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Humanismo: uma concepção ética da educação na contemporaneidade. Vicente Estevãm Sandeski, Professor Colégio Agrícola de Frederico Westphalen - CAFW/UFSM. Filósofo, Mestre Educação pela UPF-RS. [email protected] Resumo A inquietação surge por entender que os tempos atuais parecem pobres em valores genuinamente éticos. A julgar por essas palavras colocamos em xeque os avanços na maioria obtidos pela humanidade, os benefícios da evolução e do progresso da ciência e da tecnologia não foram dirigidos para o bem comum permanecendo concentrados nas mãos de poucos. A atual estrutura social, fundamentada no poder econômico e que tem seu pilar de sustentação no racionalismo, não nos oferece tempo para que possamos viver dignamente. Assim, dificulta e inviabiliza a reflexão e compreensão dos atos de distanciamento à dignidade humana. A única união que interessa é a econômica, união que oferece lucro para a camada social minoritária, egocêntrica. O mundo contemporâneo evidencia um modo de ser repleto de egoísmo, ganância, arrogância, falta de compreensão, dignidade, fazem do "homem moderno" um homem solitário, doente e completamente indiferente, inclusive a ele mesmo. A questão central que atinge a sociedade global é que os rumos do avanço tecnológico desencadearam uma corrida autônoma da tecnologia. Ela, que teoricamente deveria estar a serviço do homem, em última análise está a serviço de si mesma, ou melhor, a serviço da lógica das grandes

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Page 1: Humanismo: uma concepção ética da educação na ... · tecnológica e cultural, ... ética e cidadania. ... Até poderia ser dito que o ponto nevrálgico na construção de uma

Humanismo: uma concepção ética da educação na

contemporaneidade.

Vicente Estevãm Sandeski, Professor Colégio Agrícola de Frederico

Westphalen - CAFW/UFSM. Filósofo, Mestre Educação pela UPF-RS. [email protected]

Resumo

A inquietação surge por entender

que os tempos atuais parecem

pobres em valores genuinamente

éticos. A julgar por essas palavras

colocamos em xeque os avanços na

maioria obtidos pela humanidade,

os benefícios da evolução e do

progresso da ciência e da

tecnologia não foram dirigidos para

o bem comum permanecendo

concentrados nas mãos de poucos.

A atual estrutura social,

fundamentada no poder econômico

e que tem seu pilar de sustentação

no racionalismo, não nos oferece tempo para que possamos viver

dignamente. Assim, dificulta e inviabiliza a reflexão e compreensão dos atos

de distanciamento à dignidade humana. A única união que interessa é a

econômica, união que oferece lucro para a camada social minoritária,

egocêntrica. O mundo contemporâneo evidencia um modo de ser repleto de

egoísmo, ganância, arrogância, falta de compreensão, dignidade, fazem do

"homem moderno" um homem solitário, doente e completamente

indiferente, inclusive a ele mesmo.

A questão central que atinge a sociedade global é que os rumos do avanço

tecnológico desencadearam uma corrida autônoma da tecnologia. Ela, que

teoricamente deveria estar a serviço do homem, em última análise está a

serviço de si mesma, ou melhor, a serviço da lógica das grandes

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corporações. O homem é muitas vezes tratado como mero instrumento de

produção, como uma matéria-prima que deve custar o mínimo possível,

relegando o ser humano a um plano secundário, elegendo como prioridade

o lucro, o poder, isto é, tornando o homem vazio de si mesmo e de

significados para a vida, ofuscando as noções de valores éticos.

A educação não é a solução para todos os problemas, pode sim ser pensada

em um espaço de reflexão e construção dos ideais de uma sociedade,

sozinha não é o espaço de transformação, mas sem ela não será possível

pensar um mundo mais humano mais ético, um mundo diferente. Será uma

abordagem no sentido de que a educação tornou-se uma condição prévia,

indispensável ao desenvolvimento social, cultural e econômico, não apenas

por sua capacidade de reduzir as diferenças, mas também como uma

compreensão comum entre pessoas ou grupos étnicos e culturais

diferentes.

