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ATUALIZAÇÕES/CURRENT COMMENTS IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DOS FATORES CLÍNICOS DA GESTAÇÃO DE ALTO RISCO * Pedro Augusto Marcondes de Almeida ** Cyro Ciari Junior ** Arnaldo Augusto Franco de Siqueira ** Néia Schor** Sueli Gandolfi Giron** Ana Cristina d'Andretta Tanaka ** RSPU-B/281 ALMEIDA, P. A. M. et al. — Identificação e avaliação dos fatores clínicos da ges- tação de alto risco. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:417-25, 1975. RESUMO: É de grande importância atual, a identificação das gestantes de alto risco, no sentido de se poder oferecer uma eficiente assistência durante o ciclo gravídico puerperal. Nesse sentido objetivou-se facilitar tal identifica- ção, estabelecendo uma tabela dividida em 4 grupos de fatores clínicos, que possam a vir determinar ou agravar a gestação de alto risco. UNITERMOS: Assistência pré-natal. Risco gravídico. * Trabalho apresentado no XI Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, reali- zado de 31 de agosto a 6 de setembro de 1975, Rio de Janeiro. ** Da Disciplina Higiene Materna do Departamento de Prática Médica em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP. Risco é uma palavra que indica pro- babilidade de lesão, dano ou perda; e risco gravídico é definido como sendo a oportunidade a agravos físicos, psíqui- cos e sociais a que estão expostos a ges- tante e o feto. A gestação acarreta con- dições especiais tanto do ponto de vista físico, como psíquico e social, considera- das próprias do estado gravídico. O Comitê de Assistência Materno-In- fantil da Associação Médica Americana define gestação de alto risco como "aque- la que tem uma alta probabilidade de apresentar uma criança com impedimento físico, intelectual, social ou de personali- dade, que possa dificultar o crescimento e o desenvolvimento normais e a capaci- dade para aprender. Este impedimento pode ser originado no período pré-natal, perinatal ou pós-natal e pode resultar de influências hereditárias ou ambientais desfavoráveis, atuando em separado ou em combinação". Existe uma série de fatores, que atuan- do de forma isolada, praticamente nada acarretam em relação ao risco gravídico. Outros por si só, já determinam alto ris- co. A associação de vários fatores, mes- mo de pequena importância, podem levar a uma gestação de alto risco. O risco gravídico deve ser encarado sob dois aspectos: o risco materno e o fetal. Por suas características, os fatores que elevam o risco materno sempre de-

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Page 1: IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DOS FATORES CLÍNICOS DA GESTAÇÃO ... A gestação acarreta con- ... dias e os que apareciam no pré-parto e no ... 66% da população de alto risco,

ATUALIZAÇÕES/CURRENT COMMENTS

IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DOS FATORES CLÍNICOSDA GESTAÇÃO DE ALTO RISCO *

Pedro Augusto Marcondes de Almeida **Cyro Ciari Junior **Arnaldo Augusto Franco de Siqueira **Néia Schor**Sueli Gandolfi Giron**Ana Cristina d'Andretta Tanaka **

RSPU-B/281

ALMEIDA, P. A. M. et al. — Identificação e avaliação dos fatores clínicos da ges-tação de alto risco. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:417-25, 1975.

RESUMO: É de grande importância atual, a identificação das gestantes dealto risco, no sentido de se poder oferecer uma eficiente assistência durante ociclo gravídico puerperal. Nesse sentido objetivou-se facilitar tal identifica-ção, estabelecendo uma tabela dividida em 4 grupos de fatores clínicos, quepossam a vir determinar ou agravar a gestação de alto risco.

UNITERMOS: Assistência pré-natal. Risco gravídico.

* Trabalho apresentado no XI Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, reali-zado de 31 de agosto a 6 de setembro de 1975, Rio de Janeiro.

** Da Disciplina Higiene Materna do Departamento de Prática Médica em Saúde Pública daFaculdade de Saúde Pública da USP.

Risco é uma palavra que indica pro-babilidade de lesão, dano ou perda; erisco gravídico é definido como sendoa oportunidade a agravos físicos, psíqui-cos e sociais a que estão expostos a ges-tante e o feto. A gestação acarreta con-dições especiais tanto do ponto de vistafísico, como psíquico e social, considera-das próprias do estado gravídico.

O Comitê de Assistência Materno-In-fantil da Associação Médica Americanadefine gestação de alto risco como "aque-la que tem uma alta probabilidade deapresentar uma criança com impedimentofísico, intelectual, social ou de personali-dade, que possa dificultar o crescimentoe o desenvolvimento normais e a capaci-

dade para aprender. Este impedimentopode ser originado no período pré-natal,perinatal ou pós-natal e pode resultar deinfluências hereditárias ou ambientaisdesfavoráveis, atuando em separado ouem combinação".

