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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE Elizabete Cristina Ribeiro Silva HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno para a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde. RIO DE JANEIRO 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

Elizabete Cristina Ribeiro Silva

HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno para a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde.

RIO DE JANEIRO 2015

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Elizabete Cristina Ribeiro Silva

HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno para a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Saúde.

Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Doutor em Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

RIO DE JANEIRO 2015

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Elizabete Cristina Ribeiro Silva

HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno para a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do Título de Doutor em Educação em Ciências e Saúde.

Aprovado em:

______________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca - UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Maylta Brandão dos Anjos - IFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Ana Cristina Souza dos Santos - UFRRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio - UFRRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira - UFRJ

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DEDICATÓRIA

A minha mãe, sempre, pelo seu exemplo de força e de não subordinação ao que

parece determinado.

S586h Silva, Elizabete Cristina Ribeiro.

Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a educação em

ciências e para a educação em saúde. / Elizabete Cristina Ribeiro Silva. – Rio de

Janeiro: UFRJ/NUTES, 2015.

245 f.: il.; 30 cm.

Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde, 2015.

Referências bibliográficas: f. 233-245.

1. Educação alimentar e nutricional. 2. Educação em saúde. 3. Tecnologia

Educacional em Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a

Saúde. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu companheiro, Ernani Jardim e à nossa filha, Mariana por tudo que vivemos

juntos. Eu não me arrependo de nada! Aos meus familiares, pela certeza do apoio.

Aos meus amigos e amigas, pelos muitos choros e risos compartilhados. Ao meu orientador, Alexandre Brasil, pelas oportunidades de crescimento.

À professora Graça Carvalho, pela acolhida além-mar. Aos colegas de trabalho e de estudos, pelos muitos momentos de discussão e de

descontração. Ao Hugo Cerqueira e à Fernanda Dysarz, pelos muitos momentos de ação-reflexão-

ação na e sobre a horta. Aos professores e professoras do NUTES, pela contribuição nessa etapa de

aprendizado. Às professoras das bancas de qualificação e de defesa pelas valiosas sugestões.

À CAPES pelas bolsas concedidas e pelos aprendizados obtidos no exterior. Aos meus companheiros e companheiras de jornada, os professores (as), pela

cumplicidade na dor e na delícia de sermos o que somos. A todos e todas que estiveram sob a minha responsabilidade docente, pelos

desafios que me impuseram possibilitando reformulações na minha prática educativa.

Tudo, tudo valeu a pena.

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O apanhador de desperdícios (Manoel de Barros)

Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras

fatigadas de informar. Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios [...]

A horta (Rubem Alves)

[...] Uma horta é um bom lugar para começar. E pra continuar, até acabar.

Seria bom saber que alguém colherá coisas que nós semeamos [...]

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RESUMO

SILVA, Elizabete Cristina Ribeiro. Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a educação em ciências e para a educação em saúde. 2015. 246 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

A recente proliferação de projetos com hortas escolares no Brasil visa a

atender demandas relativas à saúde alimentar, as quais se contrapõem ao modelo

agroalimentar predominante. Com tal perspectiva, o presente estudo objetivou

contribuir para a requalificação física e pedagógica das hortas escolares. Com

abordagem qualitativa, ancorou-se na articulação de referenciais teóricos e

procedimentos metodológicos contra-hegemônicos. Assim, o Pensamento

Complexo, a Sociologia das Ausências, a Sociologia das Emergências e a

Agroecologia pautaram a eleição, a apreciação e o estabelecimento de conflitos de

conhecimentos dos temas, do corpus e dos dados. A superação do pensamento

linear e racionalizado, em prol do pensamento complexo e da emergência de

compreensões, foi instrumentalizada com a Análise Textual Discursiva. A

metodologia orientou a decomposição e a identificação de unidades de significado

em três conjuntos de textos que relatam experiências com hortas escolares: o

relatório de um abrangente estudo do Observatório da Educação/CAPES/INEP/

NUTES/UFRJ sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE; 91

formulários com informações de municípios selecionados em uma premiação

nacional sobre gestão do PNAE; os registros de uma experiência emblemática de

práxis em uma horta escolar urbana. As experiências analisadas mesclam

elementos que reforçam os modelos de educação, de saúde e agroalimentar que

pretendemos superar com outros coerentes com as demandas atuais, ainda que as

intenções declaradas indiquem a contra- hegemonia, evidenciando a adesão pouco

fundamentada aos conceitos que permeiam a horta escolar. Há incongruências nos

e entre objetivos, recursos didáticos, procedimentos e estruturação física da horta

que comprometem a consolidação dos conceitos de saúde e alimentação saudável.

Investiu-se na potencial riqueza dessa heterogeneidade para a identificação das

categorias de análise, cuja problematização ensejou especificações para cada etapa

do desenvolvimento da horta escolar. O estudo considerou inconsistências

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pedagógicas nos projetos com hortas escolares em curso, no Brasil, visando à

saúde alimentar do escolar, e reuniu elementos afinados com as atuais demandas

dos campos Educação em Ciências, da Educação em Saúde e do PNAE.

Destacaram-se como aspectos fundamentais na parametrização de hortas

escolares: a atitude transdisciplinar dos educadores; o refinamento dos objetivos

com a adoção da perspectiva crítica de saúde desde a produção de alimento até o

consumo; a assunção de seu papel mediador e integrador para aprendizagens

cognitiva, afetiva, comportamental e relacional, preparando o estudante para o ato

de experimentar e/ou comer “saudável” e para perceber as dimensões presentes no

sistema alimentar; a problematização do modelo de agricultura dominante e de

procedimentos insalubres naturalizados na agricultura e o conflito com os estudos e

as opções fundamentadas na agroecologia; a concepção de prática e de

equipamento pedagógico coerente com aqueles objetivos, abrangendo adequação

técnica, instrumental e estrutural, o uso de equipamentos de proteção; a seleção

criteriosa de colaboradores e a articulação de seus conhecimentos; e, sobretudo, o

exercício crítico permanente ação - reflexão - ação.

Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar. Alimentação saudável.

Atitude transdisciplinar. Práticas educativas. Complexidade. Sociologia das

ausências.

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ABSTRACT

SILVA, Elizabete Cristina Ribeiro. Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a educação em ciências e para a educação em saúde. 2015. 246 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

In Brazil, the recent growth of urban garden projects in schools attempts to

achieve nutritional health needs, which are opposed to the dominat agro-food model.

From this perspective, the present study aimed to contribute to the physical and

pedagogical requalification of school vegetable gardens. Using a qualitative method,

the study relied on counter-hegemonic theoretical frameworks and methodological

procedures. Thereby, the complex thought, the sociology of absence, sociology of

emergencies and agroecology guided the selection, assessment and establishment

of knowledge conflicts, corpus and data. Countering linear thought and

rationalization, and favoring complex thought and emergence of understanding,

textual analysis discourse was used. The methodology guided the decomposition

and the identification of knowledge units in three set of texts that report the

experiences with school vegetable gardens: an embracing study report of

Educational Laboratory/CAPES/INEP/ NUTES/UFRJ about the Programa Nacional

de Alimentação Escolar - PNAE; 91 forms with information about selected cities in a

national award of PNAE management; the records of an significant experience of

praxis in an urban school garden. The analyzed situations present declared

objectives towards the counter-hegemony model, but the experiences bring together

elements that reinforce dominant models of education, health and agro-food, and

others consistent with current demands. This shows little conscious adherence to

concepts that permeate the school garden. There are inconsistencies within and

between goals, teaching resources, procedures and physical structure of the garden

that compromise the consolidation of health and healthy eating concepts. The

richness of this heterogeneity was the investment point to identify categories of

analysis. Those were used for problematizing and to create a trial with the

specifications for each stage of the school garden development. The study

considered the inconsistencies in current educational projects with school gardens

aiming at healthy eating of the student, and met elements strongly connected with

current demands of science and health education and PNAE. The following are

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highlighted fundamental issues in the parameterization of school gardens: the

transdisciplinary attitude of educators; the refinement of goals with the adoption of

critical health perspective from food production to consumption; the attitude of

facilitator and integrator role in cognitive, affective, behavioral and relational learning,

which prepares students for the experience and/or eating "healthy,” while realizing

the structures involved in the food system; questioning the dominant agricultural

model and its unhealthy procedures, in opposing to studies and options within

agroecology; practical conception and consistent pedagogical equipment with those

goals which includes technical, instrumental and structural adequacy, use of

protective equipment; the careful selection of employees and articulation of their

knowledge; mainly the permanent critical exercise of “action - reflection - action”.

Keywords: Programa Nacional de Alimentação Escolar. Healthy eating. Transdisciplinary attitude. Educational practices. Complexity. Sociology of absences

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1:Tipologia das dimensões da educação ambiental (LAYRARGUES,2006, p.

98)..............................................................................................................................83

Figura 2: Etapas da Análise Textual Discursiva.......................................................131

Figura 3: Textos que compõem o corpus da investigação.......................................133

Figura 4: Esquema de unitarização do material A....................................................134

Figura 5: Modelo do Formulário de Projeto/ação preenchido pelos municípios

participantes do Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão

2012..........................................................................................................................144

Figura 6: Totalidade das categorias de análise e respectivas subcategorias obtidas a

partir da síntese das unidades de análise................................................................174

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Teses e dissertações com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontradas

no Banco de Teses da CAPES publicadas entre os anos de 2000 e 2012.............103

Quadro 2: Artigos científicos com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontrados na

base de dados SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES publicados entre os

anos de 2000 e 2013................................................................................................115

Quadro 3: Distribuição de hortas por regiões do país, entre os inscritos para o

Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, nos 91 formulários

disponibilizados........................................................................................................145

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AC- Análise de Conteúdo AD - Análise de Discurso AFZ - Ação Fome Zero ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária ATD - Análise Textual Discursiva BIREME - Biblioteca Regional de Medicina, atual Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural CAE - Comitês para a alimentação escolar CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CET/UnB - Núcleo de Gastronomia do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília CETUR - Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade DHAA - Direito Humano à Alimentação Adequada EAN - Educação Alimentar e Nutricional EC - Educação em Ciências EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina ES - Educação em Saúde FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations (ou Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FNDE - Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação LDB - Lei de Diretrizes e Bases INCAPER - Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MS - Ministério da Saúde NUTES - Núcleo de Tecnologia Educacional em Saúde ONG - Organização Não Governamental PANCs - Plantas Alimentícias Não Convencionais PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais PNAE- Programa Nacional de Alimentação Escolar PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade SAN - Segurança Alimentar e Nutricional SciELO - Scientific Electronic Library Online UA. A.S - Unidades de Análise do documento A referentes à região Sul UA. A. SE - Unidades de Análise do documento A referentes à região Sudeste UA. A. NE - Unidades de Análise do documento A referentes à região Nordeste UA. A.N - Unidades de Análise do documento A referentes à região Norte UA. A. CO - Unidades de Análise do documento A referentes à região Centro Oeste.

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UAB - Universitat Autònoma de Barcelona UA.B - Unidade de Análise do material B UA.C - Unidade de Análise do material C UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UNESCO - United Nations Educational Scientifc and Cultural Organazation ( ou Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas) WHO - World Health Organization

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................16 2 EMBASANDO UMA PRÁTICA EDUCATIVA PARA O MUNDO CONTEMPORÂNEO..................................................................................................29 2.1 A COMPLEXIDADE OU PENSAMENTO COMPLEXO .......................................35 2.2 A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E A SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS..41 2.3 A AGROECOLOGIA E A AGRICULTURA URBANA...........................................45 2.4 PRÁTICAS EDUCATIVAS MULTIDIMENSIONAIS.. ...........................................48 3 HORTAS ESCOLARES NO BRASIL: demandas e orientações contemporâneas.......................................................................................................52 3.1 HORTAS: agricultura e invisibilidades..................................................................58 3.2 HORTAS ESCOLARES: prática pedagógica e equipamento pedagógico..........66 3.3 HORTAS ESCOLARES URBANAS: anunciando ausências ..............................69 3.4HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: denunciando ausências...................................................................................................................71 3.5 HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS PREPARANDO O TERRENO: aprender é processo/sobre aprender a comer ......................................74 3.6 HORTAS ESCOLARES URBANAS PREPARANDO O TERRENO PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE E PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: abordagens contemporâneas ........................................................................................................76 3.6.1 Educação em Ciências..................................................................................78 3.6.2 Educação em Saúde......................................................................................87 3.6.3 Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE...................................91 3.6.3.1 Sobre o Projeto Educando com a Horta Escolar............................................94 3.7 HORTAS ESCOLARES NAS PESQUISAS BRASILEIRAS...............................102 3.7.1 Teses e dissertações ..................................................................................103 3.7.2 Artigos científicos .......................................................................................114

4 SOBRE TEORIAS, MÉTODOS E DADOS: escolhas.....................................126 4.1 ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA: múltiplas metamorfoses ...........................129 4.2 CONSTRUINDO UM MAPA PARA O MOVIMENTO INTERPRETATIVO.........130 4.2.1 Dados? Nada é realmente dado..................................................................132 4.2.1.1 Material A: hortas escolares no Mapeamento e delimitação da Alimentação Escolar no Brasil ......................................................................................................135 4.2.1.2 Material B: experiências brasileiras com hortas escolares no contexto do Prêmio gestor eficiente da merenda escolar ...........................................................141 4.2.1.3 Material C: registros referentes ao Projeto Horta Escolar Urbana: espaço para a construção de práticas educativas inovadoras para a Educação em Ciências e Saúde....................................................................................................................159 4.2.1.4 Outros achados............................................................................................170 4.2.2 Categorização: construindo um mosaico ..................................................173

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4.2.2.1 Compreensão da realidade: possibilidades contra hegemônicas ou de reforço de elementos hegemônicos......................................................................................176 4.2.2.2 Os objetivos da atividade, as formas de desenvolvê-la e os resultados alcançados ..............................................................................................................180 5 INTERPRETAÇÕES: conflitos de conhecimentos, denúncias e anúncios..................................................................................................................182 5.1 QUAIS PRESSUPOSTOS GUIAM O PLANEJAMENTO E A EXECUÇÃO DE UMA HORTA ESCOLAR? .......................................................................................182 5.2 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ESPERADOS PARA HORTAS ESCOLARES? ..................................................................................................................................193 5.3 O QUE CONSIDERAR PARA OS RECURSOS MATERIAIS E PARA A ESTRUTURA FÍSICA DA HORTA?.........................................................................197 5.4 COMO DESENVOLVER A ATIVIDADE?...........................................................203 5.5 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ALCANÇADOS COM AS HORTAS ESCOLARES? COMO AVALIAR?....................................................................................................218 5.6 AJUDANDO A CONSTRUIR RESPOSTAS: os caminhos e as armadilhas identificados..............................................................................................................222 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................228 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................233

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1 INTRODUÇÃO

Eu tinha menos de 20 anos quando conheci a minha primeira turma oficial, uma

classe de alfabetização na rede pública de ensino. E não sei bem o porquê, mas

achava que deveria fazer uma horta com as crianças. Era um sentimento daqueles

que são só sentidos, mas não conseguimos pensar bem a respeito. Não havia ali

elaborações pedagógicas, só um desejo e a certeza de que seria bom. Bom! Para

mim? Para eles? Ainda não sei. Minha infância e adolescência na roça - ainda

recentes na época - e aquele quintal grande me faziam acreditar na facilidade de

realizar tal intento. Como estudante assistia a algumas aulas e saia correndo da

universidade para assumir o posto de professora em escolas com tantas questões

urgentes... A horta não aconteceu na primeira escola e nem na segunda.

A ideia me perseguia e eu procurava me contentar com potinhos e vasinhos

nos cantos da sala. Gostava de chamar a atenção para as formiguinhas, os

tatuzinhos de jardim, os gongolos, as sementes, os frutinhos, as flores miúdas de

alguns matos. Aqueles bichinhos e plantinhas de que ninguém sabe os nomes por

não terem importância. Tão desimportantes como aquelas escolas, para onde

ninguém queria ir, como aquelas crianças. Tão desimportantes como eu.

A terceira escola era nova, pré-moldada, sem quintal, igualmente sem

importância, mas com uma equipe de professores e direção que vibraram com a

ideia. “Naquele cantinho ali, não dá?”. Havia a crença de que a horta comporia um

mosaico de ações contribuintes para a formação, não só dos escolares, mas de

todos nós. Assim, sobre um pequeno espaço de “chão batido” com restos de obra,

fizemos a marcação dos canteiros e, ao longo de vários dias, acrescentamos

saquinhos de terra trazidos de casa pelas crianças. Aconteceu a minha primeira

horta escolar e a partir daí não parei mais nos quase trinta anos seguintes que tenho

atuado como professora.

É muito reconfortante quando encontramos pessoas que conseguem

interpretar, traduzir e acolher sentimentos - pouco ou nada importantes - que

parecem ser tão esdruxulamente nossos. Tem sido assim com muitas pessoas que

tenho encontrado pela vida. Foi assim naquela terceira escola e na quarta. Foi assim

com Rubem Alves afirmando que uma horta é um bom lugar para começar. E pra

continuar, até acabar... E que eu poderia plantar tomatinhos na horta da escola,

daqueles pequenos, minúsculos, que não se encontram em lugar civilizado, não se

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vendem em feiras. Ah, depois veio Manoel de Barros e sua atenção aos

desimportantes. Que imensa alegria ler tudo aquilo! Sim! Ele entendia minha

predileção pelas lagartixas, pererecas, formigas!

São fragmentos de uma vida profissional que se entrelaçaram com muitos

outros e que foram consolidando em mim um alto grau de intimidade com as hortas

escolares.

A atividade agrícola, assim como tantas outras elaborações e artefatos

humanos, precede a escola e, em um dado momento, sendo percebidas suas

possibilidades pedagógicas, passa a ocupar o espaço formal de educação. Porém,

os propósitos dessa inclusão se modificaram ao longo do tempo, comportando

concepções que ora a priorizam como atividade fim, ora como atividade meio e em

outras situações os intentos se confundem. Entende-se que as intenções devem

orientar os processos envolvidos em tais transposições.

A inserção da agricultura na educação formal no Brasil data do período

colonial, no contexto rural, com objetivos que aliavam correção de condutas sociais

à qualificação técnica agrícola para crianças pobres e/ou órfãs. Posteriormente, no

ensino técnico, compõe a dicotomia com o ensino propedêutico, sendo o primeiro

voltado aos menos favorecidos visando à atuação nas regiões agrícolas e o segundo

para a formação intelectual da elite econômica e social (SOARES, 2003). Sob a

vigência da Lei nº 5 692/71 (BRASIL, 1971), objetivando a preparação para o

trabalho em áreas rurais, as técnicas agrícolas compunham o currículo do Ensino

Fundamental com estrutura robusta que incluía professores especializados,

insumos, ferramentas e até maquinário agrícola. Aqueles objetivos se tornam frágeis

com a Lei nº 7044 (BRASIL, 1982) e a disciplina passa a ser eletiva. A percepção da

agricultura vinculada estritamente ao meio rural, somada a urbanização e aos ideais

de progresso e desenvolvimento subjacentes, coincide com o abandono das ações

em agricultura no ensino fundamental formal.

Porém, nos últimos anos, sob a influência das revelações de problemas

ambientais mundiais e, mais recentemente, pela crescente apreensão com questões

de alimentação, a agricultura torna-se centro de discussões. Orientações

internacionais, marcadamente aquelas difundidas a partir das Recomendações de

Tbilisi (UNESCO, 1980) e da Carta de Ottawa (WHO, 1986), tiveram papel relevante

nas inúmeras proposições no Brasil para a Educação Ambiental e a Educação em

Saúde, respectivamente. Embora elaboradas em âmbitos e com objetivos

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específicos, as hortas escolares são propostas como ação educativa em ambos

(BRASIL, 2011; BRASIL, 2006). Vislumbra-se a possibilidade de que o contato com

elementos naturais, o ato de plantar e os seus desdobramentos seriam capazes de

promover nas crianças uma percepção mais positiva em relação ao meio ambiente e

que o estreitamento da relação com o processo de produção de alimentos

possibilitaria minimizar problemas referentes ao acesso e a escolha dos mesmos

(SILVA, 2010).

Assim, as hortas passaram a fazer parte das propostas e ações de diversos

órgãos e instituições relacionados ao Meio Ambiente e, posteriormente, aos da

Saúde. Em ambos os casos, as escolas são indicadas como espaços privilegiados

para intervenções. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a

Portaria Interministerial nº 1010/2006 (Ministério da Educação e da Saúde), entre

outros, expressam essa última preocupação e sugerem a elaboração de hortas

escolares para a promoção da alimentação saudável (BRASIL, 2011; BRASIL,

2006).

Uma pesquisa que avaliou o perfil da gestão pública municipal do Programa

Nacional de Alimentação Escolar - PNAE (BRASIL, 2013) de 670 prefeituras

inscritas no Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, entre os anos de 2004 e

2005, identificou a implantação de hortas escolares entre as iniciativas mais

presentes nos dois anos analisados. Entre os inscritos em 2004, as hortas

constavam em 25,4% do total de escolas e, no caso dos inscritos em 2005, em

29,6% do total de escolas. Naquela investigação as hortas são mencionadas como

empreendimento criativo e com impacto positivo no sistema de alimentação escolar

(BELIK e CHAIM, 2009). O Boletim/2012, da mesma premiação, informa a

existência, no ano de 2011, de hortas em 61,0% das escolas inscritas. As hortas são

listadas entre as ações que contribuem para a qualidade do cardápio, a saúde do

escolar e a difusão de hábitos alimentares saudáveis (FOME ZERO, 2012).

Uma busca pelo assunto horta(s) escolar(s), feita por dissertações/teses e

artigos nas bases de dados científicos www.periodicos.capes.gov.br e

www.scielo.com.br , sugere que os estudos acadêmicos sobre o tema, no Brasil,

são incipientes e não têm evoluído de forma proporcional ao demandado pela

sociedade como mostra a evolução acima. Entre os anos de 2000-2013 foram

identificadas: uma tese de doutorado e quatorze dissertações de mestrado, dentre

as quais em dez a horta aparece como tema da pesquisa. Verifica-se que tais

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pesquisas, também, pouco geraram em termos de publicações científicas no Brasil,

no mesmo período. Nesse caso, foram encontrados dois resultados, nos quais as

hortas escolares são tema central.

A percepção inicial que esses achados estariam em defasagem quantitativa

com a expansão dessa prática no Brasil levou a uma busca genérica pelo assunto

hortas escolares em páginas do Brasil com o uso da ferramenta virtual

www.google.com.br. Constatou-se a proliferação no Brasil, nos últimos anos, de

múltiplos e diversificados projetos voltados à implantação de hortas em escolas. Os

números variam entre seis resultados encontrados no ano de 2000, 49 em 2005,

saltando para 6.890 resultados em 2013. Nesse caso enquadram-se materiais

diversos oriundos de revistas indexadas ou não, trabalhos de congressos, relatórios

e boletins técnicos e de pesquisa, legislação, notícias e outros textos sobre

implantação de hortas escolares disponíveis na web. Ainda que este aumento possa

estar relacionado ao acesso crescente à internet nesse período, é possível

identificar que os empreendimentos mais recentes, em sua maioria, dão mais ênfase

aos objetivos relacionados à formação de hábitos alimentares saudáveis e se

justificam pela preocupação com índices alarmantes, apontados em pesquisas

diversas, de problemas de saúde relacionados à alimentação inadequada e pelas

recomendações governamentais para a educação alimentar no espaço escolar.

Embora haja um aparente consenso nas menções, sugestões e no

reconhecimento das hortas como atividades facilitadoras do desenvolvimento de

hábitos alimentares saudáveis, ainda são insustentáveis, em sua maioria, as

iniciativas nesse sentido. Os poucos estudos realizados no Brasil têm sinalizado

para a ausência de elementos metodológicos balizadores para a implantação,

manutenção e avaliação dos impactos dessas práticas nas escolas urbanas. O

investimento na apreciação dos limites e das possibilidades da inserção dessas

atividades indica fragilidades na elaboração de estratégias eficazes para a

construção, exploração do potencial pedagógico e apreciação das implicações das

hortas, especialmente, nesse novo contexto - o urbano (SILVA, 2010;

BERNARDON, 2011; ALCÂNTARA e BRANCO, 2011).

Há indícios da inexistência de uma estrutura pedagógica apropriada e de

indefinição metodológica que se refletem, entre outras coisas, em contradições entre

modelos e técnicas de agricultura, nas escolhas das espécies cultivadas, no destino

da produção, na organização e nas adaptações em função do espaço disponível, na

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aquisição e uso de ferramentas e equipamentos de uso individual e coletivo, na

responsabilidade pela iniciativa e financiamento, em objetivos e procedimentos não

especificados em função da faixa etária dos estudantes, nas incertezas quantitativas

e qualitativas para o equilíbrio entre o empenho físico e o intelectual e na ausência

de parâmetros para a avaliação de seu impacto educativo nos escolares. De um

modo geral, a gestão, o financiamento e a execução da atividade têm contado com

investidores, entusiastas e/ou voluntários efêmeros, o que inviabiliza ou dificulta a

perenidade das ações, a sua evolução e qualificação metodológica e a aferição de

seus resultados nos processos de aprendizagem (SILVA, 2010; SILVA et al., 2011).

Há na presente pesquisa, a intenção de ampliar os conhecimentos nas áreas

da Educação em Ciências e Educação em Saúde, partindo dessas lacunas

identificadas nas recomendações e utilização de hortas escolares. Tal anseio é o

resultado de minhas constatações e reflexões acumuladas durante a ação

investigativa como mestranda (2008 - 2010), na condição de membro da equipe

(bolsista/professor de educação básica/Observatório da Educação/CAPES/INEP-

núcleo local NUTES/UFRJ) de pesquisa que investiga os diferentes aspectos que

envolvem a alimentação escolar no Brasil e, ainda, o vivenciado empiricamente com

a elaboração de hortas em diferentes contextos ao longo de 30 anos como

professora no Ensino Fundamental da rede pública do Rio de Janeiro.

O interesse em aprofundar os estudos sobre o tema fez das hortas escolares o

eixo de análise para o mestrado e o doutorado e conduziu a proposições e olhares,

no Observatório da Educação referido, que permitissem um melhor entendimento de

sua inserção, abrangência e importância em diferentes regiões do Brasil.

Entre as ações realizadas junto ao Observatório ganhou destaque, para o

presente estudo, o projeto de pesquisa e extensão Mapeamento e Delimitação da

Alimentação Escolar no Brasil: conhecendo e discutindo oportunidades no campo da

Educação Alimentar e Nutricional /Edital 001/2008 –

CAPES/INEP/SECAD/Observatório da Educação/ Núcleo local NUTES/UFRJ, o qual

teve como objetivo descrever e analisar experiências relacionadas à educação

alimentar e nutricional realizadas no âmbito do Programa de Alimentação Escolar-

PNAE e contou com recursos provenientes de Editais da CAPES, INEP, SECAD,

CNPQ, FAPERJ, MAEC e AECID. As atividades e investigações desenvolvidas

sobre as múltiplas dimensões que configuram o PNAE e, especialmente, no que diz

respeito ao que tem sido considerado como boas práticas de Educação Alimentar e

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Nutricional, exibem resultados que reforçam a relevância que tem sido atribuída às

hortas escolares e trazem elementos que, ao serem analisados, podem contribuir

para a sua qualificação pedagógica.

Nesse ínterim, ocorreram participações e apresentações de dezenas de

produções do Observatório como artigos, trabalhos completos, oficinas e resumos

em eventos com publicações que dialogam com o tema. Foram realizadas oficinas

sobre hortas escolares e outras que, igualmente, visavam a expor a

multidimensionalidade da alimentação no espaço escolar, trocar experiências e

conhecimentos sobre a temática. Com esse movimento ganhamos visibilidade e

passamos a ser demandados amiúde para apoiar e orientar projetos de implantação

e/ou aperfeiçoamento de hortas escolares. Percebíamos nessas demandas o forte

desejo de ter uma horta na escola, a convicção de sua importância pedagógica e o

desconhecimento sobre os insumos e os procedimentos técnicos necessários.

Entretanto, chamava a nossa atenção a fragilidade dos argumentos que embasavam

a importância pedagógica e, principalmente, que a necessidade declarada se

restringisse, na grande maioria dos casos, aos conhecimentos técnicos em

agricultura. Ou seja, a preocupação central estava em como preparar o terreno,

como plantar, como cuidar, quais e como conseguir os insumos etc., mantendo a

lógica da agricultura comercial e desconsiderando as especificidades do ambiente

escolar. Quando muito, era citada uma ou outra variação, geralmente estéticas

reproduzidas de alguma experiência a que se teve acesso.

Nesses diálogos procurávamos evidenciar alguns aspectos teóricos e práticos

no sentido de orientar a reflexão para novas possibilidades da atividade agrícola na

escola contemporânea e, especialmente, no espaço urbano. Porém, as questões

levantadas careciam de sistematização e, de certa forma, passamos a ser

provocados a avançar nesse sentido.

Todo esse conjunto suscitou a necessidade e o desejo de desenhar uma

situação na qual o exercício da práxis (FREIRE, 1996) fosse assumido como

premissa, ou seja, a união reflexiva e recursiva dos conhecimentos reunidos, até

aquele momento, e a prática. Assim, como um desdobramento do projeto amplo

Mapeamento e delimitações da alimentação escolar... foi desenvolvido o Projeto

Horta Escolar Urbana: espaço para a construção de práticas educativas inovadoras

para a Educação em Ciências e Saúde/FAPERJ/ Apoio à Melhoria do Ensino em

Escolas da Rede Pública Sediadas no Estado do Rio de Janeiro – 2011, cujo

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objetivo foi a estruturação físico-pedagógica da horta de uma escola pública de

ensino fundamental. As ações, planejadas por membros da escola e do Observatório

da Educação, ocorreram em 2012. Foram realizadas elaborações e reelaborações

de ações e procedimentos, resultando na emergência de algumas considerações

pedagógicas importantes para a educação alimentar e nutricional que nos

pareceram, até então, desconsideradas em outras experiências com hortas.

A experiência acumulada fez crescer a percepção da importância e do

potencial das hortas escolares. Concordando com o poeta Manoel de Barros, que

afirma que a gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela

intimidade que temos com as coisas, tenho a convicção de estar diante de algo

grandioso, uma possibilidade que existe no presente e que pode ser um sinal do

futuro, uma experiência possível porque já existe como uma possibilidade

emergente e precisa ser trazida para a visibilidade, ser credibilizada e ampliada

(SANTOS, 2007). Sou um apanhador de desperdícios (Manoel de Barros) e,

portanto, não pretendo desperdiçar essa experiência possível, nem a minha própria

experiência e nem a oportunidade que tenho de fazê-lo.

Embora possam apresentar fragilidades e equívocos, as experiências em curso

no Brasil em geral são frutos do trabalho intenso de pessoas que estão nas escolas

e que desejam ardentemente fazer o melhor. Portanto, são situações em que se

observam pistas que indicam esforços pelo aperfeiçoamento da prática pedagógica.

Quantos elementos das experiências com hortas escolares podem estar sendo

desperdiçados no contexto brasileiro? Que contribuições podem oferecer?

Dada a constatação de poucos estudos científicos sobre hortas no Brasil

contrastando com a sua crescente proliferação, o passo seguinte seria, então,

localizar e olhar para essas diversas experiências em curso, identificar confluências

e divergências, seus elementos promissores e aqueles que ainda estão ausentes,

seus possíveis equívocos e acertos. Não há uma sistematização oficial onde seja

possível obter detalhamentos sobre as formas como ocorrem. É possível ter a noção

parcial de sua forte presença em território nacional em modalidades de divulgação

pela web.

Encontramos na premiação intitulada Prêmio Gestor Eficiente da Merenda

Escolar, organizada pela ONG Ação Fome Zero, a oportunidade de acesso a um

conjunto de descrições de experiências com hortas representativas das diferentes

regiões do país. A premiação tem como objetivo incentivar e divulgar boas práticas,

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ações criativas e inovadoras, conduzidas no âmbito municipal na gestão do PNAE.

Com periodicidade anual, foram dez edições ocorridas entre 2004 e 2013 com o

envio de convite e material explicativo para todas as prefeituras do país. O processo

seletivo é realizado através de questionários, relatórios e visitas técnicas, sendo

sempre premiadas prefeituras das cinco regiões do Brasil. Na categoria Eficiência e

Educação Alimentar e Nutricional há uma lista de iniciativas indicadas na qual consta

o item Hortas escolares e/ou municipais a ser marcada como realizado ou não. Em

caso afirmativo, há um formulário específico para a descrição do projeto/ação. As

hortas estavam presentes em mais de 50% dos municípios inscritos, no ano de

2012, em todas as regiões (FOME ZERO, 2012). Foram disponibilizados 91

formulários referentes a essas ações de cidades inscritas no período. A leitura

atenta desse material, inevitavelmente, o punha em confronto com os

conhecimentos adquiridos nas situações mencionadas anteriormente.

Foram anos de intensa pesquisa e imersão no tema, o que gerou uma profusão

de dados e conhecimentos sobre os quais eu deveria me debruçar com afinco para

sua sistematização. O ano de 2013 trouxe a possibilidade de um afastamento

estratégico do contexto brasileiro e a conformação de um olhar mais ampliado para

a questão. Fui contemplada com bolsa - processo nº 18934-12-9 - concedida pelo

Programa Institucional de Doutorado Sanduiche no Exterior financiado pela

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ Brasil e estagiei

durante quatro meses no CIEC - Centro de Investigação em Estudos da

Criança/Instituto de Educação/ Universidade do Minho-Portugal.

Portugal é referência em agricultura biológica - o que no Brasil denominamos

agricultura orgânica - e possui experiências com hortas urbanas de cunho social e

terapêutico e quintas pedagógicas, nas quais foi possível identificar ações

importantes, travar contato direto com as mesmas e refletir sobre aspectos

relevantes para o desenvolvimento de práticas pedagógicas com agricultura. O

estágio possibilitou a aproximação com outros referenciais teóricos e metodológicos

e com pessoas e instituições europeias que desenvolvem ações relacionadas ao

tema de investigação.

Diante de tantas informações reunidas, ainda de forma caótica e

desorganizada, foi necessária a criação de condições para a ocorrência de uma

tempestade de luz, a fim de iluminar, produzir e expressar novas compreensões

sobre o tema investigado a partir da interação de um conjunto de vozes de

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interlocutores empíricos e teóricos, incluindo a minha de pesquisadora. A aposta no

poder criativo de sistemas complexos e caóticos orientou para a escolha da Análise

Textual Discursiva como ferramenta de apoio metodológico (MORAES e GALIAZZI,

2007).

Considerando as muitas referências e dimensões educativas atribuídas às

hortas escolares que a tornam um fenômeno complexo, buscamos alcançar um

conhecimento igualmente complexo. O método ajuda a organizar um todo e convoca

a participação ativa do pesquisador. Esta se dá por teorias subjacentes. Assim,

teoria e método se confundem numa relação recorrente e compõem um processo de

recriação intelectual permanente (MORIN, 2005a).

Independente das controvérsias sobre as atribuições da escola e da família na

formação da criança e do adolescente, não é possível ignorar o tempo de

permanência, o espaço e as interações estabelecidas na escola e,

consequentemente, o papel formativo para a saúde do estudante (CARVALHO e

GONÇALVES, 2012). Tendo em conta que as hortas são inseridas na escola com

finalidades voltadas à saúde, há que se considerar as dimensões que compõem a

saúde e a complexidade envolvida na transposição da agricultura para a escola

urbana. Tanto é complexa a agricultura em si, quanto às relações social, cultural,

ambiental e de poder estabelecidas historicamente, em especial, no Brasil. Logo,

faz-se imperativa a identificação de valores subjacentes no processo de elaboração

da horta, que de forma direta ou indireta, permeiam a noção de saúde.

As perspectivas da Sociologia das Ausências e da Sociologia das Emergências

(SANTOS, 2002; 2007), da Complexidade (MORIN, 2007a), aliadas aos princípios

da Agroecologia e da Agricultura Urbana (CAPORAL et al., 2009; AQUINO e ASSIS,

2007) contribuem para abalizar as possibilidades das hortas escolares urbanas

como anunciadoras e denunciadoras de ausências contemporâneas (FREIRE, 1996;

SANTOS, 2007). As primeiras provêm esteio para práticas pedagógicas

emancipatórias quando denunciam a vigência da produção ativa de ausências e o

consequente ocultamento de diversas realidades com a naturalização de uma visão

hegemônica da realidade e instrumentalizam para a sua contraposição. A

Complexidade auxilia na identificação das múltiplas dimensões a serem

consideradas nas ações. A Agroecologia e a Agricultura Urbana, no espaço escolar,

somam fatores àquelas perspectivas, permitindo o exercício prático de

discernimento das ausências no sistema alimentar e suas implicações para a saúde

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humana ao conferir visibilidade e resgatar o ocultado tornando-o presente e

disponível.

As perspectivas anunciadas complementam-se e reforçam-se em um

movimento de enfrentamento do desperdício de inúmeras experiências sociais que

põem em xeque os atuais modelos hegemônicos de funcionamento do mundo. A

hegemonia caracteriza-se por uma atuação social servida por normas culturais

dominantes e constituída por relações de poder desiguais – sejam elas relações

econômicas, sociais, sexuais, políticas, culturais e epistemológicas – e nas

interações entre elas (SANTOS, 2013, p. 31). Esse predomínio reduz a realidade,

oculta a diversidade e a riqueza de possibilidades.

Entende-se que esses são aspectos que, afinados aos intentos e aos objetivos

formativos da Educação em Saúde, da Educação em Ciências e do PNAE

(SANTOS, 2012; BRASIL, 1998a; BRASIL, 2013), podem propiciar a construção de

um ambiente no qual a alimentação se constitua em espaço educativo crítico e de

sociabilidade adequado a crianças e a adolescentes inseridos no contexto do ensino

público formal urbano.

O exposto leva a afirmar que muitos aspectos importantes estão sendo

desconsiderados na implantação e desenvolvimento de hortas escolares no Brasil e

sugere a necessidade do estabelecimento de parâmetros para seu melhor

aproveitamento. A abordagem educativa libertadora defendida por Paulo Freire tem

sido considerada o pilar fundamental para a educação alimentar e nutricional

(CONTRERAS e GRACIA, 2011). Temos, então, a intenção de contribuir para

responder a questão Quais são as especificidades de uma horta pedagógica

voltada para crianças e adolescentes em escolas públicas urbanas que criem

possibilidades para uma educação alimentar e nutricional libertadora?

A proposta de Paulo Freire de educação libertadora, pautada na pedagogia

para a autonomia, tem como essência a postura crítica, na qual é primordial a

preocupação constante com a coerência entre o dito e o praticado. Contempla a

metodologia dialógica e o entendimento do conteúdo enquanto prática para a

liberdade e não para domesticar ou alienar. Para isso busca problematizar questões

cotidianas, instaurando a dúvida ao que parece inquestionável (FREIRE, 2008).

Assim, conceber a horta escolar e sua contribuição para a educação alimentar

e nutricional com esse perfil implica uma reflexão criteriosa sobre as suas amplas

possibilidades educativas de informar e formar para escolhas alimentares. Informar e

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formar, anunciar e denunciar são premissas que orientam para a busca de

parâmetros que deem conta tanto do direito à diversidade no aprendizado do gosto

quanto ao entendimento dos fatores envolvidos nos diferentes processos da cadeia

produtiva alimentar.

Considerando que há várias dimensões a serem ponderadas para que a

transposição dessa prática social para a escola seja validada como recurso

pedagógico que atenda as demandas a ela atribuídas na contemporaneidade,

defendeu-se a tese de inconsistências no arcabouço conceitual que tem embasado

grande parte das intervenções em curso. Por outro lado, apostou-se na análise

crítica de tais intervenções para a identificação de elementos que nos permitam

avançar a partir da reflexão e desvelamento da realidade presente.

No intuito de contribuir para as questões referidas, o presente trabalho está

estruturado nas seguintes etapas que correspondem aos seus objetivos

específicos e geral:

O Capítulo 1 apresenta referenciais teóricos e conceitos com apelos crítico e

contra-hegemônico, visando a construir uma concepção educativa para a

horta escolar mais afinada com a contemporaneidade. Assim, são expostas

perspectivas do Pensamento Complexo, da Sociologia das Ausências e da

Sociologia das Emergências, da Agroecologia e da Agricultura Urbana para

embasar as hortas escolares como ação educativa crítica da realidade,

impulsionadora de transformações e de perfil multidimensional.

O Capítulo 2 contextualiza as hortas escolares visando a evidenciar as

demandas e as orientações contemporâneas vinculadas às políticas públicas

no Brasil em relação às mesmas. Exibe estudos e recomendações que

referendam a importância da atividade agrícola para processos educativos e

de desenvolvimento humano no atendimento às exigências atuais nos

campos da saúde e do meio ambiente. Explicita cada conceito que compõe o

título do trabalho, acrescentando, paulatinamente, informações oriundas de

diferentes campos do conhecimento, que guardam relação direta com hortas

escolares ou que trazem contribuições para a sua elaboração prática,

correlacionando-as ao contexto nacional. Este ganha destaque nas

discussões apresentadas sobre a Educação em Ciências, a Educação em

Saúde e o PNAE, que remetem aos objetivos das hortas escolares. O capítulo

é finalizado com a revisão científica nacional em torno do tema.

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O capítulo 3 exibe a fundamentação e o processo de elaboração da estrutura

interpretativa para as informações obtidas, articulando os referenciais teóricos

da pesquisa e a Análise Textual Discursiva. Privilegiando o contexto nacional,

são apresentados os conjuntos de documentos que compõem o corpus da

investigação, já submetidos aos procedimentos propostos pela Análise

Textual Discursiva. Assim, fragmentos dos textos do corpus são

contextualizados e mostrados como unidades de significado. A partir destas,

são estruturadas e explicitadas as categorias e subcategorias de análise.

O capítulo 4 é constituído pela interpretação dos dados encontrados e

estrutura o atendimento ao objetivo geral da pesquisa. São expostas

questões e reflexões que conduzem à elaboração de parâmetros1

pedagógicos que possam contribuir para o aprimoramento de ações em curso

e para a estruturação de arcabouço que qualifique futuros projetos de

intervenção com hortas em escolas públicas urbanas no Brasil para o alcance

dos objetivos formativos requisitados pelo PNAE, pela Educação em Ciências

e pela Educação em Saúde. É finalizado com uma síntese que auxilia na

construção da resposta à questão central da investigação.

O capítulo 5 apresenta as considerações finais da investigação retomando os

aspectos que compõem a questão central do estudo para fazer uma síntese

dos resultados obtidos.

O estudo considerou a heterogeneidade e as incongruências das ações

pedagógicas presentes na recente proliferação de projetos com hortas escolares no

Brasil, visando à saúde alimentar do escolar, como um conjunto rico de

conhecimento produzido. As inúmeras demandas endereçadas a escola exigem

criatividade na elaboração e reelaboração das ações educativas. Nesse espaço

desafiador a produção de conhecimento se dá a partir da intimidade não somente

com o que tem sido reconhecido como importante e visibilizado, mas também com o

pouco visível e desimportante.

A práxis e a análise crítica dos esforços empreendidos nas diversas experiências

com hortas escolares possibilitaram a reunião de elementos mais coerentes com as

1 Cabe esclarecer o uso dado ao vocábulo parâmetro, uma vez que é possível identificar significados que fogem

ao proposto. Para o presente contexto adequa-se mais o sentido menos impositivo: elemento importante a levar em conta, para avaliar uma situação ou compreender um fenômeno em detalhe (http://www.dicionariodoaurelio.com).

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atuais demandas dos campos Educação em Ciências, da Educação em Saúde e do

Programa Nacional de Alimentação Escolar para contribuir na sua parametrização.

São elementos que buscam adequar os seus objetivos, os recursos didáticos, os

procedimentos e a sua estruturação física aos conceitos amplos de saúde e de

alimentação saudável.

A partir das perspectivas apresentadas foram considerados aspectos

fundamentais para o planejamento e execução de hortas escolares: a atitude

transdisciplinar; a adoção da perspectiva crítica de saúde desde a preparação para o

plantio até o consumo; a assunção de seu papel mediador e integrador das

diferentes dimensões da aprendizagem; a preparação cognitiva e sensorial do

estudante para o ato de experimentar e/ou comer “saudável” e para perceber as

dimensões presentes no sistema alimentar; a problematização do modelo de

agricultura dominante e de procedimentos insalubres naturalizados na agricultura e o

conflito com os estudos e as opções fundamentadas na agroecologia; a concepção

de prática e equipamento pedagógico coerente com o conceito de saúde,

abrangendo adequação técnica, instrumental e estrutural, o uso de equipamentos de

proteção; a seleção criteriosa de colaboradores e a articulação de seus

conhecimentos; e, sobretudo, o exercício crítico permanente -ação-reflexão- ação-

desejável em qualquer prática educativa.

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2 EMBASANDO UMA PRÁTICA EDUCATIVA PARA O MUNDO

CONTEMPORÂNEO

A horta escolar se materializa na escola como uma prática com finalidade

educativa. Uma prática educativa a ser elaborada em consonância com a realidade

presente. Não para passivamente reproduzi-la, mas para, pedagogicamente, ajudar

no desenvolvimento do olhar crítico sobre a mesma.

Diante das contradições impostas pelo modelo de relações humanas

dominante, investimos no exercício contra-hegemônico como contribuinte para o

movimento de desnaturalizar e problematizar a realidade vigente. Nesse sentido,

foram eleitos referenciais teóricos com apelos contra-hegemônicos para embasar a

construção de uma proposta educativa crítica de horta escolar que coadune com os

desafios do mundo contemporâneo.

Em concordância com Paulo Freire (1996), reafirmamos que a educação não é

neutra, portanto, não são neutros os procedimentos, os conteúdos, os recursos

materiais, os conceitos, a organização espacial e a linguagem, selecionados e

utilizados na composição de uma prática pedagógica.

Assim, a educação pode ser conduzida na perspectiva inexorável de

manutenção do vigente, nesse caso, com o objetivo de adequar o indivíduo, ou,

como apostamos nesse trabalho, ter o papel de instrumentalizar o sujeito para uma

postura questionadora e de assunção da condição de agente transformador da

sociedade.

Para que essa última se efetive, são necessárias práticas educativas que

propiciem um amplo espectro de informações de modo que o sujeito seja capaz de

resolver dilemas, ter autonomia e responsabilidade, ter uma autoimagem positiva e

desenvolver capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios

das produções humanas (LIBÂNEO, 2005). Essa composição pedagógica tem

como objetivos fundamentais:

a. Provimento de mediações culturais para o desenvolvimento da razão crítica, isto é, conhecimento teórico-científico, capacidades cognitivas e modos de ação; b. Desenvolvimento da subjetividade dos alunos e ajuda na construção de sua identidade pessoal e no acolhimento à diversidade social e cultural; c. Formação para a cidadania e preparação para atuação na realidade (LIBÂNEO, 2005, p. 19).

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Aqui não cabem ingenuidades! Ao contrário, exige-se um grande esforço para

lidar com a complexidade da ação pedagógica diante das questões conflitantes

postas pela contemporaneidade. Para tal opção pedagógica é imprescindível o

reconhecimento de valores, de objetivos políticos, morais e ideológicos implicados.

As escolhas feitas nesse conjunto de elementos abstratos podem ganhar concretude

mediada por uma organização didática coerente.

A adoção de uma prática pedagógica envolve a escolha de recursos didáticos,

a forma de organizá-los, as relações interpessoais e, especialmente, anuncia a

concepção que se tem do conhecimento. Em função desta concepção, a prática será

formativa/emancipatória quando orientada pela aplicação ética do conhecimento,

entendendo que há diferentes formas de elaborá-lo e que sua construção se dá na

interação social (MORAES, 2009). Tendo a saúde como pano de fundo, estes são

aspectos a serem considerados quando temos em conta que a escolarização é

importante para a aquisição de conhecimentos, valores, representações sociais,

práticas e símbolos comuns ao grupo, à comunidade e à sociedade em que a

pessoa vive, exercendo homogeneização progressiva de comportamentos dos

estudantes relacionados à sua própria saúde e na contribuição do reforço dos

padrões de saúde concebidos para as populações (CARVALHO e GONÇALVES,

2012).

A transposição da agricultura para a escola urbana contemporânea vinculada a

aprendizados para a saúde é considerada, na presente investigação, como um

fenômeno complexo. A agricultura guarda a complexidade de uma prática milenar

essencial humana resultante de longo processo de evolução técnica e cultural que

se expande, se universaliza e se diversifica com suas implicações sociais, culturais,

ambientais e econômicas. São dimensões que, no Brasil, ganham contornos

próprios em cada uma de suas regiões e suas localidades a serem levados em

conta para a inserção da agricultura na escola. Buscamos considerar, assim, a

complexidade (MORIN, 2005a; 2007a) envolvida nessa transposição e as

necessárias adaptações para a sua conformação pedagógica, abrangendo tanto

aspectos físico-materiais como a escolha e organização dos conhecimentos a serem

explorados e, especialmente, a composição de uma agenda que auxilie na

identificação e questionamento dos valores que orientam as ações.

A Sociologia das Ausências e a Sociologia das Emergências podem fornecer

bases importantes para um projeto educativo como este, indicando possibilidades

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para a análise, a interpretação, o enriquecimento e a reformulação de práticas

pedagógicas. Tal projeto tem em sua essência a pedagogia do conflito e traz

contribuições epistemológicas que tanto orientam o percurso da pesquisa quanto a

análise dos aspectos envolvidos diretamente na prática pedagógica objeto do

estudo. São identificados três conflitos de conhecimentos a serem considerados

como centrais nas experiências pedagógicas emancipatórias. O primeiro refere-se

ao conflito na aplicação de conhecimentos, contrapondo a aplicação técnica com a

aplicação edificante da ciência; o segundo confronta o conhecimento-como-

regulação e o conhecimento-como-emancipação; e o terceiro funda-se na

hegemonia cultural e sua contraposição pelo multiculturalismo (SANTOS, 2009).

Os sistemas educativos estão estruturados de forma unívoca em função da

aplicação técnica do conhecimento científico, distanciando a ciência e seu produto.

Assim, todos os problemas sociais e políticos se convertem em problemas técnicos e

passam a ser resolvidos de modo científico. Tal modelo já mostrou sua ineficácia,

mas sua lógica persiste nos sistemas educativos. O processo ensino-aprendizagem

se enriquece quando o modelo de aplicação técnica da ciência é posto em conflito

com o modelo de aplicação edificante da ciência caracterizado pelo

comprometimento, entre outras coisas, com a ampliação dos canais de comunicação

e argumentação, com o desvelamento das relações de poder, com o

reconhecimento crítico das diferentes formas de conhecimento e com a crítica ao

impacto da aplicação do conhecimento.

O conhecimento-como-regulação e o conhecimento-como-emancipação,

inseridos no paradigma da modernidade, deverão ser postos em conflito dada a

supremacia que o primeiro adquiriu. O conhecimento inerente ao colonialismo

passou a ser justificado como ordem, se sobrepondo pelo convertimento de outros

saberes em ignorância e em caos. O conflito pedagógico pode confrontar a

assimetria entre o saber como ordem e colonialismo e o saber como solidariedade e

caos por meio de exercícios retrospectivos e prospectivos ampliando o campo das

possibilidades.

O terceiro e mais amplo conflito epistemológico proposto é cultural e tem seu

foco na globalização hegemônica, imposta como superioridade da cultura ocidental

em relação às demais, de tal forma que no sistema educativo hegemônico as outras

culturas ou estão ausentes ou estão merecidamente vencidas, marginalizadas,

suprimidas (SANTOS, 2009, p. 31).

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O conceito de hegemonia para o filósofo italiano Gramsci (1989) refere-se à

subordinação material e simbólica de uma sociedade a um modelo que corresponde

aos anseios de uma única classe. Entre as muitas contribuições de Gramsci para a

educação, resguardadas as especificidades histórica e contextual, está a aposta no

potencial do espaço escolar como contribuinte importante para a edificação de uma

nova hegemonia pelas classes sociais subalternizadas.

O pensamento gramsciano alerta para a insuficiência da crítica e da

interpretação da realidade e apela para o movimento de transformação. Para

Gramsci a hegemonia é uma categoria fundamental no processo de transformação

social, por ser o mecanismo pelo qual a classe dominante obtém consenso em torno

de seus objetivos manifestados nas condições de vida material e ideológicas da

sociedade. A classe dominante se mantem nessa condição por meio de algumas

instâncias, entre as quais estaria a escola. No entanto, é no seio da hegemonia que

se constrói a contra-hegemonia, caracterizando-se por processos de construção de

outro senso comum. Assim, essa mesma escola tanto pode reproduzir elementos

que ajudam a manter a estrutura vigente como pode se tornar um espaço de crítica

das contradições que se expressam nos modelos, econômico, político e ideológico,

ora dominantes, conduzindo à transformação para a edificação de uma nova

hegemonia (GRAMSCI, 1989).

As ideias de Gramsci foram uma das referências da perspectiva pedagógica

transformadora de Paulo Freire. Ambos compartilham a possibilidade da escola

participar do processo de transformação da sociedade a partir do desvelamento da

ideologia dominante em prol de um pensamento contra-hegemônico. Este, para

além de uma concepção teórica bem consolidada, precisa permear cotidianamente

as práticas educativas promovendo a desnaturalização das ideias dominantes e

propiciando novas construções, nova práxis (SANTOS NETO, 2009).

Santos (2009) propõe como contraposição emergente à hegemonia cultural o

multiculturalismo, o qual se faz presente nas formas de globalização contra-

hegemônicas concretizadas em movimentos sociais transnacionais que lutam contra

o modelo hegemônico de desenvolvimento e cultural, tais como grupos de direitos

humanos, étnicos, ecológicos, feministas, pacifistas, entre outros.

Cabe evidenciar, para o estudo em questão, os movimentos relativos aos

modos de produção e distribuição agrícola que buscam fortalecer práticas

ecológicas, a agricultura familiar e a economia solidária. São emergências presentes

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no contexto agrícola brasileiro que têm influenciado políticas públicas e penetram na

escola inclusive através da horta, compondo cenários com diferentes graus de

heterogeneidade nos quais residem situações de interações entre elementos

hegemônicos e contra-hegemônicos.

Das diversas possibilidades de interações entre culturas, decorrem distintas

formas de interpretar a condição cultural contemporânea que passam pelas

percepções do agravamento do conflito cultural, da coexistência pacífica de culturas

singulares e do surgimento de culturas híbridas e, ainda, de uma cultura global,

cosmopolita. O imperialismo cultural tem assumido formas que, mascarando a ideia

de hierarquia, naturalizam aquelas últimas percepções e influenciam as práticas

educativas. A elucidação se dá pela reflexão de que a hibridização é sempre uma

troca desigual de reprodução e de que a cultura global seria a globalização de certas

características da cultura dominante. Faz-se necessária a criação de um espaço

intercultural no qual a comunicação entre o imperialismo cultural e o

multiculturalismo se torne possível requerendo uma estruturação pedagógica que

crie imagens desestabilizadoras que promovam o diálogo igualitário entre as culturas

(SANTOS, 2009).

Lamentavelmente, o modelo de educação no Brasil não tem se estruturado de

modo a favorecer esse movimento. Nesse sentido, apela-se para a capacidade de

resistir ao discurso fatalista. A opção por uma educação libertadora concretiza-se no

fazer pedagógico crítico e, para tanto, recomenda-se entre outras coisas, aguçar o

olhar, buscando identificar os fundamentos que têm orientado as políticas

educacionais e as reformas curriculares em curso; não acatar passivamente

documentos oficiais orientadores, mas examiná-los com rigor; identificar e explorar

pedagogicamente os espaços de contradição. Para tanto, é importante criar

momentos de diálogo coletivo, sistemáticos e programados, onde a prática

pedagógica possa ser discutida, problematizada e refletida de tal forma a

estabelecer um processo criativo, aberto, e permanente de sua reinvenção

(SANTOS NETO, 2009, p. 37).

Identificar, dar visibilidade, explicitar e problematizar as dimensões que

compõem uma prática pedagógica contribui para o entendimento dos conhecimentos

envolvidos de forma ampla, o que favorece escolhas informadas no planejamento da

prática e ao longo de sua execução e, especialmente, frente a imprevistos

cotidianos.

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O Pensamento Complexo, a Sociologia das Ausências e a Sociologia das

Emergências têm em comum a contraposição à naturalização e aceitação da

percepção da realidade hegemônica do mundo, sinalizando para a identificação de

elementos contribuintes para práticas pedagógicas emancipatórias, ou além, como

sugere Paulo Freire: práticas pedagógicas libertadoras. Porém, uma vez imersos

num contexto de imperialismo cultural, o esforço contra-hegemônico na realização

concreta de prática pedagógica com agricultura pode ficar comprometido pelo

desconhecimento de outras possibilidades e a adoção inconsciente ou ingênua de

componentes do modelo dominante. Faz-se necessária a busca de subsídios em

outros conjuntos de conhecimentos e manifestações que deem forma e concretude

às ações e aos objetivos pretendidos.

As perspectivas apresentadas foram fundamentais para a identificação, a

justificação e a argumentação sobre o potencial pedagógico presente nos princípios

da Agroecologia e da Agricultura Urbana. Ambas contribuem com olhar renovador

para a agricultura por apresentarem aportes para a sua prática que revelam

dimensões e referências ocultadas pelo modelo hegemônico agroalimentar.

A Agroecologia é reconhecida por alguns autores como uma ciência emergente

com base na complexidade, que põe em diálogo e questiona os diferentes saberes

que envolvem a atividade agrícola e seus respectivos impactos na garantia da

sustentabilidade ecológica, social, econômica, cultural, política e ética. Com isso,

promove o resgate, a seleção, a organização e a disponibilização de um conjunto de

conhecimentos que possibilita escolhas informadas de técnicas, de materiais e de

procedimentos quando do desenvolvimento de atividades agrícolas (ALTIERI, 2004;

CAPORAL e COSTABEBER, 2004; CAPORAL et al., 2009). Assim, a agroecologia

guarda coerência e reforça os pressupostos teóricos anteriormente apresentados

trazendo princípios específicos que podem orientar o planejamento e o

desenvolvimento das hortas escolares. Porém, em se tratando de ações no espaço

urbano, outras particularidades precisam ser consideradas para a adoção de

mecanismos adequados. Encontramos esses subsídios no conceito da agricultura

urbana.

Longe de uma percepção paradoxal, a presença da agricultura no espaço

urbano desde há muito tempo faz resistência ao caráter unívoco da agricultura em

relação ao rural. No entanto, classificações dicotômicas e hierarquizantes como rural

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e urbano, roça e cidade, caipira e moderno, atraso e progresso promovem sua

invisibilidade.

O reconhecimento da agricultura urbana pelas esferas acadêmica e

governamental é relativamente recente e tem se expandido em pesquisas sobre

adequação nas formas de produção e em políticas públicas como instrumento

estratégico no suprimento de carências alimentares. Refere-se a pequenos espaços,

situados dentro de uma cidade ou na periferia desta, destinados à produção agrícola

e à criação de pequenos animais. Pode apresentar-se de forma muito diversificada

em função das peculiaridades locais e dos recursos disponíveis: hortas caseiras em

quintais com solo; produção em recipientes diversos; hortas comunitárias; uso de

técnicas como a hidroponia e a organoponia, entre outras (MACHADO e MACHADO,

2002). Entretanto, já se faz presente o entendimento de que a agricultura urbana

precisa estar apoiada na agroecologia, que inclui o uso de substratos e manejo

orgânico do solo, técnicas de rotação e associações de cultivos e cuidado

fitossanitário alternativo ao convencionalmente utilizado, bem como na utilização de

todo espaço disponível para produção e integração interdisciplinar e interinstitucional

para assessorar a produção (COMPANIONI et al., 2001).

A conjugação dos princípios da agroecologia e das características da

adequação espacial da agricultura urbana ajuda a dar materialidade aos

pressupostos teóricos apontados pelo Pensamento Complexo, pela Sociologia das

Ausências e pela Sociologia das Emergências. Assim, a atividade agrícola na escola

urbana, na condição de horta escolar, tem a possibilidade de ser estruturada como

uma prática educativa que busque considerar as diferentes dimensões que

compõem os seres humanos, o olhar crítico para a realidade, o desvelamento e a

valorização da variedade de saberes.

2.1 A COMPLEXIDADE OU PENSAMENTO COMPLEXO

O uso desse referencial nas práticas educativas aponta para uma mudança

epistemológica e sugere a valorização de um conjunto de conceitos, até então

subalternizados, para compor os processos de ensino e aprendizagem. Esse

conjunto põe em equivalência dimensões que têm sido dicotomizadas nos modelos

educacionais hegemônicos – sujeito-objeto, parte-todo, razão-emoção, simples-

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complexo - com privilégio dos conceitos que conformam uma educação

descontextualizada e simplificadora (SOMMERMAN et al., 2009).

O Pensamento Complexo pode ser utilizado como um esforço para evidenciar

a multidimensionalidade, a multirreferencialidade e as lógicas decorrentes para

interpretar o desenvolvimento da prática da agricultura no espaço escolar urbano e

sua complexa interação recursiva entre seus elementos intrínsecos e desses com os

contextos próximos e amplos nos quais se insere.

A horta escolar provoca e estimula o educador a perceber o estudante no

exercício de sua integralidade, interconectados seu corpo, seu intelecto, seus

sentimentos. Nesse sentido, a teoria da complexidade sinaliza para uma prática

pedagógica que leve em conta não somente a objetividade e a racionalidade, mas a

subjetividade, a emoção, a articulação entre os saberes disciplinares ou não, e o

contexto. As matrizes curriculares e a disciplinarização têm funcionado como

esquemas mentais que obstaculizam a comunicação entre as áreas de

conhecimento e, portanto, se apresentam como desafios aos educadores: a

superação de conceitos tradicionais e a transgressão da estrutura disciplinar, a

busca de conhecimentos sob diferentes óticas, o uso de diferentes linguagens e a

consideração de vários sistemas de referência (SANTOS, 2003).

