hora estrela clarice lispector

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  • 8/14/2019 Hora Estrela Clarice Lispector

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    A Hora da EstrelaClarice Lispector (1977)

    Personagens

    Macaba, a protagonista: (...) vida primria que respira, respira, respira. (...)dormia de combinao de brim com manchas bastante suspeitas de sangueplido. (...) ela era incompetente. Incompetente para a vida. Faltava-lhe o jeito dese ajeitar. (...) No sabia que era infeliz. (...) Assoava o nariz na barra dacombinao. No tinha aquela coisa delicada que se chamava encanto. (...) Anica coisa que queria era viver. No sabia para que, no se indagava. (...) Amulherice s lhe nasceria mais tarde porque at no capim vagabundo h desejo

    de sol. (...) sonhava estranhamente em sexo, ela que de aparncia era assexuada.Quando acordava se sentia culpada sem saber por que, talvez porque o que bom devia ser proibido. (...) No se tratava de uma idiota, mas tinha a felicidadepura dos idiotas. (...) Ela era subterrnea e nunca tinha tido florao. Minto: ela eracapim.

    Olmpio de Jesus Moreira Chaves, o namorado: O rapaz e ela se olharam porentre a chuva e se reconheceram como dois nordestinos, bichos da mesmaespcie que se farejam. (...) mentiu ele porque tinha como sobrenome apenas ode Jesus, sobrenome dos que no tm pai. (...) No Nordeste tinha juntado salriose salrios para arrancar um canino perfeito e troc-lo por um dente de ouro

    faiscante. Este dente lhe dava posio na vida. Alis, matar tinha feito dele umhomem com letra maiscula. Olmpio no tinha vergonha, era o que se chamavano Nordeste de cabra safado. Mas no sabia que era artista: nas horas de folgaesculpia figuras de santos e eram to bonitas que ele no as vendia. (...) vinha doserto da Paraba (...) nascera crestado e duro que nem galho seco da rvore oupedra ao sol. (...) Ter matado e roubado faziam com que ele no fosse um simplesacontecido qualquer, davam-lhe uma categoria, faziam dele um homem com honra

    j lavada (...) seu destino era o de subir para um dia entrar no mundo dos outros.Ele tinha fome de ser o outro.

    Madama Carlota, prostituta e cartomante: Eu sou f de Jesus. Sou doidinha por

    ele. Ele sempre me ajudou. Olha, quando eu era mais moa tinha bastantecategoria para levar vida difcil de mulher. E era fcil mesmo, graas a Deus.Depois, quando eu j no valia muito no mercado, Jesus, sem mais nem menosarranjou um jeito de eu fazer sociedade com uma coleguinha e abrimos uma casade mulheres (...) a polcia no deixa por cartas, acha que eu estou explorando osoutros, mas, como eu j disse, nem a polcia consegue desbancar Jesus. (...) Eutinha um homem de quem eu gostava de verdade e que eu sustentava porque eleera fino e no queria se gastar em trabalho nenhum. Ele era o meu luxo e eu at

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    apanhava dele. Quando ele me dava uma surra e via que ele gostava de mim, eugostava de apanhar. (...) Ouvi dizer que o Mangue est acabando, que a zonaagora s tem uma meia dzia de casas. Em meu tempo havia umas duzentas. Euficava em p encostada na porta vestindo s calcinha e suti de rendatransparente.

    Resumo

    Macaba nasceu em Alagoas, num ambiente de extrema pobreza. rf dos paisdesde os dois anos de idade, foi criada por uma tia, nica parenta sua no mundo,to pobre quanto ela. Dessa tia a menina levou muitos cascudos na cabea, formaque empregava a mulher para educar a sobrinha. Batia mas no era somenteporque ao bater gozava de grande prazer sensual ela que no se casara por nojo -como tambm porque achava seu dever.

    Destituda de qualquer conforto, totalmente alienada do consumismo _o nicodesejo da menina era comer goiabada com queijo, prazer que quase sempre lheera negado, por castigo.

    A medida que crescia, Macaba aprendia que "vida assim: aperta-se o boto e avida acende". S que ela no sabia qual era o boto de acender. Nem se davaconta de que vivia numa sociedade tcnica onde ela era um parafuso dispensvel.( observe a atualidade da crtica feita pela autora neste trecho ) .Mas uma coisadescobriu inquieta: j no sabia mais ter tido pai e me, tinha esquecido o sabor."Ela falava sim, mas era extremamente muda".

    No se sabe por que as duas vieram para o Rio de Janeiro, quando Macabatinha 19 anos. Um pouco antes de morrer a tia arranjou-lhe emprego de datilgrafano escritrio de uma empresa de representante de roldanas ( observe que ironiaexiste aqui_ o parafuso dispensvel vai trabalhar numa empresa que revenderoldanas_ a engrenagem perfeita!!!)