Existe uma série de fatores, que atuan-do de forma isolada, praticamente nadaacarretam em relação ao risco gravídico.Outros por si só, já determinam alto ris-co. A associação de vários fatores, mes-mo de pequena importância, podem levara uma gestação de alto risco.

O risco gravídico deve ser encaradosob dois aspectos: o risco materno e ofetal. Por suas características, os fatoresque elevam o risco materno sempre de-

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terminam correspondente elevação do ris-co fetal, mas este pode agravar-se semafetar o risco materno.

Além do mais, devemos lembrar queo risco gravídico tem seu aspecto clínico,social e de comportamento da gestante.Este trabalho visa estabelecer parâmetrosdo ponto de vista clínico para a identifi-cação da população gestante que neces-sita de uma maior atenção de pessoal es-pecializado e de exploração técnica maisaprofundada.

Na avaliação destes parâmetros enfren-tamos alguns problemas; assim, a obser-vação clínica pode falhar e é variável deacordo com a interpretação do obstetra.Por outro lado, os fatores que, efetiva-mente, atuam acarretando gestação de al-to risco, são difíceis de serem analisadosquantitativamente, quer sob o ponto devista individual ou quando se associamvários fatores.

Nesbitt e Aubry5 , em 1969, estabele-ceram, após estudos desde 1960, um ín-dice de assistência sanitária materno-in-fantil julgando ser o juízo clínico insufi-ciente para a identificação deste índice,porque depende de muitos aspectos alémde fatores objetivos de risco. Estes auto-res agruparam 8 fatores ou variáveis,quantificando cada um deles com umacontagem arbitrária de acordo com a pre-sença de circunstâncias desvantajosas pa-ra a gestante. A soma da pontuação totaldos oito grupos menos 100 fornece-noso índice de assistência. O resultado iguala 70 ou menos indica gestação de altorisco.

Vários trabalhos realizados no Departa-mento de Ginecologia e Obstetrícia daUniversidade do Estado de Nova Yorkmostraram falha deste índice, primeiroporque foi aplicado a um grupo de ges-tantes que eram reconhecidamente de al-to risco e em segundo lugar não ocorreuvariação de pontos durante toda a gestaçãoaté o parto.

Em um empenho adicional os autoresaplicaram um índice de trabalho de parto

com a finalidade de diferenciar as pa-cientes de alto risco das de baixo risco.

Goodwin e col. 3, em 1969, idealizaramoutro tipo de pontuação que incluía fato-res identificáveis no início da gestação,outros identificáveis em etapas mais tar-dias e os que apareciam no pré-parto e noparto. Observaram que nenhuma morteperinatal ocorreu em gestante com pontua-ção baixa, o mesmo acontecendo em rela-ção a recém-nascidos com depressão gra-ve. Relatam, também, que quanto maiora pontuação, mais baixa a concentraçãode estriol urinário.

Não há dúvida de que podemos identi-ficar a população obstétrica de alto riscoe que deste grupo originar-se-á a maiorparte da mortalidade e morbilidade peri-natal. O mesmo aspecto observamos parao lado das complicações maternas.

Marmol e col.4 observaram que cercade 70% das mortes maternas ocorreramem mulheres que foram identificadas comode alto risco. Ciari e Almeida2, estudan-do retrospectivamente óbitos maternos nomunicípio de Osasco e identificando vá-rios indicadores na história destas gestan-tes, concluíram que se às mesmas tivessesido aplicado algum índice, elas seriamcatalogadas como de alto risco.

Através disto, podemos, identificandoesta população, estabelecer certo enfoquepara a centralização de pessoal, fundosde assistência e aplicação de cuidadostécnicos e de conhecimento mais refina-dos.

A aplicação destes índices no início dagestação permite identificar, na experiên-cia de Aubry e Pennington1, 66% dapopulação de alto risco, nesta época dagestação. Só 33% é incluída durante aevolução da gestação, em épocas próximasdo trabalho de parto e no parto. Outroaspecto importante é que, segundo os au-tores, só 20% dos recém-nascidos queapresentam problemas, surgem do grupode gestantes de baixo risco.

Portanto, as pacientes identificadas co-mo de alto risco ingressariam em um sis-

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tema de assistência perinatal intensiva re-fletindo uma colaboração entre obstetrase neonatologistas.

Tentamos estabelecer uma tabela de ín-dice que leva em conta vários aspectosclínicos e dividimos este índice em 4 gru-pos que incluam determinados tipos defatores.

