identidades do brasil - josé carlos reis

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO HISTÓRIA DISCIPLINA HISTORIOGRAFIA DO BRASIL PROF. DRª MARIA ADENIR PERARO ASSUNTO RESUMO DA OBRA “AS IDENTIDADES DO BRASIL” Acadêmico – Aluísio Gonçalves de Farias

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Identidades do Brasil - José Carlos Reis

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSODEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

CURSO HISTÓRIADISCIPLINA HISTORIOGRAFIA DO BRASIL

PROF. DRª MARIA ADENIR PERARO

ASSUNTORESUMO DA OBRA “AS IDENTIDADES DO BRASIL”

Acadêmico – Aluísio Gonçalves de Farias

Cuiabá – MTJaneiro/2005

INTRODUÇÃO

A história é reescrita continuamente; primeiro porque os homens e as sociedades são temporais e isso não permite uma interpretação do passado definido. A reescrita da história é uma necessidade, pois sempre há a reflexões e novas interpretações do passado.

A história é a sucessão processual, ou seja, cada acontecimento ocorre em seu ritmo próprio. O que não tinha tanta importância no passado, pode ser de importantíssimo importância para o futuro. “A história é a reconstrução narrativa, conceitual e documental e um presente, de assimetria entre o passado e o futuro” (Reis, 1999). O passado e futuro estão ligados intimamente, e é esta relação que dá o sentido de temporalização, assim sendo se o presente mudar, também mudará o passado e o futuro e conseqüentemente a história deverá ser reescrita.

“dominada pela temporalização, portanto, a imagem da história vivida muda constantemente como em holograma”(Reis,1999). O acontecimento que ocorreu ontem, leva um tempo para os historiadores avaliar o sentido do fato para a história; eles unem o passado e o presente para fazer uma visão particular do processo histórico vivido, nesse sentido, o historiador Febvre afirma que a função social da história é a de organizar o passado em função do presente (Frebvre, in. Reis).

Segundo lugar, novos achados, novas fontes, novas visões da história, obrigam a uma reescrita continua, e uma reavaliação do passado e das interpretações estabelecidas até aquele momento. Nesse aspecto, surge novas questões que norteadas pelas novas teorias metodológicas, formadas por renovados intelectuais e grupos sociais, articulam as dimensões temporais que enfatizam o passado; outros o futuro e o presente.

A verdade histórica é pensada sobre dois aspectos o da interpretação e da compreensão e estes são relativos, não-definidos, e ao mesmo tempo não relativista, pois implica em reconstruções temporais parciais. “Interpretar é atribuir sentido a um mundo histórico determinado em uma época determinada; compreender é, auto localizar-se no tempo, retendo, articulando e integrando suas próprias dimensões temporais. (Reis, 99. p.10)

A história implica em mudança, primeiro por questão temporal, segundo por renovação teórico-metodológica. Nesse ultimo aspecto há conflitos, entre historiadores de escolas diferentes, no intuito de defender seus pontos de vistas, cada uma delas desvaloriza os historiadores e as interpretações anteriores. Não há métodos e histórias definitivas que levem a verdade absoluta, assim, a história é vista por diversas perspectivas, e estas mudam com o passar do tempo.

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A perspectiva histórica é subjetiva, em outras palavras faz se necessário saber quem a fez, desse modo a verdade histórica é como um caleidoscópio, ela é um sentido atribuído ao vivido, carregado de influências sociais, técnicas e pessoais. Diante disso, o historiador busca oferecer uma interpretação racional, baseado-se em problemas, conceitos, e documentos e ainda realizando uma leitura critica da historiografia anterior, pois o conhecimento histórico é também historiográfico.

O conhecimento histórico passa pela idéia de progresso dialético, ou seja, as interpretações feitas do passado, e as de hoje se conservam, sem diluir suas diferenças. Jamais se elimina o valor e a necessidade anterior. O resultado dessa dialética seria o dialogo entre todos as interpretações, avaliando os reconhecimentos e a contrastação entre elas. Cada interpretação feita do Brasil no passado e contemporâneo a sua época e suas visões do futuro nesse determinado tempo.

O propósito desse trabalho é a reposição de alguns interpretes do Brasil em sua época, com suas problemáticas específicas, com suas avaliações do passado e as perspectivas do futuro. Dentro dessa noção, não há autores superados, pois cada um deles é contemporâneo ao seu tempo. Nesse sentido, este livro tem a intenção de oferecer uma visão do Brasil construída por uma multiplicidade de visões parciais.

A tese fundamental da leitura é do confronto entre os autores que escreveram sobre o Brasil, é a representação particular do tempo histórico brasileiro. Para se entender e diferenciar os discursos sobre o Brasil há duas categorias: a mudança e a continuidade, a primeira implica na idéia de revoluções, progresso, forças que produzem autonomia e emancipação; a segunda, a idéia de permanência, tradição, reprodução e renovação de dependência.

As categorias temporais estão presentes nas interpretações do Brasil, encontram-se reunidas, em síntese, na apreensão do passado (dependência), uma localização do presente e um projeto para o futuro (independência).

Essa síntese tem o objetivo de representar a maneira global e configurar o Brasil, seus eventos, personagens e mentalidades.

A questão fundamental dos interpretes é o que foi, o que esta sendo e o que se tornará o Brasil?

Cada interpretação do Brasil é nova, partindo da reafirmação ou da recusa das anteriores. Alguns autores valorizam a continuidade, outros a mudança, assim o conhecimento histórico é sempre um diálogo, uma retomada aos anteriores, para se basear, rejeitar ou reforçar.

As interpretações feitas do Brasil são reconstruções de forma racional em um determinado tempo, com seu sentido e coerência, porém essa

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racionalidade não é integral, pois quando concretizada a interpretação tem-se que particularizar e formalizar.

A pesquisa particular e conceitual precisa de uma síntese do que já escreveram a respeito anteriormente, para se ter uma visão global e esta ligar-se diretamente à prática histórica de sujeitos específicos, ou os interpretes brasileiros que elaboram suas visões sobre o Brasil e suas projeções futuras.

As interpretações do Brasil estão divididas em duas correntes: descobrimento do Brasil (1850 – 1950) que tem como representantes Varnhagen e Gilberto Freyre, que valorizam o passado brasileiro, a continuidade, pois desse modo resolveremos os problemas sem necessidade de revolução e mudança. A critica documental só vem para reafirmar essa idéia contra a mudança.

Varnhagen em 1850 escreveu em momento em que o Estado Nacional sob a Monarquia se consolidava; ele valorizava o passado português. Gilberto Freyre escreve em 1930, no qual as elites luso-brasileiras estavam em crise, então ele ignora as dificuldades e as tensões do passado e idealiza isto como modelo e referencia para o futuro.

Há duas correntes que interpretam o Brasil, a do “redescobrimento” (1900 a 1960-70) é representado por Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda e as que priorizam a mudança, representada por Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, esta última prefere a ruptura com o passado português.

Capistrano de Abreu foi um dos primeiros a ver o futuro brasileiro ligado ao passado colonial e que caminhava para o futuro uma nação soberana e livre. Sérgio Buarque também faz uma reflexão, porém aprofundada sobre a ruptura do futuro brasileiro em relação ao passado colonial ibérico. Sodré e o PCB idealizam o Brasil sem latifúndios e independente. Nessa mesma direção Caio Prado com o seu ideal de mudança, porém de maneiras diferentes, ele pensa a radicalização da mudança. Prado mostra que a história brasileira é marcada pela continuidade do que por rupturas, porém os seus estudos mostram os limites históricos e estruturais, a iniciativa revolucionária. Com essa mesma idéia, de modo teórico-metodológico Florestan Fernandes mostra a mesma ambigüidade: constatando as barreiras estruturais que limitam a iniciativa revolucionária.

Para Fernando Henrique, a estrutura pesa muito sobre a mudança, logo ele pensa o aumento da produção de mudança interna e na estrutura capitalista internacional.

As duas correntes apresentadas pensam de maneiras diferentes a identidade do Brasil, passado e o futuro dessa nação, os sujeitos da história do Brasil e o ritmo e sentido do descobrimento. O interesse da obra é o de

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conhecer a verdade do Brasil de diversas posições (ângulos), para isso se fez uma periodização para selecionar autores e obras de valor reconhecido e incontestável.

Nesta obra manterá o texto original e dos seus comentadores, para isso usará a paráfrase, assim idéias e palavras do texto original estarão presentes nesta obra, para analisar seus pontos de vista e estilos. A intenção dessa metodologia será compreender, dialogar e mediar diálogos do lugar social e a data dos interlocutores, comparar, compartilhar e contrastar entre vários interpretes para uma melhor compreensão do Brasil.

As interpretações feitas do Brasil são sempre retomadas, pois não há textos saturados e existe sempre interpretações diferentes de um mesmo texto, os leitores são diferentes, logo suas interpretações também serão. Portanto, a história é sempre reescrita.

ANOS 1850: VARNHAGENO elogio da colonização portuguesa

Varnhagen, “Heródoto do Brasil”

Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-78) considerado como sendo o “Herótodo brasileiro”, pois foi o fundador da história do Brasil, mesmo que houve outros escritores antes dele. Como Pero de Magalhães Gândavo. Varnhagen considerava que a colonização portuguesa foi benéfica para o Brasil e esta nação estava aberta ao sucesso no futuro.

História Geral do Brasil, foi escrita em 1850 por Varnhagen. Uma obra documentada, crítica e completa, ela representava uma inovação, quanto a documentação sobre o passado brasileiro. O contexto histórico no período em que escreveu, a independência política e a constituição do Estado nacional nos anos de 1850, favoreceu para ao surgimento dessa obra. Nesse período Varnhagen desenha o perfil do Brasil independente e projeta um futuro para essa nação.

Varnhagen era filho de uma oficial alemão, que trabalhava como engenheiro metalúrgico no Brasil e sua mãe era portuguesa. Ele gostava muito de freqüentar aos arquivos dos lugares onde visitava. Recebeu influência alemã, devido a origem de seu pai. O nome “Hedoto brasileiro” foi por causa de suas pesquisas metódica em arquivos estrangeiros, onde encontrou inúmeros documentos relativos ao Brasil. Em 1841, participou do trono brasileiro assessorando o jogo imperador a construção da identidade nacional, que garantia unidade e longevidade. Defendia uma nação luso-brasileira com

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seu imperador. Era totalmente a favor da Coroa, que era representante dela em diversos países.

Varnhagen, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e Karl Philipp von Martius

A obra de Varnhagen foi financiada pelo imperador, pois este precisava muito da história do historiador. Tanto que em 1838/39 foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que foi de suma importância para a história brasileira. O imperador precisava dos historiadores para legitimar seu poder, pois é um passado glorioso, permitiriam o futuro mais confiante.

O projeto do IHGB era o que conhecer o Brasil, sua história, sua geografia e de engrandecer a natureza brasileira com todas suas riquezas minerais, clima, fauna e flora. Quanto a função histórica, deveria coletar e publicar os documentos relevantes para a história do Brasil.

O IGHB, em 1840 criou-se prêmios para quem elaborar o melhor plano para escrever a história brasileira. O ganhador do prêmio foi Karl Philipp von Martius, um botânico alemão, em sua monografia definiu as linhas mestras de um projeto histórico capaz de garantir uma identidade ao Brasil. Ele entendia que a identidade brasileira deveria ser buscada na mescla de raças, tanto que para ele o historiador deveria o mostrar como os colonos portugueses se relacionavam com seus vizinhos, escravos e família e ainda como chegavam as idéias e as letras da Europa. Enfim, mostrar como os portugueses viviam no Brasil. Para Martius o português era a raça mais importante, porém as raças etiópica e indígena reagiram positivamente.

Martius enfatiza a história dos índios, porém quanto aos negros ele oferece poucos dados, colocando algumas questões. Embora Martius evidencia a mestra de raças no Brasil, ele privilegia a raça branca e ainda considera que a história do país deva ser feita com unidade, representada pelo imperador. Devido à extensão territorial do país, ele propõe que se faça uma história regional, porém que garanta uma centralização, pois dessa maneira diminuirá as diferenças locais e com o tempo chegará a uma história nacional.

O Brasil, uma nação recém- independente precisava de uma história que valorizasse seu passado, seus heróis em que provocasse a confiança em seus descendentes. Martius recusou de levar adiante o seu projeto, devido à enormidade do trabalho a fazer com. Varnhagen tomou para si esta tarefa e assim tornou o primeiro grande “inventou do Brasil”.

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Varnhagen e seus Críticos

J. H. Rodrigues considera que Varnhagem foi o maior historiador da sua época e ainda hoje pela grande quantidade de obras publicadas, pelo que descobriu, pelo seu esforço e determinação.

Para A. Canabrava considera História Geral do Brasil de consistência nunca antes alcançada.Porém, na opinião de N. Odália ao contrário, a obra de Varnhagen é monótomo, não mostra o drama das tensões que existia, pois segundo ela, suas análises são superficiais. Ainda segundo Odália a sua interpretação é superada, pois não condiz mais com nossa realidade.

Capistrano de Abreu também critica Varnhagen dizendo que seu estilo assemelha a uma crônica, se prendendo a fatos irrelevantes e muito repetitivos, não levando a consideração à especificidade de cada época. Outra critica de Capistrano, esta porém, especifica àquela época, é quanto a falta de leis basilares que poderiam oferecer uma visão integral do Brasil, já que estas permitem formular teorias para uma melhor compreensão de um objeto de estudo.

Odália rejeita a obra de Varnhagen, porque a expressa a visão política, que não interessa mais ao Brasil, nem mesmo a sua história. O seu posicionamento é parcial, pois ele defende as elites brancas e a família real. Em sua teoria de miscigenação, ele visava o branqueamento da população brasileira.

