i. 01. a função da magistratura do trabalho (jorge luiz souto maior)

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1 GRUPO DE RESUMO DO LIVRO ESTUDOS APROFUNDADOS DA MAGISTRATURA DO TRABALHO PARTE I – FORMAÇÃO HUMANÍSTICA 1. A Função da Magistratura Trabalhista Autor: Jorge Luiz Souto Maior Resumo: Matheus de Lima Sampaio ([email protected] ) Data: abril/2014 1. RESUMO 1 Souto Maior inicia advertindo que a opção pela magistratura é um direcionamento para a vida, sendo importante que candidato ao cargo não o encare apenas como um “bom emprego”. Um juiz que encare a magistratura como um bom emprego, apegando-se nos efeitos econômicos e visualizando-a como modo de alcançar a sonhada segurança, não será mais do que um agente burocrático, que cumpre tarefas sem sentido específico a não ser o de se integrar na linha de produção de dados estatísticos. Não que os números não sejam importantes ou que não possam ser benéficos os “choques de gestão”. A questão é que tais estratégias no contexto de juízes preocupados exclusivamente com o proveito econômico da escolha feita acaba por destruir o sentido da magistratura, efeito que se sente de forma bastante negativa na esfera trabalhista. Como exemplo, o autor cita a Resolução 106 do CNJ, que impõe requisitos quantitativos (ex: número de acordos feitos) e qualitativos (ex: “disciplina judiciária” às súmulas dos Tribunais 1 O autor não separou seu texto em capítulos ou itens, razão pela qual o resumo é feito em texto corrido.

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Page 1: I. 01. a Função Da Magistratura Do Trabalho (Jorge Luiz Souto Maior)

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GRUPO DE RESUMO DO LIVRO ESTUDOS APROFUNDADOS DA MAGISTRATURA DO TRABALHO

PARTE I – FORMAÇÃO HUMANÍSTICA

1. A Função da Magistratura Trabalhista

Autor: Jorge Luiz Souto MaiorResumo: Matheus de Lima Sampaio ([email protected])Data: abril/2014

1. RESUMO1

Souto Maior inicia advertindo que a opção pela magistratura é um

direcionamento para a vida, sendo importante que candidato ao cargo não o encare

apenas como um “bom emprego”. Um juiz que encare a magistratura como um bom

emprego, apegando-se nos efeitos econômicos e visualizando-a como modo de

alcançar a sonhada segurança, não será mais do que um agente burocrático, que

cumpre tarefas sem sentido específico a não ser o de se integrar na linha de

produção de dados estatísticos.

Não que os números não sejam importantes ou que não possam ser

benéficos os “choques de gestão”. A questão é que tais estratégias no contexto de

juízes preocupados exclusivamente com o proveito econômico da escolha feita

acaba por destruir o sentido da magistratura, efeito que se sente de forma bastante

negativa na esfera trabalhista. Como exemplo, o autor cita a Resolução 106 do CNJ,

que impõe requisitos quantitativos (ex: número de acordos feitos) e qualitativos (ex:

“disciplina judiciária” às súmulas dos Tribunais superiores) para a promoção dos

juízes, tornando os números mais importante que o próprio conteúdo das decisões.

Ao adotar a estatística de conciliações como critério meritório, acaba-se

indicando um modo de atuação do magistrado, ferindo sua independência e

negando relevância aos efeitos de sua atuação na sociedade. O efeito que se tem

assistido é uma espécie de corrida entre as unidades judiciárias para apresentação

de números conciliatórios, ignorando o papel que o juiz do trabalho possui no

sistema capitalista.

Da mesma forma, ao fazer pressão para que os julgadores observem as

súmulas e atuem com “disciplina judiciária”, impede-se que o magistrado julgue os

processos em conformidade com sua compreensão jurídica, criando-se a retórica

1 O autor não separou seu texto em capítulos ou itens, razão pela qual o resumo é feito em texto corrido.

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noção de que o bom juiz é aquele que “respeita os entendimentos das cortes

superiores”, sobretudo para “não gerar falsas expectativas nos jurisdicionados”.

