ea "entrega que Cristo fez de si mesmo" por nós é que nos torna possívelcompreender a redenção como uma dádiva para todos que necessitam e não comouma possessão privada de certa "classe" de pessoas (os do lado de dentro)! Se nãopodemos crer que Jesus Cristo intercede, ora morre pelos "estrangeiros", pelos

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"desesperados", pelos "a teus no m u n d o" (Ef 2:12), então não cremos que Elemorreu por "nós".

Sua morte e seu chamado, a Paz e a Reconciliação que Ele criou são paraambos e entre ambos: os de "perto" e os de "longe". Ou Cristo é a "boa nova" paraqualquer um ou, então, seu sacrifício será nulo e vão. Em Efésios 2:13-18, Pauloproclama inequivocamente, e nós somos chamados a crer que a morte de JesusCristo não foi em vão — que o muro de separação entre o homem e Deus, entre ohomem e o homem, foi destruído.

A boa nova da "destruição da parede de separação" e a "nova humanidade"criada para a vida de paz é incondicional. Veneno é injetado no "Evangelho da Paz"se nós limitamos sua validez por qualquer condição ou restrição.

Para falar em termos de Efésios: nós fomos eleitos em Jesus Cristo (fomosaproximados a Deus e temos paz uns com os outros) não porque sejamos"irrepreensíveis e santos", mas para que o sejamos "perante Ele" (Ef 1:4).

Cristo morreu por nós não por causa de "nossa pureza ou santidade", mas, aocontrário, pela nossa impureza e iniqüidade, afim de "santificar a Igreja pelapurificação... e apresentá-la perante Ele em glória, sem mácula, ou ruga, nemcousa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5:26,27). Temos que observarnestas sentenças tão explícitas a completa ausência de qualquer condicional. Aobra de Cristo proclamada em favor do homem na carta aos Efésios desconhecepor completo o condicional "se"! E, por outro lado, não podemos deixar de observaro uso freqüente das conjunções finais e consecutivas: "de modo que" e "afim deque"!

A morte de Cristo, sua efetividade histórica, sua significação total é apossibilidade suficiente da nova ordem de relações. Primeiro e sempre as "boasnovas": nós fomos alvo de intercessão e oração, do amor e do sacrifício de JesusCristo; então, o chamado a "andarmos de maneira digna da vocação a que fomoschamados" (Ef 4:1). Em primeiro lugar a eterna vontade e o eterno plano de Deusem redimir-nos no "sangue" de Cristo "em amor" (Ef 1:7) é "acesso ao Pai" (Ef 2:18;3.12). Antes de tudo Jesus Cristo desce "às partes mais baixas" e "ascende àspartes mais altas" com o propósito de "cumprir todas as cousas" (Ef 4:8-10; Ef1:20); então, nós podemos ter esperança e intercede para que "sejamos cheios detoda a plenitude de Deus" (Ef 3:19) . Em primeiro lugar somos "salvos pela graça...então, segue: "afim de que andemos nelas" (Ef 2:10; Ef 4:1ss).

A novidade de vida e a retidão do nosso caminho são o propósito e aconseqüência dos atos de Deus que celebramos na morte e na ressurreição deJesus Cristo (exatamente como em Romanos 6:3ss). Não existe nada queestabeleça condicionamento do Evangelho. Qualquer tentativa em promover um"evangelismo" que aprisione a mensagem da cruz a qualquer condição, que a"suspenda" até que certos preparativos "espirituais" sejam feitos na Igreja e omundo possa observar, será sempre "um evangelismo nosso" e uma traição aoEvangelho — atos de Deus — que coloca a cruz antes e acima de tudo. A

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proclamação de Jesus Cristos crucificado é a pré-condição e o fundamentoexclusivo para a proclamação da nova vida e do novo caminho "de antemãopreparado" para que andemos segundo as "boas obras" que Deus mesmopreparou (Ef 2:10. "Cristo crucificado" é muito mais do que certa qualificação damensagem dos cristãos para o mundo e de sua vida no mundo. Realmente, a"crucificação do Senhor da Glória" (1Co 2:8), isto é, a suprema humilhação do Filhode Deus" (Fl 2:6), é a verdadeira motivação, fundamento, centro e sentido de "tudo"que os cristãos têm para testificar por palavras e por obras no mundo em todos ostempos. E há apenas um evento, único em equivalência à crucificação de Cristo,que permanece, uma vez para sempre, no coração mesmo do Evangelho que aIgreja proclama: A RESSURREIÇÃO.

1.c. A RESSURREIÇÃO: UM SOBRE TODOS.

A ressurreição é o evento por excelência. Não nos é possível argumentá-la;não podemos explicá-la; não podemos reduzi-la a um objeto de comprovação.Podemos receber e participar, segundo a mensagem do Novo Testamento, de suasignificação. É básico sabermos que Efésios, como os demais livros do NovoTestamento, não se preocupa em tratar de como foi que Cristo ressuscitou.

Em contraste com a literatura apócrifa e outros documentos de grupossectários, Efésios não pretende penetrar no secreto de "um evento" sem paraleloalgum na história e na experiência humana. Contudo, a significação, o poder e asconseqüências demandam interpretações e proclamação. Podemos questionarcomo pode a morte de um homem afetar e mudar o curso dos séculos e as vidas demilhões e milhões de pessoas em todo o mundo!

A ressurreição de Cristo pelo poder de Deus é a solene aceitação do"oferecimento sacrificial" de Cristo em favor do homem. O oferecimento feito a Deuspermanece na dependência da aceitação divina: (Ef 5:2; Gn 8:21; Ex 29:18; Ez20:14). O caminho em que o sacrifício de Cristo é aceito por Deus corresponde àtotalidade da sua morte e à unicidade absoluta da crucificação. Esta é asignificação da ressurreição em Efésios; significa que o "mesmo Jesus Cristo quedesceu às partes mais baixas da terra" (Ef 4:9), é por um ato poderoso de Deuslevantado ao mais alto lugar de honra (Ef 1:19-22; Hb 2:9). Não somente aspalavras, (ensinos), os atos e os sofrimentos, mas a totalidade, Jesus Cristomesmo, é recebido por Deus e elevado à mão direita de Jesus (Ef 1:20) . Tudo queencontramos no Novo Testamento é conexão inseparável com a morte de Cristotorna permanente o evento da sua crucificação.

A ressurreição revela que o sacrifício feito na cruz é para Deus "aromaaceitável". A ressurreição é a resposta de Deus à oração intercessória dacrucificação de seu Filho pelos pecadores. A ressurreição é a manifestaçãogloriosa do amor que fez Jesus Cristo entregar-se até à morte na cruz; e Ele é afonte do nosso amor para com Deus e uns para com os outros.

Em Efésios três aspectos da significação da ressurreição são enfatizados

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especificamente:

1º) A ressurreição de Cristo por Deus é um ato de tal graça e de talmagnitude de poder que só-mente Deus pode mostrar. "A suprema grandezado seu poder" (Ef 1:19) e a "suprema riqueza da sua graça" (Ef 2:7). A ressurreiçãosignifica que tal poder e tal graça se manifestam em "supremacia" como oreverso da ordem normal "vida-morte" sob a qual estávamos cativos e semnenhuma esperança (Hb 2:15), estabelecendo a nova ordem: "morte-vida"!"Aquele que desceu... é o mesmo que subiu..." (Ef 4:10); "Vós... nós os queestávamos mortos... Ele deu vida... com o propósito de mostrar nos séculosvindouros a suprema riqueza da sua graça em bondade para conosco em JesusCristo" (2:1,5,7). "Pelo que diz: desperta tu que dormes, levanta-te de entre osmortos e Cristo te iluminará" (Ef 5:14). Isto é, para o autor de Efésios, falar de Deussignifica falar do poder e da graça de Deus em favor do homem escravo na mortesem nenhuma possibilidade de libertar-se! Efésios trata daquela graça que semanifestou, o Deus que se revelou a si mesmo, pela derrota da morte no "evento"da ressurreição de Cristo. Se silenciamos sobre a ressurreição não podemos falarde Deus. Nossa "fé será fútil", ainda mais: "se nossa esperança em Cristo se limitaapenas a esta vida somos os mais infelizes de todos os homens" (1Co 15:17,19).Dizer "DEUS", segundo Efésios, no vale da morte e das tribulações da vida,significa crer em e dizer: "RESSURREIÇÃO"!

2º) A Ressurreição é um ato de Deus com dimensão e relevânciacósmica. Entre todos os principados, potestades e poderes que influenciam edeterminam o curso da vida, da natureza e da história da sociedade e da mente,nenhum parece ser tão onipotente, final e devastador como a morte. A despeito detodos os expedientes "atenuadores" e "embelezadores", apesar de todos ossubterfúgios religiosos, a morte não é chamada injustamente pela Palavra de Deuscomo o "último inimigo" (1Co 15:26). Viver no presente mundo não significa nadamelhor do que viver para morrer, isto é viver sob o estigma, sob o espetro da morte;isto significa viver "miseravelmente"! Mas, eis o "inaudito para os escravos damorte": há um Deus que estabelece algo totalmente novo — "a eficácia da força doseu poder exercido em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-osentar à sua direita... acima de todo principado, e potestade, domínio e poder, e detodo nome que se nomeia não só neste século (aeon), mas também no vindouro"(Ef 1:19-21). Dizer "ressurreição" significa que há UM DEUS (para quem nenhumadas esferas da vida humana é alheia) cujo domínio é soberano às leis da natureza aque nós estamos submetidos. A Ressurreição é o triunfo sobre a morte.

3º) A Ressurreição é um ato "final", um ato de confirmação. De "onde"Cristo está "assentado" (Ef 1:20), pode e tem o propósito de "levar todas as coisas àplenitude" (Ef 1:23; 4:10), até mesmo o lugar da maior resistência — o coração e acompreensão humana (Ef 3:17,19).

Não é aqui que devemos tratar da razão pela qual Efésios não mencionaexplicitamente a segunda vinda de Cristo (Parousia). O julgamento final certamentenão foi esquecido (Ef 5:6; Ef 6:8), pois a vida do cristão é uma vida sob o "trono do

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Senhor". Em Colossenses (Cl 3:4) uma direta referência, como em outrosdocumentos do Novo Testamento, ao aparecimento futuro de Cristo é feita. EmEfésios o propósito da ressurreição e da ascensão do Senhor é lançar "luz",iluminar com sua própria luz, todos os eventos futuros. Que significa, por exemplo,o fato de Cristo ser "elevado à direita de Deus? Paulo explicitou o propósito: "afimde levar todas as coisas à plenitude de Deus", ou, "afim de encher todas as cousascom a plenitude de Deus". Porque nenhum outro senão o "crucificado", o"intercessor", o Cristo que quebrou o muro e que triunfou sobre a morte", é quepode responder a tais perguntas: a intercessão feita por Cristo tomou lugar à mãodireita de Deus! Ele vive sempre para interceder por nós" (Hb 7:25). Ele nãoconquistou tal glória para si mesmo, ao contrário, sua glorificação, como decorrentede sua humilhação até à morte na cruz, tem o propósito do amor de Deus em favordo homem, para o homem pecador. A glorificação de Jesus Cristo não resultou denenhum plebiscito popular, não é um acidente da história ou um fato decorrente dojulgamento humano: "Deus o exaltou soberamente e lhe deu "o nome que estáacima de todo o nome" (Fp 2:15) .

O resultado da ressurreição é freqüentemente descrito em uma terminologiade conotação "política". Se Cristo está "entronizado" (Ef 1:20) no trono de Deus, Elenão apenas está numa relação de soberania com todas as formas de domínio ecom todas as expressões de poder, mas Ele está para ser reverenciado por todoscomo Rei e Senhor (Fp 2:9-11). Em tal situação o "seu reinado", invariavelmente,afeta a vida de todos os habitantes. Assim, Cristo exerce sua autoridade "acima detodos" (Ef 1:21), não somente sobre poderes demoníacos ou angélicos, mas atotalidade dos homens estão sujeitos ao domínio de seu poder. Nos relatos doEvangelho assim como na epístola aos Efésios, o "Evangelho de Cristo", éintroduzido e apresentado como uma série de "novas" ou declarações "políticas".

Ele anuncia mudanças profundas que atingem o governo e que atingem asituação social e concreta das comunidades humanas. Tal atuação tem aquelesentido expresso nas símiles do Reino de Deus com o "fermento" e com a"semente" e o "sal" (Mc 4:27). É uma obra de Deus; é completa. Mas é uma obraque de princípio a fim envolve o homem. Em Efésios, termos como "estrangeiros"(xenoi); "peregrinos" (paroikoi — "paroquianos"); "concidadãos" (sympolitai);"comunidade" (politeia), são termos que assinalam muito claramente o caráter"político" ou o sentido "citadino" (de “polis”), que o Reino de Deus implica. Pauloafirma a nova ordem criada em Jesus Cristo como determinante da seguinterelação: "vós não sois mais "paroquianos" (paroikoi), mas sois "concidadãos"(sympolitai) dos santos..." (Ef 2:19). Na Epístola aos Colossenses Paulo usa amesma terminologia e indica claramente a ação de Jesus Cristo como a ação"libertadora" que transfere a vida de uma esfera de domínio para outra, de um reinopara outro (Ef 1:13). Enfim, a ressurreição e entrosamento de Jesus Cristo sãoeventos que revelam o domínio de Deus sobre todas as esferas de poder naconseqüente criação de uma nova "humanidade", de uma nova "cidadania". Temosque discernir aqui que Jesus Cristo é o "método" e o "espírito" do governo de Deus.A ressurreição significa que Deus identifica solene e singularmente, de maneiraexclusiva e para sempre, o seu poder e o seu governo com a pessoa do"intercessor" que destrói a "parede de separação".

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O tema da ressurreição de Cristo é tratado em Efésios intensivamente. Ostermos "sofrimento", "tentação" e "tribulação", freqüentemente empregados nosrelatos dos evangelhos e das epístolas, são omitidos na carta aos Efésios. A mortede Cristo que dá toda a perspectiva da "Teologia Crucis" é focalizada desde osentido mais profundo do triunfo da vida eterna no evento singular da ressurreição.Enquanto a ênfase da Epístola aos Colossenses é o "morrer em Cristo" (Ef 2:20),em Efésios é "em Cristo nós ressuscitamos". Caberia aqui um estudo bemaprofundado desta realidade, pois a Epístola aos Efésios sublinha o "Já" da obra daredenção — isto é, os resultados efetivos, atuais do Reino de Deus presente emJesus Cristo. O sentido em que a ressurreição é proclamada, bem como toda aCristologia dada na Epístola, indica um sentido de oposição à mentalidade"dualista" a respeito do mundo; Paulo parece questionar aquilo que nós noshabituamos superficialmente (conforme a filosofia medieval), a chamar e designarpor "milênio".

A oposição a essa mentalidade "milenarista" é indicada na carta aos Efésiosde maneira muito radical e profunda no fato de que a obra de Deus em Jesus Cristo— "o Evangelho da Paz" — é a destruição das "separações", a "anulação da paredede divisão", é um ponto final na mentalidade "departamentalizada" da vida; aindamais positivamente, ela é a "congregação", a "unificação" de todas as coisas emJesus Cristo como "cabeça de tudo! Esta realidade em toda a amplitude de suadimensão está indicada em Efésios 1:10 onde o apóstolo emprega uma expressãode tradução muito difícil e sempre incompleta, mas que no original parece abarcar osignificado do "Evangelho da Paz" — é o termo grego que o autor nos dá nacomposição de "anakephalaiosasthai" — "convergir em Cristo (cabeça) todas ascoisas", reduzir tudo ao governo de Cristo", "unificando nEle todas as coisas" tantoas que estão nos céus como as que estão sobre a terra! Este mesmo sentido de"unificação", este rompimento radical do dualismo expresso na filosofia medieval, édado quando Paulo trata da morte (equivalente em Efésios à encarnação deCristo), e da ressurreição como "descer" e "subir"... para... (Ef 4:10).

1.d.) O ESPÍRITO: PODER PARA COMUNICAÇÃO

A "descida" e a "ascensão" de Cristo, a sua entrega total e sacrificial, suamorte intercessória pelos mortos em pecado, a fé e a esperança de todos os quevivem por meio dele, podem ficar reduzidos a nada mais do que símbolos adespeito da firmeza do pensamento, da proclamação e dos escritos do apóstoloPaulo.

A menos que toda esta realidade histórica e sua relevância permanente daobra de Deus em Jesus Cristo sejam comunicados em sua validez, ela será vazia einfrutífera. Neste ponto é que nos encontramos numa decisiva .encruzilhada Sem a"comunicação" nos encontramos no abismo insuperável entre o que é verdadeiro"nos lugares celestiais" e o que deve ser verdadeiro "sobre a terra", entre oseventos e as dádivas de Deus e a nossa nebulosa apreensão desta revelação.

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A vitória, a transposição deste abismo só é possível mediante uma genuína"comunicação". Nós estamos super acostumados ao uso de "meios decomunicação" que já chegamos mesmo a confundi-los com "evangelização". Meiospsicológicos, estatísticos, meios de propaganda, etc, não são o Evangelho nem aevangelização. Efésios não faz uso deles. De acordo com Efésios, o problema dacomunicação é solucionado pelo próprio Deus e permanece em Suas mãos. Opoder do Espírito de Deus é que conduz o homem à compreensão, a aceitação eobediência do que Deus tem feito. "Deus nos abençoou com todas as bênçãosespirituais" (Ef 1:3); “...ouvistes a palavra, o evangelho da vossa salvação, e nelecrendo, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, que é o penhor da nossaherança" (Ef 1:13-14); "em um mesmo espírito temos acesso ao Pai" (Ef 2:18);"estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito" (Ef 2:22); "...omistério... como agora foi revelado pelo Espírito" (Ef 3:3,5); "...esforçando-vos porpreservar a unidade do Espírito no vínculo, da paz" (Ef 4:3); "não entristeçais oEspírito de Deus em que fostes selados" (Ef 4:30); "...mas enchei-vos do Espírito"(Ef 5:18); "orai em todo o tempo no Espírito" (Ef 6:18).

O Espírito também é significativo quando fala do "dom de Cristo" como dádivaa ele mesmo e a cada um dos membros da comunidade — Igreja (Ef 3:7; Ef 4:7 ecf. 1Co 12:7). As riquezas e a medida dos dons dispensados em diferentesministérios entre os santos com o propósito de "equipá-los para o serviço a quecada um é chamado (4:11) e na continuidade da edificação e crescimento do "corpode Cristo" (a Igreja) — (Ef 4 :12-16 e Ef 2:20-22).

Que mensagem podemos receber destas referências ao Espírito na carta aosEfésios? A ênfase ao Espírito parece ser equivalente a ênfase na ressurreição deCristo. Para o autor de Efésios, o dom do Espírito é a evidência da ressurreição deCristo. Este dom, e Somente este, prova o interesse de Cristo pelos homens, e seupoder para criar a comunhão entre o homem e Deus, para criar comunidade e oserviço aceitável a Deus.

Sem a realidade do Espírito estamos sempre tentados a relegar a crucificaçãoe a ressurreição de Cristo ao mesmo plano de qualquer acontecimento humano;podemos considerá-las simplesmente como qualquer outra história religiosa, lendaou mito. Ou, então, sem o Espírito, podemos considerá-las como eventos"espúrios" e de uma era pré-científica ou de uma época de crenças miraculosas. Éexatamente o dom do Espírito que impede que um criticismo falso prevaleçaexpressando-as como "não científicas" — "mitológicas" ou "antiquadas". Peladádiva do Espírito, Deus está sempre apto a surpreender o homem, por maissuperior que possa ser a feição científica que o homem tenha do mundo.

Nas obras do Espírito, Deus ainda está operando no "coração" da própriahistória e experiência, na comunidade dos homens como em suas mentes. Osgrandes eventos da crucificação e da ressurreição, tornam-se contemporâneos noEspírito. A atuação do Espírito sobre a terra na riqueza de seus ministérios sãoprovas para nós de que a obra redentora de Deus está se efetivando, não é um fatopassado, não é um "fato" completo da história.É pela sua própria continuidadee pelasua auto-comunicação que a perfeiçãoda obra de Deus é revelada mais claramente.