Varnhagen tem uma visão política do Brasil, e é através dela que ele reconstrói o passado dando sentido aos fatos e personagens e estabelece o futuro. Em sua obra, os sujeitos da história são os homens brancos e o Estado imperial, o passado colonial é reconstruído a partir de brancos europeu.

Para um país recém-independente que tinha planos para formar uma nação brasileira, era preciso percebia nação como diferentes e continuidade colonial e como continuidade da diferença colonial. O Brasil é pensado como conceito de raça e a sociedade brasileira como a mistura de raças, porém essa idéia de miscigenação escondia a dominação branca.

A identidade brasileira seria portuguesa, pois esta representava a idéia de progresso, civilização, cristianismo e razão. A ruptura com Portugal, seria apenas política, pois o Brasil não queria ser indígena, negro, republicano, latino-americano e não católico. Assim, o Brasil queria continuar a se português, nem que para isso tivesse que recusar o lado brasileiro. Este país, deverá ser produzida e defendida pela elite branca. E neste sentido a continuação da colônia. Varnhagen era o defensor dessa história elitista branca brasileira. O índio, negro, caboclo a plebe em geral, representaria o atraso, a desordem, emperrava o progresso.

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Varnhagen era um historiador oficial da coroa, estava junto de poderosos. A história para ele é feita pelos grandes homens, reis, guerreiros e governadores. Era defensor de uma sociedade escravista e a cidadania deveria restrita.

Para analisar as teorias desse interprete do Brasil, é preciso nos situar nas condições históricas objetivas e subjetivas em que este autor viveu, pois só assim, conseguiremos ser justo, o lermos suas obras e termos uma maior produtividade dela; isso além aceitar um dialogo com ele e ouvi-lo com paciência.

A análise que Varnhagen faz da história do Brasil é do ponto de vista do colonizador, logo a superioridade étnica, cultural e religiosa é portuguesa, pois desde o período colonial, a vitória do povo português sobre as outras raças demonstraria isso. O Brasil deve ser identificar como branco, pois este é superior. Aos vencidos resta apenas a exclusão, a escravidão, a repressão e a assimilação pela miscigenação, ou seja, o branqueamento racial e cultural.

A Obra: História Geral do Brasil (1854-57)A Natureza Selvagem Brasileira

A natureza brasileira é descrita no inicio da História Geral do Brasil, como sendo a primeira imagem que se tem do Brasil, e este nome dado em virtude da abundância da madeira, cujo lenho é vermelho. Esta terra é um dos mais extensos do planeta, há diversos tipos de solo e só há duas estações, a quente e a seca e úmida. A vegetação é sempre verde, nas florestas há plantas exóticas que podiam ser úteis à Europa, que sustentou o comércio e também medicinais como a copaíba, além de venenos terríveis de répteis.

A descoberta feita pelos portugueses é fascinante, devido ao medo do desconhecido, depois decepcionante pela pobreza minérios preciosos.

Os Indígenas

Os índios são descritos como exóticos e atrai atenção de Varnhagen, porém sem afeição. Ele os vê como pessoas nômades, violentos, devido as guerras entre si, bárbaros , por não terem amor à pátria e não possuía uma organização política centrada em um chefe.

A imagem que Varnhagen tem dos indígenas é de pessoas forte fisicamente e pobre espiritualmente, são descritos como, infiéis, ingratos, desconfiados, imorais e insensíveis. Este autor seguiu as linhas de von Martius, logo o índio deveria ser descrito na história do Brasil. Assim, ele realiza estudos desses povos, sua organização social, cultura, religião, a fome,

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trabalho, sua práticas e segundo ele, os índios viviam na selvageria e ferocidade, Varnhagen descreve rituais de sacrifício humanos e antropofagia.

Essas descrições acima dos “alienígenas” como ele chama os índios, era o que o Brasil havia percorrido por três séculos por todo o território e percorria ainda em 1850. A sociedade, o cultivo da terra, lei e religião civilizavam os indígenas, acaba com a fome, impedindo assim que eles se tornem canibais, o evangelho acaba com a ferocidade.

A “Descoberta do Brasil”

Os indígenas, denominados de bárbaros estavam preste despovoar esta região, por viver no anarquismo, não tinham paz e não havia cultura do espírito, apesar de viverem numa terra muito fértil. Estes povos deveriam ser preservados como antimodelo.

A história brasileira deveria ser baseada naqueles que vieram do exterior, para que assim acabe com a barbárie e selvageria interiores. Com a vinda do rei, do cristianismo, lei, cultura, e os portugueses o Brasil é construído.

A descoberta do Brasil foi por dois motivos: o comércio com o Oriente, e o espírito evangelizador, as guerras comerciais e santa. Colombo, através da via ocidental, com o objetivo de chegar às Índias, erra o trajeto e chega à América. Varnhagen após apresenta o contexto histórico da descoberta, ele mostra os heróis portugueses pela paisagem e pela história do Brasil. Vasco da Gama e Cabral são os primeiros. A descoberta do Brasil foi um feliz acaso. Nos capítulos anteriores Varnhagen apresenta o cenário onde aconteceu a chegada dos colonizadores.

Em 1501 a Coroa enviou uma expedição com três caravelas para reconhecimento da terra descoberta, esta, porém não atraiu tanta atenção do rei. Assim ele a entregada para particulares explorar, dessas terras deveria sair renda a sustentar a própria colônia e recursos para Portugal.

Em 1530 a esquadra de Martim Afonso de Souza chega ao Brasil para ocupar e explorar, devido às pressões estrangeiras, assim eles constroem fortalezas, cidades e feitorias. Este projeto tinha o interesse do lucro e a evangelização. O Brasil foi divido em 15 capitânias com 12 donatários, estes procuravam moradores que trouxesse investimentos e aceitasse as sesmarias.

A cultura dos povos bárbaros influenciou os portugueses, nos seus costumes e na alimentação, estes passaram a se alimentar de milho, mandioca e frutos da terra. Nos costumes também houve assimilação cultural, os colonizadores aprendem a fumar com os indígenas, e tornaram se polígamos, desta relação nascem os mamelucos e os curibocas. Varnhagen acreditava que

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os portugueses tinham um bom relacionamento com a maioria dos índios, eles os protegiam, cristianizavam e tutelavam. A força só foi usada contra os mais ferozes, o que segundo ele, não levou ao extermínio, o desaparecimento ocorreu devido do cruzamento sucessivo entre os próprios indígenas.

Os colonizadores realizavam uma ação filantrópica, civilizando e cristianizando os índios, retirando de seu estado de barbárie.

A Vitória Portuguesa contra Franceses e Holandeses

No projeto de colonização do Brasil, as Capitanias Hereditárias não estavam sendo eficazes no controle, ocupação e exploração do território e os franceses invadiam essas terras, sem reconhece-las como sendo portuguesas. Uma das soluções foi a centralização do poder na Bahia, por esta estar no centro do Brasil. As capitanias temiam invasões estrangeiras e Varnhagen como sendo um defensor dos portugueses realiza uma apologia para a guerra, na defesa desse território.

A guerra contra os estrangeiros ajudou a estreitar os laços entre os povos da futura nação brasileira. Primeiro contra os franceses numa luta intensa, depois contra os holandeses o que contribuiu para aumentar os laços e consolidação dessa futura nação. O perigo comum fez unir mais os escravos, o soldados europeus e o índio. Varnhagen relativizou a sua avaliação de raças inferiores, pois a guerra poderia ser considerada um agente civilizador, já que traz energia e atividade a um povo cheio de preguiça que vivia isolado. Como resultado desse processo de integração, ele considera um momento de coroamento da dominação portuguesa com a legitimidade da população nativa geral.

Os Negros e a Escravidão

Varnhagen não enfatiza tanto o negro em sua obra. Para ele, a escravidão africana fez um grande mal ao Brasil, com seus costumes pervertidos, seus hábitos e além estes negros encherem as cidades e engenhos, porém isto, poderia um dia ser revertido, com a mistura das cores (raças) onde as características africanas e a acusação da procedência escrava da população desse país desapareceriam. Ele considera também que a escravidão no Brasil foi suave, em relação a outros países e esta instituição é injusta por ser um ataque ao individuo, à família e ao Estado de origem.

A escravidão africana foi um erro na colonização do Brasil, pois esta mão-de-obra se perpetuou e não se qualificava, tornando-se indispensável ao país. Os negros não possuíam sentimentos nobres ao Brasil, devido a situação

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da escravidão, separação de famílias em geral. O índio é quem deveria ser utilizado como mão-de-obra, senão fosse a interferência dos jesuítas.

A Família Real e a Independência

Brasil e Portugal devem gratidão e louvores um ao outro. A metrópole sempre deve a intenção de governar com justiça a coerência a colônia. Varnhagen devido a sua visão defensora da Coroa portuguesa, lamenta o uso da força (violência) e a repressão no combate a insurreições, como em Minas Gerais, porém considera necessário para manter unidade e o respeito enquanto nação.

Para Varnhagen, o sistema monárquico é imparcial e nele todos deveriam ser homens honrados, bons pagadores e fiéis para com o Estado. O colonizador é visto como organizador natural das coisas e todos devem grande favor a ele. Nesse sentido, Varnhagen agradece pelo sucesso no combate as rebeliões do final do século XVIII e inicio XIX que pretendiam a independência da colônia em relação a Portugal. Para ele, só a religião poderia sustentar os impérios e fortalecer as constituições.

A base da idéia emancipadora do Brasil foi trazida pelo príncipe regente de Portugal e a presença deste na colônia, permitiu a integridade do Brasil. A independência foi feita pela própria família real, assim, o rei de Portugal Dom João VI pretendia a formação de um Reino Unido Brasil e Portugal e Varnhagen preferia esta solução, porém as elites portuguesas não concordaram; então, o príncipe regente liderou o processo de independência do Brasil.

A independência é visto com bons olhos por Varnhagen, pois o Brasil continuou sendo colonial no nacional, um Brasil português. E esta nação recém criada será construída sobre o modelo do Estado português, assim sendo, este país terá o cristianismo como base. A uniformidade cultural e a unidade nacional do Brasil foram conseguidas através de muita luta pela classe dirigente. Esse novo Estado garantirá o conservadorismo e a ação civilizadora da Europa branca.

Varnhagen e a “Verdade Histórica”

Varnhagen tinha o ideal de fazer a “verdade histórica”, o que implica em escrever a história documentada conforme o método. O máximo de objetividade, narrar os fatos tal como se passaram, assim como Ranke, para isso deve-se reunir o maior numero de testemunho, acareando-os (chocando

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documentos) em torno dos fatos, procurando somente uma verdade que deve triunfar. Ele procurou restringir-se em documentos oficiais.

Varnhagen defende e faz uso do método critico, onde reivindica a objetividade e imparcialidade, e esta concepção de verdade era moderna. E nessa postura inclui também, a idéia de linearidade, que implica no melhoramento do passado, ou a noção de progresso. Varnhagen era progressista, gradualista, defensor da continuidade do passado no futuro.

História Geral do Brasil retrata a história política-administrativa, com fatos, nomes e datas, individualista e psicológica. Esse autor realiza uma descrição minuciosa e com certa nostalgia dos fatos e personagens da história nacional. O tempo narrado é construindo tentando coincidir com o vivido, uma espécie de reconstituição do que se passou, nos grandes fatos, a marcação desse tempo é de um contemporâneo. Varnhagen não delimita o tempo estudado.

A organização de sua exposição é cronológica e não temática, sua intenção era de evidenciar cronologia miúda e minuciosa, porém Varnhagen é criticado por Capistrano de Abreu, que diz que, este autor confundiu-se com o contemporâneo na cronologia do tempo.

ANOS 1930: GILBERTO FREYREO reelogio da colonização portuguesa

G. Freyre, Neovarnhageniano, conservador e... Genial!

Gilberto Freyre nasceu 1900 e faleceu em 1987. Em 1933 publicou Casa Grande&Senzala, em 1936 Sobrados e Mocambos, e Ordem e Progresso em 1959. Sua obra mais conhecida é Casa Grande Senzala, onde realiza uma interpretação do Brasil, esta é reconhecida como uma referência superior da ciência social, pelos mais conhecidos cientistas sociais do mundo, como L. Febvre. Freyre sempre se apresentou com um escritor ou ensaísta.

Coloca-se agora, alguns comentários feitos pelos mais ilustres analistas sobre a obra de Freyre, para se ter uma idéia da dimensão da repercussão da sua obra nas ciências sociais. A maioria desses estudiosos acredita que as análises de Freyre são marcadas por uma forte quantidade de afetividade e subjetividade.

Segundo o analista Leite, a obra de Freyre é uma espécie de auto-antropologia da cultura onde nasceu, a nordestino brasileiro. Ele se colocava dentro de seu objeto de estudo, já que este fazia parte sua vida. Seu texto é cientifico e político, numa linguagem coloquial.

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Motta analisa Casa Grande&Senzala dizendo Freyre tinha a intenção de mostrar que houve um acordo entre os diferentes tipos de vivências, e diferentes padrões culturais. Ele com sua criatividade reproduziu o passado colonial com seu cheiro, prazer e padrões culturais , através da cotidianidade e da vida coletiva.

Chacon diz que a formação teórico-metodológica de Freyre é basicamente norte-americana, ele tornou-se protestante no colégio americano batista em Recife e foi orientado por Franz Boas na Universidade de Colúmbia. Entretanto, Costa Lima em análise à obra Casa Grande&Senzala, considera que a pesquisa histórica brasileira a uma problemática nova e alemã, do historicismo de Dilthey, Simmel e Weber. A formação americana de Freyre é apenas indiretamente alemã, através da presença de Franz Boas, com ele o conceito de cultura é enfatizado, e combatendo o evolucionismo biológico. Grupos de uma mesma raça respondem diferentes aos desafios geográficos, econômicos, sociais e político, criando culturas distintas. Boas, se aproximava do historicismo alemão, dando ênfase a cultura e relativizando os valores.