A formulação do Pensamento Complexo contradiz os paradigmas que se

baseiam na visão unidimensional, especializada e fragmentadora, que recortam a

realidade para analisá-la e compreendê-la, por postular que os mesmos não

respondem às questões contemporâneas. O termo complexo informa o que é tecido

junto, ou seja, a indissociabilidade dos componentes do todo. A complicação, a

desordem, a contradição, a dificuldade lógica, os problemas de organização etc. são

constituintes da contextura da complexidade. Quando o conhecimento, em nome da

inteligibilidade, organiza os fenômenos eliminando os ruídos, os aspectos

inquietantes de difícil explicação que põem em risco a ordem e a sua explicitação

para uma certeza pretendida, oculta elementos que compõem a realidade

antropossocial. A proposição dos fundamentos da complexidade traz o pensamento

multidimensional como forma de análise dos fenômenos, entendendo que a

realidade comporta as dimensões individual, social e biológica e que o acolhimento

da complexidade e seus eventuais conflitos compõem a postura dialógica (MORIN,

2005a; 2007a).

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O pensamento complexo pode ser exercitado a partir de três princípios

mutuamente interligados: o princípio dialógico, o princípio da recursão

organizacional e o princípio hologramático (MORIN, 2007a). O primeiro associa

complementaridade e antagonismo, aceitando a coexistência de mais de uma lógica

em uma dada situação, sem que a dualidade se perca. Assim, aspectos que

aparentemente seriam excludentes entre si tornam-se interdependentes, como a

ordem e a desordem. O segundo promove a ruptura da concepção linear

causa/efeito e produto/produtor, aderindo aos processos de recursividade nos quais

produtos e efeitos podem ser percebidos, simultaneamente, como produtores e

causadores daquilo que os produz. Assim o indivíduo, inserido num dado grupo

social, é constituído e o constitui. O terceiro princípio busca superar tanto o

reducionismo quanto o holismo, que se concentram somente nas partes ou somente

no todo, respectivamente, alertando que não apenas a parte está no todo, mas o

todo está na parte (MORIN, 2007a, p.75) e que essa percepção pode ser verificada

no mundo físico, biológico e sociológico. Assim, é possível ampliar o conhecimento

das partes a partir do todo e vice-versa.

Concebendo a horta escolar como uma parte, que também é composta por

muitas partes, que não pode ser executada ignorando o todo ou os inúmeros todos,

exercita-se e desenvolve-se o modo de pensar complexo e esse, por sua vez, auxilia

no entendimento das dimensões que compõem essa prática.

É preciso que se conheçam as qualidades das partes que estão inibidas e

invisíveis no sistema, para que se percebam as transformações desenvolvidas no

todo (PETRAGLIA, 2008, p. 63).

A prática da agricultura, em si, tanto pode contribuir para reforçar a lógica

binária ser humano x natureza, quanto pode ajudar no resgate da percepção

inequívoca de complementaridade e de unidade. A equação vigente coloca o ser

humano moderno diferente e superior em relação à natureza, logo, como não

natureza (GUIMARÃES, 2006). A adoção da complexidade pode trazer aspectos da

dimensão basilar humana de pertencimento ao ambiente natural em oposição à

relação baseada na autopercepção sobrenatural, buscando romper a visão

dicotômica construída historicamente entre ser humano e a natureza. Assim, a

execução de uma horta escolar precisa apresentar a agricultura como um conjunto

de tecnologias de manipulação da natureza, a qual nos precede e da qual somos

parte, pelo entendimento que:

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[...] a descoberta da vida deve preceder a das tecnologias, para as quais sempre chegará o devido tempo, ao passo que os elos íntimos que nos ligam à natureza devem ser adquiridos, de certa forma, desde o berço [...] (PELT, 2007, p.117).

A apresentação da tecnologia agrícola sem a compreensão do mundo natural

(e também do já construído) recorta a realidade, a limita a uma parte. O que se

propõe é o movimento de reintegração humana ao mundo natural para a explicitação

do que de fato distingue o ser humano desse meio e, consequentemente, o

estabelecimento de condições de crítica mais fundamentada sobre as

transformações que promove. O ser humano, sendo biológico, faz parte do mundo

natural e simultaneamente, ao inventar a cultura, a linguagem, a tecnologia, também

é diferente dele (MORIN, 2007b). A cultura (e outros inventos) é complexa e

dinâmica e se perpetua por meio de permanências e mudanças, devendo ser

ensinada para cada novo indivíduo. Sobre essa base emergem inovações que, se

incorporadas e apropriadas pelo grupo social, promovem paulatinamente a evolução

social e cultural (MORIN, 2005b).

A manipulação do ambiente para a produção de alimento conjuga o ambiente

natural ao biológico e ao cultural e revela a gênese do afastamento humano do

processo de produção do alimento por seleções tecnológicas. As tecnologias

adotadas pelo modelo agroalimentar em curso naturaliza ausências - a supressão de

outras técnicas e saberes - e promove o distanciamento das etapas de cultivo e de

suas implicações ambientais, dificultando o entendimento do contexto. Tal fato pode

influenciar negativamente os julgamentos e o processo de escolhas (SILVA et al.,

2011).

A prática da horta, ao promover a interação reflexiva com ambiente natural,

pode contribuir para a perpetuação de peculiaridades que reafirmam as condições,

animal e humana, como forma de alicerçar a elaboração de novos conhecimentos e

as escolhas de suas aplicações. Por outro lado, uma abordagem tecnicista e

produtivista pode reforçar a visão da natureza sobrenatural humana, ao invés de

superá-la.

Os princípios mencionados, embora auxiliem a reflexão para a prática

pedagógica, expõem também a dificuldade de análise da mesma quando se é parte

do mesmo contexto. Sugere-se, então, a assunção da própria consciência como

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objeto de conhecimento e a existência de paradigmas2 que conduzem a observação,

de forma que o que se torna conhecido é apenas uma tradução daquela realidade

(MORIN, 2007a).

A complexidade ao ser aplicada à horta conjuga dois recursos, um teórico e

outro prático, complementares e que podem ser mutuamente reforçados para

auxiliar na fuga do enclausuramento disciplinar, da disjunção intelecto-corpo para o

aprendizado e do modelo dualístico emissor-receptor de conhecimento.

O currículo escolar, organizado em disciplinas, não exibe a visão do todo,

aprisiona e limita o conhecimento dificultando sua compreensão e aprendizagem. O

pensamento complexo além de criticar o modelo disciplinar, alvitra a insuficiência da

interdisciplinaridade, na qual as disciplinas contribuem, com seus respectivos

conhecimentos, em um determinado caso. A complexidade instiga a adoção da

prática transdisciplinar. Nessa prática não há espaço para conceitos fechados e

pensamentos estanques, ao contrário, há a busca de todas as relações que possam

existir entre todo o conhecimento (PETRAGLIA, 2008, p. 83).

A complexidade alerta para as insuficiências da fragmentação do conhecimento

do modelo disciplinar e indica que olhemos também para o que está entre, através e

além das disciplinas coadunando com a transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2005).

Assim, seria reducionista, que em uma horta escolar, o professor de matemática se

limitasse a orientar medição de canteiros, o de ciências colhesse flores para ensinar

suas partes e assim por diante. À medida que cada professor exercite o olhar

complexo para os elementos da horta, pode se tornar mais claro na prática

pedagógica que é preciso distinguir e não separar e disjuntar; associar e interligar e

não reduzir ou isolar; complexificar e não simplificar (PETRAGLIA, 2008, p. 84).

A aplicação da disjunção entre intelecto e o corpo físico continua prevalecendo

nas elaborações didáticas e essa se efetiva na exigência cotidiana nas salas de aula

da concentração mental e corpo inerte. Complementando esse padrão, a relação

professor e estudante é geralmente unidirecional, na qual um detém e emite o

conhecimento e outro o recebe para “aprender”. Ignora-se, assim, que o

aprendizado não é um processo linear, uma vez que o sujeito em si é uma

complexidade, sendo esta construída individualmente mobilizando dimensões

2 ...um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um paradigma

privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isso que um paradigma controla a lógica do discurso. O paradigma é uma

maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. (MORIN, 2007a , p.112)

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mentais e corporais por meio da comunicação com outra complexidade, que é o

mundo exterior (SANTOS, 2003, p. 19).

Depreende-se com tais entendimentos que as práticas que se pretendam

educativas necessitam ser estruturadas para provocar corpo e mente buscando

enredar razão, intelecto, sensações, emoções, sentimentos e intuição. Assume-se

assim a aprendizagem como um processo autorreferencial, de construção interna,

individualizada e também multirreferencial, pois se dá a partir das diversas formas de

relação estabelecidas com o meio (SANTOS, 2003). Critica-se aqui o equívoco

vigente do predomínio de aulas expositivas sobre as atividades práticas, que,

quando presentes, são consideradas desconectadas do aprendizado cognitivo.

Os elementos envolvidos na execução de uma horta escolar e as inúmeras

possibilidades resultantes das interações entre eles conformam a complexidade

presente na ação e, especialmente, a sua imprevisibilidade que obriga a mobilização

de estratégias que fogem ao planejado e que podem conduzir a soluções que

escapam das intenções iniciais (MORIN, 2007a). O reconhecimento dessas

possíveis contradições é fundamental para a compreensão da realidade, o que não

é possível com o pensamento simplificador, uma vez que este fragmenta a realidade

ignorando a ambiguidade e os equívocos (SANTOS, 2003).

A intenção manifestada em muitos projetos de elaborar uma horta na escola

voltada para aspectos formativos abrangentes relativos à educação ambiental e

educação alimentar pode ficar comprometida pelos fatores socioculturais, pela visão

disciplinar e pelo modo fragmentado de conceber a realidade, tais como dissociação

entre sociedade e natureza e entre o urbano e o rural; demérito das atividades

braçais em contraposição ao trabalho intelectual; compreensão circunscrita sobre

práticas agrícolas ao espaço rural; visão tecnicista com relação às atividades

oferecidas no espaço escolar; percepção limitada sobre o sistema alimentar, entre

outros.

Considerando a estrutura educacional vigente e a consequente dificuldade para

a transversalidade de temas como a alimentação, saúde e ambiente, caberia, então,

o apelo aos professores e outros envolvidos na execução da prática pedagógica, à

adoção da atitude transdisciplinar. Esta reforça a estreita ligação entre a teoria e a

prática, exigindo rigor na consideração de todos os elementos que compõem uma

dada situação e abertura para a admissão do desconhecido, do inesperado e do

imprevisível (NICOLESCU, 2005).

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O modo de pensar complexo ao propor a interlocução entre as diferentes áreas

de conhecimento e entre os diversos saberes humanos e ao reconhecer os variados

caminhos que conduzem à aprendizagem oferece referências para uma ação

pedagógica acolhedora dos conflitos e paradoxos presentes na realidade,

possibilitando reelaborações para uma educação contextualizada e com mais

sentido para a vida.

2.2 A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E A SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS

O olhar que vê uma pessoa cultivar a terra com uma enxada não

consegue ver nela senão o camponês pré-moderno (SANTOS, 2002, p. 245).

O que tem sido considerado contemporâneo se restringe a um modo de olhar

seletivo conduzido por uma racionalidade parcial e homogeneizante do mundo.

Assim, muitas cenas e experiências cotidianas - e, portanto, contemporâneas - são

ignoradas na sua condição de presentes e passam a ser consideradas como algo

fora do contexto da contemporaneidade. As possibilidades se tornam restritas pelo

desperdício de muitas experiências humanas e o presente é contraído pela não

contemporaneidade do contemporâneo (SANTOS, 2002).

A enxada, e tudo que a ela se relaciona, vista como símbolo de algo

ultrapassado e atrasado, não foi superada pela agricultura moderna. Ao contrário, é

ferramenta contemporânea se estivermos atentos ao fato de que aproximadamente

80% dos agricultores da África, de 40% a 60% dos da América Latina e da Ásia

continuam a trabalhar unicamente com equipamentos manuais e outras formas de

agricultura. Algumas dessas vêm sendo eliminadas, mas há aquelas que subsistem

(MAZOYER e ROUDART, 2010).

Tendo em vista o papel que deverão representar todas as agriculturas do mundo na construção de um futuro possível para a humanidade, é inquietante constatar como a opinião e os espíritos esclarecidos atuais estão distantes das realidades agrícolas, e a que ponto aqueles que se encarregam da agricultura desconhecem toda a riqueza da herança agrária da humanidade (MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 44).

A não existência é produzida sempre que uma dada entidade é desqualificada

e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível (SANTOS,

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2002, p. 247). Faz-se, então, necessária a busca por procedimentos que deem

visibilidade e fortaleçam experiências contemporâneas relevantes que têm sido

excluídas da condição de existente ou enquadradas como alternativas não

acreditáveis, fazendo valer o entendimento de que é possível usar um computador e

mexer com terra, usar um microscópio e continuar mexendo com terra... (fala de

professor em SILVA, 2010).

A Sociologia das Ausências e a Sociologia das Emergências afinadas com o

Pensamento Complexo são apresentadas como formas de criticar e enfrentar a

razão indolente, cujo objetivo denota uma racionalidade acomodada e reducionista

de percepção da realidade, o que restringe as experiências do presente e as

possibilidades futuras. A razão indolente pode se manifestar na razão metonímica e

na razão propeléptica. A primeira traz o conceito de totalidade formulado a partir de

uma parte, ou seja, uma determinada parte é tomada como o todo, como o único

presente, de modo que muito do que existe torna-se invisibilizado. A segunda é uma

forma de racionalidade que entende o futuro como algo já determinado e infinito.

Assim, as Sociologias propostas seriam ferramentas de expansão do presente, pela

ampliação do repertório de experiências presentes e de contração do futuro, pela

identificação do que já pode ser (SANTOS, 2002; 2007).

A Sociologia das Ausências, ao partir de um olhar complexo, demonstra como

se dá, ativamente e intencionalmente, o processo de redução da diversidade da

realidade e o predomínio de monoculturas, bem como apresenta possibilidades de

reversão desse quadro. Busca identificar os pontos cruciais que sustentam a visão

hegemônica e emperram a emancipação social. Anuncia que a prevalência de uma

realidade pela exclusão de diversas realidades apresenta-se como algo forjado e

que muito do que não é considerado tem sua inexistência gerada ativamente como

não existente, como uma alternativa não crível, como uma alternativa descartável,

invisível à realidade hegemônica do mundo (SANTOS, 2007, p. 29). Esclarece,

ainda, que as ausências são produzidas com a edificação de cinco monoculturas: a

monocultura do saber e do rigor, que institui e ausenta o ignorante ao supor que o

saber científico é o único reconhecido como rigoroso, enquanto que outros

conhecimentos não são avaliados como relevantes e se tornam invisíveis e vítimas

de um epistemicídio; a monocultura do tempo linear, que subtrai o residual, o pré-

moderno, o simples, o primitivo, o selvagem e uniformiza a história de diferentes

povos dividindo-os em mais ou menos desenvolvidos, consolidando a existência de

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um ideal de progresso, de modernização e de desenvolvimento que precisa ser

alcançado; a monocultura da naturalização das diferenças, que descarta o inferior,

naturalizando as hierarquias, reforçando a noção de que estas são consequência da

inferioridade natural de alguns e superioridade de outros; a monocultura da escala

dominante, que diz respeito ao universalismo e à globalização, ou seja, a concepção

de que existe um padrão de identidade que pode e deve ser válido para qualquer

contexto, evidenciando o local e o particular para excluí-lo; e a monocultura do

produtivismo capitalista, que elimina o qualificado como improdutivo, no qual o

trabalho e a natureza devem estar a serviço de uma produção contínua,

determinando o crescimento econômico (SANTOS, 2007). Sugere-se a

contraposição a essas monoculturas a partir das ideias contidas em cinco ecologias.

A ecologia dos saberes parte do princípio de que todo saber comporta

ignorâncias e não há ignorância absoluta, mas sempre parcial. Assim, busca

identificar outros saberes e outros critérios de credibilidade de forma que a ciência

faça parte de um elenco de saberes. No caso da agricultura há que se ter cuidado

com a qualificação alternativa usualmente atribuída a agriculturas fora do modelo

hegemônico. O termo alternativo pode trazer a concepção de subalternidade ao que

seria o modo normal de produção, quando na realidade os saberes indígenas e

camponeses são os primeiros e atendem a lógicas que foram ignoradas nos

considerados avanços tecnológicos, estes sim, alternativos (SANTOS 2002; 2007).

A ecologia das temporalidades afirma a coexistência de várias

contemporaneidades em função de lógicas distintas, contrapondo a ideia de uma

única direção para a história na qual os países ditos desenvolvidos estão na frente.

Consiste na eliminação do conceito de residualidade atribuído a outros modos de

organização social e respectivas temporalidades quando comparados ao que tem

sido considerado avançado, de tal forma que a actividade do camponês africano ou

asiático deixa de ser residual para ser contemporânea da actividade do agricultor hi-

tech dos EUA ou do executivo do Banco Mundial (SANTOS, 2002, p. 251; 2007).

A ecologia do reconhecimento busca identificar a existência das diferenças a

partir da eliminação das hierarquias naturalizadas. Desse modo é possível verificar,

por exemplo, que de fato há diferenças entre homem e mulher, mas que estas não

coincidem com aquelas percebidas num contexto hierárquico.

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A ecologia da „transescala‟, em oposição à monocultura da escala dominante,

visa a resguardar a dignidade e a credibilidade do que é particular e local dos

processos dominantes e excludentes do universalismo e da globalização.

A ecologia das produtividades visa à recuperação e à valorização dos diversos

sistemas de produção e formas de organizações econômicas populares, das

cooperativas operárias, das empresas autogestionadas, da economia solidária, os

quais têm sido ocultados ou desacreditados pelo produtivismo capitalista. É possível

identificar elementos promissores para essa ecologia nos movimentos sociais.

A refutação da lógica hegemônica se dá no movimento de conferir visibilidade

às ausências e resgatar o ocultado para que este se torne presente e esteja

disponível. Desse modo aumenta-se o leque de experiências e de alternativas

possíveis. Com as perspectivas das ecologias propostas, a crença de que é

plausível a ampliação das experiências do presente permite antever possibilidades

emergentes que são sinais de futuro mais próximo e concreto (SANTOS, 2002;

2007).

Investe-se assim na possibilidade de identificação de ausências no processo

de desenvolvimento da pesquisa, bem como na análise e interpretação da prática de

agricultura na escola. A Sociologia das Emergências complementa o movimento

proposto pela Sociologia das Ausências e traz sua ampliação simbólica, permitindo

identificar sinais de futuro, pistas ou traços de suas capacidades e possibilidades

emergentes. Assim como na Sociologia das Ausências, há a investigação de

ausências, mas não só:

Também aqui se trata de investigar uma ausência, mas enquanto na sociologia das ausências o que é activamente produzido como não existente está disponível aqui e agora, ainda que silenciado, marginalizado ou desqualificado, na sociologia das emergências a ausência é de uma possibilidade futura ainda por identificar e uma capacidade ainda não plenamente formada para a levar a cabo (SANTOS, 2002, p. 258).

Há na sociedade uma variedade de experiências e movimentos que exibem

sinais ou pistas promissores que são negligenciados. A ampliação simbólica,

proposta pela Sociologia das Emergências, consiste em tornar menos parcial o

nosso conhecimento das condições do possível; tornar menos parciais as condições

do possível (SANTOS, 2002, p. 258). Desse modo, é possível apreender naquelas

experiências o que as faz pistas ou sinais e fortalecê-las.

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Assim, a Sociologia das Ausências torna presente o que já existe e tem sua

ausência produzida, aquilo que está, mas é como se não estivesse. A Sociologia das

Emergências busca os sinais do que ainda não é e produz experiências possíveis. A

combinação das duas permite ampliar o presente pela inclusão das experiências

invisibilizadas e contrair o futuro pela identificação de embriões de possibilidades.

Esse movimento enriquece a realidade com alternativas e possibilidades que para

estarem reciprocamente disponíveis precisam ser compreendidas em suas

especificidades, criando a inteligibilidade sem destruir a diversidade. O que pode se

tornar possível com um trabalho de tradução (SANTOS, 2007, p. 40).

O trabalho de tradução complementa a Sociologia das Ausências e a

Sociologia das Emergências, criando inteligibilidade, coerência e articulação num

mundo enriquecido por uma tal multiplicidade e diversidade. Além de um trabalho

intelectual e político, a tradução parte do inconformismo perante uma carência

decorrente do carácter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de

uma dada prática (SANTOS, 2002, p. 267; SANTOS, 2007).

No caso em estudo, torna-se especialmente importante pensar a tradução da

prática da agricultura (ou das agriculturas) que, antes de ser inserida na escola, é

uma prática social com seus respectivos agentes e conhecimentos. Assim, o

trabalho de tradução incide sobre os saberes enquanto saberes aplicados,

transformados em práticas e materialidades, trazendo a inteligibilidade entre os

diferentes objetivos e suas formas de organização (SANTOS, 2002, p. 265).

2.3 A AGROECOLOGIA E A AGRICULTURA URBANA

A agroecologia é um campo científico e acadêmico, relativamente recente e em

processo de construção e sistematização, que envolve conhecimentos de diferentes

áreas, origens e formas de produção. O seu surgimento e expansão são respostas à

crise socioambiental provocada pela racionalidade econômica e tecnológica não

sustentável praticada pelo modelo de agricultura dominante. É orientada por valores

e princípios que buscam estabelecer novas relações do ser humano com os demais

elementos do ambiente natural na atividade agrícola. A sua consolidação tem se

dado na criação de cursos de graduação e pós-graduação e publicações científicas

voltadas ao tema, cujo objetivo central é dar apoio e respaldar o processo de

transição dos atuais modelos de desenvolvimento relativos à agricultura para estilos

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sustentáveis. A complexidade tem sido apontada como o referencial epistemológico

mais coerente com os seus propósitos (BORSATTO e DO CARMO, 2013).

A agroecologia pode ser entendida como o resultado de um processo de

tradução, como propõe Santos (2002), de saberes presentes na agricultura. Ao

assumir sua elaboração epistemológica afinada com a complexidade, afasta-se do

paradigma da simplificação, cartesiano e reducionista, e reconhece as múltiplas

relações e os diferentes conhecimentos envolvidos na atividade agrícola (CAPORAL

et al., 2009).

No Brasil há um movimento incipiente, porém crescente, para incorporação dos

princípios da agroecologia que tem impulsionado avanços na esfera governamental.

São resultados de processo de luta contra-hegemônica que podem ser identificados

como respaldos importantes para o desenvolvimento de ações pedagógicas e, em

especial, as hortas escolares.

A prioridade legal à aquisição de alimentos agroecológicos para a alimentação

escolar no Brasil (BRASIL, 2009) tem um potencial de impacto social, ambiental e

econômico que, dada a materialidade de seu objeto (a comida) no cotidiano da

escola, permite ampliações nas discussões do fazer pedagógico com a horta.

Em 2012 foi instituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção

Orgânica, cujos objetivos expressos são integrar, articular e adequar políticas,

programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e

de base agroecológica, sob a justificativa de contribuir para o desenvolvimento

sustentável e para a qualidade de vida da população, embasados no uso sustentável

dos recursos naturais e na oferta e consumo de alimentos saudáveis,

respectivamente (BRASIL, 2012). A operacionalização do proposto naquela Política

ganha consistência em 2013 com o Plano Nacional de Agroecologia e Produção

Orgânica que aloca recursos financeiros para a sua produção e assistência técnica

(BRASIL, 2013).

Embora o contexto de elaboração das bases agroecológicas seja a agricultura

no espaço rural, suas características e princípios adequam-se a uma modalidade de

prática agrícola que tem ganhado visibilidade: a agricultura urbana.

O reconhecimento da agricultura urbana e de suas especificidades põe em

evidencia uma percepção diferenciada de atores sociais-espaço-tempo-função para

o ato de plantar. É um conceito ainda em construção nos meios acadêmicos, mas

que já vem sendo adotado por organizações governamentais e não governamentais

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nacionais e internacionais, como objeto de políticas públicas em atendimento a

demandas sociais, econômicas e ambientais, que embasam a Segurança Alimentar

e Nutricional (AQUINO e ASSIS, 2007).

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO

credita à horticultura urbana e periurbana papel importante para a melhoria das

favelas e dos projetos de novos bairros para famílias de baixa renda. Além de renda

e alimentos, os pomares e hortas oferecem um ambiente saudável, conexão com a

natureza e o prazer de mexer na terra e regar as plantas [...] (FAO, 2012, p. 15). No

Brasil, a agricultura urbana consta como uma das estratégias do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a melhoria da alimentação e

nutrição e geração de renda da população (BRASIL, 2013).

Assim, as contribuições da agricultura urbana, em âmbito geral, identificadas

por pesquisadores podem ser resumidas em três aspectos que se influenciam

mutuamente: o bem-estar, o meio ambiente e a economia. Relacionam-se ao bem-

estar: o aumento da segurança alimentar, a melhoria da nutrição e da saúde

humana nas comunidades carentes e o ambiente mais limpo, reduzindo os surtos de

doenças. Para as questões ambientais destacam-se a conservação dos recursos

naturais, a amenização do impacto ambiental decorrente da ocupação humana [...] e

o incremento da reutilização e reciclagem de resíduos. Na economia, há o aumento

da geração de empregos e o incentivo aos jovens, adultos e idosos com

possibilidades de trabalho (MACHADO e MACHADO, 2002, p.23).

O conceito de agricultura urbana pode ser ampliado, adequações podem ser

feitas e serem identificadas outras contribuições em função do contexto (DIAS,

2000). É o que apostamos para a composição de uma prática pedagógica escolar.

A agricultura urbana, nesse caso, pode ser pensada na perspectiva da

multifuncionalidade da agricultura, evidenciando as políticas de valorização da

agricultura familiar, a percepção da subsistência, a relação ser humano-alimento, os

impactos da atividade sobre o meio ambiente, as práticas sustentáveis etc. Permite-

se confrontar modelos agrícolas no que tange aos processos de produção, a

preservação ambiental, a segurança alimentar e nutricional e a manutenção do

tecido social (MENASCHE et al., 2007).

Outro aspecto que diz respeito à multifuncionalidade da agricultura e que pode

ser explorado pedagogicamente na agricultura urbana é o entendimento da atividade

como mantenedora da fronteira entre sociedade e natureza tendo o alimento como

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eixo unificador. Pode-se promover a reconexão ser humano/sociedade/natureza,

sendo a agricultura a zona de fronteira, valorizando as dimensões ambientais e

culturais (PERONDI, 2004).

Entende-se que a junção dos princípios da agroecologia e da agricultura

urbana fornece suporte para escolhas tecnológicas e procedimentos mais

apropriados a uma prática educativa que se pretenda problematizadora.

2.4 PRÁTICAS EDUCATIVAS MULTIDIMENSIONAIS

A ciência moderna, sendo hegemônica, organizada e disciplinar, pauta a

fragmentação do indivíduo e do conhecimento, o que tem orientado há anos as

práticas educativas. O enfoque do processo ensino-aprendizagem concentrado no

racional, ignorando o contexto relacional e as demais percepções corporais tem se

mostrado insuficiente para a compreensão significativa da realidade e do

conhecimento e produz ações pedagógicas desinteressantes. O desafio é a

estruturação de um ambiente de aprendizagem que propicie a interação integral do

educando com os saberes de modo que ele possa, a partir de sua própria forma de

apreensão e compreensão, reconstruir os conhecimentos. Nesse sentido, aprender

é entendido como uma construção pessoal e autopoiética, resultante da interação

com o entorno (SANTOS A., 2009).

As práticas educativas atuais podem ser entendidas como produto de

concepções conflitantes. O confronto entre uma estrutura pedagógica tradicional

arraigada e uma inovadora põe em jogo ações e interações sociais e pessoais,

produzindo construções diversas e imprevisíveis. Assim, é possível vislumbrar a

adoção de novos princípios, mesclados a conceitos e ações de pedagogias

tradicionais. O paradoxo entre o conservadorismo e a inovação é dinâmico e permite

a construção e reconstrução permanente da prática, uma vez que entre a teoria e a

prática existe uma dança interminável, uma alternância entre ideias, pensamentos e

ações, entre o sentir, o pensar, o agir e o refletir (SOMMERMAN et al., 2009;

MORAES, 2004, p. 81).

A aposta na transformação consiste em incrementar esse conflito a partir de

uma atividade, que acreditamos ser o caso da modalidade de agricultura proposta, a

qual invoca a adesão afetiva e que pode mobilizar, tanto educadores como

estudantes, para amplos e diferentes aprendizados.

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É comum a denominação de progressistas atribuídas àquelas práticas

educativas que rompem com a abordagem tradicional de educação. No entanto,

torna-se difícil utilizar palavras com significados consolidados dentro de um

paradigma a ser superado para denominar o que se pretende emergência dentro de

um novo paradigma. A vinculação do vocábulo progressista a progresso e a

associação deste, por sua vez, à concepção de desenvolvimento que se pretende

questionada cria desconforto para o seu uso. A tentativa de conceituar uma prática

educativa que não descuide das dimensões que referenciam o ser humano conduziu

ao que optamos por denominar de prática educativa multidimensional, a qual passa

a ser construída a partir de um esforço contínuo e infindável do modo de pensar

complexo.

Pensadores de temas que permeiam a prática pedagógica trazem reflexões

importantes que contribuem para a construção de uma prática pedagógica

multidimensional. Peixoto (2009) lança mão de alguns deles, incluindo Edgar Morin,

Paulo Freire e Vera Maria Candau, para tentar tecer o que seria uma prática assim

caracterizada. Considera para os processos ensino-aprendizagem o entrelaçamento

de quatro dimensões que, baseando-se em outros autores, classifica como: humana,

técnica, política e criativa. A dimensão humana aponta para o saber construído nas

relações, no diálogo, na elaboração de espaços de intercâmbios onde se exercitem

concomitantemente o cognitivo e o afetivo, o individual e o coletivo, a autonomia e a

solidariedade. A dimensão técnica clama pela competência do educador para o

movimento contra a fragmentação, a compartimentalização e a hierarquização do

conhecimento e para a articulação ação-reflexão-ação no planejamento pedagógico.

A dimensão política trata do investimento na função transformadora da educação e

apela para a articulação entre os diferentes conhecimentos historicamente

construídos e para a superação da dualidade entre a teoria e a prática. A dimensão

criativa, acrescentada pela autora, ressalta o valor pedagógico da arte por favorecer

a interação humana com o ambiente, com o uso de diferentes formas de expressão

que integram pensamento, sentimento, sensação e intuição.

Ambicionar a multidimensionalidade, naquele caso, é procurar

incessantemente respeitar as diversas dimensões envolvidas na ação pedagógica.

É, portanto, acatar a sua incompletude e conviver com a incerteza. Pode-se pensar,

a partir de Morin, que sendo o humano um ser biológico-sociocultural, as dimensões

acima trazidas por Peixoto são, em última instância, todas humanas. A busca, então,

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é por conceber a articulação, a simultaneidade, a identidade e a diferença das

dimensões humanas, quais sejam: dimensões físicas, biológicas, sociais, culturais,

psíquicas e espirituais (MORIN, 2005a).

A opção pela busca de uma prática educativa multidimensional como

autoexercício e em prol do exercício de outrem visa a anunciar e a denunciar, a

informar e a formar para a liberdade e tem inspiração na Complexidade, nas

ecologias propostas por Boaventura Souza Santos e na Pedagogia para a

Autonomia defendida por Paulo Freire.

A prática educativa, nesse sentido, pode buscar as conexões com o mundo,

identificando a variedade e a diversidade que tecem o todo na qual se insere. A

complexidade indica um modo de pensar multidimensional que vislumbre na

realidade humana as suas dimensões e no qual o conhecimento seja articulado e

contextualizado (MORIN, 2005a; 2007a; 2007b; SANTOS A., 2009). As ecologias

(SANTOS, 2007) direcionam o olhar para a identificação das ausências impostas

pelo modelo hegemônico que padronizam as diferentes formas de relação e

organização humana, expõem possibilidades, promovem conflitos, fornecendo

subsídios para a educação emancipatória.

A inseparabilidade da ética em relação à prática educativa exige esforço

permanente de rigor nas relações e embates cotidianos, no trato com o conteúdo de

ensino, na atenção às manifestações preconceituosas e discriminatórias e,

especialmente, na superação do fatalismo imobilizador imposto pela imersão na

malvadez da ética do mercado. O caráter formador da experiência educativa não

pode ser confundido com treinamento técnico, ao contrário, exige profundidade na

compreensão e na interpretação dos fatos. A tarefa imposta é o espreitar crítico,

curioso, insatisfeito e indócil num exercício do pensar sobre o mundo presente.

Nesse caso divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente

negativa e perigosa de pensar errado (FREIRE, 1996, p. 33).

O diálogo é a essência da educação como prática da liberdade e nele a palavra

tem poder transformador da realidade quando exercitada na práxis, na

inseparabilidade de suas dimensões de ação e reflexão. Se a dicotomia se

estabelece excluindo uma ou outra, pode-se por um lado ter a ação vazia, convertida

em ativismo ou por outro, uma denúncia sem o compromisso de transformação, o

verbalismo (FREIRE, 2005).

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O diálogo exige fala e escuta e pressupõe a criação de um espaço silencioso -

não silenciado - de alternância entre fala e escuta onde seja recusada a arrogância

cientificista e se assuma a posição verdadeiramente científica, na qual se respeite os

diferentes conhecimentos, se reconheça a historicidade do saber e o caráter

histórico da curiosidade (FREIRE, 1996). Nesse contexto, embora o vocábulo

conscientização tenha se tornado corriqueiro nas mais variadas modalidades de

processos educativos, comportando variados significados, sua essência coaduna

com a perspectiva crítica da realidade.

Assim, uma ação educativa para a conscientização crítica dos educandos,

objetivando mais que torná-los cientes ou proporcionar-lhes uma tomada de

consciência, busca promover o movimento de passagem de uma visão espontânea

e ingênua para um patamar crítico no qual se adote uma postura epistemológica que

permita perceber a realidade como objeto cognoscível e passível de transformação.

Projeto que só se concretiza no exercício da práxis, ou seja, na permanente

conjugação dialética ação - reflexão (FREIRE, 2008).

A prática educativa multidimensional, aqui proposta, não se apresenta pronta.

Vai se constituindo na prática reflexiva e no intenso diálogo. O exercício do olhar

atento para os aspectos que compõem a complexidade - o visível e o invisível - no

conteúdo, na estrutura física, na organização do espaço, nos objetivos, nos

materiais didáticos, nos procedimentos e nas relações estabelecidas numa dada

prática educativa vai revelando aos poucos as suas múltiplas dimensões e

compelindo a ajustes, a reformulações ou a transformações extremas.

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3 HORTAS ESCOLARES NO BRASIL: demandas e orientações

contemporâneas

O que se constata em documentos institucionais e em inúmeros projetos

nacionais e internacionais é a atribuição às hortas, em diferentes espaços e usos,

para uma série de potencialidades no alcance de objetivos que podem ser distintos

ou interconectados, dependendo da perspectiva adotada. Abrangem desde aspectos

amplos da formação humana até outros com contornos bem definidos. Um olhar

para esses contextos e percepções permite identificar elementos importantes para

enriquecer e entender as possibilidades para as hortas escolares e delinear os

objetivos passíveis de alcance com essas atividades. O referendo, a compreensão e

a seleção dos objetivos possíveis de serem alcançados com hortas no ambiente

escolar são fundamentais para a escolha dos demais parâmetros que podem

compor a estruturação físico-pedagógica dessa prática.

Cabe, primeiramente, diferenciar essa modalidade da atividade daquela

desenvolvida em escolas agrícolas, em escolas rurais, em escolas do campo ou na

educação básica nacional quando fazia parte do currículo com objetivos voltados

para a preparação para o trabalho. Nesses casos, embora seja desejável que as

outras dimensões da atividade sejam abordadas, a prioridade está na aquisição de

conhecimentos técnicos em agricultura. Tal diferenciação é pertinente,

especialmente no Brasil, onde as novas demandas para as hortas escolares,

identificadas nas sugestões institucionais, parecem, por vezes, enviesadas pela

perspectiva técnica.

É possível distinguir diferentes objetivos relativos às etapas ou às situações

proporcionadas na elaboração de uma horta. Assim os objetivos normalmente

sugeridos e/ou declarados podem estar mais relacionados aos meios ou aos fins da

atividade. O foco pode recair no produto final, por exemplo, produzir alimentos para

serem usados na alimentação escolar; no processo de execução que envolve

concentração, disciplina, o movimento do corpo em contraposição à estática da sala

de aula, gasto de energia e melhoria no comportamento dos estudantes; na

aquisição de competências, ou seja, para aprender os procedimentos técnicos e

os conceitos envolvidos na atividade; na interação com os outros, no qual o

trabalho coletivo e a cooperação entre os envolvidos melhorariam as relações entre

os estudantes e desses com o professor e com a escola como um todo; e na

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interação com o ambiente, quando é afirmado o objetivo de promover o contato

com a natureza (adaptado de MOURÃO, 2013). Este último, especialmente,

costuma constar como pano de fundo para os demais objetivos, sendo que outros

podem aparecer inseridos pelas condições proporcionadas por cada uma dessas

etapas.

A FAO ao propor a criação de cidades mais verdes, por meio de programa de

horticultura urbana e periurbana, declara o apoio que tem dado às hortas escolares

em vários países nos últimos anos com o fornecimento de ferramentas, sementes e

capacitação. A prioridade na aquisição de competências e no produto final fica

sugerida com a afirmação de que as hortas são comprovadamente um meio de

promover a nutrição infantil por familiarizarem as crianças com a horticultura,

fornecer frutas e hortaliças frescas para as refeições escolares saudáveis, ajudar

professores a desenvolver cursos de nutrição que podem ter reflexos na alimentação

familiar (FAO, 2012, p. 7).

A interação com o ambiente, frequentemente mencionada como um objetivo

fim, é o que apresenta expectativa mais genérica e de mais difícil aferição e objeção

nas atividades com hortas. Tanto difícil é a constatação e, mais especificamente, a

sua mensuração quanto à contestação dos benefícios da interação. Uma

possibilidade de análise dessa ordem é o uso da noção de biofilia (Biophilia), que se

refere ao vínculo emocional inato dos seres humanos com os outros seres vivos e o

ambiente natural como um todo baseado no caráter ancestral dessa relação.

Corresponde a um padrão de comportamento complexo suscetível a mediações por

regras de aprendizagem (SEMPIK et al., 2010). Nesse caso, o alcance de outros

objetivos diversos seria facilitado a partir dessa condição inerente à atividade de

proporcionar essa interação e, consequentemente, bem estar e predisposição ao

aprendizado.

Estudos e publicações internacionais analisadas por Passy (2012) discutem as

peculiaridades dos processos de ensino e aprendizagem favorecidos com a

exploração de espaços ao ar livre. No entanto, o foco de tais investigações tem

recaído em passeios nos arredores e excursões de teores diversos, havendo,

relativamente, pouca preocupação com o trabalho realizado no terreno da escola e,

mais especificamente, hortas escolares. O autor afirma que a exceção é encontrada

na literatura dos Estados Unidos da América, a qual possui um consistente histórico

de pesquisa e avaliação deste tipo de aprendizagem, resultante de um movimento

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nacional em prol da educação sobre nutrição apoiado em forte apoio institucional.

Merece destaque a iniciativa de Escola Comestível da Califórnia que se tornou,

recentemente, um projeto nacional com o objetivo de estabelecer a inserção da

alimentação no currículo escolar. São ações que referendam o papel de vivências na

horta para o desenvolvimento de aprendizados diversificados sobre alimentação.

É possível estabelecer, também, correspondência com manifestações do senso

comum reforçadas com as percepções apresentadas por atores sociais da

comunidade escolar em relação à horta, nas quais aparece, insistentemente, a

menção à validade de experiências oferecidas na infância que permitam o contato

intenso e positivo com o ambiente natural, sendo este fundamental para suprir

aspectos importantes omitidos pelo contexto urbano contemporâneo. O contato na

infância com o ambiente natural é citado como importante para o desenvolvimento

de atitudes e comportamentos que se refletem na preocupação com questões

ambientais e na consolidação de melhores hábitos alimentares. Pode-se inferir que

há um consenso de que, de acordo com a qualidade do contato, seu grau de

intensidade, a sua frequência, a possibilidade de continuidade e todo o conjunto de

fatores que compõem o contexto vivido, os resultados podem ser percebidos nos

indivíduos em diferentes níveis de aplicação de preceitos alimentares e ambientais

ou na predisposição para tal (SILVA, 2010; SILVA et al., 2011).

O termo científico biofilia ou o termo do senso comum contato tentam dar conta

de expressar um fenômeno sentido, mas de percepção difusa, com fatores de

impensável dissociação porque se referem à vida e a condição de saúde.

Nesse caso, como em outros, o cognitivo e o sensível não exibem suas

fronteiras para a elaboração de um conceito de explicação dessa realidade. A

utilização de um conceito é restritiva e, ainda que operativa, não expressará a

integridade do fenômeno, não representando, assim, a realidade como idealizado na

ciência moderna. A inteligibilidade só se torna possível com a abertura a outras

formas de apreensão da realidade (CZERESNIA, 2003).

Vários estudos (vários autores citados por MOURÃO, 2013 e DIAS, 2013)

corroboram aquela ideia ao sugerirem que a ligação de dependência do ser humano

com a natureza está para além das razões de sustentabilidade ambiental, social e

econômica, mas em necessidades psicológicas, emocionais e espirituais difíceis de

serem satisfeitas por outros meios. Ainda que se reconheçam as lacunas sobre os

benefícios específicos para a saúde em função de tipos e duração das relações nos

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diferentes grupos, há evidências de que as pessoas, de um modo geral, se

beneficiam do contato com elementos naturais e chega-se a indicar que o seu

favorecimento seja assumido como estratégia de saúde pública.

De acordo com o exposto, o incremento da conexão com o ambiente natural

suscita, além do prazer individual, maior consciência e comportamentos favoráveis a

questões ambientais enquanto que a desconexão pode ter efeito oposto (SEMPIK et

al., 2010). Essa compreensão se relaciona às primeiras intervenções com hortas

escolares com objetivos distintos da concepção técnica e tem estado presente em

inúmeros projetos com objetivos voltados à educação ambiental, que têm na

Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi, ocorrida em

1977, seu marco referencial mundial (UNESCO, 1980). No Brasil, esses objetivos

são citados com frequência nas ações com hortas escolares e encontram

correspondência em orientações governamentais.

Tendo em vista o processo de urbanização e o afastamento do ambiente

natural, um objetivo das atividades agrícolas no ambiente urbano seria o

restabelecimento humano da conexão com o ambiente natural a fim de reverter um

processo que tem imposto danos individuais e coletivos. Nesse âmbito está o

desligamento dos processos de cultivo e produção de alimentos e perdas culturais

importantes:

In the pursuit of improved agricultural productivity … We are losing the stories, memories and language about land and nature. These disconnections matter, for the way we think about nature … fundamentally affects what we do in our agricultural and food systems (p. xiv Pretty, 2002 citado por SEMPIK et al., 2010).

No Brasil, essas perdas podem ser notadas na visão, construída

historicamente, de desenvolvimento e da relação sociedade-natureza estruturada a

partir da imposição do modelo da sociedade moderna ocidental:

[...] na época dos grandes descobrimentos do século XV, já se percebe essa visão de mundo se constituindo. Um olhar que causa um estranhamento e distanciamento dos seres humanos em relação à natureza, um sentimento de não pertencimento que leva, nos dias de hoje, a uma perigosa identificação com o artificial, o virtual da vida moderna (GUIMARÃES, 2006, p.16).

Assim, a condição animal humana só é admitida amparada na superioridade de

ser racional, que se fortalece com a independência e afastamento do ambiente

natural conformando a civilidade. A exclusão se efetiva na percepção de que, sendo

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o ser humano diferente/superior em relação à natureza, não é natureza. A

agricultura na escola pode se pautar na possibilidade de crítica a esse modo de

compreender a realidade e agir sobre ela, e que tem abonado uma racionalidade

dominante e pré-estabelecida. A visão da complexidade possibilita a percepção da

parte no todo e vice-versa num movimento recursivo e de antagônicos como

complementares, permitindo vislumbrar outras formas de relação (GUIMARÃES,

2006).

Dias (2013), citando vários autores, informa que há estudos que indicam para

as atividades agrícolas objetivos mais específicos para o ambiente escolar,

relacionados à aprendizagem como o estímulo sensorial, cognitivo, autodisciplinar,

inter-relacional e também à vida mais ativa.

Um estudo robusto realizado recentemente em 10 escolas com hortas na

Inglaterra buscou evidências de seu impacto na aprendizagem das crianças. Foram

encontrados conjuntos de dados que corroboram benefícios amplos nesse campo. O

primeiro se relaciona ao fornecimento de um espaço para os diferentes tipos de

conhecimentos que complementam e enriquecem o currículo escolar. Nesse caso,

embora outras áreas sejam mencionadas como a alfabetização e produção escrita,

houve ênfase no conteúdo do ensino de ciências. O segundo indicou o impacto na

melhoria do comportamento e das relações entre os estudantes. O terceiro foi o

oferecimento de um eixo que aproximou os membros da comunidade entre si e

favoreceu o envolvimento da comunidade local. O quarto foi a constatação de que a

atividade desenvolvida proporcionou prazer e orgulho para toda a comunidade

escolar. Vale ainda mencionar os aprendizados propiciados com as conversas

informais entre os diferentes atores durante a execução das ações relativas às

hortas. Há o entendimento de que esses aspectos abrangem todas as dimensões

que compõem a aprendizagem: a cognitiva, que envolve a aquisição de conceitos; a

afetiva, que contempla as atitudes, os valores, as crenças e a autopercepção; a

comportamental, o bem-estar e as habilidades físicas; as habilidades de

comunicação e trabalho em equipe nas relações interpessoais e sociais (PASSY,

2012).

No Ensino de Ciências, a horta ganha adesão pela possibilidade de aulas

práticas na condição de laboratório vivo, variando desde uma perspectiva

experimental, passando por uma mais arrojada de exercício de postura investigativa,

sem os equívocos da rigidez metodológica cometidos com a aplicação artificializada

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do método científico na sala de aula e laboratórios escolares, até a visão sistêmica

das interações dos vários elementos que integram uma horta e do vínculo humano -

físico, químico, biológico, ecológico - com o ambiente (SILVA, 2010).

Mais recentemente, têm estado nas pautas governamentais internacionais e

nacionais, várias questões relativas à quantidade e qualidade da alimentação

disponível, que vão desde a ausência/escassez de alimentos, causando fome e

subnutrição, ao excesso e inadequação alimentar, trazendo, entre outros, doenças

cardíacas, sobrepeso e obesidade. Orientações visando a minimizar ou a combater

os problemas relacionados à inadequação alimentação ganharam espaço nas

agendas com ênfase no combate à fome, na promoção da alimentação saudável e

na educação alimentar e nutricional. Mais uma vez as hortas escolares são

indicadas como estratégias importantes e terão seus objetivos fortemente

influenciados por essas questões.

A Educação em Saúde, que inclui questões sobre a alimentação, desde que se

tornou obrigatória nas escolas com a LDB 5.692/71, exibe indefinições e

descontinuidades em relação à responsabilidade pelas ações e, consequentemente,

resultados pouco satisfatórios. Esses últimos têm sido atribuídos à precariedade da

educação nacional, à deficiência na formação dos professores para o tema e para a

prática didática e à invisibilidade imputada aos profissionais da escola que poderiam

participar dos processos de educação em saúde, como as merendeiras

(FERNANDES et al., 2014). A ampliação dos atores envolvidos nas atividades em

prol da educação alimentar e nutricional revela um enfoque mais complexo para a

questão e que, consequentemente, demanda novas práticas pedagógicas que

permitam o intercâmbio entre esses atores.

Os aspectos apontados fazem da horta escolar um recurso que potencializa

desdobramentos educativos para os campos da saúde e do meio ambiente e suas

respectivas demandas contemporâneas, que se ampliam quando tais questões

passam a ser compreendidas como temas transversais interconectados e

indissociáveis a serem explorados em suas complexidades. A ambição do título

proposto para o presente trabalho é retratar essa condição. As palavras tentam

explicar, mas inevitavelmente restringem. A justaposição de vocábulos que intitulam

a pesquisa é um esforço para suprir a limitação inerente e, portanto, imposta por

cada palavra. É intenção que estas, mais que justapostas, se articulem.

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Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a

Educação em Ciências e para a Educação em Saúde comporta conjunções

progressivas de conceitos que visam a qualificar a atividade como prática educativa

e esclarecer seus propósitos amplos. Hortas, em seu sentido restrito e original, são

terrenos rurais onde se cultivam hortaliças - plantas herbáceas comestíveis para

subsistência ou para fins comerciais. Em Hortas escolares, há a especificação em

relação ao espaço e que implica conformação didática e pedagógica para a

atividade. Hortas escolares urbanas propõe um deslocamento da atividade de seu

local de origem - o rural - para o espaço urbano, o que requer adaptações, no

mínimo, estruturais. Hortas escolares urbanas agroecológicas propõem princípios

para outra lógica para as inter-relações humanas e da relação humana com o

ambiente para a produção de alimento. Hortas escolares urbanas agroecológicas:

preparando o terreno busca negar o pragmatismo e enfatizar a complexidade,

trazida pelos conceitos anteriores, que constitui a aprendizagem como processo que

envolve diferentes dimensões humanas. Hortas escolares urbanas agroecológicas:

preparando o terreno para a Educação em Ciências e para a Educação em

Saúde orienta e reafirma a opção por objetivos e abordagens arrojados para a

atividade agrícola em contexto diferente do seu original, mas que possibilite a

reflexão também sobre aquele.

3.1 HORTAS: agricultura e invisibilidades

O conceito de agricultura é a essência da horta escolar. Por trás de um

significado genérico se abrigam histórias, diferentes objetivos, conhecimentos,

entendimentos, omissões e fazeres os quais configuram distintas agriculturas. As

escolhas feitas e a explicitação das mesmas em relação a esse todo complexo

determinarão o curso da ação pedagógica e, consequentemente, os objetivos e

procedimentos relacionados.

O ser humano surge no planeta como nômade e coletor, sendo a agricultura

uma invenção posterior. Esta teve início há menos de 10.000 anos, resultante de um

processo de hominização caracterizado pela evolução biológica, técnica e cultural

que estabelece a forma sedentária de acesso ao alimento. Espécies foram

escolhidas e domesticadas, instrumentos foram elaborados e aperfeiçoados para

que os ecossistemas naturais pudessem ser transformados em ecossistemas

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cultivados em atendimento às necessidades alimentares humanas, compondo uma

forma diferente de ocupação de espaço (MAZOYER e ROUDART, 2010).

A agricultura surge, então, para facilitar o acesso ao alimento e promove um

processo de escolha de alimentos no qual, além de preferências gustativas,

baseava-se na compatibilidade dos cultivos com os fatores ambientais locais. A

atividade, inicialmente de subsistência, ganha diferentes contornos ao longo da

história da humanidade em função dos contextos onde se desenvolve.

A expansão da agricultura, em diferentes regiões do planeta e suas

características peculiares, produziu, paulatinamente, além das alterações ambientais

diferenciadas, formas distintas de organização social que vieram a compor os

sistemas alimentares atuais. Embora a visibilidade volte-se para o modelo moderno

de agricultura dominante e em crise, é possível identificar várias outras

possibilidades em curso decorrentes das interações históricas estabelecidas

localmente (MAZOYER e ROUDART, 2010).

Apesar dos milhões gastos em sua promoção, a agricultura “moderna”, que triunfou nos países desenvolvidos utilizando muito capital e pouca mão de obra, penetrou apenas em pequenos setores limitados dos países em desenvolvimento. [...] As outras formas de agricultura continuam predominantes e ocupam a maioria da população ativa dos países em desenvolvimento. [...] aquelas que têm os meios para subsistir e progredir revelam uma criatividade imensa e continuam a desenvolver-se segundo seus próprios caminhos (MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 43).

Essas agriculturas, frequentemente ignoradas, compõem a herança agrária da

humanidade e precisam ser consideradas como possibilidades na resolução da crise

do modelo de desenvolvimento hegemônico. Vale destacar que essa herança não se

refere somente a técnicas de plantio, mas inclui a diversidade do patrimônio

genético. Pois, se uma das primeiras vantagens do hominídeo é a sua condição de

onívoro, permitindo um regime alimentar variado potencializado com nomadismo, a

fixação promove seleção e, portanto, restrição. O estabelecimento de um modelo

hegemônico de agricultura agrava esse processo, padronizando e limitando o

repertório alimentar. O desenvolvimento de tecnologias em agricultura conduziu a

um modelo agressivo e excludente que se consolidou após a Segunda Guerra

Mundial.

No Brasil a imposição cultural dos colonizadores, embora predomine, não

conseguiu fazer desaparecer por completo algumas características locais,

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resultando em sentimentos conflituosos em relação ao exercício da atividade

agrícola. Se por um lado temos em nossa ancestralidade local uma ligação forte com

elementos naturais, por outro herdamos dos colonizadores a sua negação em favor

de um ideal de civilização que desmerece essa relação íntima.

A agricultura brasileira caracterizava-se pela subsistência até o século XVI,

com populações indígenas litorâneas que cultivavam variedades de milho, mandioca

e outras plantas selecionadas e praticavam a caça de pequenos animais nas áreas

de Mata Atlântica (AMARAL,1958). Os primeiros estudiosos do tema reconhecem o

valor dos conhecimentos sobre botânica e agricultura adquiridos com os indígenas.

Nesse contexto inexistia propriedade privada, pois a terra era um bem comum. A

expansão europeia em busca de novos mercados trouxe a agricultura em larga

escala, o banimento das técnicas de cultivos locais, a ruptura nas ligações

estabelecidas pelos habitantes primitivos com a terra, a escravidão e,

posteriormente, os imigrantes europeus. Os colonizadores se apropriaram da terra e

passaram a geri-la de acordo com interesses econômicos estabelecidos pela Coroa

Portuguesa (DIAS e CARNEIRO, 1953; STÉDILE, 1997).

Sob o domínio do mercado europeu, grandes áreas de monocultivos mudam o

cenário agrícola no Brasil. Assim sucedem-se ciclos agrícolas, nos quais foram

introduzidas iniciativas de modernização com o intuito de aumentar a produção para

o mercado externo. A primeira fase desse processo é conhecida como a Primeira

Revolução Agrícola e ocorreu entre os séculos XVII e XIX para atender ao

crescimento populacional e à queda da fertilidade dos solos utilizados após anos de

sucessivas culturas no continente europeu. Houve difusão de técnicas de plantio e a

integração entre a pecuária e a agricultura. Com o agravamento da crise de

produção de alimento na Europa, intensificam-se, entre os séculos XIX e XX, as

descobertas científicas e tecnológicas visando ao incremento da produção agrícola:

fertilizantes químicos, melhoramento genético, máquinas e motores a combustão.

Muitas práticas tradicionais, consideradas ultrapassadas, são abandonadas por

muitos agricultores. Começa uma nova fase de concepção da atividade, chamada de

Revolução Verde (FRADE, 2000). Esse modelo, que já foi usado como argumento

para acabar com a fome, é excludente e insustentável, pois não se baseia na

equidade social e na sustentabilidade ambiental (MALUF, 2007). Nesse processo,

acontecem a consolidação e a expansão de latifúndios agrícolas mecanizados e o

enfraquecimento dos pequenos produtores.

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Os impactos negativos no Brasil dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde,

nos anos 60 e 70, são evidenciados sob diferentes óticas. A crítica da técnica

questiona a relação do ser humano com a natureza, considerando as diferentes

formas de agressão ao meio ambiente, o que exige outro olhar para os conceitos de

natureza, de ser humano e de trabalho produtivo. A crítica social põe em xeque o

modelo concentrador e excludente da modernização tecnológica da agricultura

brasileira, considerando-o socialmente injusto, por privilegiar uma minoria em

detrimento de grande parte da população (MOREIRA, 2000).

A FAO, órgão internacional que atualmente tem empreendido esforços em prol

da agricultura familiar sustentável (FAO, 2014), foi um dos maiores promotores da

difusão do pacote tecnológico da Revolução Verde. Tendo seus reflexos no Brasil,

onde uma série de políticas levada a cabo por diferentes governos cumpriu o papel

de forçar a implementação da chamada “modernização da agricultura”, processo que

resultou em altos custos sociais, ambientais e de saúde pública (LONDRES, 2011,

p. 17).

O desenvolvimento rural no Brasil, marcado pelo modelo agrícola conduzido

pelo agronegócio empresarial, caracteriza-se pela larga escala, redução de mão-de-

obra, uso intenso da mecanização, irrigação e insumos industriais como agrotóxicos,

sementes transgênicas e rações (CONSEA, 2010).

Apesar desse modelo de agricultura estar sendo questionado em diversos

países, inclusive no Brasil, conduzindo a medidas restritivas, permanece aqui uma

negligência [...] Nos últimos anos o Brasil se tornou também o principal destino de

produtos banidos no exterior. Segundo dados da ANVISA, são usados nas lavouras

brasileiras pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia (UE), Estados

Unidos, China e outros países (LONDRES, 2011, p.19).

O início dos anos 80 no Brasil é marcado por construções sociais de

valorização do urbano e rejeição ao rural, sobrepondo o mundo novo com progresso

ao mundo velho e em declínio, respectivamente. A sobreposição das ideias de

urbanização e de mecanização da agricultura promove o desaparecimento

acelerado do que é considerado rural a partir do esvaziamento demográfico, da

subordinação à agroindústria, da proletarização de grupos rurais e da hegemonia da

cultura urbana desqualificando a cultura rural (FERREIRA, 2002).

As agriculturas, cada vez mais invisibilizadas em prol de uma única agricultura,

têm estado pouco presentes nas representações de teorias atemporais e da

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conjuntura financeira e política, precisando ter restabelecida a condição de

contemporâneas. A economia mundial, pautada na concorrência, tem

desconsiderado as heranças agrárias das diferentes regiões do mundo. Assim, a

agricultura se constitui o ponto cego das análises da crise econômica

contemporânea quando não são reconhecidas as suas transformações imensas e

contraditórias e a sua participação na formação da pobreza e do desemprego no

planeta. (MAZOYER e ROUDART, 2010, p.553). Colocar a agricultura como um eixo

privilegiado no espaço escolar significa, além das possibilidades pedagógicas

imediatas e diretas, reconhecer seu papel primordial na solução da crise

contemporânea mundial que se mostra sob diferentes formas.

A preocupação com a agricultura que produza a quantidade de alimento

suficiente para atender às necessidades da sociedade carece estar acompanhada

da noção de qualidade e considerar os impactos sociais e ambientais. Quando as

consequências nefastas desses impactos passam a ser questionadas, outras formas

de agricultura são buscadas na tentativa de reverter os problemas por eles

acarretados. São enquadradas na denominação genérica de alternativas (o que,

contraditoriamente, pode reforçar um caráter marginal ou subalterno) a agricultura

orgânica, a biológica, a natural, a ecológica, a biodinâmica, a permacultura, entre

outras. Em meio a esse movimento surge a necessidade de estruturação científica

de um conjunto de conhecimentos que possa dar suporte para a transição do

modelo hegemônico para estilos de agriculturas de base ecológica. Esse corpo de

conhecimentos científicos funda a Agroecologia (CAPORAL e COSTABEBER,

2004).

A relevância da agricultura que produz comida ganha profundidade e

abrangência na constatação de que, em tese, a produção de um trabalhador

agrícola exige ser pelo menos igual à soma de suas próprias necessidades e das

necessidades de todos aqueles que, exercendo outras atividades, não produzem

sua própria alimentação (MAZOYER e ROUDART, 2010). Porém, acostumamos a

enxergar a comida, mas não quem a produz. A sociedade que construímos nesses

„500 anos‟ produziu muitos seres invisíveis (GADOTTI, 2000, p. 26).

A despeito da invisibilidade imposta pelos grandes latifúndios e monoculturas, o

agricultor familiar brasileiro cumpre papel estratégico na oferta de alimentos, sendo

responsável – segundo o Censo Agropecuário de 2006 – por 70% dos alimentos

consumidos no país. É classificado como agricultor familiar aquele que possui área

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agrícola com extensão delimitada em função da região e que utiliza mão de obra

predominantemente familiar, retirando daí a sua renda principal (CONSEA, 2010).

O crescimento da produção agrícola privilegiando produtos para a exportação

em detrimento de alimentos para o consumo interno é uma temeridade para a

garantia da segurança alimentar. As áreas destinadas a grandes monocultivos se

expandem e incorporam as áreas de outros cultivos.

Apenas quatro culturas de larga escala (milho, soja, cana e algodão) já ocupavam, em 1990, quase o dobro da área total ocupada por outros 21 cultivos: abacate, banana, figo, goiaba, limão, maçã, mamão, manga, maracujá, pera, abacaxi, arroz, aveia, batata-doce, batata inglesa, cebola, feijão, melancia, melão, tomate e trigo. Entre 1990 e 2009, a distância entre a área plantada com os monocultivos e estas mesmas 21 culturas aumentou 125%, sendo que a área plantada destas retrocedeu em relação a 1990 (CONSEA, 2010, p. 40).