Palavras-chave: Humanismo. Ética. Educação. Modernidade.

A educação não é um ato neutro, está carregada de interesses e de valores

próprios da cultura de cada sociedade, e dos diversos momentos históricos.

Na atual sociedade flexível, instantânea, carece de uma educação

humanística, numa dimensão ética na contemporaneidade, e construída

sobre valores e ideais que ultrapassam o conhecimento que está situado

nas esferas do saber, do pensar e do julgar. Uma educação que acontece na

relação de tornar-se humano, sendo uma via permanente voltada para a

realidade da vida. Sem os alicerces de uma educação, não é possível

reestruturar setores da sociedade numa dimensão ética.

E neste sentido Freire (1996) diz que, a educação é uma “prática da

liberdade”, o ser humano é entendido e se descobre como produtor

de cultura. Os homens se veem como sujeitos e não como objetos da

aprendizagem. O ato de liberdade está presente a partir da leitura de

mundo de cada educando e educador através de trocas dialógicas, constrói

novos conhecimentos sobre leitura, escrita, cálculo. Vai-se do senso comum

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ao conhecimento científico num processo contínuo de troca e avanços,

necessitando evidentemente a predisposição do sujeito. E segundo Arroyo

(2004, p. 231), este mundo humano para o qual educamos é mais do que

um mercado onde devemos aprender a sobreviver1.

É um mundo de cultura, de valores, de representações coletivas, de

normas, de “modelos” de homem e de mulheres, de criança, de jovem ou

de adulto.

O ato de liberdade está presente em diferentes momentos, mesmo na

instância atual, de um paradoxo existencial da época pós-moderna, em que

se tem um reordenamento das políticas educacionais para um modelo

capitalista, neoliberal, persistindo nesse sistema o caráter de

responsabilidade, de liberdade e da prioridade educacional. Diz Arroyo:

“Educar para a liberdade e, ao mesmo tempo, educar para que cada filhote

humano interiorize os valores de todos: a cultura. O que nossa sociedade

institui como sentidos para sermos humanos. E mais, colaborar para que se

descubra livre para aquiescer ou resistir. Esse o enigma de toda ação

educativa” (2004, p.231).

A educação terá um papel determinante na criação da sensibilidade social

necessária para reorientar a humanidade. Nas condições atuais de um

grande avanço técnico científico que prezou pela qualidade de produtos e

serviços com o intuito da satisfação das necessidades de um relativo grupo,

no entanto essa eficiência anunciada fica ainda enquanto possibilidade,

como diz Barreira, “a modernidade avançou deixando vazios gerados pela

expectativa de suas promessas” (Barreira, 2003 p. 446).

Uma modernização que vem alterando e modificando as relações pessoais e

ressignificando espaços próprios de uma sociedade em constante mudança,

distanciando um jeito de ser humanístico, isto é, ético nas mediações

escola, família e espaços diversos de relações sociais. Nesse sentido há um

1 “O Desejo põe em relação, cria elos, enquanto uma educação finalizada à sobrevivência,

implica que cada um se salve sozinho. Na sobrevivência, mais sedo ou mais tarde, a pessoa entra em conflito com os outros” (Michel Benasayag, A época das paixões tristes, trad. It. Feltrinelli).

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viés desafiador, como diz Assmann (1998, p.28). A humanidade chegou

numa encruzilhada ético-política, e ao que tudo indica não encontra saídas

para a sua própria sobrevivência, como espécie ameaçada por si mesma,

enquanto não construir consensos sobre como incentivar conjuntamente

nosso potencial de iniciativas e nossas frágeis predisposições à

solidariedade.

Cientes da mudança global, da liberdade humana enquanto possibilidade,

das necessidades de transformações, das angústias, questionamentos não

respondidos, uma educação vista como via, possibilidade e utopia, segundo

Freitag: O homem somente pode vir a ser homem através da educação. Ele

não é outra coisa senão o produto de sua educação. E cabe mencionar que

o homem só pode ser educado por homens, que por suas vezes foram

educados. Por isso a ausência de disciplina e instrução em certas pessoas

faz delas maus educadores de seus educandos (1994, p.22).