Para Bastos, Freyre seria um historicista, com o objetivo de alcançar a subjetividade, fazia uma história política, psicológica, vitalista, dionística e não intelectual.

A abordagem histórica feita por Freyre é em formas particular, em mundo histórico especifico. Não acredita na linearidade histórica, na idéia de progresso.

Para Duvignaud e Kujawski Freyre valoriza a vida rotineira, e despreza a história política, administrativa e militar, pois esta, é onde se pode sentir melhor ao caráter de um povo. Ele conheceu esta história, com os franceses dos Annales, estes, fazem a história das mentalidades coletivas e renovam as fontes da pesquisa histórica, sem dispensar as fontes oficiais e institucionais, assim passam a utilizar como fontes: receitas, culinárias, fotografias, cantigas de roda, brinquedos, lendas, etc.

Freyre e Varnhagen

Casa Grande&Senzala renovou e revigorou a visão brasileira das elites em crise, o mundo criado por essa elite luso-brasileira. Ele também confirmou o elogio e a legitimação feito por Varnhagen para essa classe. Freyre chega a idealizar e exaltar esse elogio às elites do passado colonial. Segundo ele, não se pode acusar os portugueses, de manchar a obra da colonização com a escravidão, pois o meio e as circunstâncias exigiram o escravo.

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Freyre considera um enorme erro o tráfico negreiro e a escravização do negro, porém em defesa dos colonizadores, ele afirma que não havia outra escolha para adotar para que se realiza o trabalho na colônia.

Varnhagen lamenta que a colonização tenha sido latifundiária e escravista, pois a presença de negro implicava em miscigenação, o que significava em desprestígio para a raça brasileira. Para ele, a colonização portuguesa seria mais tolerável, se o escravo fosse o índio. Freyre valoriza bem mais essa colonização, pois ele valoriza a presença negra no Brasil e considera que a mão-de-obra africana foi a melhor opção para colonizar e responsável pelo sucesso dos portugueses nos trópicos.

Freyre considera a colonização portuguesa um sucesso total. Diferente de Varnhagen, ele não pensava o Brasil em termos raciais, mas em termos culturais. Assim, a presença africana, enriqueceu, fertilizou e abrilhandou a obra portuguesa.

Varnhagen defende e descreve um Brasil que continuava, que superou rebeliões, separatismo, e que se unificou e se consolidou. Freyre defende o colonizador num momento de crise, o mundo criado pelo português está naufragando, isto é contestado por um lado, porém é o surgimento de um novo Brasil.

Freyre e Capistrano

Em Capítulos da História Colonial, Capistrano de Abreu trabalha com a história social e dos costumes, e pela primeira vez aparece casa grande e a senzala, ele antecipa alguns temas abordados por Gilberto Freyre, como a relação senhor e escravo.

A tese de democracia racial de Freyre, é vista com critica por Capistrano, o mestiço tinha uma vida difícil, era visto com aversão e não conseguia ocupar certos cargos. O negro está excluído o Brasil era o próprio inferno.

Existe um abismo entre Freyre e Capistrano, quanto a visão do passado colonial. O primeiro segue o caminho de Varnhagen na defesa do passado colonial brasileiro, assim seu posicionamento é de conservador, patriarcalista escravista. Capistrano rompe com a linha de Varnhagen e sua posição é de antiescravista, não tradicionalista, não-aristocrático e antipatriarcal.

Freyre e os Marxistas

F. Fernandes e sua equipe que anos 1960-70 pensarão o Brasil com os conceitos de classe social e luta de classe, se opuseram contra as

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interpretações de Freyre, nestas a oligarquia rural, as elites luso-brasileiras são apresentada como civilizadoras, produtoras do progresso, porém para apresentar esta imagem, ele apagaria as tensões e as contradições reais que caracterizavam as relações entre senhores e escravos. O mundo criado pelo português é apresentado como harmônico, equilibrado e democrático nele as raças e classes diferentes viviam na cultura genuinamente brasileira.

O estudioso Mota considera o perfil de Freyre como revolucionário e conservador. Como conservador ignorou os movimentos sociais da Colônia e do Império, esvaziou as contradições sociais. A história perdeu o dinamismo, pois suas tensões são harmonizadas. Conservador, ele é otimista em relação ao passado e pessimista em relação ao futuro.

No conflito ideológico entre Freyre e F. Fernandes há duas disputas: uma teórica e outra política. A primeira opõe marxista e historicista, o motor da história não são as idéias, não são as mentalidades coletivas, mas as lutas de classes. A visão culturalista é vista como inetrclassista, reacionária, pois harmoniza as contradições reais.

Os marxistas acreditam que pesquisar sobre o Brasil é especificar o seu modo de produção, a especificidade das suas lutas de classes e das mudanças sociais.

O analista da obra de Freyre, Chacon, afirmara que muitos marxistas elogiaram Casa Grande&Senzala, Astrogildo Pereira, Genovese. Freyre era contra escravidão e denunciava o sadismo dos senhores de escravos, ele gostava da polêmica, e devido a isso teve sua casa invadida por policiais durante o Estado Novo, segundo os militares por ter estimulado o ódio racial.

A obra de Freyre é um modelo de referência, abrangência e competência na abordagem da sociedade brasileira, e segundo Queiroz, a historiografia norte-americana sobre a escravidão parte de Gilberto Freyre, assim como a nossa historiografia parte de Casa Grande&Senzala.

Nos anos de 1960-70 Freyre é criticado, quanto a sua tese de suavidade da escravidão brasileira com relação à americana. Porém nos anos de 1980-90 a visão freyriana da escravidão é recuperada, ela era consensual, o escravo mantinha sua subjetividade autônoma, a resistência era uma ação adaptadora, a docilidade aparente do escravo era uma forma de manipular as regras do sistema social a seu favor.

Casa Grande & Senzala: Pressupostos e Teses

Casa Grande&Senzala se revela não como uma obra de ciências sociais, mas como política. A interpretação que ele faz do Brasil se confunde com o seu estilo, esta obra possui uma estrutura clara e sólida, no seu primeiro

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capitulo, ele coloca suas teses sobre o Brasil; os quatros capítulos restantes desenvolveu as teorias sobre o português, o índio e o negro, a qual este deu dois capítulos.

Freyre considera os negros como povos também civilizadores do Brasil, a presença desse povo deu uma contribuição excepcional na colonização portuguesa.

As teses de Freyre estarão dispostas em cincos, e assim mostrará toda sua mensagem, intuição, idéia e compreensão do Brasil, com a intenção de oferecer a estrutura do pensamento de Freyre sobre o passado colonial brasileiro. Porém para compreender é preciso apresentar três temas: primeiro, é a visão exterior do Brasil que Freyre tinha, a imagem do homem brasileiro era de algo inferior e doentio, então passa a se questionar se esta imagem era por causa da miscigenação e esta pesquisa exigiria uma mergulho no passado brasileiro. Segundo, o ponto de visto teórico-metodológico de Freyre, neste ele leva em consideração a técnica da produção econômica sobre a estrutura da sociedade, concordando com o marxismo e acrescentando-o um sentido psicológico na análise do Brasil, aspectos que atuam sobre a sociedade independentes das pressões econômicas, como a raiva, a dor, as emoções de fome, etc. Terceiro, é o ponto de vista social de Freyre, ele olha o Brasil do terraço da casa grande, e logo notou que o Brasil mudava, então criou um olhar abrangente, lembrando-se do mundo consolidado, patriarcal no período colonial.

A primeira tese é quanto ao encontro das três raças. Para Freyre o encontro foi fraterno, solidário, generoso, democrático, viabilizado pela miscigenação. Depois de vencer os indígenas e os negros militar e tecnicamente, os portugueses formaram com eles a vida social e familiar. Esse relacionamento entre vencedor e vencido se adoçaram com a necessidade de formar famílias, pois aqui não possuía mulheres brancas nesse período, nesse aspecto a miscigenação corrigiu a distância social entre a casa grande e a senzala, a índia e a negra tornou-se concubinas e até esposas legitimas dos brancos.

A casa grande foi palco dessas relações complexas de crueldade e desejo-amor, e nela estaria depositada a alma brasileira. E nesse ambiente era onde integrava todas as atividades e tipos humanos do mundo colonial e devido a esse modo democrático de ser, puderam povoar terras vastíssimas.

A segunda tese é, porque foi possível a miscigenação portuguesa com outros povos. A democracia racial (miscigenação) foi por causa do passado étnico e cultural dos portugueses, este não era um europeu puro, ele já era miscigenado, sua população branca tinham um sangue negro, mouro e judeu, e

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devido a isso estava predisposto à colonização híbrida e escravocrata dos trópicos.

Freyre admira o colonizador português, pois este teria criado uma civilização original tropical e miscigenada; esta interpretação tornou-se referência para o mundo após 1945, pois até 1930, pensava-se que a miscigenação comprometeria o futuro da Brasil.

Esta sociedade multirracial foi possível, pelas predisposições psicológicas, históricas e raciais do português, o seu caráter vago e impreciso foi o segredo do sucesso. Eles formaram o homem ideal para viver nos trópicos, o mestiço-brasileiro, um homem branco com sangue negro e índio.

Na terceira tese Freyre, apresenta o local onde será o encontro das três raças. Esta confraternização acontecerá na casa grande que não se separa da senzala, pois um completa o outro, isso representa o sistema econômico-social e político: a monocultura escravista, o patriarcalismo católico e polígamo.

A exploração das riquezas feita pelos portugueses foi feita com esforço particular e aproveitando os nativos, sobretudo da mulher, para o trabalho e a formação da família. Essa colonização foi obra de família rural particular, o qual esta é visto, por Freyre como sujeito da história colonial que enfrentou todas as dificuldades da terra distante. E esta família é a característica principal do passado colonial.

Enquanto Varnhagen enfatizava a ação da família real, Freyre enfatiza a ação da família rural, formula uma visão luso-brasileira do Brasil. Freyre é o primeiro a usar a nova história no Brasil, uma corrente metodológica que valoriza as iniciativas coletivas, não oficiais, utiliza uma vasta documentação e usa da interdisciplinaridade. Nesse sentido, ele tomará como fonte tudo que o homem colonial brasileiro produziu, pinturas, rezas, brinquedos, musicas, etc.

A casa grande e a senzala foram o centro da história colonial, pois ali morou o sujeito histórico, o senhor patriarcal cercado de sua família extensa legítima e ilegítima, seus escravos domésticos, seus agregados, sobre os quais exercia um poder absoluto.

Na quanta tese Freyre discorrerá sobre os efeitos da miscigenação, se contribuiu para a formação uma raça debilitada ou não. Segundo ele, os males profundos da população brasileira devem-se à monocultura latifundiária, pois esta não permitia a produção de um suprimento de víveres fresco, o que tornou a população mal nutrida e como conseqüência problemas de decadência ou inferioridade das raças: diminuição da estatura, do peso, do tórax, insuficiências endócrinas.

A população brasileira é um dos povos mais desprestigiados na sua eugenia e mais comprometidos na sua capacidade econômica pela deficiência

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de alimento. É um povo perturbado em seu vigor físico e na sua higiene por um pernicioso conjunto de influências econômicas-sociais.

A miscigenação foi vantajosa, pois criou um homem moderno ideal para viver nos trópicos, porém, em desvantagem ocorreu a sifilização, o que junto da desnutrição, ajudou a deformar o mestiço brasileiro.

Freyre realiza uma mistura do meio, raça e cultura.Assim, na obra Casa Grande & Senzala, ele apresenta especializações psicológica e aptidões distintas. O conceito de raça trabalhado por Freyre é neolamarkiano, ou seja, a capacidade que o homem tem para se adaptar as mais diferentes condições ambientais e de incorporar e transmitir as características adquiridas. Assim Freyre aceita a mestiçagem e a sua conseqüência fenotípica: a morenidade. O Brasil é moreno, mestiço de branco, negro e índio. O Brasil devido a essa miscigenação possui um horizonte amplo pela sua originalidade.

Na quinta tese, Freyre discute o regime político mais adequado para este povo miscigenado. O brasileiro é mestiço, fruto de um estupro, onde o colonizador português domina negros e índio, exterminando e escravizando os homens e violentando as mulheres. Para Freyre nesta relação o escravo se satisfazia de forma sadomasoquista sexualmente e pessoalmente, ele também teria um papel passivo, pois deveria se submeter sem limites ao desejo do senhor. Essa relação senhor/escravo é uma relação de prazer sexual e até afetuosa, com violência.

O regime político mais adequado para esse povo, que possui este tipo de relação, é uma ditadura vigorosa, máscula e corajosa. O ditador será aclamado por todos e quanto mais severo mais prazer trará a população filha do prazer com violência. Por outro lado, o regime político mais adequado ao Brasil é a democracia racial e social, que está no Brasil desde a colonização.

A miscigenação não foi apenas racial, mas também cultural, pois a cultura européia assimilou a indígena e a africana, assim os negros reagiram sobre a dominação branca, e a sua cultura foi civilizadora também. Este se revelou superior ao índio e ao português em vários aspectos da vida material e moral, técnica e artística, tanto que o negro foi o maior colaborador do branco na colonização.

O negro escravo influenciou na língua portuguesa, na religião cristã, na dieta portuguesa e no imaginário infantil. A nossa língua nacional sofreu influência tanto da casa grande, quanto da senzala. Enfim a presença do negro na vida do branco é muito forte, embora como escravo.

Na casa grande, os escravos eram tratados com doçura, eram com familiares, pessoas da casa, como parentes pobres. Eles sentavam à mesa, passeavam com os senhores como se fossem filhos. As mães pretas eram bem

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vista na família, os meninos brancos as viam como verdadeiras mães. A religião católica foi um encontro entre as duas culturas e não uma barreira.

Para Freyre a relação entre as raças no Brasil foi de forma harmoniosa, dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural e de troca de valores do conquistador e do conquistado.