Outros aspectos mais relacionados ao desenvolvimento prático da agricultura e

que merecem consideração na transposição para a escola se referem à

invisibilidade da necessidade de proteção, de segurança, de condições de saúde do

agricultor, o que, ao que parece, tem se reproduzido na escola quando o estudante

assume as atividades agrícolas. Ao se considerar que os produtos da agricultura

contribuem para uma vida mais saudável é importante que estes sejam o resultado

de um trabalho igualmente saudável, no qual a saúde do trabalhador agrícola seja

levada em conta.

Embora a intensidade do trabalho na escola seja distinta da atividade diária do

agricultor, se aquelas questões são negligenciadas, além de se demonstrar um

descuido com o escolar, perde-se a oportunidade de trazer para a visibilidade um

problema geralmente não pensado quando nos deparamos com o alimento já

produzido e longe de seu produtor.

Equipamentos agrícolas e suas formas de uso são objetos de estudos que

propõem aperfeiçoamentos. A ergonomia, aplicada à agricultura visa a adaptações

nos equipamentos e ferramentas para reduzir esforços físicos e trazer mais conforto

ao agricultor. Porém, a maneira de uso também precisa ser considerada,

especialmente a daqueles que demandam a tração humana. Por vezes, uma

mudança de posição corporal distribui o esforço por um maior número de músculos.

Em outros casos, a alteração simples em alguma característica da ferramenta reduz

o esforço. Vale mencionar a enxada, que é uma ferramenta presente nas hortas e

que pode gerar indecisões em relação ao seu uso pelos estudantes.

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[...] uma enxada com cabo curto, com ângulo de inclinação ou afiação inadequados pode prejudicar consideravelmente o rendimento da capina e provocar o cansaço prematuro do usuário. Uma forma de solucionar esse problema seria adequar ao biotipo do usuário as dimensões do cabo da enxada, o ângulo de inclinação dela, bem como o seu peso e largura. De modo geral, enxadas devem dispor de cabos com comprimentos entre 1,4 e 1,6m, conforme a altura do usuário. [...] o uso de enxadas devidamente encabadas diminui o esforço do usuário, podendo haver uma redução de demanda de energia humana de até 40% em relação à utilização de cabos curtos (FRANCO et al., 1991, p.11)

Esses avanços tecnológicos pouco são percebidos na prática. O uso de

equipamentos de segurança, a adequação de ferramentas ou orientações

ergonômicas, no exercício laboral cotidiano dos agricultores, têm um histórico de

improvisos e que tende a ser reproduzido nas escolas quando da atividade com

hortas.

A preocupação com a Saúde Ocupacional Agrícola tem características

peculiares devido às particularidades do trabalho no campo e aos riscos

ocupacionais relacionados. Somente a partir dos anos sessenta os dados sobre a

saúde dos trabalhadores agrícolas ganham atenção do Comitê de Saúde

Ocupacional da Organização Mundial da Saúde. Até então as atenções estavam

voltadas somente para estudos sobre a saúde ocupacional em higiene industrial. No

Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que trazia ênfase

na responsabilidade do estado sobre a saúde do cidadão, vários Estados passaram

a atualizar suas leis incluindo a saúde do trabalhador rural. São de várias ordens os

possíveis agravos à saúde do trabalhador: intoxicação por fertilizantes e agrotóxicos;

danos decorrentes da exposição prolongada ao sol; problemas articulares,

musculares e neurológicos; acidentes com ferramentas manuais; contaminação

biológica; picadas por animais diversos; entre outros. Embora a legislação brasileira

de 1964 cite o carbúnculo como doença profissional a que estão expostos

trabalhadores que lidam com animais, seus subprodutos e dejetos, a mesma não se

estende nesse caso aos profissionais da agricultura, que só reconhece para a

ocorrência de intoxicação por agrotóxico (FLEMING, 2003).

Em 2005 foi aprovada a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no

Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura

visando a estabelecer os preceitos para a garantia da segurança e saúde dos

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trabalhadores. Entre as orientações constam exigências ergonômicas para

equipamentos, mobiliários e ferramentas e o uso de equipamento de proteção

individual, como chapéu ou outra proteção contra o sol, chuva e salpicos, botas e

calçados fechados para evitar contaminações biológicas e picadas de animais

peçonhentos (BRASIL, 2005). No entanto, essas são exigências que contribuem

para regular as relações formais entre empregadores e empregados na empresa

capitalista e na produção familiar capitalizada, o que, provavelmente, tem pouco

impacto em relações informais de trabalho e na agricultura familiar marginalizada

(SORJ, 2008).

Vale ressaltar que as agriculturas em pequena escala não mecanizada, ainda

que excluam o uso de agrotóxicos, também apresentam fatores que podem

comprometer a saúde do agricultor. No cultivo orgânico há intensificação das tarefas

manuais demandando maior esforço físico, posturas desconfortáveis e movimentos

repetitivos (GEMMA et al., 2004). Nesse caso, há necessidade de adaptar aquelas

orientações para atender tais especificidades.

Outro aspecto, por vezes ignorado na prática de adubação orgânica, é o risco

de contaminação biológica por esterco. A Escherichia coli é uma bactéria comum em

gado bovino e está associada a doenças intestinais humanas. A contaminação pode

ocorrer no contato com os dejetos do animal pra a preparação do adubo ou no final

do processo de compostagem, caso essa não seja feita adequadamente. O objetivo

da compostagem é converter o material orgânico, que pode ser fezes de animal, em

adubo. Nesse processo algumas variantes precisam ser consideradas, sendo que a

temperatura alcançada pode propiciar a eliminação de patógenos (GONÇALVES,

2006).

Ainda em relação à prática da agricultura orgânica, a utilização de insumos

alternativos para controle de pragas e doenças, mesmo quando se usam princípios

ativos não residuais de baixa toxidez e/ou agentes de biocontrole, também faz

necessária a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (HENZ et al., 2007).

A intenção de proporcionar um contato íntimo de escolares com elementos da

natureza, não pode estar baseada numa visão ingênua sobre as suas possíveis

implicações. A simples exclusão de agroquímicos e a pretensa adoção de técnicas

naturais não eliminam riscos. A visibilidade desses aspectos, além de buscar

garantir a segurança e a saúde do estudante, traz a reflexão sobre as condições de

trabalho daquele que produz o alimento.

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A panorâmica apresentada tem a intenção de expor dimensões pouco

explícitas na prática agrícola a serem consideradas nos planejamentos e execução

das hortas escolares e cuja materialidade, pedagogicamente estruturada, visa a

desencadear aprendizagens amplas.

3.2 HORTAS ESCOLARES: prática pedagógica e equipamento pedagógico

É desejável que o espaço e o tempo da horta escolar obedeçam a um conjunto

de critérios que favoreça os aprendizados fins e que atenda também aos

aprendizados incidentais, entendendo que estes não podem estar dissociados. Tais

critérios requerem a consideração de aspectos agronômicos, porém,

pedagogicamente pensados para atender princípios curriculares, éticos, estéticos e

ergonômicos específicos do público alvo.

As discussões, no âmbito da transposição didática, oriundas de um contexto

mais amplo de transformações que sofre um saber antes de se tornar um saber a

ensinar, auxiliam nas reflexões pedagógicas sobre as hortas nas escolas que aqui

pretendemos empreender incluindo, além da preocupação em como ensinar e o que

ensinar, discussões sobre para que e a quem ensinar. Por conseguinte, definem-se

conhecimentos, atribuições e papéis aos sujeitos escolares, reforçam-se identidades

e sustentam-se epistemologias (FÁVERO et al. , 2012, p.32).

É possível identificar diferentes classificações e caracterizações de modelos

educacionais ou tendências pedagógicas usadas para analisar e categorizar as

práticas pedagógicas em curso no Brasil. A teoria da complexidade, que abarca o

pensamento complexo, é considerada no rol das correntes pedagógicas

contemporâneas (LIBÂNEO, 2005) e traz contribuições relevantes para o

desenvolvimento das ações relacionadas às hortas escolares.

Um dos princípios da teoria da complexidade, o princípio hologramático, apela

para a religação da totalidade fragmentada com a modernidade, para a articulação

entre parte-todo, simples-complexo, local-global, unidade-diversidade, particular-

universal na busca do reestabelecimento de relações entre todas as coisas e os

diversos conhecimentos. O cérebro é entendido como um holograma que no

processo de aprendizagem evoca múltiplos fatores da experiência individual numa

dinâmica retroativa e recursiva para a construção do conhecimento. Dada essa

complexidade individual do processo cognitivo é possível afirmar que não há uma

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única maneira de aprender (SANTOS A., 2009, p. 21). O exposto conduz ao

entendimento de que uma ação com intenção pedagógica pode disponibilizar

situações com múltiplos caminhos possíveis para a aprendizagem.

A transposição da agricultura na condição de horta escolar pressupõe a

intenção de ensinar coisas de um espaço que tomarão outra forma como conteúdo

de ensino. Esse conteúdo não será uma mera reprodução dos conhecimentos. Há

que se considerar a especificidade do conteúdo presente nesta transposição, por

não se tratar, tão somente, de fazer um objeto do saber produzido em outro espaço,

um objeto do saber escolar (FÁVERO et al., 2012).

No caso da horta, nos defrontamos com uma prática social milenar - a

agricultura - repleta de conhecimentos de diferentes ordens nem sempre

consensuais. Nela os aspectos que compõem o que se pretende conteúdo a ser

ensinado, com suas respectivas proposições e crenças, se confundem com os

processos da execução prática da atividade. O resultado dessa elaboração vai

configurar uma determinada prática pedagógica materializada na horta escolar.

Tendo em vista o espaço formal de educação, podemos chamar de prática

pedagógica toda a ação que aí se desenvolve com objetivos voltados à

aprendizagem dos escolares, geralmente elaborada e conduzida por professores,

mas que pode envolver ou ser orientada por outros membros da comunidade escolar

ou externos a ela.

É interessante notar que os produtos da agricultura familiar parecem ter um

valor intrínseco reconhecido, ao contrário do descaso dispensado historicamente ao

seu agente, o pequeno agricultor e as suas condições materiais de trabalho. Essa

constatação parece influenciar a inserção da agricultura na escola quando são

pensadas as necessidades para a produção sem considerar a proteção e o bem

estar de quem vai trabalhar. São omissões que ainda permanecem, apesar dos

objetivos amplos terem se renovado, inclusive nos discursos manifestos, sendo

possível evidenciar alguns desacordos entre estrutura física, instrumentos,

estratégias e objetivos. Os aspectos mencionados, de um modo geral, prejudicam a

concepção estrutural da horta como um equipamento pedagógico, o que pode

exercer influência negativa nas suas possibilidades como prática pedagógica.

A adequação do espaço para a atividade agrícola na escola ainda carece de

uma orientação que atenda as suas especificidades. A definição dos

conteúdos/conhecimentos a serem privilegiados e dos objetivos a serem alcançados

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com a prática pedagógica deveria conduzir a preparação do espaço destinado ao

desenvolvimento das ações e utilizado no processo de ensino-aprendizagem. Essa

preparação implica a seleção e organização dos instrumentos apropriados para a

sua execução, o que requer a concepção da horta escolar como um equipamento

pedagógico visando ao atendimento das necessidades dos estudantes e dos

profissionais envolvidos.

Diferentemente do que ocorre com hortas escolares, no âmbito da agricultura

com fins terapêuticos há a preocupação com o rigor nos critérios na elaboração de

projetos visando à otimização dos possíveis benefícios do contato com elementos da

natureza para a saúde humana. A possibilidade da participação da comunidade

envolvida na elaboração e nas etapas sucessivas do projeto é considerada

importante para o estabelecimento de vínculo com as atividades posteriores. O

diálogo cria condições para que os interesses, as aptidões e as limitações sejam

ajustados aos preceitos técnicos. Outros aspectos considerados para um

equipamento de saúde com agricultura são: a unidade, a aprazibilidade, o conforto,

a naturalidade, a inclusividade, a segurança e a sustentabilidade (DIAS, 2013), que

podem ser reconfigurados para as escolas em função das características locais.

Embora a concepção apresentada seja voltada para a agricultura no contexto de um

equipamento de saúde, oferece princípios genéricos que podem auxiliar na

consolidação da horta como equipamento pedagógico e serão apresentados, a

seguir, já com as respectivas adaptações.

A unidade pode ser pensada como a integração harmônica da horta ao espaço

físico da escola e a inclusão de acessórios que lhe atribuam visibilidade. A

aprazibilidade se funda no desenvolvimento de sentimento de autonomia e de

familiaridade com o espaço e no estabelecimento de vínculos entre os usuários. A

inserção de elementos significativos para o grupo atendido, a organização funcional,

estética e facilitadora do contato interpessoal favoreceriam esse aspecto. A

possibilidade de alguns espaços sombreados e de canteiros nos quais seja possível

sentar-se para realizar trabalhos mais demorados são detalhes que, junto a outros,

podem trazer mais conforto à atividade. A naturalidade atenta para a busca da

composição mais próxima do ambiente natural, como a utilização de materiais

naturais e a inclusão de espécies vegetais que atraiam insetos e pássaros, por

exemplo.

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Tendo em vista os movimentos sociais e legais em prol da inclusão e da

acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida, seria o caso de pensar um

desenho para a inclusividade na horta em função das especificidades do grupo local,

por exemplo: sem degraus, com canteiros elevados, facilitador no deslocamento de

cadeiras de rodas etc. Os cuidados com a segurança podem estar presentes na

organização espacial, nos materiais e ferramentas escolhidos, na observância do

grau de toxidez ou espinhos em plantas, na relação dos estudantes com os animais

como aranhas e abelhas etc. Guardando coerência com o modelo de agricultura

com base ecológica, a adoção de critérios de sustentabilidade se estende à

utilização de materiais e técnicas de construção, tais como o uso de materiais não

poluentes e recicláveis e coleta de água da chuva para a rega.

A atenção aos fundamentos epistemológicos para a elaboração de uma prática

pedagógica como a horta e a eleição de conhecimentos que compõem o seu

conteúdo de ensino podem ser reforçadas na correspondência com sua estruturação

física, seus elementos materiais cotidianos e suas formas de usos. A conjugação

coerente de prática e equipamento pedagógicos pode facilitar a visibilidade, a

problematização, a construção do conhecimento e a postura questionadora

reivindicada para a educação contemporânea.

3.3 HORTAS ESCOLARES URBANAS: anunciando ausências

Trazer a agricultura para a escola urbana é, em primeiro lugar, reconhecer a

sua presença negada pelo discurso urbano de progresso. A despeito da imposição

do paisagismo nas áreas públicas urbanas ser, por vezes, pautada por escolhas,

organização agrícola estética e funcional exóticas, no imaginário das pessoas resiste

um resíduo caótico de agricultura, um pedaço da roça que teima em se manter na

cidade: nos quintais, nos muros, nos parapeitos, nos cantinhos, nos vasos, nas

latas. Em segundo lugar, é promover o restabelecimento qualificado do contato com

as etapas do sistema alimentar, dando visibilidade a outras dimensões que

envolvem a relação humana com os alimentos e favorecer as reflexões sobre a

origem e as condições em que estes são produzidos.

Tendo em conta os aspectos apresentados, é especialmente importante pensar

nas características de uma horta adequada ao espaço escolar urbano. É possível

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encontrar alguns subsídios nos procedimentos e resultados da denominada

agricultura urbana.

A agricultura urbana é uma prática que se impôs e cujo reconhecimento está se

dando nos meios acadêmicos na forma de um conceito em construção e na adoção

ampla em projetos e programas por organismos internacionais, como o Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Organização das Nações

Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e, ainda, diversas organizações não

governamentais e governamentais do mundo inteiro. Essa modalidade, além da

especificação de localização em relação ao urbano (e também intraurbano ou

periurbano), pressupõe integração e interação com esse ecossistema pela utilização

de princípios agroecológicos, englobando os avanços da ciência; a participação

criativa dos agricultores; o respeito aos conhecimentos, culturas e experiências

locais; utilização de resíduos orgânicos produzidos no entorno; adaptações para

pequenas áreas de cultivo com gestão familiar ou associativa; a recuperação de

biodiversidade; a exclusão de contaminação química para o agricultor, consumidor e

meio ambiente; e, devido à aproximação entre produtor-consumidor, renda para o

agricultor e qualidade e diversidade alimentar para ambos (AQUINO e ASSIS, 2007).

A agricultura urbana, além de apresentar importância crescente no apoio à

garantia da segurança alimentar e nutricional de populações socialmente

marginalizadas pelo aumento da disponibilidade e diversificação de alimentos para

autoconsumo, estimula atitudes de cooperação e de comunhão do ser humano com

a biodiversidade natural e a atividade agrícola. É notável, também, o impacto

estético e sanitário, quando áreas abandonadas ou com lixos e entulhos são

convertidas em áreas de cultivo com o reaproveitamento de materiais disponíveis

como embalagens e pneus para a ordenação do espaço e confecção de canteiros e

resíduos orgânicos domiciliares são utilizados na produção de adubo (ALMEIDA,

2004).

As hortas escolares podem reforçar e ser reforçadas pela agricultura urbana e

seus princípios. A agricultura inserida no currículo da escola urbana tem a

possibilidade de validar e enaltecer os conhecimentos que podem estar presentes e

subalternizados na população de origem rural, estimulando sua ampliação. O

acolhimento de tais saberes e o seu reconhecimento como importantes e

necessários, bem como o anúncio de sua omissão no currículo formal urbano podem

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trazer ao cenário da escola atores sociais e conhecimentos ausentados,

promovendo a ecologia dos saberes.

3.4 HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: denunciando

ausências

A Agroecologia concebida como ciência estabelece as bases para a construção

de estilos de agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural

sustentável levando em conta a complexidade dos processos socioculturais,

econômicos e ecológicos envolvidos. Visa a apoiar agriculturas de base ecológica na

obtenção de produtos de qualidade biológica superior (CAPORAL e COSTABEBER,

2004).

Os princípios da Agroecologia afinados com as perspectivas teóricas, aqui

adotadas, enriquecem a análise e interpretações das ações desenvolvidas na

elaboração das hortas escolares, tanto naquelas referentes ao estabelecimento de

uma relação mais íntima/afetiva, multissensorial e multidimensional com a atividade

agrícola, como na compreensão ampliada das produções humanas, as intervenções

tecnológicas no ambiente natural e de suas respectivas consequências, estimulando

uma postura questionadora em relação aos impactos da ciência e da tecnologia

(SILVA et al., 2011).

A Agroecologia, ao utilizar os agroecossistemas como unidades de estudo,

orienta-se pela integração das bases e conhecimentos agronômicos, ecológicos,

culturais e socioeconômicos para a compreensão, a análise, a crítica do atual

modelo do desenvolvimento e de agricultura e a avaliação dos impactos das

tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Os saberes

históricos, as técnicas e as formas de aprendizagem dos agricultores, nesse

contexto, gozam de legitimidade, rompendo com a arrogância da ciência

convencional e são fundamentais no estabelecimento de novas estratégias para o

desenvolvimento agrícola e desenhos mais sustentáveis (ALTIERI, 2004; CAPORAL

et al., 2009).

O histórico do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, construído

sobre a produção de ausências de identidades e conhecimentos locais e com a

imposição de um modelo de desenvolvimento e progresso, conforma o modo como a

população, inclusive os professores de Ciências, idealiza a influência da ciência e da

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tecnologia na sociedade, interferindo na seleção e nos encaminhamentos dos temas

nas práticas pedagógicas. Ocorre, por vezes, uma crítica pontual e pouco

fundamentada de algum episódio negativo dessa relação numa conjunção de visões

ufanista, hegemônica, irreversível e linear do incremento científico e tecnológico

(AULER e DELIZOICOV, 2006; AULER, 2007; SANTOS, 2007). Emerge daí a

necessidade de se buscarem estratégias educacionais capazes de mobilizar alusões

e dimensões específicas do contexto brasileiro. A agroecologia apresenta princípios

que podem enriquecer as práticas escolares nesse âmbito.

Atentos a esses fatores, compartilhamos da preocupação dos estudiosos da

área com a vulgarização do termo agroecologia, o que acarreta usos inadequados

para, por exemplo, denominar um novo modelo de agricultura ou seu uso parcial e

reducionista como na adoção de algumas práticas ou tecnologias ambientalmente

mais adequadas, ou sem uso de agrotóxicos, ou a substituição de insumos. Assim,

reafirma-se que a agroecologia trata-se, na acepção kuhniana, de um novo

paradigma ou de uma nova ciência, do campo da complexidade, em construção para

a transição do atual modelo convencional de agricultura para estilos de agriculturas

sustentáveis. Para tanto, organiza-se um enfoque teórico e metodológico

multidisciplinar para a atividade agrícola sob uma perspectiva de sustentabilidade

ecológica, social, econômica, cultural, política e ética visando à produção de

alimentos em quantidade adequada e de elevada qualidade biológica, para toda a

sociedade. Essa proposta de desenvolvimento agrícola valoriza saberes acumulados

historicamente, reconhece a existência de interdependência entre o sistema social e

o sistema ecológico, ou seja, a coevolução da cultura humana com o meio ambiente

e produz menor deterioração cultural, biológica e ambiental, conservando mais

opções culturais e biológicas. Os elementos centrais da Agroecologia podem ser

agrupados em três dimensões interconectadas que demandam aportes de diferentes

áreas de conhecimentos e, portanto abordagem inter, multi e transdisciplinar:

ecológica e técnico-agronômica; socioeconômica e cultural; e sócio-política

(CAPORAL e COSTABEBER, 2004; CAPORAL et al., 2009).

As bases epistemológicas que dão sustentação à Agroecologia indicam que a

evolução da cultura humana e a evolução do meio ambiente referenciam-se

mutuamente, de tal forma que:

a) os sistemas biológicos e sociais têm potencial agrícola;

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b) este potencial foi captado pelos agricultores tradicionais através de um processo de tentativa, erro, aprendizado seletivo e cultural; c) os sistemas sociais e biológicos coevoluíram de tal maneira que a sustentação de cada um depende estruturalmente do outro; d) a natureza do potencial dos sistemas social e biológico pode ser melhor compreendida dado o nosso presente estado do conhecimento formal, social e biológico, estudando-se como as culturas tradicionais captaram este potencial; e) o conhecimento formal, social e biológico, o conhecimento obtido do estudo dos sistemas agrários convencionais, o conhecimento de alguns insumos desenvolvidos pelas ciências agrárias convencionais e a experiência com instituições e tecnologias agrícolas ocidentais podem se unir para melhorar tanto os agroecossistemas tradicionais como os modernos; f) o desenvolvimento agrícola, através da Agroecologia, manterá mais opções culturais e biológicas para o futuro e produzirá menor deterioração cultural, biológica e ambiental que os enfoques das ciências convencionais por si sós. (CAPORAL et al., 2009, p. 26 ).

A perspectiva complexa da Agroecologia entende que o processo de transição

forma um conjunto composto por uma seleção qualitativa e rigorosa de

conhecimentos que inclui os avanços científicos. Portanto, uma agricultura que se

limita a substituir insumos químicos convencionais não pode ser classificada como

ecológica, podendo inclusive, um manejo inadequado ocasionar novos problemas. A

atenção volta-se para a busca de maior complexidade ecológica dos sistemas de

produção: Quanto mais diversificados e integrados forem os sistemas de cultivos e

criações, mais próximos estarão da sustentabilidade ambiental desejada e possível

(CAPORAL et al., 2009, p. 36).

A Agroecologia respalda cientificamente estilos de agriculturas, considerando

as dimensões econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e éticas da

sustentabilidade, visando à produção de alimentos quantitativamente e

qualitativamente adequados para a toda a sociedade de forma a garantir a

Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CAPORAL et al., 2009).

Os princípios agroecológicos podem estar presentes de forma avulsa e parcial

em diferentes iniciativas de produção agrícola conformando modalidades com

denominações distintas. A agricultura orgânica se destaca e acaba por ser,

equivocadamente, entendida como sinônimo das demais, inclusive da própria

Agroecologia como um todo. Esse fato evoca a necessidade de esclarecimentos

sobre a possibilidade do caráter restritivo na concepção da agricultura orgânica em

relação à abrangência dos princípios agroecológicos (AQUINO e ASSIS, 2007).

A agricultura orgânica compreende um conjunto de procedimentos que

envolvem a planta, o solo e as condições climáticas para a produção de alimento

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com características peculiares que atendam as expectativas de um mercado

consumidor diferenciado. O foco ao recair na certificação do produto final e na

observância de algumas tecnologias adotadas descuida do sistema de produção

como um todo. Nesse caso, pode haver somente restrições ao uso de fertilizantes

sintéticos e pesticidas com a manutenção da lógica de produção em escala industrial

como a monocultura e a exclusão das preocupações sociais, culturais e ambientais

daí advindas (PENTEADO, 2000; ASSIS e ROMEIRO, 2002; AQUINO e ASSIS,

2007).

Da mesma forma, os projetos com hortas escolares no Brasil podem não estar

se apropriando dos princípios da agroecologia e incorrendo no uso do termo

orgânico/orgânica para adjetivar a prática em si (horta orgânica), seus produtos

(alimento orgânico) ou somente os insumos utilizados (adubo orgânico). Em termos

educacionais, essa parcialidade ingênua se por um lado insere elementos

importantes que podem suscitar reflexões relevantes no ambiente escolar, por outro

justapõe lógicas e modelos contraditórios sem explicitá-los.

A denúncia de ausências pode ocorrer no conflito proporcionado pelo confronto

entre os modelos de agricultura hegemônico e aqueles afinados com os princípios

agroecológicos.

3.5 HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS, PREPARANDO O

TERRENO: aprender é processo/ sobre aprender a comer.

A constituição de hábitos alimentares adequados e, principalmente, a

elaboração de intervenções capazes de alterar dietas já consolidadas apresentam-

se como grandes desafios, tendo em vista a constatação da complexidade enredada

no fenômeno alimentar associada aos aspectos que compõem a denominada

modernidade alimentar. Esse conceito é estruturado por fatores contemporâneos

que alteram o sistema alimentar humano e afastam o comensal das características

originais do alimento, tais como a pouca disponibilidade de tempo para o seu

preparo, a perda da competência culinária, os atuais processos de produção

agrícola e de industrialização. Associado a esses fatores, surge o aparato para o

atendimento daquelas necessidades produzidas, que envolve a acessibilidade, a

praticidade e a influência da publicidade, que atribui significados positivos a

alimentos industrializados e traz a valorização dessas facilidades. Essas

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modificações descontextualizam o alimento, dificultando a vinculação a uma

referência, infringindo a necessidade do comensal de reconhecer e se identificar

com o alimento para atribuir-lhe significado. Para suprir tais carências, novos

significados são produzidos artificialmente forjando essa aproximação

(CONTRERAS, 2005; FONSECA et al., 2011).

Se ainda persistem discussões sobre as dimensões determinantes nos

processos de aprendizagem dos conteúdos escolares clássicos, certamente para o

ato de comer não há dúvidas de que a aprendizagem não é somente cognitiva.

[...] o comer envolve seleção, escolhas, ocasiões e rituais, imbrica-se com a sociabilidade, com ideias e significados, com as interpretações de experiências e situações. Para serem comidos, ou comestíveis, os alimentos precisam ser elegíveis, preferidos, selecionados e preparados ou processados pela culinária, e tudo isso é matéria cultural (CANESQUI e GARCIA, 2005, p. 9).

O comportamento alimentar humano é resultante de um conjunto de

determinantes, de tal modo que o processo de formação do repertório alimentar é

algo aprendido desde a infância, pelas sensações táteis, gustativas e olfativas sobre

o que se come. Sua consolidação pode se constituir em fator de proteção tornando o

indivíduo mais resistente à homogeneização imposta pela produção e pela

distribuição massificadas de alimentos (CANESQUI e GARCIA, 2005, p. 10).

A crescente tendência à inadequação alimentar está presente em todas as

classes sociais, evidenciando a influência ampla dos processos que envolvem a

modernidade alimentar em aspectos sociais e culturais locais. As escolhas

alimentares têm priorizado alimentos que, devido às proporções em que são

consumidos, causam danos à saúde. Como consequência, a Organização Mundial

da Saúde alerta para a ocorrência de doenças relacionadas como problemas

cardiovasculares, diabetes, alguns tipos de câncer e a obesidade.

A ampliação do acesso ao alimento, proporcionada por medidas

governamentais brasileiras nos últimos anos, bem como os avanços conceituais e

políticos e a profusão de informações sobre a importância da alimentação saudável

não são suficientes para a constituição de melhores escolhas. A tentativa de

contraposição a esse processo tem se dado com formulações e implementação de

políticas de intervenção ineficientes e passíveis de questionamentos, tais como:

Como abordar as práticas alimentares [...] sem correr o risco de assumir uma

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postura moralizante [...]? Como implementar ações [...] sem partir de nossas

concepções? A resposta às questões pode estar na consolidação de uma política de

educação alimentar com ações que promovam hábitos alimentares saudáveis e

adequados cultural e ambientalmente (BURLANDY e MAGALHÃES, 2008, p. 54). O

Programa Nacional de Alimentação Escolar tem travado uma luta contra aqueles

aspectos impostos pela modernidade alimentar ao privilegiar, progressivamente, a

busca por adequações que favoreçam o oferecimento de alimentos saudáveis e

adequados.

Entretanto, além de enfrentar a resistência ao consumo desses alimentos, o

PNAE tem que lidar com preconceitos voltados ao programa. O histórico do

Programa, marcadamente assistencialista, imprimiu no imaginário coletivo um

estigma depreciativo aos seus comensais. As percepções negativas sobre a

merenda e a sua omissão pedagógica limitam a concretização de seus objetivos

educativos (SILVA et al., 2012). Se por um lado, é inegável o potencial educativo do

PNAE para a educação alimentar e nutricional dada a sua presença diária desde a

educação infantil, por outro, a complexidade envolvida na aceitação e consumo do

alimento oferecido costuma ser negligenciada pedagogicamente.

Entende-se que é importante agregar ao PNAE ações educativas cotidianas e

contínuas que mobilizem outras dimensões que conformam a constituição do

repertório alimentar, contribuindo para o estabelecimento de uma relação positiva

das crianças e adolescentes com os alimentos considerados mais saudáveis e

adequados oferecidos nos cardápios escolares. As hortas escolares podem se

configurar em terreno fértil nesse sentido.

3.6 HORTAS ESCOLARES URBANAS PREPARANDO O TERRENO PARA A

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: abordagens

contemporâneas

Quando buscamos identificar nas experiências com hortas escolares urbanas

as potencialidades para o alcance dos objetivos da Educação em Ciências e da

Educação em Saúde, as interseções se evidenciam, especialmente, ao

concebermos a alimentação humana e Educação Alimentar e Nutricional numa

perspectiva ampla que envolva a complexidade do sistema de produção do alimento

e dos múltiplos determinantes do comportamento alimentar. Essa percepção tem se

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revelado nas práticas educativas desenvolvidas em escolas, quando a Educação

Alimentar e a Educação Ambiental aparecem insistentemente associadas, a

despeito da delimitação de campos no meio acadêmico (SILVA, 2010; CONTRERAS

e GRACIA, 2011). Tal conexão é um passo importante, mas não tem sido o

suficiente para garantir ações que deem conta de aspectos fundamentais da

multidimensionalidade da alimentação humana.

As hortas escolares tanto são recomendações de setores que se ocupam da

educação e promoção em saúde, quanto daqueles relacionados à educação em

ciências. As interfaces dos campos se referem aos conhecimentos e dimensões

implícitos nessa prática e que podem ser identificadas em maior ou menor amplitude

ou graus de complexidade em função do modo de se conceber a educação, a

saúde, as relações humanas com os demais elementos do ambiente e,

especialmente, como tem sido posta em evidência, a relação humana com o

alimento e as possibilidades para a educação alimentar e nutricional objetivando

melhor qualidade de vida.

Faz-se necessária uma reflexão sobre os objetivos e desafios contemporâneos

da Educação em Saúde e da Educação em Ciências para compreender o que de

fato se pretende com a proposta de hortas escolares proveniente desses campos de

conhecimento. O Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE, dada a sua

abrangência, sua permanência, suas proposições e objetivos atuais, pode se

constituir num ponto importante de confluência, de concretude e de exercício da

práxis daquelas áreas de conhecimento, tendo como eixo a alimentação. O PNAE,

em sua atual configuração, abarca aspectos relativos ao alimento a ser consumido

no espaço escolar que podem ser enriquecidos e pedagogicamente tratados com os

conhecimentos e objetivos provenientes da Educação em Saúde e da Educação em

Ciências.

Apesar dos avanços teóricos percebidos na Educação em Saúde, na Educação

em Ciências e nas formulações do PNAE, as práticas educativas relacionadas a

alimentação continuam recebendo críticas devido a métodos, abordagens e

procedimentos parciais e que não conseguem dar conta da complexidade da

questão (SANTOS, 2012). Nesse contexto o reconhecimento da educação alimentar

como estratégia fundamental para a promoção de práticas alimentares saudáveis

não garante clareza sobre os contextos e os atores de sua execução de tal forma

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que se constata que a educação alimentar e nutricional está em todos os lugares e,

ao mesmo tempo, não está em lugar nenhum (SANTOS, 2005, p.15).

Os esforços governamentais feitos para atender a demandas para a

alimentação saudável, como medidas reguladoras legais e ações com propósitos

educativos, ainda não são considerados satisfatórios (BRASIL, 2010). Em relação às

intervenções educativas, incide a crítica de identificação com uma visão tradicional e

fragmentada do conhecimento (SANTOS, 2005; 2012). Informações e eventos

avulsos sobre alimentação adequada não são suficientes para interferir de forma

efetiva em um fenômeno tão complexo como o da constituição de hábitos

alimentares (FISCHLER,1995; CASTRO et al., 2007).

Tendo em conta a indicação, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, para a

transversalidade dos temas ambiente e saúde, os livros didáticos nas diferentes

áreas que tangenciam o ensino de Ciências poderiam representar apoio importante

para as práticas pedagógicas. Porém, apresentam também deficiências, sendo

possível identificar vazios textuais e incongruências em relação aos conceitos de

saúde e ambiente e às metodologias empregadas nesse contexto. O ambiente é

tratado de forma naturalizada e, por vezes, descontextualizada enquanto que para a

saúde são negligenciadas as formulações de políticas públicas voltadas para a

alimentação (MOREIRA et al. , 2013, p. 37).

O alimento é o eixo unificador a ser contextualizado a partir da agricultura e

suas múltiplas dimensões, considerando que: Os produtos agrícolas e alimentares

não são mercadorias como as outras: seu preço é o da vida e, abaixo de um certo

patamar, o da morte (MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 34). Há a aposta de que as

hortas escolares, como uma prática consensual e com possibilidades de expansão,

podem ser enriquecidas com os objetivos da Educação em Saúde, da Educação em

Ciências e do PNAE e podem representar o elo que permita aos agentes de cada

campo o aperfeiçoamento de suas práticas pelo exercício da perspectiva integrada e

transdisciplinar.

3.6.1 Educação em Ciências

A Educação em Ciências pode comportar significados variados que incluem a

propagação de conhecimentos gerais sobre a ciência e a tecnologia como

fenômenos sociais e econômicos e a formação específica numa disciplina,

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abrangendo espaços informais e todos os níveis de ensino (SCHWARTZMAN e

CHRISTOPHE, 2009). Uma característica inerente ao campo é que, se por um lado

este vem se consolidando por constituir um campo social de produção de

conhecimento autônomo, por outro, é enriquecido, diversificado e desafiado por

manter inter-relações em diferentes níveis com outros campos do conhecimento

(DELIZOICOV, 2004). Assim, a Educação em Ciências demanda diferentes saberes

em função da temática e do público alvo propostos para a investigação.

Toda essa conjuntura complexa que envolve o processo de produção e de

propagação de conhecimentos científicos para o espaço escolar vai resultar numa

variedade de práticas e abordagens pedagógicas. No caso específico de temas

relacionados à saúde incide a crítica de que os conhecimentos produzidos nesse

campo sofrem adaptações ao serem transpostos para a escola e passam a ter

caráter prescritivo com a disseminação de preceitos individuais efetivados em lista

de ações para garantir a saúde (PEREGRINO, 2000). Pode-se opinar que ocorre o

mesmo em relação ao conjunto de conhecimentos referentes ao meio ambiente e a

percepção de sua crise e que, com a horta escolar, tanto é possível que somente

seja reforçada essa abordagem ou, como queremos, auxilie na visibilidade da

complexidade de ambos.

A despeito das recomendações teóricas para que os temas relacionados a

hortas, como a alimentação- que naturalmente aparece inserida no contexto da

saúde, mas que pode e deve ser considerada nas discussões sobre meio ambiente -

sejam interdisciplinares e/ou transversais, na prática, a atividade segue mantendo

vínculo com o Ensino de Ciências. Tal constatação é reafirmada na identificação dos

professores de Ciências (ou daqueles das séries iniciais que ministram

conhecimentos da área) como atores privilegiados na proposição de hortas ou

procurados para parceria e/ou ponto de apoio por aqueles que pretendem realizá-las

com objetivos voltados a melhores consumos alimentares (RANGEL et al., 2014).

É comum que professores de Ciências vejam a horta como uma possibilidade

para aulas práticas, concebendo-a como um laboratório vivo que permite

observações, experimentos, discussões e a consolidação de conceitos científicos. A

horta pode ser vista também como apoio ao alcance de objetivos relativos aos

conteúdos curriculares clássicos e a muitos outros afinados com o contexto atual.

Assim, é possível associar as atividades agrícolas na escola a objetivos gerais

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propostos pelos PCNs a serem alcançados pela disciplina Ciências Naturais no

Ensino Fundamental (BRASIL, 1998a):

Compreender a natureza como um todo dinâmico e o ser humano, em sociedade, como agente de transformações do mundo em que vive, em relação essencial com os demais seres vivos e outros componentes do ambiente;

Compreender a Ciência como um processo de produção de conhecimento da atividade humana, histórica, associada a aspectos de ordem social, econômica, política e cultural;

Identificar relações entre conhecimento científico, produção de tecnologia e condições de vida, no mundo de hoje e em sua evolução histórica, e compreender a tecnologia como meio para suprir necessidades humanas, sabendo elaborar juízo sobre riscos e benefícios das práticas científicas e tecnológicas;

Formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de elementos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar;

Saber utilizar conceitos científicos básicos, associados a energia, matéria, transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida;

Saber combinar leituras, observações, experimentações e registros para coleta, comparação entre explicações, organização, comunicação e discussão de fatos e informações;

Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a construção coletiva do conhecimento.

Tais objetivos podem ser perseguidos a partir do conteúdo embutido nos

conceitos de meio ambiente e de saúde, os quais são temas caros ao Ensino de

Ciências que remetem a horta e podem, em alguns casos, se relacionar

separadamente àquela perspectiva de laboratório vivo. Embora pertençam a campos

de conhecimentos distintos, a abordagem da alimentação, a partir da horta,

aproxima os temas, os amplia e faz com que caminhem juntos na prática escolar.

Os conteúdos da disciplina, referentes ao meio ambiente e à alimentação,

frente às demandas atuais da sociedade, pressionam e encaminham professores

para ações em Educação Ambiental e em Educação Alimentar e Nutricional. Essa

avaliação conduz as exigências impostas ao ensino de ciências para a contribuição

na formação integral do educando a partir de uma perspectiva crítica. Dada a

amplitude, a complexidade, as implicações sociais, econômicas, culturais, políticas e

interconexões desses temas, a análise e/ou a elaboração de prática pedagógica

com objetivos correspondentes não podem se restringir a um artifício que venha a

auxiliar tão somente a aquisição de conceitos científicos.

O primeiro documento brasileiro oficial sobre o tema Educação Ambiental

definia entre seus objetivos a busca de uma relação harmônica entre o ser humano

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e ambiente natural e alterado, chamando a atenção para a impossibilidade da

manutenção da tradicional fragmentação dos conhecimentos oferecidos nas

disciplinas escolares (BRASIL, 1998b). Outros documentos se seguiram, com

destaque para a Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL,1988), que dedica um

capítulo ao meio ambiente no qual há um artigo específico sobre educação

ambiental destacando a obrigatoriedade da Educação Ambiental em todos os níveis

de ensino, em caráter não disciplinar; a aprovação do Programa Nacional de

Educação Ambiental em 1994, recomendando ações para o ensino formal; a Lei de

Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, em 1996 (BRASIL,1996), que postula

o seu caráter de transversalidade e, portanto, presente na concepção dos conteúdos

curriculares em todos os níveis; a Lei 9.795/99, que institui a Política Nacional de

Educação Ambiental e normatiza a Educação Ambiental brasileira (BRASIL, 1999).

Nesse contexto, a Rio-92 foi um momento importante de mobilização e visibilidade

para a educação ambiental, no qual foi reforçada sua importância e apresentadas

proposições de ações para os anos subsequentes.

Embora passíveis de críticas, os documentos mencionados trazem formulações

que podem ter influenciado para um novo olhar para as práticas agrícolas e para

justificar sua inclusão no contexto escolar com objetivos e procedimentos

reestruturados. No entanto, o documento mais referenciado nos projetos escolares

atuais que incluem questões ambientais são os Parâmetros Curriculares Nacionais,

cuja intenção é oferecer uma referência curricular nacional para a educação.

Nos PCNs o Meio Ambiente figura entre os temas a serem tratados de modo

transversal, permeando todas as disciplinas em seus diferentes enfoques e nas

práticas educativas, contemplando tanto os elementos naturais como os construídos,

bem como os aspectos sociais e econômicos. Entre as muitas questões indicadas

estão: a crítica ao consumismo, a necessidade de se valorizar e proteger as

diferentes formas de vida, a importância de se vivenciar situações concretas e

contextualizadas de aprendizado e o apelo à afetividade e valorização em relação ao

ambiente, reconhecendo a importância das dimensões relacionais, éticas e estéticas

(BRASIL, 1998c).

É possível perceber que nos PCNs, embora seja mencionada a necessidade

de inclusão das dimensões coletiva e política, a ênfase dada aos comportamentos

ambientalmente corretos (BRASIL, 1998d, p. 68) parece conduzir mais para a

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abordagem filosófica da crise ambiental, na qual os valores culturais assumem a

centralidade na dinâmica pedagógica.

Encontramos correspondência dessa abordagem nas ainda incipientes citações

sobre saúde e ambiente nos livros didáticos usados, por exemplo, no Ensino Médio,

em disciplinas diferentes de Biologia. Quando presente, a abordagem mostra-se

parcial, uma vez que:

[...] seguem correntes de Educação Ambiental que visam apenas sustentar e replicar o padrão de consumo presente, por via do contingencial discurso da reciclagem. Isto fica evidente quando descrevem limites ambientais que estão ligados aos interesses econômicos, as quais remetem quase a visão antropocêntrica, o que não acorda com a visão contemporânea que amplifica o pensamento social, ambiental e da saúde, repercutindo numa melhor qualidade de vida (MOREIRA, et al., 2013, p. 46/47)

Essa percepção corrobora as denúncias oriundas daqueles que defendem a

Educação Ambiental Crítica. Esta, com a perspectiva da sociologia do conflito, tem

alertado para o perigo da despolitização do fazer educativo relacionado às questões

ambientais, denunciando a prioridade que tem sido dada a ações voltadas à

mudança cultural em detrimento da mudança social, quando ambas precisam ser

concebidas simultaneamente. Afirma-se que essa primeira via, isoladamente, – a

mudança cultural – pode ser mais facilmente cooptada pela hegemonia moldando

uma educação ambiental a serviço dos interesses do capital (LAYRARGUES, 2006).

O quadro abaixo expõe as características dessas duas vias e ajuda a esclarecer

melhor esse ponto de vista e a sua inserção nas práticas pedagógicas:

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Figura 1: Tipologia das dimensões da educação ambiental (LAYRARGUES, 2006, p.98).

A mudança cultural para a resolução da crise ambiental, postulada pela

abordagem filosófica, tendo a cultura como mediadora da relação humana com os

demais elementos da natureza, apela para a inclusão de valores, na prática

educativa, que entram em confronto com os aspectos que têm conformado as

relações sociais hodiernas impostas pelo modelo capitalista. Defende-se que a

abordagem sociológica permite a visibilidade da categoria trabalho a ser posta ao

lado da vertente cultural, dando mais materialidade à crise ambiental e expondo com

mais clareza os papéis dos diferentes grupos humanos, suas interações, valores,

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interesses e intenções e respectivos impactos sobre o ambiente natural

(LAYRARGUES, 2006).

No caso específico de professores de ciências há ainda a preocupação com o

predomínio da perspectiva biológica nas propostas de educação ambiental e sua

incorporação ao Ensino de Ciências, acarretando o reducionismo da questão e

prejuízos à sua abordagem (LIMA, 1999). O entendimento reduzido da

complexidade da problemática ambiental e compreensões questionáveis da

realidade conduzem à introdução de um conjunto de ideias externas e a enfoques

pontuais e superficiais (ANGOTI e AUTH, 2001). O mesmo pode valer para a

educação alimentar e nutricional quando se constata que: [...] publicizar

informações, dar visibilidade aos fatos, não é necessariamente educar. São

necessários mais elementos do que apenas a informação para subsidiar os

indivíduos nas escolhas e decisões do que é mais significativo para as suas vidas

(SANTOS, 2005, p.3). Recorre-se ao exercício do pensamento complexo para

potencializar a educação crítica a fim de tornar visível a causalidade

multidimensional nas interações ecológicas, sociais, culturais, econômicas, políticas,

territoriais, éticas entre outras (LAYRARGUES, 2006).

A saúde, assim como o meio ambiente, é qualificada como uma das

problemáticas sociais abrangentes, atuais e urgentes não devendo, portanto, se

restringir a uma única área de conhecimento, constando também como um dos

temas transversais propostos pelos PCNs. Para a temática, aponta-se a

necessidade de se considerarem as relações do indivíduo com o meio físico, social e

cultural, com discussões sobre o consumismo, a desnutrição e, nesse caso, a

categoria trabalho é indicada tendo em vista a relação com a saúde em função das

diferentes formas de inserção nesse contexto. O capítulo que trata do tema

transversal saúde inclui discussões sobre alimentação desde os aspectos nutricional

e higiênico até o cultural. Além disso, recomenda ação com os estudantes para a

reconstituição do caminho seguido pelos alimentos desde a sua produção até o

consumidor, a identificação do trabalho humano envolvido, do uso de aditivos e

agrotóxicos em sua produção e seus efeitos sobre a saúde dos produtores e

consumidores (BRASIL, 1998c, p. 277). Aqui, parece ser inevitável avançar nas

questões ambientais e nas relações de trabalho e consumo envolvidas.

Reforçando o mencionado, vale acrescentar que “trabalho e consumo” também

são considerados conjuntamente nos PCNs como temas transversais, os quais

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apresentam, entre outros aspectos, uma panorâmica das relações estabelecidas nas

diferentes modalidades de trabalho agrícola com menção às questões fundiárias e

às lutas dos trabalhadores agrícolas por seus direitos (BRASIL, 1998c).

A recomendação para que os aspectos que compõem a saúde permeiem o

cotidiano escolar desde as séries iniciais é justificada sob a argumentação de que

[...] as atitudes favoráveis ou desfavoráveis à saúde são construídas desde a

infância, pela identificação com valores observados em modelos externos ou em

grupos de referência (BRASIL, 1998d, p.67). Sinaliza-se aqui a importância de uma

composição pedagógica que permita a vivência cotidiana de crianças e adolescentes

em um ambiente escolar saudável.

Os PCNs, embora enfatizem o caráter transversal a ser dispensado ao Meio

ambiente e à Saúde (o que inclui a alimentação), admitem serem muitas as

conexões entre Ciências Naturais e Meio Ambiente e, por considerarem os

conhecimentos científicos essenciais para a compreensão das dinâmicas da

natureza, entendem que a disciplina promove a educação ambiental, em todos os

eixos temáticos (BRASIL, 1998a, p.51). Procedem da mesma maneira em relação à

alimentação, afirmada como um tema consagrado da disciplina, que é inserida nos

diferentes eixos temáticos das Ciências Naturais em diferentes níveis do Ensino

Fundamental. A alimentação é o exemplo utilizado para esclarecer de que maneira

um item pode estar presente em diferentes níveis, nos diferentes eixos temáticos,

relacionando-o aos temas transversais. Para os dois primeiros anos do Ensino

Fundamental é sugerida a utilização de horta escolar no eixo Vida e Ambiente para a

investigação sobre a origem do alimento.

Tais perspectivas coadunam com a percepção de professores de ciências, na

qual as hortas escolares ganham destaque como estratégia educacional para

abordar temas de alimentação e nutrição, proporcionando aos estudantes vivências

de conexões entre alimento e meio ambiente com possibilidades de

desdobramentos culinários e aproximações das discussões propostas pelo enfoque

agroecológico (RANGEL et al., 2014).

A agroecologia, embasada no pensamento complexo, ganha reforço com a

perspectiva CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade, aplicada à horta, e amplia as

discussões sobre alimentação e meio ambiente no ensino de ciências e respalda a

conexão entre educação ambiental e educação alimentar e nutricional.

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O movimento CTS tem sua origem na constatação do agravamento dos

problemas ambientais em decorrência dos excessos e equívocos tecnológicos. As

contestações decorrentes propiciaram reformulações no ensino de Ciências nos

países industrializados. No Brasil, nos anos setenta, os currículos de Ciências

passam a inserir elementos da visão de ciência como produto dos contextos

econômico, político e social. Posteriormente, já nos anos oitenta, passam a ser

orientados para o estudo dos impactos do desenvolvimento científico e tecnológico

sobre a sociedade e trazem como objetivo a preparação do aluno para o exercício

da cidadania (SANTOS e MORTIMER, 2000).

Partindo de tais orientações, se, ao contrário do esperado com a expansão

agroalimentar, a insegurança alimentar se faz presente e acompanhada da

degradação ambiental, o tema alimentação não pode prescindir do questionamento

sobre os modelos de produção, tendo em vista que o modelo agroalimentar

hegemônico é considerado excludente e insustentável e não se pauta na equidade

social e na sustentabilidade ambiental (MALUF, 2007).

Os avanços tecnológicos permeiam o cotidiano de forma intensiva e podem se

tornar tão naturalizados que dificultam a reflexão a respeito das dimensões que os

compõem, comprometendo o exercício da cidadania. Assim a ciência e a educação

podem tanto ampliar a participação e promover transformações positivas na

sociedade, como podem restringir a tomada de decisões e reproduzir processos de

dominação com a manutenção do status quo. É o caso da tecnologia agrícola e da

indústria de alimentos, que propiciam o acesso a produtos de diferentes regiões, de

modo que o tema pode ser tratado na escola no sentido de preparar os educandos

apenas para identificar os benefícios imediatos e ignorar as consequências sociais e

ambientais a médio e a longo prazos (SANTOS e SCHENETZLER, 1998).

As investigações empreendidas na área de ensino de Ciências, no Brasil, têm

dado pouca importância à horta e suas possibilidades para aprendizagens na

disciplina. Geralmente as referências são feitas na condição de uma atividade

extracurricular e poucas trazem a horta escolar como enfoque principal. Nos raros

estudos, há a sua compreensão como um recurso pedagógico que pode conectar

meio ambiente e saúde e contribuir para a formação intelectual e comportamental de

estudantes nesses âmbitos. O entendimento da potencialidade da horta escolar

como espaço articulador de conteúdos de ciências e suas aplicações práticas

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sugere a necessidade de mais estudos que voltem seus interesses para esse campo

(SASSI e LINDEMANN, 2013).

Os enfoques apresentados compõem um movimento de complexificação dos

conteúdos do ensino de ciências, em especial a alimentação, a partir da horta

escolar e cuja ambição maior é o exercício contra-hegemônico, como já indicado em

vários momentos. Podemos assim estender ao tema e à prática agrícola na escola o

expresso na formulação de Layrargues (2009) sobre a complexidade aplicada à

educação ambiental, a qual busca o enfrentamento de aspectos para além (e

inerentes a essa) da degradação ambiental, tais como a padronização cultural, a

exclusão social, a concentração de renda, a apatia política, a alienação ideológica,

visando a uma sociedade ecologicamente prudente, economicamente viável,

socialmente justa, culturalmente diversa, politicamente atuante e territorialmente

suficiente.

3.6.2 Educação em Saúde

É possível identificar, de forma mais acentuada na perspectiva histórica,

diferentes formas de abordagem para a Educação em Saúde, a Educação para a

Saúde e para a Promoção de Saúde em função dos objetivos e métodos adotados.

A evolução se dá de um modelo mais restritivo focado na ausência da doença para

um mais abrangente no qual outras dimensões de saúde passam a ser

consideradas. O modelo sobre determinantes de saúde apresentado no Relatório

Lalonde se tornou referência mundial a partir dos anos setenta. O documento

provocou mudanças nas políticas relacionadas ao trazer a percepção de gastos

excessivos em países industrializados com o Sistema de Saúde em detrimento de

outros fatores determinantes de saúde como a qualidade do ambiente físico e social,

a adoção de estilo de vida mais saudável e a biologia humana (CARVALHO, 2006).

A partir daí, foi dada prioridade na necessidade de mudança de comportamento

individual para a melhoria da qualidade de saúde com ênfase na informação

fornecida pelo profissional de saúde àquele que, uma vez informado, teria condições

de mudar. Por outro lado, pouca atenção foi dispensada à necessidade de

alterações no ambiente no sentido de oferecer condições para estilos de vida mais

saudáveis, o que colocou em evidência a insuficiência daquele fator isoladamente.

Ambos os fatores se interligam ao consideramos que a imersão num ambiente

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favorável pode interferir no comportamento e que a aquisição de informação pode

provocar o desejo e até pressões para a melhoria do ambiente (CARVALHO, 2006).

No Brasil, as ações empreendidas do século XIX até meados do século XX

com pretensões educativas em saúde, partindo de um contexto mundial de grandes

epidemias, consolidaram um modelo intervencionista e disciplinador de

comportamentos por meio de práticas educativas sanitaristas. A ênfase na

transmissão de um conhecimento científico que envolve normas e regras

comportamentais para um indivíduo, até então ignorante, e sua posterior

responsabilização pela própria saúde, negligencia o ambiente, as questões relativas

ao contexto social, econômico e cultural (REIS, 2006).

O final do século XX exibe uma mudança teórica profunda na concepção

educativa em saúde. Trata-se de um movimento influenciado pelas ideias e

concepções de Paulo Freire que privilegia ações participativas, passando da

perspectiva verticalizada de informar para mudar o comportamento para uma

relação horizontal entre pessoas e conhecimentos. Entretanto, embora a concepção

atual de Educação em Saúde clame por uma visão de um processo teórico-prático

crítico, participativo e de desenvolvimento de autonomia por meio da integração dos

saberes científicos, populares e do senso comum, aquele modelo tradicional

mantém seus reflexos nas práticas em curso. A interação de saberes é considerada

um componente fundamental, porém desafiador para a educação em saúde atual

tendo em conta que:

[...] há abordagens participativas que se caracterizam por adotar como princípio básico a interação de saberes não no sentido de considerá-los dotados de legitimidade, mas como forma de adaptar a linguagem do saber científico a uma linguagem acessível para as comunidades assistidas, favorecendo, assim, a assimilação passiva dos conteúdos, regras e normas prescritas [...] (REIS, 2006, p. 22)

A educação alimentar e nutricional como uma vertente importante da Educação

em Saúde revela igualmente descompassos entre formulações teóricas que

influenciam políticas públicas e a realização prática das atividades com aquela

finalidade. Os documentos referentes a políticas públicas, tais como a Política

Nacional de Alimentação e Nutrição; o Sistema Nacional de Segurança Alimentar; a

Estratégia Fome Zero; a Estratégia Global para a Promoção da Alimentação

Saudável, da Atividade Física e Saúde; a Política Nacional de Promoção da Saúde e

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o Programa de Saúde Escolar exibem crescente importância dada à educação

alimentar e nutricional no Brasil. Estes resultaram em ações governamentais

interministeriais – do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome,

do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação – diversificadas e com

propostas arrojadas sob o ponto de vista teórico-metodológico suscitadoras de

discussões afinadas com as demandas contemporâneas (SANTOS, 2012). Nesse

contexto, a escola ganha destaque ao ser reconhecida na condição de espaço

privilegiado para a formação de melhores hábitos e escolhas alimentares.

No entanto, uma análise recente de ações identificadas em publicações

nacionais sobre relatos de experiências de programa educativos e/ou avaliação de

intervenções nutricionais educativas mostrou o predomínio de procedimentos

pedagógicos tradicionais ao lado de algumas ações práticas envolvendo culinária e

hortas escolares. Na maioria dos casos são omitidos os detalhes do processo,

sendo citados somente aspectos referentes ao período, conteúdo e técnicas

utilizadas (SANTOS, 2012).

Podemos inferir que as análises que se inserem no campo da educação em

saúde e seus respectivos profissionais da saúde vão encontrar paralelo nos

processos de transposição didática dos conteúdos da saúde por profissionais da

educação e outros que se propõem a fazê-lo em escolas. As ações pedagógicas

podem se concretizar nesses espaços com a utilização de métodos e estratégias de

modelos pautados no comportamentalismo, no determinismo e em conteúdos que,

por vezes, oferecem soluções que reforçam elementos da cultura dominante,

promovendo o descrédito e/ou a invisibilidade de outras possibilidades (GAZZINELLI

e PENNA, 2006; REIS, 2006).

A Portaria Interministerial nº 1.010 (BRASIL, 2006) fornece contribuições

relevantes ao processo educativo ao estabelecer diretrizes para a promoção da

alimentação saudável para escolas públicas e privadas de educação básica em

âmbito nacional, focando as ações de educação alimentar e nutricional. O

documento baseia-se em recomendações internacionais para a saúde e reforça

objetivos constantes em documentos dos ministérios da Saúde e da Educação

voltados para a melhoria da alimentação de crianças e adolescentes brasileiros e a

prevenção de doenças relacionadas. Considera que a alimentação pode e deve ter

função pedagógica e, portanto, propõe a sua inserção no currículo escolar e define

eixos prioritários para a promoção da alimentação saudável nesse espaço:

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I - ações de educação alimentar e nutricional, considerando os hábitos alimentares como expressão de manifestações culturais regionais e nacionais; II - estímulo à produção de hortas escolares para a realização de atividades com os alunos e a utilização dos alimentos produzidos na alimentação ofertada na escola; III - estímulo à implantação de boas práticas de manipulação de alimentos nos locais de produção e fornecimento de serviços de alimentação no ambiente escolar; IV - restrição ao comércio e à promoção comercial no ambiente escolar de alimentos e preparações com altos teores de gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal e incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras; V - monitoramento da situação nutricional dos escolares (BRASIL, 2006).

A expressão eixos prioritários, que precede os itens acima, de certa forma

orienta para ações. Porém, nos itens III, IV e V fica mais fácil perceber o que se

pretende e é possível vislumbrar os procedimentos, os objetivos implícitos e os

possíveis setores e atores envolvidos. Em relação aos itens I e II, a distinção feita ao

colocar a educação alimentar e nutricional em um eixo e a produção de hortas

escolares em outro descola as possibilidades deste para aquele. E ainda, no item II

não há clareza sobre quais são, ou de que tipo são, as atividades a serem

realizadas com os escolares na horta e seus respectivos objetivos. O que parece

claro é o destino sugerido ao que for produzido na horta, porém, não é possível

identificar com que objetivo, tendo em vista que, ao menos nas escolas públicas, a

alimentação oferecida pelo PNAE garante, ou deveria garantir, qualidade e

quantidade adequadas em cardápio elaborado por nutricionista que, além de

respeitar a cultura refletida nos hábitos alimentares locais, ofereça três porções de

frutas e hortaliças por semana (BRASIL, 2013).

É possível depreender das orientações do campo da Educação em Saúde que

se relacionam ou tangenciam as hortas escolares que houve avanços e

contribuições que coadunam com as demandas contemporâneas, porém, há

persistência de alguns pontos indistintos, como o apontado anteriormente. É

necessária uma análise crítica dessas proposições para um alinhamento coerente

entre os objetivos da Educação em Saúde e a horta escolar para a condução

educativa mais efetiva desse recurso.

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2.6.3 Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE

O Programa Nacional de Alimentação Escolar, em sua atual configuração, traz

elementos importantes que auxiliam na formulação de práticas pedagógicas relativas

à alimentação, como a horta escolar, facilitando a adoção da perspectiva transversal

para o tema.

O PNAE busca garantir, por meio da transferência de recursos financeiros, a

alimentação escolar dos estudantes de toda a educação básica (educação infantil,

ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em

escolas públicas e filantrópicas. Tem como objetivos atender as necessidades

nutricionais dos escolares durante sua permanência em sala de aula, contribuindo

para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar e

para promover a formação de hábitos alimentares saudáveis (BRASIL, 2013).

O relatório elaborado em 2010 pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar

e Nutricional -CONSEA sobre a Segurança Alimentar e Nutricional - SAN e o Direito

Humano à Alimentação Adequada-DHAA no Brasil reconhece os empenhos do

PNAE em favor do DHAA e destaca a ampliação e qualificação de ações de

educação alimentar e nutricional que possam somar para fazer do Programa um

espaço efetivo para a promoção da alimentação saudável e também para a

formação de sujeitos de direitos (CONSEA, 2010).

O PNAE tem sua origem na década de cinquenta, apoiado por recursos

internacionais, com a aquisição de gêneros alimentícios estrangeiros, estrutura de

distribuição e qualidade precárias. Assumiu objetivo, exclusivamente, assistencialista

e suplementar com o fornecimento de refeição durante o ano letivo com valor

nutricional equivalente a até 15% das recomendações nutricionais diárias. Nas

décadas subsequentes passou por modificações que vieram ampliar e qualificar sua

abrangência, além de corrigir distorções, rumo a um caráter universal, equânime,

participativo, integrador, educacional, sustentável e saudável (PEIXINHO, 2013;

BRASIL, 2013).