Na verdade, a educação aparece como a esperança, como um elemento

constituinte do novo modelo de desenvolvimento que se espera para

o ser humano numa ótica humanística, que contempla o indivíduo na

sua totalidade, possibilitando realização pessoal e melhoria de qualidade de

vida. Ela é vital para romper com a histórica dependência científica,

tecnológica e cultural, é o espaço que consolida noções e ações

democráticas, autônomas, soberanas e solidárias. E nesse sentido Paviani

diz ser o “humanismo latino, como qualquer conceito, nasce da necessidade

de se buscar uma solução para o perigo que ameaça o homem

contemporâneo” (2000, p.98).

Não se fala mais em avanço, fala-se em garantias mínimas, e que as outras

gerações continuem tendo a chance de existir em um mundo habitável, com

ética e cidadania. Pensar, portanto, o humanismo neste alvorecer de novo

século e milênio consiste em reencontrar a raiz mais profunda do existir e a

razão de ser. Isto constitui o sentido de uma convivência realmente humana

em direção definitivamente plural, para além de qualquer generalização e

banalização desse sentido; desconstruir as lógicas totalizantes, violentas e

falsamente conciliatórias, que proclamam humanismos grandiloquentes, ao

mesmo tempo em que semeiam a morte e a destruição, e que se revestem

de formalidades e sutilizas filosóficas para evitar que seu núcleo real seja

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percebido; e apostar no propriamente desconhecido: o Outro que, vindo de

infinitamente longe, suporta minha existência ao chamá-la inelutavelmente

à responsabilidade ética (Souza, 2001. p.93-94).

A educação aparece como um elo de humanização a ser construído e

propõe-se a ser o espaço legal, legítimo e possível de igualdade entre os

homens. No instante em que for negada a possibilidade de se galgar outro

quadro social, e no momento em que o indivíduo deixar de sonhar com a

possibilidade da existência de outro mundo, mesmo que inicialmente seja

de forma utópica, perde-se o caráter mágico e encantador da educação.

Principalmente no cenário atual de globalização, há um desafio

socioeconômico e ético para a educação.

Até poderia ser dito que o ponto nevrálgico na construção de uma sociedade

democrática, centrada a partir da escola, está na “esperança” e na “ética”.

Freire, nesse sentido, diz que à escola não cabe somente ensinar a ler, a

escrever e a contar, mas a fazer uma leitura do mundo. Diz ele que o

homem é alfabetizado quando tem o domínio das ferramentas que

possibilitam a leitura do mundo.

Na compreensão de uma educação contextualizada, faz-se mister dialogar

com o homem, com as novas linguagens que surgem desses novos cenários

pós-modernos, que incidem também na transgressão à ética e aos valores

humanos. Uma educação que resista ao fatalismo, a um discurso

hegemônico, imposto por um sistema neoliberal excludente, que faz

vítimas, marginaliza, negando a dignidade ao ser humano. Na concepção do

ser humano que pode ser corretamente entendido na multiplicidade das

relações, Casali diz que: O mundo é o ser humano que constrói e atribui

significados. Sendo que cabe a cada indivíduo e a cada geração perceber-se

dentro de seu mundo já construído, reconstruí-lo e ressignificá-lo. E por que

não construir um mundo mais humano, com justiça e dignidade, onde todos

se sintam bem e coparticipantes dessa morada comum? A educação é parte

da construção coletiva do mundo (Casali apud Henz,2005, p.329).

A educação humanística torna o homem sensível aos demais participantes

de uma mesma família, e sensível ao meio, isto é, sua morada. Ela também

enfoca o homem como possibilidade de um “devir” que se faz e refaz em

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todos os momentos, e que, através da reflexão crítica, proporciona uma via

de resgate do homem na sua totalidade. No entanto existirão contrapontos

a serem superados e reestruturados, que necessitam ser adequados a cada

momento, visto a educação ser possibilidade, o homem dotado de liberdade

e a multiplicidade de cenários.