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Quatro características desta permanente obra de Deus devem serassinaladas, quando lemos o testemunho de Efésios ao Espírito Santo:

d.1.) O Espírito Santo é o Poder de Deus — poder demonstrado pelaressurreição de Cristo de maneira suficiente (Ef 1:19) e do Cristo ressurreto (Ef 4:7):Efésios pressupõe, na liberdade com que fala do Espírito de Deus e do poder doCristo ressurreto, que Cristo e a dádiva do Espírito são inseparáveis. A glória deCristo é declarada pela dádiva do Espírito a Cristo e pela dádiva que Cristo faz doEspírito aos membros da comunidade cristã. O Espírito Santo é o mesmo Espíritodo poder da ressurreição. Sua santidade é identificada com o poder peculiar querealiza a dádiva da vida onde e quando a morte parece triunfar.

d.2.) O Espírito Santo é a poderosa "manifestação" de Deus. De acordocom o Evangelho de João, o Espírito é o "Espírito da Verdade". Ele cumpre amissão de "revelar", "ensinar", "lembrar", "testificar", "falar", "proclamar" e "conduzirà toda a verdade" (Ef 14:17,26; Ef15:26; Ef 16:7). De acordo com o livro de Atos dosApóstolos (At 2:33; At 2:14) o Espírito "derrama" coisas para serem "vistas" etambém "ouvidas". Na primeira epístola aos Coríntios o dom de Deus é chamado de"a manifestação do Espírito" (1Co 12:7). Efésios chama o Espírito Santo como o"Espírito de Sabedoria e de Revelação no conhecimento" (conforme Isaías 11:2). Arevelação do "mistério" é efetuada por meio do Espírito (Ef 3:5) e o "selo" doEspírito (Ef 1:13; Ef 4:30) é obviamente um evento de que Efésios está consciente.

O fato da manifestação do Espírito, segundo o Novo Testamento, sempreimplica como indispensável a comunicação do conhecimento da Verdade ou arevelação; colocando num plano mais objetivo podemos dizer que a comunicaçãodo Espírito implica na informação para a inteligência do homem, para a mentehumana. Em Efésios o Espírito é a própria Sabedoria de Deus que se comunica,como em João: "Ele vos ensinará todas as coisas e vos guiará em toda a Verdade(Jo 14:26; Jo 16:13).

Não Somente no Evangelho de João e em Atos 2, mas também em Efésios, aessência do Espírito como "revelador" pode ser assinalada como a ação através dapalavra", isto é, falar, testemunhar e ouvir! Claro está que não se trata de qualquerpalavra, mas sim daquela palavra que é a "espada do Espírito" (Ef 6:17). "Ouvindoa Palavra da Verdade, o Evangelho... e crendo", e "sendo selados pelo Espírito...”(Ef 1:13) são realidades que não podem ser separadas como se fossem diferentesmanifestações da "eleição de Deus". Efésios trata dos "ministérios da palavra":"apostolado", "profecia", "evangelismo", "pastorado" e "ensino" quando trata do"dom" do Cristo ressurreto à Igreja (Ef 4:7,11).

Também "orar" e "salmodiar" no Espírito, indicam que a Palavra e o Espíritosão inseparáveis. Tal fato traz implicações muito grandes para a Missão da Igreja,pois condiciona ao evento do Espírito toda a atividade da mesma.

d.3.) O Espírito Santo é o poder da unificação. Ele congrega os homenspela obra de Deus e debaixo da obra de Deus. O Espírito, que equipa a Igreja para

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o ministério já dado em Jesus Cristo, atesta de maneira suprema o que temosdenominado a "perfeita obra de Deus" que é o próprio Cristo crucificado eressuscitado, e como já descrevemos, (com base em Efésios 2:13-18), como acriação da Paz e a criação do novo homem em relação a Deus (que tem acesso aoPai).

O amor de Deus por seu Filho (Ef 1:6), e por nós (Ef 1:4; Ef 2:4; Ef 5:1), e oamor entre os homens (Ef 1:15; Ef 4:2; Ef 5:25,33; Ef 6:21,23) — este amor — nãoé assunto de simples palavras ou afetos apenas, mas é o amor em que fomosamados em Jesus Cristo, criativo e efetivo! Conforme Romanos (Rm 5:5) "o amorde Deus tem sido derramado em nossos corações pelo Espírito Santo" e conformeGálatas (Gl 6:2) "levai as cargas uns dos outros, desta maneira cumprireis a Lei deCristo" que vem em seqüência a todo um capítulo dedicado aos "frutos do Espírito".Este amor tem o poder de criar a comunhão, de congregar o que estava separadode unir o que estava desunido; Ele é o criador da Unidade (na língua inglesa há umapalavra muito adequada a expressar esta realidade: "atonement" que traduz o atosacrificial de Cristo na cruz e ao mesmo tempo seu efeito na criação da unidade —at-one-ment): RECONCILIAÇÃO. É precisamente o Espírito "o vínculo da paz" aque estamos chamados a guardar com diligência (Ef 4:3).

Conhecer, pelo poder do Espírito, quais são as riquezas da glória de Deus, eencontrar acesso a Ele pelo mesmo Espírito (Ef 1:18; Ef 2:18; Ef 4:7), este é o domde Deus que "edifica" e que causa o "crescimento" de uma comunidade sobre aterra — que se chama "IGREJA" (Ef 2:22). A Igreja é obra do Espírito Santo; e aIgreja — tal Igreja — a evidência explícita para a ressurreição do Cristo crucificado.

Agora podemos formular uma terceira significação para a expressão inicial:"comunicação pelo Espírito". Ela significa não somente a ação de um poder que"suplanta" e que "informa" com a Verdade tanto sobre a vida como sobre a morte;significa também a criação de uma comunidade — uma comunidade com Deus ecom "aqueles" homens que eram estranhos uns aos outros.

O Cristo ressurreto manifesta-se a si mesmo na criação e sustentação, naequipação (construção) e no crescimento da Igreja que é tal comunidade. A Igreja éo povo que "vive em Cristo" como o "novo homem" (Ef 2:15). Ela permaneceperante Ele "gloriosa" (Ef 5:27). Dia a dia seus membros — defrontados pelahostilidade do velho homem — são renovados no espírito de seus entendimentos(Ef 4:22). Como "casa de Deus" e "família de Deus" — a comunidade resultante daobra de Deus — constitui o "corpo de Cristo" que manifesta uma vida como oapóstolo descreve em Colossenses 3:12: "eleitos de Deus, santos e amados", —em afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, delonganimidade...". O sentido desta vida de comunidade, segundo Colossenses eEfésios, se expressa como resultado do amor que é o "vínculo da perfeição" (Cl3:12-14). A Igreja é a "fraternidade" criada por Deus (Ef 2:1)) ou a "armadura deDeus" (Ef 6:11).

A comunidade da Igreja, criada pelo Espírito de Deus, é uma "unidade" quecresce e que esta sendo "construída" (Ef 2:21; Ef 4:12-16); ela não é de modo

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nenhum uma "sociedade histórica" cuja finalidade seja a de preservar o "status quo". Ela não é uma assembléia com compromissos de timidez, que, por medo não seatreva a correr riscos, mas é a comunidade "fortalecida pelo Senhor e pela força doseu poder" (Ef 6:10). A Igreja é a evangelista que, por sua presença, proclama aremoção de todas as formas de "muros" entre os de dentro e os de "fora" do Reinode Deus. Tal forma de presença da Igreja tem o sentido oposto à mentalidade quesomente julga e aceita como correto aquilo que está conforme ao seu própriointeresse ou benefício. Com a mentalidade de somente "buscar o seu interesse" aIgreja não seria IGREJA, mas seria "capitalismo" que procura e aceita somente oque lhe traz vantagens e benefícios próprios.

A Igreja não pode justificar sua presença e sua segurança futura pelaconstrução e observação de demarcações e "cortinas" entre nações,denominações, congregações, ou ordens leiga e clerical. Pelo contrário, suapresença deve seguir, pela segurança do Espírito já derramado, a presença deCristo em sua solidariedade total, sua identificação com os famintos, os que têmsede, os que são escravos, os explorados, até com os criminosos e presos que,obviamente, não parecem ser seus discípulos nem membros da Igreja (Mt25:31-46; Lc 23:32-43).

Pelo selo do Espírito Santo (Ef 1:13; Ef 4:30), não somente a comunidade dossantos, mas a totalidade da humanidade está selada de certa forma, como acircuncisão era um sinal que todos os judeus permaneciam para Deus (Ef 2:11). AIgreja que vive pelo Espírito, no seio do mundo, é uma "estampa", um "sinal" deDeus. Ela mostra que a totalidade do mundo, a totalidade da humanidade épropriedade de Deus e que não há nenhuma chance de escapar ao fato de quetodas as coisas foram entregues ao domínio de Jesus Cristo como "Cabeça" (Ef1:22). A menos que a Igreja creia na presença do Espírito atualmente na vida dahumanidade, sua missão não terá nenhum sentido.

d.4.) O Espírito Santo é a "fiança" da futura consumação. A mensagemde Paulo em Efésios não é de modo algum uma perfeição individual ou de umafelicidade pessoal. Sua prospectiva, sua meta é: "Jesus Cristo é o tudo em todas ascoisas" (Ef 1:23; Ef 4:10). É a esperança de que "todos" cheguem até à estatura daplenitude de Cristo" (Ef 4:13). Paulo sublinha de forma tal a palavra “todos”, queseria um grave pecado tentar ignorá-la ou desprezá-la. O triunfo do propósito deDeus está manifesto nesta mesma dimensão e direção futura de "totalidade emCristo": "um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por todos e em todos" (Ef4:6).

Efésios não encoraja nenhuma esperança futura na linha em que talesperança é alimentada pelos tradicionais "sistemas meritórios". Efésios é umaepístola em que a "escatologia" (palavra do vocabulário bíblico que significa adoutrina sobre as "últimas coisas", finais dos tempos), é colocada num outro nível enuma outra perspectiva. A questão não é se haverá ou não um julgamento final (Ef6:8), mas sim o fato da vitória de Cristo sobre "todas as coisas" (Ef 1:10; Ef 4:10), aunidade final de "todos" perante e em o Único Filho de Deus (4:13). É uma talamplitude de esperança cristã assegurada para todos pela vitória de Cristo que nos

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dá a linha básica em que Efésios trata da escatologia: a "promessa" (Ef 1:13; Ef2:12; Ef 6:2), a "esperança" (Ef 1:18; Ef 2:12; Ef 4:4) e a "herança" (Ef 1:14,18; Ef5:5) não apontam em vão para a mesma direção. Pelo Espírito Santo, a esperançae o triunfo da obra de Deus não servem de apoio a nenhuma pretensão de interesseprivado e egoísta. Se Deus "é tudo em todos", não tem sentido algum qualqueransiedade quanto a existência individual futura. Efésios não promete "pastagenscelestiais" para determinadas pessoas, mas assegura e proclama o triunfocompleto da causa de Deus revelada em Jesus Cristo. O Espírito Santo é o selo deque esta realidade não pode ser removida.

Temos que assinalar que a Obra que Deus realiza através de Jesus Cristo epelo Espírito Santo não significa apenas um aspecto ou um segmento de Deus. EmEfésios não há nenhuma base para a idéia da Obra de Deus como manifestação ouoperação de Deus para Deus mesmo. Não podemos falar exceto falando desteamor, deste plano, deste mistério e desta "palavra-ação" que tem sido reveladapelo seu Filho e pelo seu Espírito. E não há uma forma de rendermos graças a Deusou de louvar Seu Nome exceto em referência ao que Ele nos tem dado no passado,no presente e ao que está antecipado nas bênçãos futuras, em nome de JesusCristo e com o selo do Espírito Santo (Ef 5:20).

Em Efésios o autor do que Deus tem feito e o que Ele tem feito correspondeexatamente a expressão do "conselho de sua vontade" e o "seu beneplácito" (Ef1:5,9,11). Esta vontade não é motivada por nenhum fator aparte de Deus mesmoem seu amor. "Antes da fundação do mundo" (Ef 1:4), "de conformidade ao seubeneplácito (1:5,9), "conforme às riquezas de sua graça" (Ef 1:7; Ef 2:7), "emmisericórdia", exatamente "por causa do seu grande amor com que nos amou" (Ef2:4), tudo exclusiva e justamente por uma única forma e um único homem — "JesusCristo", isto é, "em Cristo" (Ef 1:3-13) .

Devemos observar que nenhuma necessidade ou ansiedade humana éapresentada como motivação para a Obra de Deus. Isto significa, por outro lado,que não há necessidade humana que possa condicionar, anular ou mudar o"beneplácito" de Deus. A misericórdia de Deus não está à mercê ou nadependência da nossa miséria humana. Verdadeiramente segundo todo o NovoTestamento, o que determina o curso da ação de Deus é exclusivamente o seu"beneplácito" para nos amar. Daí o fato básico de Paulo não cessar de adoraratravés da chamada "eleição" ou "predestinação" a inflexível gratuidade, a absolutagratuidade da redenção.

O plano de Deus referido em Efésios muitas vezes (1:10; 3:2,9) aparece emconexão a um termo grego (oikonomia) que pode ser traduzido pela palavra"economia". Esse termo grego significa administração de uma casa de família,principio governamental, estratégia ou dispensação. Seja qual for o sentido quepreferirmos, Efésios torna claro que Jesus Cristo e a revelação de sua obra não sãouma parte, mas é o coração mesmo do Eterno plano de Deus.

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CAPÍTULO II

A COMUNHÃO DO POVO DE DEUS

A Igreja em sua origem, constituição e vida depende de três elementosbásicos:

a) A auto-revelação de Deus, que manifesta seu beneplácito eterno parasalvar os homens da morte criando-lhes uma nova ordem de vida;

b) O conhecimento do mundo que procede de Deus, conhecimento quedetermina o que é fundamentalmente necessário para que o homem participevitalmente do que é verdadeiro e bom;

c) A graça de Deus, que, de homens formalmente hostis uns aos outros, dáorigem uma "assembléia" (comunidade) que consciente e jubilosamente adora aDeus e busca que os demais façam o mesmo.

Não há possibilidade de tratarmos da Natureza da Igreja sem redescobrirmoso que está em sua base original:

1) REVELAÇÃO: nossa salvação da morte. Em Cristo, Deus planejoueternamente nos amar; em Cristo a perfeita obra de Deus em seu amor foiconsumada; em Cristo "o mistério" da sua vontade nos foi dado a conhecer (Ef1:19). Nele nós fomos selados pelo "evangelho da nossa salvação" (Ef 1:13). Mas,uma eleição eterna, uma promessa e uma herança, uma obra perfeita, ficaria semvalor se não tornasse conhecido que tal amor é real, ativo e efetivo. Amor que nãose declara a si mesmo e falha em criar uma livre resposta de amor não é totalmenteamor, ou, mais concretamente, não é o amor de Deus.

Este "propósito eterno" (Ef 3:11) realiza-se no momento histórico escolhidopor Deus: "Quando chegou a plenitude do tempo" (Gl 4:4), "na dispensação daplenitude dos tempos" (Ef 1:10) "Cristo foi (constituído) cabeça de tudo. Mas, foi oseu "beneplácito"... "para revelar nos séculos vindouros a suprema riqueza de suagraça em bondade para conosco... em Cristo Jesus" (Ef 2:7), que "a Ele seja aglória na Igreja e em Cristo Jesus por todas as gerações e para todo o sempre" (Ef3:21).

Muito se tem dito e escrito sobre a necessidade do homem conhecer-se a simesmo afim de poder participar do seu ser "autêntico". O autor de Efésios,entretanto, está pouco interessado no assunto do eu como objeto de conhecimento.Este conhecimento é um objeto para oração e é uma questão de fé, Ele não nega,mas assenta enfaticamente: "O Pai da glória vos conceda espírito de sabedoria ede revelação no pleno conhecimento Dele..." está claro que não se trata doconhecimento do "eu", conhecimento de mim mesmo, mas de "conhecer com todosos santos".

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Lendo Efésios percebe-se a insistência de Paulo na "revelação do mistério"(Ef 3:3) e todas as suas "dimensões" como a totalidade do amor de Deus (Ef 3:18)que "ultrapassa todo o entendimento" (Ef 3:19), — o "mistério de Cristo" (Ef 3:4), opoder que atuou na ressurreição (Ef 1:19), e a esperança da herança dada aossantos (Ef 1:18).

A revelação de Deus questiona e desafia a razão em lugar de negá-la. Ela nãoexige de nós um "sacrifício da inteligência" para compreendermos "qual é a largurae o cumprimento, a altura e profundidade do amor de Deus" (Ef 3:18). Pois, o amorde Deus "ultrapassa o conhecimento", e exatamente essa transcendência do amorde Deus é conhecida (Ef 3:19), realmente permanece um "mistério". Mas, nos foidado a conhecer pela "pregação do Evangelho" e, por meio da Igreja, "a multiformesabedoria de Deus" é manifesta ao mundo (Ef 3:4-10). A totalidade da obra de Deustem o caráter e o propósito da revelação. Aquilo que Ele fez em Cristo é com opropósito de manifestação (o mesmo em Romanos 3:25-26 como em Ef 2:7). Afinal,como é que podemos conhecer Deus? Somente pela Sua obra e revelação. Quãoimpotentes e incompetentes somos nós para conhecer a grandeza da obra de Deusque "não vem dos homens, mas procede de Deus" — "é dom de Deus" (Ef 2:8).

A natureza da revelação de Deus é proclamada em termos claros. Nunca emproposições a respeito dos atributos de Deus (dizendo, por exemplo que Deus éimortal, invisível, etc.), nem através de um código de vida moral, nem ainda comouma lei perfeita de liberdade (como em Tiago 1:25); ao contrário, o que tem sidorevelado por Deus só o pode ser com base no fato de que: "Deus é rico emmisericórdia, por causa do grande amor com que nos amou" (Ef 2:4).

Ele é o Pai, cuja riqueza foi "derramada sobre nós" (Ef 1:8). Ele é EspíritoÚnico, o Único Senhor, o Único Deus e Pai (Ef 4:3-6), revelou se a si mesmo nacriação de um novo homem (Ef 2:15), chamando-nos para sermos "um corpo" em"uma esperança" e "em uma fé" (Ef 4:4) e na promessa de que "cheguemos àunidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus" (Ef 4:13). Deus aceita osacrifício como um "aroma agradável" que é oferecido pela Paz e que proclama aPaz (Ef 2:14-18; Ef 5:2). Através de Cristo Ele faz com que os que estavam perto eos que estavam longe sejam aproximados e tenham acesso ao Pai de todos (Ef2:13-18; Ef 4:6). Ele concede ao homem as "armas" para uma luta contra poderessobre-humanos (Ef 6:10) — tudo isto e mais, é "revelado" como manifestação domistério do Deus que criou todas as coisas (Ef 3:9).

Observemos que é sempre um ato do Deus vivente, e não uma série deinformações a respeito de um "inativo" ser de Deus, quando Paulo trata da"revelação" e do "conhecimento". Esta realidade não é exclusiva da epístola aosEfésios: "... o que de Deus pode ser conhecido é evidente ... porque Deus o temmanifesto. ...assim a criação do mundo, sua essência invisível (seu poder edivindade eternos), são conhecidos por meio de suas obras" (Rm 1:19). "Conhecera Cristo" é "conhecer o poder de sua ressurreição e (a) comunhão em seussofrimentos" (Fp 3:10). "... mas temos recebido o Espírito que vem de Deus, paraque conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente" (1Co 2:12).

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EM SEUS ATOS — na fidelidade ao seu eterno propósito, ao Cristocrucificado, e às promessas dadas a Israel — é que Deus revela quem é: sempre"Nosso Pai" (Ef 1:2, etc), e o que Ele é: quão pleno de graça, de riqueza e de poder!

É precisamente nesta auto-manifestação de Deus que o homem tem a suamais ampla possibilidade de vida. Pensar que o homem não é nada porque Deus é"tudo em todos", é um enorme absurdo. Pois, em verdade, o homem é o únicobeneficiário (herdeiro) desta grande ação de Deus em sua revelação de si mesmoao homem. Morte, impureza, injustiça, solidão, divisão, hostilidade e toda asituação humana que tais palavras ou outras possam expressar, encontram daparte de Deus a mais inaudita expressão de amor que destrói a força má de todasestas coisas transformando de maneira completa a situação do homem: (Ef 2:4,7;Ef 5:2)!

Sentença após sentença, tudo o que Deus torna conhecido através de suarevelação é a sua ação, são as suas obras, na salvação do homem. "O Evangelho...é o poder de Deus para a salvação" (Rm 1:16)! A "palavra da verdade" éidentificada com o "Evangelho da nossa salvação" (Ef 1:13). A glória própria edevida para Deus "na Igreja" e "em Jesus Cristo" é uma e a mesma glória (Ef 3:21).Aquilo que Deus fez "em Cristo" Ele o fez para os homens como a existência daIgreja sobre a terra deve manifestar.