Importante observar que a estratégia do CNJ nem sempre milita a favor

de seu objetivo. Com efeito, embora se busque a celeridade por meio da conciliação,

fato é que, sem avaliação de conteúdo, a prática acaba provocando a perda da

eficácia da norma trabalhista, o que constitui um incentivo ao desrespeito dos

direitos dos trabalhadores e, reflexamente, o aumento da demanda por justiça.

Souto Maior aduz que “o processo produtivo acoplado a uma lógica

puramente quantitativa é alienante com o efeito imediato da perda da subjetividade”,

fazendo com que o trabalhador não reconheça o resultado produzido por seu próprio

trabalho. Assim, o juiz que ingressa na carreira pensando apenas em lograr proveito

pecuniário acaba se tornando um robô, um autômato.

O verdadeiro magistrado trabalhista é um elo entre o homem e sua

humanidade no modelo de sociedade em que o modo de produção separou o

homem de seu trabalho, criou a noção de força de trabalho, para um efeito

mercantil, tendo reificado o próprio homem. Atua, neste meio, como forma de

resgatar a subjetividade do obreiro, sendo sua atividade de grande relevância social.

O papel primordial do juiz é fazer valer o direito do trabalho, tendo sempre

por parâmetro a proteção do ser humano. Tal papel é desafiador, sobretudo no

Brasil, onde vigora uma formação cultural preconceituosa contrária aos

trabalhadores e seus direitos.

É bem verdade que o capitalismo foi um avanço importante para a

humanidade, já que institucionalizou valores como a liberdade e a igualdade

(inicialmente formal), dando impulso aos contratos e negócios jurídicos em geral,

livrando o indivíduo do absolutismo estatal. Ocorre que, como se sabe, a

implantação desse modelo de sociedade veio acompanhada de problemas,

provocando enormes desajustes econômicos e injustiças sociais, o que propiciou a

substituição do pensamento jurídico liberal pelo direito social, sobretudo no período

pós-guerras, com o fim conter as manifestações populares infladas pela doutrina

anarco-socialista.

Foi neste contexto que nasceu o direito do trabalho, ramo jurídico

direcionado pelo Estado para a regulação das relações havidas entre o capital e o

trabalho, visando a melhoria progressiva da condição de vida e de trabalho da

classe trabalhadora. O direito do trabalho, portanto, se apresenta como essência de

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preservação do próprio modelo de sociedade capitalista, constituindo a fórmula de

contenção de das tensões sociais entre o capital e o trabalho.

A segunda advertência que o autor faz é que o pretendente à carreira

estará, querendo ou não, envolvido com questões intrigantes e de difícil solução, o

que fará o juiz oscilar entre a profunda análise dos interesses havidos em jogo em

um dado conflito e a adoção de fórmulas vazias que facilitam o julgamento,

escamoteando a realidade. Para Souto Maior, é preciso que o magistrado tenha um

compromisso metodológico definido: a visualização dos dilemas e das angústias dos

trabalhadores, até porque é esse, afinal, o propósito específico do objeto material de

sua atuação.

Marx aduz que o homem só é realmente humano como um ser social.

Portanto, é preciso interagir criticamente com a realidade e, talvez, o modo mais

concreto de se fazê-lo é visualizando o que se passa para além de si próprio,

projetando-se para a mesma situação e a partir da dor alheia buscar desenvolver a

capacidade de se indignar. Sem se vislumbrar no outro, o homem tende à

degradação de si mesmo. Daí a importância do Direito Social, quando impõe ao

jurista um todo que serve à efetiva libertação do homem daí porque não se pode

desprezar a força transformadora do direito.

Há de se promover uma atividade propositiva também com relação ao

direito. Libertar-se não é destruir o direito, é usar a consciência e inteligência para

transformá-lo a favor da atuação do homem em seu percurso evolutivo do

conhecimento de si mesmo. Só tendo consciência do que efetivamente se passa no

modo de produção capitalista é que o homem poderá enfrentar o desafio de se

manter como senhor de seu destino.

Importante mencionar que estamos integrados a uma sociedade que,

embora se pretenda capitalista, ainda apresenta traços escravistas e oligárquicos.