Enquanto os educandos, educadores, pais, sociedade, governos e demais

organismos não considerarem a educação como uma forma de realização

pessoal, como uma maneira de amenizar a discriminação social e

econômica, e como direito de todos, não será possível garantir um futuro

harmônico e de justiça às gerações.

E sendo assim é inevitável uma formação humanística para o resgate do

homem, com conceitos universais de dignidade e justiça presente em todos,

com um mínimo de respeito às diversidades que fazem parte da teia social.

No atual quadro social os conceitos de humanismo são cada vez

mais imprescindíveis para conter as mazelas sociais, situações de

injustiças e desigualdades, um tanto que esquecida e ignorada.

A passividade humana parece ser uma das ações que impedem o

desenvolvimento cultural e ético de muitos locais. Nesse sentido, Crema diz

que o homem padece de uma patologia social, “a normose”, a normalidade.

Ele está se acostumando com as agressões, entranhadas em um primeiro

momento, posteriormente se acostuma com a constância dos fatos. O

sistema educacional se encontra contaminado por essa insidiosa moléstia

que leva a consequências trágicas.

O primeiro fundamento desta patologia é sistêmico. A normose surge

quanto o sistema encontra-se dominantemente desequilibrado. Quando

predomina o caos, a morbidez, a violência, a execução, o desamor, o

desrespeito, o cinismo e a corrupção. Quem pode afirmar que não é este o

caso onde o homem se encontra? Então, ser normal implica em se adaptar

ao contexto patológico reinante, realimentando-o e fortalecendo o status

quo (Crema, 1989, p.17).

Isso posto, pode-se afirmar que não é possível deixar um sistema

econômico às soltas, que se autorregule e estabeleça as próprias normas,

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regras e críticas. Faz-se necessário uma instituição com representação,

isenta, e que assegure ideais humanos universais. E, que de fato assegure o

conhecimento à cidadania. Seria a universidade uma possibilidade de fato

de exercícios de humanismos? Escola? Família? A quem buscar?

No início do século XXI, assiste-se, em todo o mundo, a uma profunda

transformação das dimensões, da estrutura e da concepção do que constitui

a educação. Isso se dá, em grande parte, devido às evoluções esboçadas ao

longo das últimas décadas. Assim sendo, setores representativos nacionais

e internacionais enfrentam atualmente desafios essenciais, que decorrem da

necessidade de dar ao homem e à humanidade um sentido positivo para as

grandes tendências.

Neste embate, aborda-se a educação como também sendo uma utopia

necessária. Ela deve de fato aspirar à utopia para levar a bom termo

mesmo suas tarefas mais prosaicas. Uma proposta em que a educação

repouse sobre os pilares do “aprender a conhecer, aprender a fazer,

aprender a ser e aprender a viver em conjunto” (Delors, 2005, p.08).

Será uma abordagem no sentido de que a educação tornou-se uma

condição prévia, indispensável ao desenvolvimento social, cultural e

econômico, não apenas por sua capacidade de reduzir as diferenças, mas

também como uma compreensão comum entre pessoas ou grupos étnicos e

culturais diferentes.

A educação não é a solução para todos os problemas humanos, pode sim

ser pensada em um espaço de reflexão e construção dos ideais de uma

sociedade, pode se pensar a sociedade ideal e com ela buscar concretizar. A

educação sozinha não é o espaço de transformação, mas sem ela não será

possível pensar um mundo mais humano mais ético, um mundo diferente.

Nesse contexto, a ação educativa requer uma ação direta. Derrubando o

mito da neutralidade, o ato educativo é um ato político de escola, e, como

educadores, é importante que se possa trabalhar por uma educação

eficiente e impulsionadora da cidadania.

Não é possível pensar uma educação ética sem haver a participação de

todos, criança, professores, escola e família, isto é, a sociedade como um

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todo, o projeto educacional ético não pode desenvolver de forma unilateral,

como diz Piaget: “quando há cooperação, há responsabilidade subjetiva e

julgamento em função das interações” (Piaget, 1996, p. 07). E, ainda mais,

as reflexões éticas, estando amparadas por ações éticas, têm possibilidade

de viabilizar uma consciência da construção de um novo caminho.