As mulheres indígenas formaram famílias com os portugueses e trouxe para a vida doméstica, tradições, experiências, técnicas e utensílios. Ela formou a base física da família brasileira, mas também os valiosos elementos de cultura material. O homem índio também influenciou de maneira forte, conquistando e devastando o sertão, canoeiro, caçador, pescador. Ele lutou ao lado dos portugueses contra os invasores europeus.

A sociedade brasileira é uma das mais democrática, flexíveis e plásticas, pois ela conseguiu equilibrar a harmoniosamente o antagonismo das culturas européia, africana e indígena. A mediação foi feita pelo africano que aproximou os extremos brancos e índios. O outro antagonismo equilibrado foi a relação senhor e escravo, ela foi amortecida e harmonizada pela miscigenação, pela mobilidade social, pelo cristianismo lírico, pela tolerância moral e pela geografia sem obstáculos.

Freyre acredita na democracia racial, o senhor sádico ele vê como democrático, pois o seu poder é exercido em família, além de ser legitimado pelas relações afetivas.

O Tempo Histórico do Brasil em Freyre

O segundo Freyre, o brasileiro gosta de tocar violão, fumar o seu cachimbo, gosta de mandar fazer e de viver no ócio. Ele conseguiu sucesso através da tolerância, transigência, vontade de não transformar e impor-se racionalmente ao mundo e ao outro. Quanto à natureza e aceita, e se adapta.

Os brasileiros possuem um espírito de fraternidade, por isso as relações raciais sempre foram cordiais, inteligentes, promissoras e humanas.

A concepção de Freyre do tempo histórico brasileiro é compreendida como uma história pacífica, tranqüila, integradora das diferenças. A sua verdade histórica é ética, pois o Brasil é um modelo de moralidade para a humanidade. Para Freyre a escravidão foi amena, e isto intensificou as diferenças das raças. Esta interpretação de Freyre é estática, pois ignora o ritmo de transformação, valorizando a continuidade em detrimento da mudança.

Freyre fala de uma identidade brasileira consolidada, e nesta, integra o índio e o negro, pois a identidade brasileira é o mistura de raças cultura sob a liderança portuguesa. Ele fala mais do passado, paralisando o tempo da

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história brasileira esse delicia em sua contemplação. O tempo que ele fala é o ibérico, sem pressa, sem relógio, sem preço é também o tempo senhorial, o ocioso, deitado na rede, ele tem o tempo todo a sua disposição.

Quanto ao futuro, Freyre possui uma visão pessimista, pois nos anos 30, a mudança se acelerava, assustando-o, isto comprometia o passado patriarcal. Na sua reflexão ele quer fazer uma defesa desse passado, impedindo a ou de desacelerando a mudança.

ANOS 1900: CAPISTRANO DE ABREUO surgimento de um povo novo: o brasileiro

João Capistrano de Abreu nasceu em Maranguape – CE, em 1853. Sua família era proprietária de um pequeno pedaço de terra, seu pai pertencia à Guarda Nacional e à Burguesia Provincial. Nas terras havia mão-de-obra escrava; nesse lugar reinava o espírito colonizador e inquisitor dos descobridores como na “Casa Grande”.

Capistrano era psico e fisicamente um autêntico sertanejo, um caboclo matuto, feio e agreste, os biógrafos que o retrataram fizeram de maneira desfavorável, porém a sua bagagem intelectual era boa, lia francês e inglês, conhecia filosofia, literatura, história e geografia. Passou num concurso par trabalhar na Biblioteca Nacional, e isso o ajudou a fixar na Corte. Em 1883, tornou-se professor de História do Brasil no Colégio Dom Pedro II.

Na sociedade daquele período, onde estava marcada pela relação senhor-escravo, o seu posicionamento foi neutro. Na pequena terra de sua família, que tinha a preocupação voltada para a subsistência, eram usados escravos, agregados e os próprios membros da família.

A vida pessoal de Capistrano parece com a interpretação que ele construiu do Brasil, de rebeldia e recusa ao passado, opção por um futuro novo.

Varnhagen e Capistrano

Capistrano realizou uma inovação em relação a Varnhagen, isto refletia o momento histórico em que ele viveu, nos anos posteriores a 1870: o desfecho da Guerra Franco-Prussiana abalou o prestígio da cultura francesa, e os intelectuais brasileiros recebiam influências inglesas e alemãs. Capistrano escreve no momento em que a Monarquia estava abalada, assim como a escravidão.

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No Brasil, depois da Guerra do Paraguai, os intelectuais brasileiros passam a privilegiar o povo e a sua constituição étnica, isto devido a influencia do discurso darwinista social, o spencerismo, determinismo climático, etc.

Capistrano: positivismo ou rankiano?

No pensamento de Capistrano percebe a divisão e a confusão da discussão intelectual no Brasil no final do século XIX.

Em sua obra, também pode perceber a concepção moderna de história, com seu ideal objetivista da verdade, apoiada em documentos inéditos, testemunhas oculares, autores identificados das fontes. E esta concepção vem da influência alemã, apesar de outras, assim como também o narrar os fatos como aconteceram.

Varnhagen parece inspirar-se em Ranke, quanto a preocupação por documentos, pela análise objetiva e pela verdade dos fatos. Capistrano possuía interesse pelas correntes do pensamento europeu no campo das Ciências Sociais, por isso foi um dos pioneiros da geografia humana. Apesar disso não possui o domínio dos vários conceitos que nesse período as Ciências Sociais tinham formulado.

Capistrano, no início da sua carreira interessou-se pelas idéias positivistas, depois optou pela pesquisa documental e pelo método crítico alemão. Essa última influência o retirou do positivismo e o levou à hermenêutica. Capistrano passou, portanto, por duas fases, a primeira cientificista, franco-inglesa, e outras: alemã, rankiana. As suas obras são da segunda fase.

A obra de Capistrano privilegia os indígenas, apesar de utilizar teorias européias e sendo um historiador brasileiro. Dilacera para atender às teorias que condenavam o Brasil a um triste destino e para que este destino não se realizasse. Essas teorias européias valorizavam a singularidade, a historicidade de cada povo, e formulou uma nova interpretação do Brasil que enfatizou o tempo histórico brasileiro.

A “Redescoberta do Brasil”

Capistrano iniciou a corrente de pensamento histórico brasileiro, a partir de então ele valoriza o povo, as suas lutas, os seus costumes, a miscigenação, o clima tropical, e a natureza brasileira. O povo é o sujeito da sua própria história.

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Em Capítulos de História Colonial, Capistrano procurou apreender a vida humana na multilateralidade de seus aspectos e sua visão histórica, é um conjunto complexo de fenômenos humanos. Ele valoriza a presença indígena e pensa um Brasil mais mameluco do que mulato, este é mais sertanejo.

O colonizador português tornou-se o verdadeiro brasileiro, alterando sua personalidade e vivendo no interior do Brasil com os indígenas e a natureza nativa, e assim foi se constituindo um novo homem.

Varnhagen é utilizado por Capistrano como interlocutor, e se coloca como opositor. Ele valorizou e ajudou a ensinar a história nacional, num momento na qual esta era desprezada.

A obra de Capistrano toca em todos os pontos mais relevantes da história colonial do Brasil, sendo o povo o protagonista, onde se inclui o índio com parte na formação do povo brasileiro.

Na definição de Capistrano o brasileiro é o europeu modificado, no processo de diferenciação graças ao clima e à miscigenação com o índio. Desse modo lhe é interessante conhecer o que este povo sente e aspira. Capistrano escreveu uma história do Brasil anti-portuguesa, anti-reinol, antieuropéia.

A Obra: Capítulos de História Colonial

No primeiro e segundo capítulos, Capistrano realiza uma descrição geográfica do Brasil, seu relevo, sua dimensões e uma apresentação de seus primitivos moradores, e outros dois elementos, que ele considera como exóticos, o negro e o colonizador português.

O negro entrará na sua história rapidamente, sem qualquer peso histórico, pois ele vai se interessar mais das relações entre branco e índio.

No terceiro capítulo, os personagens apresentados no início do livro, são agora animados, assim os portugueses chegam no Brasil e encontram com o índio, na qual as duas raças se misturam.

Outro tema abordado no terceiro capítulo é a guerra contra os holandeses, fato de suma importância para a constituição da unidade do povo brasileiro, pois através dela surge o sentimento patriótico, não português, original, o novo, o brasileiro. A partir desse momento as elites saem da história e entram em sena o povo brasileiro, conquistando o sertão, e vivendo longe do rei, adquirindo uma autonomia e orgulhando-se disso.

No nono capítulo, Capistrano faz um esboço da história econômica-social-geográfica-cultural da conquista do Brasil, do seu interior, pelos próprios brasileiros.

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Capistrano descreve os pólos da conquista do sertão pelo bandeirante, começando em São Vicente e Piratininga; Maranhão, onde entraram pela Amazônia; depois Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, onde prosperou o gado, e ainda minas onde foi encontrado ouro facilmente. Diante dessa última descoberta o rei voltou a controlar o Brasil, para acompanhar de perto a exploração mineral.

Os brasileiros acostumados a viver distantes do rei, viam a aproximação do monarca com revoltas, e logo desencadeou o movimento de independência.

No décimo capítulo, Capistrano descreve os limites do território brasileiro, definidos concretamente pelos portugueses, terra onde instalara o povo brasileiro.

No décimo primeiro capítulo, Capistrano realiza um balanço final e tenta uma definição do povo brasileiro, números, tipos, repartições, caminhos, atividades, alimentações, festas, feiras, roupas, personalidades, costumes, infra-estrutura urbana, relações sociedades/Estado, nível de consciência política. Portanto é um balanço quase completo do Brasil no final do século XVIII.

Os sentimentos de Capistrano passaram por três fases: a primeira é o elogio da rebelião, da luta, da vitória do povo brasileiro durante três séculos; segunda é a frustração, decepção com a independência; e a terceira é a aceitação e a legitimação da “independência”, liderada pela família real.

Capistrano realizou uma historia social e cultural, elogiando a colonização do Brasil pelo brasileiro mestiço, o sujeito da história. Tentou utilizar o método crítico para corrigir o passado, rever verdades consolidadas. O futuro para ele será o brasileiro, descontinuando o passado português e a verdade se oporá ao passado tradicional português e servirá para a construção do futuro novo, brasileiro.

ANOS 1930: SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDAA superação das raízes ibérica

Sérgio Buarque de Holanda nasceu em 1902 em São Paulo e faleceu em 1982, teve uma vida urbana, formação escolar formal e superior em direito. Trabalhava como crítico literário e jornalista, nessa função entrevistou intelectuais alemães.

Raízes do Brasil foi publicado em 1936, sob a influência de alemães (Weber nesta obra) e Ranke em ensaios. Além dessa obra também publicou Caminhos e Fronteiras (1957) e Visão do Paraíso (1959) e História Geral da

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Civilização Brasileira (196-72), foi lembrado como o modelo de historiador brasileiro.

S. B. de Holanda e os anos de 1930

Na década de 1920 ocorreu crítica em relação à sociedade oligárquica, nos anos 30 a população passa a questionar o que vive, ou seja, a realidade. E os intelectuais querem entender o Brasil ou redescobrir o Brasil, passam a discutir a identidade nacional, o obstáculo ao desenvolvimento, o progresso como vencer o atraso.

Na década de 30 as universidades passam a ganhar espaço na produção histórica e o a IHGB perdem a influência que tinham antes. A historiografia produzida nas universidades nesse período tem uma aproximação das ciências sociais, até para entender a realidade brasileira.

No contexto histórico social o Brasil que antes era a agropecuário, agora baseada no capitalismo industrial.

A realidade brasileira deveria ser conhecida nos mínimos detalhes, sua composição étnica cultural, a economia, população, política, etc. O Brasil precisava ser “redescoberto” e reconstruído pela sua própria população na qual grande maioria era excluída.

S. B. de Holanda, Dirthey e Weber

S. B. de Holanda recebeu influência do pensamento alemão moderno na sua interpretação do Brasil, pois esta corrente historiográfica ressalta o particular, o único, a especificidade temporal de cada realidade histórica. E nessa perspectiva, ele tinha a intenção de conhecer o Brasil em sua singularidade, por isso ele usa da comparação, da criação de tipos ideais, os traços peculiares do Brasil e assim reconstruirá aspectos do processo de formação da sociedade e da mentalidade dos brasileiros.

A interpretação de Sérgio inclui-se na sociologia compreensiva de Weber, assim ela compreende as singularidades; a sua lógica é a de estudar o homem em sua ação, esta ação não se submete a leis gerais, mas a fins e precisa ser compreendida em sua individualidade, tal como no historicismo, no qual compreende o mundo humano por uma abordagem individualizante.

Raízes do Brasil é em grande parte influenciado por Weber, até mesmo o sentido da revolução brasileira, como uma racionalização progressiva da sociedade tradicional, dominada por valores afetivos, familiares, a modernização baseada na separação entre o afetivo/ privado e o racional/ público.

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A abordagem que ele realiza é psicológica, com a intenção de compreender a vida humana brasileira/ibérica em seu interior, ele quer recria-la e revive-la. A sua obra Raízes do Brasil é eminentemente política, nela o protagonista da história é o povo anônimo em seu cotidiano, em sua vida repetida, sem grandes eventos; com relação ao passado e não idealiza no lamenta a perda da glória das oligarquias. O seu desejo realmente é de organização racional da sociedade.

Em sua obra Holanda quer identificar os obstáculos que entravam a modernização política e econômica, social, mental do Brasil, que segundo ele estão ligados às nossas raízes ibéricas e, portanto, estas devem ser recusadas recortadas. O grande mal do Brasil é a nossa herança portuguesa, infelizmente a miscigenação e não nos diferenciou tanto dos portugueses, de esta razão que Sérgio Buarque de Holanda se recupere pouco aos índios e aos negros.