Devemos também assinalar que pela revelação os homens se tornam"participantes" e "beneficiários" na vida do Deus Triuno. "Não mais" são alienados(separados) da "vida de Deus" como nos tempos da "ignorância, da vaidade dospensamentos, da dureza dos corações" em que viviam "antes" (Ef 4:17-18). Comofilhos, "como crianças", participam da "sabedoria do Pai" (Ef 1:17), da "suabondade" (Ef 2:7; Ef 4:32), a tal ponto que podem ser chamados de "imitadores deDeus" (Ef 5:1)! Ressuscitados em Cristo, são "colocados no trono com Ele" (Ef 2:5).Como "membros do seu corpo", são "um só corpo" (Ef 5:30; Ef 2:16; Ef 3:6; Ef 4:4)."Fortalecidos pelo Espírito" podem lutar contra os principados e potestades doséculo (Ef 6:10). Para usar a mesma sentença em 2Pe 1:4 — "são participantes danatureza divina".

Unindo-os a si mesmo como em "sua morte na cruz", em tomando sobre si os"pecados que eram nossa exclusiva propriedade", fazendo-nos "sua propriedade"(Ef 1:14; Ef 4:8), tornando-nos santos em relação a Ele, exatamente nós queandávamos "segundo a vontade da carne" (Ef 1:4; Ef 2:3; Ef 5:26) — desta maneiraé que Deus tem operado e tem se revelado ao homem. Ele "mostrou isso" para todoo sempre (Ef 2:7). É "isso" que deu a saber às potestades e aos principados (Ef3:10) e, através da Igreja, Sua multiforme sabedoria se torne conhecida.

Essa revelação "pelo Evangelho" (Ef 3:4), mostra a solidariedade de Deuscom o homem e cria a possibilidade da participação do homem nas "riquezas deDeus", que "ultrapassam a sabedoria" (Ef 3:19). Nenhum homem pode falar de talconfiança a respeito do serviço de Deus pelo homem e sua esperança para toda ahumanidade senão aquele que recebeu a revelação de Deus. Paulo como os

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demais "santos" e também com todos os apóstolos e profetas de Deus, recebeu amesma revelação (Ef 3:5; Cl 1:26). Mas, Ele não resiste à consciência de que a Ele"o último e o menor de todos os santos" em especial foi dado o privilégio departicipar do apostolado do mistério, isto é, "a graça de pregar aos gentios oEvangelho das insondáveis riquezas de Cristo" (Ef 3:3,8; Ef 6:19).

Deus se torna conhecido pela obra da salvação dos pecadores em Cristo. Afim de penetrarmos na plena significação desta realidade necessitamosacrescentar algumas observações mais quanto ao sentido dos termos"conhecimento" e "conhecer" nos livros da Bíblia. Aquilo que hoje é chamado oconceito grego de conhecimento corresponde à compreensão "racional" e"científica" que imperou no mundo ocidental no século dezenove! "Conhecimento"neste sentido pode ser definido como a soma do objetivo, do impessoal, docontrolável e do conveniente como informação a respeito de pessoas, de fatos oude cousas. É a habilidade com fatos, verdades, princípios, leis, métodos adquiridospelo estudo, pela pesquisa, investigação ou exercício intelectual. É o tipo deconhecimento que "reduz" a verdade e até a própria realidade da vida a "conceitos"e, exatamente esta parece ser uma das marcas da cultura humanista: a tirania doseu conceptualismo, olvidando-se sempre que os limites da razão não são oslimites da vida! Não devemos hoje estranhar a falta de "humanidade" desta cultura."Conhecimento" no sentido bíblico, obviamente, não se ajusta a essa mentalidadeda cultura conceitualista. O conhecimento de um objeto ou de um esqueleto implicaem que o homem é livre para dispor dele como "algo" submetido ao seu interesse eopinião. Mas, a Verdade não é um objeto nem um esqueleto, pois se fosse teria jáperdido o último de suas possibilidades e de suas credenciais. A pessoa de Deus,a Verdade e o conhecimento de Deus segundo a Bíblia somente são identificadosnuma perspectiva bíblica total e profunda.

Na Bíblia as relações justas entre Deus e o homem (Mt 11:27; Jo 6:69; Jo17:3-5; Gl 4:9; 1Co 8:13; 1Co 13:12; etc.) são chamadas "conhecimento". Deus ouCristo "conhece" os que são seus e os que são seus o "conhecem" (Jo 10:14). Apior forma de separação é confessada quando uma pessoa diz a outra: "eu não teconheço" (Dt 33:9; Mt 25:12). No Antigo Testamento a relação mais íntima entre acomunhão do esposo e sua esposa é descrita pelo verbo "conhecer" (Gn 4:1,17,25,etc.). De acordo com Os 2:16,20; Jr 31:31-34 e Ez 16, há uma analogia entre oconhecimento de Deus no sentido da união entre Deus e o homem e oconhecimento que une esposo e esposa. Em ambos os casos "conhecimento" é"comunhão" e união entre pessoas, uma que chama e responde, entre uma, querecebe, entre uma e outra pessoa que se completam mutuamente. Doconhecimento de Deus o homem aprende o que significa ser solidário e o quenecessita saber para chegar a ser uma pessoa solidária.

Em Efésios o plano de Deus de revelar-se ao homem, “fazer o homemconhecer o mistério de sua vontade", de "Jesus Cristo", e do "Evangelho" (Ef 1:9; Ef3:4; Ef 6:19) é motivado pelo amor e pela graça de Deus (Ef 2:4-7). A seus leitores,aos quais Paulo escreve em grego, várias vezes ele explica o que é que Ele querdizer por "conhecimento" e "mistério". Ele o diz em plenas e profundas palavras: ossantos são os que recebem conhecimento de Deus, ou melhor ainda, são os que

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são conhecidos por Deus (Gl 4:9; 1Co 8:2; 1Co 13:12; conforme João 10:14 e 2Tm2:19). Ele tem em mente exatamente o sentido de conhecimento que encontramosno Antigo Testamento e não as noções de conhecimento da cultura helênica.

Paulo não nos dá uma série lógica de proposições, de axiomas, de princípiosobjetivos, de atributos definidores dos quais nos possamos apoderar como uma"soma" de conhecimento intelectual sobre Deus. Conhecimento de Deus, pelocontrário, é uma "forma de vida" — é "nova existência", é "nova criação", é "novaordem de relações" (2Co 5:16-17ss) — não mais em "alienação", mas "perto" dacomunidade e da aliança de Israel" (Ef 2:12). Tanto em Oseías, Jeremias, Ezequielcomo na carta aos Efésios (Ef 5:21-32) as relações entre esposo e esposa sãotratadas como uma analogia da relação entre o Senhor e seu povo escolhido.

Não podemos fugir à conclusão de que em Efésios os verbos "conhecer" e"fazer conhecer" — exceto numa única alusão feita ao helenismo em que aparececonhecimento (gnosis) (Ef 3:19), denotam uma relação existencial entre Deus e ohomem que estava prometida no Antigo Testamento: "...porque todos meconhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois, perdoarei assuas iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei" (Jr 31:34). Isaíasafirmara: "A terra será cheia do conhecimento do Senhor" (Is 11:9) ; " o meu Servo,o Justo, com o seu conhecimento justificará a muitos, porque as iniqüidades deleslevará sobre si" (Is 53:11).

No cântico de Zacarias (Lc 1:77) lemos na mesma direção: "... para dar ao seupovo o conhecimento da salvação no redimi-lo de seus pecados, graças aentranhável misericórdia de nosso Deus. O "conhecimento de Deus" é inseparáveldo "amor a Deus"; Deus é para ser amado "com todo o nosso coração, com toda anossa alma, com toda a nossa força" (Dt 6:4-5) ; "com toda a nossa mente" (Lc10:27). A totalidade do homem é escolhida para amar a Deus.

O conhecimento de Deus nunca pode ser um "manual" que possamoscarregar no bolso e que possa ser adquirido como adquirimos objetos de segundamão. Nunca Ele se restringe a uma parte da personalidade, é sempre em referênciaao seu ser total. Enfim, o conhecimento de Deus é "o vínculo da Paz", a "novaordem de relações" que nos é auspiciada pelo "Evangelho da Paz", a salvação aque fomos chamados" e na qual devemos andar em relações cuja dimensão sejadada por "toda humildade e mansidão, com longanimidade" e que nos "suportemosuns aos outros em amor" (Ef 4:1-2). Tal conhecimento em que sabemos que "Deusé tudo em todos", não é uma negação do homem, e sim a sua total libertação para aamplitude da vida de novas relações em Cristo.

2. É imprescindível que anotemos que na carta aos Efésios mais do queem outro livro bíblico trata-se da "Igreja" e do "conhecimento". Estes doistópicos permanecem inseparáveis na epístola. A Igreja é o primeiro fruto darevelação de Deus. Ela conhece aquilo que deve ser mostrado para a humanidadeinteira numa amplitude universal. Aqui é o lugar certo para assinalarmos que estamesma realidade determina que a Igreja não viva para si mesma. Ela não recebeueste conhecimento somente para seu benefício privado. "A multiforme sabedoria de

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Deus se torne conhecida agora dos principados ... pela Igreja" (Ef 3:10)

A IGREJA É O CANAL, É A FERRAMENTA DE TRABALHO PARA DEUS. Éenorme a sua responsabilidade pelo conhecimento que lhe foi confiado. Em Efésioso privilégio imenso da Igreja (dos cristãos) por receber o conhecimento de Deus édescrito sob a metáfora da luz: "antes éreis trevas; agora sois luz no Senhor. Andaicomo filhos da luz" (Ef 5:8). Tal sentença torna mui claro que a Igreja é um resultadoda ação de Deus que transformou "filhos das trevas" em "filhos da luz" com amissão de que "caminhem como filhos da luz".

O mais responsável título e a mais séria comissão com que a Igreja é tratadano Novo Testamento encontramos na epístola a Timóteo: "...casa de Deus, que é aIgreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade" (1Tm 3:15). Tais títulos têmalimentado não "pequenas pretensões" quando tomados fora da dimensãoprofunda da responsabilidade e submissão que lhes são implícitas. Quandoperguntamos sobre a natureza da "verdade" de que a Igreja é "coluna", temos quehumilhar-nos para encontrarmo-nos de novo com Ela numa morte de cruz — é averdade que se humilha até à morte e morte de cruz (Fp 2:7,8). O fato de "sermosfilhos da luz", sermos gerados pela verdade, implica em que nos devemostotalmente à Verdade, à Luz que nos tornou filhos.

A união entre "conhecimento" e Igreja pode ainda ser visto à luz do que lemosna epístola aos Coríntios (1Co 8:1-3): "... o saber ensoberbece, mas o amor edifica.Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como importasaber". De conformidade a Efésios, o conhecimento de Deus não é um sistema depensamento ou de informações para serem recebidos, possuídos econvencionados. É muito mais do que isso. Conhecimento ou "iluminação dosolhos do coração" é e permanece uma dádiva de Deus, pela qual devemos orar:"não cesso de dar graças por vós... para que Deus... vos conceda o espírito desabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele" (Ef 1:16,17). Destarealidade só podemos concluir que o conhecimento é uma "forma de vida", umaexistência total como participante de Deus e como recipiente de sua graça, sendoimpossível o seu enclausuramento (sua prisão) em conceitos ou em instituições. A"igreja" corre o grande risco de deixar de ser "Igreja" por cometer o pecado daapropriação indébita, apoderando-se da verdade, o que seria um fruto não doEspírito da Verdade, mas um fruto da enganosa concupiscência.

A palavra da verdade e o conhecimento do mistério de Cristo nunca são ouserão uma propriedade da Igreja. A Igreja é chamada a permanecer na verdade, aamar a verdade, a respeitar a verdade com muito maior humildade do que a maisséria pesquisa científica deva fazer. A Igreja permanece um discípulo, ao lado domundo, na escola de Deus em que há "um só Senhor e Mestre" (Mt 23:8).Conhecimento só existe onde existe "crescimento em sabedoria". Os cristãos são"luz" (Ef 5:8) somente enquanto continuam sendo "iluminados" pelo Espírito (Ef1:17) e por Cristo (EF 5:14). A Igreja só é a Igreja enquanto permanece no caminhoem que possa "conhecer o amor de Cristo que excede todo o entendimento e paraque seja tomada de toda a plenitude de Deus" (Ef 3:19). Claro, então, que daídecorre para a Igreja uma enorme responsabilidade. Toda a sua reflexão teológica,

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seu estudo da História, da Educação, da sociedade enfim, serão estudos emfunção de sua Natureza e Missão como Igreja de Jesus Cristo.

O conhecimento no sentido bíblico é "vida comum" e "responsabilidademútua" ou comunitária. Ele cria formas, funções e ministérios. Mas, nãoesqueçamos jamais, que, vida comunitária, belos programas de ação, formas deorganização (estruturas e pragmatismo), não podem jamais colocar-se no lugar doaprendizado, do "crescer em sabedoria" dos poderosos atos de Deus.

3. A Igreja não é do mundo... mas, a Igreja é no mundo... — É exatamenteo que lemos na "oração sacerdotal de Cristo" (Jo 17:14,16; Jo 15:19). Cristo rogaque seus discípulos não sejam "tirados" do mundo. Semelhantemente, em Efésios,a Igreja é a comunidade que vive na terra. Efésios trata da Igreja "católica"(Katholica, que em grego significa universal), isto é, da una, universal (íntegra),comunidade de amplitude mundial, em que permanecem todos os membros deuma região, de uma assembléia local e de uma congregação. Há uma só Igreja emJesus Cristo, pois há um só corpo com uma única Cabeça! A questão eclesiológica(doutrina ou estudo sobre a Igreja) não pode ser focalizada mais dentro da distinçãotradicional das "duas naturezas" da Igreja, a Igreja terrena e a Igreja celestial,mentalidade que conduz à distinção fatal entre Igreja "visível" e Igreja "invisível".

Não há uma eclesiologia bíblica senão partindo e permanecendo na"Cristologia"; ou se trata da Igreja em Cristo ou não se trata da Igreja! O dualismo daIgreja concebida em termos tradicionais (medievais) reflete a tensão que háatualmente entre diferentes escolas — a Igreja que "já é" e a Igreja que "ainda nãoé"; ou a tensão entre a "aparência" e a "essência" da Igreja (distinção filosófica); ou,entre a Igreja de "fato" e a "ideal"; ou, finalmente, entre a Igreja "histórica" e a"escatológica".

Que contribuição há na epístola aos Efésios para meditarmos sobre estaquestão que é fundamental quanto à Natureza da Igreja e a sua relação com o quechamamos "mundo"? No manuscrito grego do texto de Efésios encontramos logono endereço da carta um elemento significativo. No versículo primeiro lemos: "aossantos que vivem em Éfeso e fiéis em Cristo Jesus" (Ef 1:1). Em Éfeso e em Cristopodem parecer a uma análise superficial uma simples referência geográfica. Éfesoe Cristo não são meras localidades.

Esferas de poder, canais de pressão, e certo "status" resultantes são descritospela pequena palavra "em" e pelos nomes que lhe seguem. Se "Cristo" permanecepara a "perfeita obra de Deus", "Éfeso" para o "mundo" e suas influências. Osdestinatários desta epístola são ambos "efésios" (de acordo com o título) e "santosfiéis" em Jesus Cristo. A mistura dos dois não é feita no texto. Para Paulo não háalgo parecido com "cristãos efésios"; ou o que modernamente conhecemos como"Cristandade Católica", "Cristandade Germânica" ou "Cristandade Americana".Mas, a relação é estabelecida: os santos vivem "em Eféso" e são "fiéis em JesusCristo". Paulo não endereça sua carta a cristãos abstratos ou imaginários esuspensos no ar. É característico do seu pensamento falar da Igreja como a Igreja

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sobre a terra. Entre Efésios e Apocalipse há uma distinção bem nítida de ênfaseteológica: a primeira trata da vida da Igreja na terra, enquanto a segunda trata daassembléia dos anjos e dos mártires na esfera celestial. A ênfase de Efésios seexplica pelo fato de que a epístola está justamente tratando daquilo que "era" e que"agora" já "não é mais"; a obra de Deus em Jesus Cristo é o divisor de águas, é afronteira entre o antes e o agora. "Agora" a ressurreição, o entronamento(colocação no trono, glorificação), a comunhão da casa de Deus e do seu reino, arevelação do mistério de Deus, o testemunho da nova forma da vida teve lugar, tudoisto lugar daquilo que imperava "antes": o reino da morte, do pecado, doestrangeirismo, da inimizade, da ignorância — tudo isto não é mais válido (Ef2:1ss.; Ef 3:1ss; Ef 4:17ss. e versículo 28)!

Claro está que a consumação da obra de Deus, a participação final naherança agora garantida (Ef 1:13) no "dia da redenção" (Ef 4:30), não é ignoradopelo autor da epístola. Já mencionamos que Efésios contém uma "escatologia",uma doutrina das últimas cousas. A Igreja vive, mas é em esperança que ela vive(Ef 4:4).

Mas, a Igreja não é descrita primeiramente em temos futuros. A escatologia deEfésios trata muito mais da Igreja no presente mundo em que ela vive. A verdadeiradoutrina das "últimas cousas", a escatologia bíblica, mostra não somente o futuro,mas principalmente a totalidade da obra em que Deus manifesta sua eternavontade plenamente no tempo. "Últimas cousas" e "últimos dias", realmentetornam-se presentes quando o Espírito de Deus é derramado sobre a Igreja (Atos2:17); quando o Evangelho da plenitude das promessas de Deus é proclamado (Lc4:18-21); quando a "hora vem" e "agora é", em que os mortos podem ouvir a voz deDeus (Jo 5:25). Estas realidades, a presença do Espírito, a presença do Evangelho,a presença da ressurreição na terra, entre os Efésios e outros que estavam "longe",são anunciadas na epístola. A Igreja vive desta presença e do cumprimento daspromessas dadas para os últimos tempos. Estudiosos do Novo Testamento têmdenominado este sentido da escatologia como "escatologia realizada".

Vivendo do Espírito e sendo selada pelo Espírito, a Igreja é, sem dúvida, umsinal "escatológico" erigido no mundo. Entretanto, a consciência das bênçãos járecebidas, o "agora", não esconde aquilo que está apenas antecipado. A Igrejasabe que a revelação de Deus está continuamente se expressando e através daIgreja (Ef 3:10)! A Igreja é um sinal para o mundo; por sua existência verdadeira, elaé um sinal vivo para o mundo de que, definitivamente, nada senão o plano de Deusrevelado em Cristo para a humanidade inteira permanecerá.

A santidade e a irrepreensibilidade da Igreja (Ef 1:4; Ef 5:27), são dádivas ecomissão que Deus mesmo lhe tem feito, e está fazendo agora ao reunir os homenssobre a terra em Cristo Jesus. Os cristãos não se podem fazer ou se chamarem a simesmos de santos. Seria mais do que ridículo intentar fazê-lo. Mas, nós somoschamados como cristãos a compreender o que é que a "Palavra" tem dito e temfeito para todos. "Pela Palavra" somos purificados. Paulo o afirma explicitamenteque a Igreja é "purificada na água pela Palavra" (Ef 5:26). E no evangelho de João(Jo 15:3) Jesus afirma: "vós já estais limpos pela palavra que Eu vos tenho falado".

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Os reformadores chamaram esta pureza como a "Justiça imputada" e, em fazendoassim, estão sendo fiéis aos textos bíblicos e, especialmente, ao que Paulo afirmaem Romanos 4:3. É a santidade dádiva de Deus e que permanece em relação aDeus na missão confiada à Igreja.

Mas, poderia a santidade ser limitada a um "verbalismo" ou a uma simplesquestão de palavras? Claro que não se trata disso. Ao referir-se à palavra, os textostratam daquela "Palavra" que traduz os atos poderosos do Deus poderoso que serevela em Jesus Cristo. Ouvindo a palavra da verdade, o evangelho da nossasalvação..." (Ef 1:13). É palavra redentiva, criativa de comunhão e de paz. Assim, adespeito de tudo quanto os "efésios" necessitavam para sua vida de adoração, detestemunho, de conduta, eles são realmente eleitos por Deus para serem santos.Eles são comissionados e chamados a serem santos e o são porque sãochamados. Estes estão responsabilizados a proclamar que Deus, a despeito detodo o pecado e iniqüidade do homem, cria um povo chamado santo.

Podemos agora indicar duas conclusões que contêm a alternativa para asduas posições que conhecemos como "dualismo" e "perfeccionismo". Igreja doSenhor não é Deus e não é o mundo, mas Deus revela sua amorável soberaniapela criação e edificação da Igreja no mundo. E a Igreja é, então, "Una", "Santa" e"Católica" não por suas capacidades adquiridas, possuídas através dos anos, maspor causa da obra que o Espírito realiza nela e por ela por intermédio da Palavra eem fé. Ela não é uma assembléia perfeita, mas uma "fraternidade" em crescimentoconstante e em "comunhão" ininterrupta. Ela vive sempre em processo de"formação", está permanentemente sendo formada e por isso mesmo renovadapela obra do Espírito.