As orientações do governo federal na Estratégia Fome Zero ensejaram as

reformulações ocorridas em 2003 que são consideradas especialmente importantes

pela articulação com outros programas e políticas sociais, o que se refletiu na

ampliação de seu objetivo que passou a incluir a formação de hábitos alimentares. A

equidade, a participação social, a universalidade, a sustentabilidade/continuidade, o

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compartilhamento de responsabilidades, o direito humano à alimentação adequada e

o respeito aos hábitos e tradições regionais foram eleitos como princípios

norteadores para a execução do programa. Foram estabelecidas estratégias

normativas para as ações do nutricionista como responsável técnico do programa,

cuja atuação inclui a realização de ações educativas em alimentação e nutrição que

perpassem o currículo escolar. O programa adquire, assim, na avaliação de seus

gestores, um caráter mais efetivamente relacionado ao contexto do processo ensino-

aprendizagem e assume a dimensão de prática pedagógica, de ação educativa,

visando à promoção da saúde e da segurança alimentar e nutricional (PEIXINHO,

2013).

A horta escolar passa a ser identificada pelo programa como estratégica para o

debate da qualidade da educação e da segurança alimentar e nutricional no Brasil e

percebida como atividade curricular e não extracurricular, como frequentemente

ocorre. Assim, afirma-se que a horta escolar faz parte do currículo real sendo uma

estratégia metodológica na construção de conhecimentos, princípios e valores

altamente recomendáveis para a educação deste século. Consolidando essa

percepção, em 2005 foi estabelecida uma parceria com a Organização das Nações

Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO para desenvolver o Projeto

Educando com a Horta Escolar, tendo a horta escolar como prática pedagógica

promotora de educação integral de crianças e jovens, integrando a alimentação

nutritiva, saudável e ambientalmente sustentável (PEIXINHO et al., 2010, p.14). Os

responsáveis pelo projeto expressam o entendimento de que a horta na escola é

uma estratégia capaz de:

1. Promover estudos, pesquisas, debates e atividades sobre as questões ambiental, alimentar e nutricional; 2. Estimular o trabalho pedagógico dinâmico, participativo, prazeroso, inter e transdisciplinar; 3. Proporcionar descobertas; 4. Gerar aprendizagens múltiplas; 5. Integrar os diversos profissionais da escola por meio de temas relacionados com a educação ambiental, alimentar e nutricional (COSTA et al., 2010, p. 14).

A avaliação feita em 2010 pela equipe gestora, sobre a implantação do projeto

em 14 municípios, embora não esclareça os procedimentos para a avaliação,

apresenta como resultados atingidos:

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1. Mudanças significativas nos hábitos alimentares dos escolares; 2. Adaptações substantivas dos cardápios às especificidades regionais inclusive no que diz respeito à inclusão de hortaliças oriundas da produção de agricultores familiares na alimentação escolar; 3. Maior qualidade e quantidade de projetos ambientais; 4. Melhoria da qualidade do trabalho pedagógico das escolas e, consequentemente, melhor desempenho dos alunos no que se refere à aprendizagem. (COSTA et al., 2010, p. 8)

O Projeto Educando com a Horta Escolar merece particular atenção por buscar

articular um conjunto de ações envolvendo setores da gestão pública municipal e

estadual, em prol do enquadramento da alimentação escolar nos parâmetros

estabelecidos pelo PNAE. Embora a horta escolar esteja no título do projeto,

posteriormente reformulado para Projeto Educando com a Horta Escolar e

Gastronomia, ela figura entre outras ações como o estímulo e qualificação da

produção de alimento pela agricultura familiar e sua consequente aquisição para

alimentação escolar e etc. Ações essas não necessariamente ligadas à inserção da

horta na escola como sugere o título. O tema será retomado mais adiante,

abordando aspectos que compõem a elaboração e implementação do referido

projeto.

Além do Projeto Educando com a Horta Escolar, outras parcerias e projetos se

voltaram para a incorporação da promoção da alimentação saudável no ambiente

escolar por meio de ações de educação alimentar e nutricional, tais como: Dez

Passos para Alimentação Saudável na Escola, em parceria com o Ministério da

Saúde, Projeto Criança Saudável Educação Dez, com o Ministério do

Desenvolvimento Social e Projeto Alimentação Saudável nas Escolas, com a

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (SANTOS, 2012).

Outra contribuição vinculada ao PNAE a ser pedagogicamente potencializada

com a horta é a Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009 por sua possibilidade de dar

visibilidade aos seus efeitos práticos. É uma medida importante de apoio ao

desenvolvimento local/regional por definir a obrigatoriedade da aquisição de no

mínimo 30% dos recursos financeiros repassados pelo PNAE em gêneros

alimentícios da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar ou suas

organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades

tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas. Incentiva, assim, a aquisição

de gêneros alimentícios diversificados, produzidos localmente, respeitando a

sazonalidade, a cultura e a tradição alimentar. Recomenda ainda a prioridade nos

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cardápios da alimentação escolar para alimentos orgânicos e/ou agroecológicos

(BRASIL, 2009). Se considerarmos a invisibilidade histórica imputada aos pequenos

agricultores e seus desdobramentos, o conteúdo da lei é uma oportunidade que não

pode ser pedagogicamente desperdiçada sob pena de não ser identificada pela

comunidade escolar e, especialmente pelos estudantes, a abrangência social desse

avanço.

A horta e o PNAE têm em comum o alimento e esse pode ser o grande eixo

unificador e promotor da coexistência horizontal de diferentes atores sociais e de

seus respectivos conhecimentos técnico-científicos e da experiência prática e da

cultura (RANGEL et al., 2014).

2.6.3.1 Sobre o Projeto Educando com a Horta Escolar

O Projeto Educando com a Horta Escolar, posteriormente denominado Projeto

Educando com a Horta Escolar e Gastronomia, ganha relevância e merece uma

discussão pormenorizada dada a sua abrangente influência confirmada por sua

presença em relatos de experiências inseridas no corpus da presente pesquisa e,

igualmente, em grande parte dos achados em busca virtual por meio da ferramenta

eletrônica Google pelo assunto hortas escolares. Sua análise é interessante por

trazer elementos que estão sendo incorporados a experiências em curso no Brasil,

influenciados ou não pelo referido projeto. Se por um lado tais elementos

apresentam-se como sinais de avanços na compreensão do potencial pedagógico

das hortas, por outro, necessitam ser criticados a fim de que sejam evitadas

armadilhas tão comuns quando ousamos a contra-hegemonia estando imersos e

impregnados pelo contexto hegemônico.

O Projeto Educando com a Horta Escolar, iniciado em 2004, afirma a busca por

formar profissionais da educação, da saúde e membros da comunidade escolar de

municípios e estados para a implantação de hortas escolares como ferramenta e

eixo gerador de prática pedagógica mais participativa, desenvolvendo temas e ações

sobre a alimentação. Há a intenção de contribuir para a melhoria da qualidade das

ações de educação alimentar e nutricional no âmbito do PNAE por meio de

estratégias metodológicas, materiais didáticos e formação de docentes sobre

conteúdos de educação ambiental, alimentar e nutricional, tomando como eixo

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articulador das atividades a horta escolar e a relação desta com a comunidade

(COSTA et al., 2010).

Reafirma a importância da articulação entre as áreas de educação/currículo,

alimentação/nutrição, ambiente/hortas escolares e nas atividades de formação, de

diagnóstico, de implantação de hortas e de acompanhamento/monitoramento.

Responsabiliza a escola pela inclusão da horta no currículo, tendo como justificativa

o disposto na Lei nº 11.947/09, que prevê que a educação alimentar e nutricional

deva estar presente no processo de ensino e aprendizagem perpassando o currículo

escolar. À área de nutrição é atribuída a função de fundamentar tecnicamente os

profissionais das áreas, desenvolvendo temas correlatos às questões alimentares e

nutricionais. A área denominada meio ambiente/horta escolar, tem a atribuição de

habilitar tecnicamente professores do ensino fundamental na implantação e

implementação de hortas escolares e atividades afins como informações para

planificação de produção, manutenção e conservação da horta; coleta seletiva de

lixo para produção de adubo orgânico, em composteira e em minhocário; produção

de mudas de hortaliças e medicinais em estufas e utilização racional da água na

irrigação etc. Postula-se que com a horta o estudante aprende a plantar, a

selecionar o que plantar, a planejar o plantio, a transplantar mudas, a regar, a cuidar,

a colher, e a decidir o que fazer do que colheu (COSTA et al., 2010, p. 18).

Na descrição do processo de implantação da horta, ressalta que as discussões

geradas e as atividades intermediárias são mais importantes que o fim, pois a horta

existe como estratégia de educar para a alimentação adequada, para o meio

ambiente, para a vida. Não importa se as hortaliças são maiores e mais belas

(COSTA et al., 2010, p. 21).

No item que se refere à participação da comunidade escolar, são citados os

estudantes e seus respectivos docentes como participantes e organizadores e,

ainda, o coordenador pedagógico, merendeiras e nutricionistas. Os pais e

responsáveis pelos escolares e os agricultores familiares são citados sem que

fiquem claras as suas inserções nas ações da horta escolar. Para os primeiros

deverão ser realizados seminários e debates sobre o projeto na escola e os

segundos serão mobilizados para que produzam alimentos saudáveis e

sustentáveis, com o fim de fornecer os alimentos que complementem a alimentação

escolar (COSTA et al., 2010, p. 23). A ideia de complementar a alimentação escolar

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com a horta difundida pelo projeto se faz presente de forma recorrente, como é

possível verificar ao longo dessa pesquisa, embora seja questionável.

O projeto oferece material didático produzido como norteador das ações sobre

os temas educação, ambiente e nutrição. Este está estruturado em quatro Cadernos,

sendo os de número 1, 2 e 3 voltados à formação dos profissionais envolvidos. O

quarto caderno se divide em Volume I e Volume II, destinados aos estudantes de 06

a 09 anos e de 10 a 14 anos, respectivamente. Trazem informações básicas sobre

ambiente, alimentação adequada e outros temas (COSTA et al., 2010, p. 28).

Na realização prática da horta são atribuídos trabalhos específicos para as

diferentes esferas e sujeitos. Aos professores e estudantes cabem as seguintes

tarefas: a. Elaborar croquis das áreas da Horta e definir plantios e levantamento de

problemas para implantação da horta escolar; b. Semeadura de hortaliças em

bandeja e isopor (sementeira); c. Preparar canteiros (nesse caso já teriam sido feitas

limpeza, aração e adubação, que estão a cargo da Secretaria de Agricultura, de

acordo com as orientações); d. Realizar o plantio. Já a manutenção das hortas

aparece como tarefa para a comunidade escolar.

São sugeridas estratégias de ação com apelo ao rigor no planejamento das

atividades a serem realizadas na horta e, para tanto, há a indicação de que haja

sempre uma pergunta problematizadora nas idas à horta e que esta deve estar

sempre relacionada ao meio ambiente, ou alimentação saudável (grifo nosso) e que

possa suscitar discussões para as diferentes disciplinas (COSTA et al., 2010, p. 52).

Entendemos que em se tratando de uma horta no contexto do PNAE, a

problematização sobre o conceito de alimentação saudável requer,

obrigatoriamente, incluir a questão ambiental. Não seria o caso de um ou outro.

Para a parte operacional são enumeradas as ferramentas, acompanhadas de

ilustrações, necessárias na implantação e manutenção da horta. Há uma referência

a adaptações/adequações ao público escolar no Caderno 2 em uma observação de

pé de página que diz que existem no mercado ferramentas de plástico que são

apropriadas para uso pelos escolares (FERNANDES, 2007, p. 22). Não há menção

a equipamentos de proteção e segurança dos estudantes, nem tampouco as

fotografias exibem esse aspecto. Nelas os estudantes aparecem em atividade na

horta com o uniforme escolar ou com roupas comuns, sem o uso de chapéus, sem

luvas e até de chinelos. Não são mencionadas previsão de compra ou sugestão

desse tipo de material.

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Na confecção dos canteiros fala-se na possibilidade de haver formas variadas

e são fornecidas as medidas tradicionais de 60 a 80 centímetros de largura, 20

centímetros de altura e comprimento variável de acordo com o tamanho da horta.

Informa-se que os canteiros podem ser estruturados com garrafas de refrigerantes,

telhas, tijolos e outros materiais. No entanto, alerta-se para a necessidade de um

espaço de 60 a 80 centímetros entre os canteiros para facilitar as atividades com os

estudantes.

Em relação à aquisição de sementes, procurando prezar pela qualidade,

recomenda-se que a preferência seja dada a sementes em embalagens fechadas a

fim de garantir a germinação e o prazo de validade (COSTA et al., 2010). Não há

alerta sobre o uso de venenos na conservação de grande parte das sementes

comercializadas, nem a sugestão para aquisição de sementes sem esse tipo de

tratamento ou pela busca de sementes obtidas em trocas com agricultores.

O Caderno 2 fornece as Orientações para implantação e implementação da

horta escolar e em sua Introdução intitulada a Agricultura no contexto da evolução

social e científica exibe, em destaque, um breve relato sobre a origem e a evolução

da agricultura (sem nenhuma intervenção crítica) ao lado de um texto no qual, sem

uma crítica muito contundente ao modelo vigente, afirma-se que em função dos

avanços científicos e tecnológicos observou-se no último século o bom desempenho

da agricultura mundial, atendendo à demanda crescente por alimentos. A seguir há o

apelo para que a agricultura cresça no mundo com sustentabilidade ecológica,

econômica, social e cultural, com a asserção de ser essa uma preocupação mundial

(FERNANDES, 2007, p. 9). A profundidade dos problemas sociais, culturais e

ambientais advindos do uso inadequado dos conhecimentos científicos é

negligenciada em favor de uma quase exaltação ao desenvolvimento da agricultura

moderna.

O segundo parágrafo tem início afirmando que hoje há uma tendência global

que aponta para a relação cada vez menos conflituosa entre agricultura e meio

ambiente. A constatação é justificada pela busca de sistemas de produção que

atendam a um público mais exigente por uma agricultura produtiva, voltada para a

ética, a segurança alimentar dos povos e a qualidade ambiental. Menciona a

produção agroecológica como uma das respostas aos danos provocados pela

modernização intensiva da agricultura, mas alega que sua produtividade não é tão

alta e que seus produtos ainda são muito caros e inacessíveis para a grande maioria

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da população (FERNANDES, 2007, pp. 9/10). Promove-se um descrédito aos

princípios agroecológicos e não são apresentados argumentos que embasem essas

afirmações.

Diante dessa dificuldade, sugere que as hortas são uma opção para obtenção

de alimentação de qualidade além de proporcionar momentos de distração, de vida

ao ar livre, a oportunidade de realizar trabalhos manuais e a satisfação de ver o

desenvolvimento das plantas. Classifica as hortas em doméstica, quando é cuidada

por uma única família; comunitária, coletiva ou escolar, quando a produção de

hortaliças é feita em conjunto por um grupo de pessoas (FERNANDES, 2007, p.10).

A agricultura familiar é mencionada na referência à aquisição de alimentos pelo

PNAE como vantajosa para a os agricultores, prefeituras, escolas e comunidade em

geral nos aspectos qualitativos, econômicos, culturais e ecológicos. Tal ideia é

sintetizada com a expressão agricultura sustentável.

A orientação específica para as hortas escolares esclarece inicialmente sobre

três possibilidades de horta no contexto escolar: horta pedagógica, horta de

produção e horta mista. Sendo a primeira com a finalidade de se realizar um

programa educativo pré-estabelecido, a segunda visa a complementar a alimentação

escolar e a terceira conjuga os objetivos das duas anteriores. Não há adesão ou

sugestão explícita de um tipo como o mais adequado, mas os esclarecimentos são

mais prolongados sobre a horta pedagógica.

São enumerados como objetivos possíveis de serem atingidos com uma

pequena horta escolar:

- Melhorar a educação dos escolares, mediante uma aprendizagem ativa e integrada a um plano de estudos de conhecimentos teóricos e práticos sobre diversos conteúdos; - Produzir verduras e legumes frescos e sadios de baixo custo. Para isso, basta que as hortaliças sejam plantadas e cuidadas com carinho e dedicação; - Proporcionar aos escolares experiências de práticas ecológicas para a produção de alimentos, de tal forma que possam transmiti-las a seus familiares e, consequentemente, aplicá-las em hortas caseiras ou comunitárias e -Melhorar a nutrição dos escolares, complementando os programas de merenda escolar com alimentos frescos, ricos em nutrientes e sem contaminação por agrotóxicos (FERNANDES, 2007, p. 12).

A orientação acrescenta a esses objetivos a aprendizagem do educando sobre

valores nutritivos, sobre como preparar receitas culinárias de forma criativa dando

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importância ao consumo das hortaliças produzidas, ressaltando ainda que as hortas

ajudam na mudança de hábitos alimentares e despertam o interesse dos alunos pela

natureza (FERNANDES, 2007, p. 12).

A seguir são abordados os valores nutricionais dos alimentos, sua importância

para a saúde, cuidados sobre preparo, desperdício e orientações para compra. Não

é feita referência à distribuição desigual de alimentos no planeta. É interessante

destacar a inclusão na tabela da sugestão de plantio de alimentos como inhame,

mandioca, quiabo, nabo, abóbora e batata doce, junto a cultivos habituais em hortas

escolares como alface, cenoura e couve. É recomendado o plantio de plantas

medicinais autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ Ministério da

Saúde-ANVISA/MS, com as respectivas indicações de uso. Não há recomendação

para que se evidencie a origem desse conhecimento.

São dadas orientações técnicas sobre a escolha da área a ser cultivada, a

distribuição de espaço, a captação da água da chuva, insolação, declividade,

compatibilidade e incompatibilidade entre plantas, análise do solo, medidas para os

canteiros, manutenção, uso de defensivos naturais e etc. Há recomendações de

espécies que não requerem muitos cuidados para o período de recesso escolar e

férias.

Em relação à adubação não há uma determinação. É informado que os

nutrientes podem ser encontrados tanto nos adubos químicos quanto nos adubos

orgânicos e que a decisão de usar um ou outro, ou ambos, vai depender do tipo de

plantio que se pretende adotar. Mas, se a opção for por cultivo agroecológico, a

adubação deverá ser orgânica (FERNANDES, 2007, p.26). São expostas algumas

possibilidades de adubação orgânica e são dadas explicações sobre o preparo de

composteira, minhocário e esterqueira. Para o uso de esterco animal não há alerta

para riscos de contaminação biológica.

Nas orientações para o plantio são mencionadas opções de estufa com as

respectivas justificativas e a hidroponia, com uma breve explicação do que se trata,

sem, no entanto, haver um esclarecimento sobre a sua inserção ou sua finalidade

pedagógica.

Há descuido no que diz respeito a alguns aspectos ecológicos que

enriqueceriam a discussão. Quando são mencionadas a limpeza do terreno e a

eliminação de ervas invasoras, bem como a possibilidade das hortaliças serem

comidas por pragas, reforçam-se conceitos equivocados da agricultura moderna

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para a presença de plantas e animais espontâneos, sem que se chame a atenção

para as questões de equilíbrio e desequilíbrio no ambiente.

Para esses casos são recomendados desde a catação até o uso de defensivos

caseiros, para os quais são descritas receitas oriundas da literatura da sabedoria

popular. Seria o momento de explorar melhor essa discussão, assim como caberia

para as plantas medicinais, o que não é feito.

No documento de orientações gerais há um item que se refere à avaliação das

ações, dentre as quais está a avaliação de impacto do projeto, informando que uma

boa avaliação de impacto deve comparar uma situação antes da intervenção

(formações) e depois e precisa ser definida desde cedo. Fala-se em diagnóstico

inicial para comparação, a título de pré-teste. Em seguida são dados exemplos de

aspectos que podem ser avaliados em estudantes e professores:

. Estado nutricional; · Autopercepção do estado nutricional e da imagem corporal; · Conhecimentos sobre alimentação e nutrição; · Atitudes e hábitos alimentares; ·Hábitos alimentares e características socioeconômicas dos pais e responsáveis; · Referências sobre alimentação e nutrição (fontes de conhecimento); · Perspectiva sobre a participação da escola e do Estado na formação dos hábitos e comportamentos alimentares (COSTA et al., 2010, p.134).

O projeto amplia suas perspectivas a partir de 2012. As ações que eram até

então desenvolvidas pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE)

e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO)

passam a ter como parceiro o Núcleo de Gastronomia do Centro de Excelência em

Turismo da UnB (CET/UnB), incorporando a gastronomia como um dos seus eixos

pedagógicos. A intenção é a valorização de ingredientes e receitas regionais, das

técnicas culinárias de preparo de alimentos e da experiência dos sabores e aromas

e, ainda, impactar positivamente na qualidade sensorial e na apresentação das

refeições escolares. A estratégia proposta é a formação de nutricionistas,

coordenadores pedagógicos dos sistemas de ensino e representantes do Conselho

de Alimentação Escolar dos municípios participantes, os quais posteriormente

devem realizar um curso de 48 horas de duração para no mínimo 20 diretores de

escola/coordenadores pedagógicos, 10 merendeiras e 30 professores (CET/UnB;

09.04.2012 www.cet.unb.br).

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O projeto Educando com a horta tem trazido contribuições importantes para o

cenário brasileiro promovendo, estimulando e influenciando o desenvolvimento de

hortas escolares. A exposição crítica de alguns detalhes não tem a intenção de

desmerecê-lo, mas, ao contrário, fortalecê-lo, trazendo à luz alguns aspectos

contraditórios presentes em inúmeras experiências brasileiras. É um exercício

importante e que precisa ser rigoroso e contínuo no aperfeiçoamento da prática que,

acreditamos, tem sido efetuado pelos responsáveis pelo projeto em conjunto com os

participantes a cada novo encontro para avaliação realizado periodicamente.

Baseado em material dessa avaliação um estudo do ano de 2011, que teve como

objetivo investigar os resultados prático-pedagógicos percebidos pelos professores

participantes da formação oferecida no âmbito do Projeto Educando com a Horta

Escolar, revelou sua importância como estratégia de sustentabilidade das ações

nesse âmbito pelo fato de mobilizar os gestores e os protagonistas que possam

garantir sua efetividade e permanência (OLIVEIRA, 2011).

Vale ressaltar, ainda, que a inclusão sistematizada de ações culinárias com

privilégio da cultura regional exibe esse esforço.

No início do corrente ano foi divulgado, pelo Projeto Educando com a Horta

Escolar e a Gastronomia, um curso a distância de 160 horas, em ambiente virtual de

aprendizagem, para a formação de multiplicadores. O curso engloba formação,

integração, acompanhamento, monitoramento e orientação dos multiplicadores, que

serão responsáveis pela implantação do projeto no município ou estado. O convite

se dirigia a nutricionistas, coordenadores pedagógicos, técnicos para meio ambiente

e horta, coordenadores de alimentação escolar e representantes do Conselho de

Alimentação Escolar dos órgãos estaduais e municipais de educação do país.

Apresenta como exigência para participação o acesso regular à internet, a existência

de nutricionista responsável técnico cadastrado no FNDE e o comprometimento do

município ou estado de garantir a implantação e execução do projeto em no mínimo

cinco escolas, ou em todas, quando o número for inferior a cinco.

Uma busca no link de divulgação do curso nos conduz a página virtual do

Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília, na qual se encontra o

resultado dos municípios selecionados para o referido curso e a indicação do acesso

à plataforma de ensino a distância. Não estão disponíveis, para acesso público,

materiais educativos relativos ao tema horta.

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Pelas características apresentadas fica a impressão que o curso oferecido

substitui a formação presencial realizada anteriormente. Caso se confirme a

hipótese, os impactos ainda não podem ser aferidos. Não tendo sido possível a

verificação ou acesso a novos materiais que porventura tenham sido produzidos fica

inviabilizada qualquer opinião fundamentada sobre tais reformulações.

3.7 HORTAS ESCOLARES NAS PESQUISAS BRASILEIRAS

Foi realizada uma revisão da literatura científica nacional relacionada à

temática em questão. A verificação de que são raros os estudos tendo como título

ou tema central horta(s) escolar(es) conduziu para a consulta feita a partir do

assunto nas bases de dados eletrônicas em trabalhos publicados a partir do ano de

2000, pela constatação de que a intensificação dessas ações no Brasil ocorreu,

progressivamente, a partir desse período.

A primeira procura se deu no Banco de Teses Capes

(http://bancodeteses.capes.gov.br/), tendo sido encontrados uma tese de doutorado

e 14 dissertações de mestrado. A busca por artigos foi realizada na base de dados

Scientific Electronic Library Online - SciELO (www.scielo.br) e no Portal de

periódicos CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br), nos quais duas (2) e oito

(8) publicações foram encontradas, respectivamente.

O Banco de Teses Capes é um banco eletrônico de informações a respeito

dos trabalhos e pesquisas que são desenvolvidos junto aos programas de pós-

graduação brasileiros, assim, oferece acesso a informações de referência e resumo

destes.

A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica

que inclui periódicos científicos brasileiros. A SciELO é o resultado de um projeto de

pesquisa da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,

em parceria com a BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação

em Ciências da Saúde. A partir de 2002, conta com o apoio do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, tendo por objetivo o

desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento,

disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico.

O Portal de Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (Capes), é uma biblioteca virtual que oferece acesso a textos

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completos disponíveis em mais de 37 mil publicações periódicas, internacionais e

nacionais, e a diversas bases de dados que reúnem desde referências e resumos de

trabalhos acadêmicos e científicos até normas técnicas, patentes, teses e

dissertações, dentre outros tipos de materiais, cobrindo todas as áreas do

conhecimento.

3.7.1 Teses e dissertações

A busca feita em 05/02/2013 no Banco de Teses da CAPES a partir do assunto

em teses e dissertações publicadas entre 2000 e 2012 nas quais aparece a

expressão exata horta(s) escolar (es) teve como resultado os seguintes registros por

Área de Conhecimento:

(4) Educação

(6) Ensino de Ciências e Matemática

(2) Nutrição

(1) Ciências Ambientais

(1) Enfermagem

(1) Ciências Agrárias

Quadro 1: Teses e dissertações com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontradas no Banco

de Teses da CAPES publicadas entre os anos de 2000 e 2012

Ano Título (Sobrenome do autor)

Área Tipo de estudo Local Objeto/ Objetivo

2002 Avaliando Estratégias

de Educação

Ambiental para a

Zona Rural

(RIBEIRO, 2002)

Ensino de

Ciências e

Matemática

Qualitativo/Quantitativo Piratininga-

SP/escola na

zona rural

Analisar os

impactos de um

programa de

educação

ambiental em

uma escola rural.

2003 A horta como

estratégia de

educação alimentar

em creches

(MAGALHÃES,

2003)

Ciências

Agrárias

Quantitativo/Qualitativo Florianópolis-

SC/ creche

Avaliar a horta

em uma

estratégia

interdisciplinar

de educação

alimentar.

2004 Construção coletiva

de uma horta escolar:

repercussões entre os

alunos participantes

(PETTER, 2004)

Ensino em

Ciências e

Matemática

Qualitativo

Estrela-

RS/escola

pública de

ensino

fundamental

Avaliar a

repercussão da

construção

coletiva de uma

horta escolar nos

hábitos de

higiene e saúde

dos escolares

participantes

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104

2004 Comunidade de

insetos em hortas

escolares no

município de

Criciúma: análise

faunística e aspectos

pedagógicos

(GONÇALVES,

2004)

Ciências

Ambientais

Quali-quantitativo Criciúma-SC/

69 escolas

municipais

Avaliar as

possibilidades

didádico-

pedagógicas de

uma horta

escolar a partir

de sua

caracterização

como ilha de

diversidade

biológica no

ambiente urbano

2006 Alimentos orgânicos

na alimentação

escolar pública

catarinense: um

estudo de caso

(LIMA, 2006)

Nutrição Qualitativo/Estudo de

Caso

Unidade de

Alimentação

e Nutrição

escolar - SC

Analisar a gestão

de produção de

refeições a partir

da introdução de

alimentos

orgânicos

2007 Iniciativas das escolas

públicas e

particulares na

prevenção da

obesidade infantil no

município de Amparo-

SP (GONZALES,

2007)

Enfermagem Estudo descritivo

exploratório/ “Estudo

de Caso”

Amparo- SP/

três escolas

públicas e

duas

particulares.

Analisar

iniciativas na

prevenção da

obesidade

infantil.

2009 Práticas de cidadania

em narrativas de

professores de

ciências: trabalho

coletivo de ensino e

de aprendizagem

(TREVISAN, 2009)

Ensino de

Ciências e

Matemática

Qualitativa/ narrativa Altamira-PA/

escolas

públicas do

ensino

fundamental

Analisar

elementos, no

fazer pedagógico

de professores de

ciências de

escolas públicas

vinculados à

formação da

cidadania dos

escolares.

2010 Agricultura urbana

como instrumento

para a educação

ambiental e para a

educação em saúde:

decodificando o

protagonismo da

escola (SILVA, 2010)

Ensino de

Ciências e

Matemática

Qualitativo/estudo de

caso etnográfico

Rio de

Janeiro-RJ/

Unidade

pública de

ensino

fundamental

e de extensão

Analisar a

percepção da

comunidade

escolar sobre a

pertinência das

atividades

agrícolas na

escola urbana

como

contribuinte para

a educação

ambiental para a

educação em

saúde.

2011 Educação ambiental:

a horta escolar como

ferramenta de

sensibilização

ambiental (SILVA,

2011)

Educação

Qualitativo/pesquisa-

ação

Lages-SC/

Educação

Infantil

Analisar horta

escolar para a

Educação

Ambiental

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105

2011 Horta Escolar no

Distrito Federal:

instrumento de

promoção da

alimentação

saudável?

(BERNARDON,

2011)

Nutrição

Estudo transversal

descritivo e analítico

Distrito

Federal/

escolas

públicas

Identificar

experiências com

hortas em escolas

públicas/uso para

a alimentação

saudável

2011 A educação alimentar

e nutricional no

espaço escolar: saber,

sabor e saúde.

(AQUILLA, 2011)

Educação

Qualitativo

Horizontina e

Pinheirinho

do Vale - RS

Educ Infantil,

Ens Fund.,

Educ

Especial.

Analisar dois

modelos de

gestão escolar

com práticas

pedagógicas

inovadoras em

Alimentação

Escolar

2012 Horta Escolar como

espaço didático para

a educação em

Ciências(BRANDÃO,

2012)

Ensino de

Ciências e

Matemática

Qualitativo

Fortaleza-

CE/

Duas escolas

públicas

Analisar a horta

escolar como

espaço de

aprendizagem na

escola pública.

2012 Educação para o

gosto: cotidiano

escolar e alimentar no

estado do Piauí.

(NEGREIROS, 2012)

(Doutorado)

Educação

Qualitativo/Quantitativo

Teresina/PI/

uma escola

pública e seu

entorno

Analisar a

educação do

gosto alimentar

por meio de

práticas

curriculares e

cotidianas

2012 Agricultura na Escola

Urbana: um,processo

educativo para o

desenvolvimento local

sustentável (RAMOS,

2012)

Educação

Estudo de Caso

Salvador-

BA/ escola

pública peri-

urbana

Analisar como a

prática da

agricultura na

escola pode

contribuir para a

ressignificação

da escola para a

comunidade,

favorecendo o

desenvolvimento

local sustentável/

educação

ambiental.

2012

Elaboração e

implementação de um

programa de gestão

em saúde ambiental

no instituto nacional

de educação de

surdos (INES).

(CORREIA, 2012)

Ensino de

Ciências e

Matemática

Pesquisa participante

Rio de

Janeiro-RJ/

Instituto

Nacional de

Educação de

Surdos

Propor a

elaboração e a

implementação

de um programa

de gestão em

saúde ambiental

por meio da

Horta Escolar

Foram realizadas leituras nos quinze resumos do material encontrado e

identificados elementos que potencialmente atenderiam aos objetivos da pesquisa. A

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106

importância da presença da horta escolar nesses trabalhos varia em função dos

objetos de estudos e objetivos dos mesmos.

A dissertação intitulada Agricultura urbana como instrumento para a

educação ambiental e para a educação em saúde... (SILVA, 2010) foi realizada

pela autora da presente investigação, sendo precursora da mesma. Havia a

preocupação em avaliar a pertinência das atividades agrícolas na escola urbana

como contribuinte para a educação ambiental e para a educação em saúde a partir

da percepção de atores sociais do espaço escolar. Apresenta um histórico sobre a

inserção de atividades agrícolas no espaço formal de educação e seus objetivos

primitivos e evidencia novas possibilidades para as hortas escolares. A alimentação

e o meio ambiente, analisados sob a ótica da complexidade, são percebidos como

temas transversais que se comunicam. Os investigados identificam o potencial

interdisciplinar da horta como uma oportunidade de vivência não proporcionada no

ambiente doméstico urbano, favorecendo a educação ambiental e a constituição de

hábitos alimentares saudáveis. Conclui-se que há necessidade de ressignificação e

de reestruturação das hortas para adequá-las aos seus objetivos para as escolas

urbanas.

O reconhecimento do potencial educativo da horta escolar e a constatação da

necessidade de sua adequação às novas demandas conduziram ao estudo atual.

Assim serão apresentados os principais aspectos das pesquisas recentes, as quais

mencionam a horta escolar a fim de que se obtenha um panorama acadêmico da

questão.

A pesquisa Avaliando Estratégias de Educação Ambiental... (RIBEIRO,

2002) foi baseada no desenvolvimento de um programa de Educação Ambiental

com crianças de uma escola em comunidade rural. Foram realizadas atividades com

objetivo de envolver os alunos em questões como o desmatamento, a erosão, a

questão do lixo, a poluição por agrotóxico, o desequilíbrio ecológico, e outras

questões relacionadas ao meio ambiente rural. A horta escolar figura entre palestras,

excursões e atividades lúdicas. Os resultados mostraram que o programa obteve o

envolvimento das crianças, porém, ele acabou juntamente com o término da

pesquisa. Conclui-se que há necessidade de instrumentalização dos professores e

educadores. Sugere-se também a produção de material específico de apoio para o

professor. Embora a discussão sobre agrotóxico esteja presente, assim como outros

aspectos relacionados à cadeia produtiva de alimento, o foco recai no impacto

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107

ambiental e não no alimento produzido. Chama a atenção o intervalo de quase dez

anos entre esse e os outros estudos subsequentes relacionando horta à educação

ambiental.

A pesquisa Educação ambiental: a horta escolar como ferramenta de

sensibilização... (SILVA, 2011) foi realizada em três turmas de educação infantil

com o objetivo de analisar a horta escolar como ferramenta para a Educação

Ambiental. Foi implantada a horta e realizadas atividades didático pedagógicas. As

análises feitas com base nos desenhos das crianças e na observação direta do

cotidiano resultaram nas categorias: fatores bióticos, abióticos e antrópicos.

Concluiu-se que a horta pode ser adaptada para a Educação Infantil e que a mesma

é potencialmente uma ferramenta de sensibilização ambiental, possibilitando o

contato direto com os elementos bióticos e abióticos ligados ao meio ambiente da

horta e a intervenção do ser humano com a natureza não humana. E que os

estudantes demonstraram maior aproximação dos elementos naturais pontuados.

Não há menção ao modelo de agricultura praticado e nem aos alimentos cultivados.

O estudo intitulado Agricultura na Escola Urbana: Um Processo

Educativo... (RAMOS, 2012), teve como objetivo analisar como a prática da

agricultura no ambiente escolar público das periferias urbanas, entendida como

processo de educação ambiental, pode contribuir para a ressignificação da escola

para a comunidade, favorecendo o desenvolvimento local sustentável. É um estudo

de caso no qual é declarada filiação à educação ambiental crítica e à agricultura

urbana. Como resultado, confirma a contribuição da horta escolar para o processo

de ressignificação do colégio como promotor do desenvolvimento local sustentável,

reforçando o papel da educação na construção de uma racionalidade ambiental. Não

fica claro, no resumo, como foi desenvolvida a atividade e nem como foi verificada a

sua contribuição para o processo indicado. No entanto, é mencionado que a

intervenção considerou a contextualização histórica local e a relação cultural entre a

comunidade e as práticas agrícolas, analisando como se dá sua articulação com o

modelo de educação em vigor.

A pesquisa Elaboração e implementação de um programa de gestão em

saúde ambiental... (CORREIA, 2012) propôs a elaboração e a implementação de

um programa de gestão em saúde ambiental por meio de uma horta escolar para o

desenvolvimento de ações sustentáveis no Instituto Nacional de Educação de

Surdos, priorizando a conscientização e a cidadania ambiental, gerando uma

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mudança de comportamento dos diversos atores (alunos). Como produto foi criado

um folder explicativo para divulgação da implantação e gestão da horta, propondo

também para planejamento e gestão do plantio a utilização de um suporte técnico,

um software específico. No resumo não há referência às ações desenvolvidas em

educação ambiental e nem aos alimentos a serem produzidos ou ao consumo dos

mesmos.

Gonçalves (2004), em seu estudo Comunidade de insetos em hortas

escolares..., traz, explicitamente, o foco na utilização da horta como apoio ao ensino

de um tema específico da disciplina ciências. Foi realizado em 69 escolas públicas e

buscou avaliar as possibilidades de abordagens didádico-pedagógicas oferecidas

por uma horta escolar a partir de sua caracterização como ilha de diversidade

biológica no ambiente urbano. As escolas em áreas rurais apresentaram as maiores

hortas; em 78% das escolas a horta é utilizada como recurso didático e a escolha

dos cultivos é definida de acordo com a utilização na merenda escolar. A partir dos

resultados obtidos, sugere-se a utilização da armadilha de solo adaptada para coleta

de insetos vivos, possibilitando seu uso em atividades de Ciências. Cabe destaque

para as informações sobre a utilização das hortas como recurso didático e dos

cultivos escolhidos em função da merenda escolar, o que pode criar possibilidades

para outras discussões que relacionam modelos de agricultura e a diversidade

biológica, entrelaçando discussões sobre questões ambientais e alimentação.

Na segunda pesquisa, Horta Escolar como espaço didático para a

educação em Ciências... (BRANDÃO, 2012), o foco recai no processo, nos

elementos envolvidos na execução da atividade. É declarado o propósito de

compartilhar reflexões e conclusões sobre os mecanismos de implantação de duas

hortas em escolas públicas e identificar os avanços, limites e possibilidades de

intervenção que contaram com a participação de toda a comunidade escolar e do

entorno. É informado que os dados foram obtidos a partir da experiência social dos

diversos sujeitos inseridos no processo e que a horta é analisada como espaço de

aprendizagem. A pesquisa traz como conclusão que a aprendizagem mediada pela

interdisciplinaridade, pela motivação, pela contextualização, pela problematização e

pelo diálogo se faz com participação de todos e muita dedicação. Acrescenta, ainda,

que hortas escolares são espaços híbridos e dinâmicos, promovendo uma

aprendizagem significativa e capaz de superar a lógica da educação bancária,

formando cidadão críticos e reflexivos, dentro de um contexto freiriano. Menciona

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como produto educativo da pesquisa a organização de um blog, cujo objetivo é

auxiliar na condução e implantação de hortas escolares em outras instituições de

ensino. Afirma-se a participação de atores sociais diversos, incluindo professores de

outras disciplinas além de Ciências.

Práticas de cidadania em narrativas de professores de ciências...

(TREVISAN, 2009) foi uma investigação realizada com professores de ciências de

escolas públicas do ensino fundamental e teve como propósitos: i) identificar

elementos presentes no fazer pedagógico de professores que afirmam vincular sua

prática docente à aprendizagem para a formação da cidadania dos alunos; ii)

compreender as razões que levam os educadores a desenvolver atividades com tal

perspectiva. Portanto, não é uma pesquisa sobre hortas. Porém, entre os elementos

destacados da prática docente vinculados aos objetivos da pesquisa consta a horta

escolar e a jardinagem como atividades que promovem a democratização do espaço

escolar por possibilitar a participação da comunidade e a socialização de atividades

de ciências. Aqui, como na pesquisa imediatamente anterior, ficam expressos

objetivos amplos do ensino de ciências que podem ser alcançados a partir da horta.

Em Construção coletiva de uma horta escolar... (PETTER, 2004) o

destaque recai sobre a escolha coletiva da atividade para cumprir um objetivo

preventivo em relação ao uso de drogas na comunidade, preenchendo um tempo

ocioso. Fala-se em construção conjunta e progressivo envolvimento da comunidade

escolar. Surpreendem a amplitude e a diversidade dos resultados declarados. O

estudo foi desenvolvido em uma escola pública no segundo segmento do ensino

fundamental com o objetivo de detectar como a construção coletiva de uma horta

escolar poderia repercutir nos hábitos de higiene e saúde dos alunos participantes. A

proposta surgiu a partir de um levantamento sobre os principais problemas na

localidade, entre os quais se destacou o uso de drogas e posterior debate relativo à

utilização produtiva e prazerosa do tempo livre como forma de prevenir riscos de sua

utilização inadequada em situações prejudiciais. Houve um consenso, que resultou

na decisão de construção conjunta de uma horta escolar. Entre os resultados

destacam-se: mudanças na dieta alimentar; construção de hortas nas residências;

maior envolvimento em atividades escolares e extraclasse, especialmente em

Ciências; diminuição da agressividade nas relações interpessoais em sala de aula;

maior compromisso com trabalhos em grupo. Afirma-se a superação de expectativas

com o envolvimento gradual de outros educadores e das demais turmas, o que

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resultou na extensão da proposta a toda comunidade escolar. As informações

fornecidas sugerem que havia um objetivo voltado ao processo de elaboração, ou

seja, a horta como um meio de ocupar um tempo ocioso com um trabalho coletivo,

prazeroso e produtivo e que outros objetivos foram sendo alcançados,

posteriormente.

Em a Educação para o gosto... (NEGREIROS, 2012), pesquisa de doutorado

em Educação, foi realizado um estudo sobre a educação do gosto alimentar por

meio de práticas curriculares e cotidianas de uma escola da rede pública. Os

resultados indicam duas dimensões da educação do gosto alimentar, sendo uma

relacionada ao currículo instituído na escola e outra voltada para o currículo oculto,

expresso no cotidiano escolar. Aqui também não se trata de um estudo cujo foco

seja a horta, mas seus resultados informam a existência de uma disciplina

denominada Horta Escolar no currículo da escola estudada que ensejou

experiências sensoriais, lúdicas e de vínculo com os alimentos naturalmente

cultivados na escola, como estratégia para estimular o consumo de alimentos

saudáveis e de ampliação do conhecimento acerca da procedência dos gêneros

alimentícios. Informa ainda que esses aspectos foram reforçados e ampliados nas

práticas alimentares no cotidiano escolar. Evidenciou-se que para desenvolver a

educação do gosto alimentar como processo formativo a ser construído também na

escola, é indispensável a integração de três áreas: educação/currículo,

alimentação/nutrição e ambiente escolar/comunidade.

A dissertação de mestrado em Enfermagem, sob o título Iniciativas das

escolas públicas e particulares na prevenção da obesidade infantil...

(GONZALES, 2007), apresenta uma perspectiva transversal do tema central. Trata-

se de um estudo em cinco escolas, três públicas e duas particulares, sobre as

iniciativas na prevenção da obesidade infantil, tendo em vista o projeto Escola

Saudável, que inclui alimentação, atividades físicas e hortas. Entre outras ações

voltadas para alimentação, foi identificado o projeto Horta Escolar. Afirma-se que a

transversalidade permite reforço dos conceitos nas diversas disciplinas, motivando

as crianças a participarem na formação de hortas e a aceitarem mudanças na

merenda escolar, com aumento no consumo de verduras, legumes e frutas.

Assim como o anterior, A educação alimentar e nutricional no espaço

escolar... (AQUILLA, 2011) traz a necessidade de outras ações pedagógicas,

juntamente com as hortas, em prol da alimentação escolar de qualidade. A pesquisa

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apresenta análise em dois municípios considerados modelos de gestão escolar e

que realizam práticas pedagógicas relacionadas à Alimentação Escolar. Entre as

atividades práticas estão: horta escolar, encenações teatrais, contação de histórias e

oficinas de culinária. O estudo concluiu que os resultados positivos alcançados se

devem ao planejamento, ao programa adequado de aquisição de alimentos, à

supervisão e orientações adequadas e ao estabelecimento de vínculos entre a

cultura familiar e as ações de formação no âmbito da escola. E constata ainda a

importância de que qualquer atividade prática de educação alimentar seja

acompanhada de uma explicitação das razões de uma alimentação saudável.

A investigação de mestrado em Nutrição, Alimentos orgânicos na

alimentação escolar... (LIMA, 2006), não é uma pesquisa sobre hortas escolares,

mas as contempla e aborda uma discussão contemporânea ao trazer em seu título

“alimentos orgânicos”. O estudo objetivou analisar a gestão do processo de

produção de refeições a partir da introdução de alimentos orgânicos na alimentação

escolar. Os resultados mostram que o Programa Estadual de Alimentação Escolar

analisado apoia a alimentação escolar orgânica e que os estudantes mostraram-se

satisfeitos com a alimentação servida. Alguns estudantes relacionaram os alimentos

orgânicos exclusivamente com os alimentos produzidos na horta escolar e muitos

demonstraram dificuldade em traduzir o que seria alimento orgânico. Há indicação

de desconexão entre os conhecimentos adquiridos na atividade com a horta e a

caracterização do alimento oferecido na alimentação escolar, o que pode ser um

desperdício no que diz respeito ao desvelamento de elementos hegemônicos.

Na pesquisa a seguir, além das informações sobre as ações desenvolvidas a

partir da horta e aspectos identificados nas outras pesquisas, destaca-se o processo

de aferição de resultados. A horta como estratégia de educação alimentar em

creches (MAGALHÃES, 2003) teve como objetivo utilizar a horta em uma estratégia

interdisciplinar de educação alimentar. Foram realizadas avaliações em crianças de

uma creche referentes aos hábitos alimentares e algumas condições de saúde

relacionadas antes e um ano depois da intervenção. As espécies foram

selecionadas para plantio em função dos nutrientes necessários ao equilíbrio da

dieta: a batata-doce, o feijão guandu, o feijão olho-de-cabra, a vinagreira e a

mostarda. Foram desenvolvidas atividades educativas desde o plantio até a colheita,

bem como oficinas de culinária envolvendo crianças, professores e pais. Nos

preparos culinários foram calculados o custo, o valor calórico, o teor de fibras e a

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aceitabilidade. Foram apresentados com resultados numéricos o aumento do

consumo de fibras, na forma de frutas, hortaliças e feijões, a redução no consumo

de carnes, além da diminuição dos índices de sobrepeso das crianças. Concluiu-se

que a horta pode servir como um meio eficaz para a promoção da educação

alimentar e a formação de hábitos alimentares saudáveis, desde que sua produção e

sua utilização sejam orientadas.

O estudo sobre as hortas em escolas do Distrito Federal, intitulado Horta

Escolar no Distrito Federal: instrumento de promoção da alimentação

saudável? (BERNARDON, 2011) ratifica o interesse crescente das escolas por

hortas e a vinculação dos objetivos à alimentação escolar e à promoção de hábitos

alimentares saudáveis, expõe as dificuldades encontradas para a implantação e

manutenção das mesmas e indica a necessidade de estudos para a aferição dos

resultados referentes aos objetivos propostos. Teve como objetivo identificar

experiências com hortas em escolas públicas do Distrito Federal, analisando fatores

determinantes no seu uso voltado à promoção da alimentação saudável.

Analisaram-se variáveis relacionadas à presença ou ausência de hortas e requisitos

para existência de horta. Das 453 (77,8%) escolas estudadas, 171 (37,7%)

possuíam horta. Das escolas sem horta, 75,2% (n=212) tinham interesse na sua

implantação. Foi observado que quanto maior o número de escolares, menor a

chance da existência da horta. O principal motivo para a desativação de hortas foi a

falta de mão de obra para sua manutenção. Identificou-se que os professores foram

os principais responsáveis pela implementação e manutenção da horta. A autora

afirma que foi identificado um percentual de escolas com horta superior ao

encontrado no cenário brasileiro. Quanto às escolas com horta, a intenção de

complementar a alimentação escolar foi o principal motivo de sua implantação

(56,2%). A maioria, 86,3% (n=88), disse utilizar os alimentos cultivados para este

fim, sendo que plantas condimentares e hortaliças foram as mais citadas. Foi

relatado que a horta é utilizada como espaço educativo para promoção da

alimentação saudável por 60,8% (n=62) das escolas. É interessante notar a

presença marcante do objetivo da horta para complementar a alimentação escolar, o

que indica percepção, na comunidade escolar, de carências nos gêneros adquiridos

pelo PNAE para elaboração das refeições servidas. E, mesmo não sendo a horta

implantada com objetivos educativos para a promoção de alimentação saudável,

nota-se que esse uso acaba por acontecer. O estudo finaliza indicando a

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necessidade de aprofundamento do resultado por meio de avaliação do uso e

impacto da horta como instrumento de promoção da alimentação saudável na

comunidade escolar.

A análise geral sobre as produções apresentadas mostra a horta como o eixo

de dez (RIBEIRO, 2002; MAGALHÃES, 2003; GONÇALVES, 2004; PETTER, 2004;

SILVA, 2010; BERNARDON, 2011; SILVA, 2011; RAMOS, 2012; CORREIA, 2012;

BRANDÃO, 2012) entre as quinze pesquisas encontradas. Tendo em consideração

a variação do grau de destaque dado a horta escolar nos diferentes trabalhos

analisados, há em comum a atribuição de papel educativo para a abordagem de

conteúdos em cinco das áreas de conhecimento identificadas com predomínio dos

temas que relacionam alimentação e saúde e para a área de Ensino de Ciências e

Matemática e a de Educação, respectivamente. Quatro dessas pesquisas foram

desenvolvidas a partir de intervenções com hortas escolares nas quais são

declarados objetivos preponderantemente voltados para a educação ambiental

(RIBEIRO, 2002; SILVA, 2011; RAMOS, 2012; CORREIA, 2012). O fato das três

últimas serem relativamente recentes não guarda coerência com os objetivos

observados nos projetos atuais fora do âmbito acadêmico, os quais estão mais

voltados às questões de alimentação e/ou combinam aspectos ambientais, produção

de alimento e consumo saudável.

Três dos estudos (GONÇALVES, 2004; BRANDÃO, 2012; TREVISAN, 2009),

embora tenham abordagens distintas, expressam objetivos voltados aos conteúdos

e ensino da disciplina Ciências. As duas primeiras versam sobre horta escolar,

enquanto a terceira trata de práticas pedagógicas e entre as quais a horta está

presente.

A horta escolar aparece como uma atividade promotora da democratização do

espaço e de socialização do conhecimento pela possibilidade de participação da

comunidade em quatro estudos (PETTER, 2004; TREVISAN, 2009; BRANDÃO,

2012; RAMOS 2012).

Oito estudos (MAGALHÃES, 2003; PETTER, 2004; LIMA, 2006; GONZALES,

2007; SILVA, 2010; BERNARDON, 2011; AQUILA, 2011; NEGREIROS, 2012),

provenientes de diferentes áreas de conhecimentos e, portanto, exibindo variadas

perspectivas, mostram-se mais afinados com os inúmeros projetos de hortas em

andamento em municípios brasileiros, ou seja, têm como eixo a alimentação e a

preocupação com a adoção de hábitos alimentares saudáveis. Estabelecem

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conexão com outros aspectos relacionados direta ou indiretamente ao tema, nos

quais se incluem as questões ambientais, a atividade física, o PNAE e ações cuja

intenção é contribuir para a educação alimentar e nutricional. Mencionam a horta

permeada pela integração de disciplinas e atividades que buscam favorecer

aprendizados diversos que respaldam a aceitação das mudanças na alimentação

escolar. Dentre essas pesquisas, quatro têm a horta como tema central.

Resguardadas as peculiaridades de cada uma das pesquisas, todas trazem

intenções que coadunam com aquelas percepções apresentadas por atores sociais

da comunidade escolar no contexto da pesquisa realizada por ocasião de meu

mestrado (SILVA, 2010). A avaliação do conjunto dos trabalhos revela o

reconhecimento do papel educativo multifuncional e multidimensional da horta

escolar; da sua característica interdisciplinar e transversal, ao ativar variadas

percepções e demandar conhecimentos de diferentes ordens e áreas; de

proporcionar a visibilidade da problemática ambiental envolvida na produção de

alimento, independente de quais sejam os seus objetivos primeiros; da sua boa

acolhida no espaço escolar e da possibilidade do envolvimento dos vários atores

sociais da comunidade escolar e de seu entorno; e do seu potencial convocador e

agregador de outras atividades tanto relativas a aspectos ambientais quanto

alimentares.

É possível afirmar que as preocupações expressas nas investigações em

termos como orgânico, saudável, sustentável, natural, associados à prática da horta

e aos alimentos produzidos exibem elementos que conduzem ou podem conduzir a

encaminhamentos que põem em xeque o modelo agroalimentar vigente.

3.7.2 Artigos científicos

Em busca feita em 05/02/2013 na base de dados científicos SciELO pelo

assunto horta(s) escolar(es) somente duas publicações foram encontradas, uma em

2008 e outra em 2012. Já no Portal de Periódicos da CAPES, em busca feita em

19/11/2013, foram encontrados oito artigos. Os dois encontrados na primeira Base

são coincidentes com os da segunda. É preciso esclarecer que o material

encontrado, seguindo o mesmo critério utilizado na seleção de teses e dissertações,

não é composto por artigos científicos cujo tema central seja horta escolar. Dois

desses artigos podem ser enquadrados nessa categoria, um a partir de uma

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experiência concreta e outro que traz uma discussão teórica sobre o tema. Um

terceiro é um estudo feito a partir da horta. Os demais somente fazem alusão à horta

escolar, mas foram mantidos na tentativa de trazer mais informações sobre um tema

com raras publicações.

Quadro 2: Artigos científicos com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontrados na base de

dados SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES publicados entre os anos de 2000 e 2013.

Ano Base de

Dados

Títulos Área de

conhecimento

Publicação Temáticas

2008

Scielo

CAPES

A horta escolar na educação

ambiental e alimentar:

experiência do Projeto

Horta Viva nas escolas

municipais de

Florianópolis(MORGADO e

SANTOS, 2008)

Ciências

Agrárias

Extensio:

Revista

Eletrônica de

Extensão, 2008,

Vol.5(6),

pp.57-67

Horta escolar para a

Educação ambiental

e a

Educação alimentar

2009

CAPES Estudo etnobotânico na

educação básica

(SILVEIRA e FARIAS,

2009)

Educação Poiésis, 2009,

Vol.2(3), p.14

Plantas medicinais

na escola

2010

CAPES

A alimentação orgânica e as

ações educativas na escola:

diagnóstico para a educação

em saúde e nutrição

(CUNHA, SOUZA e

MACHADO, 2010)

Saúde Ciencia &

Saude Coletiva,

Jan, 2010,

Vol.15(1),

p.39(11)

Alimentação

orgânica e ações

educativas.

2012 CAPES

Scielo

O fazer educação alimentar

e nutricional: algumas

contribuições para reflexão.

(SANTOS, 2012)

Saúde Ciencia &

Saude Coletiva,

Feb, 2012,

Vol.17(2),

p.453(10)

Práticas de educação

alimentar e

nutricional no Brasil.

2013 CAPES Hortas escolares urbanas

agroecológicas: preparando

o terreno para a educação

em ciências e a educação em

saúde (SILVA, FONSECA e

CARVALHO, 2013)

Educação em

Saúde

Centro de

Investigação

em Estudos da

Criança, UM

(UI 317 da

FCT)

Repositório

Científico

Aberto de

Portugal.

Parâmetros para o

desenvolvimento de

hortas escolares.

2013 CAPES Formação de coordenadores

pedagógicos em alimentação

escolar: um relato de

experiência (SANTOS et al.,

2013)

Saúde

Ciencia &

Saude Coletiva,

April, 2013,

Vol.18(4),

p.993(8)

Formação de

coordenadores

pedagógicos em

Alimentação Escolar.

2013 CAPES O Programa Nacional de

Alimentação Escolar sob a

ótica dos alunos da rede

estadual de ensino de Minas

Gerais, Brasil (SILVA et al.,

2013)

Saúde

Ciencia &

Saude Coletiva,

April, 2013,

Vol.18(4),

p.963(7)

Análise do Programa

de Alimentação

Escolar.

2013 CAPES A trajetória do Programa Saúde Ciencia & Análise do Programa

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Nacional de Alimentação

Escolar no período de 2003-

2010: relato do gestor

nacional (PEIXINHO, 2013)

Saude Coletiva,

April, 2013,

Vol.18(4),

p.909(8)

de Alimentação

Escolar.

Os artigos foram lidos na íntegra e destacados os elementos que podem

contribuir para a discussão de parâmetros para as hortas escolares.

Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a

educação em ciências e a educação em saúde (SILVA, FONSECA e CARVALHO,

2013) exibe a constatação da proliferação de inúmeros projetos com hortas

escolares no Brasil e a carência de estudos sobre o tema. Denuncia a falta de

parâmetros pedagógicos balizadores para a implantação, manutenção e avaliação

dos impactos das hortas em escolas urbanas e anuncia uma investigação com essa

finalidade. Trata-se de um artigo sobre a proposição da presente pesquisa, de modo

que seu conteúdo já está contemplado em outros itens.

O artigo A horta escolar na educação ambiental e alimentar: experiência

do projeto „Horta Viva‟ nas escolas municipais de Florianópolis foi encontrado

em publicação voltada para a extensão rural, sendo a primeira autora uma estudante

do curso de agronomia e a segunda uma professora do Departamento de

Engenharia Rural (MORGADO e SANTOS, 2008). O trabalho é apresentado com o

objetivo de descrever a contribuição do agrônomo junto à comunidade escolar no

planejamento, na execução e na manutenção das hortas escolares e, ao fazê-lo,

discorre sobre as ações desenvolvidas na horta escolar, ou a partir dessa, indicadas

no título como de educação ambiental e alimentar.

Utiliza quatro referências bibliográficas, dentre elas uma monografia de Curso

de Especialização, uma dissertação de mestrado citada no item sobre teses e

dissertações - A horta como estratégia de educação alimentar em creches - e um

trabalho apresentado em evento sobre educação infantil baseado na dissertação. A

quarta referência é um capítulo de livro que trata de educação nutricional. Há aqui

um reforço à constatação da escassez de publicações sobre o tema. O trabalho,

descrito no artigo, ocorreu em uma creche municipal e faz parte do conjunto de

ações da Coordenadoria de Alimentação Escolar de Florianópolis, que vai desde a

compra de alimentos até a educação para o consumo. Nesse conjunto se insere o

projeto “Horta Viva” com o objetivo de auxiliar a formação dos alunos e da

comunidade escolar em educação ambiental e alimentar mediante o incentivo à

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implantação e manutenção de hortas escolares. É interessante notar que todo o

contexto se refere a questões da alimentação escolar e, no entanto, a horta escolar

figura como ação importante para o alcance de objetivos em dois campos, a

educação alimentar e a educação ambiental. Há o indicativo de uma percepção

ampliada da alimentação humana que se revela, também, em outros

encaminhamentos. O projeto exibe características intersetoriais e multidisciplinares

ao considerar a educação alimentar e nutricional como um dispositivo de ações

coordenadas e que requer o envolvimento de diferentes setores e disciplinas, com

acompanhamento de nutricionista, pedagogo, agrônomo e oferecimento de cursos

teóricos e práticos para professores e funcionários da escola sobre temas

relacionados à educação ambiental e educação alimentar, enfatizando a relevância

desses temas para a formação integral da criança e do adolescente.

As estratégias didáticas relatadas mostraram-se diversificadas, para as quais

são reforçadas a perspectiva ambiental e a alimentar sem que houvesse

dissociação: conhecimento, cultivo e consumo de diversas plantas (hortaliças,

medicinais, ornamentais, condimentares, cereais, grãos e raízes); confecção de

materiais educativos (livros de receita, cartazes, pinturas e textos coletivos);

atividades lúdicas (criação de personagens e apresentação de teatros); reciclagem

de resíduos sólidos (compostagem, coleta seletiva e oficinas de reciclagem artística);

oficinas culinárias (com alimentos colhidos na horta); mutirões com a comunidade

escolar para a manutenção do ambiente da horta e visitas a centrais de distribuição

de produtos agrícolas. O relato cita a participação ativa das crianças nas discussões,

problematizações e também o empenho físico durante a reorganização do espaço

da horta, a pintura dos muros e das lajotas dos canteiros, a limpeza do pátio em

volta da horta, a colocação de brita entre os canteiros e o plantio de mudas e

sementes.

Embora seja bem evidente a atenção às muitas dimensões envolvidas na

atividade e suas possibilidades educativas, a inculcação do modelo de produção

agrícola por vezes enviesa a horta pedagógica, como no registro: Apesar do grande

interesse das crianças pelo desenvolvimento das hortaliças, não seria possível

acompanhar mudanças nessas plantas como florescimento e frutificação, isso

devido às características botânicas e partes preferenciais de consumo (apenas

folhas, raízes) (MORGADO e SANTOS, 2008, p. 6). Seria o momento de atender a

curiosidade das crianças, selecionando algumas dessas plantas para a observação

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de seu ciclo vital e manter a discussão sobre a intervenção humana na vida de

outros seres no atendimento de suas necessidades.

Contrariando o modelo hegemônico de agricultura é declarada a condição de

horta orgânica, o que pode trazer contribuições educativas importantes. Porém, na

escolha dos cultivos foi observada a acomodação ao padrão comercial: alface,

salsinha, cebolinha, brócolis, espinafre, rabanete e beterraba. Além disso, ao

mencionar um espantalho confeccionado pelas crianças para afugentar pássaros

que poderiam se alimentar dos pés de milho, afirma-se que o mesmo despertou

sentimentos nas crianças como respeito e amizade, tanto que, ao passarem pela

horta, as crianças olhavam para a figura do espantalho e comentavam sobre o

trabalho duro que ele estava desenvolvendo – o de proteger a horta dos invasores.