A Obra: Raízes do BrasilA obra: Raízes do Brasil

No início dessa obra, S. B. de Holanda constata o grande obstáculo para a construção de uma identidade e projeto brasileiros, ele coloca que a implantação de uma cultura européia nos trópicos é um fator importante da origem brasileira e que vivemos sem uma cultura adequada para o trópico.

A busca ao passado para saber quem somos é imprescindível para uma construção do futuro, por isso deve-se recorrer às raízes ibéricas. Nesse sentido S. B. de Holanda apresenta os portugueses como não sendo europeus plenos, já que este era um tipo original, esta sociedade desenvolveu a margem da Europa e devido a isso seu caráter é indeciso e impreciso, com relação a outros europeus, alem de desenvolver o culto da personalidade, o que implica no mérito próprio e não no nome herdado.

S. B. de Holanda caracteriza os ibéricos como sendo individualistas anárquicos, eles recusam toda hierarquia, não gostam do trabalho manual, são especulativos e apreciam o ócio. Esses ibéricos só se submete pela obediência, por isso tem se há necessidade de um líder carismático, que reine mítica e despoticamente.

É a essa nossa raiz ibérica que nos impede de tornarmos uma nação moderna, racional na administração e na produção econômica e nas relações sociais.É no brasileiro miscigenado que essas características portuguesas se acentuou com a liberdade dos indígenas e a alegria dos negros. Enquanto Freyre lembra com saudade do espírito português, Sergio quer extingui-lo.

Quanto ao colonizador S. B. de Buarque constrói dois tipos, o aventureiro, que valoriza mais o objetivo final do que os meios, dessa forma

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ele aceita correr riscos e ignora obstáculo; e o trabalhador, aquele que primeiro ver as dificuldades a vencer, valoriza mais os meios e esta procurando sempre a segurança e paz.

A colonização de imensas terras feita por ibéricos foi possível, porque na prática os tipos de colonizadores estavam misturados, e na prática os portugueses colonizaram como aventureiros, extraindo a riqueza do solo sem sacrifício e com pouco investimento; com uma capacidade incrível de adaptação, eles se misturaram com a terra, o índio e o negro, sendo este último o responsável pela suavidade, doçura e sensualidade do brasileiro.

Os brasileiros agem de forma mais aventureira do que como trabalhadores, um exemplo disso é agricultura, ela não é planejada, aparelhada. Tudo que se faz é com desleixo e abandono, sem projeto e sem método.

No terceiro capítulo, S. B. de Holanda começa a distinguir portugueses de espanhóis, é intitulado de “Herança rural”, pois a colonização portuguesa possui raízes rurais ela se concentrará no campo. E nesta vida colonial, cada “casa grande” era uma república, assim o pátrio possuía em poder ilimitado e inabalável, um tirano sem freios. Toda a vida política, pública e social era marcada pela família rural colonial, esta oferecia a idéia moral de poder, com obediência. Não havia separação entre o público e o privado, do estado pela família. Portanto, ser neoportuguês, a ser rural, ser familiar, viver na autarquia da casa grande, viver longe da cidade, isolado de todos, onde os partidos políticos são cópias da vida familiar.

Os espanhóis possuem em espírito voluntarioso e racional, por isso realizaram uma colonização urbana, diferente dos portugueses. Eles criaram diversos núcleos urbanos, cuidadosamente planejados e construídos com traços retos e instaladas no interior. Os portugueses fizeram construções tímidas e condenadas ao fracasso, pois a colonização foi apenas um local de passagem. Os espanhóis vinham para ficar, estes são mais repressores, os portugueses para enriquecer e voltar, são mais liberais.

S. B. de Holanda apresentou os tipos de colonização, para mostrar melhor a diferenciação de definição dos espíritos português e espanhol. Quando espanhol, seu caráter é dominado por uma fúria centralizadora, codificadora e regulamentar; em sua empreitada colonizadora encontraram muita prata e as cidades foram construídas para o controle mais rigoroso da extração, circulação e tributação, eles também encontraram sociedades mais bem estruturadas, o que exigiu maior controle. Quanto aos portugueses, não possuíam um futuro arquitetado, não sujeitam a história a leis rígidas, aderem o real e ao imediato, são observadores minuciosos e menos audaciosos.

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A elite brasileira é comparada aos conquistadores portugueses, pois ela conquista população e depredam a natureza. Nesse aspecto os brasileiros precisam esquecer as suas raízes ibéricas e para tanto é preciso conhecê-la em todo a sua precariedade como projeto social. E quanto à família rural colonial deve se deixar de ser o nosso modelo moral de poder.

Para Sergio Buarque a vida política do estava dominada pelo mundo familiar rural, e nesta concepção aparecem as leituras de Weber sobre o Estado, a administração pública, os tipos de dominação, etc. Nessa perspectiva, o Estado não é um prolongamento da família, mas descontinuidade e até oposição, as duas esferas sociais são essencialmente diferentes. A família forte é um obstáculo para a constituição de um Estado moderno.

Neste mundo social está o homem cordial, hospitaleiro ou agressivo, amigável ou hostil, generoso ou mesquinho, esse tipo é o adaptado ao brasileiro, que é ser íntimo, quer ser amigo, mas quer ficar sozinho. Esse homem cordial não aceita uma ordem coletiva impessoal, mas ele obedece cegamente a um líder carismático.

A cordialidade é interpretada por S. B. de Holanda como sendo uma característica da sociedade brasileira em geral, é ainda o agir e o reagir segundo os ritmos do coração, da afetividade na sociedade. Essa característica de cordialidade do brasileiro seria definida pelas condições históricas da vida brasileira rural colonial, que estariam sendo gradualmente superadas.

O Sentido e os Ritmos da Revolução Brasileira

No quinto capítulo S. B. de Holanda se dedica a descontinuidade, a ruptura com o mundo tradicional, tratará dos novos tempos do Brasil e da nova revolução. Ele se posiciona dentro dessa revolução em plena transição, assim ele está cercado pelo passado/ no velho e pelo futuro/ novo.

Sérgio Buarque acreditava que o Brasil estava numa lenta revolução, saía de uma sociedade rural, regida por privilégios, com um modelo agro-exportador, familiar para uma sociedade urbana, apoiada na industria, mais abstrata e regrada. Com essa revolução, o Brasil adotará um ritmo urbano e propiciará a revitalização da sociedade e um novo sentido político.

O centro urbano, ou seja, a cidades é também o centro da mudança, mudança esta que significa o aniquilamento das raízes ibéricas da nossa cultura, recusam da herança portuguesa e novo estilo de vida social, onde há direitos e regras universal. Esse processo revolucionário consiste na lenta dissolução das sobrevivências arcaicas da velha ordem colonial e patriarcal.

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S.B. de Holanda usa a tese de um socialismo democrático, que acredita na felicidade para maior número de cidadãos, onde grande parte possui direitos civis, estrutura social que integre a todos na sociedade.

A intervenção na história deve ser democrática, pois dessa forma se consegue um respeito ao ritmo específico de cada período, e é assim que Sérgio Buarque possui uma concepção historicista do tempo histórico, ele procura adequar o seu pensamento ao tempo histórico brasileiro. Em Raízes do Brasil, ele enfatiza a mudança e não a continuidade, a sociedade não estásubmetida a um determinismo de nenhuma espécie, logo a mudança é um esforço e um trabalho penoso, onde cada sociedade possui um ritmo próprio, e é tarefa do historiador é compreender estes mundos vividos concretos, específicos, únicos e somente a história permite entender singularidades.

A mudança brasileira é lenta e secular, nela não há acelerações bruscas, pois seu estilo é ameno e brando. Esta revolução deverá incluir as classes superiores, a intenção dele é de aproximar mais a população das elites, fazendo uma sociedade mais integrada, formando um estado da sociedade civil.

Quanto ao sujeito da história, Sérgio Buarque aparece falar do homem médio urbano, comerciante, funcionário público, profissional liberal, enfim um homem que estivesse livre da dominação do senhor rural. A história para ele é um conjunto de durações diferenciadas, na qual o historiador realiza uma descrição da mudança das sociedades humanas, mostrando o homem no tempo, o que era e o que não é mais e a identidade histórica é uma construída em cada presente, sendo assim continua.

Raízes do Brasil fala de uma revolução sem esquematismos, palavras de ordem ou ressentimentos, ela é muita mais uma interpretação do Brasil do que uma proposta de transformação do Brasil.

ANOS 1950: NELSON WERNECK SODRÉO sonho da emancipação e da autonomia nacionais

Nelson Werneck Sodré foi diretor do Departamento de História do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), escreveu diversas obras sobre história do Brasil. Ele nasceu em 1911, era militar e comunista pré-1964 pertencente ao PCB, nos anos de 1930-40, recebeu influência de materialistas vulgares como Haeckel e Buchner, mas foi apenas durante os anos de 1950-60 que ele aprofundou seus estudos sobre o marxismo e reformulou algumas de suas posições.

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No ano de 1964 Sodré foi preso e sua história foi proibida, assim como seus colabores. Apesar desse golpe, ele enfrentou terríveis desafios teóricos e políticos com seus debatedores, quando a censura do marxismo como teoria social.

N. W. Sodré, o PCB e a História do Marxismo no Brasil

Nelson Werneck Sodré foi o teórico mais importante dos anos de 1950, ele estava ligado à tradição do redescobrimento de Brasil, assim, em 1950, cultivou o sonho de redescobrir o seu país, se opondo às elites brancas e rompendo com o imperialismo. Nesta história, o povo de várias partes do país se agita e quer produzir uma mudança de forma acelerada, quanto à sua situação vivida.

A industrialização ajudou a criar sujeitos sociais, para a consolidação das relações de produção capitalistas e o desenvolvimento das forças produtivas. O tipo de marxismo que chegou ao Brasil em 1922, ou marxismo-leninismo soviético, aqui ele se cristalizou, e seus portadores se sentiam super homens, estes e outros pensadores econômicos marxistas exercer uma influência decisiva na constituição do pensamento econômico brasileiro.

Há uma periodização do pensamento marxista brasileiro, na primeira etapa - o materialismo primitivo, penetração do marxismo na economia brasileira; segunda etapa - materialismo funcionalista, consolidação das idéias marxista; terceira etapa - materialismo dialético, maturidade do pensamento econômico marxista.

Caio Prado Junior pertencia a segunda fase, ou seja, materialismo funcionalista, porém tendendo para a terceira fase. Nelson Sodré pertenceria a primeira fase, embora estivesse em seu apogeu nos anos 50.

Os dois teóricos, Sodré e Prado se opõem nas análises e projetos distintos sobre e para o Brasil. Sodré escreve História da Burguesia Brasileira em 1964, porém é interlocutor típico dos anos 1920 -60. A análise de Caio Prado corresponde à fase anterior a 1964.

Os que utilizam a corrente teórica do marxismo de Lênin e da III Internacional, como PCB e particularmente Nelson Sodré identificaram relações de produção semifeudais ou pré-capitalista econômico-social brasileira.

Werneck Sodré desenvolveu sua análise sobre Brasil estreitamente ligada à análise do PCB, que se enquadrava na III Internacional, o comunismo soviético e o marxismo stalinista. Esse partido aplicava esta análise na realidade brasileira, eles acreditavam que a ação a ser desenvolvida era de uma revolução democrático-burguesa, já que a condição econômica e política

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do Brasil indicar que seria preciso uma transformação burguesa, para alcançar um socialismo. Essa revolução tinha como meta o desenvolvimento do capitalismo e o rompimento com a dominação feudal, abrindo caminho para as massas participar da política democrática.

A meta do PCB quanto ao socialista exigiria que passasse primeiro, pela etapa da revolução nacional e democrático, assim eliminaria os restos feudais, libertaria o povo da opressão do latifúndio, expulsaria o imperialismo e fundaria uma sociedade democrática. Nessa perspectiva o Brasil estaria em transição do feudalismo ao capitalismo, e esta revolução reuniria o proletariado, os camponeses da burguesia nacional.

Após os anos de 1945, a história do Brasil sofrerá radicais reinterpretações de várias tendências, e o tema que predominará será da mudança, revolução brasileira caracterizada como burguesa. Nesta perspectiva marxista, a história brasileira é analisada em seus processos, estruturas e relações sociais. Assim os grandes eventos e personagens da história oficial são recriados a luz das formas, privilegiando as relações sociais que os homens estabelecem para engendrar a sua produção material, as suas contradições e lutas. Nesta análise do material privilegia o conceito de modo de produção.

Os Tempos do Brasil: O Passado Colonial e a “Revolução Brasileira”

Werneck Sodré considera que a maior dificuldade para estudo da burguesia brasileira é conceitual, pois ele surge em uma época e local determinado, tem sua própria história e, portanto são inadequados a outros tempos e lugares, outras histórias, como no Brasil.

Este autor, utiliza como objeto o papel da burguesia nacional na revolução brasileira, este é um estudo científico e ao mesmo tempo engajado na mudança do Brasil, por isso ele propõe uma teoria da ação burguesa .

Quanto a descoberta do Brasil, Sodré considera que foi uma sociedade feudal que descobriu esta terra. Deste modo, a exploração das novas terras seria feita em proveito da classe feudal dominante, logo no início foi utilizado o modo de produção escravista, que se trata de um escravismo específico, moderno e não-classe. No período colonial, a produção visava o mercado externo e se caracterizava pelo desperdício, pela depredação dos recursos naturais, pela destruição do trabalhador.

Werneck acredita que houve feudalismo no Brasil, em várias áreas e que conviveu com escravismo litorânea, é isso tanto no Brasil colonial como no independente, pois houve relações de produção feudais conviveram e sucederam ao escravismo. Esse autor iguala os fazendeiros a senhores feudais,

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afirmando que as relações são de dependência pessoal, neste sentido o servo presta serviço ou contribui em espécie e relações feudais dominaram quase totalmente o território colonial.

