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1 XII Mostra Científica FAMEZ & I Mostra Regional de Ciências Agrárias Campo Grande, MS, 2019 CISTO ÓSSEO ANEURISMÁTICO - Relato de Caso Glória Ferreira Duailibi 1 , Marina Mantovani Feltran 2 , Eric Schmidt Rondon 3 1 Aluna do Curso de Medicina Veterinária da FAMEZ/UFMS. E-mail: [email protected] 2 Médica Veterinária Residente FAMEZ/UFMS. E-mail: [email protected] 3 Professor da FAMEZ/UFMS.E-mail: [email protected] Resumo: O cisto ósseo aneurismático é uma lesão de ocorrência rara em medicina veterinária. Tem caráter destrutivo, porém não neoplásico e baixa morbidade associada. Os diagnósticos diferenciais são essenciais para a condução do planejamento cirúrgico e consequente conclusão terapêutica satisfatória. Neste trabalho relata-se um caso clínico de cisto ósseo aneurismático na região distal do fêmur em um cão de cinco anos de idade que apresentou como lesão secundária a ruptura do ligamento cruzado cranial. A imagem radiográfica sugestiva de cisto ósseo e a curetagem cirúrgica com envio do material para análise histopatológica foram fundamentais para o diagnóstico conclusivo de cisto ósseo aneurismático e para a definição do prognóstico. Palavras-Chave: cisto ósseo, joelho, cirurgia, biópsia, radiologia ANEURISMAL BONE CYST - Case Report Abstract: Aneurysmal bone cyst is a rare occurrence lesion in veterinary medicine. It has a destructive feature, but not neoplastic and associated low morbidity. The differential diagnoses are triggering to surgical planning and to successful therapeutic outcome. This study is a case report of aneurysmal bone cyst in the distal femur region of a 5-year-old dog, which had cranial cruciate ligament rupture as a secondary injury. The suggestive radiographic imaging and surgical curettage followed by histopathological analysis were essential to the final diagnosis of aneurysmal bone cyst and to prognosis definition. Keywords: bone cyst, knee, surgery, biopsy, radiology Introdução Os cistos ósseos aneurismáticos são doenças osteolíticas expansivas e benignas que apresentam crescimento local agressivo, porém não metastático (Silva et al. 2007). O termo “aneurismático” refere-se ao comportamento expansivo da lesão e a denominação “cisto ósseo” à aparência radiolucente ao exame radiográfico (Silva et al. 2007). Em Medicina Veterinária, a aparição de cistos ósseos aneurismáticos é rara, mas já foi descrita em cães, gatos e equinos (Biller et al. 1987). Nos relatos envolvendo cães, os ossos afetados foram úmero, ulna, tíbia, púbis e osso peniano. A etiopatogenia do cisto ósseo aneurismático ainda é desconhecida, contudo cães jovens de raças grandes apresentam maior predisposição para o aparecimento dos cistos. Os sinais clínicos mais frequentes são dor, aumento de volume no local da região afetada, claudicação e, com menor frequência, compressão de tecidos que cercam a região acometida (Kransdorf e Sweet, 1995). O diagnóstico baseia-se na idade do paciente, nos sinais clínicos, na localização da lesão e nos exames complementares de radiologia e histopatologia (Kransdorf e Sweet, 1995). Em humanos, os tratamentos variam desde curetagem, excisão cirúrgica, enxerto ósseo até amputação (Kransdorf e Sweet, 1995). Para animais domésticos, ainda não há tratamento ideal estabelecido, mas comumente faz-se a excisão cirúrgica. O prognóstico depende da progressão da lesão, do osso afetado e da localização do cisto (Schrader et al., 1983). Relato de caso Foi atendido no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FAMEZ)/UFMS um cão macho da raça Fox Paulistinha, com cinco anos de idade e cerca de 5,9 kg, procedente de Campo Grande/MS, com queixa principal de claudicação no membro pélvico esquerdo. De acordo com o tutor, o animal apresentava esse sinal clínico há mais de um ano, com piora nos dias anteriores à consulta. Ao exame físico geral, não foram notadas alterações dignas de nota. Ao exame ortopédico, verificou-se que a musculatura do membro afetado estava atrofiada e havia sinais de dor associados à palpação da articulação fêmoro-tibio-patelar. Os testes de gaveta e para luxação patelar foram positivos e o teste de Ortolani negativo. Foi solicitada radiografia do membro pélvico esquerdo com foco na articulação fêmoro-tibio-patelar nas incidências mediolateral e craniocaudal. Após os resultados, o animal

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XII Mostra Científica FAMEZ &I Mostra Regional de Ciências Agrárias

Campo Grande, MS, 2019

CISTO ÓSSEO ANEURISMÁTICO - Relato de Caso

Glória Ferreira Duailibi1, Marina Mantovani Feltran2, Eric Schmidt Rondon3

1Aluna do Curso de Medicina Veterinária da FAMEZ/UFMS. E-mail: [email protected]édica Veterinária Residente FAMEZ/UFMS. E-mail: [email protected] da FAMEZ/UFMS.E-mail: [email protected]