O conceito de invasor é questionável no contexto de uma agricultura de base

ecológica.

Entre os resultados são relatados experimentos simples de germinação e

crescimento vegetal em função das variáveis luz e água, a disposição das crianças

para experimentar novos sabores com a afirmação de que todas demonstraram

muito interesse pela salada nesse dia, valorizando o alimento que foi plantado e

cultivado por elas e que houve alteração nos hábitos alimentares das crianças, que

passaram a consumir, com tranquilidade, os vegetais cultivados por elas próprias na

horta.

Os autores concluem essa seção com a seguinte reflexão: [...] entre a

alimentação adequada, sua aceitação e o entendimento de que esta é a melhor

opção, há uma grande distância que certamente é diminuída quando a criança tem a

oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do próprio alimento (MORGADO e

SANTOS, 2008, p.9).

O Estudo etnobotânico na educação básica (SILVEIRA e FARIAS, 2009)

tem foco na utilização de plantas medicinais a partir da horta promovendo a

aproximação da comunidade local e a valorização dos conhecimentos populares. A

escola investigada está inserida em programa governamental denominado

Programa de Educação Ambiental e Alimentar.

O estudo teve como objetivo investigar nesse contexto a presença da

etnobotânica, cujo conceito apresentado diz respeito aos aspectos envolvidos na

relação estabelecida entre seres humanos e plantas em diferentes tempos e

espaços, o que comporta a discussão sobre as hortas. No caso, o estudo está mais

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voltado a plantas medicinais cultivadas. Não são referenciados trabalhos que

versem sobre hortas escolares, sendo quase a totalidade das referências

bibliográficas sobre aspectos botânicos e etnobotânicos.

O trabalho traz algumas informações sobre a relação escola-horta que

merecem atenção. Informa que a partir do referido projeto, os estudantes da

educação básica desenvolvem o gosto por trabalhar com o solo, o plantio de

plantas, o cultivo, a colheita, o armazenamento e o consumo de alimentos

saudáveis. No entanto, as ações são extracurriculares, com turmas multisseriadas,

em turno extraclasse e têm como público alvo crianças de população de baixa

renda, cujo principal objetivo é a inclusão social com atividades socioeducativas.

Essa informação nos remete aos objetivos primórdios da inserção da atividade

agrícola no espaço educativo formal no Brasil. Afirma-se ainda que uma prioridade é

amenizar o problema da fome, assim como o desperdício de alimentos e oportunizar

maior aprendizado, pois os estudantes atendidos permanecem mais tempo na

escola (SILVEIRA e FARIAS, 2009, pp. 18-19).

Além da agricultura, a estratégia adotada inclui outras atividades como teatro e

iniciação à pesquisa científica com temas direcionados à nutrição e à educação

ambiental, com ênfase na utilização de plantas medicinais e verduras saudáveis.

Para tanto foram construídas três hortas, uma para verduras, legumes e plantas

medicinais, outra somente para plantas medicinais e a terceira para plantas

condimentares, além de uma estufa para a produção de mudas. Não é apresentada

uma justificativa para tal divisão. São mencionados ainda um espaço arborizado

para recreação, uma sala para trabalhos artesanais e outra para ensaios e

atividades teóricas, um refeitório, um laboratório de informática, uma quadra de

esportes e uma cozinha comunitária. A equipe foi composta por quatro pessoas: dois

professores, sendo um que atua na disciplina de Iniciação à Pesquisa Científica e

outro na de Arte e Cultura, uma funcionária responsável pela preparação das

refeições e manutenção das hortas e um outro por pequenas manutenções na

escola e apoio às hortas (SILVEIRA e FARIAS, 2009, p.20). O projeto atendeu 54

estudantes do quinto ao oitavo ano do ensino fundamental, selecionados a partir do

interesse e consentimento dos pais e divididos em dois grupos e turnos, com dois

encontros semanais. Esse número de estudantes é o máximo estabelecido pelos

organizadores do projeto como viável para o atendimento.

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O momento da refeição é compartilhado por todos os envolvidos, inclusive a

responsável pela sua preparação. No cardápio procuram incluir alimentos orgânicos

produzidos nas hortas da escola e afirma-se o atendimento a orientações da

Secretaria de Educação para uma alimentação mais nutritiva, com produtos frescos

e sem agrotóxicos (SILVEIRA e FARIAS, 2009, p.21).

Como o foco do trabalho na horta eram as plantas medicinais, o estudo

buscou, além das informações científicas, os conhecimentos trazidos pelos

estudantes, pela raizeira e pela nutróloga da comunidade.

Os resultados mostram a presença de conhecimentos sobre plantas medicinais

naquela comunidade, envolvendo plantio e uso, especialmente por parte dos mais

velhos e informam o pouco espaço disponível para seu cultivo, com o uso de

pequenos canteiros e vasos. A maioria dos estudantes participantes era composta

por meninas, porém, nas observações e entrevistas não foram identificadas

diferenças por gênero na realização das atividades. Constata ainda que houve

aproximação da comunidade local, a valorização dos conhecimentos populares e a

contribuição na preservação da cultura acerca das plantas medicinais e o

fortalecimento da relação homem‐ natureza, como também um novo modo de ver a

educação como um processo mais dinâmico, de intensa troca entre instituição,

educador e educando. Como conclusão afirma-se a horta como espaço rico de

aprendizagem que favorece o desenvolvimento cognitivo e afetivo dos alunos e a

importância da adequação metodológica (SILVEIRA e FARIAS, 2009, p.28/29).

Fica indicada que, para além da atividade em si, as escolhas, a forma de

participação dos atores envolvidos, a abordagem e o modo de conduzir as ações

consolidaram a distinção dessa escola em relação a outras. Embora a horta seja

referida como fornecedora de alimento saudável consumido coletivamente no

espaço escolar, não há como aferir se procedimentos semelhantes aos das plantas

medicinais foram aplicados às plantas cultivadas e utilizadas como alimento e

condimentos, ou seja, a etnobotânica alimentar. Entendemos que esta traz uma

perspectiva muito interessante para o desenvolvimento de hortas, coincidentes com

princípios agroecológicos.

No artigo A alimentação orgânica e as ações educativas na escola:

diagnóstico para a educação em saúde e nutrição (CUNHA, SOUZA e

MACHADO, 2010) não há destaque para a horta, mas esta é mencionada como uma

potencial ação educativa para objetivos voltados à Educação em Saúde. Seus

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autores são da área de nutrição e buscaram traçar um paralelo entre a inserção da

alimentação orgânica em uma escola pública no estado de Santa Catarina e as

ações educativas relacionadas à mesma, tendo como contexto o Projeto Sabor

Saber. Tal projeto é resultante de ação conjunta de órgãos do estado e associação

de agricultores ecológicos, beneficiando escolas públicas de educação básica.

Surge da constatação que, embora muitas escolas sejam consumidoras de

alimentos orgânicos, inexistem ações pedagógicas vinculadas, havendo inclusive

desconhecimento de tal fato na comunidade escolar. Seu objetivo central é a

implantação gradativa do tema no Projeto Político Pedagógico-PPP de cada escola,

bem como a promoção e a formação de bons hábitos alimentares, elevando a

qualidade das refeições servidas [...] através da introdução de alimentos orgânicos

nos cardápios. Postula-se que a introdução da alimentação orgânica no PPP das

escolas, ao considerar o seu caráter educativo, econômico, político e social, pode

ultrapassar a visão de manutenção da condição de integridade fisiológica do escolar

ou ainda de repasse de alimentos, possibilitando novas abordagens educativas para

estudantes, professores e dirigentes (CUNHA, SOUZA e MACHADO, 2010, p.40).

A escola analisada é beneficiada pelo PNAE e é referência na utilização de

alimentos orgânicos, sendo sede de projetos educacionais relacionados à

alimentação e pioneira na implantação do referido projeto. O estudo indica que a

horta escolar se faz presente, porém, não são realizadas atividades que a vinculem

aos alimentos orgânicos oferecidos na escola. Embora os professores aleguem

fornecer informação constante sobre o tema aos estudantes, a utilização pedagógica

da horta ocorre somente com o segundo segmento e em momentos estanques,

como no conteúdo sobre raiz, específico do ensino de ciências, havendo a alegação

de que, por se tratar de uma área pequena, fica inviabilizada a ação com os

estudantes menores. Os escolares das séries iniciais demonstraram

desconhecimento acerca da forma de cultivo do alimento consumido na escola e do

conceito do que seja orgânico. Os das séries mais avançadas exibiam conhecimento

sobre as diferentes formas de cultivo, atribuindo o aprendizado às aulas de ciências,

e sobre a presença de alimentos orgânicos na alimentação escolar, mas sem

conseguir identificá-los ou distinguir sua origem.

O que se verifica nessa análise é que, a despeito de um contexto com vários

fatores e ações com potencial educativo para as questões alimentares que envolvam

o PNAE, incluindo a horta, a alimentação não é um tema tratado de forma

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transversal. Há dificuldade de organização de ações pedagógicas nesse sentido e

os escolares reconhecem a alimentação escolar como saudável, mas não fazem

referência ao uso de produtos orgânicos. Não tem sido feita uma avaliação

consistente sobre os impactos nos escolares, o que se justificaria tendo em conta

que as ações têm propósitos educativos. Depreende-se que algumas ações, ainda

que demonstrem importância intrínseca, necessitam de um tratamento pedagógico

no sentido de superar a ideia de que a realização de atividades propostas já

caracteriza efeitos educativos e sociais, ou seja, a atividade em si não

necessariamente gera mudanças subjetivas, apesar das reflexões advindas destas

atividades e interações (CUNHA, SOUZA e MACHADO, 2010, p. 43).

No caso em questão, percebeu-se que o desenvolvimento de dinâmicas

apropriadas que promovam a reflexão na comunidade escolar sobre esses aspectos

podem desencadear novas ações a partir do já existente, como a horta escolar e a

alimentação orgânica consumida.

O artigo O fazer educação alimentar e nutricional: algumas contribuições

para reflexão (SANTOS, 2012), já citado algumas vezes neste trabalho, foi

encontrado em publicação da área de saúde sob a autoria de nutricionista,

professora universitária e pesquisadora do tema do artigo. Não é um artigo sobre

hortas escolares, estas são somente mencionadas. Foi mantido pelo fato de,

reforçando a constatação da presente investigação, associar as hortas às práticas

de educação alimentar e nutricional em curso no contexto atual brasileiro. O foco do

artigo é a nutrição clínica ambulatorial e/ou na atenção a grupos específicos e busca

identificar as tendências teóricas e metodológicas que norteiam as práticas

educativas, sendo possível fazer um paralelo com as ações desenvolvidas nas

escolas com as hortas.

A autora usa 24 referências com predomínio de publicações da área de Saúde

com abordagens voltadas para a Nutrição, além de documentos governamentais

referentes ao tema e apenas uma referência de livro sobre Educação. Dentre as

reflexões feitas pela autora, consta a distância entre os discursos e as práticas em

torno da educação alimentar e nutricional, o que coincide com o artigo comentado

anteriormente. O artigo faz um alerta para a distinção entre orientação nutricional e

educação nutricional, ao esclarecer que a primeira estaria vinculada ao

adestramento e a segunda à aprendizagem ativa, profunda e transformadora

(SANTOS, 2012, p. 459). Ao analisar práticas de educação alimentar e nutricional

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vigentes, identifica que a maioria não explicita os referenciais pedagógicos utilizados

e, quando o faz, apresenta incoerências no desenvolvimento da estratégia e, ainda,

elementos de pedagogias críticas, com destaque para perspectivas freirianas,

coexistindo com a pedagogia tradicional, de base comportamental. Reforçando essa

constatação, percebe que entre os modelos de intervenção educativa predominam

as palestras e cursos expositivos, podendo ser encontradas intervenções com base

em aconselhamento dietético e oficinas culinárias. Nessa conjuntura, as hortas

escolares são mencionadas pela autora como uma intervenção com perspectiva

ambiental sem, no entanto, prestar maiores esclarecimentos a respeito.

Formação de coordenadores pedagógicos em alimentação escolar: um

relato de experiência (SANTOS et al., 2013) descreve um curso de formação de

coordenadores pedagógicos em Alimentação Escolar desenvolvido pelo Centro

Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar da Universidade Federal da

Bahia. A ação envolveu 118 coordenadores pedagógicos da rede pública de ensino

de 79 municípios de dois estados. Esses atores consideram o tema relevante, mas

admitem a falta de conhecimentos em alimentação e nutrição para subsidiar as

práticas pedagógicas. Assim, a dinâmica desenvolvida visou a instrumentalizá-los

para que, a partir de seus contextos, propusessem e construíssem, junto com a

comunidade escolar, práticas educativas transversais para a abordagem do tema

alimentação e nutrição. A horta não é o tema central, mas aparece como proposta

educativa.

O artigo menciona, em sua introdução, iniciativas do PNAE que contribuem

para a incorporação da promoção da alimentação saudável no ambiente escolar,

dando destaque para o Projeto Educando com a Horta Escolar, citado anteriormente

nesse trabalho, afirmando que este pode ser visto como uma possibilidade para que

docentes de todas as áreas e níveis de ensino desenvolvam atividades salutares e

dinâmicas, envolvendo conhecimentos multidisciplinares, privilegiando o trabalho em

grupo, a construção e a socialização de conhecimentos (SANTOS et al., 2013, p.

994).

O trabalho reforça essa perspectiva ampla e multidisciplinar para horta escolar

pelo seu auxílio em aulas práticas de disciplinas como Língua Portuguesa, Ciências,

Geografia, História, desde que com objetivos e metodologias claros em projeto que

integre os temas alimentação, nutrição, ambiente e currículo escolar. Esclarece que

o projeto potencializa ações pedagógicas ao visar além de mudanças nos hábitos

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alimentares dos escolares, a adaptação do cardápio às especificidades locais,

incluindo a introdução de alimentos da agricultura familiar no PNAE, a ampliação das

possibilidades de trabalhar com projetos de Educação Ambiental, a melhoria da

qualidade do trabalho pedagógico e no desempenho dos alunos no que se refere à

aprendizagem e à lida com a alimentação (SANTOS et al., 2013, p. 994).

O Programa Nacional de Alimentação Escolar sob a ótica dos alunos da

rede estadual de ensino de Minas Gerais, Brasil (SILVA et al., 2013) trata de um

estudo transversal, quali-quantitativo, com amostra de 1500 estudantes da rede

pública estadual que avaliaram vários aspectos referentes ao PNAE. Entre eles,

45,8% relataram a percepção de abordagem educativa dos temas alimentação e

nutrição no ambiente escolar. A horta escolar é referida por 7,5% dos estudantes

como espaço de aula prática na qual há abordagem das temáticas, enquanto 32,9%

e 59,6% mencionaram aulas e palestras em sala de aula e feira de ciências,

respectivamente. Não é possível aferir a relação do percentual dos que identificam a

abordagem temática na horta com a totalidade das escolas na qual esta se faz

presente, ou seja, o percentual de escolas com horta pode ser maior do que 7,5%,

mas somente estes perceberam a correlação.

A trajetória do Programa Nacional de Alimentação Escolar no período de

2003-2010: relato do gestor nacional (PEIXINHO, 2013) é um artigo já

mencionado nas discussões sobre o PNAE. A horta é citada como uma estratégia

educativa no contexto do Projeto Educando com a Horta escolar, também já

detalhado anteriormente.

Como síntese dos textos apresentados fica reforçada a pouca expressividade

numérica de artigos sobre o tema e a presença relativamente recente e progressiva

das hortas escolares em artigos cujo foco é a preocupação com a saúde alimentar.

A maioria dos artigos é oriunda de publicações área da saúde e, embora a horta

apareça de modo secundário, fica evidenciado o mérito de seu potencial educativo

para ações voltadas ao consumo de alimentos saudáveis.

Ponto comum aos oito artigos, independente da área de origem e respectivos

objetivos, é a associação da horta ao PNAE e a outras ações educativas e

promotoras do consumo alimentar saudável. A vinculação às proposições do PNAE

e ao conceito de alimento saudável conduzem para referências a elementos dos

princípios agroecológicos e, portanto, para a abordagem contra-hegemônica.

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Depreende-se que a despeito dos inúmeros projetos com hortas escolares no

Brasil, o cenário exposto confirma como incipientes as publicações científicas sobre

o tema. E ainda, que as publicações identificadas, conferidas suas autorias, não

indicam terem sido geradas a partir das pesquisas encontradas na seção anterior.

Pode-se opinar que ou, de fato, não foram produzidos artigos a partir daqueles

estudos, ou se foram produzidos, não atenderam aos critérios para publicação3.

A constatação da insuficiência das produções acadêmicas para responder a

questão que orienta o objetivo da pesquisa encaminhou a investigação para a

identificação e análise crítica de experiências concretas com hortas escolares.

3 Com o intuito de atualizar as informações foi realizada uma nova busca no dia 05/03/2015 nas mesmas

condições utilizadas anteriormente. Foram encontrados: um artigo relatando o conteúdo de uma das dissertações exibidas, School Gardens in the Distrito Federal (BERNARDON et al., 2014), oriundo da área da Saúde e quatro dissertações: A construção de conhecimentos em um Projeto de Horta numa classe de 2º ano do Ensino Fundamental (BELIZÁRIO, 2012), A formação continuada de professores e suas implicações na promoção da alimentação saudável na escola (OLIVEIRA, 2011), Denúncias como indicativo na melhoria do programa nacional de alimentação escolar(URU, 2011) e Aulas práticas sobre educação ambiental ministradas em uma escola pública de ensino fundamental de Fortaleza-CE (PARENTE,2012). A primeira, da área da Educação, analisa os conhecimentos produzidos em um projeto com horta e entre as demais da área de Ensino de Ciências e Matemática, uma apresenta resultados prático-pedagógicos do Projeto Educando com a Horta e as outras duas apenas citam a horta entre outras atividades. As datas das dissertações mostram que foram produzidas no período abrangido pela busca anterior, porém, não estavam disponíveis na ocasião.

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4 SOBRE TEORIAS, MÉTODOS E DADOS: escolhas

Diante da carência de conhecimentos e discussões sistematizadas sobre

hortas escolares no Brasil voltadas às novas exigências a elas atribuídas e,

paralelamente, da profusão de experiências em curso, evidencia-se um montante de

conhecimentos promissores, porém difusos sobre o tema. Estes estão imersos em

um contexto híbrido e merecem ser considerados e interpretados para que novos

conhecimentos emerjam.

Nesse caso, não há a intenção de testar para comprovar ou refutar hipóteses e

sim reconstruir os conhecimentos existentes sobre o tema investigado, focalizando

sua profundidade e complexidade (GALIAZZI e MORAES, 2007).

Como elaborar uma estrutura de pesquisa capaz de dar conta de desvendar

aspectos omitidos – e que promovem ocultamentos – em procedimentos usuais?

Há a busca por um rigor na produção de um conhecimento que dê visibilidade

a elementos ausentes/ausentados na realidade social. Emerge assim um

compromisso pessoal que se concretiza no esforço, no desejo, na autovigilância, no

exercício constante pelo desvelamento do que pode estar ocultado ou marginalizado

em todos os níveis da investigação.

Buscando uma compreensão complexa da realidade, há a opção por

considerar a existência e a explicitação de vários fatores que operam nos processos

de produção e de validação do conhecimento, pelo entendimento de que as

perspectivas científicas são conformadas por forças sociais, culturais, políticas,

ideológicas, discursivas e disciplinares. Acata-se, assim, a dificuldade de discernir

conhecimentos subalternizados por um modelo hegemônico de realidade com a

utilização de métodos elaborados nesse contexto. Esse ponto de vista requer o uso

de constructos teóricos e ferramentas metodológicas que vão sendo demandados ou

que podem emergir em função das necessidades de respostas sobre o fenômeno

investigado. Tal procedimento ambiciona a profundidade, a amplitude e,

consequentemente, a compreensão e reconstrução dos conhecimentos existentes

sobre o tema estudado (GALIAZZI e MORAES, 2007; KINCHELOE e BERRY, 2007).

A teoria e o método, nesse caso, confundem-se numa relação recorrente,

sendo ambos indispensáveis ao conhecimento complexo. A teoria não é vista como

um programa nem se constitui num conhecimento em si, mas na possibilidade de

tratar um problema em busca do conhecimento. O método, antes de ser um conjunto

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de técnicas e excludente em relação ao sujeito, exige sua participação ativa

(MORIN, 2005a, p.336).

A escolha metodológica buscou coerência com a dimensão contra-hegemônica

proposta pelas perspectivas teóricas do Pensamento Complexo, defendido por

Edgar Morin (2005a; 2007a), da Sociologia das Ausências e da Sociologia das

Emergências, defendidas por Boaventura de Souza Santos (2007). A pretensão da

atitude crítica da pesquisadora exigiu metodologia compatível para um movimento

interpretativo profundo e amplo e que viabilizasse um apreciar informado e prudente

da realidade. A Análise Textual Discursiva - ATD foi eleita por apresentar a intenção

de superar o paradigma dominante nas pesquisas, para a qual o pensamento linear

e racionalizado precisa dar lugar ao pensamento complexo, permitindo a emergência

de compreensões sobre fenômenos e discursos por meio de processo interpretativo

auto-organizado das informações obtidas (GALIAZZI e MORAES, 2007).

A ATD é um instrumento de análise de dados que vem sendo utilizado em

pesquisas qualitativas de mestrado e doutorado, abrangendo áreas como a

Comunicação, a Psicologia, a Educação, o Serviço Social e a Educação Ambiental.

Há casos em que sua utilização ocorre associada a outras metodologias. Mostra-se

especialmente útil nos estudos em que as abordagens de análise demandam

soluções que transitam entre a Análise de Conteúdo e a Análise de Discurso,

espaço em que se abrigam várias nuanças apoiadas por um lado na interpretação

do significado atribuído pelo autor e por outro no contexto de produção do texto

(MORAES, 2003; MORAES e GALIAZI, 2006).

Assume-se como uma modalidade de investigação que se afasta dos extremos

da Análise de Conteúdo- AC e da Análise de Discurso - AD, admitindo pressupostos

que se localizam entre ambas e as entendendo como conjuntos de orientações

abertas e reconstruídas em cada trabalho que se encontram no domínio da análise

textual. A ATD busca confrontar binários polarizadores entre as duas modalidades,

quais sejam: a. descrição-interpretação; b. compreensão-crítica; c. manifesto-

latente; d. fenomenologia, hermenêutica e etnografia-dialética; e. partes-todo; f.

teorias emergentes/teorias a priori. Nesse movimento identifica sobreposições e

abordagens intermediárias não excludentes, com as quais estabelece aproximações

que determinam suas escolhas (MORAES e GALIAZI, 2007).

Partindo dos seis pares polarizadores apresentados e da análise das muitas

abordagens existentes entre eles que se abrigam sob a égide da AC e da AD, a

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Análise Textual Discursiva pode ser assim resumidamente caracterizada: a. valoriza

tanto a descrição quanto a interpretação e, embora admita maior proximidade com a

AC, sua interpretação tende para a construção ou reconstrução teórica, numa visão

hermenêutica, de reconstrução de significados a partir das perspectivas dos sujeitos

envolvidos (p. 145); b. tem o caráter mais compreensivo assumido pela AC e, ainda

que crítica, seu olhar interpretativo tende a se produzir desde o interior do fenômeno

(p.147); c. fundamentada na hermenêutica, o esforço de compreensão parte dos

sentidos imediatos e simples do fenômeno estudado, mas se impõe o desafio de

produzir sentidos mais distantes, complexos e aprofundados indo para além da

expressão de realidades já existentes ao lançar mão, também, da dialética (p. 149);

d. assumidamente hermenêutica, guarda vínculos com a fenomenologia e a

etnografia, porém, ao assumir a perspectiva transformadora das realidades

pesquisadas, se aproxima da dialética de tal forma que as transformações

pretendidas se constituem nos movimentos de construção de novas compreensões

dos fenômenos e discursos presentes; e. tendo em vista a teoria dos sistemas e o

estudo de sistemas complexos, clama pelo movimento dialético entre as partes e o

todo, focaliza o todo mas com o entendimento deste como discursos construídos e

reconstruídos coletivamente (p.156); f. privilegia as teorias emergentes, ou seja, visa

à compreensão do fenômeno investigado a partir da explicitação de teorias

construídas com base nas informações colhidas (GALIAZZI e MORAES, 2007).

Vale acrescentar o acolhimento de contribuições da hermenêutica aplicadas à

educação ambiental crítica e emancipatória brasileira em comunidade interpretativa

por entender que essas podem ser estendidas para a análise das questões que

envolvem a alimentação e a saúde – até porque interligadas, como defendido aqui.

Nesse contexto, defende-se que a realidade comporta diferentes interpretações e o

mais fundamental é permitir um novo conhecimento, novas interpretações que sejam

síntese e não a supressão de perspectivas derrotadas por perspectivas vitoriosas

(FERRARO JUNIOR, 2006, p. 174)

A aposta dessa escolha metodológica consiste, por um lado, na possibilidade

de transformar informações dispersas em textos estruturados e fundamentados e,

por outro, na sua flexibilidade em prol da liberdade do pesquisador em descobrir e

construir encaminhamentos mais pertinentes à situação investigada, desde que

pautados no compromisso de ampliar a compreensão da realidade. Nesse caso,

além de ampliar e compreender a realidade posta em suas muitas dimensões, serão

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prospectadas as ausências – o ausentado – e as emergências, para a explicitação

de outras realidades a partir das contribuições do Pensamento complexo, da

Sociologia das ausências e da Sociologia das emergências.

4.1 ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA: múltiplas metamorfoses

Há aqui o entendimento de que o movimento interpretativo, de análise de

dados e informações, proposto pela Análise Textual Discursiva está afinado com o

percurso cognitivo natural experimentado pela pesquisadora ao longo dos anos em

que vem desenvolvendo atividades com hortas escolares e que se ampliou no

exercício da investigação científica. Ou seja, o envolvimento cotidiano com uma

determinada prática pedagógica, no caso a horta escolar, e a necessidade de seu

aprimoramento promoveram o desenvolvimento de um olhar atento de procura para

tudo que de alguma forma esteja relacionado ao tema e que possa responder às

questões que vão sendo apresentadas em sua execução prática.

Assim, ao se deparar com informações e/ou experiências, que envolvam hortas

escolares, expressas de diferentes formas e contextos, é naturalmente acionado um

mecanismo cognitivo de comparação e identificação de itens que podem ser

criticados e/ou acrescidos e/ou adaptados. Os processos propostos pela ATD vão ao

encontro do desconforto da pesquisadora com as limitações impostas por outros

procedimentos metodológicos no momento em que aquela mesma prática

pedagógica se converte em objeto de pesquisa acadêmica. Trata-se de uma

ferramenta aberta, exigindo dos usuários aprender a conviver com uma abordagem

que exige constantemente a (re) construção de caminhos, o que, se por um lado traz

insegurança, por outro propicia condições para fazer emergir a criatividade.

Entende-se aqui que atingir um conhecimento mais complexo e rico implica mover-

se por espaços mais inseguros (MORAES e GALIAZZI, 2006, p. 120-121).

O acionamento da criatividade ao longo do percurso metodológico proposto

pela ATD conduz a metamorfoses no entendimento do pesquisador que vão ter

reflexos nos procedimentos e nos resultados da pesquisa.

Assume-se o risco da possibilidade de exploração de intuições criativas e

originais proporcionada por essa modalidade de análise abrir espaço para

questionamentos sobre a cientificidade de seus resultados, mas há a aposta que o

rigor requerido para a validade e a confiabilidade das compreensões atingidas estará

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coerente com o conceito de ciência assumido. Concordamos que não há um único

modo de fazer ciência, e, consequentemente, há muitos modos de atingir resultados

cientificamente válidos (MORAES e GALIAZZI, 2007, p.64).

Partindo da premissa de que há lacunas, equívocos e falta de consistência em

grande parte das ações com hortas escolares em curso no Brasil e, por outro lado,

acreditando que essas mesmas podem oferecer elementos que indicam caminhos

promissores para o aperfeiçoamento dessa prática, foi estruturado um arcabouço

metodológico para identificar nas experiências em curso as presenças, as ausências

e os sinais de emergências que podem ser potencializados.

4.2 CONSTRUINDO UM MAPA PARA O MOVIMENTO INTERPRETATIVO

O contato intenso com as atividades práticas da horta escolar, as observações

de outras experiências, os diálogos com outros praticantes ou interessados no tema,

a forte presença dos referenciais teóricos e as variadas leituras relacionadas já

haviam feito emergir espontaneamente um primeiro esboço de categorias que

agrupava similaridades dos aspectos observados. Assim, a construção das

primeiras categorias do instrumento de análise ocorreu simultaneamente à coleta de

dados, como nos sugere Morin (2007a), num movimento recursivo entre os

referenciais teóricos e as experiências analisadas.

Aquelas categorias se tornaram tão presentes que os avanços no

conhecimento sempre se davam a partir delas de forma que pareceu difícil descartá-

las. Optou-se, então, por prosseguir pelos caminhos propostos pela Análise Textual

Discursiva a partir dessa base categórica.

Foi percebida a necessidade de aperfeiçoar aquelas categorias como pontos

de apoio que auxiliassem na compreensão aprofundada dos textos-base

relacionados ao fenômeno investigado, sem, no entanto, perder a coerência com a

proposta interpretativa e complexa. As categorias deveriam ser repensadas e

reelaboradas de forma a auxiliar na explicitação e reflexão sobre os elementos da

complexidade envolvidos.

A ATD caracteriza-se por um processo auto-organizado composto por três

etapas: desmontagem dos textos do corpus e sua unitarização, estabelecimento de

relações ou categorização e captação do novo emergente.

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Figura 2: Etapas da Análise Textual Discursiva

A análise ocorreu a partir do corpus, um conjunto de textos encontrados em

documentos eleitos localizados em diferentes contextos, que inclui produções

escritas variadas e imagens de hortas escolares, às quais foram atribuídos sentidos

e significados pelo pesquisador. Não se ignorou que é possível, baseando-se nos

conhecimentos, teorias e contextos individuais, a construção de múltiplos

significados a partir de um texto. Há situações em que estes estão explícitos numa

leitura direta (denotativo) e se mostram comuns a diferentes leitores, e outras, nas

quais os significados estão implícitos, exigindo uma leitura mais aprofundada e,

portanto, são de mais difícil compartilhamento (GALIAZZI e MORAES, 2007).

A delimitação do corpus se apresentou como uma tarefa penosa, pois implicou

seleção e exclusão e, consequentemente, o risco de perder elementos importantes e

não explícitos num primeiro momento da questão investigada. Elementos esses que

podem emergir posteriormente e se tornar fundamentais em si ou promissores para

o entendimento e/ou construção de novos conhecimentos. O corpus ficou composto

por textos encontrados em contextos distintos, porém, é reconhecida a existência de

pontos comuns entre os mesmos.

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4.2.1 Dados? Nada é realmente dado

Os dados não estão dados, trazem significantes e só se tornaram informações

após construção feita a partir da perspectiva teórica e de pontos de vista da

pesquisadora elaborados em sua vivência profissional e acadêmica (GALIAZZI e

MORAES, 2007). A pesquisadora, antes de assim se constituir formalmente, traz

uma bagagem de conhecimentos sobre o tema cuja condição de dado não pode ser

ignorada na investigação.

A utilização de atividades de plantio ao longo da docência proporcionou a

percepção da agricultura nas escolas urbanas como uma atividade pedagógica

valiosa com múltiplas possibilidades, assim como a identificação de fatores

contribuintes e o reconhecimento das dificuldades para a sua concretização. Além

do citado, o aprendizado e a investigação desenvolvidos durante o mestrado e,

presentemente no doutorado, sobre o tema, as discussões por ocasião de

apresentações orais de artigos relacionados submetidos a eventos diversos e a

participação como pesquisadora nos trabalhos desenvolvidos pelo Observatório da

Educação/CAPES/INEP- núcleo local NUTES/UFRJ, nos quais estão incluídas

pesquisas e ações com hortas escolares, trouxeram contribuições imprescindíveis

para a elaboração e consolidação da presente proposta.

Orientada pelo objetivo da pesquisa, a seleção de documentos intentou

encontrar em experiências realizadas no Brasil elementos promissores para a

ampliação da percepção sobre o potencial pedagógico das hortas escolares,

priorizando objetivos e procedimentos contribuintes para a Educação Alimentar e

Nutricional. O critério de saturação foi concebido tendo em conta que, tanto as

presenças, quanto as ausências identificadas nesse contexto são informações

sujeitas à análise e interpretações e, consequentemente, promotoras de

modificações significativas nos resultados.

Optou-se por tomar como eixos do mapa interpretativo três conjuntos de

documentos (A, B, C). Os dois primeiros são referentes à alimentação escolar e

exibem informações de diferentes regiões brasileiras e, embora não tenham a horta

como tema central, neles é forte a sua presença. O primeiro é oriundo de um

abrangente estudo realizado por nossa equipe de pesquisa – Observatório da

Educação/CAPES/INEP – núcleo local NUTES/UFRJ – sobre o PNAE e o segundo

consiste em relatos de experiências com hortas em municípios selecionados em

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133

uma premiação nacional sobre gestão local do PNAE. O terceiro é composto por

registros de uma experiência emblemática com horta em escola urbana

desenvolvida, também por elementos de nossa equipe, a partir de pesquisas e

ações anteriores sobre o tema e intenso exercício multidisciplinar da práxis. Esses

registros compõem o corpus da investigação e foram exaustivamente lidos e estão

representados na figura abaixo:

Figura 3: Textos que compõem o corpus da investigação

A etapa seguinte consiste no início da análise do corpus e se dá pela

desconstrução dos textos e sua unitarização. Assim, os documentos referidos como

corpus foram desmontados de forma a pôr em destaque seus elementos

constituintes e possibilitarem a elaboração das primeiras unidades de análise. A

fragmentação dos textos sofre variações em função dos objetivos da pesquisa e dos

sentidos percebidos em diferentes limites de seus pormenores, o que resulta em

unidades de análise de tamanhos variados. A unitarização se concretiza em três

momentos: leitura dos textos, sua fragmentação e codificação de cada fragmento

que se constitui em unidade de análise; a reescrita de cada unidade a fim de que

assuma um significado; a atribuição de um título a cada unidade que apresente a

sua ideia central (GALIAZZI e MORAES, 2007).

As unidades de análise são constituídas e validadas tendo em vista as

categorias construídas ou em processo de construção e, recursivamente, são

A. Mapeamento e delimitação da Alimentação Escolar no Brasil

Textos: RELATÓRIOS E TRANSCRIÇÕES DE ENTREVISTAS

B. Prêmio gestor eficiente da merenda escolar

Textos: BOLETIM 2012 e 91 FORMULÁRIOS

C. Horta Escolar Urbana: Espaço para a Construção de Práticas Educativas Inovadoras para a Educação em Ciências e Saúde

Textos: RELATÓRIOS E OUTROS REGISTROS

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elementos chave na elaboração das mesmas categorias. O movimento

retrospectivo, para as teorias subjacentes e os objetivos da pesquisa, é fundamental

nesse processo.

Seguindo as orientações, anteriores, os textos do corpus foram lidos,

fragmentados e a cada unidade foi atribuída codificação com letras maiúsculas do

alfabeto brasileiro correspondente a cada conjunto de material do corpus (A, B, C) a

fim de permitir o movimento de retorno ao contexto original quando da desmontagem

dos textos. As unidades de análise receberam a codificação UA (Unidade de

Análise) acompanhada da letra correspondente ao documento de origem: UA. A;

UA. B; UA. C.

Figura 4: Esquema de unitarização do material A.

A fim de favorecer a contextualização das unidades de análise, será feita uma

breve apresentação de cada material do corpus antecedendo suas respectivas

unidades. As denominações dadas às unidades foram feitas, inicialmente, no

material A e à medida que novos significados, nos materiais seguintes, foram

encontrados, outras unidades se constituíram. Houve muitos casos em que foram

encontrados novos elementos que complementavam as unidades já estabelecidas,

nesse caso as mesmas unidades foram multiplicadas.

Fragmentação do material A

• A. Mapeamento e delimitação da Alimentação

Escolar no Brasil

Textos: TRANSCRIÇÕES DE ENTREVISTAS

UA. A = Unidades de análise

de A

Elementos de significado: frases, parágrafos ou partes

maiores

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4.2.1.1 Material A: hortas escolares no Mapeamento e delimitação da Alimentação

Escolar no Brasil

Serão apresentadas informações sobre hortas escolares encontradas no

contexto do projeto Mapeamento e delimitação da alimentação escolar no Brasil:

conhecendo e discutindo oportunidades no campo da educação alimentar e

nutricional (n.1769/2008/Observatório da Educação-Núcleo local NUTES/UFRJ,

2009-2012), o qual teve como objetivo descrever e analisar experiências

relacionadas à educação alimentar e nutricional realizadas no âmbito do PNAE.

A investigação identificou a existência de iniciativas em escolas que

consideram a questão alimentar em sua prática educativa a partir de análise

estatística do banco de dados do Censo Escolar Brasileiro de 2004, do Instituto

Nacional de Estatística e Pesquisa (INEP) acrescido de um novo banco de dados

elaborado em maio de 2011 por intermédio do software SPSS, versão 17. Foram

analisadas as escolas que afirmaram realizar algum tipo de atividade em educação

alimentar e nutricional. Entre as 165 mil escolas que responderam as questões

relacionadas ao PNAE, 38,3% afirmaram desenvolver atividades em educação

alimentar e nutricional, sendo que 11% (cerca de 7 mil escolas) destas

mencionavam desenvolver as atividades com a utilização do cultivo de hortas e

pomares.

Daquele montante (38,3%, cerca de 63 mil escolas) foram eleitas cinco cidades

representantes de diferentes regiões geográficas do país, com mais de 100.000

habitantes e que indicaram possuir um maior número de escolas com atividades de

EAN para a realização de Estudos de Caso. As cidades identificadas foram: Vila

Velha (região Sudeste), Aracaju (Região Nordeste), Caxias do Sul (Região Sul),

Aparecida de Goiânia (Região Centro-Oeste) e Macapá (Região Norte). O contato

com representantes das cidades foi feito após a aprovação do projeto no Comitê de

Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva no parecer n. 69/2011,

processo n.72/2010. A Secretaria Municipal de Educação de cada cidade também

aprovou a pesquisa e indicou as escolas a serem visitadas. Durante o ano de 2011,

cada cidade foi visitada por um pesquisador que realizou, durante 10 dias,

observações diretas, análise documental e entrevistas semiestruturadas formais,

informais e de grupo com estudantes, professores, merendeiras, diretores,

nutricionistas e responsáveis pela aquisição de alimentos pelo PNAE,

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pesquisadores, políticos, membros dos Comitês para a alimentação escolar (CAE) e

agricultores familiares que fornecem alimentos para a alimentação escolar.

Interessaram, para a presente pesquisa, os textos das transcrições de entrevistas

nos quais havia relatos sobre o desenvolvimento de hortas escolares ou que

poderiam ter vínculos com a atividade, assim como os resultados e as análises feitas

pelos pesquisadores a respeito desse componente.

Assim, foram analisadas informações/dados a partir das transcrições de

entrevistas realizadas nas escolas indicadas pelas Secretarias de Educação dos

municípios visitados constantes em documentos digitalizados que totalizavam 64

páginas. Os recortes das transcrições se restringem aos relatos dos professores de

Ciências ou responsáveis por esse conteúdo nas escolas indicados como

informantes privilegiados para falar sobre ações voltadas à educação alimentar e

nutricional desenvolvidas na escola.

Os resultados daquela pesquisa sinalizam para abordagens pedagógicas

utilizadas pelos professores de Ciências de modo a incluir educação alimentar e

nutricional em práticas escolares. Os professores de Ciências entrevistados

relacionaram alimentação à sua disciplina, descrevendo alguma atividade

pedagógica que vai para além do currículo formal, nas quais foram identificados três

temas principais: cozinha e culinária, saúde do corpo e hortas (RANGEL et al.,

2014).

A.1 Fragmentando os textos e constituindo Unidades de análise a partir

da identificação de elementos de significado.

A fim de identificar as regiões do Brasil nas quais foram feitas as entrevistas,

serão acrescentadas aos códigos já definidos as siglas referentes às respectivas

regiões.

Unidades de Análise do documento A referentes à região Sul = UA. A.S

Unidades de Análise do documento A referentes à região Sudeste = UA. A. SE

Unidades de Análise do documento A referentes à região Nordeste = UA. A. NE

Unidades de Análise do documento A referentes à região Norte = UA. A.N

Unidades de Análise do documento A referentes à região Centro-Oeste = UA. A.

CO

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137

A partir da leitura intensiva dos textos foram organizados grupos de Unidades

de Análise com suas respectivas subunidades compostas por alguns fragmentos

que trazem significados para os objetivos da pesquisa. Estes constituíram uma

matriz para a análise dos outros materiais que compõem o corpus, nos quais novos

sentidos foram identificados, promovendo acréscimos de Unidades e/ou

subunidades. As unidades foram paulatinamente agrupadas e receberam títulos e

subtítulos que buscam expressar seu significado para os objetivos da pesquisa.

O movimento de classificação e denominação do conjunto de Unidades de

Análise e subunidades se deu com idas e vindas para agrupamentos e

reagrupamentos à medida que novas unidades de significado foram sendo

identificadas nos textos subsequentes e percebidas suas similaridades ou

diferenças.

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas

I.a Modelo de agricultura

UA.A.CO [...] é mostrar pros meninos que a alimentação variada ela vem de

uma produção sustentável, da produção sustentável e por ser sustentável vai

garantir uma alimentação de qualidade, variedade também. [...] nós ingerimos uma

quantidade muito grande de agrotóxicos nas verduras, né? [...] com esse trabalho de

horta orgânica nós combatemos praga com vegetação diferenciada...

I.b Ecologia de saberes...

UA.A.SE [...] porque eu acho que elas (as merendeiras) têm muito a ensinar

pra gente sobre os alimentos..[...]

I.c Aprendizado do gosto

UA.A.SE[...] igual do Ajinomoto trabalha na estimulação da língua pra produzir

salivação e você ter a FALSA sensação de SABOR, e que a gente tá perdendo o

sabor, pelas coisas da terra, as coisas naturais [...] Então, isso tudo foi trabalhado

em sala.

[...] a partir do momento que ele pegou aquela folha de hortelã, botou na boca e

relacionou que aquilo ali é o sabor do freegells, nunca mais ele vai olhar o freegells

com a mesma, com o mesmo olho [...]

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I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar

UA.A.N [...] nessa questão de transformar a agricultura em disciplina, não dá

mais, não dá mais pra fazer isso [...] E com essa vontade de você, de tá toda a

escola integrada nesse mesmo projeto[...]

II Possibilidades de reforço de elementos hegemônicos

II.a Visão utilitarista da natureza

UA.A.SE[...] “oh, a hortelã é uma erva que serve para...” (grifo nosso)

II.b Dicotomia bom x ruim

UA.A.SE[...] já tô formando a personalidade dele, eu já tô definindo tipo assim

“oh isso é bom pra você, isso é ruim, o que que você escolhe?”

II.c Visão mágica da ciência

UA.A.SE[...] eles fizeram um EXPERIMENTO, FANTASTICO. [...] esperamos

trinta dias pra decompor e depois aquilo virou terra [...] (ênfase dada pela

professora)

II.d Visão restrita sobre a agricultura

UA.A.S- A professora de Ciências lamenta não ter horta na escola devido à

falta de espaço.

III Objetivos da atividade

III.a Ensinar técnicas de plantio

UA.A.N [...] era uma vantagem porque a escola, ela ficava em uma

comunidade agrícola, olha só, puxa vida é, tudo era propício porque as crianças já

trabalhavam [...]

III.b Para usar na alimentação escolar

UA. A.N [...] sempre foi pra merenda. [...]

III.c Ensinar a alimentar-se

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UA.A.CO [...] ela vai aprender desde cedo que alimentar-se bem é alimentar-se

variadamente.

III.d Fazer trabalho integrado e contínuo sobre alimentação e meio

ambiente

UA.A.N [...] porque quando você trabalha essa questão da alimentação

saudável e aí vem carregado uma série de questões ali, principalmente em relação à

questão do meio ambiente, porque tá relacionado [...], principalmente nas escolas

em que você tem as, as crianças das séries iniciais, [...] ela vai passar oito anos

nessa escola [...] se for um trabalho sério e responsável, um trabalho sedimentado...

III.e Suprir necessidades específicas de escolares especiais

UA.A.SE[...] é a sensibilização do aluno especial, o meu aluno cadeirante [...] a

horta traz pra eles uma oportunidade de aprendizado, entendeu?

III.f Incluir o estímulo multissensorial para o aprendizado cognitivo

UA.A.SE[...]eu acho que, que a terra e o alimento, né?. Ele tem um, um monte,

milhares de, de estímulos que pode proporcionar ao aluno conhecimento [...] são os

instintos... da degustação, o instinto da audição, né? Das sensações, é... em que

envolve, como Maturana* mesmo fala, o conhecimento, né?

*Humberto Maturana - é um neurobiólogo chileno, crítico do realismo matemático e criador da teoria da autopoiese e da biologia do conhecer, junto a Francisco Varela. Faz parte dos propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.

III.g Ensinar o conteúdo de Ciências

UA.A.SE[...] E aí eu tinha já o conteúdo previsto que eu já sabia que, o último

capítulo do livro já ia tratar germinação...

III Desenvolvimento da atividade

IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para o condutor da

atividade

UA.A.N [...] uma pessoa que ela vai ter que lidar com crianças, né? Além de

lidar com a terra ela tem que tá sabendo socializar aquele conhecimento que ela

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tem. É dessa forma, mas não era isso que acontecia, as crianças simplesmente

vinham pra cá, capinavam, plantavam, não dava certo [...]

UA.A.N [...] Duas coisas que ele pensou, ele era professor de Ciências [...]

UA.A.SE [...] Eu tenho uma grande vivência na terra, eu sou de família de

agricultores no interior. Então, eu sei lidar...

IV.b Forma de participação dos estudantes

UA.A.CO [...] eles ajudam, por exemplo, a produzir as bandejas...

UA.A.N [...] os professores geralmente escolhiam alguns alunos, não era a

turma.

IV.c Material utilizado

UA.A.N [...] a gente comprou enxada, pá, regador, sementes... Nós compramos

cinco sacas de adubo...

IV.d Segurança e adaptações do espaço físico

UA.A.CO [...] mas teve um acidente, uma criança caiu no córrego... Isso gerou

um problema pra mim [...] desse dia em diante, então, eu resolvi não arriscar.

UA.A.SE [...] fazer a inclusão do aluno cadeirante, do aluno cego, do aluno

surdo..

IV.e Dificuldades e formas de superação

UA.A.SE [...] pegam os meus instrumentos de trabalho, que tá escrito “projeto

horta,” né? Dentro da caixinha, pegam pra usar lá no trabalho deles, quebram e

deixam lá atrás [...]

UA.A.N [...] Não, não tem e não tem nenhuma pessoa pra gerenciar. [...] é

trabalhoso [...]

UA.A.N [...] por conta da carga horária, esse negócio todo, muitas turmas [...]

UA.A.SE EU tive que me adaptar a trabalhar com alunos menores[...] o

CURRICULO é diferente...

UA.A.SE A professora relata que, por falta de condições de preparar os

produtos da horta na escola, os prepara em casa e os leva para os alunos.

UA.A.SE [...] tem as regras da empresa que não pode sair da cozinha [...]

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UA.A.SE [...] tivemos que tirar a grama, que tava plantada, né? Aos

pedacinhos, com as crianças, cavar em volta [...] eu trouxe um regador de casa, [...]

teve um pai que trabalhava na prefeitura como... um serviço de jardinagem, foi que

trouxe umas, uma significativa ajuda [...] ele trouxe mesmo, adubo orgânico, trouxe

vários sacos, né? De adubo, de terra, adubo orgânico, doou ainda uma, uma

enxadinha, uma pazinha, e tal e é com isso que a gente trabalha até hoje.

4.2.1.2 Material B: experiências brasileiras com hortas escolares no contexto do

Prêmio gestor eficiente da merenda escola

As informações a seguir foram extraídas de 91 formulários, com descrição de

experiências brasileiras com hortas escolares e/ou municipais relacionadas a

escolas presentes entre os municípios, os quais foram selecionados no contexto do

Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, além da

publicação correspondente intitulada Boletim de Desempenho, que foi elaborada a

partir dos dados fornecidos pelas prefeituras inscritas. Os dados são referentes a

ações desenvolvidas no período de janeiro a dezembro de 2011.

A premiação, promovida pela ONG Ação Fome Zero (2012), visa a identificar e

dar visibilidade às prefeituras que desenvolvem práticas criativas e inovadoras e

disseminar as experiências bem-sucedidas na gestão do Programa Nacional de

Alimentação Escolar - PNAE. A Organização Não Governamental Ação Fome Zero

atua no desenvolvimento de projetos de apoio a políticas públicas ligadas à

segurança alimentar e nutricional. A referida premiação faz parte do projeto intitulado

Gestão Eficiente da Merenda Escolar e destaca as prefeituras que realizam gestões

criativas e inovadoras, mas, sobretudo, eficientes do Programa Nacional de

Alimentação Escolar.

O material principal usado nessa análise e fornecido pela instituição é

composto por documentos (formulários descritivos) preenchidos por representantes

dos municípios participantes. Não ignoramos as críticas e polêmicas de que são alvo

muitas Organizações Não Governamentais. Admitimos, assim, a possibilidade de

questionamentos sobre a ONG em pauta. No entanto, não encontramos nenhuma

informação que desabonasse a mesma. De forma que os aspectos que envolvem o

processo de premiação não parecem interferir no alvo da investigação. Ainda assim,

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foram analisados textos de autoria da equipe da ONG para melhor compreensão dos

processos da premiação.

O Boletim de Desempenho 2012 (FOME ZERO, 2012) descreve os processos

para a realização da premiação e traz informações que contextualizam os

formulários a serem analisados posteriormente e que expressam algumas

concepções dos idealizadores da premiação.

A seleção e a premiação dos municípios são feitas a partir de indicadores

baseados na aplicação de recursos orçamentários provenientes do PNAE e da

própria prefeitura, na qualidade nutricional da merenda oferecida, na participação

dos Conselhos de Alimentação Escolar e em iniciativas da administração pública

que resultem na promoção do desenvolvimento local.

Em 2012, 929 prefeituras de todo o Brasil inscreveram-se para a premiação, o

que representa 16,7% dos municípios brasileiros. Dentre elas, 577 foram efetivadas

e passaram por um processo de avaliação regionalizado que incluiu etapas

quantitativas e qualitativas. 107 destes municípios foram mais bem avaliados e

analisados pela Comissão Julgadora, e 45 foram categorizados como finalistas e

receberam visitas técnicas. Após a análise dos relatórios elaborados a partir das

visitas técnicas, 29 prefeituras foram contempladas com o Prêmio (FOME ZERO,

2012).

Ao compararmos a presença de hortas ao longo dos anos, observamos um

crescimento da mesma no concurso. Entre os inscritos em 2004, as hortas estavam

presentes em 25,4% do total de escolas e, no caso dos inscritos em 2005, em

29,6%. As hortas são mencionadas como empreendimento criativo e com impacto

positivo no sistema de alimentação escolar (BELIK e CHAIM, 2009). O aumento

progressivo das hortas no país é reforçado no Boletim/2012 que informa a sua

existência em 61,0% num universo de 568 inscrições (E não nos 577 efetivamente

inscritos!). É importante lembrar que nos dados do INEP (de 1994!) esse percentual

foi de apenas 4,0 %.

O conteúdo do Boletim com informações sobre a premiação da AFZ e das

experiências relatadas reflete, além dos dados fornecidos pelos municípios e

aferidos in loco pela equipe de avaliação da premiação, o entendimento que a

mesma tem sobre a temática.

A premiação declara atenção ao constante na resolução CD/FNDE nº 38,

considera as hortas escolares, assim como a inserção do tema alimentação

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saudável no currículo escolar, formação da comunidade escolar e realização de

oficinas culinárias experimentais com os alunos como estratégias de educação

alimentar e nutricional (FOME ZERO, 2012, p.10). No entanto, para a equipe

responsável pelo prêmio parece pairar uma visão restrita sobre a agricultura, sendo

importante salientar que o Boletim analisado é ilustrado com fotografia e legenda de

duas das experiências com hortas escolares. Uma, no ensino fundamental, exibe

uma horta hidropônica, o que pode reafirmar uma visão afinada com a valorização

de uma modalidade mais artificializada de agricultura e, portanto, fugindo do

conceito de alimento saudável aqui defendido.

Foram disponibilizados, pela instituição organizadora da premiação, 91

formulários inseridos naquele grupo de municípios inscritos, nos quais as hortas são

mencionadas e referem-se ao critério Eficiência e Educação Alimentar e Nutricional

e que abrange ações que contribuem para a qualidade do cardápio, a saúde do

alunado e a difusão de hábitos alimentares saudáveis.

Fragmentos de 91 formulários- Formulário de Projeto/ação

As Unidades de análise aqui destacadas baseiam-se em documentos

digitalizados denominados Formulários de Projeto/ação, fornecidos pela ONG, ao

final dos quais poderiam ser adicionadas fotografias com legendas. Esses

formulários foram preenchidos por representantes dos municípios participantes

referentes às ações desenvolvidas ao longo do ano de 2011. A autorização da

utilização do material para fins de pesquisa e divulgação está prevista no item 6.

Sobre a Divulgação do Regulamento da Premiação.

No contato com a ONG Ação Fome Zero manifestamos o interesse pelas ações

em educação alimentar e de modo incidental o interesse pelo tema hortas. No dia

marcado para a coleta de dados, já foram encontrados separados na forma

digitalizada 91 formulários que mencionavam as hortas. Há formulários que se

referem somente a uma única experiência e outros a um conjunto de experiências

desenvolvidas no município.

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Projeto:

Secretaria municipal de:

Nome:

Telefone:

E-mail:

1. Qual o objetivo deste projeto, como surgiu a ideia de realizá-lo?

2. Quando o projeto começou? Ele ainda está em execução?

3. Onde ele é realizado e quais os beneficiários?

Tema:

Estado:

Região:

Subtema:

Município:

Status de Aprovação:

4. Quais pessoas/setores envolveram-se no planejamento e na execução deste projeto?

5. Houve parceria para sua realização? Quais?

6. Descreva como ele foi executado:

7. Quais os resultados alcançados?

8. Quais as dificuldades para a implantação do projeto?

Figura 5: Modelo do Formulário de Projeto/ação preenchidos por representantes dos municípios

participantes do Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012.

Os textos foram decompostos a partir da identificação de elementos de

significado e passaram a constituir Unidades de análise. As denominações para

essas unidades são, em princípio, as mesmas utilizadas na decomposição do

material anterior - UA - com acréscimo em função da identificação de novas

unidades de significado. Assim como há situações em que não foram identificadas

unidades de significados que se enquadrem em todas as classificações efetuadas

no material A, nesse caso essas serão omitidas.

Para a codificação, devido ao grande volume de formulários, optou-se por

numerá-los de 1 a 91 e usar a letra F antecedendo a numeração. Serão

apresentadas as unidades de significado identificadas nas respostas dadas aos

formulários entremeadas por comentários específicos, textos e quadros produzidos a

partir das análises comparativas dos mesmos.

Como já mencionado, a avaliação com vistas à premiação é feita de forma

regionalizada. Os resultados divulgados pelo Boletim 2012 informam que em 2011,

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em um universo de 568 municípios inscritos, 61,0% declararam ter hortas escolares

e/ou municipais. A leitura dos formulários disponibilizados permitiu identificar a

distribuição de hortas por regiões e estados.

Quadro 3: Distribuição de hortas por regiões do país, entre os inscritos para o Prêmio gestor

eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, nos 91 formulários disponibilizados.

Regiões

Inscrições

em 2012

Com

hortas

Hortas por estado

Est

Premiados no item

Eficiência e

Educ. Alim. Nutric.

Total de

formulários

SUL

185

65%

Santa Catarina-16

Rio Grande do Sul- 7

Paraná- 8

31

SUDESTE

225

62%

São Paulo- 14

Minas Gerais- 10

Rio de Janeiro- 2

Espírito Santo -2

28

NORDESTE

95

53%

Paraíba- 5

Bahia- 4

Ceará- 4

Pernambuco- 2

Sergipe- 1

Rio Grande do

Norte- 1

Formulário 29(CE)

17

NORTE

26

58%

Pará- 5

Acre- 1

Rondônia – 1

Tocantins- 1

Amazonas- 1

Formulário 8 (PA)

09

CENTRO-

OESTE

46

63%

Mato Grosso- 3

Goiás- 2

Mato Grosso do Sul-

1

Formulário 69 (GO)

06

TOTAL 577 61% 91 3

Entre os oito municípios premiados no critério Eficiência e Educação Alimentar

e Nutricional, no qual as hortas são consideradas, foram encontrados três

formulários (F. 8, 29 e 69) com relatos de hortas. Vale lembrar que foram

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disponibilizados 91 formulários com relatos de hortas e não o acesso à totalidade do

material do banco de dados da premiação, não sendo possível verificar a adequação

da seleção realizada.

Para uma aproximação dos critérios adotados pela equipe de avaliação das

experiências desenvolvidas nos municípios, optamos por iniciar com a unitarização

dos formulários enviados pelos três municípios premiados no item Educação

Alimentar e Nutricional e que possuem horta.

II Possibilidade de reforço de elementos hegemônicos

O Formulário 29 apresenta seu projeto intitulado Horta hidropônica e traz

como objetivo a necessidade de contribuir com uma alimentação mais saudável no

cardápio da merenda escolar, e mudança cultural nos hábitos alimentares. O

alimento produzido é distribuído para diversas unidades de ensino. E complementa:

Um técnico de hidroponia social apresentou o projeto ao prefeito e à secretária de

educação, que de imediato reconheceram a excelência da iniciativa. Aqui também

a participação da comunidade escolar na elaboração da horta parece restrita: 1

coordenador pedagógico, 1 técnico em agropecuária, 1 assistente de produção e 1

assessor pedagógico. É mencionada uma reunião com o núcleo gestor e

professores da escola e a seleção de equipes de estudantes para acompanhar,

interagir e aprender a manipulação dos insumos, do plantio e da manutenção da

horta. Afirma-se como resultado alcançado a mudança nos hábitos alimentares pelo

consumo total dos produtos hortaliços ofertados na merenda escolar.[grifo nosso]

III Objetivos da atividade

Dada a forma com que esses objetivos foram registrados, foi necessária a

inclusão de mais uma subunidade à Unidade de Análise III Objetivos da atividade:

III.h Múltiplos aprendizados.

III.h Múltiplos aprendizados

O Formulário 8, em seus objetivos, fala em incentivar à valorização da cultura

do homem do campo, ao manuseio do solo e às técnicas com o cultivo de hortaliças

orgânicas. A motivação principal foi o consumo das hortaliças orgânicas na merenda

escolar.

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Formulário 69 é muito sucinto e apresenta como objetivos: criar na escola uma

área verde produtiva pela qual todos se sintam responsáveis; despertar o interesse

das crianças para o cultivo de horta e conhecimento do processo de germinação; dar

oportunidade aos alunos de aprender a cultivar plantas utilizadas como alimentos;

degustação do alimento semeado, cultivado e colhido; conscientizar da importância

de estar saboreando um alimento saudável e nutritivo.

Sob a ótica dos referenciais teóricos que orientam esta investigação, não foi

possível identificar, nesses três formulários, elementos que confiram distinção das

hortas dos municípios premiados em relação aos demais na contribuição para a

Educação Alimentar e Nutricional aqui defendida. Aparentemente, a horta não teria

sido um fator determinante (ou muito relevante) para a escolha ou os critérios

adotados na avaliação podem ter valorizado procedimentos criticados nesse

trabalho. O destaque dado no Boletim à hidroponia na experiência do Formulário 29

corrobora a segunda opção. Como na maioria das experiências, fala-se em tornar a

alimentação escolar mais saudável, em mudar hábitos alimentares, em aprendizado

de técnicas de plantio e apenas o Formulário 8 menciona a produção orgânica.

Na totalidade do material, selecionamos para análise em bloco os 31

formulários com expressões que podem indicar opção ou busca por um modelo de

agricultura contra-hegemônico, acreditando que estes poderiam trazer,

coerentemente, mais aspectos relacionados à compreensão ampla da realidade e

possibilidades contra-hegemônicas.

I.a Modelo de agricultura

• 2 incluem horta orgânica no título do Projeto;

• 2 (diferentes do item anterior) incluem horta orgânica nos demais itens;

• 17 incluem a expressão orgânica(s)/orgânico(s) precedidos de termos

como alimento(s), produto(s), adubo(s), composto(s) (excluindo aqueles dos itens

anteriores);

• 08 incluem os termos sem/livre agrotóxicos (excluindo aqueles dos itens

anteriores);

• 01 inclui sem aditivos químicos (excluindo aqueles dos itens anteriores);

• Um já incluído nos itens anteriores fez referência a veneno;

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• Outro também já incluído nos itens anteriores fez referência à produção e

plantio agroecológico (F.7);

• Nenhum usou a expressão defensivo agrícola para se referir a

agrotóxicos. A palavra agrotóxico aparece em 12 dos formulários.

Entre os 31 formulários, acima, o Formulário 7 é o único no qual aparece a

expressão agroecológica e respectivas variações. Declara objetivos focados na

educação ambiental e na educação nutricional e surge a partir de um programa

voltado para a aprendizagem rural. Este foi ampliado para atender a necessidade de

trabalhar temas relacionados à educação alimentar e nutricional e, sob a orientação

do Projeto Educando com a Horta Escolar, foi estendido a escolas urbanas.