No Brasil os senhores das terras e de escravos lutam pela emancipação política e pela liberdade de comércio e não pela industrialização. Depois da abolição dos escravos, houve um alastramento das relações feudais, baseado nas grandes propriedades rurais, a assim sobre as ruínas do escravismo, a servidão se ampliou.

Sodré considera um progresso a passagem do escravismo para o feudalismo, um salto qualitativo, mas também apresentou uma regressão econômica. O Brasil é visto por ele, vivendo relações de produção variadas, com lutas sociais e padrões culturais diferenciados, o Brasil do litoral e das minas e o Brasil do sertão, do sul e no Amazônia, mundos brasileiros distintos.

Há uma periodização da história da burguesia brasileira, no primeiro momento, a acumulação nacional não existia; no segundo, ela vai ser absorvida pelo imperialismo, porém ela enfrentará o obstáculo da estrutura colonial de produção, o latifúndio colonial e a pressão imperialista, produziu, porém não acumulou; no terceiro momento, a nova classe burguesa emergirá na passagem do século XIX para XX.

Na tese de Sodré as relações capitalistas aparecerão ligadas à imigração, embora o imigrante também estivesse envolvido por relações feudais.

Essa burguesia nacional nasce do ventre do latifúndio e traz as marcas da sua origem. Ela consegue se fortalecer durante a guerra, nesse período ela luta pelo poder, e o Brasil num período de instabilidade não conseguiu recuperar-se da crise, assim a industrialização nacional foi um processo contínuo e complexo. Foi após essa I Guerra que a burguesia teve um impulso significativo e manteve a sua ascensão, iniciou então a fase de intensa luta política.

No momento em que a economia de mercado se fortalecia, a burguesia brasileira passou a lutar pelo poder e a forçar a mudança, nesse momento Estado republicano estava em descompasso com as relações de produção e as forças produtivas dominantes; assim o Estado estava dominado pelo latifúndio e esse quadro precisava mudar. A burguesia passou a atuar, tanto da revolução de 30 foi episódio marcante na ascensão dela no Brasil, esse fato tinha a intenção de a adaptar o aparelho de Estado às necessidades de expansão burguesa.

A burguesia realizou uma aliança com os latifundiários para garantir a ordem tradicional, porém o latifúndio foi golpeado pela burguesia que ascendeu com rigor, assim, as relações de produção capitalistas avançaram e junto com a burguesia ascendeu também o proletariado. Essa classe burguesa

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cresceu entre os anos de 1930 e 1945, período este em que o mercado interno predominou sobre a exportação.

Os burgueses se apoiaram na pequena burguesia, os trabalhadores urbanos e os camponeses para lutar contra as forças da reação e do atraso. Sodré em sua interpretação do Brasil, olhou do presente para o futuro com otimismo, e viu a burguesia brasileira como sujeito histórico que lideraria o proletariado, o campesinato e a pequena burguesia na implantação de um tempo mais ágil, mais aberta ao novo, mais insatisfeito e intransigente, o tempo capitalista.

A burguesia nacional deveria assumir necessariamente uma posição antifeudal e antiimperialista, porém ela procurou sempre a associar-se aos mais forte, e este, é quase sempre o imperialismo.

Sodré afirma que a burguesia brasileira passou por duas fases, na primeira quando o desenvolvimento das relações capitalista era compatível com seu predomínio, depois, opôs-se, quanto esse predomínio não era mais compatível com o deslocamento capitalista. Segundo, o Brasil era praticamente burguês e tinha de conviver com o obstáculo do latifúndio, a burguesia já dominava Estado, mas ainda não conseguira eliminar o latifúndio. Diante dessa situação, as três classes revolucionárias estariam de acordo, que o latifúndio é o principal obstáculo para o desenvolvimento, pois ele garante a sobrevivência das relações feudais e mantém a produção agrícola voltada para o mercado externo, usando o estado para fins particulares.

Sodré acredita que a burguesia vivia em um impasse, ou ela convive com o latifúndio, concedendo ao passado, se livrando da ameaça socialista, ou preferem enfrentar as ameaças, abrindo o futuro, e se livrar do latifúndio.

Para conseguir o controle exclusivo do mercado interno, a burguesia criou um discurso nacionalista para dirigir ao proletariado e ao campesinato, em contra partida, estes se interessam pelo direito burguês, da igualdade perante a lei e da participação de uma democracia representativa, podendo participar no congresso nacional, eleição para presidente e cargos públicos.

O partido PCB agitou os proletários e os campesinatos contra o latifúndio e o imperialismo e pela burguesia na luta pela autonomia nacional. Porém este idealismo proposto por esta classe, em 1964, depois do golpe ela opta por uma aliança com o latifúndio e com o imperialismo, seus adversários teóricos, e reprimirá violentamente os proletários e camponeses, seus aliados teóricos.

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N. W. Sodré e os Seus Críticos

Os que analisam Sodré se dividem em duas posições, os que acreditam na teoria da revolução democrática-burguesa, estes acreditam que Sodré se referia a realidade do Brasil e outros que acreditam que foi apenas um delírio da esquerda.

Mantega diz que a tese de Sodré era inadequada à realidade brasileira e o marxismo usado por ele era equivocado na análise do Brasil. Segundo ela, nunca houve de fato uma burguesia brasileira, mas um capitalismo dependente e associado, e quando a tese feudal, as relações aqui estabelecidas, não eram servis, mas contratuais, não compulsórios.

É contraditória a posição da burguesia na obra de Sodré, pois ela dependeria do avanço da industrialização mesma, e não da reestruturação da agricultura. Essa burguesia também não era aliada nem dos camponeses, com a reforma agrária, nem do proletariado, com o aumento da oferta de emprego e salários.Ele defende o capitalismo, porém este, é indispensável a participação do capital estrangeiro. Nessas perspectivas a burguesia não possuía nem uma vocação para a democracia, tanto que o golpe de 1964, foi resultado da ação da burguesia, dos militares, dos latifúndios e do imperialismo.

Para F. H. Cardoso não se pode falar da burguesia brasileira como classe homogênea e combativa, com um projeto político claro e com lideres eficientes. Segundo ele, ela representaria uma consciência empresarial menos complexa e desenvolvida, tem pouco capitais e não tem o apoio dos capitais internacionais.

Os autores marxistas pós-1960, rejeitam a tese feudal na análise do Brasil, invalidando assim a obra de Sodré, na sua análise histórica do passado brasileiro e sua proposta revolucionária. Oliveira Viana concorda com Sodré, quanto a tese feudal, ele diz que os primeiros dias coloniais houve um povo essencialmente rural, e na grande propriedade colonial se desenvolveu uma sociedade feudal, dominada pelos nobres de espírito guerreiro, independente do poder estatal, caracterizando uma sociedade feudal.

A tese feudal foi uma grande discussão, envolvendo marxistas do PCB e diversos intelectuais brasileiros de várias tendências, estes marxistas privilegiavam a análise histórica do passado feudal e estudiosos de outras correntes privilegiavam os aspectos políticos e a conseqüência prática dessa análise.

A discussão política criada nos anos de 1950-60 foi legitimada com uma certa paixão, como Caio Prado Junior e Sodré em suas análises do Brasil, eles

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se separam teoricamente, porém se uniram pela paixão de mudança imediata, profunda e acelerada. Havia um sentimento geral de mudança urgente.

ANOS 1960: CAIO PRADO JR.A reconstrução critica do sonho de emancipação e autonomia nacional

Caio Prado Jr., Aristocrata e Socialista

Caio Prado Jr. nasceu em São Paulo em 1907, depois de 1930, ele vai se tornar o mais influente historiador brasileiro, ele possuía formação superior em Direito e Geografia. Era de origem aristocrática e sua vida foi marcada pela ruptura de classe, tanto que passou a lutar pela igualdade e liberdade além do limite do mundo burguês; ele saiu da alta tradição, do passado colonial, para a revolução socialista.

Prado utilizava a interdisciplinaridade em suas teorias, era historiador, geógrafo, economista e filosofo. Em 1933 publicou Evolução Política do Brasil, em 1942 escreveu História Econômica do Brasil, em 1945 A Revolução Brasileira em 1966.

Na obra “Revolução Brasileira” Caio Prado sintetiza a sua visão do passado brasileiro e reflete na ação que deve ser realizada para sua transformação. Nela ele mantém um dialogo com Sodré e o PCB, ou seja, o marxismo de 1922-50.

A postura teórica de Prado de um marxista e não marxista-leninista, seu pensamento é dialético, assim ele lida com os fatos em termos de relações, processos e estruturas, localiza e explica desigualdades, diversidades e contradições sociais.

Prado realizou uma interpretação do Brasil diferente do PCB, inaugurou um estilo marxista diferente de pensar a realidade brasileira, sob uma perspectiva critica, discutindo as relações entre o passado e o presente e examina a possibilidade de mudança no futuro.

A obra de Caio está inserida na tradição da redescoberto do Brasil e usando o materialismo histórico de forma pioneiro, ele pôde ver o futuro de formas consistente e otimista. Nessa história, os sujeitos históricos são as classes sociais luta.

Em suas análises, ele dará ênfase aos eventos visíveis, das ações produzidas pelos heróis brasileiros, assim o seu sentido estrutural será, as relações sociais e o modo de produção capitalista. Essas figuras heróicas são contextualizadas, perdendo seu valor exclusivamente individual.

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Caio Prado e seus Críticos

Alguns dos críticos de Caio, como Coutinho, consideram que ainterpretação do Brasil que ele faz, é relativamente pobre em categorias marxista e os conceitos de modo de produção capitalista e burguesia são mal dominados por Caio, e dessa forma torna-se circulacionista. Outros o criticam pelo economicismo, que aparece até na estrutura da sua obra, porém o historiador Novais rejeita esse tipo de critico ao marxismo de Caio Prado, afirmando que isso ocorre em apenas algumas passagens de sua obra, não no conjunto.

Outros historiadores criticam Prado pelo fato de não utilizar fontes primárias, e não parece ser um freqüentador dos arquivos. Já Coutinho o censura por dar muita ênfase ao papel do Estado na transição ao socialismo, o que não fez avançar a discussão fundamental das relações entre socialismo e democracia.

Caio Prado, o PCB e o Marxismo no Brasil.

Caio Prado esteve presente em todas as fases, atravessando de 1933 até 1966, para localiza-lo no pensamento marxista brasileiro é preciso situa-lo entre Nelson Sodré e o grupo d’O capital da USP. O seu pensamento é uma transição do dogmatismo marxismo-leninismo e o marxismo mais teórico de Marx.

A postura teórica política de Prado é de um pensador desvinculado do modelo interpretativo e político democrático-burguês. Ele optará uma análise do Brasil e um projeto revolucionário próximo da IV Internacional, o que implica no comunismo internacional, nesse aspecto ele fala de um sub-capitalismo e revolução permanente, que terminaria a longo prazo no socialismo, sem a etapa da transição do capitalismo, assim, essa fase seria desnecessário ao Brasil, pois este já seria capitalista desde o inicio.

Por que: A Revolução Brasileira? A obra A revolução brasileira de 1966, oferece uma visão critica do

pensamento revolucionário brasileiro pré-1964, ela está vincula ao presente e ao futuro, a partir do qual se constrói o passado. Prado analisa, interpreta e propõe sobre o passado, o presente e o futuro do Brasil.

A revolução brasileira analisa de forma crítica as relações de produção brasileiras, feitas sob a pressão da história, pioneira, corajosa e coerente com suas posições anteriores. Este livro faz uma crítica de esquerda muito

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avançada para a época, nela o valor teórico, histórico e político são revelados em seu contexto. Prado conseguiu retomar toda a história do Brasil em suas teses sobre a estrutura agrária brasileira, e sobre o que se poderia fazer.

A Obra: A Revolução Brasileira

Caio Prado analisa o significado de Revolução, afirmando que se trata da transformação que este movimento realiza depois de conquistado o poder, e não na maneira como se dá, relacionado com violência. A revolução seria um processo social que realiza transformações estruturais em curto tempo.

O golpe de 1964 é visto por Prado, como apenas um golpe e não uma revolução, como era dito, pois os idealizadores na verdade, impediram e reagiram idéias revolucionárias em camadas populares. Esta estrutura que foi criada depois do golpe, era frágil, assim em 1966, ocorre uma crise econômica, financeira e desequilíbrio social.

A teoria da Revolução brasileira correta deveria seguir o exemplo de Cuba, onde houve uma luta contra ditadura concreta e alcançou seu objetivo da revolução agrária e ações antiimperialistas.

Os projetos revolucionários para o Brasil apoiaram governos demagógicos e incompetentes, levando os reacionários mais duros ao poder, esse erro ocorreu porque houve insuficiência teórica da esquerda, que criaram alianças espúrias. Esses projetos utilizavam teorias abstratas, longe da realidade brasileira, elas eram esquemáticas e etapistas. Os revolucionários leram mal os clássicos marxistas, e assim compreenderam mal a dialética materialista, também analisaram mal o passado brasileiro, as classes sociais e as lutas entre elas, bem como o modo de produção.

Caio Prado diante dessas falhas estratégicas, propõe uma rediscussão da teoria revolucionária e uma análise histórica do Brasil, ele faz também uma proposta de intervenção revolucionária.

Na interpretação de Prado o Brasil surgiu no quadro da atividade européia a partir do século XV, que acabará de integrar o mundo todo em uma nova ordem, que é do mundo moderno. A formação dessa colônia era essencialmente de fornecedora de produtos tropicais e minérios para a Europa. Nesse aspecto o Brasil se formou e organizou com uma exploração mercantil, criada pelo capitalismo desse período, sua produção era sempre para exportar; a mão-de-obra predominante era escrava, compatível com a produção capitalista, o que favoreceu a acumulação de capital. Toda essa exploração e ocupação foi exercida pelos grandes proprietários, e não por um camponês.