Se a santidade da Igreja é uma dádiva de Deus, então ela é indivisível. Entãoa unidade da Igreja é incorruptível, como quer e onde quer que estejam os seusmembros. A “catolicidade” (universalidade) da Igreja é real a despeito de todos osproblemas regionais e as diferenças confessionais. A santidade e a catolicidade daIgreja permanecem inseparáveis — uma é decorrente da outra. Todo o escândalodos pecados denominacionais, sectaristas, de grupos e indivíduos não podemanular a dádiva de Deus, sua promessa e sua comissão. A dádiva de Deus estáselada pelo Espírito de tal forma que não há nada que possa anulá-la.

Onde a Igreja está presente tornam-se visíveis os sinais da presença doEspírito — há "crescimento" e há construção". É característica da natureza daIgreja não somente "ser arraigada e fundada em amor" (Ef 3:17) ou "construídasobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo Jesus Cristo mesmo aprincipal pedra angular" (Ef 2:20), mas também o crescimento visível. Raízes ealicerces permanecem invisíveis. Há, entretanto, as evidências visíveis dapresença da Igreja no mundo: uma comunidade que cresce como um "edifício bemajustado" — um "corpo de santos" sendo equipado para o serviço (Ef 2:21; Ef4:12,16) . É da natureza da Igreja que ela se assemelha em parte ao crescimentodo corpo humano, em parte a uma casa em processo de construção. As metáforas(figuras) de "raiz", (arraigados) e "crescimento" se referem ao mistério docrescimento e da vida da Igreja como realidade que se torna visível, mas cuja causa

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original permanece oculta. Com tais figuras quer o apóstolo traduzir o maisprofundo do ser da Igreja que não está nela mesma e sim em Deus que a sustenta.As metáforas “corpo”, “juntas”, “crianças”, são medidas que traduzem a“maturidade” (Ef 4:13-16), com as quais quer o autor traduzir a realidade da obra deDeus na criação da nova humanidade, do novo homem que não mais permaneceatado aos sinais próprios da infância (Ef 4:14 e 1 Co 13:11). Finalmente, a metáforado "edifício" ou do "templo", torna muito claro o fato de que os elementos exterioressão não só o resultado do crescimento que se efetuou interiormente, mas queelementos de fora também são encaixados para o crescimento da construção.

Nenhuma destas metáforas pode ser tomada isoladamente para se pensar naIgreja; elas se completam e se corrigem umas às outras. A realidade "interior" e arealidade "visível", a vida da Igreja, o poder dado por Deus, e a atividade ou oministério de cada membro não podem ser separados. Esta é a Igreja: a plantaçãode Deus no mundo, nova humanidade criada por Deus de forças inimigas, aconstrução de Deus sobre a terra. Sempre a Igreja de que Paulo trata assinala aobra de Deus na terra e não em algum lugar imaginário.

4. A Igreja e sua relevância "política". Não é sem sentido público ou derelevância social e política que a Igreja vive sobre a terra da sabedoria que vem deDeus. A Igreja é o povo de Deus que "cresce" em conhecimento e no desempenhode "ministérios" recebendo assim uma "cabeça", uma "forma" e uma "assembléiareligiosa"; ela é um "povo" entre os povos; ela não é a simples soma de indivíduoscristãos isoladamente vivendo sem ultrapassar a dimensão do valor individual. Oconceito da "nação" talvez seja o mais próprio para expressar o que significaquando o povo da Deus é chamado "comunidade" na qual os gentios são admitidos,ou quando os efésios são chamados "concidadãos dos santos e membros dafamília de Deus" (Ef 2:12,19). Claro que Paulo não está pensando no absurdo deestabelecer uma "Igreja-Estado" (como o Vaticano, por exemplo). Mas, quando elefala da nossa "cidadania" (Fp 1:27); quando Paulo lembra aos efésios de sua"herança no Reino de Deus"; também quando a Igreja é chamada "cidade" (polis)ou "campo" (Hb 12:22; Hb13:14 e Ap 3:12; Ap 20:9), não resta dúvida que está bemassinalada a dimensão, pela terminologia e pelo seu significado, de relevância"citadina" da Igreja.

Paulo chama ainda a Igreja de "Israel de Deus" (Gl 6:16; Rm 2:29). O termogrego para Igreja (ekklesia) que é freqüentemente usado no Novo Testamentodescrevia antes e durante os tempos de Paulo uma "assembléia do povo". Asimples menção desta palavra poderia ser suficiente para indicar-nos que a Igrejaserá a Igreja à medida de seu envolvimento vital com as nações e com o mundo. Seela é continuamente a comunhão crescente dos que conhecem o mistério de Cristo,a abolição das separações e a criação da paz entre o homem e Deus e entre ascriaturas de Deus, ela não pode de maneira alguma permanecer fechada em simesma.

Cristo "desceu às partes mais baixas da terra" (Ef 4:9). Ele suportou a luta esustentou a luta com "os poderosos deste século" que o crucificaram (1 Co 2:8). Oscristãos são "co-herdeiros", membros do mesmo corpo, participantes da mesma

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promessa" (Ef 3:6) com Israel e com Cristo, somente quando crescem com Cristo eem Cristo (Ef 4:15), como uma comunidade ativa e visível, responsável dentro davida do mundo.

"Guardar-se a si mesmo isento da corrupção do mundo" com o propósito demanter a "religião pura e sem mácula" (Tg 1:27), não quer dizer lavar as mãosquando escândalos e injustiças sociais, políticas e econômicas estão gritando aosmais altos céus! Mesmo porque o próprio texto de Tiago afirma que é verdadeira a"religião que visita as viúvas e os órfãos". A Igreja está responsabilizada aenvolver-se (tratando "da verdade em amor") na importância das questões da paz,da justiça e da verdade — pois "o fruto da luz consiste em toda a bondade, justiça everdade" (Ef 5:8).

É claro que a existência da Igreja na terra como uma "nação" implica em queela está chamada aos riscos dos conflitos com todos os poderes deste século, comos interesses das nações. A nação, o estado, a cultura, os propósitos de umadeterminada sociedade estão envolvidos na linguagem do apóstolo ao referir àspotestades e os poderes deste século como forças que a Igreja deve enfrentar e àsquais terá que "resistir no dia mau" (Ef 6:12).

Devemos recordar que a cidade de Eféso era uma das mais famosas cidadesdo mundo helenístico e do Império Romano e que a "mãe", o "amor", o "comércio" eo "culto das massas" davam à cidade um destaque fora do comum (Atos 19:23-40).Temos que observar, entretanto, que Paulo não trata da Igreja envolvido numconflito político e que os ataques não partem da Igreja e sim das "potestades" e dos"principados", então, Paulo exorta os cristãos a "não andarem como eles andam" elhes afirma: vede prudentemente como andais, não como néscios, e, sim comosábios" (Ef 5:15); "remindo o tempo porquanto os dias são maus" (Ef 5:16). Eleencoraja os cristãos a se "fortalecerem no Senhor e na força do seu poder" (Ef6:10), e é claro que é a fortaleza do mesmo poder que operou o "Evangelho daPaz". A Igreja aparece finalmente como e exército militante de Deus, além de ser a"assembléia dos cidadãos" (Ef 2:19) que é a "luz" no mundo e para o inundo (Ef 5:8)exército equipado com o espírito certo e a armadura certa para enfrentar a batalhacom os dardos "confusos" e inflamados do maligno (Ef 6:16). A armadura determinaa natureza da vida da Igreja e do conflito que ela manterá no mundo. Tal é a Igreja"em Éfeso" e "em Cristo".

5. A Igreja: Povo constituído por Deus. Até aqui temos observado que aIgreja é uma realidade de que podemos tratar somente em função de eventos quetiveram lugar dentro da história. Resumidamente e em específico: a confirmação daobra de Deus através da nova ordem de vida, a comunhão e o comissionamento deum Povo sobre a terra, e a submissão de toda forma de necessidades do mundo aojulgamento e à graça da sabedoria de Deus. A Igreja é onde estas cousasacontecem.

Tais eventos têm a natureza e o aspecto de semeadura, de serviço quedemora, de frustração duradoura, mais do que a aparência de vitória retumbante ede frutos abundantes e muito rápidos. Pela sua natureza em permanente formação

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e informação, sua incessante mudança (arrependimento) e seu crescimentoambíguo dentro da história do mundo, a Igreja não pode ser medida como se foraum dos clubes planejados pela habilidade e pelo interesse humano, como se foraum fenômeno natural, pois ela é o Povo que escuta e segue o chamado que Deusmesmo profere no Evangelho da Paz.

Qualquer pessoa conserva sua nacionalidade sem que atue como um cidadãoresponsável. Mas, um cristão não permanece um cristão sem que atuecotidiamente em testemunho de obediência responsável. A Igreja é um "corpo" vivoe dinâmico. Os sinais da Igreja são evidentes e, se não forem evidentes, não é aautêntica Igreja do Senhor Jesus.

A irrevogável constituição pela qual a Igreja é a família, a nação de Deus deconformidade com sua vida e existência, não é uma carta ou qualquer outrodocumento escrito no papel. Nunca será um atestado que a Igreja possua e possaexibir como sua credencial permanente e dentro de sua própria história. Não é umpassado glorioso ou um futuro que possa ser atestado por ela como documento decomprovação. A constituição da Igreja é a sua Natureza e a Natureza da Igreja é asua relação. A epístola aos Efésios torna esta verdade suficientemente clara. EmEfésios a Igreja é tratada, como já apontamos nas reflexões iniciais, numa "ordemde relações": em sua relação com "Deus, o Pai", com "Cristo", com o "Espírito", coma "comunidade de Israel", com os "gentios" e com "todos os santos". Somentequando estas relações são vivas e justas é que a Igreja é Igreja. Na Bíblia inteira"justo" ou "justiça" nunca é uma virtude individual ou abstrata, mas é sempre viva,vivida de conformidade ao espírito de um pacto de relação pessoal.

a) Em Efésios a relação entre Cristo e a Igreja aparece como na unidade docorpo e pelo título "cabeça" que é dado a Cristo, na metáfora do "corpo de Cristo"que se usa para a Igreja, e nos termos de "membros do corpo" que é empregadopara descrever os "santos" (Ef 1:22; Ef 4:4,12,15,25; Ef 5:23,30). Paulo usa umaterminologia paralela em outras epístolas (Cl 1:18,24; Cl 2:19; 1Co 11:3; Rm 12:4).Em Efésios e na carta aos Colossenses o foco primeiro, não o exclusivo, está nainter-relação "Cristo-Igreja", enquanto nas epístolas aos Romanos e 1 Coríntios ofoco está na mútua relação entre os cristãos.

Cabeça, corpo e membros, de acordo com a mentalidade grega e modernasão preliminarmente partes do homem. Mas, quando o Antigo Testamento fazreferência a qualquer parte do corpo (cabeça, alma, olhos), é a totalidade humanaque está sendo focalizada antes que subdivisões anatômicas. Na Bíblia, o homemnão tem uma alma, uma cabeça, um corpo. Mas, Ele é uma alma, um corpo, e é oque seus olhos e suas mãos fazem ou o que seu coração ama (Mt 5:24-30; Mt6:22-23; Lc 19:22). Quando, em Efésios, Paulo chama Cristo de Cabeça da Igrejaele não quer significar com isto que Cristo é a parte mais nobre do corpo. E sim queCristo é identificado com aquela realidade que é mais indispensável para o domíniototal da vida do corpo, como o Senhor que protege, dirige, e que nutre todos os atosdo corpo como a "mente" do mesmo. É desta maneira que a Igreja pode "manifestara sabedoria de Deus" (Ef 3:10). Temos, então, aqui a significação básica daequação, "A Igreja é o corpo de Cristo". A Igreja é a manifestação do Cristo

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ressurreto na terra. Quando ela é perseguida, ele mesmo é perseguido (Atos 9:4).Quando Cristo que "é a nossa vida for manifestado em glória, nós seremosmanifestados com Ele em glória" (Cl 3:4). "Nós carregamos sempre no corpo omorrer de Jesus para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo..." (2Co4:10ss).

Nós temos que concluir que enquanto Cristo é o "homem perfeito" (Ef 4:13), ocorpo de Cristo (Igreja) ainda está sendo construído, ainda não está perfeito. EmEfésios é muito clara a noção de que a Igreja vive em uma relação de permanente"crescimento" em submissão à Cabeça. Não há na epístola qualquer apoio àspretensões de um eclesiasticismo que se proclama "bene" ou "plene" Igreja. AIgreja não é inaccessível, poderosa ou rica, ou um corpo fechado, mas ela é o corpode Cristo que vive em crescimento. A Igreja, por natureza, inclui virtualmente os queainda são descrentes. Além disso, está claro em Efésios (como na carta aosColossenses) que Cristo não é somente Cabeça da Igreja. Ele é também Cabeçade cada homem ainda que seja um homem que não creia nEle (aqui nos referimosnovamente a Efésios 1:10). Como a todos os textos da epístola em que se sublinhatão positivamente a amplitude total da obra de Deus em Cristo. (Devemos lerColossenses 1:20 que nos dá a mesma realidade).

A intenção, a força do propósito e da obra que Deus cumpre em Jesus Cristonão tem limites. Esta verdade concede à Igreja o sentido e a amplitude de suaresponsabilidade missionária "Cristo é para todos". A palavra grega que aparece Ef1:10 é "anakephalaiosasthai", que significa reduzir tudo sob um único chefe.Embora seja considerada a ambivalência que o verbo tenha, para o autor daepístola, não há dúvida que ele assinala o alcance total do propósito de Deus desubmeter toda a criatura à vontade e ao amor expressos em Jesus Cristo comoCabeça de todas as coisas. Está aí uma noção bem ampla da esperança da fécristã em seu alcance cósmico.

b) A Igreja vive em relação especial com Israel. Este elo especial pode sermelhor chamado "solidariedade" ou "comunhão". Por "Israel" não entendemosapenas o antigo Israel ao qual fora prometido e dado o Messias. Nem ainda osjudeus de hoje em sua dispersão no mundo ou no jovem estado de Israel criado em1948 esgotam o que "Israel" significa. Nem mesmo podemos tomar como definiçãoexclusiva o "Israel segundo o Espírito", os que "adoram em Espírito e em 'Verdade"de todas as épocas, referidos por Paulo e João (Rm 2:29; Gl 6:16; João 1:47; João4:22). O que devemos ter em mente é a totalidade das possíveis descrições doIsrael que devem estar envolvidas quando temos diante de nós os textos daepístola aos Efésios.

"...o qual em outras gerações não foi dado a conhecer aos filhos dos homens,como agora foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito, a saberque os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes dapromessa em Cristo Jesus por meio do Evangelho" (Ef 3:5-6). De conformidadecom este texto, o mistério do Evangelho é a "fraternidade" e "co-cidadania" dosGentios com Israel! Esta realidade estabelece o compromisso de sériasponderações a que não nos podemos furtar. A obra total de Cristo, "fazendo a paz"

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e sendo "Ele a nossa paz" pela "destruição da inimizade" (Ef 2:14-16) não é apenasem relação a, mas consiste também da anulação, da derrubada do muro de divisãoentre os judeus e os gentios. Observemos que ela não é relacionada,primariamente, à divisão entre raças e classes, nações e pessoas, idades eculturas. Pareceria melhor a nós que tensões econtrastes políticos, sociais,raciais, morais, espirituais, educativos e psicológicos mereceriam maior atenção doque qualquer outra cousa ao tratar-se da relação entre a Igreja e Israel. Textoscomo Gl 3:28; Cl 3:11; 1Co 12:13 tratam da unidade entre judeus e gregos, homensescravos e livres, bárbaros e citas, mulher e homem. Agora os judeus e os gentiossão contados como "UM" entre muitos dos pares de inimigos que tem sidoreconciliados (at-one-ment) em Cristo.

Este é o momento em que devemos alcançar as implicações daquilo quePaulo diz quando fala da criação da "nova humanidade". Nesta epístola a "mão deobra de Deus" (Ef 2:10), o "novo homem" (Ef 2:15; Ef 4:24), é criado somente dosdois — Judeus e Gentios (Ef 2:11-22). Que ambos, Judeus e Gentios, estãodivididos também em homem e mulher, jovem e velho, servos e senhores, é um fatoque não podemos esquecer no pensamento do autor. Mas, a paz social entresexos, entre gerações e entre diferentes classes não é substituto para aquela Pazúnica que põe fim a hostilidade entre os de "dentro" e os de "fora", entre os de"perto" e os "que estavam longe" da "casa de Deus".

De conformidade com o texto de Efésios, a paz social de forma alguma é umaconseqüência da paz que foi estabelecida entre Judeus e Gentios. A grande obrade Deus (somos feitura dele, cf. Ef 2:10) e a proclamação do sangue de Cristo (Ef2:13-17) busca a paz entre os que são estranhos à comunidade de Israel e aosIsraelitas. Mas, unicamente a paz estabelecida em Cristo entre Judeus e Gentios,que permita a ambos, alcançarem juntos a paz com Deus (Ef 2:16-18) é ofundamento, é o leito em que a "co-existência pacifica" é possível em todos osníveis e em todas as esferas da vida.

Por que razão os que crêem em Cristo não podem ter paz com Deus e unscom os outros senão juntos com Israel? Efésios responde esta pergunta: não éporque Israel não necessite ressurreição e reconciliação, comunhão e crescimentopara ser "templo santo do Senhor". Ao contrário, afirma Paulo, não somente vós(Gentios) "estáveis mortos em vossos delitos e pecados... segundo o curso desteséculo" (Ef 2:1); "mas, entre os quais (filhos da desobediência) também todos nós(Judeus) andávamos nos desejos da nossa carne e... éramos (Judeus), pornatureza filhos da ira, como todos os demais. Mas Deus... estando nós mortos emnossos delitos e pecados nos deu vida juntamente com Cristo... em Cristo. (Ef2:3-6). "De ambos (Judeus e Gentios) Cristo fez um e dos dois criou um novohomem" (Ef 2:14-16). "Vindo Ele evangelizou a paz aos que estavam longe e aosque estavam perto" (Ef 2:17). Não em um diferente, mas sim "em um mesmoEspírito" está facultado o acesso ao Pai (Ef 2:18), e "juntamente vós estais sendoedificados para habitação de Deus em Espírito" (Ef 2:22).

O que Paulo proclama na carta aos Efésios não é nenhuma superioridade dosJudeus em seu caráter racial ou histórico, nem ainda uma "fraternidade" entre

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Gentios e Judeus a qualquer preço. As palavras "em Cristo" e "em um Espírito" nosimpedem encarar o problema de uma perspectiva puramente humanista e histórica!A indissolúvel e transcendente solidariedade entre Judeus e Gentios formando o"corpo de Cristo" está assegurada precisamente na obra de reconciliação que seespelha de forma exclusiva e definitiva na morte e na ressurreição de Cristo.

A conotação profunda em que Judeus e Gentios são reconciliados em Cristoindica a grande realidade de que a Igreja está relacionada com cada um e comtodos os homens. A posição em que Israel aparece na economia divina da salvaçãoapresenta a mesma ambigüidade em que a parábola do "filho pródigo" nosapresenta o "irmão mais velho" (Lc 15:25-32). Enfim sobre esta relação da Igrejacom todos os demais trataremos em seguida no próximo capítulo do nosso estudoem que o texto de Efésios nos levará a refletir sobre a presença da Igreja no Mundoe as implicações entre a Fé Cristã e a Ética.

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CAPÍTULO III

A PRESENÇA DA IGREJA

Temos visto até aqui as duas grandes secções em que se move o conteúdoteológico da carta aos Efésios. Na primeira sublinha-se o que Deus, em seusoberano amor e vontade tem proposto na eternidade. Temos visto então uma sériemuito fecunda de verbos em que o autor comemora a total iniciativa divina nasalvação e na reconciliação do mundo ou da totalidade das cousas. Temosexaminado ainda na mesma série de verbos o fato de que Paulo e os cristãos nãocessam de adorar a gratuidade absoluta do ato em que Deus nos torna seus filhos.Sua soberania é uma soberania em Cristo, isto é, uma soberania de amor que incluia totalidade das criaturas como o endereço pessoal da obra perfeita de Deus, a"mão de obra de Deus".

Na segunda grande secção temos visto exatamente a Revelação de Deus —a "multiforme sabedoria" que se revela no evento "Jesus Cristo" que "destrói o muroda separação" e que "faz a paz". Aqui numa série de verbos que conjugam arevelação de Deus sublinha-se o conteúdo pessoal da Palavra de Deus(palavra-ato) e a sua relação inseparável com o evento da Igreja como acomunidade em relação de dependência permanente da ação da "sabedoria" ou do"conhecimento de Deus" que ultrapassa toda compreensão humana. Então, aconstituição da Igreja como "Povo de Deus" em Jesus Cristo, a Igreja como "Corpode Cristo", comissionado a manifestar "as insondáveis riquezas de Cristo" (Ef 3:10)que se constituem no "mistério revelado" (o qual é o "Evangelho da Paz"!), "aPalavra da Verdade" em que a Igreja foi selada "pelo Espírito Santo da promessa".Daí, da constituição da Igreja no evento "Jesus Cristo", que criou o "novo homem",decorre a missão da Igreja, o ministério da Igreja no mundo como aquelacomunidade que torna evidente a paz com Deus e a paz do homem com o homem.