Ressalta-se a ocorrência de atividades de cunho pedagógico utilizando a horta como

"laboratório vivo" para a realização das atividades disciplinares e de pequenas

mudanças no comportamento alimentar dos alunos, consumo de alimentos

orgânicos e maior valorização das questões que envolvem o meio ambiente e a

produção agroecológica. A despeito da utilização do conceito agroecológico, não

foram encontradas outras ações diferenciadas que confirmassem a sua apropriação.

O mesmo pode ser dito em relação aos outros trinta formulários desse bloco. Há

elementos avulsos que denotam ensaios contra-hegemônicos, mas nada muito

diferente das declarações encontradas nos demais formulários, cujos indícios do

modelo de agricultura não foram explicitados, com seus respectivos sinais de

avanços mesclados a fragilidades e contradições.

Retomando a leitura dos 91 formulários como um todo, é possível observar que

muitos dos projetos ocorrem em escolas em área rural e exibem a intenção de

qualificar tecnicamente, via estudantes filhos de agricultores, a atividade agrícola. Há

algumas menções a adaptações para a escola urbana.

Muitos receberam a orientação técnica de profissionais específicos da área. Há

relatos nos quais é citada a colaboração de agricultores locais com seus

conhecimentos práticos e alguns outros fazem referência à contribuição de outros

atores sociais.

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas

I.a Modelo de agricultura

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F.72 [...]. Como a escola está inserida na zona rural e todos os alunos são

filhos de agricultores [...] possamos envolver cada pai nesse modelo de agricultura e

que assim, aprendam com os filhos que existem outras formas de obter uma renda

dentro da pequena propriedade e, além disso, que é possível fazer tudo isso

obedecendo aos critérios da sustentabilidade.

F.78 Despertar os alunos da zona rural para a importância do uso adequado da

terra para produção de alimentos orgânicos e seu consumo para garantir uma

qualidade de vida.

F.51 ESCOLA URBANA Contextualizar os conteúdos aos problemas da vida

urbana.

F.64 Dificuldades: tamanho do espaço para a criação das hortas – algumas

escolas têm feito canteiros suspensos e nos muros.

I.b Ecologia de saberes e outras ecologias

F.32 A escola contou com os moradores que cederam os terrenos e com

pessoas experientes em trabalhos com hortas, como agricultores locais e pais de

alunos.

F.38 [...] a participação efetiva do nosso zelador/ jardineiro [...], que esteve

conosco em todas as fases, e também as nossas cozinheiras [...]

F.65 [...] Muito do conhecimento vem de nossos alunos, que é a bagagem

cultural trazida de casa (vivência). Então, trabalhar este assunto é fácil.

I.c Aprendizado do gosto

F.5 [...] mandioca, que já é da cultura deles e passou a fazer parte diariamente

do cardápio da merenda.

F.88 [...] além de consumirem na escola o que plantaram ou cuidaram: couve,

alface, mostarda, cheiro verde, tomate, jiló, quiabo, mandioca, pimentão, cará,

berinjela, chuchu e frutas como romã, manga, pitanga, amora, graviola, limão e

banana.

I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar

F.51 [...] pode ser um verdadeiro laboratório ao ar livre para as aulas de

Geografia, Ciências e Matemática.

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F.84 [...] além de trabalhar conteúdos como ciências, higiene e educação

ambiental.

F.11 [...] As ações interdisciplinares, com incentivo a manuseio da horta,

trabalhos de campo, foram pouco realizadas.

F.23 O maior desafio é realizar a interdisciplinaridade, utilizando a horta, com

todos os educadores que fazem parte do projeto.

F.26 [...] A horta foi devidamente explorada, consolidando os trabalhos

pedagógicos, numa atitude interdisciplinar.

F.40 Planejamento através de sequências didáticas e com estrutura

interdisciplinar.

F.50 O objetivo é trabalhar a questão da alimentação de forma interdisciplinar.

F.85 Com o decorrer do projeto observou-se: maior integração do corpo

docente com atividades interdisciplinares.

F.68 [...] funciona como laboratório para estudos e pesquisas nas diferentes

áreas do conhecimento no Ensino Fundamental e Médio.

F.31 Articular e desenvolver a educação ambiental, educação alimentar e as

diversas áreas do conhecimento de forma inter e transdisciplinar [...].

F.72 É trabalhar na prática os conteúdos de forma transversal no currículo

escolar.

F.73 A questão ambiental está relacionada à proteção do meio ambiente, que

faz parte das reflexões que envolvem este projeto e se trata de um tema transversal

[...]

F.90 [...] proporcionando algo que garanta o que é exigido nos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCNs, trabalhar um dos temas transversais: Meio

Ambiente.

III Objetivos da atividade

Entre os 91 formulários, nos itens referentes aos objetivos, é frequente a

relação da produção da horta com a alimentação escolar estar vinculada à

percepção de que há carências nesta e indica-se, assim, necessidades de

complementar, melhorar a qualidade, enriquecer, utilizar, suprir necessidade,

reforçar, ter maior variedade, tornar mais saudável ou o desejo de incluir alimentos,

de diversificação, de consumir orgânicos, de incrementar a alimentação escolar.

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III.b Para usar na alimentação escolar

F.26 [...] tendo como premissa básica reforçar e enriquecer a merenda escolar

[...].

F.37 Melhora na qualidade da merenda escolar, enriquecendo o aporte

nutricional.

F.42 Melhorar a variedade dos gêneros alimentícios ofertados na merenda

escolar.

F.54 O projeto surgiu com o intuito de melhorar a qualidade de merenda, já

que a Aldeia se localiza a 70 km de estrada não pavimentada, ou seja, de chão.

Não era possível enviar verduras, pois as mesmas já chegavam com má qualidade.

F.68 Maior variedade no cardápio da merenda escolar; Redução de gastos na

compra da merenda escolar, podendo investir na compra de outros itens para

complementar a merenda [...].

A mudança de hábito alimentar aparece como objetivo, entretanto, também

consta no item sobre dificuldades encontradas (pergunta n.8. Quais as dificuldades

para a implantação do projeto?) juntamente com outras dificuldades.

III.c Ensinar a alimentar-se melhor

F.4 [...] incentivar os alunos a consumirem verduras e legumes – para tanto usamos

como ferramenta as hortas – estimulando os alunos ao cultivo da terra e ao

consumo do que é produzido.

F.5 [...] a horta escolar entraria como uma estratégia de incentivar as crianças a

consumir esse alimento.

Alguns poucos formulários se reportam à disciplina ou ao professor de Ciências

ou a outra disciplina específica. Ao contrário, muitos proclamam abordagens

interdisciplinares e até transdisciplinares. Foram frequentes as referências à

Educação Ambiental e à Educação Alimentar e Educação Nutricional e, em especial,

exibindo correlações íntimas entre elas. No caso dos 91 formulários, consideramos

relevante atentar para esse aspecto por se tratar de um contexto no qual os itens

considerados para a premiação deveriam se referir à alimentação e, ainda assim, a

educação ambiental se faz presente isoladamente no título de uma das

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experiências, acompanhada de Educação alimentar e nutricional em outra e, ainda,

nos objetivos de onze dos formulários.

É recorrente, nos relatos, a conjugação de muitos objetivos a serem

alcançados.

III.h Múltiplos aprendizados

F.7 [...] alavancar mudanças comportamentais relacionadas à saúde, à

cidadania, à ética, ao trabalho e ao consumo […]

F.13 [...] Ensinar e incentivar a técnicas orgânicas [...], valorizando a

agricultura, melhorando o meio ambiente com técnicas sustentáveis, favorecendo o

aprendizado em cálculos matemáticos (área, perímetro), interação do grupo de

alunos e incentivar ainda mais à educação nutricional.

F.56 [...] promover a educação ambiental, alimentar e nutricional, utilizando a

horta como possibilidade para integrar temas fundamentais ao cotidiano dos alunos,

dos pais e da comunidade em geral.

Alguns formulários detalham a forma de participação dos estudantes,

evidenciando o empenho físico em todas as etapas da atividade. Porém, não há

referências a compras de equipamentos de segurança e para proteção individual ou

coletiva, nem adaptações de ferramentas em função das idades das crianças

envolvidas. É comum que o desenho da horta obedeça a critérios estabelecidos por

um técnico. No entanto, há situações em que houve preocupação estética, ou com a

acessibilidade, ou a aprazibilidade, a funcionalidade, e adaptações em função do

espaço disponível e da participação da comunidade escolar nesse tipo de decisão.

A falta de conhecimento técnico é apresentada como uma dificuldade muito

presente para o desenvolvimento da atividade. Por outro lado, em 33 dos formulários

é mencionado algum tipo de apoio técnico por profissionais da área agrícola,

fazendo referências a agrônomos, técnicos agrícolas, técnico em agropecuária, ou,

na maioria dos casos técnicos da EMBRAPA, da Secretaria de Agricultura, da

EMATER, da INCAPER, da EPAGRI, de ONG, voluntários e etc.

IV Desenvolvimento da atividade

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IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a

atividade

F.7 [...] a formação dos canteiros e dimensionamento dos espaços para a

realização dos cultivos orientados por um agrônomo [...].

F.86 [...] um técnico voluntário para ministrar os conteúdos teóricos e práticos

sobre o cultivo de hortas orgânicas.

De um modo geral, os relatos mostram que os estudantes se empenham

fisicamente nas atividades da horta. Há casos onde se afirma a participação efetiva

em todo o processo e, em outros, isso se dá parcialmente, sem uma justificativa. Há

situações em que as atividades foram organizadas respeitando a faixa etária.

IV.b Forma de participação dos estudantes

F.46 CRECHE As atividades ligadas ao uso do solo, tais como revolver a terra,

plantar, arrancar mato, podar, regar, não só constituem ótimo exercício físico como

representam uma forma de aprendizado saudável e criativa, tal qual o contato com

as coisas da natureza.

F.46 O desenvolvimento do projeto ocorreu por meio das ações: preparo dos

canteiros e da terra, plantio, manutenção do canteiro, rega, retirada dos matinhos,

colheita das verduras e legumes e degustação. Nosso Projeto de Horta está sendo

desenvolvido por meio das seguintes ações: • Preparo dos canteiros e da terra para

o início do plantio: retirada dos matinhos pelos alunos, afofar e misturar o adubo de

plantio, um período de 15 dias para o descanso da terra. • Início da semeadura pelos

alunos: Infantil I A: canteiro 1- semente de salsa Infantil I B: canteiro 2 - semente de

cebolinha Infantil II A: canteiro 3 - semente de cenoura Infantil II B: canteiro 4 -

semente de hortelã Infantil III A: canteiro 5 - semente de escarola Infantil III B/ IV:

canteiro 6 - semente de alface • Cada turma é responsável pela manutenção do seu

canteiro, organizando um período do dia para esse trabalho: regar, tirar os matinhos,

etc. • Contamos também com o auxílio da ADI (auxiliar de desenvolvimento infantil)

[nome da funcionária] para a manutenção diária da horta. • As demais turmas dos

Berçários e Inicial A e B participarão do projeto por meio de visitas na horta e

degustação de alimentos. • Preparo de alimentos conforme a colheita dos produtos.

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F.61 [...] os alunos, junto com os técnicos e os pais, preparavam a terra dos

canteiros para o plantio. E após era realizado o plantio, cada participante plantou

uma muda. Os próprios alunos realizam a manutenção da horta escolar.

F.72 O projeto é realizado com o auxílio das turmas do 6º ano à 8ª série, que

ajudam no preparo dos canteiros, bem como no plantio de mudas de hortaliças

produzidas na própria escola, também auxiliando na limpeza dos canteiros e

manutenção do minhocário...

F. 73 Todas as atividades envolveram os alunos da escola.

F. 83 As crianças têm a responsabilidade de ajuda na horta, regando, retirando

as ervas daninhas e também ajudando na colheita.

F.88 Ele é realizado na escola com a participação de todos os alunos, desde o

berçário até o 1º período, com alunos de 4 anos. A turma do berçário e grupo de 1

ano cultiva o tomateiro na porta das salas, pois as crianças ainda não conseguem se

locomover diariamente para a horta. As turmas de 2, 3 e 4 anos visitam diariamente

a horta, com rodízio dos alunos para a observação e cuidados necessários.

[...] uma educadora que montou um cronograma de horários com a

participação de todas as salas diariamente na horta, pomar, jardim e galinheiro. De

40 em 40 minutos 5 alunos de cada turma são convidados na sala de aula para

participarem de Projeto, de forma que durante a semana sua presença é garantida

pelo menos uma vez.

IV.c Material utilizado

F.7 [...] materiais necessários para o processo de implantação, tais como:

regadores, enxadas, garfos, colher de jardineiro, sementes e carro de mão. [...]

F.30 [...] com auxilio de um trator, a prefeitura realizando os canteiros e

iniciando o plantio, o adubo utilizado foi doado por uma mãe, adubo orgânico.

F.42 [...] A empresa em questão disponibiliza sementes, equipamentos e mão

de obra técnica especializada para a viabilização da horta em cada unidade escolar.

(A empresa, cujo nome foi aqui omitido, é uma multinacional.)

F.54 Forneceu os equipamentos, como: carrinho de mão, enxada, rastelo,

mangueira, canos e torneira para canalizar água, sementes de hortaliças, e todos os

outros materiais...

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F. 56 [canteiros] construídos a partir de garrafas pet, possibilitando economia e

o reaproveitamento de materiais.

IV.d Segurança e adaptações do espaço físico

F.14 A reestruturação do espaço deu-se com a reformulação do "layout" da

horta; (todo com garrafas pet); a parte referente ao paisagismo foi feita com

desenhos de autoria dos alunos (pré-projeto).

F.17 [...] após um planejamento, foram desenvolvidos cerca de 15 canteiros

(20m x 2m)[...]

F.33. [...] foram criadas hortas aéreas, em formato de mandalas e até como

canteiros de muros.

F.40 A horta que tínhamos era pouco utilizada pelas crianças, pois era

inadequada e não tinha acesso, sendo que as mesmas precisavam pular em cima

dos canteiros para alcançar as hortaliças.

[...] A horta está construída num espaço agradável e de fácil acesso para as

crianças.

F.51 Deve-se observar que o acesso das crianças à horta não deve oferecer

risco algum de acidentes.

IV.e Dificuldades e formas de superação

F.1 Fazer a programação de quantidade e/ou rotatividade das hortaliças nos

canteiros [...]

F.3. Houve dificuldade da criança perceber a diversidade da necessidade de

mudança de hábitos na alimentação e introduzir um cardápio saudável no dia-a-dia.

F.4 Financiamento para construção dos canteiros. Conscientização dos alunos

na mudança de hábitos alimentares – a maioria não tinha o hábito de comer

verduras e legumes – antes do projeto todas as verduras tinham que ser passadas

no liquidificador, hoje nossa escola vive outra realidade.

F.11 A manutenção da horta é a parte mais difícil de ser feita. Como não há

funcionário específico para essa atividade, normalmente se distribui entre vigias,

serventes, auxiliares de limpeza, etc. No inverno rigoroso (período chuvoso), as

hortas declinam sua produção devido às chuvas intermitentes. A limpeza dos

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canteiros sempre acarreta meias discussões a respeito de quem vai fazê-la. Para

2012, estamos implementando um plano de ação para estimular e motivar os

profissionais a realizar a manutenção das hortas, sejam professores, alunos, vigias,

merendeiras, etc.

F.58 Escassa mão-de-obra para a construção dos canteiros e transporte para

insumos [...].

F.74 Garantir a participação efetiva de todos os alunos; mudança dos maus

hábitos alimentares.

F.77 A falta de conhecimento técnico foi a maior dificuldade. Assim como o

planejamento de como trabalhar a horta de forma interdisciplinar em sala de aula a

longo prazo.

F.89 [...] encontrar um profissional com perfil para trabalhar com Horta Escolar

e as etapas de limpeza e preparação do terreno a ser cultivado.

IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes)

F.8 Em relação aos participantes menciona somente 1 técnico agrícola, 24

professores, e 420 alunos da escola. Não faz referência aos pais nem aos demais

membros da comunidade.

F.63 [...] existe o voluntário que cuida diariamente da horta.

F.69 Menciona como envolvidos [...] Os alunos, professores, merendeiras,

coordenadora pedagógica, da coordenadora merenda e hortelão.

F.72 [...] possamos envolver cada pai nesse modelo de agricultura e que assim,

aprendam com os filhos que existem outras formas de obter uma renda dentro da

pequena propriedade...

F.79 [...] a escola conta com um funcionário que cuida regularmente dos

afazeres da horta e outros serviços.

Os pretensos objetivos com a horta encontram correspondência com os

resultados alcançados relatados nas respostas à pergunta n.7 do formulário (Quais

os resultados alcançados?), desde os mais diretos, como o aprendizado de

técnicas de cultivo e o envolvimento da comunidade escolar, até aqueles indiretos

e/ou mais difusos e de difícil mensuração, como a melhoria da aprendizagem em

geral e, especialmente, a conscientização e a mudança nos hábitos alimentares. O

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objetivo da horta para a complementaridade qualitativa e/ou quantitativa do PNAE se

efetiva em muitos casos de acordo com o descrito. O mesmo pode ser dito sobre a

possibilidade da horta: estimular o consumo, incentivar, promover maior aceitação,

vir a ter maior adesão em relação à merenda escolar, indicando que aqueles são

passíveis de alcance.

Assim se fez a inclusão de mais uma Unidade de Análise e suas subunidades.

V Resultados alcançados

V.a Inserção de alimentos na alimentação escolar

F.1 Hoje as hortas abastecem em torno de 50% da demanda das escolas [...]

F.86 Produção de hortaliças orgânicas para complementação da merenda

escolar [...]

V.b Aumento da aceitação/ consumo de verduras e legumes na escola

F.1 [...] a principal mudança foi na aceitação e no consumo de verduras pelas

crianças especialmente de 0 a 6.

F.7 […] aumento do consumo de hortaliças no dia a dia, embora ainda haja

uma certa resistência ao consumo de verduras.

[...] pequenas mudanças no comportamento alimentar dos alunos.

F.13 [...] aumentaram o consumo de alimentos produzidos por eles mesmos

com técnicas orgânicas.

F.27 Aumento da adesão, redução das sobras, mudança de hábitos, inclusão

de novos alimentos e educação alimentar.

F.29 [...] várias mudanças ocorreram, sendo a principal a mudança nos hábitos

alimentares pelo consumo total dos produtos hortaliços ofertados na merenda

escolar.

F.81 O consumo de verduras e legumes aumentou significativamente. O

desperdício destes diminuiu cerca de 80% comparado com o ano de 2010.

F.86 [...] aumento no consumo de hortaliças entre as crianças que participaram

ativamente no cultivo das hortas em suas escolas.

V.c Melhoria na aprendizagem em geral

F. 41 [...] melhoria na aprendizagem [...]

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V.d Integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o

entorno

F.2 Maior integração escola e comunidade, melhoria no nível de socialização

das crianças.

F.77 [...] trouxe como principais benefícios a maior integração dos alunos com

a aceitação dos alimentos plantados, maior participação em sala de aula; sentimento

de inclusão...

F.86 [...] interação entre a comunidade escolar e voluntários [...]

V.e Conscientização

F.4 Conscientização sobre a importância das vitaminas na alimentação [...].

F.45 A conscientização da importância e do valor nutricional dos alimentos

produzidos sem agrotóxicos, a produção de hortaliças para a merenda escolar e a

valorização de amor pela terra.

F.52 [...] maior conscientização dos alunos em consumir alimentos saudáveis...

F.85 [...] Conscientização sobre uma alimentação saudável.

V.f Aquisição de conhecimentos técnicos sobre agricultura

F.13 [...] Aprenderam que resto de alimento, folhas, podem virar composto

(adubo), acompanharam neste período a mudança, melhoria na terra [...].

F.87 [...] para que os alunos possam executar as novas técnicas de plantio em

suas próprias lavouras.

V.g Formas de avaliação

F.7 […] conforme relatos de merendeiras, professores e diretores, contribuiu

com mudanças significativas no comportamento alimentar dos alunos [...]

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4.2.1.3 Material C: registros referentes ao projeto Horta escolar urbana: espaço para

a construção de práticas educativas inovadoras para a educação em ciências e

saúde.

Os registros são relativos à intervenção com horta ecológica em escola pública

no Rio de Janeiro com o projeto Horta Escolar Urbana: Espaço para a Construção

de Práticas Educativas Inovadoras para a Educação em Ciências e Saúde / Edital

FAPERJ de Apoio à Melhoria do Ensino em Escolas da Rede Pública Sediadas no

Estado do Rio de Janeiro-2011/Observatório da

Educação/CAPES/INEP/NUTES/UFRJ, cujo o objetivo foi a estruturação físico-

pedagógica da horta.

O projeto foi esboçado a partir de vários elementos reunidos em pesquisas e

ações desenvolvidas pela equipe do Observatório da Educação, do qual faço parte

e, especialmente, em minha experiência pessoal com hortas escolares e em

investigação etnográfica realizada durante o mestrado sobre o tema e seus

respectivos desdobramentos em eventos diversos na forma de exposições orais

seguidas de debates, troca de experiências e oficinas oferecidas para membros da

comunidade escolar.

Ao longo dos anos de minha atividade docente, no ensino fundamental,

trabalhei com hortas em diferentes situações. O mestrado proporcionou o

aprofundamento teórico. Houve a intenção de que o projeto se configurasse em

oportunidade de prática reflexiva, um exercício coletivo de práxis: ação-reflexão-

ação. O fato da equipe do Observatório ser multidisciplinar4 foi fundamental para o

processo, trazendo vários olhares, sob diferentes ângulos, para a questão.

A ação se insere em Projeto amplo denominado Mapeamento e delimitação da

alimentação escolar no Brasil: conhecendo e discutindo oportunidades no campo da

educação alimentar e nutricional, aprovado pelo parecer n.69/2011, processo

n.72/2010 do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde

Coletiva, com a anuência da Secretaria Municipal de Educação e dos gestores da

unidade de Ensino.

4 Entre os estudantes de Iniciação Científica, mestrandos, doutorandos e colaboradores nos projetos temos

tido membros oriundos de diferentes áreas de conhecimento como Educação, Sociologia, Biologia, Veterinária, Artes, Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Gastronomia e Comunicação.

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As atividades ocorreram ao longo do ano de 2012, planejadas sob coordenação

da equipe multidisciplinar idealizadora do projeto, atingindo de forma direta 150

estudantes do ensino fundamental e infantil, 50 pais destes, 10 professores, a

diretora adjunta, a coordenadora pedagógica, 6 funcionários e, indiretamente, 350

estudantes e demais membros da comunidade escolar.

Na fase preparatória aconteceram reuniões com gestores da escola para a

definição de estratégias de ação e, também, oficinas para professores e demais

funcionários – com ênfase naqueles responsáveis pela confecção da alimentação

escolar – para a apresentação, sensibilização e convite à participação. A dinâmica

consistiu em exposição temática com a utilização de recursos tecnológicos audiovisuais,

elementos multissensoriais relacionados à horta e a alimentação escolar e plantio de

temperos. Houve estímulo à autoapresentação com relato das experiências pessoais,

das expectativas e das percepções sobre a relação horta-escola-alimentação e as

possibilidades de participação na atividade. Ocorreu, aproveitando a reunião do

calendário escolar, apresentação da proposta para os pais. Foram colhidas impressões

e propostas para que as ações estivessem de acordo com a dinâmica da escola. Houve

consenso de que a atividade seria oferecida no contraturno da maioria das turmas,

quando já ocorriam outras atividades extracurriculares e de que os estudantes seriam

informados e, voluntariamente, inscritos pela diretora adjunta.

Participaram regularmente das atividades e dos encontros semanais para

planejamento, execução e avaliação das ações: três estudantes do Ensino Médio, ex-

alunos da escola, sendo dois bolsistas e um voluntário; cerca de 15 escolares de

idades/sexos/turmas diversos que se inscreveram espontaneamente para participar da

atividade no contraturno; a diretora adjunta; a coordenadora pedagógica e duas

agrônomas do Horto Universitário, que prestaram apoio técnico. Havia três membros do

Observatório responsáveis diretos pela aplicação do projeto, sendo um Sociólogo e

agricultor orgânico, uma Licenciada em Biologia e mestranda em Educação em

Ciências e Saúde, além de mim, professora de Ciências da rede pública e doutoranda

em Educação em Ciências e Saúde, com as funções de ministrar as oficinas, coordenar

as ações e buscar agir de forma igualitária no planejamento e nas práticas de plantio,

cuidados, colheita e culinária. Além dos citados, devido ao interesse da escola em

oferecer uma opção diferenciada, no turno regular, às turmas do projeto de aceleração

(escolares com defasagem idade-série e/ou dificuldades de aprendizado), foram

integrados à horta, com atividades semanais, estudantes oriundos de duas turmas,

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cada qual com 25 estudantes e seus respectivos dois professores. Ocorreram, ainda,

algumas ações menos regulares e em horários alternativos a fim de atender outras

turmas.

Foram usados recursos auxiliares como vídeos, fotografias, livros, jogos e visita à

unidade de pesquisa agroecológica. Muitas ações tiveram desdobramentos conduzidos

pelos estudantes em seus lares e outras foram elaboradas considerando os saberes

trazidos desses espaços.

Ao final de cada ação, os três responsáveis pela aplicação do projeto redigiam

relatórios que eram trocados por meio eletrônico e submetidos aos demais adultos da

equipe permanente para complementações e ajustes, resultando em um relatório

amplo.

Trata-se de uma experiência emblemática para os objetivos da pesquisa por ter

sido concebida a partir da análise de ações pretéritas, da assunção do esforço

contra-hegemônico e da aproximação dos referenciais teóricos que embasam a

presente investigação. Houve a intenção de desenvolver uma estrutura que

propiciasse a implantação e manutenção da horta escolar para o desenvolvimento,

experimentação, avaliação e reformulação de práticas educativas que

perpassassem a mesma.

As ações foram orientadas pelo enfoque CTS (AULER e BAZZO, 2001) e pelas

críticas feitas ao processo que culminou com o modelo agroalimentar instalado no

Brasil e pelas proposições de modos alternativos de produção apoiados nos

conhecimentos construídos historicamente pelos camponeses em sua relação

próxima com seu entorno (MOREIRA, 2000). Desse modo, a horta foi concebida

para o espaço escolar urbano como ação pedagógica potencialmente capaz de

contribuir para ampliar a compreensão das produções e intervenções tecnológicas

no ambiente e de suas respectivas consequências, alicerçando a postura

questionadora desejável em professores e em escolares nas aulas orientadas pelos

objetivos CTS. Reconhecem-se as especificidades da agricultura brasileira ao serem

consideradas situações históricas que resultam em sentimentos diversos e, por

vezes, conflituosos em relação à sua prática, resultando no entendimento de que a

agricultura pode ser um instrumento pedagógico que permite refletir também sobre

as dimensões que envolvem afinidades e rejeições pelo seu exercício (SILVA et al.,

2011).

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Algumas ambições iniciais da equipe não foram alcançadas, como o

envolvimento mais amplo e intenso dos atores sociais que compõem a comunidade

escolar. Embora tenham sido realizadas oficinas, com boa aceitação, com todos os

professores, com os funcionários de apoio (com ênfase naqueles que preparam a

alimentação escolar) e com os pais dos estudantes, somente alguns desses atores

estiveram envolvidos nas ações subsequentes.

A leitura do projeto demonstra que não havia determinação prévia dos

pormenores das ações, estas foram sendo construídas pautadas nos pressupostos

ideológicos, nos objetivos gerais e específicos correspondentes e adaptadas em

função da realidade que foi se apresentando pela estrutura escolar e nas relações

estabelecidas nesse espaço cotidianamente. Assim, as unidades de análise exibem

elementos diferenciados que contribuem para a identificação e reflexão do ausente

nos relatos anteriores (e que representam características das experiências em curso

no Brasil), para a evidência de seus equívocos, bem como para seus avanços e

potencialidades.

Compõem o corpus da investigação: 21 relatórios digitalizados referentes a

diferentes dias de realização de atividades na horta escolar e 19 e-mails trocados entre

membros da equipe para tratar de assuntos referentes à horta. Os documentos foram

lidos e desmontados visando ao estabelecimento de Unidades de Análise que foram

codificadas como UA. C.

Fragmentando os relatórios e constituindo Unidades de análise a partir da

identificação de elementos de significado.

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas

I.a Modelo de agricultura

UA.C Recebemos a visita do Agrônomo [...] (EMBRAPA Agrobiologia-

Fazendinha Agroecológica) [...] Sua presença foi importante, não só no

planejamento da construção efetiva da horta, como para sugestões e troca de

experiências relativas a técnicas agroecológicas.

UA.C Usamos o vídeo “fome no Brasil” [...] O cerne do vídeo é que a

desigualdade entre os homens gera fome [...] Falei da produção para exportação-

fome [...].

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[...] Apresentei o conceito de monocultura e policultura; agronegócio e

agricultura familiar; até chegar à agroecologia.

I.b Ecologia de saberes, outras ecologias

UA.C [...] Retomamos a questão da jurubeba e o desconhecimento de seu uso

culinário, associando, também, às mudas de ora-pro-nóbis e capuchinha, trazidas

por [membro da equipe] [...]. Outras foram mencionadas: caruru, beldroega, bertalha.

[uma estudante] conhecia a ora-pro-nóbis; [outro estudante] a bertalha. Os

estudantes ficaram com a tarefa de entrevistar pessoas da família sobre plantas

comestíveis pouco conhecidas, não vendidas nos mercados. Optamos por não

chamá-las de “não convencionais” como é usado na literatura clássica agronômica.

UA.C [...] três alunos conheciam e mencionaram estados do Nordeste onde

teriam tido a oportunidade de ver plantações. Indaguei sobre como imaginavam um

pé de feijão adulto e produzindo feijão. A maioria falou em pequenas árvores o que

causou um olhar de “cumplicidade” e “superioridade” por parte daqueles que

detinham o conhecimento.

UA.C Sobre o arroz o desconhecimento foi total e suscitou muitas brincadeiras

na tentativa de imaginar a planta. [...] esclareci que teríamos a oportunidade de

conhecer na horta as plantas mencionadas e que havia trazido as sementes para

isso.

UA.C [...] acho importante a horta na escola, até para as crianças saberem da

onde vem o alimento [...] eu acho que eles acham que abóbora dá em árvore,[...]

(Professora)

UA.C Hoje fizemos uma oficina com as merendeiras e os demais funcionários

de apoio [...] que se caracterizou pela participação, muito diálogo e culminou com o

plantio de mudas de temperos.

UA.C Uma delas [estudante] é do Pará e já morou em sítio, porém, pareceu

querer dar a impressão de que tem pouca intimidade com a “roça”. Alegou ter medo,

nojo de bichinho.

UA.C Houve um momento em que duas meninas que estavam ocupadas na

retirada dos blocos pediram para pegar as enxadas que estavam com os meninos

para capinar. Tal fato chamou a atenção de outra menina, a qual fez alusão à

atividade como sendo masculina. “Isso não é trabalho de mulher”. Colocamos o

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assunto em discussão [...]. Acrescentamos elementos, tais como o papel das

trabalhadoras rurais [...].

I.c Aprendizado do gosto

UA.C [...] realizamos uma atividade de reflexão e registro sobre as etapas que

vão da produção até o consumo do alimento. Foram utilizados grãos de milho, fubá

e bolo de fubá. [...] Somente dois afirmaram conhecer um pé-de-milho [...]

Apresentamos o fubá. Todos reconheceram: “Para fazer angú”; “Cuscuz?”; “Bolo de

Fubá!” [...] chegamos ao consumo. Apresentamos o bolo de fubá, comentamos a

respeito, mencionaram a família, interior de Minas, avô, avó...

I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar

UA.C As contribuições foram sendo registradas no quadro pelos próprios

alunos. À medida em que sugeriam e escreviam, perguntavam sobre a grafia correta

e aproveitamos para indagar sobre os conhecimentos prévios (características,

usos...) a respeito das plantas mencionadas.

UA.C Alguns estudantes se detiveram observando uma joaninha. Aproveitamos

a oportunidade para falar a respeito, esteticamente e ecologicamente.

UA.C Membro 1 [...] Fui inspirada por algumas leituras durante a semana e

estou com várias ideias [...] Reforçar a ideia de cooperação [...] Poderia ser uma

oportunidade da gente chamar a atenção para o ato da alimentação num sentido

biológico. [...] Talvez até chamando atenção para todo o desequilíbrio ecológico [...]

E talvez fazer essa reflexão em relação aos outros ingredientes, pão vem de um

grão, o óleo de oliva vem de um fruto etc... (Troca de e-mails entre os três

membros da equipe executora do projeto sobre a preparação da atividade de

colheita, preparo e consumo)

III Objetivos da atividade

III.g Ensinar o conteúdo de Ciências

UA.C Está previsto no conteúdo curricular o tema alimentação abordando

questões como: processos de produção e consumo, segurança alimentar e

alimentação saudável [...]

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IV Desenvolvimento da atividade

IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a

atividade

UA.C Ontem apareceram mais três alunos que mostraram interesse em

participar da oficina de hortas. Eu, que sou "desse jeito permissivo", deixei. Só que

eles atrapalharam o tempo todo.

UA.C [Os agrônomos] forneceram orientações técnicas, inclusive alertando

sobre alguns descuidos e equívocos cometidos no plantio dos rabanetes [...]

UA.C Oficina com professores - [...] eu tive vontade de fazer, mas imagina,

não sabia fazer nada, eu levava minha turma lá pra trás, alguns alunos muito

interessados pegavam a enxada, a gente capinou o terreno primeiro, mas aconteceu

que mais de 40 alunos naquele espaço, (um queria usar a enxada no pé do outro)

então a coisa não funcionou, infelizmente não deu pra andar, e eu fiquei meio

frustrada, porque era uma coisa que eu queria ter conseguido fazer, mas não deu.

(professora de Ciências)

IV.d Segurança e adaptações do espaço físico, ferramentas adaptadas

UA.C [...] à medida que fossem identificando coisas importantes que

necessitam ser compradas, para fazerem o registro em papel deixado sobre a mesa

para esse fim. Foram registrados: repelente, protetor solar, sabonete, varal para

secagem das luvas, vassoura, mais botas pequenas [...]

UA.C [...] alunos que fizeram questão de dar continuidade à montagem dos

canteiros, desconsiderando a chuva fina que caía. Foi sugerida a necessidade de

adquirirmos capa de chuva.

UA.C Adquirimos uma “enxada de jardim” e estamos estudando a possibilidade

de adaptá-la com cabo de vassouras ao uso de crianças menores. As enxadas

usuais são grandes e pesadas, impróprias para crianças...

UA.C Outro sugeriu que a horta deveria ser grande para que pudéssemos

plantar muitas coisas e coubessem muitos alunos. As crianças fizeram simulações

para calcularmos o tamanho ideal dos canteiros e dos espaços entre eles. Foi

sugerida, pelos alunos, a elevação do espaço central da horta para facilitar as

demonstrações/ exposições orais.

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IV.e Dificuldades e formas de superação

UA.C [...] foi procurar a direção para saber se podemos oferecer alimentos fora

da merenda, e, pelo o que eu entendi, não seria permitido.

UA.C Decidimos que faríamos plantios de culturas pouco exigentes e que

possam crescer bem durante o período de férias. Assim, no retorno das aulas,

teremos não somente “mato”, mas algo que possa ser colhido [...].

UA.C Explicamos que iríamos passar a fazer as atividades junto aos alunos

das turmas de Acelera [defasados série-idade]. Os alunos tiveram uma reação

negativa. Tentamos enfatizar a importância deles neste processo educativo [...].

IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes)

UA.C Reunião com os pais - Pai aposentado de um aluno disse que sempre

trabalhou com plantação e com um olhar brilhando perguntou se podia ser voluntário

do projeto: "quero relembrar o que vivi"...

UA.C [...] participamos de uma visita guiada à Fazenda Agroecológica da

EMBRAPA [além dos estudantes e seus professores, foram também a diretora

adjunta e a coordenadora pedagógica, as agrônomas que dão orientação técnica, e

os responsáveis pelo projeto] [...].

IV.g Estratégia didática

UA.C Foi bacana quando todos terminaram de fazer suas exsicatas, deixaram

dispostas no chão dando a noção da variedade de plantas que foram coletadas. Isso

corroborou com a ideia de que não existe "um" mato ali, e sim, uma DIVERSIDADE

de plantas [...] [o destaque da palavra aparece no relatório].

UA.C Agora realizamos uma atividade de reflexão e registro sobre as etapas

que vão da produção até o consumo do alimento. Foram utilizados grãos de milho,

fubá e bolo de fubá.

UA.C Percebemos que o empenho físico mais intenso em prol da construção

efetiva da horta teve um efeito muito positivo no ânimo dos alunos: “Foi o dia mais

legal, foi hoje!”

UA.C [fala da direção] [...] para que os alunos façam algo mais prático na horta,

pois eles [os professores] percebem que estas aulas teóricas parecem não estar

acrescentado nada.

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UA.C Informei-lhe [ao aluno] que o papel dos mais velhos é fundamental para

apoiar nosso trabalho como monitores dos mais novos. Falei que há atribuições

diferentes de acordo com a idade [...].

UA.C [meninas dessa turma estavam resistentes em relação ao trabalho na

horta] Reforçamos a discussão retomando o assunto da visita à Fazendinha, UFRRJ

e ao CETUR, onde teriam a oportunidade de ver várias meninas no curso de

Agroecologia (ensino médio), na Universidade fazendo graduação em Agronomia,

Veterinária e, na Fazendinha, as pesquisadoras nessas áreas. Além da [nome] e da

[nome], que são as agrônomas que nos assessoram tecnicamente [...]. Elas foram

conosco e passaram a observar o trabalho dos meninos.

[...] Num dado momento, elas decidiram que também queriam trabalhar e três

delas pediram para colocar as luvas e as botas. Alguns meninos fizeram piadinhas e

algumas brincadeiras maliciosas, foi quando [membro da equipe] sugeriu que

fizessem um canteiro, sozinhas [...]. Essa estratégia funcionou muito bem. Alguns

meninos (outros mais “sérios”) se aproximaram do canteiro delas, ensaiaram uns

palpites e passaram a ajudar, embora elas tenham demonstrado autonomia e

empenho no serviço.

Troca de e-mails entre três membros da equipe executora do projeto

sobre a preparação da atividade de colheita, de preparo e de consumo do

alimento cultivado:

UA.C membro 2 [...] Como envolvê-los, como motivá-los, como sensibilizá-los

para essas reflexões? Durante a semana, pensei várias vezes nesses rabanetes e

não conseguia fechar uma proposta consistente e interessante [...] Podemos

preparar uma sessão cronológica de fotos e exibir no P.P. dando "concretude" ao

que já fizemos e à importância da participação de cada um. [...] seria o caso de

pensarmos numa receita bem interessante, mesmo que usemos/levemos outros

ingredientes [...] vasilhas para um manuseio organizado e esteticamente bonito...

No corpo do relatório do dia 20/08/2012 uma descrição da atividade

desenvolvida

UA.C membro 1 [...] Depois colheu-se a rúcula [...] A [membro da equipe]

sugeriu à professora que viesse junto à horta, pois às vezes a mesma se mantém

afastada da atividade.

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[...] Logo após, os alunos foram conduzidos para a sala. A [membro da equipe]

fez uma exposição das fotos que mostram o desenvolvimento do trabalho feito

desde o começo do projeto [...]

O petisco foi composto de 1/6 de fatia de pão integral, rodela de rabanete e

folhas de rúcula temperadas com azeite e sal e um pedaço de queijo minas padrão

espetados por um palito.

Organizamos o refeitório com uma bancada frontal para a exposição e cadeiras

em forma de U para os estudantes.

[...] A bancada estava arrumada e as bandejas para a degustação já estavam

prontas quando os alunos chegaram. O [membro da equipe] fez uma exposição

sobre os ingredientes utilizados e a origem desses alimentos; fez a demonstração da

preparação de forma sutilmente bem-humorada. Foi feita a degustação do espetinho

que foi servido aos alunos e depois eles foram convidados a experimentarem só o

rabanete e a rúcula separadamente.

Os alunos gostaram do espetinho e repetiram algumas vezes, mas ao

provarem a rúcula e o rabanete puros, faziam caretas e comentários “é muito forte”

de forma tranquila e educada. Percebemos que a postura dos alunos foi de atenção

e respeito para com a atividade, possivelmente pela forma organizada e bela que

esta atividade foi desenvolvida.

Aqui, a mesma atividade é descrita em e-mail do membro 2 da equipe

executora para o coordenador do projeto

A coisa foi bem planejada: colheita com certa "solenidade"; exposição das

fotos/ comentários das etapas percorridas até aqui e, enquanto isso, foi preparado o

refeitório para uma demonstração culinária (tipo programa de TV). O [membro da

equipe] (escolhemos, de propósito, para a reflexão de gênero) atacou de CHEF, de

avental vermelho, numa mesa arrumadinha e bem colorida, com os

petiscos/espetinhos coloridos compostos de quadradinhos de pão de forma+

rodelinha de rabanete+ queijo + rúcula, temperados com azeite, sal, alho torrado,

orégano e gergelim... bandejas com paninhos brancos bordados.... Falou sobre a

importância do ato de cozinhar e sobre cada ingrediente, origem... (e eles super

atentos!) que deixamos estrategicamente expostos... Fez a demonstração da

montagem do pestisco e em seguida comeu com prazer. A seguir, servimos... Eles,

que normalmente são meio truculentos, se mostraram super educados e até as

reações ao amargo, picante, foi tranquila. Nenhum deles havia provado antes

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rúculas ou rabanetes! As reações foram diversas, desde aqueles que repetiram e,

alguns até quiseram experimentar os sabores, separadamente, do rabanete e da

rúcula (estavam cortados sobre a mesa e nós fazíamos e estimulávamos isso – eu,

[membro da equipe], [outro membro da equipe] e outros visitantes); outros disseram

não ter gostado, mas não houve essa coisa de nojo, de cuspir.... e só uma menina

que não aceitou experimentar.

V Resultados alcançados

V.c Melhoria na aprendizagem em geral

UA.C A adjunta e a coordenadora manifestaram muita satisfação com o

trabalho que tem sido desenvolvido, em função dos relatos dos professores das

turmas envolvidas e com os funcionários. Estão surpresas com o interesse e

comportamento dos alunos nas atividades da horta, dando a entender que eles já

não tinham “esperança” no envolvimento destes alunos.

V.h Disposição para a experimentação de novos sabores

E-mail de membro da equipe executora para o coordenador geral do

projeto

UA.C Fizemos a primeira colheita, preparo e consumo com os alunos e

jogamos "pesado": rabanetes e rúculas! Eles comeram!!!!!!! Foi um sucesso! É

possível!

[...] Os alunos gostaram do espetinho e repetiram algumas vezes, mas ao

provarem a rúcula e o rabanete puro, faziam caretas e comentários “é muito forte” de

forma tranquila e educada [...]

UA.C O grupinho da horta começou conversando sobre a atividade anterior

[colheita, preparo e consumo de rúculas e rabanetes]. A [estudante] falou que

preparou o espetinho na sua casa como a gente havia preparado, só acrescentando

presunto. Ela afirmou que irmãos e primos comeram, mas que a mãe não comeu,

afirmando não gostar de rabanete. A [outra estudante] também comentou que a mãe

dela não gosta de rabanete, mas gosta de rúcula.

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4.2.1.4 Outros achados...

O envolvimento intenso com o objeto de pesquisa torna inevitável que a

atenção se volte para tudo que possa ter qualquer relação com o mesmo. Assim, há

uma infinidade de informações que, estando fora do material selecionado como fonte

de dados para compor o corpus da investigação, vão inevitavelmente influenciar o

olhar e guiar as análises. Houve a consideração de que seria mais honesto e

esclarecedor assumir tal condição e contextualizar achados avulsos e aleatórios.

Universitat Autònoma de Barcelona e a Agroecologia Escolar

Foram obtidas informações sobre hortas a partir de contato pessoal e no livro,

ainda no prelo, La agroecología escolar: un punto de vista local (Germán Llerena y

Mariona Espinet), enviado por e-mail por um dos autores. A experiência relatada

baseia-se em princípios coincidentes com aqueles escolhidos para a presente

investigação e, portanto, contribui para reforçá-los e ampliá-los.

Há cerca de cinco anos a Universitat Autònoma de Barcelona (UAB) vem

desenvolvendo, na forma de parcerias, diversas iniciativas no âmbito da

Agroecologia Escolar no município de Sant Cugat del Vallès, localizado na zona

metropolitana de Barcelona/Espanha e com aproximadamente 80 mil habitantes.

Esse trabalho potencializa a colaboração entre escola e comunidade promovendo

mudanças na escola e o desenvolvimento comunitário. Defende-se uma educação

para a sustentabilidade crítica. Cada ação é planejada em função das

especificidades locais de modo que cada processo tem características únicas.

Vale acrescentar que, na troca de correspondência eletrônica com um dos

autores, houve por parte deste algumas ponderações em relação aos objetivos da

pesquisa ora apresentada, traçando um paralelo entre o que tem sido realizado em

Barcelona e a presente pesquisa. O autor reconheceu a presença e a importância da

perspectiva crítica em ambos os projetos, assim como as dificuldades e os objetivos

em comum, porém, argumentou que não consideraria adequado o estabelecimento

de critérios. Em sua opinião, tal atitude equivaleria a impor normas, o que inibiria a

criatividade dos atores sociais envolvidos e poderia comprometer a sua capacidade

crítica. Sua aposta é no acompanhamento crítico do processo.

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As preocupações mencionadas foram acolhidas e auxiliaram no refinamento e

na consolidação da proposta ora apresentada. No entanto, trabalhamos com noção

de parâmetros e é coerente admitir que estes encaminham a adoção critérios

pertinentes que, por sua vez, estabelecem situações de conflito com os

procedimentos formatados pelo modelo vigente, favorecendo a construção de

conhecimento a partir de uma nova perspectiva.

Quintas Pedagógicas em Portugal

As Quintas Pedagógicas são espaços cuja intenção é o desenvolvimento de

atividades educativo-pedagógicas que envolvem o contato de escolares urbanos

com elementos do meio rural. Há modalidades diferentes, sendo algumas privadas,

públicas ou ainda algumas onde se estabelecem parcerias.

No primeiro semestre de 2013, por ocasião de estágio na Universidade do

Minho em Portugal, visitei duas Quintas Pedagógicas. Uma municipal, na cidade de

Braga/Portugal, foi criada com a finalidade de oferecer ações pedagógicas

relacionadas às tradições rurais locais, práticas agrícolas, pecuária, hortas

biológicas e experimentação ambiental para pré-escolares e estudantes das séries

iniciais do ensino básico. São desenvolvidas atividades de plantio, cuidados com os

animais tradicionais na pecuária local, confecção de pães, de compotas e de doces

tradicionais.

A visita e a entrevista com a coordenadora do espaço forneceram algumas

outras informações. Ela é agrônoma e é responsável pela elaboração das atividades

pedagógicas desenvolvidas. Não há uma equipe, não há um profissional da

educação. As atividades de culinária são conduzidas por uma funcionária de

serviços gerais, com conhecimento prático.

Os estudantes da rede pública visitam o espaço por meio de agendamento

prévio e com transporte gratuito. A informação dada é de que algumas escolas se

sentem motivadas a ter sua horta a partir da visita e que a Quinta pedagógica, nesse

caso, garantiria o suporte técnico. Porém, não consegui obter a indicação de

nenhuma escola com esse perfil.

Se por um lado é bem interessante a ideia de um suporte específico para o

atendimento às escolas, o cronograma anual de visitas só permite que cada escola

visite o espaço, no máximo, duas vezes ao ano.

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O outro espaço na cidade do Porto, também visitado, mostrou uma dinâmica

diferente. A coordenadora é engenheira ambiental e foi quem forneceu informações

e acompanhou a visita. A Quinta faz parte de uma Fundação e mantem, além do

esquema de agendamento de visitas, trabalho semanal com escolas de seu entorno.

O slogan da Quinta é a Educação para o meio ambiente e atende a pré-escolares de

3 a 5 anos. A quinta pedagógica funciona com uma equipe multidisciplinar, na qual

se insere o profissional da educação.

Os objetivos informados das atividades foram: contato com o ciclo da natureza,

desenvolver a afetividade, sensibilidade...

Durante a visita, havia uma turma de crianças em atividade. O dia estava

ensolarado e as crianças usavam chapéus ou bonés. As escolas recebem

orientações nesse sentido e sobre o uso de roupas adequadas, calçados fechados,

preferencialmente botas e capas para dias chuvosos. Usavam como ferramentas um

Kit de jardinagem específico para crianças e aventais.

Chamou a atenção o fato do espaço entre os canteiros estar com um

revestimento sintético. A informação dada é que à medida que as atividades vão

sendo desenvolvidas surgem necessidades de adaptações e, nesse caso, a

presença ocasional de um estudante cadeirante motivou a adaptação.

Fundação Alícia (Món San Benet/ Espanha)

No ano de 2012, por ocasião de participação em evento sobre alimentação

escolar na cidade de Barcelona/ Espanha, tivemos a oportunidade de visitar as

dependências da Fundação Alícia, inclusive sua horta.

Alicia (Ali-mentació i cièn-cia) é um centro de pesquisa dedicado à inovação

em tecnologia culinária para melhorar os hábitos alimentares, os alimentos e

promover a valorização do patrimônio gastronômico. É uma organização privada

sem fins lucrativos criada em 2003 sediada em Món San Benet, na Espanha.

A horta para as atividades culinárias da instituição é aberta para visitas

orientadas de estudantes da região. Esses, durante a visita, realizam as atividades

comuns em agricultura. As ferramentas usadas pelos estudantes são todas com

adaptações para esse público: enxadas, ancinhos, pás, carrinho-de-mão...

Foi a primeira vez que vi ferramentas e outros equipamentos agrícolas

adequados ao tamanho de crianças. Fiquei muito entusiasmada, pois, até então, não

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havia pensado nessa possibilidade. O agrônomo responsável pela atividade

informou sobre a existência de uma empresa que fabrica tais materiais.

Horta em escola pública para crianças especiais

Em 2013, ao acompanhar uma colega do grupo de pesquisa em seu trabalho

de campo sobre alimentação escolar em um município do Rio de Janeiro, vi algumas

experiências com hortas, não muito diferentes da maioria. Mas um detalhe

sobressaiu em uma escola que atende a crianças portadoras de deficiência:

canteiros em calhas suspensas com altura adequada para cadeirantes.

4.2.2 Categorização: construindo um mosaico

Como visto, anteriormente, após a definição do corpus e o envolvimento

intenso com suas informações, passou-se à análise dos textos que o compunham.

Estes sofreram um processo de desmontagem em função dos seus elementos de

significado e sentidos para os objetivos da pesquisa, constituindo as unidades de

análise, destacados em retângulos.

Houve o esforço para que cada unidade de análise ou conjunto de unidades

representasse de forma clara e contextualizada um elemento de significado

referente ao fenômeno estudado. Os elementos de significados foram identificados a

partir de bases teóricas já existentes sobre os temas que envolvem a questão, da

percepção particular da pesquisadora e de sua capacidade de identificar o implícito,

auxiliada pelos objetivos e referenciais da pesquisa. As unidades de análise, assim

constituídas, foram matéria-prima para a formulação das categorias de análise

(GALIAZZI e MORAES, 2007). O quadro a seguir exibe a totalidade das categorias

de análise e respectivas subcategorias, obtidas a partir da síntese das unidades de

análise indicadas e classificadas nos itens anteriores:

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I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas I.a Modelo de agricultura I.b Ecologia de saberes e outras ecologias I.c Aprendizado do gosto I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar

II Possibilidades de reforço de elementos hegemônicos II.a Visão utilitarista da natureza II.b Dicotomia bom x ruim II.c Visão mágica da ciência II.d Visão restrita sobre a agricultura II.e. Fragmentação do conhecimento/aprendizagem

III Objetivos da atividade III.a Ensinar técnicas de plantio III.b Para usar na alimentação escolar III.c Ensinar a alimentar-se melhor III.d Fazer trabalho integrado e contínuo sobre alimentação e meio ambiente III.e Suprir necessidades específicas de escolares especiais III.f Incluir o estímulo multissensorial para o aprendizado cognitivo III.g Ensinar o conteúdo de Ciências III.h Múltiplos aprendizados III.i Transformação social III.j Democratização do espaço escolar e participação da comunidade

IV Desenvolvimento da atividade IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a atividade IV.b Forma de participação dos estudantes IV.c Material utilizado IV.d Segurança e adaptações do espaço físico IV.e Dificuldades e formas de superação IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes) IV.g Estratégia didática

V Resultados alcançados V.a Inserção de alimentos na alimentação escolar V.b Aumento da aceitação/consumo de verduras e legumes na escola V.c Melhoria na aprendizagem em geral V.d Integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o entorno V.e Conscientização V.f Aquisição de conhecimentos técnicos sobre agricultura V.g Formas de avaliação V.h Disposição para a experimentação de novos sabores

Figura 6: Totalidade das categorias de análise, e respectivas subcategorias, obtidas a partir da síntese das unidades de análise.

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A combinação de processos intuitivo e indutivo alicerçou a produção das

categorias apresentadas que podem, então, ser caracterizadas como categorias

emergentes. O primeiro processo pôde ser identificado quando, impregnado pelos

dados, mas ainda sem a filiação a uma forma estruturada de análise, o fenômeno

investigado foi visto como um todo. O segundo se caracterizou pelo movimento de

confrontação e comparação entre as unidades de análise e destas com o contexto

mais amplo das experiências da pesquisadora e referenciais teóricos afins. Assim,

as categorias, elaboradas sob a égide do paradigma emergente, foram nomeadas e

definidas contemplando a subjetividade da pesquisadora e o foco na qualidade, a

ideia de construção, a abertura ao novo (GALIAZZI e MORAES, 2007, p. 25).

Embora a categorização seja um processo de recorte, a superação da

fragmentação do fenômeno se dá na possibilidade de usar perspectivas diferentes

para a análise da prática em questão, na recursividade das unidades categóricas

entre si e destas com o todo e na não exclusão mútua entre elas como exigido em

algumas modalidades de pesquisa. Esse movimento busca explicitar as inter-

relações recíprocas entre categorias superando a causalidade linear e possibilitando

uma aproximação de entendimentos mais complexos (GALIAZZI e MORAES, 2007,

p.30).

As categorias e as subcategorias produzidas subsidiam a construção de

metatextos analíticos que abarcam a descrição e interpretação do fenômeno

investigado. Sendo elas mesmas resultado de um modo de interpretação dos dados

selecionados e que ao mesmo tempo produzirão novas interpretações por elas

informadas.

Cabe enunciar alguns elementos que orientam a interpretação do fenômeno:

proporcionar uma visão mais rica; construir um retrato interconectado e coeso; dar

acesso a novas possibilidades de sentido; beneficiar grupos marginalizados em sua

luta por fortalecimento; ajustar-se ao fenômeno em estudo; contextualizar

culturalmente e historicamente; considerar interpretações anteriores; gerar visões a

partir do reconhecimento da dialética entre as partes e entre as partes e o todo;

indicar as forças envolvidas em sua construção; expor diversas perspectivas;

catalisar a ação justa, inteligente e conveniente (GALIAZZI e MORAES, 2007;

KINCHELOE e BERRY, 2007).

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Buscando coerência com o exposto, a seguir serão prestados esclarecimentos

sobre as categorias e subcategorias trazendo suas conexões com os referenciais

teóricos apresentados nesse trabalho.

4.2.2.1 Compreensão da realidade: possibilidades contra-hegemônicas ou de reforço

de elementos hegemônicos

Os dois primeiros grupos de categorias (I. Compreensão ampla da realidade

e possibilidades contra hegemônicas e II. Possibilidades de reforço de

elementos hegemônicos) estão ligados diretamente aos grandes referenciais

teóricos que embasam o olhar para o objeto de investigação. Parte da concepção de

que uma prática cotidiana humana, ao ser concebida como uma prática pedagógica,

precisa ter definidos os pressupostos que envolvem a ação em si, assim como estar

atenta aos diversos aspectos presentes na sua execução e que podem

comprometer, ou mesmo contradizer aqueles pressupostos. São categorias teóricas

que embasam parâmetros pedagógicos mais amplos e auxiliam o exercício da

práxis. Partem das perspectivas da Sociologia das Ausências e da sua

correspondente Sociologia das Emergências aliadas às da Complexidade e aos

princípios da Agroecologia e agricultura urbana. São complementares e foram as

referências para a identificação de elementos que possam compor práticas

educativas emancipatórias ou indicar algum esforço nesse sentido, assim como para

visualizar procedimentos no sentido oposto.

Com as referidas categorias há a intenção de identificar e analisar em que

medida o expresso nos textos coaduna com o reforço da realidade hegemônica do

mundo ou, por outro lado, se trazem algum elemento contra-hegemônico que possa

suscitar o conflito de conhecimentos e/ou confrontar procedimentos que reforçam o

modelo monocultural com os que se aproximam do proposto nas cinco ecologias.

A escolha do modelo de agricultura é elemento chave nessa análise. A

inserção da agricultura nas escolas urbanas pode ser entendida como uma possível

emergência, um sinal de futuro e que pode ser credibilizada, ter ampliada

simbolicamente as possibilidades de ver o futuro a partir daqui (SANTOS, 2007). A

opção por um modelo de agricultura convencional, alinhada com o modelo

agroalimentar hegemônico, pode indicar uma postura de reprodução com o

estabelecido, de naturalização da realidade posta/imposta. A declaração de adoção

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de agriculturas expressa em termos como agroecológica, orgânica, biológica, pode

indicar um movimento contra-hegemônico inconsciente ou ingênuo, ou superficial ou

mais sofisticado. As características exibidas nas ações empreendidas podem estar

dotadas de diferentes graus de compreensão dos princípios que sustentam o

modelo declarado.

Os modelos de agricultura não se isolam de questões políticas, ideológicas,

sociais, culturais, econômicas que se refletem nas relações estabelecidas entre os

atores sociais envolvidos e destes com os procedimentos adotados no

desenvolvimento da atividade, na escolha dos cultivos e na destinação de seus

produtos. É possível haver contradições entre as intenções manifestadas na adoção

de um modelo e as ações ao longo do processo de execução da horta. Buscam-se

aqui parâmetros que assegurem a coerência entre o discurso e a prática ou que

coloquem em evidência as incoerências.

Procuramos, a seguir, identificar antagonismos a partir do confronto, aplicado

às práticas agrícolas nas escolas urbanas, das diferentes formas de monoculturas

com as ecologias propostas por Santos (2007), o que auxilia as interpretações sobre

a compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas e as

possibilidades de reforço de elementos hegemônicos:

Monocultura do saber x ecologia dos saberes. Busca analisar a origem dos

saberes que foram considerados na elaboração e no desenvolvimento das ações da

horta e em que medida foi criado um espaço de horizontalidade favorável ao diálogo

de diferentes conhecimentos. Há o entendimento de que a atividade agrícola e os

usos de seus produtos guardam um amplo repertório de conhecimentos construídos

na vivência prática e que esses podem estar presentes nos avós, nos pais, nos

próprios estudantes, em outros membros da comunidade escolar ou de seu entorno.

Assim, a monocultura pode estar sendo reforçada se for observada a exclusividade

do conhecimento científico ou o seu demasiado privilégio em relação aos demais.

Monocultura do tempo linear x ecologia das temporalidades. A análise se

dá em relação ao valor dado ou ao espaço reservado aos elementos urbanos em

relação àqueles oriundos do espaço rural. Nesse caso, haveria o reforço

hegemônico quando o segundo é subalternizado, ocultado ou omitido no

desenvolvimento da atividade. Espera-se que esses elementos estejam inseridos,

não como exóticos ou antiquados, mas como tão legítimos e contemporâneos

quanto aqueles dos espaços urbanos.

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Monocultura da naturalização das diferenças x ecologia do

reconhecimento. A diferença entre o urbano e o rural, na ótica monocultural, é

naturalizada de forma hierarquizada, sendo o primeiro tido como evoluído e o

segundo como atrasado. Uma vez retirada a hierarquia, é possível enxergar

somente suas diferenças, percebendo características positivas e negativas em

ambos os espaços. Outra questão possível é a hierarquia de gênero relacionada ao

trabalho agrícola, que pode ser reforçada ou desvelada com o decorrer da atividade.

Monocultura da escala dominante x ecologia da “transescala”. Consiste

em analisar o quanto há de reforço ao processo de globalização na padronização

das práticas agrícolas, das escolhas do que será plantado e das formas de preparo

e de consumo. Ou, por outro lado, o quanto é possível identificar a valorização do

particular, do local, do regional.

Monocultura do produtivismo capitalista x ecologia das produtividades. A

atenção volta-se para a submissão da produtividade agrícola à lógica de produção

contínua e direcionada ao mercado padronizado, sem respeito aos fatores e aos

ciclos naturais. A oposição pode estar em valorizar outros sistemas de produção e

de modos de organização social, como cooperativas.

O exercício de contraposição entre as possibilidades emergentes x reforço

hegemônico e de problematização da realidade pode ser estendido para outros

aspectos que permeiam a atividade agrícola na escola e seus objetivos na busca por

identificar pistas, indícios de movimentos contra-hegemônicos ou de seu reforço

para explicitá-los. Tais aspectos podem ser confrontados com aqueles inseridos no

contexto do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, da Educação em

Ciências - EC e da Educação em Saúde - ES.