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Caio Prado diferente de Sodré não acredita que houve sistema feudal no Brasil, assim como não houve relações de produção, como a exploração parcelaria da terra, característica do feudalismo.

A burguesia na análise de Prado é apresentada como heterogênea quanto à sua origem, mas homogênea quanto à natureza dos seus interesses e negócios, Assim, os setores industrial e agrário não se opõem, mas se entrelaçam e conjugam os seus interesses. Esta classe não possui uma postura antiimperialista, ao contrário chega a se subordinar ao sistema capitalista.

A burguesia brasileira é uma classe recentemente constituída, tem pouca consciência de classe e não possui interesses definidos. A interpretação de Caio Prado sobre Brasil, parti do nosso contexto histórico de modo dialético, uma transição dinâmica do passado colonial e futuro. Na perspectiva desse autor, quanto à economia, o mercado interno superará o mercado externo, o que estimulará a diversificação da produção.

O processo revolucionário passaria por quatro etapas, a primeira seria a independência política, da colônia para nação estruturada; a segunda seria a superação da mão-de-obra e tráfico negreiro; a terceira seria a imigração, que melhorou a produção e a cultura; a quarta seria a constituição de um Estado republicano e de direitos burguês.

O Brasil precisa superar a economia colonial, para uma que satisfaça o mercado interno, desenvolvendo assim as forças produtivas. O capitalismo brasileiro é ainda colonial, é preciso que transforma-lo em nacional e é no interior desse próprio sistema capitalista, em suas contradições que superará o colonialismo. A sociedade lutaria por melhor renda e por participação política-social e isto conduziria a uma integração no Brasil.

Depois de superado o colonialismo, a produção se voltará para o mercado interno, e dessa forma, haverá no Brasil um sistema econômico integrado nacionalmente, onde será quebrado o circulo vicioso da dependência. Serão superados os ciclos. E o desenvolvimento industrial nacional integrará pobre e ricos como consumidores e consumidores.

O Estado deverá controlar e orientar a produção e até mesmo reger, porém a iniciativa privada terá um papel essencial. O Estado deverá planejar e promover a produção de bens e serviços básicos dirigidos a massa da população e elevar o padrão de vida dessa massa.

Esse projeto de construção de uma nação, enfrentara dificuldades, como a dominação do imperialismo na comercialização dos produtos primários nacional. A industrialização não tem sido eficaz na produção da independência e autonomia nacional, pois os trustes instalados no interior e controlando a comercialização dos produtos primários determinam os ritmos

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do desenvolvimento. O Brasil precisa superar essa situação de contradição, pois só através dela poderá fazer uma sociedade nacional e independente.

Para que a industria brasileira cresça terá que produzir para o mercado mundial e não só par o interno. A substituição de importações é dominada pelo imperialismo e pelo Estado, porém esse imperialismo prevê apenas a perpetuação do colonialismo no Brasil.

O Brasil precisa lutar contra o imperialismo, para isso, o Estado precisa intervir e realizar reformas na economia, afastando a intervenção do imperialismo e superar a condição colonial.

Outra dificuldade para o Brasil para se desenvolver, seria o de superar as estruturas agrárias brasileiras, seria preciso levar ao campo o capitalismo, tecnologia que torne os latifúndios mais produtivos e melhores salários e condições de vida para o trabalhador rural, que o tornariam consumidor de produtos industriais. Com a capitalização do campo depende o fortalecimento do mercado interno.

Teses Feudal e Capitalista e A Revolução Brasileira

A tese feudal teria conseqüência revolucionária, o que se propõe é uma ruptura com um modo-de-produção e a implantação de novo modo, propõe também a revolução burguesa como uma aceleração do tempo histórico e a eliminação do passado colonial. Essas mudanças são tratadas como mera superfície da realidade originaria de uma economia colonial articulada em torno do latifúndio exportador.

Na análise de Moraes, o marxismo de Caio Prado é economicista, na sua interpretação do passado colonial afasta do horizonte brasileiro a revolução socialista, que se torna utópica. A luta política se rediz a luta sindical.

Caio Prado defende a modernização, o desenvolvimento capitalista com soberania nacional, o que é prioridade à modernização. Ele não propõe um projeto revolucionário, por isso dá mais ênfase à reprodução do velho do que a mudança, quanto reconhece fatos novos, ele as considerou meramente quantitativas, já que não alterava tantas coisas com relação à dependência.

Coutinho uma analista da obra de Caio Prado, considera que este autor possuía uma visão atrasada do Brasil, pois enfatizava o velho, o passado colonial ainda no século XX. Insinua até que ele teria caído num certo positivismo político, propondo uma ditadura popular, republicana, que governasse acima dos interesses de classe em defesa do proletariado, o que o assemelha a Comte.

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Caio Prado e os Limites Estruturais de A Revolução Brasileira

Na análise de Caio, o presente se acha impregnado de vários passados, assim o Brasil moderno preservou marcas do passado recente e remoto, toda a complexa história do passado colonial está contida no Brasil contemporâneo . O tempo histórico brasileiro tem um ritmo espacial, uma repetição monótona, uma continuidade inquebrável, um presente que sempre revigora o passado.

O tempo moderno brasileiro está situado entre o final do século XVIII e início do XIX, entre 1808 e 1822, assim os três séculos de colonização se encerram, e inicia o Brasil-nação, contemporâneo. E no século XIX, o presente brasileiro começou a se configurar, mas não conseguiu se delinear pleno e rapidamente. Diante disso, é indispensável conhecer o passado brasileiro, sendo ele o colonial e o português, para interpretar e compreender o que se vive hoje.

Caio Prado percebe a continuidade na história brasileira, o que o leva ao conhecimento dessa realidade e dos limites que ela impõe às iniciativas idealistas, voluntaristas, de transforma-la. Para se intervir na realidade, é preciso se tenha conhecimento, sobre o que ela mais resiste. Nesse aspecto, a análise de Caio foi um avanço teórico, um conhecimento da passado brasileiro.

O fim da história para Caio seria o socialismo, porém este não poderia ser imposto autoritariamente, desconsiderando a sua relação com o passado. O presente brasileiro tende muito mais ao passado do que o futuro, assim o presente não pode ser sacrificado em nome do futuro. A luta pelo socialismo exige paciência e adequação aos ritmos lentos da história brasileira.

O idealismo utópico de Caio Prado é o da solidariedade socialista, do desenvolvimento de todos os povos em sua singularidade, com sua soberania, desenvolvendo e ajudando-se mutuamente sem se explorarem reciprocamente. Desenvolvimento, progresso e modernização com emancipação e autonomia nacional, o que se poderia obter através do conhecimento histórico de cada realidade particular, o que exigira o uso da teoria marxista.

ANOS 1960-70: FLORESTAN FERNANDESOs limites reais, históricos, à emancipação e à autonomia nacionais: a

dependência sempre renovada e revigorada

Florestan Fernandes, Cientista Social e Cidadão

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Florestan Fernandes nasceu em São Paulo em 1920 e faleceu em circunstância de um erro médico, em 1995. Chegou aos 21 anos na universidade, depois de uma formação básica precária. Foi bacharel e licenciado em Ciências Sociais, fez mestrado e doutorado em sociologia e antropologia. Em 1953, tornou-se livre docente e, em 1964, professor catedrático da Universidade de São Paulo. Em 1969 foi aposentado compulsoriamente pela ditadura militar.

As obras de Florestan são conhecidas na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos; foi influente no meio intelectual brasileiro e latino-americano.

Realizou estudos com relações de raça e classe, negros, índios e brancos, e suas inserções na sociedade de classes, pesquisou especificamente o modo-de-produção brasileiro. Teve como objetos de estudos, a escravidão, a abolição, educação e sociedade, as culturas brasileiras, as revoluções burguesa e socialista e os regimes autoritários; seu pensamento é dialético, aberto e em dialogo com a realidade.

F. Fernandes, o Marxismo e o Redescobrimento do Brasil

Nas obras de Florestan aparecem os movimentos sociais, a ação de índios e negros, imigrantes, escravos, trabalhadores rurais e urbanos, nesse sentido, ele percebe a sociedade como uma rede de relações sociais, uma estrutura social com os seus processos particulares, com suas interações e resistências, com suas intenções e contradições.

A sua formação é eclética, não conhecia apenas o marxismo, pois possuía uma formação sólida na sociologia clássica, assim ele absorveu a influência de Weber e Mannheim, o que o tornou um marxista mais sofisticado.

F. Fernandes tinha como ideal a sociologia militante, ou seja aquela que transforma a realidade por pensamento reciprocamente transformada por ela. Nesse aspecto, seu pensamento é a de mudança social, reunir intervenção política, movida por interesse de classe, de conhecimento social, movido pela busca da objetividade e verdade.

As idéias planejadas por Florestan sobre o Brasil precisam ser localizadas no Brasil, assim, ele tinha a intenção de realizar um entrecruzamento sem dominação de ciência e ideologia, verdade e interesse, cidadão e cientista social.

As pesquisas feitas por Florestan foram inovadoras, com o uso da interdisciplinaridade e de forma consistente, porém sem romper totalmente com os autores do passado. Sua linguagem foi menos ensaísta e mais

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conceitual, pois tinha a preocupação com a mudança social. Ele reinterpretou o passado, estabeleceu novas relações entre ambos e reabriu o futuro com novas propostas, como o de apreender a realidade brasileira no que ela tem de mais peculiar.Ele tinha como objetivo interpretar representar da forma mais adequada a temporalidade brasileira especifica.

Para Florestan o Brasil quer romper radicalmente com mundo que o português e as elites brasileiras e suas descendências criaram, dessa forma o Brasil deve ser cada vez menos português, passado, e cada vez mais brasileiro.

Na visão radical do passado brasileiro, o que mais caracteriza a especificidade do processo histórico é a escravidão, e é nesse ponto que Florestan se opõe à Freyre, pois este tema ligava a revolução brasileira, que viesse abolir as desigualdades sociais no presente- futuro.

A escravidão também foi usada pela equipe de F. Fernandes para desmascarar a dominação e a visão oficial da realidade brasileira, divulgada na obra de Gilberto Freyre,como sendo suave e harmoniosa, a qual obra foi utilizada como anti-referência. Para eles, não há como absorver o escravismo brasileiro; eles também consideram que os negros não eram adaptados, essa tese da rebeldia abordava criticamente o passado escravista e o presente de cidadania restrita.

Florestan prossegue a orientação de Caio Prado, porém com uma posição teórica mais consistente, fruto do estudo de Marx sem intermediários soviéticos e chineses, mais diretamente em O capital, que formou a sociologia critica no Brasil.

Na questão de dependência, o sonho de autonomia nacional, Florestan não tem propostas nacionalistas que possa amortecer a luta de classes e diminuir a exploração da burguesia dependente. Assim, sua análise histórico-estrutural do Brasil, revela os limites muito estreitos à conquista da emancipação e da autonomia nacional.

A Obra: A Revolução Burguesa no Brasil

A obra revolução burguesa no Brasil (1975) é uma interpretação histórica sociológica do Brasil, uma obra de síntese, marxista diferente dos anos de 1950-60 e também uma visão teórica e politicamente independente em diálogos crítico com outras interpretações. Ela é constituída com base em pesquisas empíricas sobre a colonização, a escravidão e a revolução burguesa. O seu tema é um modelo especifico da revolução burguesa no Brasil, que foi diferente do modelo clássico.

Para F. Fernandes “revolução burguesa no Brasil” designa o processo de consolidação do capitalismo no Brasil, como uma realidade parcialmente

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autônoma e com tendência à integração nacional. Esta obra por ser um estudo histórico-sociológico terá como foco principal as etapas pelas quais se consolidou o capitalismo no Brasil, e portanto a revolução burguesa.

A principal característica da burguesia no Brasil é o seu aparecimento tardio, hesitante, débil, limitado, dependente, conciliador. Ela pode ser vista como revolucionária, mas não à maneira das revoluções burguesas clássicas.

Para Florestan, o Brasil passou a ser burguês e capitalista a partir de um certo momento da sua história, bem posterior ao seu descobrimento.

Quanto a revolução burguesa no Brasil, significou, conforme ele define, a modernização econômica, política, cultural e sócia; uma transição da era senhorial sob a hegemonia das oligarquias agrárias, para a era burguesa, quando a hegemonia foi compartilhada entre aquela oligarquia e o novo grupo social emergente, a burguesia.

Essa classe produziu sua revolução em uma economia colonial, periférica e dependente. Assim como o capitalismo brasileiro é um capitalismo dependente. A citada revolução foi imposta, de fora para dentro, pela economia capitalista internacional.

Em sentido geral, a revolução segundo Florestam, seria o de realizar a implantação de uma economia capitalista independente e nacional; porém, para se obter esse resultado o mercado interno precisava se fortalecer, tornando-se hegemônico sobre o mercado externo. As relações de produção deverão se tornar plenamente capitalistas; a organização da produção deverá se racionalizar; as forças produtivas deverão se modernizar; e o Estado deverá se burocratizar racionalmente.

Para se efetivar a revolução no Brasil seria preciso uma burguesia mais audaciosa, mais agressiva, menos prudente e tímida. Por não possuir essas características a revolução burguesa no Brasil foi frustrada, esta classe não preencheu o seu papel histórico.

Florestan realizou um estudo histórico da ascensão da burguesia brasileira, os fatos e as datas que marcaram. Assim, ele considera como importantes quatro processos: político – a independência; econômico – a mudança do padrão das relações entre o capital internacional e a economia interna; sociocultural – a emergência dos dois novos tipos humanos (o fazendeiro do café e o imigrante); e o sócio-econômico – a abolição e a expansão da ordem social competitiva.

A independência política no Brasil foi o ponto de partida para uma maior liberdade econômica, para a absorção de novos padrões sócio-econômico-culturais, novas técnicas; e assim, pela primeira vez, emergia no cenário brasileiro “o burguês”.