Assinalemos mais uma vez que toda esta realidade nos é dada em Efésiosnuma forma singular em relação às demais epístolas paulinas. Pois Efésios éverdadeiramente uma liturgia dos grandes atos praticados por Deus em suarevelação ao homem. Daí a insistente forma de oração, podendo-se mesmo afirmarque tudo é, na epístola, assunto de oração, de comunhão com Deus. A verdaderevelada é, não uma verdade formal ou lógica, que é dada na forma de princípios ouproposições estáticas, a verdade é uma relação pessoal. A Igreja é também umarelação, uma nova ordem de relações, uma nova ordem de vida, de vidacomunitária. Os adjetivos e não os substantivos é que indicam "as virtudes" da vida

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cristã; isto é, a vida cristã é uma vida em relação a Deus — é uma relação, umacomunhão permanente. A participação na obra de Deus — a vida em Cristo que é avida da Igreja implica realmente numa atmosfera de ininterrupta adoração. Estanatureza tão pessoal em que os atos de Deus são proclamados na epístola e anatureza da Igreja que decorre da natureza dos atos de Deus cria verdadeiramentea "liturgia cristã" — assim, Efésios é a doutrina cristã transmitida como música deadoração, de harmonia universal, de paz no seu sentido de reconciliação pelosangue de Cristo como a "justiça imputada" no dizer dos grandes reformadores.

A Natureza da Igreja determina assim a Missão da Igreja de maneira tal que éum absurdo dizer que a Igreja tem uma missão ou que muitas são asresponsabilidades da Igreja. Igreja é Missão. O que Deus fez em Cristo estárelacionado com Israel e com o mundo Gentio, como está relacionado com todas ascriaturas e com todas as cousas na terra e nos céus.

Devemos então, agora, estudar a terceira parte da Epístola que trata por umlado, da "Igreja equipada", e, de outro lado, da Igreja equipada para o mundo".Devemos dizer que este capítulo do nosso estudo e que é o capítulo final, assinalaa repercussão dos atos de Deus no mundo através da Igreja. Necessitamosconsiderar como a comunidade dos que "ouvem e crêem ... no Evangelho" (Ef 1:13)está presente e "anda" no mundo.

Na segunda metade da epístola vimos que o autor está sempre indicando quea conduta dos cristãos em Éfeso não era diferente dos não cristãos. " ...entre osquais também nós andávamos todos, segundo as inclinações da nossa carne,fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos daira,como também os demais" (Ef 2:3). Agora, entretanto, nos capítulos 4 a 6, estáuma realidade totalmente nova, determinada pela obra de Deus — um povo paraDeus mesmo, que é "comunhão", que é "construído" e recebe "crescimento emsabedoria, em amor, em santidade" — este povo para Deus é a Igreja. Toda estaassembléia, esta comunidade está vocacionada a "andar retamente deconformidade com a vocação que foi chamada" (Ef 4:1).

Como "nova humanidade" a Igreja foi criada através da obra de Deus emCristo (Ef 2:15). Ela é constantemente "renovada" desde dentro e de fora (Ef4:23-24). Ela é "vestida de novo" (Ef 4:23- 24; Ef 6:11,13) das "cousas que Deusmesmo tem criado e preparado de antemão" para que a Igreja "ande nelas" (Ef2:10). Portanto, isto é, como natural conseqüência de tudo quanto Deus já fez (apóstodos os Indicativos do Evangelho), os cristãos são chamados a "não andar maiscomo andam os Gentios" (Ef 4:17) — então, seguem-se aos Indicativos doEvangelho os seus grandes Imperativos.

Esta ordem que não pode ser alterada, senão para cairmos no “religiosismo”(religiosidade) farisaico que tenta invalidar a "Palavra da cruz", é proclamada naEpístola aos Romanos de forma inequívoca. Vamos aqui abrir um pequenoparêntesis para a inclusão do texto de Romanos com um pequeno comentárioexegético e alguma observação quanto à tradução que tem sido feita do mesmo.Refiro-me aos primeiros dois versículos do grande capítulo em que Paulo trata

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precisamente da "nova vida" segundo as misericórdias de Deus : "Eu vos exorto,portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecer vosso ser (ta somata),como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: este é o vosso culto verdadeiro. Enão vos esquematizeis a este século presente, mas que a renovação da vossamente (metanoia) vos transforme e faça discernir (dokymassein) qual é a vontadede Deus, o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito" (Rm 12:1-2).

A misericórdia de Deus é o apoio em que Paulo está sempre alicerçando asconjunções conclusivas que ele emprega com tanta freqüência. Em Romanos ocontexto da conclusiva empregada no versículo acima mencionado (portanto) seconstitui de onze capítulos em que o apóstolo trata dos atos praticados pelamisericórdia de Deus subordinados ao verbo "libertar". Paulo indica a misericórdiade Deus como a causa da grande libertação que temos em Jesus Cristo: "libertaçãoda ira", "libertação da lei", “libertação do pecado" e “libertação da morte" — apalavra libertação em Romanos é sinônimo perfeito de " justificação".

A misericórdia de Deus que "justifica" e a "mão de obra de Deus" que "cria aPaz" (Romanos e Efésios) são a mesma realidade evangélica. Esta "obra perfeita"não torna o homem inativo ou anulado. Ao contrário, atua como poder permanentee exclusivo para possibilitar a "renovação" do homem. Recordemos uma vez maisque a ênfase da Epístola aos Efésios está sobre a obra de Deus em Cristo que criauma nova ordem de vida.

Paulo está sempre insistindo, pela terminologia que emprega, numa novaordem de vida cristã que consiste numa disponibilidade permanente, numaabertura permanente ao inaudito, a algo novo, ao surpreendente e ao "crescimentoem Cristo". Devemos ler no próprio texto o que isto significa realmente:"...discernindo sem cessar o que é agradável ao Senhor" (Ef 5:10); "... por estarazão não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade doSenhor" (Ef 5:17); "...não servindo à vista, como para agradar aos homens, mascomo servos de Cristo, fazendo de coração (mente), a vontade do Senhor" (Ef 6:6).Paulo está muito longe da posição simplista de submeter a "nova vida" a uma "lista"de regrinhas fixas para a conduta dos cristãos que contemplasse todas aseventualidades da vida em sociedade. Parece muito claro que Paulo não admite apossibilidade de se "tomar" a vontade de Deus nas mãos ou em certos postulados.

Paulo chama aos destinatários de sua Epístola com uma expressão muito ricade sentido: "filhos amados" (a expressão em grego "tekna" significa literalmente"herdeiros"; é a mesma expressão usada quando ele os chama de "filhos da luz" —"tekna fotos" — quer dizer "herdeiros cia luz"). Assim, como filhos amados" — andaiem amor e "como filhos da luz" — andai na luz (Ef 5:1 e 8)! Há para esta novapossibilidade um "paradigma" e este não é o apóstolo, mas é o próprio Deus emCristo: "Sede, portanto, imitadores de Deus, como "herdeiros do amor" e andai emamor como também Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós". Alémdisso, devemos acrescentar que todas as metáforas de que o autor se serve naEpístola para comunicar a Natureza da Igreja são "símbolos" que indicam umaprendizado permanente, um "discipulado constante" em amor — amor cuja fonte éCristo. O amor de Deus em Cristo é sempre o "paradigma" para a presença da

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Igreja na sociedade.

Temos aí uma realidade permanente e invariável. Isto é, dinâmica, capaz detranscender todas as melhores formas de vida de determinada "época" como detodas as "épocas" da história, e, exatamente, por tal razão, a fé cristã podeexpressar-se concretamente em cada nova situação pela relevância dêste"paradigma".

1 - SOLIDARIEDADE: "JUSTIFICADOS" E "PECADORES"

Quando Paulo declara que Cristo destruiu a parede de separação entre osque estavam "longe" e os que estavam "perto" abolindo-a (Ef 2:14), e quandoproclama que Cristo "está entronizado acima de todas as coisas", submetendotodas as potestades a si (Ef 1:20,23), claro que o apóstolo está bem consciente doque tal ordem de realidade implica. E, quando a Igreja "escuta" o Evangelho (Ef1:13), ela deve compreender quais são as conseqüências desta relação:

1.a.) Não existe "muro" entre a Igreja e o Mundo: que não existe "muro"entre o povo eleito e as demais nações é uma realidade clara que não pode seresquecida. A "eleição" de um povo em Abraão foi revelada já com a finalidadeexplícita: " ...em ti serão benditas todas as nações da terra" (Gn 12:). A remoção do"muro" entre o povo eleito e as demais nações deve levar a Igreja a pensarseriamente em toda a problemática levantada pelos "nacionalismos" do mundocontemporâneo e o desafio que de fato representa ao testemunho, ao vigor doEvangelho da paz. Há seguramente em Efésios uma teologia de juízo definitivosobre "ordens" de mentalidade e de estrutura em que se expressam os grandesconflitos entre os povos.

A Igreja é criada e destinada por Deus, segundo Efésios, a tornar visívelaudível, tangível, e a manifestar publicamente a vida, o amor, a justiçainquebrantável do Senhor ressurreto. Nenhuma apologia pode ser feita de um culto,de uma ordem litúrgica, em que a realidade da obra total de Deus em Cristo não éexpressada conforme nós a encontramos nos termos bíblicos e, em especial, comoencontramos em Efésios. Um culto em que Cristo, cabeça de toda a humanidade, aIgreja e o mundo não são tomados com a seriedade devida, simplesmente não temnenhum sentido de culto cristão.

De outro lado, temos que re-examinar as “divisões”, os “muros” que causam,que perpetuam as estruturas tradicionais das nossas “denominações". As divisõescausadas pelas "ordens" que se pretendem justificar com referências bíblicasisoladas! Os conceitos de autoridade eclesiástica dentro dos nossos sistemastradicionais que fomentam toda uma mentalidade "clericalista" de profunda"separação". Não é sem razão histórica, muito deplorável, que estamos na épocada "laicisação", da criação da "ordem leiga" em que a Igreja busca na época umapossibilidade de abertura mais ampla na direção do povo! Além da profundatragédia das separações "internas", estas estruturas causam uma separação"artificial" entre a Igreja e o mundo o que dificulta ainda mais a fidelidade da Igreja

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em cumprir o mandato e a vocação "com que foi chamada". Entre a "identificaçãode Cristo", "descendo até às partes mais baixas da terra", e os "pináculos" a que sealteiam orgulhosamente as estruturas denominacionais, há uma enorme diferençaque deixa contra nós um saldo muito ridículo. É preciso fazer-se a distinção entre o"Evangelho" que é o próprio Cristo e as fantasias religiosas contemporâneas queinsistem em afastar a pessoa do Redentor daquele povo que é o objeto datotalidade do Seu amor revelado na cruz!

A Igreja é o "Corpo de Cristo" (e "há um só corpo"!), e uma das grandesimplicações desta realidade é o fato do condicionamento da Igreja "ser a Igreja" namedida de sua aptidão em traduzir concretamente o mesmo espírito de JesusCristo. A relevância da Igreja está na razão direta de sua "submissão a Cristo", desua disposição em "aceitar" a decisão de Cristo de estar presente onde Ele mesmodecide estar da forma como Ele já decidiu e revelou em seu amor soberano (Fp2:5-8 e Mt 25:34-40). A vocação da Igreja deriva da presença de Jesus Cristo e nãoresta para a Igreja maio "honra" que a de ocupar aquele mesmo lugar de "servo"que Cristo revelou e para o qual constitui a Igreja como "Seu Corpo". A descobertada presença de Cristo no "preso", no "faminto", no "estrangeiro" é o inaudito doEvangelho da paz. Cristo já tomou uma decisão eterna à Igreja nos eventos doEvangelho em sua totalidade.

Temos que abrir aqui um pequeno parêntesis para mencionar um dos grandesproblemas na questão da Igreja. Somos ainda vítimas de uma longa e desastrosaconfusão histórica sobre a Natureza da Igreja. A noção de Igreja sofre de umaverdadeira "infiltração" de platonismo filosófico. Trata-se do dualismo que concebeua Igreja como "visível e invisível", como "militans" (militante) ou como "triunphans"(triunfante). Partindo de tais especulações as afirmações a respeito da Igreja ficamcada vez mais confusas. A maior responsabilidade nesta confusão cabe a SantoAgostinho por ter desenvolvido amplamente essa especulação platônica que cria oabismo entre "idéia" e "realidade". O protestantismo participa do mesmo irrealismode Platão com sua distinção celebre entre "Ecclesia visibilis" e “Ecclesia invisibilis".

Precisamos retornar ao texto bíblico para redescobrir na sua terminologia todaa significação que temos perdido sobre a Igreja. Restauraríamos toda a riqueza dosignificado de certos termos e ficaríamos livres da sobrecarga de traições históricasque nos empobrecem mais e mais. Do termo "ekklesia" que nos dá a idéia de uma"assembléia popular"; do termo no Antigo Testamento — "gehalá" ou do "kenishtâ"que, segundo os estudiosos do texto hebraico é o empregado para traduzir tanto"ekklesia" como o termo “synagogê" — que nos dá a idéia de "chamado" decomunidade popular"; do termo empregado no Novo Testamento "laós" (povo)como Igreja de Deus; destas realidades da linguagem bíblica ao "eclesiasticismo" eao "clericalismo" em que nos encontramos hoje há uma diferença que por si mesmase condena.

1.b.) "Em Cristo" — este é o "eixo" da ética do Evangelho. Devemos afirmarque não há possibilidade de se tratar nem da Igreja nem das relações com asociedade sem tomar-se com seriedade este "eixo" — "em Cristo".

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A Igreja necessita ser "revestida da armadura de Deus" a fim de ser"fortalecida no Senhor e na força do seu poder" (Ef 6:10-11), isto significa nãosomente uma relação de dependência permanente da Igreja ao Senhor, masimplica na profunda precariedade da mesma em sua presença num mundo deforças hostis. Realmente, Paulo fala de um "mundo" que é arena das "astutasciladas do maligno" (Ef 6:11). A situação da Igreja jamais poderá ser em relação aomundo uma situação de superioridade ou de um "status religioso" com vantagenssobre a vida no mundo.

Além de tudo, deve ser assinalado que, a Igreja, segundo a carta aos Efésios,está numa relação missionária com toda a humanidade. Esta relação deixa claroque a Igreja é uma realidade preliminarmente transitória; é uma instituição emserviço. Melhor dito, a Igreja não é uma "instituição" ela é "uma expedição".Contudo, ela é o primeiro fruto, o fruto que tipifica e exemplifica como sinal, amanifestação e o domínio total do "Reino" presente em Cristo Jesus. Ela é a únicacomunidade que vive na consciência de que está a serviço de Deus. A igreja vive areconciliação com Deus e com os demais. Somente a Igreja conhece estareconciliação e a proclama precisamente por "sua submissão a Jesus Cristo" (Ef5:24). Ainda mais, sua submissão não é uma tarefa "privada,", mas é realmente um"serviço público".

Deus não esgotou sua atuação divina ao constituir a Igreja; Ele não"transferiu" o poder e a missão. Paulo assevera com firmeza: "...pelo que diz:desperta tu que dormes, levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará" (Ef5:14). Deus não se limita de maneira nenhuma a formas, mesmo que estas formastenham sido dadas por Ele. Nós não podemos capturá-lo em nenhuma de "nossas"formas e em nenhuma das "suas formas." A Igreja é o corpo de Cristo enquantopermanece "em crescimento" (Ef 2:21; Ef 4:15) na direção da "Cabeça"!

No Antigo Testamento temos um texto que resume esta realidade que Pauloestá proclamando aos Efésios na equação "Deus = Igreja-Mundo". Diz esse texto:"Eu o Senhor te chamei em justiça, tomar-te-ei pela mão, e te guardarei, e te fareimediador da aliança com o povo, e luz para os gentios" (Isaías 42:6). Em Efésiosesta missão do Servo do Senhor é expressa nas palavras: "... porém, agora sois luzno Senhor; andai como filhos da luz" (Ef 5:8). A presença da Igreja no mundo, comoresultado da Obra de Deus, "filhos da luz" (= gerados da luz) implica na permanentedisposição da Igreja de não ser de si mesma, mas ser para o serviço de Deus nomundo.

Temos agora que enfrentar uma pergunta capital: como é que a Igreja"levanta", "anda" e "serve"?

A única possibilidade do "serviço" ser fiel e honesto, isto é, correspondente ou"coerente" ao ser da Igreja, à natureza da Igreja como "obra de Deus" é através dahumildade permanente. O "andar" deve ser dirigido à meta exata, ao objetivoinequívoco. O "permanecer", ou melhor, o "ficar em pé" pressupõe a base firme e adecisão de "agüentar" de "resistir".

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Paulo em sua epístola aos cristãos na Ásia Menor permanece ao lado dos quenão podem acreditar que uma "igreja-muro" (fechada em si mesma) seja verdadeiraou que possa ser a manifestação da obra redentora em Cristo que destrói a"inimizade", todas as formas de "servidão" e a morte! A "igreja-muro" é um ídolo quese adora a si mesmo e que se serve a si mesmo e não a Cristo. Ela está presente nomundo da maneira mais negativa que se possa conceber, servindo como muralhaintransponível de separação entre Cristo e os que necessitam de Cristo. Éimpossível que nesta altura não vos venha à lembrança a cena do Evangelhorelatada em Marcos 2:1-12! Quando um paralítico foi impedido de chegar a Jesuspor "causa da multidão". Tornou-se, então, necessário que seus amigosintroduzissem pela "porta do telhado"! Este incidente encorajador revelaprimeiramente que Cristo veio realmente para "perdoar" e "restaurar" os que porconveniência percam a esperança ficando do lado de fora... Mas, ele desmascaratambém a devastadora função que a formação de um muro em torno da Igreja podeassumir.

O grave do problema é que a "muralha" em torno da Igreja será mais do queum obstáculo para os que "necessitam" de Cristo (os de "longe", os de “fora”!), masserá um obstáculo para "ambos" tanto para a Igreja quanto para os demais, poisCristo não só não faz acepção de pessoas como também destruiu todas asdivisões. O texto em Efésios é suficientemente claro: "... porque por Ele (Cristo),temos juntos acesso ao Pai em um mesmo Espírito " (Ef 2:18). O Evangelho da Pazpregado na epístola aos Efésios é uma "espada de dois gumes". Ele declara emsua plena essência: "Cristo é nossa paz" (Ef 2:14). E este gume corta toda apretensão de privatividade, exclusividade e auto-promoção a que os cristãos sãotentados em relação aos demais. Em conclusão, não há, de acordo com oEvangelho da Paz, nenhum "muro de separação" entre a Igreja e o Mundo!

Entretanto, aqui pode surgir uma pergunta, à primeira vista, muito importante:"e que é que se pode dizer a respeito da grande e 'elevada montanha' de onde foiavistada a 'cidade que descia do céu', a cidade santa"? (cf. Ap 21:10). Se lemos otexto em sua totalidade vamos perceber que realmente foi revelado a João, ovidente de Patmos, não uma 'imagem da Igreja' e sim a eterna e final presença deDeus entre os homens: "... eis a habitação de Deus com os homens. Deus habitarácom eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com Eles" (Ap 21:3) .Não há menção de templo nesta "cidade", pelo contrário, há a afirmação clara do"santuário de Deus". "Nela não vi templo, porque o seu santuário é o Senhor, oDeus Todo-poderoso e o Cordeiro" (Ap 21:22). Entretanto, há menção de que"alguns" ficarão do lado de fora! E então? "Nela jamais entrará cousa algumacontaminada, nem o que pratica abominação e mentira..." e "Fora ficam os cães, osfeiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras e todo aquele que ama e praticaa mentira" (Ap 21:27; Ap 22:15). Mesmo com tudo isto, nós não podemostransformar "esta cidade" num símbolo do nosso "templo” e da "Igreja" ou num meroparadigma dos "muros" e das montanhas que os próprios homens têm construídoem nome de Cristo. Não temos nenhuma autoridade e nenhuma possibilidade emidentificar "aquela cidade" que "desce do Céu", "preparada por Deus mesmo" e emque "Ele mesmo habitará com as nações", com as nossas igrejas ou as nossasdenominações.