O PNAE tem um histórico assistencialista e, consequentemente, um estigma

depreciativo que afeta seus atuais objetivos. Por outro lado, os avanços verificados

nos últimos anos, ao serem tidos como sinais de emergência, podem ser

pedagogicamente potencializados a partir da horta. É possível pensar a relação

horta e PNAE em, pelo menos, três perspectivas:

Assistencialista/Suplementar – Sendo um dos objetivos do PNAE o

fornecimento de refeição nutritiva, variada e saudável, a produção da horta teria um

papel complementar à merenda. Nesse caso, admite-se a dificuldade ou

incapacidade do PNAE de cumprir com um de seus compromissos, necessitando do

empenho da comunidade escolar para realizá-lo.

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Educativa Tradicional/Informativa – Reconhece-se que o PNAE fornece

uma alimentação adequada, porém, há dificuldade de aceitação pelos estudantes

devido a hábitos alimentares inadequados já estabelecidos. A horta aproximaria o

escolar do alimento in natura e auxiliaria na transmissão de conhecimentos sobre

alimentos e a alimentação saudável.

Educativa Emancipatória/Formativa – Nessa perspectiva, as ações da

horta buscariam uma aproximação cada vez maior do PNAE buscando explicitar as

diferentes dimensões do alimento consumido na escola. Essa explicitação encontra

respaldo nos conceitos de universalidade, sustentabilidade, qualidade, participação

da comunidade escolar, adequação, desenvolvimento local, agricultura familiar,

promoção da saúde e de segurança alimentar e nutricional, incorporados às

orientações do PNAE e que precisam ainda ganhar visibilidade, ser compreendidos

e reforçados.

No que se refere aos aspectos relativos à ES e à EC, a horta desponta como

prática educativa nos dois campos, sendo a alimentação um eixo unificador. Em

ambos os campos, os conhecimento e as ações têm sofrido reformulações ao longo

dos anos, de forma que suas orientações atuais buscam contemplar a complexidade

inerente ao alimento e ao ato de comer e, coerentemente, sugerem novas

abordagens educativas. Porém, como visto anteriormente, as práticas educativas

continuam impregnadas por uma feição tradicional e podem apresentar reflexos nas

proposições de Educação Alimentar e Nutricional. Assim, simplificadamente,

podemos encontrar dois encaminhamentos, em geral não excludentes entre si, que

orientam os procedimentos em hortas escolares voltados para a Educação Alimentar

e Nutricional:

Abordagem educativa/pedagógica – A preocupação é com o

entendimento e a execução prática da educação que, no caso, precede e orienta a

ação voltada para a alimentação humana. Espera-se que esteja, pouco ou nada,

afinada aos modelos tradicionais de educação e em consonância com as correntes

consideradas progressistas.

Perspectiva de educação alimentar e nutricional – Ainda que se

configure a opção e execução de abordagem educativa emancipatória, no que se

refere ao modo de conduzir as ações e as relações dos atores implicados, há a

possibilidade de equívocos e reduções na percepção sobre o ato alimentar humano.

Assim, a educação alimentar e nutricional pode exibir diferentes nuanças, desde

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uma perspectiva fragmentada/parcial da relação humana com o alimento, até a

perspectiva complexa/multidimensional. Essa última e desejável perspectiva dialoga

com as novas orientações do PNAE.

4.2.2.2 Os objetivos da atividade, as formas de desenvolvê-la e os resultados

alcançados

O segundo grupo de categorias (III Objetivos da atividade, IV

Desenvolvimento da atividade, V Resultados alcançados), coerentemente

imbricado com o primeiro grupo, refere-se ao reconhecimento da horta escolar como

uma prática pedagógica e, como tal, a sua utilização pressupõe que todas as ações

relacionadas sejam pedagógicas, assim como a sua estruturação física ser pensada

com esse fim. Desse modo, buscou-se elaborar categorias empíricas, tendo em vista

os parâmetros pedagógicos pretendidos para a execução prática das hortas

escolares urbanas.

O entendimento do que é passível de alcance é fundamental para o

estabelecimento de objetivos da atividade. Uma prática pedagógica com alto grau

de complexidade, como é o caso da horta escolar, encaminha a projeções de

diferentes objetivos e capacidades e com possibilidades de interconexões. A

indicação de hortas escolares por instituições, setores e agentes distintos se apoia

em necessidades e interesses de resolução de seus respectivos problemas.

Portanto, é de se esperar que o foco da ação na escola tenda a priorizar os objetivos

do proponente.

Há situações nas quais as motivações e as percepções pessoais ou coletivas

induzem à elaboração de hortas e, nesse caso, os objetivos variam muito e, por

vezes, se sobrepõem.

Os objetivos indicam as capacidades a serem desenvolvidas pelos estudantes

e podem contemplar o desenvolvimento: cognitivo, afetivo, físico, ético, estético, de

relação interpessoal e de inserção social (BRASIL, 1998d). A perspectiva da

complexidade aplicada à prática educativa informa sobre a indissociabilidade dessas

dimensões humanas e de uma educação que vislumbre o ser humano de forma

integral, ainda que o objetivo central esteja voltado para o desenvolvimento de uma

das capacidades.

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Os objetivos orientam o desenvolvimento da atividade, no qual se dá a

seleção de conteúdos, de recursos e dos encaminhamentos didáticos.

Os conteúdos pressupõem um conjunto de conhecimentos e traduzem o que

se pretende ensinar com a horta e podem ser de natureza conceitual, procedimental

e atitudinal. O conteúdo de natureza conceitual se refere aos conceitos,

conhecimentos teóricos e abstrações. O de natureza procedimental está ligado à

capacidade de saber como fazer e decidir, enquanto o de natureza atitudinal diz

respeito a valores e às relações sociais cotidianas. Essas modalidades de conteúdos

não podem ser tratadas isoladamente, ao contrário, devem se fazer presentes de

maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem (BRASIL, 1998d).

A atenção aos objetivos e a seleção dos conteúdos conduzem ao planejamento

da execução da ação e aos encaminhamentos didáticos que envolvem a

organização das situações para o aprendizado: a estrutura espacial, a escolha de

recursos materiais, a sequência dos conteúdos, as formas de relacionamento, as

formas de mediação e mediadores envolvidos etc. A profusão de objetivos propostos

para a horta escolar e a natureza dos conteúdos envolvidos tem implicado

dificuldade de estabelecimento de critérios de avaliação. Assim, são apresentados

resultados sem que haja clareza no modo como foram verificados. O contexto

empírico oferece relatos de desenvolvimento da atividade e de resultados

alcançados, que aos serem postos em correspondência com os objetivos podem

reforçá-los, complementá-los ou até contradizê-los. Há ainda nos resultados

alcançados a possibilidade de identificar as formas como foram aferidos.

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5 INTERPRETAÇÕES: conflitos de conhecimentos, denúncias e anúncios

As unidades de significado e respectivas categorias e subcategorias foram

estruturadas tendo em conta a parametrização para as hortas escolares

compreendidas, simultaneamente, como prática pedagógica e equipamento

pedagógico. A interpretação de seus componentes reunirá elementos que possam

suscitar reflexões para a indicação de bases para cada um dos momentos relativos

a tal prática, desde a sua concepção até a sua efetivação concreta.

Retomando a questão central - Quais são as especificidades de uma horta

pedagógica voltada para crianças e adolescentes em escolas públicas urbanas que

criem possibilidades para uma educação alimentar e nutricional libertadora? - que

orienta a presente pesquisa, foram buscados, no contexto das práticas analisadas,

elementos que podem se configurar em pontos de conflitos de conhecimentos e,

portanto, promissores na composição de respostas para as especificidades que,

acreditamos, precisam estar presentes nessa ação educativa.

As perguntas formuladas, a seguir, tentam abarcar aquela questão central e

buscam traduzir os anseios expressos e, especialmente, aqueles implícitos nas

diversas solicitações recebidas por nossa equipe de pesquisa de orientações na

elaboração de hortas escolares. As respostas, em vez de propor ditames, consistirão

em esforço no sentido de problematizar, trazer denúncias e anunciar possibilidades

a partir dos aspectos encontrados nas diversas experiências analisadas.

5.1 QUAIS PRESSUPOSTOS GUIAM O PLANEJAMENTO E A CONSTRUÇÃO DA

HORTA ESCOLAR?

Santos (2012), em recente estudo, constata que a maioria das experiências

voltadas para a educação alimentar não expõe com clareza o seu referencial

pedagógico. Entre as que o fazem, algumas mostram desacordos nas suas

estratégias educativas. Coexistem, nesse âmbito, pedagogias críticas, que se

baseiam em modelos cognitivos de aprendizagem psicossocial e contextual, e a

pedagogia tradicional, comportamentalista. A autora ressalta, ainda, as alusões

frequentes feitas a Paulo Freire e à educação popular e a não correspondência

observada na prática cotidiana.

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Os materiais analisados nessa investigação, em sua maioria, confirmam as

percepções da autora. Os fragmentos dos documentos que compõem as

subunidades das categorias I Compreensão ampla da realidade e possibilidades

contra-hegemônicas e II Possibilidades de reforço de elementos hegemônicos

auxiliam na reflexão da questão apresentada. Como explicitado em capítulos

anteriores entende-se que o referencial pedagógico vincula-se à visão de mundo, à

forma como a realidade é percebida e às perspectivas da intervenção educativa. O

anúncio e a interpretação de dados que exibem possibilidades contra-hegemônicas,

assim como a denúncia e a interpretação daqueles que reforçam a hegemonia,

podem indicar caminhos para a consolidação de pressupostos para o planejamento

e desenvolvimento de hortas escolares.

A escolha do modelo de agricultura e a compreensão das implicações da

mesma são consideradas fundamentais para uma prática educativa coerente com os

referenciais teóricos acolhidos nesta investigação. Essa opção aparece de forma

nomeada em alguns casos e sugerida em outros, quando são citadas expressões

como orgânico/a, sem/livre (de) agrotóxico, sustentável, o que pode indicar

diferentes graus de apropriação do seu corpo de conhecimentos a ser conferido em

outros itens do relato da atividade. A existência de outros conceitos e ações

vinculados ao modelo confere mais consistência à escolha declarada como é o caso

das referências à preocupação com questões ambientais e com a sustentabilidade

em seus diferentes enfoques e outros aspectos relacionados ao modelo sugerido. O

uso do vocábulo agrotóxico, em alguns casos, merece atenção por ser usado como

demarcação política por aqueles que questionam ou combatem o uso do que a

indústria interessada chama de defensivo agrícola. Em nenhuma das experiências

se faz uso dessa última expressão. Por outro lado, o acesso a documentos,

palestras e a mídia em geral pode favorecer o uso de alguns conceitos, ou não, sem

que necessariamente haja um aprofundamento semântico ou simbólico e, nesse

caso, pode não ser identificado o respaldo nos demais elementos declarados, ou por

estarem ausentes ou por apresentarem incongruências.

Com essa perspectiva, encontramos entre as 91 experiências com hortas da

premiação do AFZ, 31 que trazem conceitos que poderíamos atribuir ao

encaminhamento de modelo da agricultura contra-hegemônico, sendo que somente

uma se refere à opção utilizando a expressão produção agroecológica com a

finalidade de educar e produzir utilizando a horta na escola como espaço de

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aprendizagem, com foco nas atividades de educação ambiental, nutricional (F.7).

Nesse caso, a ratificação ao modelo escolhido poderia estar nas informações dadas

sobre os objetivos educacionais e na junção de especialistas (agrônomos,

nutricionistas), de membros da comunidade escolar e do entorno para o

planejamento e a execução do projeto. A reflexão a ser feita é sobre a inexistência

de referências detalhadas sobre as relações estabelecidas entre esses agentes e os

saberes considerados. Tem-se a impressão de relação vertical transmissão-

recepção de conhecimentos.

Em outras experiências, que sugerem filiação a alguns princípios

agroecológicos, há itens que podem indicar corroboração à opção, trazendo a

ampliação da discussão com a troca de experiências sobre o tema com

pesquisadores de instituições como a EMBRAPA Agrobiologia-Fazendinha

Agroecológica (UA.C); a escolha de outros recursos que podem ser inseridos

pedagogicamente como, por exemplo, o vídeo “fome no Brasil”, para a discussão

sobre a produção agrícola e a relação exportação-fome; assim como das influências

externas na nossa culinária que menosprezam a comida local (UA.C). Estes auxiliam

nas correlações entre o micro e o macrocontexto, a mostrar pros meninos que a

alimentação variada, ela vem de uma produção sustentável, da produção

sustentável e por ser sustentável vai garantir uma alimentação de qualidade,

variedade também (UA.A.CO) e o aprofundamento de conceitos de monocultura e

policultura; agronegócio e agricultura familiar; até chegar na agroecologia (UA.C).

Encontramos no trabalho desenvolvido pela Universitat Autònoma de

Barcelona a explicitação da adesão ideológica em seu título La agroecología escolar

e na contextualização do mesmo, o qual mostra um posicionamento contra-

hegemônico: la crisis alimentaria global [...] es de tal importancia que deja al

descubierto definitivamente (de nuevo) la falacia del paradigma del crecimiento

económico como motor del desarrollo humano [...] Los huertos escolares - incluso

los ecológicos - no son nuevos en la educación. Lo que es nuevo es su orientación

agroecológica (LLERENA e ESPINET, no prelo).

O modelo de agricultura de orientação contra-hegemônica traz, ou deveria

trazer, aproximações com as ecologias propostas por Boaventura Souza Santos.

Porém, a adesão superficial ou parcial de conceitos avulsos emperram avanços

nesse sentido. Assim, embora sejam percebidas tendências para a adoção de

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agriculturas ecológicas, é comum a existência de lacunas ou contradições no

contexto da prática.

A vinculação da horta a escolas localizadas em áreas rurais ainda se faz muito

presente, sendo inclusive essa a justificativa de implantação em muitos casos: A

ideia de realizar o projeto surgiu pelo fato da escola estar localizada na zona rural

(F.87). Nesse caso, mostra-se a preocupação com o ensino de técnicas para um

plantio agroecológico, obedecendo aos critérios da sustentabilidade para produção

de alimentos orgânicos (F.7; F.72; F.78). São poucas as especificações em relação

à agricultura no espaço urbano, mas quando isso ocorre ficam mais ou menos

explícitas as intenções em relação ao público alvo. Há o projeto que já parte de uma

proposta pensada para o espaço urbano assumida em seu título Horta Escolar

Urbana... (UA.C) e outros que indicam adaptações como contextualizar os

conteúdos aos problemas da vida urbana (F. 51) e o uso de canteiros suspensos e

nos muros (F.64).

Embora seja possível afirmar objetivos comuns para uma horta escolar urbana

e uma rural, é importante ter clareza do que distingue um espaço do outro. Além

disso, deve-se considerar que, quando tratamos de contextos locais, é possível

perceber que não há “o rural” e “o urbano” e sim, vários rurais e vários urbanos e

novas configurações que conjugam características de ambos. São realidades

coexistentes e, portanto, todas legítimas e contemporâneas. Diante do exposto, a

visão do tempo linear pode ser contraposta com a ecologia das temporalidades, a

qual nos alerta para a rejeição e o tratamento de exotismo, inadequação e

subalternidade impostos a grupos sociais, seus valores e conhecimentos.

Para além dos conhecimentos sobre técnicas de plantios, há outros

relacionados e, por vezes, aparentemente banais e ignorados, que podem ser

evidenciados, como ilustra a fala da professora de escola em área urbana, que

considera importante as crianças saberem de onde vem o alimento [...] eles acham

que abóbora dá em árvore (UA.C). Os conhecimentos oriundos da prática e,

especialmente, do meio rural são tidos como inferiores e podem envolver

sentimentos de preconceito e vergonha, foi o percebido na postura da estudante que

morou em sítio na sua terra natal, o Pará, porém pareceu querer dar a impressão de

que tem pouca intimidade com a “roça” (UA.C).

A monocultura da naturalização das diferenças impõe uma lógica que

desqualifica algumas vivências, valores e conhecimentos para os quais é possível

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evidenciar sua legitimidade com a ecologia do reconhecimento. É a oportunidade de

mostrar que há ignorâncias e saberes distintos em função dos diferentes contextos,

de modo que o que é corriqueiro para uns é desconhecido para outros como é o

caso do feijoeiro, sobre o qual a maioria falou em pequenas árvores, o que causou

um olhar de “cumplicidade” e “superioridade” por parte daqueles que detinham o

conhecimento (UA.C). Ou ainda do arroz, para o qual o desconhecimento foi total e

suscitou muitas brincadeiras na tentativa de imaginar a planta, trazendo questões

relevantes para a problematização sobre o afastamento humano dos processos de

produção do alimento e a oportunidade de conhecer, na horta, as plantas

mencionadas (UA.C).

Já não é surpreendente que alimentos tão comuns em nossos pratos

cotidianos, tanto em casa como na alimentação escolar, sejam ignorados em suas

características de origem ou nas formas de preparação pela população urbana.

Ações com esses cultivos podem aproximar outros atores e conhecimentos [...] elas

(as merendeiras) têm muito a ensinar pra gente sobre os alimentos [...] (UA.A.SE).

Todos têm muito a ensinar e também a aprender: Vale destacar a perplexidade –

inclusive dos adultos – diante das plantas do feijão e do arroz. O merendeiro

mostrou-se incrédulo diante das vagens de feijões pretos! Passada a surpresa,

pediu algumas para mostrar à esposa (UA.C). Reafirma-se a importância do

envolvimento dos diversos atores do espaço escolar, que pode ser iniciado por meio

de oficina com as merendeiras e os demais funcionários de apoio cuja característica

seja a participação, muito diálogo, que pode culminar com o plantio de mudas de

temperos (UA.C) e de outros alimentos.

Outra situação, à qual se aplica a ecologia do reconhecimento, foi identificada

no conflito de gênero surgido na experiência UA.C, na qual meninas pegam enxadas

para os trabalhos na horta e uma outra interpela: “Isso não é trabalho de mulher”. O

assunto foi colocado em discussão [...] e acrescidas questões, tais como o papel das

trabalhadoras rurais. Essa mesma experiência exibe situações concretas que

reforçam a intenção educativa com a composição da própria equipe coordenadora

do projeto (duas mulheres e um homem) e o envolvimento efetivo de todos em todas

as ações, inclusive com a enxada. Pode-se confrontar o papel das mulheres nas

atividades agrícolas em diferentes culturas e, especialmente, na agricultura brasileira

para a análise crítica da persistência de hierarquia entre homens e mulheres,

identificando suas semelhanças e o que de fato os distingue.

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Os princípios agroecológicos convocam para a horizontalidade das relações e

dos saberes e, consequentemente, para a participação da comunidade na

elaboração da horta. Em uma situação como no Formulário 32, onde se afirma que

a escola contou com os moradores que cederam os terrenos e pessoas experientes

em trabalhos com hortas como: agricultores locais e pais de alunos é fato o

envolvimento da comunidade, mas não é possível afirmar o nível do envolvimento e

de valorização dos saberes. É louvável e desejável o acolhimento das experiências

da comunidade escolar expresso em alguns relatos como no F.65 [...] Muito do

conhecimento vem de nossos alunos, que é a bagagem cultural trazida de casa

(vivência), então, trabalhar este assunto é fácil ou no F.38 [...] a participação efetiva

do nosso zelador/ jardineiro..., que esteve conosco em todas as fases. Porém, é

preciso que se avalie com cautela a qualidade dos saberes envolvidos. A

experiência de grande parte dos agricultores foi adquirida no modelo que se

pretende questionado.

Por outro lado, quando é assumida a postura atenta e crítica aos

conhecimentos trazidos pelos diversos atores sociais, é possível constituir ricos

espaços híbridos e dinâmicos de troca de saberes e aprendizagem, superando a

lógica de transmissão de conhecimento (BRANDÃO, 2012).

Por vezes é necessário empreender uma investigação do que é de fato um

conhecimento tradicional a fim de descobrir o ausentado nas experiências

acumuladas ou nas publicações educativas: Outras foram mencionadas: caruru,

beldroega, bertalha [uma estudante] conhecia a ora-pro-nóbis; [um estudante] a

bertalha. Os estudantes ficaram com a tarefa de entrevistar pessoas da família sobre

plantas comestíveis pouco conhecidas, não vendidas nos mercados (UA.C). São

plantas que ainda podem ser encontradas em quintais, em algumas feiras e são

denominadas, na literatura científica, PANCs - Plantas Alimentícias Não

Convencionais, mas que ao longo dos anos estão sendo excluídas dos cardápios

pelo processo globalizante de padronização da produção e do consumo alimentar. O

empenho na valorização dessas plantas e de seus modos de consumo, além de

propiciar a ecologia dos saberes, se opõe à monocultura da escala dominante e

enfatiza as particularidades culturais locais. Observa-se aqui a possibilidade de sair

do lugar comum (alface, couve, salsa, cebolinha...) e lançar mão de outros cultivos e

preparações culinárias de alimentos presentes no cotidiano doméstico ou nas

memórias da comunidade escolar.

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O entendimento da constituição do gosto alimentar como um fenômeno que

envolve processo complexo de aprendizagem e de que o contexto contemporâneo

tem se caracterizado pela padronização alimentar imposta pelo modelo

agroalimentar vigente - [...] igual do Ajinomoto trabalha na estimulação da língua pra

produzir salivação e você ter a FALSA sensação de SABOR, e que a gente tá

perdendo o sabor - suscita a necessidade de que sejam estabelecidos conflitos,

anúncios e denúncias: [...] a partir do momento que ele pegou aquela folha de

hortelã, botou na boca e relacionou que aquilo ali é o sabor do freegells, nunca mais

ele vai olhar o freegells com a mesma, com o mesmo olho [...] (UA.A.SE). A escolha

de cultivos pode exibir uma possibilidade emergente, apresentação e valorização de

sabores locais e sua inclusão no PNAE. Possibilita colocar em questão o status

conferido a alguns alimentos de fora e o menosprezo por comidas locais.

O PNAE tem promovido ações que encaminham à valorização e ao consumo

de alimentos regionais, ao resgate de cultivos e sabores. As hortas podem contribuir

nesse processo na preservação da cultura alimentar local como a mandioca, que já

é da cultura deles, passou a fazer parte diariamente do cardápio da merenda. (F.5),

na desinvisibilização e na ampliação do repertório gustativo quando estudantes

consomem na escola o que plantaram ou cuidaram: couve, alface, mostarda, cheiro

verde, tomate, jiló, quiabo, mandioca, pimentão, cará, berinjela, chuchu e frutas

como romã, manga, pitanga, amora, graviola, limão e banana (F. 88).

Com a escolha criteriosa do que será cultivado é possível promover a

aproximação de novas, mas antigas, experiências gustativas multirreferenciadas.

Somente dois afirmaram conhecer um “pé-de-milho [...] Apresentamos o fubá. Todos

reconheceram: “Para fazer angu”; “Cuscuz?”; “Bolo de Fubá!”[...] chegamos ao

consumo... mencionaram a família, interior de Minas, avô, avó... . (UA.C). Desse

modo, a inserção da horta no cotidiano escolar visando à educação para o gosto

pode ensejar experiências sensoriais com os alimentos cultivados, ampliando

conhecimentos sobre sua procedência (NEGREIROS, 2010) e o reconhecimento de

consumos alimentares tradicionais inferiorizados na cultura urbana.

A horta escolar, devido aos objetivos pretéritos, já esteve sob a

responsabilidade de uma disciplina. Seus novos objetivos suscitam especulações

que avançam para a abordagem interdisciplinar e a transdisciplinar, de modo que

transformar a agricultura em disciplina, não dá mais e clama-se por toda a escola

integrada nesse mesmo projeto (UA.A.N). Vários dos relatos de experiências

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analisados citam a possibilidade do envolvimento de mais de uma disciplina na

horta. Sejam disciplinas específicas, afirmando que essa pode ser um verdadeiro

laboratório ao ar livre para as aulas de geografia, ciências e Matemática (F.51) ou

estendendo sua utilização como laboratório para estudos e pesquisas nas diferentes

áreas do conhecimento no Ensino Fundamental e Médio (F. 68). Nesses casos, fica

a dúvida se as disciplinas atuariam isoladamente, usando somente o espaço comum

da horta. Em outras situações afirma-se a interdisciplinaridade em ação com

sequências didáticas e com estrutura interdisciplinar (F.40); na consolidação de

trabalhos pedagógicos, numa atitude interdisciplinar (F.26); na maior integração do

corpo docente com atividades interdisciplinares (F. 85).

Se alguns exibem êxito na adoção da interdisciplinaridade, há quem a coloque

como o maior desafio utilizar a horta com todos os educadores que fazem parte do

projeto (F.23) ou que admita o insucesso [...]. As ações interdisciplinares, com

incentivo a manuseio da horta, trabalhos de campo, foram pouco realizadas (F.11).

É importante refletir sobre as formas de participação das diferentes disciplinas

nas atividades da horta. É possível que várias disciplinas estejam envolvidas sem,

no entanto, romper a abordagem puramente disciplinar, fragmentada e eventual. Por

exemplo, a disciplina Matemática entrar na horta somente para atividade de medição

ou a de Ciências quando for tratar do conteúdo programático sobre raízes no 6º ano

(CUNHA, SOUZA e MACHADO, 2010).

Foi possível perceber uma distinção entre duas perspectivas sobre a

interdisciplinaridade. O conjunto interpretado acima tem a horta como ponto de

partida e parece haver a expectativa de que os professores encontrem formas de

explorá-la. O outro conjunto parte da intenção de trabalhar temas relacionados ao

meio ambiente e/ou alimentação – indicados pelos PCNs – para afirmar ações

interdisciplinares e/ou transdisciplinares. Assim, busca-se trabalhar, na prática, os

conteúdos de forma transversal no currículo escolar (F.72), podendo ser,

especificamente, para trabalhar a questão da alimentação de forma interdisciplinar

(F.50) ou a questão ambiental a ser tratada como tema transversal (F.73) atendendo

o que é exigido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (F.90). E ainda pretensões

mais arrojadas visando a articular e desenvolver a educação ambiental, educação

alimentar e as diversas áreas do conhecimento de forma inter e transdisciplinar (F.

31).

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A adoção de perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar para a horta

escolar e sua relação com a alimentação escolar vai muito além da junção de várias

disciplinas ou de identificação de afinidades de conteúdos curriculares. Faz-se

necessário que a inclusão dos temas ocorra de forma integrada e que estes sejam

percebidos para além da sala de aula, permeando o cotidiano escolar, o seu entorno

e também para além dele, trazendo entendimento ampliado sobre o alimento contido

no cardápio e consumido no espaço escolar (SANTOS et al., 2013).

É fundamental que cada agente envolvido na horta escolar tente enxergar para

além das fronteiras de sua disciplina. Entendendo que estamos submetidos a uma

estrutura disciplinar, caberia um esforço pela atitude transdisciplinar (NICOLESCU,

2005) por quem pretenda conduzir ações educativas em geral e, especificamente,

na prática em questão. De tal maneira que um professor de Ciências, durante as

atividades na horta com plantas, pode ir além da botânica e questionar saberes

populares, usos, costumes e, ainda, contribuir com a ortografia dos estudantes; ir

além da zoologia da joaninha e analisá-la esteticamente e ecologicamente. É um

esforço que envolve abertura, muito estudo, diálogo, reflexão e exercício constantes,

que inclui leituras inspiradoras e que podem abrir um leque de possibilidades para

além das fronteiras disciplinares, como visto na troca de e-mails entre os três

membros de projeto com horta para a preparação da atividade de colheita, preparo e

consumo: fui inspirada por algumas leituras durante a semana e estou com várias

ideias [...]. A ideia de cooperação [...], o ato da alimentação num sentido biológico

[...], o desequilíbrio ecológico [...] reflexão em relação aos outros ingredientes, pão

vem de um grão [...]. (UA.C).

A coexistência do hegemônico e do contra-hegemônico em uma mesma prática

pedagógica mantem similaridade com o contexto mais amplo de políticas agrícolas

recentes no Brasil, onde por um lado são lançados programas oficiais que

favorecem práticas agrícolas ecológicas e, por outro, o país continua expandindo

suas áreas de monoculturas e sendo receptor de agrotóxicos já proibidos no

exterior. Ou ainda, com o que pode ser observado nas ações da FAO, que hoje

defende modelos de agriculturas ecológicas e, no entanto, num passado não muito

distante promovia a Revolução Verde.

As interpretações anteriores já trazem implícitas algumas possibilidades de

reforço de elementos hegemônicos, mas vale evidenciar outros itens destacados do

corpus da pesquisa, onde esse aspecto pode ser exemplificado. Essa perspectiva

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também se fará presente nas discussões dos itens subsequentes, sempre que se

fizerem necessários os contrapontos.

A educação ambiental crítica alerta sobre a visão utilitarista que tem marcado a

relação humana com os demais componentes da natureza. O caráter das atividades

agrícolas pode potencializar essa visão e permear o desenvolvimento das ações

com a horta, mesmo quando são expressas preocupações ambientais. Afirmações

como: a hortelã é uma erva que serve para (UA.A.SE) [grifo nosso]..., pode indicar

o quanto o valor das plantas é medido pela sua utilidade direta ao ser humano e

reforça aquele modo de se relacionar com o ambiente.

A definição de aspectos da realidade de forma dicotômica [...] já tô formando a

personalidade dele [...] “oh isso é bom pra você, isso é ruim, o quê que você

escolhe?” (UA.A.SE) limita a problematização, a identificação de nuanças, de

gradações, reduz as alternativas.

A ciência e seus produtos podem ser compreendidos, também por educadores,

como um conjunto de conhecimentos de extrato superior, produzido por seres

iluminados e isso se refletirá na ação pedagógica: [...] eles fizeram um

EXPERIMENTO FANTASTICO [...] (UA.A.SE) [A ênfase nas palavras em destaque

foi dada pela professora entrevistada]. A idealização de um modelo de progresso e

de forma de desenvolvimento incutida na população brasileira pode promover o

deslumbramento em relação à ciência e aos produtos da tecnologia que, por vezes,

enviesa a visão crítica requerida numa ação pedagógica.

Ilustra bem a reflexão anterior o fato da experiência com horta hidropônica

merecer destaque da equipe da premiação AFZ, o que pode revelar exaltação a uma

tecnologia que reforça uma lógica produtivista e que, no contexto brasileiro, pouco

ou nada acrescenta às reflexões que visem a uma horta escolar no ensino

fundamental.

O Formulário 29 descreve a experiência acima mencionada, desenvolvida em

um dos municípios premiados. Reforça aquele deslumbramento quando em seus

objetivos pretende contribuir com uma alimentação mais saudável e ao mesmo

tempo a mudança cultural nos hábitos alimentares. Sendo a hidroponia uma técnica

extremamente artificializada de cultivo, questiona-se o conceito de alimentação

saudável sugerido e a mudança cultural pretendida. Há, ainda, o complemento,

fazendo exaltação ao reconhecimento da excelência da iniciativa pelo prefeito e pela

secretária de educação da cidade, sem que se justifique tal qualificação.

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O cenário que sugere a percepção mágica da ciência, aliado à visão restrita

sobre a agricultura, empobrece as suas possibilidades pedagógicas para o espaço

urbano. Quando a professora de Ciências lamenta não ter horta na escola devido à

falta de espaço (UA.A.S), parece ignorar tais possibilidades.

A percepção limitada sobre a agricultura relativa ao espaço e ao público a ser

atendido pode trazer ainda outros desdobramentos (de) formativos, reforçando uma

visão histórica da inserção da agricultura no ensino formal destinada a desvalidos e

sua preparação para o trabalho agrícola. Além disso, pode ainda reforçar a

dicotomia entre trabalho intelectual e braçal para elite econômica e classes

populares, respectivamente. Essa postura dissocia grupos sociais e dissocia no

próprio indivíduo o cognitivo do corpo físico. Portanto, recomenda-se a adoção de

muita cautela e postura crítica quando da solicitação de horta escolar para

comunidades desfavorecidas economicamente ou direcionada para estudantes

considerados fora dos padrões requeridos, por exemplo: repetentes, indisciplinados,

com dificuldade de aprendizado a fim de que façam algo mais prático na horta

(UA.C).

Todos os elementos e as muitas ações que compõem o cotidiano escolar

desempenham papel na formação da criança e do adolescente, para o bem e para o

mal, sejam idealizados ou não com essa finalidade. O exercício de pensar

recursivamente em um movimento entre esses componentes e entre esses e o todo,

como nos propõe Morin (2007a), cria possibilidades de articulação e enriquece o

potencial educativo. A alimentação escolar, oferecida pelo PNAE, ao ser

considerada como espaço e tempo de aprendizado para a constituição de melhores

hábitos alimentares ou para desencadeamento de processos educativos nesse

sentido, pode ampliar essa perspectiva ao ser devidamente articulada a horta

escolar.

Nas experiências analisadas, as correlações feitas da horta com o PNAE

expõem, em alguma medida, as compreensões que se tem sobre a atividade

agrícola e o PNAE e seus respectivos objetivos na escola. Essas compreensões, por

sua vez, resultam do modo de perceber processos educativos e a realidade mais

ampla. Assim, como a visão restrita ou equivocada sobre a agricultura na escola

pode reforçar modelos hegemônicos que pretendemos problematizar e superar, o

mesmo pode ser afirmado em relação a processos educativos, a Educação

Alimentar e Nutricional e ao PNAE.

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Depreende-se que o pressuposto fundamental para a elaboração da horta

escolar é a admissão da não neutralidade de todos os elementos que compõem os

processos educativos. Este induz à tomada de posição e a escolhas mais coerentes.

Sendo eleitas as perspectivas de inconformismo com o vigente e de transformação

social, procedem-se movimentos em prol de sua consolidação por meio de

identificação e aproximação de instituições e grupos sociais afins e do

aprofundamento de leituras, estudos e debates de referenciais nesse sentido.

A compreensão e a assunção do papel político da educação e da visão

ampliada do que se propõe com a agroecologia são guias fundamentais para não se

cair no reducionismo pedagógico ou na armadilha de fazer mais do mesmo

acreditando agir para a transformação.

5.2 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ESPERADOS PARA HORTAS ESCOLARES?

As interpretações a seguir serão feitas com base no conteúdo relativo à

categoria III Objetivos da atividade.

A análise dos dados indica que as experiências atuais com hortas no Brasil

contemplam diferentes objetivos que variam desde a educação ambiental, a

preocupação em produzir gêneros para atendimento da alimentação escolar, os

aprendizados técnicos, a aquisição de conhecimentos relacionados ao currículo

formal das disciplinas, os processos educativos sobre alimentação, a interações com

os elementos naturais que envolvam a alimentação e o meio ambiente, o estímulo

multissensorial para o aprendizado formal, o atendimento de estudantes especiais, a

promoção simultânea de múltiplos aprendizados, até processos que visem à

democratização do espaço escolar para maior participação da comunidade e

transformação social.

A forma fragmentada de perceber o processo de aprendizagem faz com que se

privilegie a transmissão de conhecimentos nos processos educativos,

permanecendo uma distância entre a intenção teórica e as práticas educativas. Uma

vez que ganha destaque entre os objetivos declarados para as hortas escolares a

contribuição para melhores hábitos alimentares é pertinente relembrar a distinção

feita por Santos (2012) entre orientação nutricional e educação nutricional, sendo

uma caracterizada pela assimilação passiva de conhecimentos e a outra afinada

com a concepção freiriana de aprendizagem, respectivamente. A utilização de uma

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atividade prática não assegura necessariamente que haja participação ativa dos

escolares. Embora esta seja favorecida com ações nesse molde, é possível que

sejam alterados o espaço e os recursos de aprendizagem mantendo-se a lógica

transmissão-recepção.

Muitas das experiências analisadas mostram uma preocupação no

aperfeiçoamento técnico, por vezes, em primeiro plano, especialmente naquelas

escolas localizadas em áreas rurais (UA.A.N), com a intenção de introduzir práticas

ecologicamente mais adequadas, ou seja, ensinar e incentivar técnicas orgânicas

[...] valorizando a agricultura, melhorando o meio ambiente com técnicas

sustentáveis (F.13).

A relação da horta com o PNAE, manifestada em grande parte das

experiências, pode sinalizar para uma visão restrita de função de complementação

de gêneros alimentícios. Quando o objetivo principal expresso da horta é a produção

pra merenda (F.8; UA.A.N), manifestando necessidade de reforçar e enriquecer a

merenda escolar (F.26) ou a sua melhora na qualidade (F.37) ou trazer variedade no

cardápio (F.42; F.54; F.68); conseguir redução de gastos com a mesma para poder

investir na compra de outros itens para complementar a merenda [...] (F.68), há

indicação de falhas no cumprimento do expresso no escopo do PNAE. Não parece

que a produção de hortas escolares para a realização de atividades com os

estudantes e a utilização dos alimentos produzidos na alimentação ofertada na

escola sugeridos pela Portaria Interministerial 1010 (BRASIL, 2006) caminhe nesse

sentido. Entende-se que a vinculação dos produtos da horta ao consumo na

alimentação escolar não deveria se pautar numa carência de qualidade ou

quantidade desta última.

Espera-se que a horta seja aliada do PNAE no favorecimento de ações

voltadas à Educação Alimentar e Nutricional, sendo possível perceber um número

expressivo de escolas que relataram utilizar a horta como espaço de promoção da

alimentação saudável (BERNARDON, 2011). Assim, as hortas têm sido

consideradas, nesses projetos, como uma estratégia (F.5) importante para ensinar

escolares a se alimentarem melhor, favorecendo a aceitação dos alimentos

oferecidos pelo PNAE. A horta, ao associar cultivo e consumo, funcionaria como

uma ferramenta para incentivar os alunos a consumirem verduras e legumes (F.4).

O entendimento da infância como o momento propício à aprendizagem

alimentar e o fato de grande parte desse período ser a vivência escolar são

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reforçados na afirmação de que a criança vai aprender desde cedo que alimentar-se

bem é alimentar-se variadamente (UA.A.CO). A FAO reitera esse objetivo quando

afirma que as hortas escolares comprovadamente promovem a nutrição infantil ao

aproximarem as crianças da horticultura (FAO, 2012). Porém, há estudos que

indicam a necessidade de aprofundamento desses resultados a fim de avaliar

melhor o uso e o impacto da horta como instrumento de promoção da alimentação

saudável nas escolas, uma vez que a maioria dos trabalhos científicos omite

aspectos importantes do processo pedagógico da atividade (BERNARDON, 2011;

SANTOS, 2012).

A percepção dos atores sociais do espaço escolar em relação à horta, de um

modo geral, não desvincula alimentação e meio ambiente, assim, na prática, os

objetivos para esses dois campos se integram porque quando você trabalha essa

questão da alimentação saudável e aí vem carregando uma série de questões ali,

principalmente em relação à questão do meio ambiente, porque tá relacionado.

Nesse bojo defende-se um trabalho estruturado e contínuo, tendo em conta que as

crianças das séries iniciais irão permanecer anos nessa escola (UA.A.N). Objetivos

que articulam alimentação e meio ambiente ganham destaque em bairros urbanos

de classes populares pelo entendimento de hortas como um ambiente saudável

capaz de promover conexão com a natureza (FAO, 2012).

Um objetivo para hortas escolares que guarda coerência com o proposto na

horticultura terapêutica é a inclusão de estudantes com dificuldades de

aprendizagem. Há a aposta de que os estímulos de vários sentidos proporcionados

pelo contato com a terra e o alimento [...] podem proporcionar ao aluno

conhecimento. É a sensibilização do aluno especial [...] a horta traz pra eles uma

oportunidade, de aprendizado, entendeu? (UA.A.SE). Nesse caso, estariam

incluídos estudantes considerados com necessidades especiais, de ordens distintas,

e também os que assim não são classificados, mas que não se adaptam bem aos

métodos convencionais de ensino. Vale ressaltar que o estímulo multissensorial,

como já mencionado, pode favorecer maior interação interpessoal e o aprendizado

de qualquer indivíduo.

Os objetivos relacionados ao Ensino de Ciências, inevitavelmente, se fazem

presentes ora de forma mais restrita à disciplina, como no caso em que se privilegia

um conteúdo específico constante no livro como a germinação (UA.A.SE), ou mais

ampla, tendo em vista o tema alimentação abordando questões como: processos de

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produção e consumo, segurança alimentar e alimentação saudável (UA.C). Podem

estar incluídos os objetivos exclusivamente voltados para a educação ambiental, que

se fazem presentes em intervenções com hortas escolares no contexto de projetos e

pesquisas científicas onde os campos da saúde e da educação ambiental são

delimitados, constando entre os objetivos a sensibilização ambiental, auxílio na

gestão em saúde ambiental em espaço urbano e envolvimento de escolares de

áreas rurais em questões como o desmatamento, a erosão, a questão do lixo, a

poluição por agrotóxico, o desequilíbrio ecológico, entre outros (RIBEIRO, 2002;

SILVA, 2011; CORREIA, 2012).

Se por um lado há objetivos que explicitam ações concretas sem, no entanto,

esclarecer filiações a teorias sociais mais amplas, há outros que partem de

posicionamentos políticos mais ambiciosos que tentam dar conta de impactar

diretamente a comunidade para além dos muros escolares, buscando transformação

social. Los huertos escolares ecológicos forman parte actualmente de una

recuperación del valor de la alimentación junto con grupos de consumidores/as de

productos agroecológicos... [...]. Y no nos referimos al consumo de las escuelas,

sino al proceso de cambio educativo y comunitario que impulsa (LLERENA e

ESPINET, no prelo). Esses objetivos demandam relações diferenciadas e muito

mais estreitas com o entorno escolar, assim, a horta pode ser uma forma de

promover a democratização do espaço escolar por possibilitar a participação da

comunidade (TREVISAN, 2009).

No entanto, a maioria dos relatos declara abordagens que correlacionam os

objetivos da Educação Ambiental e os da Educação Alimentar e Nutricional e ações

interdisciplinares e transdisciplinares, sendo marcante a proposição de múltiplos

aprendizados pelo imbricamento dos objetivos citados, entre si, e desses com

outros. Essa intenção fica explícita em títulos de projeto como Projeto Horta na

Escola - Educação Ambiental, Alimentar e Nutricional, que pretende promover a

educação ambiental, alimentar e nutricional, utilizando a horta como possibilidade

para integrar temas fundamentais ao cotidiano dos alunos, dos pais e da

comunidade em geral (F.56). Há situações nas quais há mais detalhamento e

expansão daqueles objetivos como incentivar a valorização da cultura do homem do

campo, o manuseio do solo e as técnicas com o cultivo de hortaliças orgânicas e seu

consumo na merenda escolar (F.8). Ou aquelas nas quais se somam os objetivos de

criar, na escola, uma área verde produtiva pela qual, todos se sintam responsáveis;

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despertar o interesse para o cultivo de horta e conhecimento do processo de

germinação; dar oportunidade de aprender a cultivar plantas utilizadas como

alimentos; degustação do alimento semeado, cultivado e colhido; conscientizar da

importância de estar saboreando um alimento saudável e nutritivo (F.69). Há ainda

os que acrescentam a promoção do contato com o ciclo da natureza, desenvolver a

afetividade, sensibilidade como expresso no folheto de divulgação da Quinta

Pedagógica em Braga/Portugal.

Quando os objetivos são bem delineados e mensuráveis fica mais fácil

perceber os caminhos a serem percorridos para seu alcance. A multiplicidade de

aprendizagens e objetivos pode se configurar em problema pela dificuldade de

identificar quais ações e procedimentos estariam vinculados a cada um dos

objetivos.

Essa perspectiva requer metodologia educativa com olhar complexo, sendo

possível estabelecer outras interações, ainda que a partir de um tema central eleito

como, por exemplo, plantas medicinais e, a partir dele, contemplar aspectos

culturais, fortalecimento da relação humana com o ambiente natural, além de

exercitar uma abordagem que privilegie a participação e a troca de saberes

(SILVEIRA e FARIAS, 2009).

Compreende-se e acata-se como pertinente a sugestão de muitos e diferentes

objetivos devido aos conteúdos diversificados inerentes à horta escolar, que sejam

conceituais, procedimentais e atitudinais, bem como suas interconexões. Porém, é

necessário distingui-los em suas peculiaridades para percebê-los nas relações com

os demais objetivos e com cada um dos componentes concretos e abstratos que

compõem o desenvolvimento da atividade.

5.3 O QUE CONSIDERAR PARA OS RECURSOS MATERIAIS E PARA A

ESTRUTURA FÍSICA DA HORTA ESCOLAR?

Serão utilizadas para a interpretação as subcategorias IV.c Material utilizado

e IV.d Segurança e adaptações do espaço físico inseridas na categoria IV

Desenvolvimento da atividade.

Nessa discussão será considerada a preocupação com estrutura material para

o desenvolvimento da atividade, tais como o aspecto ergonômico, as ferramentas,

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os itens de proteção e segurança utilizados, a estética adotada e as adaptações em

prol da inclusão de eventuais diferenças físicas entre os escolares.

De um modo geral, a preocupação e os cuidados com a saúde e proteção dos

trabalhadores em seu local de trabalho manifestados nos avanços da legislação, na

crescente cobrança das organizações sindicais e nas denúncias que se tornaram

públicas, não evoluíram na mesma proporção para os trabalhadores do campo. Uma

evidência do mencionado é o fato de que só recentemente, em outubro de 2013, foi

reconhecida a profissão de vaqueiro.

Pode-se opinar que há duas razões para a pouca visibilidade dos homens e

das mulheres (e também das crianças) que exercem a atividade agrícola. A primeira,

mais concreta e literal, se refere ao local onde esta se desenvolve: distante,

escondido, fora do alcance dos olhos da maioria da população. A segunda é mais

complexa e tem raízes históricas no escravagismo e na informalidade, dificultando o

reconhecimento da atividade como profissão. Como as consequências advindas

tornam-se também invisíveis, pouco empenho há em medidas preventivas.

Essas reflexões buscam o entendimento dos descuidos observados com a

organização funcional e estética, a segurança, a proteção, o conforto e a saúde do

estudante quando da proposta do desenvolvimento de atividade agrícola na escola.

Sendo a saúde do escolar a justificativa basilar da horta na escola, esses itens

se tornam fundamentais para aprendizados que se referem aos seus determinantes

cotidianos. Nas 91 experiências analisadas no contexto brasileiro pouca ou

nenhuma atenção foi dada a esses parâmetros.

No que se refere a localização, organização espacial, distribuição e

dimensionamento dos canteiros da horta, a obediência a critérios técnicos de

produção orientados por profissionais como agrônomo, técnico agrícola ou práticos,

pode não coincidir com o melhor desenho pedagógico, como pode ser visto na

crítica apresentada na experiência no F.40: A horta que tínhamos era pouco utilizada

pelas crianças, pois era inadequada e não tinha acesso, sendo que as mesmas

precisavam pular em cima dos canteiros para alcançar as hortaliças.[...]. Constatado

o problema, a horta foi construída num espaço agradável e de fácil acesso para as

crianças.

A localização e a acessibilidade são fatores que, ao fazerem parte ou não da

horta no espaço escolar, influenciam na sua inclusão pedagógica. Fica sugerido que

o local escolhido e a forma de estruturação, além de levar em conta critérios

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técnicos para a agricultura, como a incidência solar, devem considerar o fácil acesso

e a visibilidade aos estudantes de modo que a horta esteja integrada ao contexto

escolar como um equipamento pedagógico e não como um apêndice. É necessário

também que sejam favorecidos os deslocamentos dos estudantes durante a

atividade.

Em alguns daqueles relatos foi encontrada correspondência com movimento

recente voltado para a estética dos canteiros, concretizado em novas formas

geométricas e cores e que pode ser conferido em diversas fotografias de hortas

escolares publicadas na Web. Aparece também o apelo à participação dos

estudantes nessa composição [...] a parte referente ao paisagismo foi feita com

desenhos de autoria dos alunos (F.14).

Podemos encontrar correlações com as características da agricultura urbana,

na qual as concepções de jardinagem influenciam na organização e na estética

agrícola [...] foram criadas hortas aéreas, em formato de mandalas e até como

canteiros de muros (F.33).

Considerar o impacto visual positivo e o ambiente agradável como parâmetros

importantes para o processo de aprendizagem pode incluir escolhas de cores e

formas, preparação de áreas sombreadas com bancos, por exemplo, sempre com

respaldo em avaliações de suas funções pedagógicas.

Ao lado da questão estética, aparece na escolha de materiais o apelo

ecológico: os canteiros serão construídos a partir de garrafas pet, possibilitando

economia e o reaproveitamento de materiais (F.56). Tal atitude nem sempre suscita

maiores reflexões pedagógicas, podendo ser apresentada como a reprodução de um

modismo.

Ainda na perspectiva ecológica, é frequente o uso do termo orgânico/orgânica

para adjetivar a prática em si (horta orgânica), seus produtos (alimento orgânico) ou

somente os insumos utilizados (adubo orgânico). Em relação ao adubo orgânico

podem ocorrer descuidos quanto à inocuidade do material e as formas de manuseio.

A falta de critérios no que se refere a sua origem pode, sem os devidos cuidados,

trazer risco de contaminação biológica: o adubo utilizado foi doado por uma mãe

(F.30). Há disponível, em lojas especializadas, algumas marcas de adubos

orgânicos tratados e livres de patógenos. Assim como é possível a preparação ou o

tratamento de adubos no espaço escolar, desde que sejam adotados técnicas e

cuidados apropriados.

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Nesse mesmo contexto, a aquisição e a utilização das sementes relatadas nos

formulários também merecem atenção. Para um cultivo pretensamente orgânico ou

atento aos princípios agroecológicos, as sementes deveriam ser livres de

agrotóxicos e não transgênicas. As sementes convencionais são tratadas com

substâncias tóxicas, o que é descrito e alertado em suas embalagens. Em alguns

relatos são mencionadas doações, inclusive efetuadas por empresas agroalimentares

multinacionais [...] [NOME DA EMPRESA] [...] disponibiliza sementes, equipamentos e

mão de obra técnica especializada para a viabilização da horta em cada unidade

escolar (F.42).

Sem entrar no mérito das possíveis incongruências de objetivos na relação da

escola com a empresa doadora e suas consequências pedagógicas, se observou que

em nenhum dos formulários foi feita qualquer alusão a características das sementes ou

aos cuidados no seu manuseio. O ato de semear tem uma representação simbólica

importante na horta escolar e, dada a sua relativa facilidade, envolve crianças de

idades variadas. É o que encontramos minuciosamente descrito no Formulário 46

no processo de semeadura realizado por crianças de diferentes níveis da educação

infantil.

A ignorância, assim como a negligência em relação às sementes utilizadas,

põe em risco a saúde dos estudantes, como informado nas embalagens de uma

marca comercial disponível no mercado: [...] pode causar irritação na pele e nos

olhos e intoxicação se inalado ou ingerido.

Embora não seja o mais comum, já é possível encontrar em lojas

especializadas sementes sem veneno ou obtê-las com associações ou grupos de

pesquisa vinculados a agriculturas de cunho ecológico. O uso dessas sementes ou,

na impossibilidade, o uso de luvas e a explicitação da situação e suas implicações

para a saúde do estudante e do agricultor, merecem visibilidade no planejamento

pedagógico.

Assim como ocorre com as sementes, a aquisição de outros materiais e

equipamentos necessários para a elaboração das hortas, de um modo geral,

descuida da integridade física dos escolares ao se basear exclusivamente naqueles

listados para a agricultura comercial, como enxada, pá, regador...; garfos, colher de

jardineiro, sementes e carro de mão...; regadores, baldes, telas, madeira, terra etc.;

rastelo, mangueira, canos e torneira para canalizar água... (UA.A.N; F.7; F.54).

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Fatores relativos à segurança dos escolares são ausentes na quase totalidade

dos 91 formulários. Em um deles nota-se a preocupação com o acesso das crianças

à horta, que não deve oferecer risco algum de acidentes (F.51). Foi citado, em outro

contexto, um caso de acidente devido ao difícil acesso à horta, no qual uma criança

caiu no córrego, resultando em problema para o professor que a partir de então

resolveu não arriscar e desistiu da atividade (UA.A.CO).

Na experiência relatada em UA.A.SE, há ênfase no potencial da horta para a

inclusão do aluno cadeirante, do aluno cego, do aluno surdo, porém, não há

qualquer referência a adaptações para esse fim.

Nas experiências descritas nos 91 formulários e também em UA.A não foram

observadas citações a aspectos ergonômicos ou a equipamentos específicos para

escolares nas atividades nas hortas que visassem à segurança individual e coletiva.

No entanto, em UA.C, foi possível identificar atenção a vários aspectos

negligenciados no total de experiências dos conjuntos analisados anteriormente. Serão

expostos, então, os elementos que foram considerados e que, consequentemente,

revelam aqueles que têm sido desconsiderados em intervenções com hortas com

objetivos voltados para a saúde do escolar.

Na referida intervenção, a funcionalidade pedagógica da horta foi contemplada

no processo desde a elaboração de seu desenho. A questão foi posta para os

escolares a partir de um esboço com canteiros semicirculares, o que deveria

acomodar o equivalente a uma turma de 35 estudantes de modo que os

movimentos, os deslocamentos e as explanações fluíssem satisfatoriamente durante

as atividades na horta. Assim, com a influência direta dos estudantes de idades

variadas, foram propostas, entre outras coisas, descontinuidades e espaçamentos mais

funcionais para os canteiros: as crianças fizeram simulações para calcularmos o

tamanho ideal dos canteiros e dos espaços entre eles. Foi sugerida, pelos alunos, a

elevação do espaço central da horta para facilitar as demonstrações/ exposições

orais (UA.C).

Há a indicação de que a organização do espaço considerou a funcionalidade, a

distribuição e a facilidade de circulação, tendo em conta a quantidade e a diversidade

de escolares a serem atendidos. Para a estruturação dos canteiros foram reutilizados

blocos cilíndricos de cimento. O aproveitamento desse material, existente

previamente no local, para a delimitação dos canteiros parece mais coerente com o

critério ecológico do que o seu descarte para a adesão ao reaproveitamento de

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outros materiais como garrafas plásticas. É preciso cuidado com a sedução por

escolhas “ecológicas” de materiais sem uma reflexão profunda sobre seus objetivos

e impactos educativos.

A inclusão da ergonomia e de elementos de proteção e segurança foi aprimorada,

também, com a participação dos estudantes na identificação de necessidades do uso

de outros itens. Assim, foram feitas, por todos, anotações em papel deixado sobre a

mesa para esse fim. Foram registrados: repelente, protetor solar, sabonete, varal

para secagem das luvas, vassoura, mais botas pequenas [...] (UA.C).

O empenho físico, rotineiro e reflexivo dos estudantes na execução das

atividades da horta pareceu ser um fator determinante na percepção de requisitos de

proteção e segurança individual e coletivo. O corpo em movimento laboral revela

suas demandas: [...] alunos que fizeram questão de dar continuidade à montagem

dos canteiros, desconsiderando a chuva fina que caia. Foi sugerida a necessidade

de adquirirmos capas de chuva (UA.C).

A diversidade de estudantes envolvidos nos trabalhos com a horta suscita a

observação das características peculiares e expõe inadequações em relação às

ferramentas usuais: [...] Adquirimos uma “enxada de jardim” e estamos estudando a

possibilidade de adaptá-la com cabo de vassouras ao uso de crianças menores. As

enxadas usuais são grandes e pesadas, impróprias para crianças (UA.C).

Além de botas, luvas, protetor solar, repelente, capas de chuva e adaptações de

ferramentas para crianças menores, foram também considerados importantes o uso de

chapéus para reforçar a proteção contra o sol, de aventais para evitar sujar o uniforme

escolar e a implantação de uma estrutura próxima com tanque e torneira que facilitasse

a higiene pessoal, das ferramentas e dos equipamentos.

Esses aspectos, ainda negligenciados no Brasil, foram observados na Quinta

Pedagógica na cidade do Porto/Portugal, na qual as escolas, ao levarem as crianças

para a atividade na horta, são orientadas sobre a adequação de roupas, calçados e uso

de chapéus ou bonés e de capas para dias chuvosos. Além disso, são usados aventais

e ferramentas de jardinagem apropriadas à idade. Também no Instituto Alícia/Espanha,

as ferramentas como enxadas, ancinhos, pás e carrinhos de mão são adequadas ao

tamanho dos estudantes.

Outra dimensão, já sinalizada, a ser considerada na elaboração da horta é que

esta tenha um desenho inclusivo. Os resultados da pesquisa sugerem diferentes formas

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de inclusão. A acessibilidade precisa ser pensada para o atendimento das possíveis

diferenças humanas em função da idade e de necessidades especiais.

Revejo minhas fotos antigas das hortas em escolas nas quais trabalhei. Numa

delas eu estou em meio a vários estudantes que alegremente realizam a atividade

de plantio de mudas produzidas em bandejas. O agrônomo distribui com cuidado as

mudas e orienta a ação. Lá está um estudante em cadeira de rodas, rindo com os

outros. Naquelas condições seria inviável circular entre os canteiros ou participar da

atividade de plantio. Ele ficou à margem e eu, tão atenta, tão justa, tão politicamente

correta, não percebia a exclusão. Muitos anos se passaram para que esse aspecto

fosse por mim percebido.

Em visita a uma escola especial no município de Itaguaí-RJ me foram

apresentados canteiros suspensos para o manuseio por cadeirantes, o que seria

natural uma vez que o espaço todo é pensado em termos de adaptações. Na

literatura sobre hortas terapêuticas em Portugal a lógica é a mesma. Em outro

contexto no mesmo país a forração sintética usada entre os canteiros na Quinta

Pedagógica de Porto foi pensada a partir da visita de um estudante cadeirante.

Podemos acrescentar, ainda, a construção de rampas, de canteiros com diferentes

alturas e outras formas de obter superfícies regulares e facilitar o acesso.

Os itens apresentados apontam sugestões e encaminham para a necessidade de

elaboração, por uma equipe multidisciplinar em conjunto com a comunidade escolar, de

equipamentos, de materiais e de orientações adequados para o desenvolvimento das

ações nas hortas escolares.

5.4 COMO DESENVOLVER A ATIVIDADE?

A aproximação e o aprofundamento de referenciais contra-hegemônicos

conduzem a elaboração de objetivos e a organização de espaço e de recursos

materiais correspondentes. Entretanto, fomos e somos forjados diariamente sob a

égide dos modelos hegemônicos de forma que, mesmo com um intenso exercício

cognitivo contra-hegemônico, ambos podem coexistir em nós. É o que Guimarães

(2006) chama de armadilha paradigmática, quando se refere a ações em Educação

Ambiental, e que pode ser aplicado a outras áreas de conhecimento, ou seja,

mesmo o indivíduo imbuído de um sentimento contra-hegemônico pode incorrer na

reprodução de fazeres pedagógicos ditados pela racionalidade hegemônica. Assim,

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a intenção não é ditar regras sobre a forma de conduzir as ações pedagógicas na

horta, mas ajudar a refletir sobre as mesmas a partir de elementos já percebidos em

outras experiências, alertar para as armadilhas e apontar caminhos.

Os componentes da categoria IV, denominada “Desenvolvimento da

atividade”, trazem um elenco de aspectos importantes nesse sentido e subsidiam as

discussões a seguir. São eles: as habilidades e os conhecimentos necessários para

elaborar e conduzir a atividade (IV.a); as formas de participação dos estudantes

(IV.b); algumas dificuldades recorrentes e as formas de superação (IV.e); a

participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes) (IV.f); algumas

estratégias didáticas (IV.g).

A construção e a condução das atividades na horta escolar demandam

habilidades e conhecimentos relacionados aos aspectos teóricos e práticos de

agricultura, assim como aqueles referentes à mediação de uma ação pedagógica

com crianças e adolescentes. Por vezes há o desejo por parte de membros da

escola de ter uma horta devido ao histórico de vida e afinidade pessoal com a

agricultura como uma grande vivência na terra por ser de família de agricultores

(UA.A.SE) ou, como tem sido comum, a aproximação ocorre pelas temáticas da

disciplina curricular. Nesse caso, há uma alta frequência do envolvimento por ser

professor de ciências (UA.A.N).

Partir para a ação lançando mão, exclusivamente, do vínculo afetivo ou dos

conhecimentos científicos ou dos conhecimentos práticos ou da liderança

pedagógica não tem se mostrado suficiente para o sucesso da empreitada,

culminando em frustração como mostra a professora de Ciências [...] eu tive vontade

de fazer, mas imagina, não sabia fazer nada... Alguns alunos, muito interessados

pegavam a enxada, a gente capinou o terreno primeiro... Então, a coisa não

funcionou, infelizmente não deu pra andar, e eu fiquei meio frustrada (UA.C). Em

outras situações só o domínio técnico não assegura uma ação didaticamente

adequada: [...] mais três alunos que mostraram interesse em participar da oficina de

hortas. Eu que sou "desse jeito permissivo" deixei. Só que eles atrapalharam o

tempo todo (UA.C). A avaliação de um professor sobre o insucesso da ação do

técnico na horta escolar esclarece e sintetiza as duas situações anteriores: [...] vai

ter que lidar com crianças... Além de lidar com a terra ela tem que tá sabendo

socializar aquele conhecimento [...] (UA.A.N).

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É possível observar que, além dos conhecimentos sobre técnicas em

agricultura e habilidade para mediar as ações, outras qualificações são demandadas

nas atividades com hortas e, assim como muitos professores, os coordenadores

pedagógicos também não se sentem aptos a trabalhar os temas alimentação e

nutrição que subsidiariam tais práticas. Parece ser necessária a conjugação de

conhecimentos e habilidades, os quais nem sempre estão reunidos em um mesmo

indivíduo.

Assim, sem exclusividade, o conhecimento técnico é apresentado como uma

necessidade importante, tanto para o início das ações como a formação dos

canteiros e dimensionamento do espaço para a realização dos cultivos [...] (F.7),

como ao longo do processo alertando sobre alguns descuidos e equívocos

cometidos [...] (UA.C). É preciso atentar para a formação desse colaborador, seja

um prático ou um técnico, especialmente quando a proposta é de agricultura

diferente da convencional e há necessidade de ministrar os conteúdos teóricos e

práticos sobre o cultivo de hortas orgânicas (F.86). O apoio oferecido por empresas

privadas necessita ser analisado com cautela. As parcerias intersetoriais com órgãos

públicos são bem-vindas e podem viabilizar o apoio de profissionais especializados

tanto para a agricultura quanto para as orientações relativas à alimentação. No

entanto, não pode haver descuido com modelo de agricultura e com a abordagem

educativa pretendida.