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A classe burguesa, juntamente com o capitalismo aparece ligada ao comércio e não à produção agrícola. Esse comércio, então, passou a ser controlado internamente na nova economia nacional com a concepção burguesa do mundo.

Florestan acredita que as idéias liberais apoiaram a construção do Estado Nacional destituído das condições elementares mínimas de uma sociedade nacional. Assim, essa ideologia liberal teve um papel muito produtivo, pois ela foi a força cultural viva da revolução nacional.Essas idéias não selecionadas pelas elites ofereceram argumentos na luta contra a escravidão e pela democracia. Assim elas alimentavam a utopia revolucionária.

A independência do Brasil foi o início da revolução burguesa no Brasil; após ela o segundo processo foi o econômico, desencadeador da revolução burguesa, o que provocou uma mudança nas relações entre a economia brasileira e o neocolonialismo.

Com o surgimento do espírito português, na concepção de Florestan, houve a exploração das potencialidades internas e criou a possibilidade de superação da dependência econômica. Os burgueses fizeram crescer a economia urbana e assim fomentavam o desenvolvimento interno, modernizaram a economia interna. Provocaram a emergência de um novo horizonte cultural que contrastava com o horizonte cultural senhorial.

A partir do desenvolvimento econômico da mudança entre economia brasileira e o capitalismo internacional e o processo político da independência desencadeio o processo sócio-cultural.

O outro agente da revolução será o imigrante europeu e asiático, um agente heterogêneo, que trazem para o Brasil especialização tecnológica e padrões de vida mais racional. Nesse aspecto, eles se tornaram o herói da industrialização, pois aceleraram da revolução burguesa brasileira.

A presença deste agente foi avançada, agressiva, diversificadora, dinamizadora, modernizadora; politicamente eles foram conciliadores e conservadores. Dessa forma, a revolução burguesa brasileira tomou um caráter autoritário e repressivo, porque o imigrante não teve meios de propor novas formas burguesas de poder.

Nesse processo revolucionário, a sociedade brasileira romperá com as relações de produção escravista e implantará relações de produção capitalista, tornando assim uma ordem social competitiva. Este será um processo socioeconômico.

O capitalismo será implantado no Brasil, porém, a sua aceleração virá apenas no século XX com a industrialização, a revolução de 1930 e vários

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episódios trágicos de tomada do Estado e de exclusão pela força dos movimentos populares.

A dominação burguesa no Brasil foi autocrática.Nesse aspecto ela cedeu à radicalização dos setores intermediários e

industriais sem perder o controle do Estado, pois ela sempre mudava para permanecer no poder. Um exemplo disso foi o “golpe de 1964”, onde a burguesia unida estabeleceu uma relação íntima com o capital financeiro internacional, reprimiu a subversão política da ordem e apossou-se do Estado.

Esta revolução tem como característica a ordem, o progresso e o desenvolvimento com segurança, onde o passado não foi abolido totalmente.

A “Dura/doura Realidade” e a Paixão da Mudança

Florestan acredita que a revolução burguesa no Brasil não deu certo porque o modelo clássico de revolução não poderia ser repetido aqui, pois o desenvolvimento desigual interno e a dominação imperialista são realidades permanentes que a impediam.

Quanto às intenções da burguesia para com a reforma ele afirma que a nação é usada como meio, como recurso estratégico e como base material de decisões. Os objetivos são os interesses egoístas, particularistas, da burguesia interna, articulada a dominação externa.

Florestan se preocupa com a periodização das fases da revolução, ele acredita que entre 1808 e 1860 o Brasil passou pela transição neocolonial, nessa fase o sistema escravista entrou em crise. Entre 1860 e 1950 houve a formação e consolidação do mercado interno, articulando-se à expansão do capitalismo competitivo. Entre 1950 e 1964 aconteceu a reorganização do mercado e do sistema de produção, através de operações comerciais, financeiras e industriais e da associação entre multinacionais, Estado e burguesia interna, articulando-se ao capitalismo monopolista.

Os planos de Florestan repõem a tese marxista da luta de classe plena para a construção do futuro socialista. O proletariado deverá viver plenamente a sua contradição com a burguesia e lutar pela implantação do socialismo.

O sonho de Florestan é de que haja uma sociedade brasileira integrada nacionalmente, emancipada, autônoma, livre, independente e moderna, desenvolvida, democrática, avança objetiva e subjetivamente.

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ANOS 1960-70: FERNANDO HENRIQUE CARDOSOLimites e possibilidades históricas de emancipação e autonomia

nacional no interior da estrutura capitalista internacional: dependência e desenvolvimento

F.H. Cardoso: uma Personalidade Complexa

Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro em 1931, filho e neto de generais das Forças Armadas Brasileiras. Dentro do Exército havia uma força corrente de comunistas, e dentro do PCB um número significativo de militares. Seu pai pertencia a esse outro tempo das Forças Armadas.

F.H.Cardoso licenciou-se em Ciências Sociais (1952), defendeu sua tese de doutorado em 1961 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Seu grande Mestre na USP foi Florestan Fernandes. Ele ensinou e fez conferencias em grandes universidades dos Estados Unidos, da França e recebeu o título de Doutor Honóris Causa em várias cidades do mundo. Na América Latina, ensinou, visitou e fez conferencias na maioria das universidades.

As obras de F.H. Cardoso são reconhecidas e admiradas nacional e internacionalmente; nelas ele utiliza a interdisciplinaridade, sociologia, história, economia e ciências políticas. Ele defendia o engajamento, mas com lucidez na análise, seu método é a dúvida, a redescoberta dos significados originais das teorias e lutas sociais.

Durante o regime militar não foi preso e nem torturado; contudo, preferiu se auto-exilar no Chile. Ele se tornou um Cientista Social engajado, lutando pelo retorno da democracia.

F.H. Cardoso se transformou em um político excepcional após 1978, deixando em segundo plano a sua identidade de cientista social, eleito Senador pelo MDB, Ministro da Fazenda no Governo Itamar Franco, e em 1993 criou e implantou o Plano Real. F.H. Cardoso tem como utopia, a justiça social, o principal objetivo e valor a ser perseguido, e isso só será possível com o desenvolvimento da civilização tecnológica e capitalista, a única capaz de acumular riquezas e conhecimentos.

F.H. Cardoso: o seu lugar entre os Marxistas Brasileiros Fernando tentará compreender a dinâmica capitalista, observando-a no

contexto específico da realidade brasileira.E para isso produzirá uma reflexão profunda sobre o método dialético materialista.Os seus principais

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interlocutores são os cientistas sociais marxistas, principalmente Caio Prado Junior e Florestan Fernandes.

A realidade brasileira é por ele analisada no contexto latino americano, o que representou um avanço significativo na reflexão sobre a realidade histórica e social. Fernando e o chileno Enzo Falleto escreveram Dependência e desenvolvimento na América Latina, nesta obra eles oferecerão um olhar renovador sobre o passado/ presente e futuro da América Latina.

O autor utilizou a dependência do desenvolvimento capitalista, reabrindo o horizonte do Brasil, assim, o que impedia o desenvolvimento, agora tornaria o seu dinamizador. O que Fernando fez, foi a substituição da tese da estagnação pela tese do desenvolvimento dependente – associado, o desenvolvimento capitalista possível n os países atrasados da América Latina. Os investimentos estrangeiros não são obstáculos ao desenvolvimento; pelo contrário, são a sua alavanca, são eles que dinamizam os países dependentes.

Quanto ao conceito de dependência Fernando integra-o numa análise econômica, social e política.E é através desse conceito que ele integra de forma dialética o externo e o interno.

O marxismo utilizado por Fernando Henrique é eclético, assim como o de Florestan Fernandes, e é nessa corrente marxista que lê encontrou seus interlocutores teóricos.

Na sua idéia de revolução há outros agentes transformadores além do proletariado e do campesinato, desse modo ele reconhecia a existência de um setor da burguesia interessado na democracia, que tinha como objetivo o econômico e não político.

O escravo, o industrial e o desenvolvimento econômico

Fernando Henrique estudou a escravidão no Sul do Brasil, onde havia menos escravos, por não ser uma região ligada ao mercado internacional; através desse estudo ele concluiu que o número de escravos não é o mais importante, mas a relação de produção em si.

Ele teve um posicionamento diferente com relação a tese feudal, preferiu falar sobre a economia colonial e sobre o escravo; este último é visto como obstáculo para a divisão e a especialização do trabalho e para o avanço do capitalismo e a modernização.

Fernando também pesquisou sobre o empresário brasileiro e as possibilidades do desenvolvimento industrial, além de fazer uma historia da burguesia brasileira, na qual ele descobriu que essa classe era recente, heterogênea e desorganizada. Ela aspira a participação na prosperidade ocidental.

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Na sua concepção há dois tipos de industriais brasileiros: um associado ao capital estrangeiro, e aquele que aplica na indústria, capitais adquiridos na lavoura; ou seja, nacionais, contra a presença do capital estrangeiro.

Os planos de F.H. Cardoso são realistas, otimistas, acreditando que a América Latina poderá crescer economicamente, acumular capitais e fortalecer politicamente.

O Debate Teórico/Político sobre a Teoria da Dependência

Uma das defesas de Fernando é quanto a teoria da dependência, na qual ela rearticula centro e periferia e crê na possibilidade da industrialização da periferia. Ela também propõe que com a internacionalização do mercado interno, com o crescimento do consumo da produção interna, crescerá a massa de capital. A lógica da referida tese é a de que a exploração capitalista se baseia na exploração da mais-valia relativa e no aumento da produtividade.

A explicação para a miséria na América Latina não deve ao capitalismo, segundo Fernando, ocorre apenas porque ele – o capitalismo – não absorve toda a mão-de-obra em oferta. A teoria de F.H. Cardoso se aproxima mais das realidades específicas e concretas. É uma teoria que parte da dialética marxista, por isso enfatiza a dinâmica, a historicidade, a análise concreta.

Ele considera a história como conhecimento fundamental, desde que estrutural, tornando a ciência, consciência objetiva de um processo. Assim, o que interessa nela é o movimento, a luta de classes, as redefinições de interesses, as alianças políticas que mantém a estrutura e a transformam ao mesmo tempo.

Fernando busca a temporalidade específica de um mundo histórico determinado. Desse modo, a sua analise histórica sobre a América Latina é consistente e não a leva a um fechamento do futuro, estagnação.

Politicamente Fernando defenderá uma aliança entre a burguesia brasileira e a internacional, pois ele acredita que isto seja um caminho positivo para o Brasil, a aproximação e não a luta contra os capitais estrangeiros. Diante disso torna-se perceptível que Fernando foi um formulador do projeto burguês para o Brasil, no momento em que percebeu que essa burguesia tinha dificuldade para dar forma a sua própria consciência.

A Obra: Dependência e Desenvolvimento na América Latina

A obre realizada por Fernando e Falleto, denominada de Analise Integrada de Situações Histórico-Estruturais Concretas, uma nova abordagem onde explica os processos econômicos como sociais, os sociais como

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políticos, e os políticos como mentais, econômicos e sociais na América Latina.

Fernando considera o conceito de dependência mais adequado do que o de subdesenvolvimento. Nessa perspectiva a dependência refere-se às condições e possibilidades de desenvolvimento e consolidação das economias nacionais latino-americanas.

Ele também considera que no interior da sociedade econômico/exportadora, aparecem novos atores sociais, os setores médios que colocaram em cheque aquele modelo de crescimento para fora, o que entraria em crise mais aguda com as crises externas.

O Brasil na América Latina

Fernando Henrique acredita que a modernização no Brasil iniciou-se após 1870, depois da Guerra do Paraguai, e com a vinda do trabalhador livre imigrante. O que colaborou também foi a pressão dos grupos oligárquicos renovadores e dos setores médios levou à transformação da ordem agrária escravista.

Na ordem social a classe burguesa é ascendente, mas politicamente frágil. Apesar dessa situação, ela será quem produzirá para o mercado interno. Para essa classe limitar o poder das oligarquias rurais ela se aproximará das massas.

Foi durante o Período de Vargas que se instalaram certas indústrias de base, e depois de 1930 foi feita por forças internas, as quais entraram em choque com o capital externo no Brasil.

Sobre a condição do mercado interno, este por si só desenvolvia independentemente. A partir daí surge a idéia de redistribuição de renda, para fortalecer o mercado interno e o consumo de produtos nacionais; porém esse ambiente otimista foi destruído nos anos 60.

A analise feita por Fernando, revelou as lutas internas e as opções feitas por cada aliança dos grupos vitoriosos nacionais. No Brasil, esses grupos acreditavam na viabilidade do desenvolvimento capitalista-dependente.

Nessa idéia de desenvolvimento dependente articula-se o setor público empresarial, as multinacionais e o setor moderno nacional; assim o setor nacional se associa às multinacionais em condição subordinada. O desenvolvimento é realizado através da intensificação da exclusão social das massas e de grupos que tinham poder na fase anterior.

A burguesia brasileira atuará mais sobre o Estado e organiza anéis burocráticos que a instalam diretamente no Executivo.

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Com relação ao futuro, Fernando Henrique considera que ele dependerá da ação coletiva que realizará o que for estruturalmente viável. E dependerá também da ação de sujeitos históricos competentes e audaciosos, os quais farão opções mais favoráveis ao desenvolvimento que a estrutura capitalista possibilitar.

F.H. Cardoso versus F. Fernandes e F. Weffot

F.H. Cardoso especializou-se na burguesia e se tornou um assessor e informante dela, tornou-se também um aliado e cúmplice da sua ação autoritária e excludente.

A sua teoria da dependência parece dar ênfase excessiva ao conceito de nação, tornando-o em pé de igualdade com o de classe, quando uma teoria de classe não precisa da nação. Esse conceito revela um aspecto político da luta de classe no nível internacional.

BIBLIOGRAFIA

REIS, José Carlos.As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Editora Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 1999.

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