Para que as realidades morais se constituam é necessário uma disciplina

normativa, e para que essa disciplina se constitua é necessário que os

indivíduos estabeleçam relações com os outros. Que as normas morais

sejam consideradas como impostas a priori ao espírito ou que nos

atenhamos aos dados empíricos, é sempre verdade, do ponto de vista da

experiência psicopedagógica, que é nas relações que se constituem entre a

criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que a levarão a tornar

consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidade normativa

na qual a moral consiste.

Não há, portanto, moral sem sua educação moral, “educação” no sentido

amplo do termo, que se sobrepõe à constituição inata do indivíduo (Piaget,

1996, p.3).

A pobreza de noções, conceitos e ações éticas é resultado de um processo

educacional desprovido de recursos, comprometimento, responsável, indo

ao encontro de um sistema que disciplina para a construção de seres

estereotipados a serviço da racionalidade voltada para o domínio e o

sucesso de ideologias do sistema econômico. “As aprendizagens não são

postas a serviço das pessoas, mas a serviço dos organizadores econômicos

e políticos, geralmente distanciados da expressão da personalidade” (Both;

Scorteganha, 2005).

Aí reside uma das tarefas fundamentais da escola, na geração de ações que

desencadeiem ações efetivas e éticas. A escola passa a ser um laboratório

de ética e de ações éticas futuras. Segundo Piaget (1996, p.09), “Somente

cada um, tendo em vista a educação que recebeu, pode, no que concerne à

‘forma’, diferenciar o sentimento de dever do livre consentimento próprio do

sentimento do bem”. E diz ainda mais: que o objetivo de uma educação

moral na escola é o de “constituir personalidades autônomas aptas à

cooperação”.

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Logo o homem é um ser em permanente processo que permite o fazer e o

refazer constante do homem no mundo. A busca da transcendência do

inacabado abre espaço para a construção do seu destino, pois a capacidade

de aprender pode ser orientada não apenas para uma adaptação, mas,

sobretudo para transformar a realidade.

De acordo com Freire, a educação é imprescindível para permitir que o ser

humano possa interagir, relacionar-se com o outro e o mundo de forma

ética. A prática formadora de natureza ética conduz a um futuro

esperançoso e de natureza humana.

À medida que se problematizam as relações entre os seres humanos e o

mundo, acredita ser possível reinventá-lo, numa unidade dialética entre

reflexão e ação. O cotidiano é ponto de partida para a revolução

permanente estabelecida na consciência da inconclusão. A educação, assim,

tem um papel importante a desempenhar, como prática de formação que se

opõe ao mero treinamento de habilidades técnicas.

Como se evidencia, vem se imprimindo uma necessidade de uma formação

permanente a todos os atores da sociedade, mas só saber não basta. É

necessário um saber alicerçado na travessia da diminuição da distância

entre a perversa realidade da exploração dos homens pelos homens

mesmos para um nível almejado de justiça igualdade e dignidade.

O desafio educacional é saber como atingir um nível constante de

conscientização em relação a esses problemas e mantê-los em primeiro

plano na percepção cultural, visto que o homem não foi educado para ter

uma consciência humanística e planetária.

No contexto da educação, ao professor cabe permear esse universo de

desafios e de tensões, desempenhando sua tarefa. “A tarefa crucial do

educador é desenvolver uma consciência que procure ver através da lógica

da globalização destrutiva e combiná-la com qualificações críticas para

resistir a retórica que ora nos satura” (O’ Sullivan, 2004, p.66-67).

Uma educação de possibilidades, que não tenha a escola como a principal

fonte de informações, “terá de aprender a destacar o interesse pedagógico

desse novo ambiente e ajudar os alunos a terem discernimento diante da

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massa de informação que recebe todos os dias” (Delors, 2005, p.21). Nesse

contexto da chamada “sociedade do conhecimento”, necessita-se de

flexibilidade, e cada vez mais esta é imprescindível para o conhecimento no

viés ético.