No primeiro grupo reunimos uma sériede fatores de alto risco, aplicáveis na pri-meira consulta pré-natal ou em qualqueroutra fase da gestação na qual se identi-fique um destes fatores. Este grupo iden-tificaria sempre gestantes de alto risco.Quando ao aplicarmos este grupo de fa-tores à gestante não identificamos nenhumdeles, ele é considerado 0 e o risco de-penderá do comportamento dos demais fa-tores dos outros três grupos. Se for dife-rente de 0, isto é, se a gestante apresentarum determinado fator que a inclua nestegrupo, apresentará índice 1 definindo seualto risco permanente que é agravado oumelhorado pelo comportamento, dos de-mais fatores dos outros grupos, e relacio-nado com recursos assistenciais disponí-veis. Os fatores incluídos neste primeirogrupo e que identificam alto risco per-manente, só deixarão de ser aplicadosquando forem devidos a afecções passí-veis de correção cirúrgica, durante agestação (Anexo I).

Um segundo grupo seriam os fatorespessoais e familiares de risco clínico, apli-cáveis somente na primeira consulta. Es-tes fatores são identificados através de de-terminada pontuação negativa que assu-mirá valores diferentes de acordo com asignificação de cada variável. A soma dapontuação total fornece-nos o grau de ris-co. Assim tomamos um escore de 100pontos e consideramos até 70 baixo risco,de 65 a 50 médio risco e 45 e menos altorisco (Anexo II).

No terceiro grupo reunimos os fatoresevolutivos aplicáveis durante o evolver docontrole pré-natal. Estes fatores tambémsão identificados com pontuação negativaque mudará de acordo com o significado

de cada variável. O escore obtido seguiráa mesma orientação do 2.° grupo.

Este terceiro grupo permitirá identifi-car gestantes de alto risco como tambémavaliar a evolução do risco em gestantesque já foram assim identificadas, após aaplicação dos fatores do primeiro ou dosegundo grupo (Anexo III).

O quarto grupo incluirá fatores apli-cáveis às gestantes, que realizando o pré-natal, já estejam identificadas pelos 3grupos anteriores como de alto, médioou baixo risco, mas que apresentem in-tercorrências agudas clínicas, cirúrgicasou obstétricas, identificáveis somente du-rante o trabalho de parto. Estas variá-veis não necessitam ser medidas como asdos grupo II ou III por serem sempredeterminantes de alto risco (Anexo IV).

Deveremos ressaltar, além do mais, quenaquelas gestantes que não realizarampré-natal ou se o fizeram não foramsubmetidas à aplicação de nenhuma dastabelas anteriores, os 4 grupos de fatores,anteriormente descritos, poderão ser apli-cados desde que se tenha os dados dogrupo evolutivo III. Caso isto não acon-teça os fatores do grupo I, II e IV po-derão, efetivamente, ser aplicados.

Objetivamente, o estudo prospectivodas gestantes às quais for aplicado esteíndice nos permitirá, através do acompa-nhamento da grávida e da evolução deseu produto conceptual, determinar: a)o peso de cada um dos fatores que contri-buem para um maior ou menor risco;b) identificar quais os fatores que seassociam mais freqüentemente ocasionan-do gestação de alto risco e aumentandoa incidência de morbimortalidade mater-na e neonatal. O estudo prospectivo dasgestantes, assim identificadas, poderãopossibilitar-nos, ainda considerando os re-cursos disponíveis, enfocar a assistênciaque deverá ser fornecida a uma determi-nada população de grávidas, como tam-bém implicar em alterações tanto no quediz respeito à quantificação, como tam-bém à retirada ou inclusão de outros fa-tores.

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RSPU-B/281

ALMEIDA, P. A. M. de et al. — [Identification and evaluation of clinical factorsin high-risk pregnancies]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:417-25, 1975.

SUMMARY: The identification of high-risk pregnancies is very important,because it allows correct protection of pregnancy and puerperium. In order tosimplify this procedure, a risk chart containing four groups of clinical factorswhich might determine or aggravate high-risk pregnancies, is presented.

UNITERMS: Prenatal care. Pregnancy, risk.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. AUBRY, R. H. & PENNINGTON, J. C. —Identification and evaluation of high-risk pregnancy. The perinatal con-cept. Clin. Obstet. and Gynec., 16:3-27, 1973.

2. CIARI Jr., C. & ALMEIDA, P. A. M. de— Elementos de avaliação do riscogravídico. Rev. Saúde públ., S. Paulo,6:57-78, 1972.

3. GOODWIN, J. W. et al. — AntepartumIdentification of the fetus at risk.Can. med. Assoc. J., 101:458-64, 1969.

4. MARMOL, J. G. et al. — Maternal deathand high-risk pregnancy: an analy-sis of 40 maternal deaths in thecollaborative project. Obstet. and Gy-nec., 30:816-20, 1967.

5. NESBITT Jr., R. E. L. & AUBRY, R. H.— High risk obstetrics. II. Value ofsemiobjetive grading system in iden-tifying the vulnerable group. Amer.J. Obstet. Gynecol., 103:972-85, 1969.

Recebido para publicação em 06-06-75Aprovado para publicação em 30-06-75