Resumo: O cisto ósseo aneurismático é uma lesão de ocorrência rara em medicina veterinária. Tem caráter destrutivo, porém não neoplásico e baixa morbidade associada. Os diagnósticos diferenciais são essenciais para a condução do planejamento cirúrgico e consequente conclusão terapêutica satisfatória. Neste trabalho relata-se um caso clínico de cisto ósseo aneurismático na região distal do fêmur em um cão de cinco anos de idade que apresentou como lesão secundária a ruptura do ligamento cruzado cranial. A imagem radiográfica sugestiva de cisto ósseo e a curetagem cirúrgica com envio do material para análise histopatológica foram fundamentais para o diagnóstico conclusivo de cisto ósseo aneurismático e para a definição do prognóstico.Palavras-Chave: cisto ósseo, joelho, cirurgia, biópsia, radiologia

ANEURISMAL BONE CYST - Case ReportAbstract: Aneurysmal bone cyst is a rare occurrence lesion in veterinary medicine. It has a destructive feature, but not neoplastic and associated low morbidity. The differential diagnoses are triggering to surgical planning and to successful therapeutic outcome. This study is a case report of aneurysmal bone cyst in the distal femur region of a 5-year-old dog, which had cranial cruciate ligament rupture as a secondary injury. The suggestive radiographic imaging and surgical curettage followed by histopathological analysis were essential to the final diagnosis of aneurysmal bone cyst and to prognosis definition.Keywords: bone cyst, knee, surgery, biopsy, radiology

IntroduçãoOs cistos ósseos aneurismáticos são doenças osteolíticas expansivas e benignas que apresentam

crescimento local agressivo, porém não metastático (Silva et al. 2007). O termo “aneurismático” refere-se ao comportamento expansivo da lesão e a denominação “cisto ósseo” à aparência radiolucente ao exame radiográfico (Silva et al. 2007). Em Medicina Veterinária, a aparição de cistos ósseos aneurismáticos é rara, mas já foi descrita em cães, gatos e equinos (Biller et al. 1987). Nos relatos envolvendo cães, os ossos afetados foram úmero, ulna, tíbia, púbis e osso peniano.

A etiopatogenia do cisto ósseo aneurismático ainda é desconhecida, contudo cães jovens de raças grandes apresentam maior predisposição para o aparecimento dos cistos. Os sinais clínicos mais frequentes são dor, aumento de volume no local da região afetada, claudicação e, com menor frequência, compressão de tecidos que cercam a região acometida (Kransdorf e Sweet, 1995). O diagnóstico baseia-se na idade do paciente, nos sinais clínicos, na localização da lesão e nos exames complementares de radiologia e histopatologia (Kransdorf e Sweet, 1995).

Em humanos, os tratamentos variam desde curetagem, excisão cirúrgica, enxerto ósseo até amputação (Kransdorf e Sweet, 1995). Para animais domésticos, ainda não há tratamento ideal estabelecido, mas comumente faz-se a excisão cirúrgica. O prognóstico depende da progressão da lesão, do osso afetado e da localização do cisto (Schrader et al., 1983).

Relato de casoFoi atendido no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia

(FAMEZ)/UFMS um cão macho da raça Fox Paulistinha, com cinco anos de idade e cerca de 5,9 kg, procedente de Campo Grande/MS, com queixa principal de claudicação no membro pélvico esquerdo. De acordo com o tutor, o animal apresentava esse sinal clínico há mais de um ano, com piora nos dias anteriores à consulta.

Ao exame físico geral, não foram notadas alterações dignas de nota. Ao exame ortopédico, verificou-se que a musculatura do membro afetado estava atrofiada e havia sinais de dor associados à palpação da articulação fêmoro-tibio-patelar. Os testes de gaveta e para luxação patelar foram positivos e o teste de Ortolani negativo. Foi solicitada radiografia do membro pélvico esquerdo com foco na articulação fêmoro-tibio-patelar nas incidências mediolateral e craniocaudal. Após os resultados, o animal

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Campo Grande, MS, 2019

foi submetido à exposição cirúrgica da articulação fêmoro-tíbio-patelar esquerda por meio de incisão parapatelar lateral e divulsão muscular até a exposição do côndilo femoral lateral.

O suco troclear estava pouco visível e tinha uma linha fibrótica em seu centro; os côndilos femorais apresentaram-se degenerados, mas havia preservação dos meniscos. Procedeu-se a curetagem óssea do cisto. O material removido foi encaminhado para análise histopatológica. A cápsula articular foi aproximada (padrão simples interrompido, Poliglecaprone 25 3-0) seguida pela musculatura (padrão em “X”, Poliglecaprone 25 3-0) e tecido celular subcutâneo (padrão colchoeiro, Poliglecaprone 25 3-0). A dermorrafia foi feita em padrão Wolf com fio mononylon 3-0. Foram prescritos Meloxicam (1 mg/kg, via oral, q24h, 3 dias); dipirona sódica (25 mg/kg, via oral, q8h, 5 dias); Osteocart Plus® (1/2 comprimido, via oral, q24h até a reavaliação) e curativo local: lavagem da ferida com NaCl 0,9% seguida pela instilação de Rifocina spray, duas vezes ao dia.