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Quando numa outra "visão" João vê Satanás junto com Gogue e Magogue eas suas hostes, lutando contra o "acampamento dos santos" e a "cidade amada",nenhuma "muralha" é mencionada. Este "acampamento dos santos" é,provavelmente, a comunidade dos que foram ressuscitados e entronizados juntoscom Cristo (Ap 20:4 e Ef 2:5) — é a Igreja. De conformidade com esta visão Deus équem defende o "acampamento" de seus inimigos, não com "muros de separação",mas sim com "fogo que desce do céu... " (Ap 20:9).

O que queremos assinalar com tudo isso é simplesmente o fato de que emEfésios a verdadeira "distinção" entre os do lado de “fora" e os santos que "estãoem Cristo" tem um sentido muito mais sério para a Igreja do que podemos imaginar.Façamos, por exemplo, a leitura bíblica em textos como 1Ts 4:12; 1Co 5:12; Cl 4:5;1Pd 2:12 - em que a relação entre a Igreja e os "do lado de fora" é sublinhada demaneira direta.

Que há uma enorme diferença entre os cristãos e os que ainda não participamda nova vida em Cristo é óbvio em todo o Novo Testamento. O que devemoscompreender, todavia, como de fato Efésios nos ensina suficientemente, é que taldiferença não nos dá uma situação nem de superioridade nem de privilégio. Estadiferença, determinada exclusivamente pela obra da graça de Deus, que nos tornou"filhos da luz" e que dá a Natureza da Igreja. O "ser" da Igreja (natureza) é o "fazer"da Igreja. Enquanto nós insistirmos em isolar ou em inverter esta equação, nãoseremos Igreja, seremos mero ativismo farisaico. Pois, é somente a partir daNatureza da Igreja, dada nos atos da "longanimidade e misericórdia", na"multiforme sabedoria de Deus, no "Evangelho da Paz", é que se instrui, que tomasentido a Missão da Igreja. Devemos então concluir simplesmente dizendo que aNatureza da Igreja é uma natureza missionária. Tudo quanto Deus lhe deu ou lheconfiou não é para si mesma, mas para todos os demais. A Igreja está apoiada no"fundamento dos apóstolos e dos profetas" e deles "Jesus Cristo é a pedraprincipal" (Ef 2:20); não podemos esquecer que "apóstolos", "profetas", "JesusCristo" — são outros tantos nomes para o grande nome, para a grande palavra denossa fé: "Graça"; nós os temos porque Deus no-los enviou, são dádivas damisericórdia para com o mundo que "Deus amou de tal maneira que deu seu filhounigênito... " (João 3:16). O fundamento da Igreja mencionado no Novo Testamento(apóstolos e profetas) é "fundamento em Cristo", eles permanecem enquantoservem à natureza missionária da Igreja (Ef 4:7-12)!

Jesus Cristo realizou a salvação havendo "descido até às partes mais baixasda terra" (Ef 4:9). Somente quando nós aceitamos o "lugar" que Ele comparteconosco é que podemos nos chamar de cristãos. "Acesso ao Pai" nós somentetemos "em Cristo" e "juntos" (Judeus e Gentios) e "em um mesmo Espírito" que édádiva Sua (Ef 2:18; Ef 3:12; Ef 4:7). Não há possibilidade da Igreja "andarfielmente conforme seu chamado" (sua natureza) permanecendo em si mesma epara si mesma — o lugar e a forma da presença da Igreja já estão determinadospela Natureza da Igreja — "em Cristo".

Em todas as esferas e em todos os níveis da vida da sociedade, desde a

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insuportável miséria da fome e da nudez, da exploração e do aviltamento dapersonalidade até aos grandes "centros" de decisão humana ao nível político,econômico e social onde se jogam com os supremos valores éticos, nenhum cristãoé capaz de carregar o pecado do mundo. Cristo é o suficientemente capaz (João1:29,36). Mas, o cristão é um atestado da obra de Cristo na medida em queexpressa "solidariedade" em atos de ajuda, de compreensão de simpatia fraternas.

Nenhum cristão tem a chave da solução dos grandes e complexos problemasda política e da economia, da ciência e da cultura, da sociedade e da mentehumana. Mas o cristão participa totalmente e comunitariamente em todasas frentesde batalha, correndo os riscos de erro, com o esforço humano em todos os campos.Solidariedade e comunhão com o que estão "longe" e com os que estão "perto" sãosinais da santa Igreja e dos santos que não se "envergonham" do Evangelho dapaz, mas que vivem no mundo "de modo digno da vocação com que foramchamados (Ef 4:1). É a medida da humildade da Igreja que lhe dará esta dimensãoda relevância no mundo. Paulo torna explícito imediatamente o sentido primeirodeste "andar de modo digno" quando afirma: "com toda a humildade e mansidão,com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor" (Ef 4:2). Com todacerteza "em amor" não significa menos do que "em Cristo".

Podemos agora tirar algumas conclusões sobre o sentido desta solidariedadeentre a "Igreja" e o "mundo" para empregar ainda uma terminologia tradicionalembora esvaziada de significação.

1.c.) Solidariedade entre a Igreja e o Mundo exclui qualquer pretensãode que a Igreja seja melhor do que o mundo. Tal afirmativa nos desafia a umarevisão mental muito profunda e completa sobre o que temos aprendido e pensadoe até "dogmatizado" a respeito do mundo. Afinal de contas já é tempo deenfrentarmos com toda a honestidade cristã o problema do "mundo" dentro donosso próprio coração, da nossa mente, das nossas categorias de pensamento, denossos critérios de valor e até de nossas formas de "igreja". De outro lado, estáclaro que há formas de vida, ordens de relações que constituem, segundo Efésiosum mundo (aeon) que Cristo destruiu, inaugurando, revelando uma nova ordem derelações. Daí o fato significativo de Paulo exortar aos cristãos em Éfeso que "nãoandem mais segundo aquele aeon", ...pois éreis trevas, mas agora sois luz noSenhor; andai como filhos da luz" (Ef 5:7-8). Trata-se do que Eles eram e não domundo.

Por outro lado, Paulo os exorta não porque alimentasse algumas suspeitas outivesse alguns pensamentos maliciosos quanto a eles, e sim porque o "mundo" emcada uma de suas formas e de suas forças era para eles uma constante e fortetentação.

Não Somente os "gentios", mas os "cristãos" são admoestados a não"andarem mais como meninos agitados de um lado para outro e levados ao redorpor todo o vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com queinduzem ao erro" (Ef 4:14); "não andeis como também andam os gentios navaidade dos seus próprios pensamentos (mentalidade)" (Ef 4:17); "não mais

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segundo as concupiscências do engano da caricatura do homem antigo" (Ef 4:22) e"não furteis mais, mas trabalheis" (Ef 4:28). Paulo recorda que tais cousas trazem a"ira de Deus sobre os filhos da desobediência" (Ef 5:6), contrastando então o "frutoda luz com as obras das trevas" (Ef 5:1-15) . De toda maneira está claro que aquiloque precisa ser dito a respeito do mundo também é dito a respeito dos santos. Eaquilo que é concernente aos santos é também concernente aos que ainda estão"fora". O apelo: "de maneira digna fostes chamados" (Ef 4:1), é um chamado para"arrependimento", para "conversão", para "esperança", para "nova vida" estendidaaos que ainda não a têm. Se existe uma diferença entre os que estão "perto" e osque estão "longe" em relação à vida e às tentações e ao pecado, a única diferençaé esta: os gentios ainda andam sem o conhecimento da salvação (e asconseqüências desta "ignorância"), enquanto os cristãos conhecem a graça que serevelou em Cristo e conhecem os seus pecados. Confessam e vivem dearrependimento (Ef 1:7) como escolhidos representantes do novo mundo nomundo. Assim, é o perdão dos pecados a sólida base para a solidariedade entrecrentes e não crentes.

1.d.) A solidariedade entre a Igreja e o mundo não depende da amizadenem ao menos de uma atitude de tolerância dos incrédulos para com oscrentes. Solidariedade, criada pelo Evangelho da paz, é incondicional. Pode haverépocas em que o estado e a sociedade reconheçam a utilidade e a liberdade daIgreja e, quando, como no caso da América, sejam favoráveis e até encorajem ofuncionamento do "serviço da Igreja". Contudo, devemos assinalar hoje mais doque nunca que a Igreja não depende de nada disso para sua fidelidade à suaNatureza e à sua Missão!

Isto significa num sentido bem profundo que a Igreja não pode estar apoiadasenão em Deus; não há nenhuma ilusão para a Igreja com relação às forças queconstituem o mundo e que nele atuam permanentemente. Paulo adverte estarealidade na epístola aos Efésios quando trata da necessidade do permanente"revestimento" da Igreja e sua "adestração" para usar a "armadura de Deus", afimde resistir "no dia mau", "ficar firme", "contra as astutas ciladas do diabo" (Ef6:10-20. Concede inclusive seu "testemunho" como "embaixador até em cadeias"(Ef 6:20). Esta solidariedade com o mundo no sentido "incondicional" significaprecisamente a independência em que a Igreja precisa viver em relação àsrespostas do mundo à Verdade.

Aqui está precisamente uma das dimensões da "glória" da Igreja: suaparticipação no ministério de Cristo que, segundo o relato evangélico "padeceu" enão foi recebido "pelos seus, tendo vindo para o que era seu" (João 1:11). Ou numaexpressão ainda mais decisiva: "no mundo tereis aflição, mas tende bom ânimo, euvenci o mundo" (João 16:33). A perseguição que Igreja deve sofrer no mundo fazparte tanto da natureza do mundo quanto da natureza da própria Igreja. A dimensãode sua solidariedade é determinada não pela aceitação por parte do mundo, maspelo caráter do amor que a Igreja deve manifestar em Cristo — ela deve viverdentro da multiforme sabedoria de Deus e da suprema riqueza de sua insondávelmisericórdia, do seu amor que "ultrapassa todo o entendimento".

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A solidariedade da Igreja é posta à prova precisamente quando maiores sãoos obstáculos que são colocados na sua jornada. Paulo encarece a indispensávelrealidade da "armadura total de Deus" (Ef 4:11) e acrescenta especificadamente:"cingindo-vos com a verdade, vestindo-vos com a couraça da justiça; calçai os péscom a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, como qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno" (Ef 6:14-16). Istosignifica que não há uma segurança terrena para a Igreja. Ela deverá viver mesmopela fé apoiando-se nos atos de Deus e não na aceitação do mundo.

2. DIMENSÕES DA ÉTICA DO “EVANGELHO DA PAZ”

O eixo "em Cristo" que nos é dado na epístola não nos permite escapar àtentativa de conceituar a Ética do Evangelho em dois sentidos fundamentais:

- Sentido Comunitário em oposição à mentalidade do individualismo religioso;- Sentido Diaconal (que deriva do verbo grego "diakoneo", que significa o

servidor da cidade), em oposição à mentalidade do egoísmo religioso que visasempre "a minha salvação", "o meu lugar no céu".

Toda a realidade ética na epístola aos Efésios está submetida a umaexpressão mui freqüente em todas as cartas do apóstolo Paulo — "em Cristo". Éexatamente esta a realidade que assinala a diferença entre o "antes" e o "agora nãomais" em toda a situação dos Judeus e dos Gentios. Esta oposição entre o queeram "sem Cristo" (Ef 2:12) no mundo e o que "agora não são mais" é marcada pelatotalidade e gratuidade da obra de Deus "em Cristo" (Ef 2:13; Ef 2:8). De maneiraque não há nenhuma possibilidade de se tratar de "ética" senão a partir daCristologia que encontramos como a essência mesma do "Novo Testamento", nãoé apenas um "testamento", mas é um "novo" testamento — é Testamento "emCristo".

É muito importante que assinalemos que há na estrutura das epístolaspaulinas (como no Evangelho mesmo) uma ordem inalterável. Tomemos, porexemplo, a epístola aos Romanos. Nela temos os primeiros 11 capítulos que tratamdos grandes atos de Deus ("...o Evangelho é o poder de Deus" - Rm 1:16),"universalidade do pecado" (“...temos nós alguma vantagem? Não, de formanenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estãoabaixo do pecado; como está escrito: não há justo, nem sequer um, não há quementenda..." - Rm 3:9-12). Então, o "inaudito" do evangelho: "Justificação" como umato da graça de Deus (Romanos 4).

Seguem-se daí os grandes atos de Deus nesta "justiça imputada pela fé"como foi tratada pelos reformadores no século XVI:

- "Libertação da ira de Deus", onde temos então, "paz com Deus", somos"reconciliados com Deus" (cap. 5); e,

- "Libertação do pecado", onde temos como resultado a amplitude da novavida em Deus (cap. 6:1-14);

- "Libertação da Lei", temos então como resultado a nova situação de "servosda justiça" e não "escravos de legalismo" (cap. 6:15-18, sendo, então, "Libertados

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da morte" para vivermos a Vida Eterna.

Qual o penhor de tudo isto? Paulo responde em Romanos da mesma maneiracomo responde em Efésios: "o Espírito"! Leia-se o capítulo 8 da carta aosRomanos. Então, agora "porque não recebestes o espírito de escravidão paraviverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o Espírito de adoção, baseadosno qual clamamos: “Abba, Pai”. O próprio Espírito testifica ao nosso espírito quesomos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus eco-herdeiros com Cristo..." (Rm 8:15-17). Então, seguem-se mais três capítulos quetratam da "justiça soberana" de Deus e a "situação" de Israel com os "demais"gentios. Somente então, isto é, após onze capítulos que tratam da ação de Deus éque Paulo vai tratar da "ética". Claro é que há uma ordem de termos que não sepode alterar.

O mesmo se dá nos relatos do Evangelho. Podemos notar esta ordem não noseu sentido literário ou estrutural, mas no seu sentido exegético quando lemos emMarcos: "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galiléia, pregando oEvangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido e o Reino de Deus estápróximo" (Mc 1:14-15), somente após é que se anuncia: "arrependei-vos e crede noEvangelho".

É exatamente porque há um "Evangelho" que é possível o arrependimento.

A expressão "em Cristo" utilizada por Paulo em suas epístolas e,especificamente agora no caso de Efésios, significa a amplitude na qual os cristãospodem viver; amplitude que está sempre em oposição à estreita rigidez de todas asformulas e ordenanças legalistas. É mais do que evidente que Cristo na epístolaaos Efésios não é um "doador de leis", mas é o autor da Paz, pois, o texto afirmacom toda a clareza: "...e, vindo, Ele evangelizou a Paz a vós outros que estáveislonge, e Paz também aos que estavam perto" (Ef 2:17).

Devemos ainda sublinhar que a expressão "em Cristo" trata, em Efésios,diretamente do Cristo que triunfou sobre a morte pela ressurreição. Esta realidadefere o problema da liberdade, pois a ressurreição é a grande libertação da morte e ainauguração de um novo "Reino", de um novo "século" (aeon) que é o "Reino davida". Os cristãos são tratados na epístola dentro desta nova ordem de realidadescriadas, resultantes da ressurreição do Senhor. É impressionante que a questão daliberdade do homem não seja tratada em Efésios. Realmente não faz nenhumsentido tratar-se da libertação "daqueles que estão mortos em seus delitos epecados" (Ef 2:1). Paulo torna muito claro que nem a "mente", nem a "vontade" enem as "funções do corpo" do homem, nada está isento do pecado; a totalidade dohomem em suas relações é pecado (Ef 2:3-5)! A ressurreição cria um "novohomem": aquilo que era morte agora é vida e aquilo que era escravidão agora éliberdade. Ele vos deu vida, estando vós mortos..." (Ef 2:1). "Quando Ele subiu aoalto, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens" (Ef 4:8).

Então, "sede, pois, imitadores de Deus, como filhos (herdeiros) amados; eandai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por

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vós..." (Ef 5:1-2). Paulo está sempre apontando para a generosidade do amor comque fomos amados. Enquanto temos presente esta realidade, a generosacompaixão de Deus para conosco não temos nenhuma possibilidade de sermosirreconciliáveis e intolerantes e arrogantes ou orgulhosos com o nosso próximo.Não há outro caminho em que devemos e podemos andar senão aquele caminho jáindicado "em Cristo" — "andai em amor" (Ef 5:2). Aliás, convém recordar que Cristoestabeleceu um critério para se decidir quanto a realidade de sermos ou não seusdiscípulos. Ele afirmou categoricamente: "Nisto todos conhecerão que sois meusdiscípulos, se tiverdes amor uns para com os outros" (João 13:35). Esta é acredencial. Se Cristo mesmo já tomou esta decisão não estaremos em oposição aEle quando estabelecemos outras "credenciais" que nos identifiquem comocristãos? Nossas formas de ritual, de doutrinas? Não estará tudo questionado pelairremovível verdade que esta simples expressão "em Cristo" traduz para todos epara sempre? "Todos conhecerão que sois meus discípulos...", o sentido deuniversalidade ou totalidade que aí é dado não nos poderá abrir novos horizontesquanto ao testemunho da Igreja?

Se fosse possível a compilação de um catálogo ou de uma "lista" querelacionasse todas as expressões adjetivas da vida cristã segundo o NovoTestamento não há nenhuma dúvida que todas seriam encabeçadas pelo grandemandamento do amor. Ele é o eixo em torno do qual se move a ação de Deus eoutro não poderá ser o eixo em que se há de mover a ação da Igreja, a menos queela deixe de ser a Igreja e deixe de "andar de maneira digna da vocação a que foichamada" (Ef 4:1 e Ef 5:2).

Sem dúvida nenhuma muito dos obstáculos para o relacionamento vital edecisivo da Igreja com a sociedade está já localizado na "fraqueza" ou na"ausência” deste amor por parte da Igreja. Isto é, a Igreja estaria se recusando emser fiel a Cristo não amando a todos como Cristo amou e se entregou a si mesmopor todos! Na epístola aos Efésios, como em todas as demais cartasneo-testamentárias, há todo um vocabulário que assinala esta dimensão derelacionamento em amor com uma insistência que não justifica nossa indiferença."Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo, porquesomos membros uns dos outros... não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não saia davossa boca nenhuma palavra torpe, e, sim, unicamente a que for boa paraedificação, conforme a necessidade, e assim transmita graça aos que ouvem ...longe de vós toda a amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assimtoda a malícia. Antes sede uns para com os outros benignos, compassivos,perdoando-vos uns aos outros como também Deus em Cristo vos perdoou" (Ef4:25-32). Aí segue-se o grande texto de que estamos tratando nesta porção doestudo: "Sede, pois, imitadores de Deus, como herdeiros amados" (Ef 5:1). Estaexortação que parece, à primeira vista, uma enorme pretensão humana, deve serentendida à luz do sentido indicado nas palavras precedentes e às quais se refere aconclusiva "pois" ou "portanto". Somente o perdão de Deus em Cristo, revelação doamor, o Evangelho da paz, é que permite esta imitação que consiste em tomar talamor perdoador como modelo e como oportunidade aberta e não como umaobrigação humana. “Imitação de Deus" e "andar em amor" ou "em Cristo" ou "andarde maneira digna da vocação" são expressões absolutamente idênticas na

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epístola.

Imaginemos por um momento a audácia do homem tentar "imitar a Deus"!Não é de maneira alguma a intenção e o pensamento de Paulo colocar-nos nomesmo nível de Deus, o nível da igualdade com Deus! Pois, a pretensão de "serigual a Deus" é a pretensão básica do pecado (Gn 3:5)! Paulo mesmo em suaepístola aos Romanos ao tratar da "idolatria e depravação humana" nos dizexatamente isto, quando declara : "inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos, emudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homemcorruptível..." (Rm 1:22,23).

Na epístola aos Efésios o tema é tratado muito claramente:

a) "Sede imitadores de Deus"! - Como? "Como herdeiros amados"! Nãosomos colocados de maneira alguma numa posição de "relação de igualdade", massim numa relação de "filiação em amor". A "semelhança" com Deus está aqui numaoposição frontal e completa à pretensão de querer ser igual a Deus ou a tomar olugar de Deus; a oposição reside no adjetivo dessa semelhança que é dadotambém em todo o contexto da epístola: "glorificar a Deus". Isto é algo mais do quesimplesmente ser leal à verdade, envolve minha decisão de que Deus faça a suavontade e envolve a mais profunda gratidão e humildade para com "aquele que meamou e se entregou a si mesmo por mim".