A pedagogia escolar deve estar ciente, por um lado, de que não é a única

instância educativa, mas, pelo outro lado, não pode renunciar a ser aquela

instância educacional que tem o papel peculiar de criar conscientemente

experiências de aprendizagem, reconhecíveis como tais pelos sujeitos

envolvidos. Para adquirir essa consciência deve estar atenta, sobretudo, ao

fato de que a corporeidade aprendente de seres vivos concretos e é a sua

referência básica de critérios (Assmann, 1998, p.26).

O espaço vivido pelo ser humano é o ponto de partida para a construção de

uma sociedade mais humana. Esta é uma experiência social, e em contato

com esta o jovem aprende a descobrir-se a si mesmo, desenvolvendo as

relações com os outros e adquirindo bases no campo do conhecimento e do

saber fazer.

As razões são muitas para a derrocada dos valores éticos sociais, no

contexto atual um fato importante é a mídia, construindo falsos valores

pairando na superficialidade, vem alcançando níveis sem precedentes na

formação de ideias, e um modo de ver a vida com superficialidade. Tendo

como foco o materialismo a capacidade de obter dividendos econômicos,

relegando demais valores do “eu” para um segundo plano.

A moral da cobiça deve ser substituída por um devotamento à família, e por

uma participação na vida da comunidade sem recompensa material.

Programas corretivos não conseguiram combater uma desintegração social

que se manifesta por meio da violência, da morte e do uso de drogas

(Etzioni apud Delors, 2005, p. 42).

No âmbito local, assim como no mundial, constata-se a necessidade de um

amplo engajamento social em favor de sociedades que gerem, ao mesmo

tempo, harmonia e equidade. Para atingir proporções humanísticas, há que

se perceber que a educação não é uma atividade de entradas e saídas, mas

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um processo permanente. Percebendo dessa forma é que instituições e

sociedades poderão ter êxito, atenuando as desigualdades.

Na compreensão de a educação expressar uma ação de minimizar as

desigualdades, urge a necessidade de um ensino de qualidade que esteja

presente desde o primeiro contato da criança com a escola, e não a partir

de um estágio da vida escolar do jovem ou da criança.

A educação e a formação inicial têm uma importância primordial, se

pretendemos que o aprendizado para a vida decole de uma boa base [...].

Devemos lançar as bases de um saber sólido em todos os jovens e

alimentar neles o gosto e a capacidade de adquirir novos conhecimentos –

aprender a aprender – sem o que não se consegue nenhum progresso

(Delors, 2005, p. 25).

É de fundamental importância a clareza da ação precisa da escola, para

evitar abarcar situações que fogem de sua responsabilidade e de sua

capacidade de solucionar, e evitar prender-se em um ativismo

assistencialista. “Deve-se evitar impor à escola um excesso de exigências.

Evidentemente, ela tem um papel nisso tudo, mas seria ilusório e ineficaz

sobrecarregá-la de tarefas que não são de sua responsabilidade” (Delors,

2005, p. 23). A ação pedagógica deve ser consciente a longo prazo, tendo

políticas de compromisso social, flexibilidade e capacidade de adaptação às

novas necessidades. “Portanto a escola não pode ser planejada, organizada

ou orientada apenas em função dos imperativos momentâneos da

conjuntura econômica ou das filosofias sociais em voga” (Delors, 2005, p.

24).

A ética deverá ser o baluarte das atividades dos educadores, com propostas

educacionais emancipatórias, fundamentadas em uma ética universal do ser

humano, perseguindo o sonho de uma sociedade mais justa, digna, isto é,

uma sociedade humana.

A educação não se faz sem a perspectiva de transformação do homem e da

sociedade.

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O que move o ser humano a conhecer é justamente a possibilidade de

fazer-se histórico intervindo no real. A esperança caminha junto com a

ética, em direção a um projeto de homem em sociedade.

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