Assim temos três eixos fundamentais e indissociáveis de conhecimentos e

habilidades para a condução das ações na horta escolar: a agricultura, a

alimentação e o pedagógico. Esses precisam se articular de tal forma que a

perspectiva educativa perpasse cada etapa dessa prática pedagógica.

Pode-se afirmar que é unânime a opinião favorável à participação de crianças e

adolescentes nas hortas escolares, porém, o mesmo não se pode dizer em relação à

forma como isso deva ocorrer e ao grau de envolvimento destes nos afazeres

requeridos para a construção e a manutenção.

Na maioria das experiências analisadas o empenho físico é afirmado, porém, é

mencionado de diferentes formas. Poucos trazem detalhes sobre esse item, ainda

assim o exposto indica que as tarefas da horta, na maioria dos casos, não são

assumidas integralmente pelas crianças, havendo mão de obra adulta no que parece

ser considerado mais “pesado”.

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Há algumas poucas situações em que se sugere a participação de todos em

tudo: Todas as atividades envolveram os alunos da escola. (F.73) e é realizado na

escola com a participação de todos os alunos, desde o berçário até o 1º período,

com alunos de 4 anos (F.88). Porém, ter participação em tudo não indica

necessariamente ter realizado todas as etapas. Em outras, sem que sejam

esclarecidos os critérios, há os eleitos em uma determinada turma: [...] os

professores, geralmente, escolhiam alguns alunos, não era a turma (UA.A.N). Ou de

modo mais amplo, turmas inteiras: [...] turmas do 6º ano à 8ª série, que ajudam no

preparo dos canteiros, bem como no plantio de mudas de hortaliças produzidas na

própria escola, também auxiliando na limpeza dos canteiros e manutenção do

minhocário (F.72).

Muitos dos relatos especificam o envolvimento parcial dos escolares nas

atividades estando presente a ideia de ajudar, ou seja, eles ajudam, por exemplo, a

produzir as bandejas [de mudas] (UA.A.CO); ou regando, retirando as ervas

daninhas e também ajudando na colheita (F.83).

Foram encontradas elaborações minuciosas buscando adequação para as

várias faixas etárias em creches e unidades de educação infantil, por exemplo, o

berçário e grupo de 1 ano cultiva o tomateiro na porta das salas, pois as crianças

ainda não conseguem se locomover diariamente para a horta. As turmas de 2, 3 e 4

anos visitam diariamente a horta, com rodízio dos alunos para a observação e

cuidados necessários. Nesse caso, foi montado um cronograma no qual, de 40 em

40 minutos, 5 alunos de cada turma são convidados na sala de aula para

participarem do Projeto, de forma que durante a semana sua presença é garantida

pelo menos uma vez (F.88). Podemos supor que com o esquema apresentado a

existência da horta estaria assegurada como resultado de uma construção laboral de

todos. Entretanto, fica difícil avaliar as perdas e os ganhos pedagógicos com essa

subdivisão de um trabalho coletivo, uma vez que não foi apresentado o

detalhamento da ação educativa.

Em outra experiência, além de buscar a adequação do trabalho físico em

função da faixa etária, a horta foi parcelada para ficar sob a responsabilidade de

turmas determinadas: Infantil I A: canteiro 1- semente de salsa Infantil I B: canteiro 2

- semente de cebolinha Infantil II A: canteiro 3 - semente de cenoura [...]. Assim,

cada turma cuida da manutenção do seu canteiro, organizando um período do dia

para esse trabalho: regar, tirar os matinhos, etc. Houve aqui, como na outra

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experiência apresentada, a preocupação em incluir os menores [...] Berçários e

Inicial A e B participarão do projeto por meio de visitas na horta e degustação de

alimentos. A equipe informa que conta com o auxílio de uma funcionária para a

manutenção diária da horta. (F.46). Vemos aqui outra forma de partilhar o trabalho,

na qual fica mais explícita a responsabilidade atribuída a cada turma e o canteiro

como resultado da ação conjunta e diária de um grupo. Queremos acreditar que não

houve estímulos a comportamentos de possessividade e disputas e que a totalidade

dos canteiros foi tratada como uma obra única proveniente do esforço coletivo.

Ainda, nesse último caso, é interessante destacar a valorização da conjugação

corpo em movimento, cognição e elementos naturais para o aprendizado no

contexto da horta: [...] revolver a terra, plantar, arrancar mato, podar, regar não só

constituem ótimo exercício físico como representam uma forma de aprendizado

saudável e criativa, tal qual o contato com as coisas da natureza (F.46).

O enviesamento de paradigmas e a pouca clareza sobre os objetivos da

atividade podem trazer incertezas sobre a participação dos escolares ao longo do

processo de implantação e manutenção de uma horta. Essas incertezas parecem,

em muitos casos, estar vinculadas a uma questão histórica e simbólica maior: o

estudante deve ou não pegar na enxada? Eis a questão!

Em pesquisa anterior sobre as percepções da comunidade escolar sobre as

hortas, embora tenha sido constatado um consenso em relação à sua importância

na escola, foi possível perceber a imprecisão no que se refere às tarefas que as

crianças podem e/ou devem realizar, bem como ao coeficiente de seu empenho

físico. A conclusão a que se chegou naquela investigação é de que a questão chave

estaria na representação que se tem da atividade, ou seja, o que estaria sendo

considerado trabalho penoso para crianças poderia estar mais relacionado a

representação simbólica do trabalho braçal, especialmente do agrícola, do que ao

desgaste físico proporcionado. A comparação entre as taxas de energia

empreendida numa atividade esportiva e na construção e em cuidados coletivos de

uma horta – e a maneira como são usualmente percebidas tais diligências – nos

parece emblemática (SILVA, 2010, p.225).

O planejamento, a elaboração e a manutenção de uma horta escolar não se

constituem em tarefa simples. As modalidades e os graus de dificuldades vão variar

em função das variáveis locais que envolvem desde desejos e empenhos pessoais e

coletivos à disponibilidade ou possibilidade de acesso a informações, recursos

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humanos e materiais. Há entraves que se mostram comuns a várias iniciativas e

que, por vezes, podem ser vistos como barreiras intransponíveis. No entanto, as

experiências bem sucedidas mostram que tais obstáculos são passíveis de

superação.

Nos relatos, um problema apresentado como de difícil solução é a execução

do trabalho braçal/manual exigido pela horta. Aqui encontramos paralelo com as

discussões sobre o empenho laboral dos estudantes e a questão da enxada.

Lamenta-se a carência de um funcionário específico para essa atividade, que

normalmente se distribui entre vigias, serventes, auxiliares de limpeza, etc., o que

causa descontentamento e discussões a respeito de quem vai fazê-lo, necessitando,

assim, de empenho da direção e da coordenação da escola para estimular e motivar

os profissionais a realizar a manutenção das hortas, sejam professores, alunos,

vigias, merendeiras etc. (F.11).

Considerando que a iniciativa para a elaboração da horta parta de um

professor ou de alguem que não poderá dispor de tempo exclusivo para se dedicar à

atividade por conta da carga horária, esse negócio todo, muitas turmas (UA.A.N) e,

estando presente o entendimento de que os estudantes não serão aqueles que

pegarão no “pesado” na construção e manutenção da horta, além dos argumentos

de que há um amplo currículo a cumprir, de que há os finais de semana, os recessos

escolares, os feriados e as férias, surge como problema encontrar, na comunidade

escolar, alguém que assuma essas tarefas porque é trabalhoso e não tem nenhuma

pessoa pra gerenciar (UA.A.N).

Assim é lamentada a falta de mão-de-obra para a construção dos canteiros e

transporte para insumos [...] (F.58) e a dificuldade de encontrar um profissional com

perfil para trabalhar com Horta Escolar e as etapas de limpeza e preparação do

terreno a ser cultivado (F.89) e de garantir a participação efetiva de todos os alunos

(F.74). Uma possibilidade sugerida nas experiências analisadas é a cessão de

profissionais de outros órgãos públicos para a preparação do terreno e a montagem

da estrutura inicial. Ou ainda que seja autorizado, pelos órgãos competentes, o

financiamento para construção dos canteiros (F.4), tendo como perspectiva um

equipamento pedagógico.

Foi possível observar posturas diferentes na resolução desse problema e que

parecem estar relacionadas ao perfil da pessoa que conduz a atividade e do grupo

atendido. Como mencionado, destaca-se a percepção de que seja necessária a

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presença de um trabalhador braçal (Não alguém para compartilhar experiências!)

por se considerar que as tarefas da horta não deveriam ficar todas a cargo dos

estudantes. Seria o caso de analisar tal escolha à luz da complexidade e tentar

compreender as dimensões envolvidas e possíveis implicações pedagógicas.

Em contrapartida, o empenho físico mais intenso, tanto do professor quanto

das crianças e adolescentes, aparece naturalizado em alguns casos, fazendo com

que esse fator não conste como dificuldade: [...] tivemos que tirar a grama, que „tava‟

plantada, né, aos pedacinhos, com as crianças, cavar em volta [...] (UA.A.SE),

embora falte precisão sobre a extensão laboral dos estudantes na maioria dos

relatos nos quais se afirma a sua participação. Há situações em que fica explícito

que os alunos, junto com os técnicos e os pais, preparavam a terra dos canteiros

para o plantio. E após era realizado o plantio, cada participante plantou uma muda.

Os próprios alunos realizam a manutenção da horta escolar (F. 61).

A ausência de suporte material e/ou recursos financeiros para a construção e

manutenção da horta também é apontada como dificuldade (F.4). O problema tem

sido resolvido com doações provenientes do professor: [...] eu trouxe um regador de

casa ou de outros membros da comunidade escolar [...] um pai que trabalhava na

prefeitura [...] trouxe mesmo, adubo orgânico, trouxe vários sacos, né? De adubo, de

terra, adubo orgânico doou ainda uma, uma enxadinha, uma pazinha, e tal e é com

isso que a gente trabalha até hoje (UA.A.SE). A situação nos coloca diante de um

impasse. Por um lado, o voluntariado, ao partir de um intenso desejo de realizar

algo, propicia mais envolvimento e pode consolidar maior apropriação do construído.

Por outro, há o risco de fortalecimento da ideia de sacerdócio, há muito imputada

aos que se dedicam à educação, com o agravante de sua associação ao difundido

“jeitinho” brasileiro. Essa postura acaba por eximir de responsabilidade os devidos

gestores e órgãos.

Ainda no rol dos riscos, foram encontradas situações nas quais as dificuldades

conduzem a equipe a se deixar seduzir pelo “canto da sereia”, ou seja, o apoio dado

por grandes empresas ligadas ao setor agroalimentar. Apoio esse que pode

comprometer os conteúdos educativos como já referido anteriormente.

A consensualidade que permeia a aprovação de projetos de horta na escola

mostra contradição com os descuidos verificados quando se trata da infraestrutura e

do respeito demandados para a sua execução, o que pode ser descrito na queixa da

professora: [...] pegam os meus instrumentos de trabalho, que tá escrito “projeto

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horta,” né? Dentro da caixinha, pegam pra usar lá no trabalho deles, quebram e

deixam lá atrás [...] (UA.A.SE).

A visão ingênua de que a prática da agricultura não exige conhecimentos

precisos faz com que alguns desavisados proponham ou se aventurem na execução

de hortas escolares até constatarem a falta de conhecimento técnico como a maior

dificuldade (F.77). Nesse caso, como já mencionado, é possível buscar apoio de

órgãos públicos que oferecem assistência técnica ou de algum prático, sem

descuidar do modelo de agricultura em questão. Dependendo da condição daquele

que prestará assistência técnica, solicitam-se somente orientações bem específicas,

por exemplo, de como fazer a programação de quantidade e ou rotatividade das

hortaliças nos canteiros (F.1).

Os conhecimentos técnicos podem contribuir na resolução ou na redução de

outros potenciais empecilhos como a sazonalidade climática, como no caso em que

é citado que as hortas declinam sua produção devido às chuvas intermitentes (F.11),

ou ainda, o desânimo provocado pela aparência da horta após o período de férias

escolares. Há equívocos nas formas de perceber a situação e que poderiam ser

resolvidos com soluções técnicas e abordagens educativas relativamente simples,

como plantios de culturas pouco exigentes e que possam crescer bem durante o

período de férias. Assim, no retorno das aulas, teremos não somente “mato”, mas

algo que possa ser colhido [...] (UA.C); ou esclarecimentos sobre o papel importante

da proteção do solo que desempenha o que nos acostumamos a chamar de “mato”

e, ainda, provocar conflitos entre a lógica de produtividade agrícola hegemônica e a

necessidade de repouso do solo.

Conseguir materializar a horta na escola e desenvolver um trabalho

pedagógico que atenda a novos objetivos não são empreendimentos fáceis quando

a formação do professor e toda a estrutura escolar estão presas a lógicas

incompatíveis. Nessa conjuntura é difícil fazer o planejamento de como trabalhar a

horta de forma interdisciplinar em sala de aula a longo prazo (F.77); garantir a

participação efetiva de todos os alunos (F.74); fazer adaptações para trabalhar com

alunos menores, tendo em vista que o CURRICULO é diferente... (UA.A.SE) [ênfase

dada pelo informante]; envolver outros atores sociais, como as merendeiras, uma

vez que pode-se deparar com as regras da empresa que não pode sair da

cozinha[...] (UA.A.SE); ou mesmo utilizar o espaço físico e equipamentos já

existentes na escola na preparação dos alimentos produzidos na horta, provocando

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quebra no processo pedagógico quando a professora, por exemplo, prepara os

produtos da horta em casa e leva pra os alunos (UA.A.SE). Em relação a esse

último item, vale alongar um pouco mais a discussão.

Ainda que seja notório que, para além do PNAE, acontece o oferecimento de

alimentos diversos nas escolas sem nenhum controle de qualidade durante

comemorações aleatórias ou do calendário escolar tradicional, a proposição de

consumo de algum alimento externo, inserido numa prática educativa, pode colocar

em evidência desconformidades com a alimentação escolar institucionalizada, até

então não percebidas. É o que ocorreu quando o professor, responsável pela turma,

hesitou em autorizar o consumo de alimentos por estudantes quando oferecidos pela

equipe de projeto com horta em UA.C. Os alimentos compunham a ação pedagógica

que envolvia processo do plantio ao consumo - da maniva ao bolo de aipim e do

milho ao bolo de fubá - e, quando um membro da equipe foi procurar a direção para

saber se poderia oferecer alimentos fora da merenda, estabeleceu-se um mal estar

devido à falta de domínio do tema (UA.C). Embora a dúvida tenha permanecido, a

autorização foi dada diante de questionamentos sobre os outros consumos

assumidos pela escola no contexto de atividades pedagógicas como dia das

crianças, festa junina, entre outras.

Cabe destacar, como visto em muitos relatos, que os produtos da horta são

considerados para o consumo na alimentação escolar. Entretanto, existe a

orientação de que o cardápio seja elaborado por nutricionista obedecendo a critérios

quantitativos e qualitativos. Em tese, a inserção de qualquer outro alimento deveria

passar pelo crivo deste profissional. Sendo assim, mais uma vez estamos diante

daquele impasse quando nos confrontamos com a realidade atual da maioria das

escolas brasileiras: seria o caso de controlar, assim como tem sido feito com as

cantinas escolares, a entrada de quaisquer outros alimentos na escola? Sendo o ato

de comer um dos pontos altos das festividades escolares, como proibir? Quantas

dimensões estão envolvidas? Teríamos nutricionistas para orientar cada proposta?

Entendemos que o envolvimento do responsável técnico pela alimentação escolar

ou do nutricionista no planejamento de ações relativas à horta seria uma forma de

solucionar a questão.

Um outro ponto que chama muito a atenção é a afirmação expressa em muitas

das experiências com hortas de que, a partir destas, houve introdução de novos

alimentos na dieta das crianças. Entretanto, esse mesmo item aparece como um

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processo trabalhoso em grande parte dos relatos sob a alegação de que é difícil

mudar os maus hábitos alimentares (F.74) e que a criança teria dificuldade de

perceber a diversidade e a necessidade de mudança de hábitos, o que configura

obstáculos para introduzir um cardápio saudável no dia a dia (F.3). A superação

desses entraves não é apresentada de modo explícito.

A conscientização é classificada como problema e solução. Assim, a

conscientização dos alunos na mudança de hábitos alimentares foi exposta como

uma dificuldade, mas que teria sido ultrapassada a partir dela mesma, ou seja, a

mudança ocorreu a partir da conscientização: a maioria não tinha o hábito de comer

verduras e legumes – antes do projeto todas as verduras tinham que ser passadas

no liquidificador (F.4). É possível que, numa visão superficial, se entenda a

conscientização como simples tomada de consciência, porém, esta precisa ir além,

consistindo no desenvolvimento crítico da tomada de consciência (FREIRE, 2008, p.

30). Cabe, então, o aprofundamento da reflexão sobre o contexto em que a

expressão conscientização é utilizada para compreender qual o significado que lhe

está sendo atribuído.

A contribuição na integração social de grupos de escolares estigmatizados tem

sido uma das demandas das escolas para as hortas, porém, entendemos que ao

serem oferecidas atividades exclusivas para esses estudantes corre-se o risco de

reforçar a diferença destes ao invés de integrá-los. Uma vez estabelecida, tal

diferenciação passa a ser uma barreira para um trabalho coletivo heterogêneo

quando se observam atitudes discriminatórias: Explicamos que iríamos passar a

fazer as atividades junto aos alunos das turmas de Acelera [defasados série-idade].

Os alunos tiveram uma reação negativa (UA.C). A habilidade dos mediadores nos

diálogos e na organização das tarefas permitiu explorar o caráter cooperativo da

horta promovendo a integração de estudantes de diferentes séries, idades e sexos.

O desenvolvimento da horta na escola como uma prática educativa que agrega

conteúdos curriculares transversais demanda, para plenitude de suas ações e

objetivos, a participação não somente dos estudantes, mas de outros (senão de

todos!) os membros da comunidade escolar e do entorno da escola.

Tem sido comum o oferecimento da atividade na modalidade denominada

oficina sob a orientação de um técnico ou prático, na qual o escolar se inscreve e

participa no contraturno das aulas regulares ou, quando a atividade se dá no turno

regular, ocorre para toda uma turma ou mais na condição de extraclasse. Fato

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semelhante acontece quando um professor ou professora resolve desenvolver a

atividade com a(s) turma(s) sob sua responsabilidade. Em ambas as situações,

geralmente, a participação na horta fica restrita ao condutor da atividade e aos

estudantes, possivelmente, restringindo o potencial e abrangência educativos.

Percebem-se, nas descrições da atividade, movimentos de ampliação desse público,

porém, pouco se explicita o modo de participação ou o tempo dedicado a isso.

Na conjuntura apresentada temos situações nas quais são citados o técnico

agrícola, 24 professores, e 420 alunos da escola, sem que sejam feitas referências

aos pais nem aos demais membros da comunidade (F.8). Em outra, além de

escolares e professores, se incluem merendeiras, coordenadora pedagógica, da

coordenadora merenda e hortelão (F.69). Esperamos que a inserção desses e de

outros membros seja encaminhada sob a ótica de que todos ensinam e aprendem

conjuntamente nesse processo, indo além de apenas ter um voluntário que cuida

diariamente da horta (F.63) ou contar com um funcionário que cuida regularmente

dos afazeres da horta e outros serviços (F.79). Esses podem ter muito a ensinar e a

aprender. O mesmo ponto de vista se aplica para a pretensão de que a escola será

capaz de promover nas famílias dos estudantes a transição para um modelo de

agricultura ecológica, acreditando que os pais irão aprender com os filhos que

existem outras formas de obter uma renda dentro da pequena propriedade (F.72).

Apostamos na criação de espaços nos quais seja favorecido o compartilhamento de

saberes e a problematização dos conflitos.

A sedução e o convite à participação podem ser conduzidos por meio de

estratégias diversificadas em função da realidade local e das oportunidades que se

apresentarem antes e durante a construção da horta. Em UA.C houve uma tentativa

frustrada de oficina conjunta – com todos os setores da escola – para apresentação

do projeto. Foram realizadas então oficinas específicas. Para os professores,

aproveitando o espaço da reunião pedagógica ordinária. Para os funcionários

(priorizando as merendeiras), em um dia em que não houve aula. Com os pais dos

estudantes foi feita uma exposição dialogada sobre a proposta por ocasião de

reunião com a direção já prevista no calendário escolar. Nesta, um pai, ao perceber

valorizados os seus saberes, disse que sempre trabalhou com plantação e com um

olhar brilhando perguntou se podia ser voluntário do projeto.

Com o projeto em andamento, buscar instituições para aprofundar

conhecimentos e envolver o maior número possível de setores e indivíduos contribui

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para o fortalecimento da atividade e das relações [...] participamos de uma visita

guiada à Fazenda Agroecológica da EMBRAPA [além dos estudantes e seus

professores, foram também a diretora adjunta e a coordenadora pedagógica, as

agrônomas que dão orientação técnica, e os responsáveis pelo projeto] (UA. C).

Foram exibidos, até aqui, aspectos diversos que têm interferido no

desenvolvimento das etapas que envolvem a horta escolar, aqui considerados todos

com consequências educativas “para o bem ou para o mal”, ou seja, a forma como

se planeja a ação e como se procede diante dos imprevistos poderá ser

determinante para alcançar, ou não, aqueles objetivos idealizados. Incorrendo-se no

risco, inclusive, de resultados contrários aos objetivos traçados.

Dessa forma, as estratégias didáticas podem ir se constituindo no dia a dia, na

reflexão intensa do fazer pedagógico - ação-reflexão-ação -, na busca incessante do

invisibilizado, do ocultado pela naturalização dos modelos hegemônicos.

Um embate a ser travado é com a imagem idealizada para a horta escolar,

baseada num padrão hegemônico, como o monocultivo em pequenos módulos, com

canteiros “limpos”, ou seja, livre de “matos”. Dar visibilidade aos “matos” é um

trabalho educativo que pode ser iniciado antes da preparação do terreno para o

cultivo. É importante levar os estudantes (mas não só eles!) para observar a área, os

elementos que compõem aquele ecossistema, as suas existências e interrelações,

por que e como estão ali, propor reflexões para além da “utilidade” direta para o ser

humano, sugerir outro olhar estético para as cores e formas presentes, fazer a

avaliação criteriosa do que, de fato, precisa ser retirado para viabilizar a horta e a

coleta de amostras de vegetais antes de sua remoção. A preparação de exsicatas foi

uma proposta de coroamento desse procedimento dando a noção da variedade de

plantas que foram coletadas. Isso corroborou com a ideia de que não existe "um"

mato ali, e sim, uma DIVERSIDADE de plantas... (UA.C) [ênfase dada pelo

informante]. Em geral, mesmo os entusiastas da horta escolar e com um histórico de

experiências, manifestam incômodo com a vegetação espontânea e a urgência em

“limpar” o terreno, ignorando a importância daquela cobertura vegetal para a

proteção do solo e as suas possibilidades pedagógicas.

Outro confronto pode ser feito com a percepção vigente da disjunção entre

intelecto e corpo físico e, especialmente, a distinção que rotula estudantes capazes

intelectualmente e aqueles incapazes e que, portanto, precisam fazer “algo prático”.

É o que podemos depreender da fala da diretora quando esta solicita que o trabalho

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da horta se volte para turmas com defasagem série-idade, ambicionando que os

alunos façam algo mais prático na horta, pois eles [os professores] percebem que

estas aulas teóricas parecem não estar acrescentado nada. Concordamos que aulas

exclusivamente teóricas podem ser desinteressantes para qualquer estudante e que

o empenho físico, numa ação coletiva, mobiliza mais sentidos e pode ser mais

estimulante, inclusive cognitivamente, como observou esse coordenador da

atividade em seu relato: o empenho físico mais intenso em prol da construção

efetiva da horta teve um efeito muito positivo no ânimo dos alunos: “Foi o dia mais

legal, foi hoje!” [fala de estudante] (UA.C).

Retomando a noção de discriminação de turmas em função das consideradas

dificuldades de aprendizado e/ou indisciplina, a possibilidade de promover

interações por meio da horta com a junção de estudantes de diferentes idades e

estágios na aprendizagem escolar poderia ser um problema. Com o agravante do

rótulo imputado aos escolares da turma de aceleração, a resistência dos demais foi

um obstáculo estrategicamente vencido com atribuições diferentes de acordo com a

idade (UA.C).

Além da questão da idade e status intelectual, foram percebidos preconceitos

em relação ao gênero, os quais podem ser enquadrados como fator de dificuldade,

problema que foi bem conduzido. Foi relatado que meninas estavam resistentes em

relação ao trabalho na horta e que os meninos, de certa forma, contribuíram para

isso fazendo piadinhas e algumas brincadeiras maliciosas. O tema foi colocado em

discussão a partir de exemplos concretos sobre o papel das mulheres na agricultura

nos diferentes níveis. Chamaram a atenção para o fato de haver duas agrônomas

prestando assessoria técnica para a horta em elaboração e as profissionais, as

estudantes do curso técnico em agroecologia e das graduações de Agronomia e

Veterinária conhecidas durante visita a um centro de Pesquisa em Agricultura e

Pecuária. Além disso, a coordenação direta da atividade contava com três membros,

sendo duas mulheres que participavam ativamente do trabalho manual/braçal. Com

argumentos debatidos, foi dado o tempo para reflexão e decisão e, num dado

momento, elas decidiram que também queriam trabalhar e três delas pediram para

colocar as luvas e as botas. Iniciaram o trabalho construindo um canteiro delas.

Posteriormente, alguns meninos se aproximaram e ensaiaram uns palpites e

passaram a ajudar, embora elas tenham demonstrado autonomia e empenho no

serviço (UA.C).

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O que plantar? Por que plantar alface e não feijão, arroz, aipim? Qual o

impacto pedagógico provocado por tais cultivos? A escolha criteriosa do que será

cultivado sobressai como um ponto fundamental. A submissão aos critérios de

plantios comerciais ou baseados na inserção na alimentação escolar inibem

ousadias mais ricas pedagogicamente. A escolha dos cultivos não pode somente ser

uma mera repetição do já tem sido feito. Em qual modelo essa escolha tem se

baseado?

É o momento de planejar e inquirir que dimensões podem ser trazidas para a

visibilidade a partir do alimento escolhido para o plantio, mesmo quando este for o

convencional, como aspectos sociais, culturais, culinários, afetivos, históricos,

ambientais, econômicos. Foi o que discutimos em relação ao plantio de feijão e

arroz, anteriormente. É possível suscitar o conflito de modelos desde os cultivos

escolhidos a partir de atividade de reflexão e registro sobre as etapas que vão da

produção até o consumo do alimento, usando, por exemplo, grãos de milho, fubá e

bolo de fubá (UA.C). As embalagens de derivados de milho trazem, atualmente,

informações sobre suas características genéticas, o que facilita a conceituação e a

problematização sobre alimentos transgênicos.

A troca de e-mails entre os membros do projeto de horta ilustra bem a angústia

e o esforço criativo para proporcionar aos estudantes um rico momento de

aprendizagem durante a colheita e o consumo, coerente com uma postura crítica ao

hegemônico e sem ser enfadonho. Como envolvê-los, como motivá-los, como

sensibilizá-los para essas reflexões? Durante a semana, pensei várias vezes nesses

rabanetes e não conseguia fechar uma proposta consistente e interessante. Como

resultados desse empenho coletivo surgiram estratégias pedagógicas com boa

acolhida pelos escolares e com impacto educativo avaliado como positivo (UA.C):

a) Antes da colheita foi organizada uma rememoração com exposição das fotos

que mostram o desenvolvimento do trabalho feito desde o começo do projeto

e a importância da participação de cada um;

b) Para o momento da colheita, a coisa foi bem planejada, lançou-se mão de

certa “solenidade”, para a percepção do valor do ato. Houve atenção para que

a professora não ficasse excluída, pois, às vezes, a mesma se mantém

afastada da atividade;

c) No momento do consumo do alimento cultivado, vários detalhes mereceram

atenção. O refeitório da escola foi organizado com uma bancada frontal para

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a exposição e cadeiras em forma de U para os estudantes. Providenciaram-se

vasilhas para um manuseio organizado e esteticamente bonito. A bancada

estava arrumada e as bandejas para a degustação já estavam prontas

quando os alunos chegaram;

d) Foi escolhido para a demonstração culinária o rapaz da equipe, de propósito,

para a reflexão de gênero [...]. De avental vermelho, numa mesa arrumadinha

e bem colorida [...] (tipo programa de TV);

e) Elaborou-se uma receita bem interessante, mesmo que utilizando outros

ingredientes [...] com os petiscos/espetinhos coloridos compostos de

quadradinhos de pão de forma + rodelinha de rabanete + queijo + rúcula,

temperados com azeite, sal, alho torrado, orégano e gergelim ... O

“cozinheiro” falou sobre a importância do ato de cozinhar e sobre os alimentos

utilizados e suas respectivas origens. Estes ficaram estrategicamente

expostos e com demonstração da preparação de forma sutilmente bem-

humorada. O apresentador fez a demonstração da montagem do pestisco e

em seguida comeu com prazer. Os estudantes estiveram super atentos

durante a exposição;

f) Vale destacar a informação de que nenhum dos estudantes presentes havia

provado antes rúcula ou rabanete, o que aumentava a expectativa da equipe

coordenadora da ação. A preparação foi servida em bandejas com paninhos

brancos bordados. Um dos membros da equipe se mostrou gratamente

surpreendido com o comportamento dos estudantes, informando que

normalmente são meio truculentos, se mostraram super educados e até a

reação ao amargo, picante foi tranquila;

g) Em seguida eles foram convidados a experimentarem só o rabanete e a

rúcula separadamente, que já estavam cortados sobre a mesa, estimulados

pelos três membros da equipe e outros adultos que assim procediam. Nessa

situação constataram que os estudantes gostaram do espetinho e repetiram

algumas vezes, mas ao provarem a rúcula e o rabanete puro, faziam caretas

e comentários “é muito forte” de forma tranquila e educada;

h) Um dos coordenadores avaliou que a postura dos alunos foi de atenção e

respeito para com a atividade, possivelmente pela forma organizada e bela

como esta atividade foi desenvolvida. A descrição de outro membro no

relatório corrobora essa percepção do comportamento dos escolares, não só

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indicando o acerto na escolha das estratégias como demonstrando um

entendimento de processo quando se trata da constituição do gosto alimentar.

As reações foram diversas, desde aqueles que repetiram e alguns até

quiseram experimentar os sabores, separadamente, do rabanete e da rúcula.

Mesmo os que declararam não ter gostado não manifestaram essa coisa de

nojo, de cuspir... e só uma menina não aceitou experimentar.

O interesse em implantar horta escolar tem crescido e aqueles que nutrem

esse desejo, por vezes, partem da ideia de que a sua realização depende de alguém

que ensine como fazer numa perspectiva de “manual de instruções”. De um modo

geral, há o entusiasmo por experiências que mostrem algum diferencial, algo que

não havia sido “pensado antes”. É o que temos vivenciado nas demandas em nosso

grupo de pesquisa. Entretanto, cabe destacar e esclarecer que as boas “ideias” são

fruto de envolvimento em trabalho coletivo de estudo, reflexão e criação e de

vigilância para fugir das armadilhas paradigmáticas. Os caminhos percorridos por

outros auxiliam na análise de nossas práticas, mas não para uma reprodução na

íntegra, acrítica. Cada caso é um caso. Os desafios surgem no cotidiano e não

serão sempre os mesmos.

5.5 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ALCANÇADOS COM AS HORTAS ESCOLARES?

COMO AVALIAR?

Como foi possível averiguar, os objetivos esperados para as hortas são

inúmeros e de diferentes ordens. Talvez o maior desafio, quando se trata de

atividades que envolvem muitas dimensões humanas, com crianças e adolescentes

em uma horta, seja qualificar e/ou quantificar isoladamente o tipo e o grau do

aprendizado conquistado.

Os itens que compõem a categoria V Resultados alcançados procuram

identificar e classificar situações nas quais os atores sociais envolvidos direta ou

indiretamente com a atividade da horta a avaliam quanto à aprendizagem. Entende-

se que há resultados que são mais imediatos, visíveis e até quantificáveis, mas há

muitos outros que têm a ver com o processo individual de interagir com os

elementos de um ambiente de aprendizagem, e ainda com aprendizados que

demandam tempos diferenciados.

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Foi relatado, nas experiências com hortas, o alcance dos seguintes resultados:

a inserção de alimentos na alimentação escolar; o aumento da aceitação/consumo

de verduras e legumes na escola; a melhoria na aprendizagem em geral; a

integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o entorno; a

conscientização sobre hábitos alimentares saudáveis; a aquisição de conhecimentos

técnicos sobre agricultura e a disposição dos estudantes para a experimentação de

novos sabores. Foram incluídas, permeando esses resultados, as formas como

ocorreu a avaliação.

A inserção direta dos alimentos produzidos na horta na alimentação escolar

aparece como objetivo recorrente como visto naquele item. Assim, há casos em que

esse objetivo é alcançado de modo significativo, chegando a abastecer em torno de

50% da demanda das escolas (F.1). Entretanto, mais importante do que a horta se

destinar a complementar quantitativamente ou qualitativamente as refeições

oferecidas na escola, o que estaria na cota do PNAE, é a possibilidade de reduzir ou

eliminar a rejeição de alimentos oferecidos pelo programa e até mesmo contribuir

para estimular a ampliação e diversificação do cardápio, promovendo a inclusão de

novos alimentos (F.27).

Assim, mesmo os muitos casos que elencam o objetivo de complementação da

alimentação escolar reconhecem que a principal mudança foi na aceitação e no

consumo de verduras pelas crianças (F.1; F.7; F.27; F.28; F.81; F.86), chegando a

alcançar consumo total dos produtos „hortaliços‟ ofertados na merenda escolar e,

consequentemente, a redução das sobras (F.29) com a aferição da diminuição de

desperdício em cerca de 80% em relação ao ano sem as ações relativas à horta

(F.81). Nos relatos é raro que os resultados apresentados venham acompanhados

de dados quantitativos, como no caso anterior, ou de explicações metodológicas

para as análises qualitativas. De modo geral, estes são apresentados a partir do

percebido pelos adultos que atuam cotidianamente no espaço escolar, portanto

relatos de merendeiras, professores e diretores que atestam mudanças significativas

no comportamento alimentar dos alunos ao observarem o aumento do consumo de

hortaliças no dia a dia, bem como o reconhecimento da manutenção de certa

resistência ao consumo de verduras (F.7).

Os relatos levam a acreditar que as mudanças alimentares mencionadas

ocorreram de modo generalizado nas escolas e foram influenciadas pela presença

da horta. Entretanto, vale recordar que a participação de todos os estudantes nas

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ações da horta não aparece como fato em grande parte das experiências. Chama a

atenção um caso no qual é especificado que houve aumento no consumo de

hortaliças entre as crianças que participaram ativamente no cultivo das hortas em

suas escolas (F.86).

Para além dos resultados referentes ao consumo alimentar, há indicações de

que as ações na horta contribuem, de modo geral, para a melhoria na aprendizagem

e reflexões sobre aproveitamento/desperdício de alimentos (F.41). Aqui, mais uma

vez, a constatação se dá com as impressões dos adultos, como professores das

turmas envolvidas e outros funcionários da escola, surpresos diante do interesse e

comportamento dos alunos nas atividades da horta, dando ao entender que eles já

não tinham “esperança” no envolvimento destes nas atividades pedagógicas

propostas até então (UA.C). Assim, a maior participação em sala de aula, o

sentimento de inclusão e a melhoria no nível de socialização das crianças são

relatados como consequências positivas na construção de um ambiente favorável ao

aprendizado (F.77; F.2). As hortas, pelo seu caráter transversal, permitem o

envolvimento de atores diversos do espaço escolar, possibilitando interações.

Ultrapassando as fronteiras dos muros das escolas, a horta pode promover

maior integração escola e comunidade (F.2) pela simples constatação da

valorização de conhecimentos que podem estar acumulados no seio familiar dos

escolares, em situações de colaboração voluntária ou remunerada de membros do

entorno da escola e ainda pelo envolvimento de outros setores da localidade,

institucionais ou não. É importante ressaltar que, seja como for essa participação,

não se pode encará-la de forma incauta e nem incidental. O olhar pedagógico

precisa prevalecer, ou seja, a atenção ao conjunto de conhecimentos presentes

nesse processo de interação.

A conscientização, como já mencionada, mostra-se polissêmica no contexto

das práticas educativas. Nos relatos, além de ser considerada como um processo

difícil, ela aparece também como resultado alcançado, ou seja, considera-se difícil

conscientizar os escolares sobre algo, mas alega-se ter conseguido realizar a

conscientização dos mesmos. As asserções de resultados como a conscientização

sobre a importância das vitaminas na alimentação (F.4); da importância e do valor

nutricional dos alimentos (F.45); em consumir alimentos saudáveis (F.52); sobre

uma alimentação saudável (F.85) parecem pouco esclarecedoras.

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Permite-se pensar que o que é chamado de conscientização pode ser, tão

somente, tomada de consciência. Não é possível afirmar se, nesses casos, o

entendimento do conceito alcança a abordagem freiriana, a qual invoca que

ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a

uma esfera crítica de tal forma que quanto mais conscientização, mais se des-vela a

realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto. Concordando com

Freire, há a aposta na conscientização como um compromisso histórico de

intervenção na realidade e, portanto, de caráter permanente. Através do

esclarecimento de dimensões obscuras da realidade, cria-se nova realidade, que

igualmente, será submetida à crítica. Busca-se escapar, assim, da obscuridade, da

adesão a um mundo feito, hegemônico (FREIRE, 2008, p.30-31).

A aquisição de conhecimentos técnicos agrícolas é um resultado obtido que

merece algumas reflexões. Percebe-se uma ênfase maior nesse item para as hortas

localizadas em escolas rurais para que os alunos possam executar as novas

técnicas de plantio em suas próprias lavouras (F.87). Ou seja, vislumbra-se a ação

multiplicadora dos escolares para as técnicas aprendidas e essas, geralmente,

tendem ao modelo agrícola ecológico, no qual não é necessário veneno (F.13).

Trazendo para a análise o entendimento do ato de plantar como um componente

importante da relação humana com o alimento, aliado ao conceito de agricultura

urbana e suas contribuições, indica-se a oportunidade de aprendizado dos

procedimentos básicos de plantio com relevância na formação humana, seja esse

ser humano do espaço rural ou urbano.

A expectativa criada em torno de resultados ambiciosos na aprendizagem, por

vezes, obscurece a visão de etapas e o seu entendimento como processual. Isso

pode ocorrer em práticas educativas em geral e, em especial, em intervenções

visando à educação alimentar e nutricional, nas quais se catalogam,

precipitadamente, rejeições e aceitações no repertório alimentar. Como já discutido

anteriormente, comer é complexo e a introdução (ou exclusão) de um alimento na

dieta envolve vários fatores. Assim, conhecimentos, reflexões e a preparação de um

ambiente que estimule o consumo são fundamentais, mas não conferem garantia de

mudança de hábito alimentar.

Não é um resultado modesto ter alcançado pequenas mudanças no

comportamento alimentar dos alunos (F.7). Essa percepção, ao contrário de trazer

ansiedade e/ou frustração, alerta para o olhar mais sensível ao processo e aos

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resultados intermediários que compõem o aprendizado que preparam para novas

experiências. Portanto, conseguir que crianças e adolescentes se “desarmem” e

mostrem-se dispostos a experimentar novos sabores pode ser um resultado mais

relevante do que introduzir pontualmente um novo alimento a sua dieta. São dignos

de comemoração resultados obtidos em UA.C, no qual os estudantes aceitaram os

espetinhos contendo rabanetes e rúculas e, ainda que ao provarem a rúcula e o

rabanete puro, faziam caretas e comentários “é muito forte”. O bloqueio foi vencido,

o paladar se abriu para novas experiências gustativas. Eles comeram!!!!!!! Foi um

sucesso! É possível! Ainda nessa mesma situação, é possível notar que a

experiência como um todo parece ter sido agradável aos escolares e,

consequentemente, promoveu outro resultado interessante. Eles se sentiram

motivados a reproduzir e até recriar a experiência em casa com seus familiares, de

tal forma que no encontro seguinte uma das estudantes mencionou que preparou o

espetinho na sua casa [...], só acrescentando presunto e que irmãos e primos

comeram.

Entre os inúmeros objetivos para a horta escolar, figuram como consensuais e

com mais ênfase aqueles relacionados a aprendizados para a alimentação. Embora

esses estejam insistentemente mencionados no escopo dos objetivos gerais das

referidas experiências, os indicadores e os procedimentos de aferição não são

explicitados na maior parte dos relatos. Parece haver um entendimento de que

esses aprendizados vão se efetivando de forma avulsa e espontaneamente durante

o processo, o que não está sendo desconsiderado nesta análise, sendo percebidos

em diferentes situações e gradações pelos observadores locais interessados na

questão.

5.6 AJUDANDO A CONSTRUIR RESPOSTAS: dificuldades, armadilhas e caminhos

promissores

a) As dificuldades que se opõem a uma prática educativa

multidimensional, emancipatória e libertadora se interconectam e

podem ser externas ou internas, ou compor a junção de ambas. As

primeiras estão na forma tradicional como o sistema educacional está

estruturado e nas pressões cotidianas exercidas pelos paradigmas

hegemônicos. As segundas consistem na existência de obstáculos que

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vão sendo construídos internamente em função da formação escolar e

história de vida do responsável pela elaboração da ação pedagógica. A

armadilha consiste no fato de que mesmo conscientes e firmemente

imbuídos de uma postura crítica em relação à subordinação a visões de

mundo postas (e impostas), frequentemente somos atraídos e traídos

por elementos do modelo hegemônico na execução de ações

pedagógicas pretensamente inovadoras. O investimento no papel

questionador e transformador da educação está na adoção de

referenciais pedagógicos críticos e, a partir destes, na identificação na

realidade vigente das possibilidades de estabelecimento de conflito de

conhecimentos, da criação de situações desestabilizadoras e dos sinais

de emergências para apoiar as ações, que precisam ser intensa e

continuamente criticadas: ação-reflexão-ação-reflexão.

b) O modelo de hortas escolares que tem sido implementado mantem as

características gerais da horta para produção comercial. Não há, ainda,

um modelo específico de horta para a escola. Talvez não seja o caso

de haver um modelo, já que são muitas e distintas as escolas. A

armadilha estaria na reprodução acrítica de um modelo de outro

contexto e com outros propósitos. Pensar a horta na perspectiva de um

equipamento pedagógico orienta para as especificidades e adequações

coerentes com o sua função educativa e com o contexto local;

c) O consenso em torno das hortas escolares é promissor, mas a

consolidação de seus objetivos contemporâneos é fundamental. Ainda

que por vezes enviesados, estes podem ser perscrutados no contexto

de documentos e orientações institucionais vinculados ou que

tangenciam os temas alimentação e saúde. A perspectiva de temas

transversais proposta pelos PCNs e as reformulações recentes do

PNAE confluem para objetivos da Educação em Saúde e da Educação

em Ciências, que só fazem sentido na oposição ao modelo

agroalimentar hegemônico e na superação da abordagem disciplinar.

As armadilhas estão na falta de clareza do limite entre o que caracteriza

e fundamenta cada modelo de agricultura e na dificuldade de lidar com

temas transversais, que transpõem barreiras disciplinares. Os princípios

da agroecologia têm ganhado adesão de integrantes de setores e de

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instituições governamentais importantes e materialidade em

organizações e movimentos sociais. São situações, produções e

experiências que merecem ser conhecidas e reconhecidas por

educadores de todas as disciplinas para subsidiar tanto a prática

pedagógica em si, como a atitude transdisciplinar que esta requer;

d) A noção da alimentação escolar saudável e adequada como um direito

regulamentado e assegurado com dotação orçamentária específica

desabona a função da horta escolar de suprir suas carências

qualitativas ou quantitativas e ajuda a situar seu papel educativo. O

consumo de produtos da horta na escola, junto ou separado dos

alimentos do PNAE, requer ser pautado pedagogicamente. As atuais

características e objetivos do PNAE e da horta escolar potencializam

mutuamente suas possibilidades educativas, indicando que essa

relação pode ser mais bem explorada. Fica sugerida uma abordagem

educativa emancipatória, inclusive ajudando a desvelar causas das

dificuldades na aquisição e consumo de gêneros alimentícios

adequados, saudáveis e locais;

e) As recomendações e orientações para a construção de hortas

escolares, de um modo geral, não têm vindo acompanhadas de

recursos materiais e humanos, o que conduz a busca por apoios. A

tentação de aceitar, desavisadamente, a colaboração de empresas

privadas, especialmente as agroalimentares, pode comprometer os

pressupostos fundamentais da atividade. Os encaminhamentos mais

promissores têm sido a identificação e parcerias com setores públicos

vinculados à agricultura, com organizações, governamentais ou não na

formulação de projetos subsidiados e, ainda, doações e voluntariado de

membros da comunidade escolar. No entanto, merece atenção o critério

na escolha do proponente ou apoiador e seus respectivos

conhecimentos e objetivos, nem sempre alinhados ao projeto educativo

pretendido;

f) Há muitos casos em que um técnico ou prático conduz as ações

agrícolas ou de Educação Alimentar e Nutricional enquanto o professor

aproveita para realizar outras tarefas como corrigir provas etc. A

parceria entre setores pressupõe articulação entre os indivíduos

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envolvidos, entendendo que cada um possui habilidades específicas,

mas que isoladamente podem não propiciar um resultado educativo

satisfatório. Os conhecimentos agronômicos e sobre alimentação

precisam ser olhados de modo transdisciplinar e adequados aos

objetivos para o espaço escolar. O professor, detentor do domínio

pedagógico, é o elemento imprescindível nesse processo e não pode se

omitir;

g) Muitos conhecimentos inerentes à horta escolar tendo como eixos

necessariamente interconectados a agricultura, o meio ambiente, a

alimentação e a educação encaminham para o atendimento de

inúmeros e variados objetivos, que em grande parte transpõem a

barreira disciplinar, conduzindo à assunção de seu caráter transversal.

Ensinar a comer de forma saudável envolve várias dimensões e não

caberia, exclusivamente, em uma disciplina.

Embora o sistema educacional seja disciplinar, a contemporaneidade

tem demandado a coexistência da disciplinaridade e da

transdisciplinaridade como dois sistemas de pensamento

complementares (SANTOS et al., 2014). Assim, a adoção de atitude

transdisciplinar em relação às hortas escolares, seja pelo professor de

ciências ou de outros que assim se proponham, apoiada em

referenciais teóricos contra-hegemônicos e exercício da práxis, pode

contribuir para a percepção de objetos de denúncias do invisibilizado

pelos modelos predominantes e na formulação de novos anúncios;

h) Cultivar, preparar e comer o alimento são essencialidades humanas

históricas. Grande parte da população tem se restringido ao ato de

comer. Ter contato, vivenciar, adquirir noções, investigar, compreender,

refletir a respeito das diferentes etapas e dimensões do sistema

alimentar compõem aprendizados de nossa herança cultural que

precisam ser compartilhados e garantidos a todos os seres humanos,

sejam eles urbanos ou rurais. Aos educadores desprovidos dessa

vivência e que pretendem adotar a horta como uma prática educativa

sugere-se a assunção desse movimento como um exercício pessoal,

podendo ser iniciado em casa com o cultivo de temperos, passando por

experimentos com outros alimentos consumidos cotidianamente como

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tomate, alho, cebola, feijão, arroz e/ou descobrindo e aprendendo

juntamente com os estudantes e demais membros da comunidade

escolar. A perspectiva ampliada da agricultura urbana fornece

elementos que contribuem nesse sentido;

i) Grande parte dos objetivos atribuídos às hortas escolares e seus

correspondentes conteúdos e aprendizados fogem aos parâmetros de

mensuração adotados no modelo escolar tradicional e nos sistemas

atuais de avaliação de desempenho educacional. No entanto, são

coerentes com os objetivos e dimensões de aprendizagem arrojados

constantes nos PCNs. A armadilha estaria na percepção dicotomizada

intelecto e corpo. Esta rotularia de incapaz intelectualmente o estudante

com dificuldades de aprendizado de conceitos em aulas expositivas e

que, portanto, teria mais sucesso no desenvolvimento do trabalho

manual/braçal na horta a fim de, ao menos, melhorar seu

comportamento e suas relações interpessoais. Pudemos depreender

que as hortas, ao se constituírem em espaços que mobilizam

dimensões importantes da aprendizagem, como o bem-estar, o

movimento corporal, as interações e as trocas de experiências e

conhecimentos, o trabalho coletivo, o estabelecimento e o

fortalecimento dos vínculos afetivos, as situações desafiadoras, entre

outras, criam condições favoráveis para a aquisição de conceitos.

Aproveitar adequadamente essas condições para a inserção

contextualizada de conceitos é o caminho sugerido, atendendo assim

as exigências de aprendizagem cognitiva e disciplinar, demandadas

pelas avaliações formais em curso;

j) O trabalho braçal para a construção e manutenção da horta aparece

tanto como um problema como um componente favorável ao

aprendizado. Para avaliar a situação, sugere-se em primeiro lugar um

esforço para despir o olhar do histórico preconceito e consequente

depreciação em relação ao trabalho braçal, especialmente o agrícola.

Em segundo lugar, é preciso adotar a concepção do trabalho como uma

dimensão humana a ser considerada na formação da criança e do

adolescente e que, portanto, precisa ser apresentada juntamente com

outros saberes. É a oportunidade de romper com a reprodução do

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trabalho desprovido de sentido e vislumbrar o seu exercício livre e

consciente e, nesse caso, como mediador no restabelecimento do

vínculo ser humano-ambiente-produção de alimento violado com o

modelo agroexportador. Estando atentos aos itens levantados,

entendemos que uma avaliação da situação local em que pesem as

características da área a ser cultivada, as orientações técnicas e o

trabalho correspondente e o perfil dos estudantes, como idade e

experiências domésticas, pode contribuir para decisões nesse âmbito.

O profissional de educação física pode ser um parceiro importante;

k) Ao correlacionarmos os cuidados dispensados no campo da prática para a

integridade física dos trabalhadores agrícolas e para os estudantes na

execução das hortas escolares em curso no Brasil, notamos que as

negligências observadas para aqueles têm sido reproduzidas nestes. Tal

omissão compromete a saúde do escolar e a noção ampliada de

alimentação saudável demandada pela Educação em Saúde

contemporânea. Conclui-se que esse parâmetro pode ser considerado

para a construção de um conceito abrangente de alimentação saudável e

adequada;

l) Comer é complexo. A compreensão da cadeia alimentar e a religação

aos processos que a compõem – do plantar ao comer – se fortalecem

com ações educativas concretas sistematizadas. A participação efetiva,

física e intelectual no cultivo propicia o estabelecimento de vínculo com

o alimento produzido e confere outro significado às ações de culinária e

consumo. Organizar e visibilizar adequadamente o encadeamento de

cada uma dessas etapas parece ter tido papel importante no estímulo

ao ato de experimentação de novos sabores;

m) Enfim, muitos objetivos esperados para as hortas escolares são difusos

e mostram-se mutuamente influenciados, podendo induzir ao

espontaneísmo pedagógico. O exercício de individualizar e visualizar

cada um desses objetivos – sejam conceituais, procedimentais ou

atitudinais – para orientar a elaboração ou ajustes na estrutura física, a

seleção e a organização dos conhecimentos, a escolha dos recursos

materiais e humanos e a preparação das estratégias didáticas, contribui

para o sucesso e a aferição do intento.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente investigação colocou em evidência a recente proliferação de

projetos com hortas escolares no Brasil com objetivos voltados para a saúde

alimentar do escolar. Identificou e discutiu os sinais de avanços e suas muitas

inconsistências pedagógicas. Defendeu a tese de que, ao serem pautadas por

referenciais teóricos com apelos contra-hegemônicos, a análise e a reflexão críticas

das experiências em curso permitem captar elementos para a construção de

parâmetros pedagógicos mais coerentes com as demandas contemporâneas da

Educação em Ciências e da Educação em Saúde na elaboração dessa prática

educativa.

Constatou-se que as hortas escolares têm sido retomadas, nos últimos anos,

no contexto de documentos e orientações governamentais e não governamentais e,

consequentemente, de inúmeros projetos no Brasil. Esse retorno deve-se à

intensificação de problemas de saúde associados às transformações nos hábitos

alimentares contemporâneos e à crença na contribuição do potencial educativo da

atividade para reverter ou minimizar a situação. Assim, os objetivos atuais guardam

correspondência com aqueles provenientes da Educação em Saúde, da Educação

em Ciências e do PNAE, que de um modo geral têm identificado a alimentação

escolar como espaço e tempo propícios à Educação Alimentar e Nutricional crítica,

especialmente para crianças e adolescentes do ambiente urbano.

No entanto, o histórico colonialista de imposições, de desigualdades, de

exploração e de exclusão que caracteriza o modelo da atividade agrícola no Brasil,

bem como o processo de sua transposição para o ensino formal, marcadamente

assistencialista, tecnicista e discriminatório compõem um panorama complexo que

dificulta a adoção de procedimentos e estratégias que atendam aos novos objetivos.

Esse quadro agrava-se com a persistência de abordagens tradicionais nas ações

educativas em saúde. Consequentemente, a proliferação de hortas escolares no

Brasil tem sido pautada por muitos procedimentos dissonantes que até contradizem

os seus objetivos contemporâneos, indicando a necessidade de estabelecimento de

parâmetros pedagógicos que orientem sua implantação e desenvolvimento.

Ciente da necessidade de tais parâmetros, a presente investigação lançou um

olhar crítico, orientado pela práxis, pela Sociologia das Ausências e Sociologia das

Emergências, pelo Pensamento Complexo e pelos princípios da agroecologia e da

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agricultura urbana, confrontando elementos hegemônicos e contra-hegemônicos em

experiências com hortas escolares no Brasil. Identificou os elementos passíveis de

conflito de conhecimentos, problematizando-os de modo a suscitar respostas às

perguntas que se abrigam na questão: Quais são as especificidades de uma horta

pedagógica voltada para crianças e adolescentes em escolas públicas urbanas que

criem possibilidades para uma educação alimentar e nutricional libertadora?

Na maioria das intervenções analisadas foram identificadas justaposições de

elementos que reforçam os modelos de educação, de saúde e de agroalimentação

que pretendemos superar com outros mais arrojados e coerentes com as demandas

sociais atuais. Configura-se, assim, um cenário heterogêneo, no qual estão

mescladas as formas de perceber a realidade, ora com emissões de críticas e

repúdio aos componentes hegemônicos, ora exaltando-os. É possível identificar,

nesse contexto, a intenção de adesão e a busca pelas opções contra-hegemônicas.

No entanto, a formação dos educadores envolvidos, a imersão cotidiana no

contexto padronizador de desenvolvimento e dos modos de viver e a adesão pouco

fundamentada a conceitos como educação alimentar e nutricional, alimentação

saudável, agroecologia, alimento orgânico, agrotóxico, sustentabilidade e outros que

permeiam a atividade agrícola na escola fragilizam os pressupostos que seriam as

bases da orientação.

Os reflexos dessa fragilidade foram percebidos na formulação dos objetivos em

sua relação com a conjuntura local e nacional e, especialmente, quando se busca

estabelecer a correspondência destes com os constituintes práticos de seu processo

de execução. Nesse caso, surgem contradições na estruturação física da horta e em

diferentes momentos da ação pedagógica quando são observadas a valorização de

aspectos que se opõem aos objetivos centrais e descuidos e desconsideração de

outros importantes na consolidação de conceito amplo de alimentação saudável e

saúde.

A despeito das incoerências apontadas, há na heterogeneidade uma riqueza

de conhecimentos produzidos no exercício educativo que se apresenta na forma de

estratégias criativas e de alcance de objetivos importantes, atestando o valor das

intervenções e seu reconhecimento como experiências a não serem desperdiçadas.

Assim, houve nesse trabalho o desejo de evidenciar o profundo respeito e

reconhecimento por todos e todas que atuam no espaço escolar e suas respectivas

realizações frente às demandas e aos desafios cotidianos. Faço dessa maneira um

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elogio a minha própria história profissional, que é igual a de tantos outros e tantas

outras. Igual na responsabilidade e no empenho em reconstruir diariamente a ação

educativa. Igual! Tão igual nas armadilhas em que caí (e certamente continuo

caindo), nos deslizes para o autoritarismo, na recorrência aos modos tradicionais de

ensinar, na crítica e na resistência às proposições externas dos “doutores” da

academia, no incômodo de ver minha prática criticada, etc. Mas igual também na

vontade de fazer melhor, nas ideias interessantes colhidas aqui e ali, nas

construídas nas relações com os colegas, nos sucessos obtidos e na alegria de se

descobrir avançando. Assim, as reflexões, as críticas e as interpretações

apresentadas são reflexos do entrelaçamento do vivido com os referenciais teóricos

eleitos.

Não há um manual de instruções que habilite, instantaneamente, alguém para

a postura crítica requerida para as práticas educativas. Assim como ninguém possui

um olhar crítico pleno, estando sempre em construção. Apostando nesse processo,

a intenção foi conflitar aquilo que consideramos em desacordo com a realidade

presente e fazer indicações para reformulações e elaborações de práticas mais

coerentes.

O processo de formação humana se dá no mundo da vida, presente entre a

teoria e a prática, sendo possível a acomodação de novos conhecimentos à

estrutura mental já consolidada ou, como pretendemos, a evolução para a

construção de novas estruturas cognitivas de percepção da realidade (SANTOS et

al., 2014). Nesse sentido, o exercício sistemático do Pensamento Complexo tem se

mostrado promissor, nos tornando mais atentos, prudentes e nos impulsionando a

sair do contemporaneísmo, ou seja, da naturalização da realidade como imutável

(MORIN, 2007a). A Complexidade se constitui ainda num ponto de partida para

ações educativas mais ricas e que contemplem mais dimensões da aprendizagem,

para além da cognitiva. As proposições da Sociologia das Ausências e da Sociologia

das Emergências auxiliam na desnaturalização do presente colocando-o sob

suspeita.

A consideração da horta escolar como atividade mediadora mostrou-se como

um pressuposto fundamental para aprendizagens de ordens cognitiva, afetiva,

comportamental, relacional e, especialmente, evidenciando o entrelaçamento dessas

dimensões. Os conceitos de alimentação saudável e de educação alimentar e

nutricional, aqui defendidos, comportam praticamente todos os objetivos imputados

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à horta escolar, cuja essência exclui o imediatismo, indicando a noção de processo

que caracteriza a educação e a consolidação do repertório alimentar. Foi o que

ambicionamos expor no título deste trabalho quando afirmamos a horta escolar em

sua condição de preparar o terreno para a Educação em Ciências e para a

Educação em Saúde.

Assim, entendemos que a prática da agricultura na escola regular tem

especificidades pedagógicas. A horta escolar não deveria ter por finalidade a

produção agrícola, nem a complementação material da alimentação escolar ou a

preparação profissional em agricultura. Não ser balizada por parâmetros da

agricultura comercial. A horta escolar pode contextualizar criticamente o que os

estudantes comem em suas casas e na alimentação escolar (e o que têm deixado

de comer!). Pode proporcionar situações favoráveis ao desvendamento de aspectos

da relação humana com o alimento ocultados nos processos agroalimentares

hegemônicos e mais, materializar o esforço pela garantia do conhecimento e do

reconhecimento da diversidade de alimentos locais e regionais, bem como as

respectivas preparações culinárias, resgatando e/ou ampliando o repertório

gustativo. Porém, a horta por si só não assegura o pretendido.

A preparação adequada do terreno, com aportes coerentes, é que poderá

garantir boa colheita, ou seja, o alcance daqueles objetivos, sejam os prazos curtos,

médios ou longos. As atuais orientações da Educação em Ciências, da Educação

em Saúde e do PNAE para a promoção da alimentação saudável vão de encontro

ao modelo agroalimentar hegemônico e se consubstanciam nos princípios da

agroecologia, os quais pressupõem todo o sistema alimentar igualmente saudável. A

perspectiva salutar crítica precisa estar presente em cada momento da ação

pedagógica nas relações sociais, culturais, ambientais e econômicas. A

agroecologia respalda a crítica ao modelo agroalimentar dominante e oferece

possibilidades, as quais são ampliadas com as perspectivas da agricultura urbana.

Conceber hortas escolares urbanas agroecológicas é oferecer à comunidade escolar

urbana ações concretas pedagogicamente sistematizadas e problematizadoras de

cada uma das etapas do processo de produção de alimento.

Acata-se que as atividades na horta escolar, bem como outras que dela

venham a se desdobrar, podem mobilizar os diversos sentidos humanos, tanto

preparando o corpo para o ato de experimentar e/ou comer “saudável” como para

auxiliar na explicitação das dimensões presentes no sistema alimentar. Favorece a

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problematização, a denúncia e o anúncio de aspectos pouco explícitos nos inúmeros

conflitos sociais, econômicos, ambientais e culturais que podem ser postos em

evidência.

A especificidade fundamental da horta escolar é a sua concepção como uma

prática educativa e, simultaneamente, como um equipamento pedagógico cujos

objetivos, por serem distintos dos de outrora, exigem atenção diferenciada na

seleção dos conhecimentos a serem privilegiados, na forma de desenvolver a

atividade, na escolha e na organização dos recursos humanos e materiais e na

estruturação do espaço.

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