Com efeito, a escravidão foi abolida entre nós apenas em 1888, ou seja, convivemos

quase quatrocentos anos com ela, que representou bem mais do que uma forma de

exploração do trabalho alheio, criando as bases da formação da sociedade

brasileira. Preservamos, além disso, uma relação colonial e não nos livramos das

lógicas do clientelismo e do coronelismo, que favorecem a corrupção e que

dificultam uma atuação que priorize os excluídos.

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A magistratura trabalhista, portanto, requer uma vasta preparação

jurídica, social, econômica e histórica, indo muito além da produção de um número

“x” de tarefas diárias.

A Lei Áurea, de 1988, não quebrou a lógica da escravidão, pois o poder

político restou mantido com os antigos senhores de escravos. Com efeito, a Primeira

República (café com leite) marcou um contexto bastante hostil aos trabalhadores,

substituindo o escravo pelo imigrante juridicamente “livre”, mas economicamente

escravizado pela dívida que tinha com o produtor rural. Num segundo aspecto, os

próprio brancos livres vão se sentir insultados pelo exercício do trabalho e, para

estimulá-los, editou-se a lei da “vadiagem”, punindo com prisão o indivíduo que

recusava-se a prestar uma atividade produtiva sem justificativa. Com isso, criou-se

uma cultura contrária a ideia de que o trabalho possa ser fator de dignidade humana

e menos ainda de que do trabalho advenham direitos aptos a propiciar a progressão

da condição social do trabalhador.

O advento da legislação trabalhista no Brasil se inicia na década de 20,

sendo sua história bastante complexa, influenciada pelo embate ideológico havido

na época. De forma sincrética, é possível dizer que tal legislação nunca foi assumida

pela classe dominante empresarial brasileira como necessária a formação de um

modelo de produção capitalista e não foi vista com bons olhos pela parte mais

esclarecida dos movimentos trabalhistas, vez que estavam mais ligados às

perspectivas revolucionárias. O próprio Estado getulista, que patrocina a legislação

vê nela muito mais uma estratégia política de estímulo à industrialização do que

qualquer outra coisa.

Forma-se sobre a legislação trabalhista no Brasil, desde sempre, a noção

de ineficácia, atribuindo-lhe um caráter de favor. É assim que o reclamado se põe

em audiência, tendo a ciência de que a estrutura montada serve à preservação de

seu interesse econômico, afirma que “se for para aplicar a legislação trabalhista não

consegue se manter em funcionamento”, cabendo ao juiz convencer o trabalhador a

receber menos do que tem direito.

Paralelamente a tudo isso, a Justiça do Trabalho, dentre espinhos e

enormes contradições, encontra suas próprias virtudes, devendo-se a sua fase

“romântica”, a construção de uma jurisprudência ampliativa dos direitos trabalhistas,

o que favoreceu à formação de uma identidade dos trabalhadores com este ramo do

Poder Judiciário.

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Essa consciência se viu abalada na década de 90, quando o embalo

neoliberal influenciou inclusive o TST, como se nota do enunciado 331 da súmula de

sua jurisprudência. Mas, do ano 2000 para cá, enormes avanços foram feitos, a

começar pela ampliação da competência e as discussões acerca dos limites das

negociações coletivas. Seria leviano dizer que há, hoje, uma tendência consistente

em direção da prevalência dos princípios trabalhistas de cunho social, mas também

não há exagero em afirmar que o caminho está aberto para quem desejar trilhar. A

Justiça do trabalho, se comparada com outros ramos do Judiciário, traz esse traço

marcante do convício democrático e franco, que não se pode deixar de elogiar.

Releva destacar que o direito do trabalho, concebido na forma enunciada

pelo autor, constituir-se-á com um antissistema e, por conseguinte, causará

incomodo em quem tenha papel de aplicá-lo. Neste sentido, Souto Maior faz uma

última advertência: o juiz trabalhista deve estar disposto a suportar esses efeitos se

não quiser sucumbir à mercantilização.

Enfim, é possível dizer que a magistratura trabalhista é o local privilegiado

da compreensão da realidade, do conhecimento de si mesmo e da formulação das

racionalidades necessárias aos enfrentamentos dos dilemas e das angústias

humanas advindas do contexto da venda da força de trabalho no modelo de

produção capitalista, constituindo, também, a oportunidade para que se perceba,

claramente, o alinhamento histórico em que os atos praticados e os pensamentos

expressos se inserem.