Por outro lado, não podemos esquecer o plural, a dimensão de comunidade,de vida cristã vivida em Cristo que é dada na epístola toda. A ética decorrente do"evangelho" se opõe de forma radical à mentalidade moralista e legalista de todosos sistemas religiosos que formulam programas para o "indivíduo chegar ao céu" oupara o "indivíduo se santificar". O Novo Testamento desconhece este tipo desantificação. Aliás, ela se assemelha exatamente à mentalidade "farisaica"condenada por Cristo tão severamente. Pois, é aquele tipo de religiosidade para"mim mesmo" e que nada tem de cristã! A ética do evangelho é ética em Cristo, istoé, comunitária e para serviço, para a vocação da Igreja em favor dos outros. Talrealidade transforma de maneira radical as relações do homem com Deus e com oseu irmão, com o seu próximo. É exatamente o que Cristo faz. Cria um "novohomem" que não vive mais para si mesmo, mas que passa a viver para os outrosem Cristo, em amor. Este é o fundamento em que se assentam todas asdeclarações de conotação "moral" da epístola. A nova vida em Cristo é uma vidalibertada para ser dos demais, para dar-se a si mesma em resgate dos outros.Paulo está seguro que nada senão o amor de Deus revelado em Cristo é a garantia,a fonte de toda a motivação, e o critério da existência da Igreja no mundo. Nomomento em que a Igreja olvida estas duas dimensões da ética decorrente dosgrandes atos de Deus perde sua razão de ser, pois nada foi dado a Igreja para simesma senão para que seja "manifesto aos demais"!

Está, pois, aí, em resumo, segundo o que se pode extrair da epístola aosEfésios, uma base de capital valor para repensarmos sobre o condicionamento da"conduta cristã" a certas formas e normas rígidas e individualistas estabelecidaspelas denominações. Parece claro que o amor de Deus em Cristo criador da

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Natureza e da Missão da Igreja no mundo está sempre questionando as formas devida e de presença da Igreja em relação ao mundo. Efésios comemora uma novaordem de relações, uma nova vida que foi criada pela poderosa ressurreição deCristo e que está para ser compartida com toda a humanidade. Assim o fundamentoético é o fundamento dado na natureza missionária ou apostólica da Igreja. Suasuprema expressão é a dinâmica do amor. A função capital e unificadora de todosos ministérios concedidos à Igreja em Cristo é a "construção do corpo em amor" (Ef4:15).

b) "Em Cristo" ou "no Senhor" — está a grande liberdade responsável comque Deus nos libertou para não transformarmos o nosso próximo num "objeto" ounuma "coisa". Esta nova ordem de relações em Cristo é profunda e cotidianamentereal nas esferas da vida humana de maneira completa e permanente. O mesmoamor com que "fomos amados em Cristo" exemplifica e possibilita as relações entreo esposo e a esposa (Ef 5:22-30); entre os pais e os filhos (Ef 6:1-4); entreempregados e patrões (Ef 6:5-9)! É uma relação que deve repercutir na vida emsuas diferentes esferas sociais.

Finalmente, mais uma palavra sobre o sentido apostólico ou missionário daética. Aqui vamos tratar um pouco do tema da "evangelização" ou vamos nosaproximar do tema da "grande comissão" (Mt 28:18-20) ou do tema do sentido do"testemunho" (Atos 1:8), em que se pode ter uma visão da amplitude mundial e todainclusiva da missão da Igreja em Cristo o "autor da paz".

Parece claro que Efésios impõe algumas conclusões sobre este tema e queelas podem ser meditadas na forma de algumas declarações básicas para efeitosde reflexão comunitária ou em grupos de estudo.

c) Deus é o "seu próprio" evangelista, e constitui uma honra para aIgreja ser usada neste "serviço". A evangelização envolve exatamente tudo oque o evangelho significa — a "obra perfeita de Deus", "sua multiforme sabedoria","as riquezas incompreensíveis da sua graça", a "plenitude do seu amor".Unicamente Deus pode revelar-se a si mesmo através da obra que realizou emCristo. Cristo é o perfeito evangelista. Ele veio e evangelizou a paz aos queestavam longe e aos que estavam perto". Já assinalamos que se tratafundamentalmente não de palavras mas de "palavra-atos” em uma crucificação!Cristo "evangeliza a Paz" fazendo a Paz por meio de sua morte na cruz. Deconformidade com Hebreus 2:3, "o Senhor é quem anuncia pela primeira vez asalvação” e em Hb 12:24 “o sangue de Jesus" fala acima de qualquer outra pessoa.O Cristo crucificado é o "Evangelista". Ele é o "Apóstolo".

Mas, de acordo com Efésios há outros evangelistas e apóstolos, profetas,pastores e mestres! Sob o Cristo crucificado e ressuscitado permanece a tarefa doapostolado da Igreja no mundo. Aqui necessitamos penetrar, ainda que não muitoprofunda ou extensamente, no estudo dos "ministérios a partir do ministério deCristo". É imprescindível que o façamos não somente porque a epístola trata demaneira especifica o tema, mas porque é impossível tratar da Natureza e da Missãoda Igreja no mundo sem uma séria reflexão sobre os "ministérios" da mesma.

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Atualmente quando se discute especialmente o tema há grandes perigos de nossamente se afastar do relevante significado bíblico que ai está implicado.

Antes de assinalarmos qualquer coisa sobre os "ministérios" devemos ter emmente o contexto em que Paulo trata o tema nesta epístola: "Há Somente um corpoe um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossavocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos,o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos" (Ef 4:4-6) : "e a graçafoi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo" (Ef 4:7)!

d) A Igreja não tem outro propósito senão o de viver publicamente para a"glória de Deus". Sobre este tema muito tem sido discutido nos últimos dias. Deum lado, há os que afirmam ser dupla a tarefa da Igreja: "culto" e "missão". De outrolado, há os que afirmam, baseados em textos como Atos 2:42-47, que há pelomenos três propósitos definidos para a Igreja: "adoração", "comunhão" e "serviço",sendo tudo mais decorrente e inter-relacionado a estes três.

Não há dúvida que todos estes termos são termos bíblicos. Contudo,devemos assinalar que eles são indicados por quatro termos equivalentes emgrego: "eucharistia", "diakonia", "kerygma" e "koinonia" que correspondem emnosso idioma respectivamente "ação de graças", "serviço", "mensagem" (pregação,anúncio) e "comunhão". Claro que nenhuma destas palavras está com seu sentidoexpresso nas traduções. Cada uma delas valeria todo um profundo estudo bíblicoque muito edificaria a mente da Igreja. Ademais, devemos observar que outroslivros do Novo Testamento (Filipenses, 2 Coríntios, 1 Pedro, por exemplo) tratammais específica e exaustivamente daquilo que podemos chamar de "fundamentosda missão" da Igreja que estas palavras simplesmente assinalam.

O testemunho que Paulo dá em Efésios da vida da Igreja é rico, amplo eprofundo. Ele trata da "multiforme sabedoria de Deus" que deve ser manifesta porintermédio da Igreja: (3.10). Mas com incomparável clareza e vigor Ele tambémmostra que a Igreja foi criada e congregada, comissionada, sustentada e equipadapara o grande propósito de "glorificar a Deus" (Ef 1:12; Ef 1:6,14) isto é, para louvorda glória de Deus que significa uma vida de "ação de graças" pelos dons recebidosem Cristo (Ef 5:20).

Não pode haver sombra de dúvida de que na epístola aos Efésios toda amissão da Igreja é "resposta" à ação de Deus — assim, louvor e ação de graças,glorificação e adoração se expressam na amplitude da "multiforme sabedoria" deDeus que criou a grande liberdade para uma nova vida de relações em amor. Égratidão dinâmica criada pela natureza das obras de Deus na sujeição de "todas ascousas" à unidade em Cristo e gratidão por "todos os homens" em favor dos quaisfoi "destruída a parede de separação" (Ef 1:10,22; Ef 2:13-14). Tudo isto torna claroque a Igreja em todos os seus atos está orientada basicamente na direção de duasfrentes — Deus e o inundo. Esta realidade nos lembra que não pode haver umacomunhão "privativa" da Igreja com Deus ficando o mundo do lado de fora! Seobservamos bem os relatos que tratam da "Ceia do Senhor" veremos que seconstituem muito mais numa "festa de amor" (ágape) do que numa cerimônia

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ritualista ou numa "comunhão fechada" (Atos 2:42; 6:1; Lc 22:12. Atos 12:12; 2Pe2:13)! Este é o momento de nos perguntarmos até onde as Escrituras nos apóiamna celebração de "atos" de relação "particular" entre nós mesmos como Igreja eDeus? O que é que a Igreja pode e deve fazer para si mesma, como algo"incomunicável", "misterioso" e que os demais devam ser excluídos? Há"elementos" exclusivos dos crentes?

Parece evidente que não somente os "sacramentos", mas também toda apregação, a oração, o ensino, a fraternidade, a adoração que estão "integradas"nos sacramentos, deveriam ser mediadores de uma exclusiva inter-comunhãoentre Deus e os "seus"! Ora, tal forma de relação com Deus implicarianecessariamente na exclusão dos demais ou na ex-comunhão dos "de fora"!

Contudo, Paulo indica na sua 1ª epístola aos Coríntios duas realidades quequestionam este "exclusivismo" sacramental: "...tendo dado graças, o partiu edisse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim...tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue...porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, proclamais amorte do Senhor, até que Ele venha. Por isso, aquele que comer o pão ou beber ocálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor...Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e desse modo coma do pão e beba docálice; pois quem come, e bebe, sem discernir o corpo do Senhor, come e bebejuízo para si" (1Co 11:24-29).

Está claro no texto de Paulo que o ato da ceia do Senhor em que há os"símbolos" do "corpo" e do "sangue" do Senhor, a Igreja é colocada com o mundoperante a grande realidade daquele "ato de entrega de si mesmo" em favor dospecadores todos que Cristo praticou. Paulo afirma com enorme clareza que osangue é "a nova aliança", é o "novo Testamento"! A quem pertence este "novoTestamento" que neste texto não é um livro de bolso? Então, Paulo afirma que aceia do Senhor e a participação nela é um "ato de proclamação da morte doSenhor"! A quem se destina esta proclamação? Quem foi que Deus amou "de talmaneira que deu seu Filho unigênito"?

Além disso, Paulo trata da "maneira" de se participar na ceia do Senhor que é,sem dúvida, um ato comunitário e nunca individual, tornando claro em que consistea "participação indigna": não discernir o corpo do Senhor! Temos que perguntarpela "significação" do corpo de Cristo a fim de podermos realmente participar"juntos" dos benefícios que dele emanam.

O vocabulário, a estrutura, o conteúdo de Efésios estão impregnados dereferências à oração, à Igreja, e à maneira do cristão conduzir-se no mundo. Claroque devemos esperar desta epístola noções muito mais ricas e precisas sobre asrelações entre o serviço da Igreja a Deus e o seu serviço no mundo do que dequalquer outro livro do Novo Testamento. Por esta razão devemos perguntar se oapóstolo, na epístola em que trata mais intensivamente da Igreja, estariaencorajando e formulando uma conceituação "sacramental da Igreja".

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Efésios usa escassamente como os demais livros do Novo Testamento otermo que poderia ser equivalente para o conceito de sacramento usado napatrística e na escolástica. Dos dois sacramentos (Batismo e Ceia do Senhor) quesão celebrados em todas as comunidades cristãs, somente o Batismo émencionado em Efésios. O nome "eucaristia" é fundado em Ef 5:4 (correspondendoao verbo usado em Ef 1:16; Ef 5:20); mas todo o contexto mostra que ele significa"ação de graças" em cada uma de suas formas possíveis e não na celebração deum determinado ato ritual. A menção que é feita ao Batismo está numa relação quenão podemos menosprezar: "Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (Ef 4:5).

3. O MINISTÉRIO DA IGREJAParece ser exatamente este o momento para tratar do "ministério" da Igreja,

pois Paulo nos conduz nesta direção no capítulo 4 de Efésios. Ele inicia o texto emque vai tratar do "ministério" precisamente com estas palavras: "Rogo-vos, pois, eu,o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fosteschamados" (Ef 4:1), seguindo-se, então, o que ele entende por "modo digno com asseguintes palavras: "com toda a humildade e mansidão, com toda a longanimidade,suportando-vos uns aos outros em amor..." (Ef 4.2), segue-se, então o grande temada UNIDADE (Ef 4:3-6) e, como decorrência natural o grande tema do"MINISTÉRIO".

JESUS CRISTO é o protótipo de todo o Ministério da Igreja. Tratar doministério é tratar de Jesus Cristo. Sua "Pessoa-Missão" é a fonte primária e oparadigma por excelência de onde podemos exaurir o sentido total do ministério daIgreja e a noção básica de que a Igreja é Missão. O batismo de Jesus no seusignificado aponta para o sacrifício pascal. Jesus disse a discípulos seus: "Nãosabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu bebo, ou receber o batismocom que eu sou batizado" (Mc 10:38)? Neste texto "baptisthenoi" é sinônimo de"morrer"!

Os relatos da Santa Ceia nos Evangelhos sinóticos, a despeito dasdiferenças de detalhes, são unânimes em afirmar que, no momento em que Jesus"parte o pão" e "toma o cálice" ele anuncia que "seu sangue seria derramado pormuitos", e, todos os relatos contêm o termo diathéke. Em João há uma completarelação entre o batismo de Jesus e sua morte "substitutiva": "Eis o cordeiro de Deusque tira o pecado do mundo" (Jo 1:29,36). Tal relação entre Jesus e sua mortesubstitutiva é o tema que permeia todo o Novo Testamento. Jesus é o "Bom Pastorque dá a sua vida" (Jo 10:11). Tais palavras apontam para as noções desubstituição, entrega, resgate, serviço. A expressão que temos no Evangelho deJoão "cordeiro de Deus" (amnós toü theoü) é equivalente a expressão aramaica"Ebed Yahvé" ("Servo do Senhor").

Do ministério do "Servo", do autêntico "diakonos" (Jesus Cristo é o diácono deDeus para o mundo!), aquele que veio "não para ser servido, mas para servir e dara sua vida" (Mt 20:28; Mc 10:45), é que deriva a verdadeira dimensão do ministérioda Igreja como "laós toü theoü". O batismo de Jesus é, por assim dizer-se, umaantecipação da totalidade do ministério. O Ministério da Igreja é o ministério de"todos os batizados". Pois, "fomos batizados na sua morte" (Rm 6:3). "Ele mesmo

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deu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, outros parapastores e mestres, com vistas ao equipamento (katartismón) dos santos para odesempenho do seu serviço” (eis érgon diakonfas), diz-nos Ef 4:11. Jesus Cristo é afonte de todos os carismas. A comunidade dos carismas consiste, portanto, naparticipação em Cristo.

Aqui, desta perspectiva em que Paulo nos coloca com o texto de Efésios (cap.4), é o lugar para se tratar do sentido bíblico que nos é dado na expressão “laós toütheoü”. A redescoberta da Natureza da Igreja nos leva à conclusão de que,verdadeiramente, o "poder" das chaves não foi dado somente a Pedro, mas àtotalidade do "laós toü theoü" como a comunidade dos crentes ou a "comunhão dossantos" (Mt 18:17)

"... se teu irmão pecar, vai argüi-lo entre ti e Ele só... em verdade vos digo quetudo o que ligardes na terra, será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terraterá sido desligado no céu" (Mt 18:18). Além deste texto o Evangelho de João nosdá outro que nos comunica a mesma realidade: "Se de alguns perdoardes ospecados são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos" (Jo 20:23). A Igreja foicriada sobre o "fundamento" dos Apóstolos pela efusão do Espírito Santo, que fezcom que todos os membros (batizados em Cristo) fossem testemunhas dos atos deDeus. Portanto, a sucessão apostólica não pode jamais ser interpretada em linha"unilateral", ou seja, que somente pessoas que tenham recebido "ordenação"especial dela possam participar. Ao contrário, a Igreja é apostólica como a"comunidade" total que participa da "doutrina dos apóstolos, do partir do pão, dacomunhão fraternal e das orações". Desta forma, mediante o batismo em Cristotodos participam da sucessão apostólica, todos participam do "ministério", todosparticipam do "serviço" — a vida total da Igreja é apostolado.

Parece-nos claro que, a partir do texto mesmo, e não das especulaçõessectaristas, podemos sublinhar como possível enriquecimento das noções"tradicionais" sobre o ministério da Igreja algumas dimensões mais profundas emais completas:

3.a.) O Ministério é "serviço" — isto é, diakonía, e como tal, pressupõe nosque o exercem a honesta atitude de humildade competente (é exatamente ai quePaulo inicia o capítulo sobre o ministério: "... que andeis de modo digno da vocaçãoa que fostes chamados com toda a humildade...").

O ministério confiado à Igreja exige, por sua natureza em Cristo, odespojamento por parte da Igreja de qualquer vislumbre de vaidade, de glóriaprematura. A Igreja só pode exercer sua missão em termos de uma vida de serviço,uma vida de diácono (literalmente criado "doméstico", "garçom").

3.b.) O Ministério é serviço no mundo e para o mundo. Não é exercido emabstrato, em "conventos" mas em concreto envolvimento nas contingências domundo. Este envolvimento é enfrentado pelo ministério como uma das implicaçõesinseparáveis da Encarnação de Jesus e conduz a Igreja a uma redescoberta dadimensão positiva da História Humana.

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3.c.) O Ministério "serviço" nos liberta das limitadas e pecaminosasconotações institucionais (profissionais), individuais, e, conseqüentemente deuma noção errônea de Igreja centralizada no rotineiro trabalho de um "pastor quevive para a Igreja mesma, afim de conduzir-nos, então, a uma alta compressão de"ministério" como o serviço que um povo ministerial mediante todas as formaspossíveis (inclusive seculares) presta à sociedade.

Numa compreensão assim, o pastor não é "vedete", nem "animador" deprogramas para satisfazer a Igreja (que será sempre uma Igreja "consumidora" e"parasita"), mas é o "servo" do povo servidor.

Podemos agora perceber a razão pela qual relacionamos neste estudo daEpístola aos Efésios os três temas - "sacramento", "ministério" e "ética" dentro docapítulo sobre a Presença da Igreja na sociedade.

Creio que desta perspectiva bíblica podemos ser verdadeiramenteenriquecidos numa nova compreensão do sentido e da responsabilidade da Igrejana situação contemporânea. A tradicional caricatura de "mandatários" ou de"autoridades eclesiásticas” são questionadas definitivamente numa redescobertada verdadeira imagem de Igreja como "serva" em Cristo que é o "Servo" até aobediência da morte!

De outro lado, não padece dúvida que a Igreja não pode abordar a sociedadesenão partindo da realidade que lhe é dada no "eixo" da ética, isto é, "em Cristo".Então, toda a arrogância, todo laivo (mancha, nódoa) de superioridade é mais doque supérfluo, é pecaminoso!

O sentido mais real do testemunho cristão nasce na "fraqueza", na humildadetotal de cada membro do corpo do Senhor e em cada situação concreta das esferasde sua vida de relações. Este é o significado de "andar como crianças amadas" (Ef5.1) e "em amor” (Ef 5:2) da mesma maneira como "Cristo amou e se entregou a simesmo por nós" (Ef 5:2)!

A única expressão da ética na epístola aos Efésios é a "atividade do amor". Afunção unificadora e integradora de todos os ministérios que Cristo tem concedido àIgreja não tem outro endereço senão este: " a construção do Corpo em amor" (Ef4:12,13,15,16).

Parece que devemos concluir esta parte dando atenção à mensagem enviadaà Igreja "em Éfeso" conforme encontramos no livro de Apocalipse. Nesta cartadevemos fazer uma observação que é de fato impressiva. Há uma apreciaçãosobre certas esferas do testemunho daquela Igreja e uma advertênciamuito severa que fere o "Espírito" do seu testemunho.

"Conheço as tuas obras, assim o teu labor como a tua perseverança, e quenão podes suportar homens maus, e que puseste à prova os que a si mesmos sedeclaram apóstolos e não são, e os achastes mentirosos; e tens perseverança e

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suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer” (Ap2:2-3). Está é uma imagem perfeita de uma igreja que busca a fidelidade à doutrinado Senhor e que permanece ativa em seu trabalho.

Entretanto, há uma advertência muito séria à Igreja assim fiel na doutrina e notrabalho. Eis: "Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor.Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras;e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro caso não te arrependas"(Ap 2:4-5).

Parece evidente a relação que existe entre o "primeiro amor" e as "primeirasobras". Esta advertência à renovação da Igreja no seu sentido mais fundamentalevoca a essência mesma da carta aos Efésios em que o apóstolo proclama o"Evangelho da Paz" que nada mais é do que a força do amor com Cristo "fez a paz"e destruiu a parede de separação, reconciliando em seu "sangue", em "seu corpo"Judeus e Gentios.

Esta advertência está dirigida à Igreja em qualquer tempo e em qualquerlugar, pois ela toca exatamente a Natureza e a missão com que foi formada pela"entrega" que Cristo fez de si mesmo em benefício de todos. Toda a ação e toda aforma de presença como de estrutura da Igreja está sendo questionada: demomento a momento por este soberano ato de "auto-entrega" em que Deus mesmonos tem amado na plenitude de Cristo.

O evento ímpar da História é esta "auto-entrega" em que Jesus Cristoparticipa integralmente da vida humana e torna a vida humana partipante da"suprema riqueza da misericórdia de Deus" (Ef 2:7). Dentro desta realidade"cristológica" como Paulo nos proclama em Efésios, é que temos a Igreja e quesomos a Igreja, a Igreja em Cristo e em Éfeso.