O objetivo deste relato é expor um tipo de conduta a ser seguida no diagnóstico e tratamento de cisto ósseo aneurismático associado à ruptura de ligamento cruzado cranial.

DiscussãoO teste de gaveta foi conclusivo para ruptura de ligamento cruzado cranial. A manobra de luxação

patelar indicou uma movimentação atípica da patela, porém sem que se notasse a protuberância do suco troclear, achados confirmados durante a cirurgia. A ausência de sinal de Ortolani evidenciou não haver incongruência na articulação coxofemoral, confirmando que a dor originava-se da articulação do joelho. A presença de imagem regular radiolucente em região distal do fêmur esquerdo foi sugestiva de cisto ósseo. O planejamento cirúrgico pautou a remoção do cisto e a identificação de uma possível lesão de base. A exposição articular permitiu a inspeção dos côndilos femorais, dos meniscos, do sulco troclear e dos ligamentos cruzados, e confirmou os achados clínicos.

A fim de esclarecer a composição celular e definir a gravidade do cisto ósseo, decidiu-se pela curetagem cirúrgica e envio do material para biópsia. A análise histopatológica evidenciou moderada hipertrofia e hiperplasia dos sinoviócitos; moderado infiltrado inflamatório constituído por linfócitos, plasmócitos e poucos macrófagos; e tumefação das células endoteliais dos vasos mais próximos à camada de células sinoviais. A sinovite linfoplasmocítica é indicativa de processo subagudo a crônico, não neoplásico. Tais características foram compatíveis com as descrições literárias de um cisto ósseo aneurismático.

O tratamento para ruptura de ligamento cruzado cranial é preconizado com cirurgia para estabilização do joelho (Schulz, 2008). Entretanto, o achado radiográfico deste caso direcionou o diagnóstico para a presença de um cisto ósseo na região do joelho. Por ser um exame inespecífico para o tipo histológico do cisto, a curetagem cirúrgica seguida por biópsia foram fundamentais para definir os diagnósticos diferenciais, a conduta terapêutica e o prognóstico para a lesão.

Dentre os possíveis diagnósticos diferenciais de lesões benignas, salienta-se o granuloma eosinófilo, o osteoblastoma agressivo, o cisto ósseo unicameral, a displasia fibrosa e o tumor de células gigantes. Dentre as malignas, notabiliza-se o osteossarcoma telangiectásico, o fibrossarcoma e as metástases de neuroblastoma (Silva et al, 2007). Ao verificar-se que a lesão em questão era um cisto ósseo aneurismático, sem características neoplásicas, foram indicadas as cirurgias de estabilização articular (reconstrução do ligamento cruzado cranial) e correção da luxação patelar (trocleoplastia e imbricação do retináculo). Entretanto, dada a substancial melhora clínica do animal com o desaparecimento dos sinais de dor e o retorno funcional do membro, a tutora decidiu por manter o tratamento conservador à despeito da orientação da equipe cirúrgica.

ConclusõesA distinção de cisto ósseo aneurismático de determinados tumores é fundamental para definir o

prognóstico e, consequentemente, o tratamento a ser indicado para o paciente. Para isso, a solicitação de exames radiográficos e o diagnóstico histopatológico são indispensáveis para o planejamento cirúrgico adequado.

AgradecimentoAgradecimentos aos setores de radiologia e histopatologia da FAMEZ/UFMS, pela colaboração e

pelo fornecimento dos laudos e exames citados neste trabalho.

Literatura Citada

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BILLER, D.S.; JOHNSON, G.C.; BIRCHARD, S.J. et al. Aneurysmal bone cyst in a rib of a cat. v.190. J. Am. Vet. Med. Assoc, 1987. p.1193-1195.

KRANSDORF, M.J.; SWEET, D.E. Aneurysmal bone cyst: concept, controversy, clinical presentation, and imaging. v.164. American Journal of Roentgenology, 1995. p.573-580.

SCHRADER, S.C.; BURK R.L.; LIU S.K. Bone cysts in two dogs and a review of similar cystic bone lesions in the dog. v.182. Journal of the American Veterinary Medical Association, 1983. p.490-495.

SCHULZ, K. Afecções articulares. In: FOSSUM, T.W. Cirurgia de pequenos animais. 3.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p.1143-1315.

SILVA, E.D.O.; GOMES, A.C.A.; RAIMUNDO, R.C. et al. Cisto Ósseo Aneurismático: Relato de Caso e Revisão da Literatura. v.7, n.4. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe, 2007. p.8.