Em face da dádiva de Deus — "o Evangelho da paz" — estão abertas para aIgreja as portas que conduzem a novas formas de responsabilidade e a novasdimensões de seu testemunho contemporâneo. O Evangelho é algo que é dado atodos. Não é um conjunto de leis, de ordenanças, de proibições e preceitosnegativos, mas é um dom, uma afirmação, é o SIM e o AMÉM à toda a Criação que,ainda que caída, é sua Criação em Cristo.

A Igreja é enviada como aquela "comunhão em Cristo" — o "corpo de Cristo"— que assinala no mundo a "paz de Cristo" (shalom: Salvação em hebraico) que éa plenitude de todas as bênçãos divinas, a consumação de todos os dons de Deus,a integridade perfeita de sua obra. O Evangelho é assim uma Pessoa em relação, éCristo mesmo em comunhão perfeita com a humanidade. Daí a Natureza da Igrejacomo uma "relação" e não como uma "instituição"!

Terminamos aqui com algumas observações finais para reflexão de cada um.Estas observações vão na forma de perguntas:

1. Até que ponto por isolarmos a comunhão com o nosso próximo do

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conhecimento de Deus, estamos impedindo a renovação da Igreja e a proclamaçãodo Evangelho da paz? Será que podemos separar estas duas realidades como sefossem cousas separáveis ou distintas?

2. Esforçamo-nos mais e mais por compreender a Palavra de Deus e a elasermos fiéis. Assim devemos realmente fazê-lo. Mas, até onde este nosso esforçopoderá separar-nos do nosso próximo? Parece claro que Efésios nos ensina querecebemos a compreensão da "multiforme sabedoria de Deus" exatamente paraentrarmos em comunhão e "crescermos em amor"!

3. Confessamos nossa fé como nossa Igreja nos tem ensinado e temos apreocupação de sermos fiéis ao ensino que temos recebido. Parece não haverdúvidas quanto ao fato de assim procedermos. Entretanto, temos que escutarquanto a isto a pergunta básica: até que ponto esta "confissão" pode cegar-nos osolhos? Pois, podemos tentar confessar que amamos a Deus, mas se não amamosnosso irmão ainda permanecemos nas trevas! Ou nós é que devemos decidir quemé nosso irmão e quem não o é?

4. Damos grande importância ao planejamento e aos programas daorganização para a atuação da Igreja. Mas, até onde esta preocupação não estaráimpedindo uma ação "espontânea" do Espírito que dirige e ilumina a Igreja? Deusnão estará dando, de dentro do Mundo, a “Agenda” para a IGREJA?

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CONCLUSÃO

UNIDADE E RENOVAÇÃO DA IGREJA

O estudo da Epístola aos Efésios nos leva não somente à conclusão de que aproclamação do Evangelho da Paz é a mais relevante resposta da Palavra de Deusaos tormentos do mundo contemporâneo, como nos conduz ao tema da Unidade erenovação da Igreja como um único tema. Além disso, o conteúdo do memoráveldocumento do apóstolo Paulo, coloca-nos face a face com a dimensão suprema daIgreja como "Corpo de Cristo" e sua vocação missionária ecumênica.

O Evangelho da Paz é a armadura de Deus que exerce pressão sobre "todosos limites da terra". A ênfase da Epístola sobre a unidade em Cristo não podesignificar menos do que um imperativo divino para a Igreja na história. Dedicamosassim a conclusão deste estudo ao tema da Unidade e Renovação da Igreja comoum imperativo do Evangelho da Paz e movido pela inabalável convicção de que adesunião das igrejas e dos cristãos é um vitupério ao Evangelho e uma traição aJesus Cristo.

Uma leitura ainda que superficial do texto de Efésios, deixa muito claro queexiste uma relação indissolúvel entre a Unidade, a Vocação Missionária e aSantidade da Igreja. O sentido desta relação nos é dada especificamente noconteúdo total do capítulo quarto. Em primeiro lugar notamos as duas dimensõesda Unidade da Igreja :

a. dimensão divina — Ef 4:1:6 — a Unidade da Fé.b. dimensão humana — Ef 4:7.16 — a Diversidade de ministérios.

O capítulo termina, como seqüência natural, com uma série de advertênciasque traduzem o testemunho da Igreja dentro do mundo em que ela é o "Corpo deCristo", mostrando o apóstolo que a Missão da Igreja é a própria Natureza da Igreja— Ef 4:17-32. Aqui, precisamente onde Paulo trata da Santidade da Igreja, não nospode escapar a relação de extraordinária significação em que ele nos comunicaessa dimensão da Igreja: cada uma das advertências que ferem o testemunho docristão é feita em relação a responsabilidade de cada um como "irmão dos demais".Isto é, a santidade oposta aos gentios não é apenas santidade no "plural", nosentido comunitário, mas é dada no sentido pessoal da responsabilidade de cadaum para com os "outros". Além disso, devemos sublinhar o elemento que vinculaestas relações: é sempre o amor! Efésios trata do crescimento da Igreja "em amor"— o amor é o vínculo das relações e a estatura do novo homem em Cristo. A

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edificação cristã só existe quando é "edificação em amor" (Ef 4:16,31,32).

Quando se insiste hoje nos "dons do Espírito Santo" para a renovação daIgreja, por que razão tal insistência, via de regra, resulta em discórdia, desunião e"manifestações" discutíveis do Espírito? Essa busca do Espírito que não respondeao testemunho de obediência à Unidade da Fé, não estará sendo rejeitada porDeus? Haverá possibilidade de se tratar da santidade da Igreja sem tratar-se da suaunidade em Cristo como vocação missionária no mundo?

Em outras palavras, nossas preocupações por renovação e restauração daIgreja não estarão resistindo ao Espírito Santo quando teimam em ignorar a relaçãoentre a unidade da fé e a vocação missionária do Corpo de Cristo? Se há "um sóSenhor, uma só Fé, um só Batismo, um só Espírito" (cf. Ef 4:1-7), que relação devehaver entre a unidade da Igreja e sua vocação? Não existirá uma relação bemíntima entre nossas divisões, nossas amarguras, cóleras, iras, competição"evangelística" e o sentido do perdão com que somos perdoados por Deus noCorpo crucificado de Jesus Cristo, perdão que estamos negando uns aos outros(embora não seja propriedade nossa)?

Devemos meditar nestas interrogações sob a luz que emana do grandecapítulo quarto da Epístola de Efésios, em especifico, os versículos finais: "E nãoentristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção.Longe de vós toda amargura, e cólera, ira, gritaria, blasfêmia e bem assim toda amalícia. Antes sede uns para com os outros benignos, compassivos,perdoando-vos uns aos outros, da maneira como Deus vos perdoou em Cristo".

Na longa e crucial caminhada ecumênica há lições muito preciosas que nospertencem a todos nós como membros do Povo de Deus. Entre elas está aconfissão feita em 1917 num encontro de cristãos membros de Igrejas neutras(neutras em relação à guerra mundial que desgraçava a humanidade). Estavampresentes representantes da Suécia, Suíça, Dinamarca, Noruega e Países Baixos.Em plena guerra aquele grupo se encontrou em torno dos seguintes temas:"Unidade dos Cristãos", "Os Cristãos e as Questões Sociais", "Os Cristãos e aOrdem Internacional". O informe da conferência, sob o espectro da guerra, nos dizque houve a seguinte declaração quanto à Unidade Cristã: a unidade dos cristãosnão é algo exterior, que forças humanas possam realizar — ela é um ato de Deusem Jesus Cristo. A Cruz de Cristo é o centro da Unidade dos cristãos. Esta unidadenão é uniformidade; ela é uma permanente atitude de reverência e amor recíprocosdos diferentes corpos eclesiásticos em sua liberdade de servir a Deus. Ela é umacooperação livre entre as Igrejas enfim, a unidade dos cristãos é o testemunho e avida de amor; não existe em função de si mesma, mas em função do serviço cristãoem todos os domínios da vida humana".

Devemos observar nestas reflexões três realidades básicas: a primeira é adimensão da unidade como obra de Deus em Jesus Cristo; a segunda é o centrodessa unidade (a cruz de Cristo) e não as igrejas ou as doutrinas; a terceirarealidade é a relação entre a unidade e a responsabilidade da Igreja em servir àhumanidade. Estas três realidades sempre estão juntas quando se pensa na

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unidade cristã.

É impressionante como o ecumenismo ou a dimensão ecumênica dotestemunho da fé sempre implica numa redescoberta da relação que existe entre ostormentos do mundo e a fé em Jesus Cristo. Em outras palavras, a busca daunidade cristã sempre conduz a Igreja a redescobrir o sentido mais profundo de suavocação missionária, sua relação vital com as necessidades do homem no mundopresente.

Devemos perguntar agora: os maiores obstáculos à unidade e renovação daIgreja hoje não residem de maneira básica no fato de que tais temas (unidade erenovação), sejam tratados sem se tomar com a devida seriedade e fundura o temada "cruz de Jesus Cristo"? Afinal de contas qual é o Espírito interessado naunidade cristã? Qual é o Espírito com poder para renovar a Igreja? Não é o mesmoEspírito? Afinal de contas qual é o caminho da unidade? Ou não existe um caminhode unidade? Existe ou não o "evangelho da Paz"?

A Unidade que buscamos não é a unidade que somos capazes de criar!

A Unidade que buscamos, se a buscamos segundo as Escrituras, é aquelaque já nos está dada uma vez para sempre em Jesus Cristo.

Portanto, não deve ser a unidade de "nossas" igrejas tais quais elas são, e simaquela unidade que descobrimos quando cada um de nós se volta de novo para oCristo crucificado e, em arrependimento, recebe uma nova comunhão de amor eserviço com o Senhor.

QUE NOS ENSINA a Unidade Cristã segundo Efésios 4 e o fundamentoCristológico que deriva do texto no capítulo 2:11-19? Que relação há entre os doistemas: o da morte de Cristo e a unidade da fé?

Em outras palavras: se um só é o fundamento tanto da unidade quanto darenovação da Igreja — JESUS CRISTO CRUCIFICADO — devemos enfrentar hojeas seguintes questões:

1. É possível haver renovação da Igreja sem a Unidade do Espírito?

2. Será possível separar-se a realidade do perdão que nos é dado em Cristopara todos igualmente (sendo o perdão divino a única possibilidade de sermosmembros do Corpo de Cristo) da Unidade da Igreja?

3. Seria o Espírito de Deus infiel, concedendo "renovação" a um grupo afim deque esse grupo se torne "juiz orgulhoso", sem amor para com os demais membrosdo Corpo de Cristo?

4. Deus nos permite pensar em renovação da Igreja quando o seu eternopropósito revelado em Cristo é o de "reunir, reconciliar todas as coisas em Cristo"(Ef 1:10; Ef 1:22; 2Co 5:18-21)?

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5. Se os grandes textos das Escrituras que tratam da Unidade tratamigualmente das dádivas do Espírito (carismas espirituais), não estaremos sendoinfiéis à Palavra de Deus se tentarmos buscar renovação espiritual sem obediênciaà Unidade Cristã (Rm 12; 1Co 12; Ef 4)?

Considerações finais:Há dois vínculos do cristão com o seu próximo e com o mundo do seu

próximo. O primeiro deles é o vínculo da humanidade que nos é comum a todoscomo membros da criação de Deus. O segundo vínculo é aquele que nos é dado no"Evangelho da Paz" — a obra que Deus tem realizado em Jesus Cristo. O Senhordo cristão é o mesmo Senhor dos demais membros da humanidade e está atuandoem todos. Portanto, o cristão ao falar a seu semelhante não fala como um estranhoa outro estranho! Fala a seu semelhante como participe com ele na operação doEspírito que comunica o amor de Deus revelado na morte de Cristo em favor detoda a humanidade. Fala apoiado no vínculo do "Evangelho da Paz" que salva ohomem do egoísmo para a solidariedade, do ódio para o amor, da injustiça para ajustiça, da escravidão, para a liberdade, da solidão para a comunhão, das trevaspara a luz, da morte para a vida que há em Jesus Cristo.

A Igreja é o Corpo de Cristo, é o resultado do "Evangelho da Paz", é atestemunha na sociedade destas coisas novas que Deus fez em Jesus Cristo paraa humanidade inteira. Isso significa que a Igreja é a Igreja quando tem ascredenciais, quando assinala no mundo essa "obra de Deus".

Claro que o Evangelho não necessita de nenhuma comprovação fora dElemesmo. Entretanto, a finalidade do Evangelho e suas demandas para a vidahumana exigem certas evidências, certos sinais que não só lhe sirvam de apoio,mas que indiquem concretamente a sua significação. Tais sinais devem serencontrados na vida cotidiana da Igreja.

O evangelista convida homens e mulheres a participarem de uma nova vidaque em "algum lugar" já está sendo revelada ainda que não em plenitude. Tal lugaré a Igreja onde se traduz o testemunho do "Corpo de Cristo" que destrói todas asparedes de separação entre os homens.

QUE SINAIS SÃO ESSES do Corpo de Cristo? Sinais que constituem ascredenciais do testemunho da Igreja no mundo e não as tradiçõesdenominacionais! Atendo-nos à Obra de Deus realizada em Jesus Cristo mediantea operação do Espírito, não podemos escapar de responder esta pergunta básicasenão com quatro grandes palavras: unidade, santidade, catolicidade eapostolicidade.

Essas quatro grandes palavras são as credenciais da Igreja como Corpo deCristo e são as credenciais do ministério da Igreja no mundo. O ministério é servoda Palavra e do Mundo ao qual a Palavra é pronunciada na Pessoa de Jesus Cristo,

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o Senhor. O ministério é discípulo do Senhor que se fez Servo de todos (Fp 2:1-11).Pois, verdadeiramente a Igreja não se prega a si mesma, senão a Jesus Cristocomo Senhor (2Co 4:5).

Os sinais são esses:

1. A Igreja é UNA: esta é uma declaração do que a Igreja é e não umaexortação ao que ela deveria ser. Um só é o Corpo de Cristo. Deus tem dadounidade a seu povo na terra e, o Seu plano redentor, revelado uma vez para sempreem Jesus Cristo, é trazer todos os homens à Unidade que Ele tem criado em Cristo.Não há outro nome entre os homens pelo qual possam ser salvos (Atos 4:12). Essamensagem faz parte do ser da Igreja, de maneira que os homens ao encontrarem asalvação em Jesus (se de fato a encontram segundo as Escrituras o revelam!), nãopodem escapar do outro encontro inaudito do Evangelho da Paz: — o encontrocom o seu irmão mais pequenino de qualquer parte do mundo! Esta é a conexãoúltima entre a unidade e a missão da Igreja.

O Evangelho é proclamado afim de que os homens cheguem à unidade emCristo, àquela estatura de humanidade nova que Ele criou para todos. Essaunidade em Cristo determina a comunhão uns com os outros.

O Evangelho é dado ao Mundo afim de que os homens se tornem irmãos; afimde que Caim seja o guardador, o amigo solidário do seu irmão e jamais o seuciumento e invejoso assassino. O Evangelho é dado afim de que os homens seamem uns aos outros. A evangelização que não leva essa credencial de Unidadenão é o Evangelho de Jesus Cristo! Quanta traição está sendo feita no mundomoderno ao próprio conteúdo do Evangelho!

2. Igreja é SANTA: a Santidade da Igreja é a do seu Senhor e Salvador. Oshomens participam dela pela graça de Deus mediante a ação do Espírito. O santo éaquele que é chamado para o serviço do Senhor na diversidade de ministério doSeu Corpo no Mundo.

A santidade é o sinal de que alguém é servo! Este sinal pertence à Igreja comoserva do Senhor. É uma dimensão missionária da Igreja Serva do Senhor; isto é, édado em função do serviço, em benefício dos outros e não para auto-glorificação.

Todo vislumbre de vanglória é negação da santidade. A glória da Igreja é aglória de Cristo (Fp 2:5-11), na medida de sua participação do Corpo de Cristocrucificado pelos pecadores. A dimensão da Santidade da Igreja desde Abraão éem função do ministério no mundo e jamais em função de qualquer pretensãoindividualista. Enfim, a santidade da Igreja está em Cristo e é dada em relação àobra e vontade de Cristo; como "dom do Espírito" é dada a cada um para um fimproveitoso aos demais, isto é, para o "bem comum" (1Co 12:7).

3. A Igreja é CATÓLICA: Por mais que nós cristãos protestantes possamostorcer o nariz em relação a essa expressão, por causa dela fazer parte de uma outraigreja, essa palavra tem um sentido especial e é uma exigência de Deus para a vida

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da Igreja. Não falamos da Igreja Católica Apostólica Romana, mas afirmamos que aIgreja cristã é católica, ou seja, universal. "É a plenitude daquele que cumpre tudoem todos" (Ef 1:23). Isso significa que a Igreja foi dada para todos os homens, semqualquer discriminação. Significa também que na Igreja é oferecida a todos oshomens a plenitude da Graça de Deus em Cristo Jesus, o "autor da Paz".

A catolicidade é o sinal que traduz concretamente o fato de que o Evangelho édado para todos os homens. A catolicidade da Igreja de Jesus não quer dizer demaneira nenhuma que é aquela que está em toda parte! Pois catolicidade é adimensão de integralidade da Igreja como Corpo de Cristo para todos. Tudo o que aIgreja é, anuncia, faz ela o faz em nome do Senhor que amou igualmente a todos oshomens. Quando uma igreja não é uma comunidade para todos, sem nenhumadiscriminação ou distinção, ela está negando a natureza do Evangelho que é paratodos. A catolicidade da Igreja é isso: uma igreja aberta para todos...

4. Igreja é APOSTÓLICA: significa que a Igreja é Missão; foi enviada porDeus como a comunidade Missionária ao mundo sem solução de continuidade.Não só "até os limites (confins) da terra", mas "até a consumação dos séculos".

Cada crente é parte da ininterrupta ação de Deus na história, participandoassim de uma única sucessão apostólica. A apostolicidade da Igreja não é umapropriedade privativa de alguns ou de alguma confissão, ela é dada na permanenteação do Espírito de Deus. A apostolicidade é uma dimensão do ser da Igreja e nãoum nome "particular" de alguma Igreja! O cristão representa a Igreja Apostólicaonde vive e trabalha cada dia. Essa dimensão apostólica da Igreja implica na suasignificação como realidade escatológica: a missão da Igreja permanece "até queEle venha", isto é, deve durar até que Jesus Cristo retorne.

É mais do que evidente que os "sinais dos tempos" pressionam os cristãos abuscar uma compreensão nova de sua obediência contemporânea a Jesus Cristo.A responsabilidade da Presença Profética da Igreja deve seguir inquietando equestionando todas as formas que teimam em entorpecer a consciência cristã e emmarginalizar a Igreja, Corpo de Cristo, em face dos tormentos do mundo atual. O"Espírito" está intercedendo com "gemidos inexprimíveis" afim de que a Igreja"caminhe da maneira digna com que foi chamada". A fome, as guerras e violênciasde toda natureza, a desumanidade, a negação da imagem cristã do homem, queconstituem os "sinais dos tempos" devem inquietar muito mais a Igreja do que aquestão do seu crescimento estatístico.

A Epístola aos Efésios, com toda certeza, é endereçada diretamente aoscristãos do nosso tempo.

Esse é o tempo em cujos marcos Deus chama Seu Povo ao testemunho daUnidade: "esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito novínculo da paz" (Ef 4:3).

Esse é o tempo em que somos chamados à uma renovação mais profunda erealista do que até aqui se tem falado: "e vos renoveis no espírito de vossa

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mentalidade, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em JUSTIÇA eRETIDÃO procedentes da VERDADE" (Ef 4:23:24).

Esse é o tempo em que a Igreja é chamada ao crescimento numa dimensãoessencial: "Mas, seguindo a VERDADE EM AMOR, cresçamos naquEle que é oCABEÇA, CRISTO" (Ef 4:15).

O Evangelho da Paz que nos é dado na própria pessoa de Jesus Cristo, oAutor da Paz, cumpre o propósito de Deus revelado desde o principio: "Disse Deus:Este é o sinal da minha aliança estabelecida entre mim e toda carne sobre a terra"(Gn 9:8-17). O apóstolo Paulo declara como se revelou a natureza dessa aliançaeterna em Jesus Cristo com as seguintes palavras: "desvendando-nos o mistério dasua vontade, segundo o seu beneplácito que prepusera em Cristo, de fazerCONVERGIR NELE TODAS AS COISAS, tanto as do céu como as da terra, nadispensação da plenitude dos tempos" (Ef 1:9-10)!

A essa natureza e propósito da obra de Deus em Jesus Cristo — Evangelhoda Paz — é que deve corresponder a presença fiel da Igreja que é o Seu Corpo naterra.