    A moa passou a morar numa vaga de quarto compartilhado com quatrobalconistas das Lojas Americanas. O quarto ficava numa regio pouco nobre dacidade, prximo a prostitutas que serviam a marinheiros.

    O chefe da firma, Sr. Raimundo Silveira, um dia lhe avisou com brutalidade que ia

    despedi-la porque ela errava demais na datilografia, alm de sujar o papel. Comsua natural humildade ela respondeu se desculpando pelo aborrecimentocausado. Surpreso com a reao, o chefe adiou a demisso, embora contrariado.

    Macaba tinha um sono superficial porque estava resfriada havia um ano. Tinhaacessos de tosse que sufocava com o travesseiro para no acordar as colegas dequarto. s vezes sentia fome antes de dormir e ficava meio alucinada pensando

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    em coxa de vaca. O remdio era mastigar e engolir papel. ( Noto aqui j um traodo realismo fantstico to comum aos escritores desta gerao de 45 ).

    Dessa forma defendia-se da morte por intermdio de um viver de menos gastandopouco de sua vida para esta no acabar, (...).

    Teria ela a sensao de que no vivia para nada?

    S uma vez se fez uma trgica pergunta: quem sou eu?

    Assustou-se tanto que parou de pensar. (.. ) O luxo que se dava era tomar umgole de caf frio antes de dormir. Pagava o luxo tendo azia ao acordar. (...) Viviaem tanta mesmice que de noite no se lembrava do que acontecera de manh.(...) Quando dormia quase que sonhava que a tia lhe batia na cabea. Ou sonhavaestranhamente em sexo, ela que de aparncia era assexuada.

    Quando acordava se sentia culpada sem saber por que, talvez porque o que bom devia ser proibido. Culpada e contente. Por via das dvidas se sentia depropsito culpada e rezava mecanicamente trs ave-marias, amm, amm, amm.Rezava mas sem Deus ela no sabia quem era Ele e portanto Ele no existia. (...)

    Vez por outra ia para a Zona Sul e ficava olhando as vitrinas faiscantes de jias eroupas acetinadas - s para se mortificar um pouco. que ela sentia falta deencontrar-se consigo mesma e, sofrer um pouco um encontro. Domingo ela"acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada.

    Ela era doda por soldado. "Quando via um, pensava com estremecimento de

    prazer: ser que ele vai me matar?"

    Macaba tinha um luxo, alm de uma vez por ms ir ao cinema: pintava devermelho grosseiramente escarlate as unhas das mos. Gostava de filme de terrorou de musicais. Tinha predileo por mulher enforcada ou que levava tiro nocorao.

    "Quando acordava no sabia mais quem era. S depois que pensava: soudatilgrafa e virgem, e gosto de coca-cola. ( retrato atual e tpico da literaturacontempornea _ j neste livro a autora fez uma referncia rede de varejo LojasAmericanas e agora tambm salienta a marca Coca-cola de refrigerantes ). S

    ento vestia-se, passava o resto do dia representando com obedincia o papel deser.

    Todas as madrugadas ligava o rdio emprestado por uma colega de moradia.Deixava o som bem baixinho na Rdio Relgio, "que dava hora certa e cultura".No intervalo entre as "gotas de minutos", havia anncios comerciais. Ela adoravaanncios.

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    A vida de Macaba - ela possua uma vida interior e no sabia disso - era cheia dovazio que enche a alma dos santos Ela era uma espcie de santa. "No sabia quemeditava pois ignorava o que quer dizer a palavra. Mas sua vida era uma longameditao sobre o nada. ( Meditava enquanto batia mquina, por isso erravaainda mais).

    Contudo a moa tinha seus prazeres: s noites costumava ler luz da vela osanncios que recortava de jornais velhos do escritrio. Gostava especialmente deum anncio que mostrava um colorido pote aberto de creme para pele demulheres. "O creme era to apetitoso que se tivesse dinheiro para compr-lo noseria boba. Que pele, que nada, ela o comeria, isso sim, s colheradas no potemesmo. Faltava gordura ao seu organismo. "Tornava-se com o tempo apenasmatria vivente em sua forma primria.

    Talvez fosse assim para se defender da grande tentao de ser infeliz de uma veze ter pena de si. ( Era apenas fina matria orgnica. Existia, s isto).

    s vezes, ela sentia enjo para comer. "Isso vinha desde pequena quandosoubera que havia comido gato frito. Assustou-se para sempre. Perdeu o apetite,s tinha a grande fome. ( Nunca havia jantado ou almoado num restaurante. Erade p mesmo no botequim da esquina).

    Macaba jamais havia ganho presentes. Um dia, viu um livro que o patro, dado aliteratura, deixara sobre a mesa. "Humilhados e Ofendidos". Ficou pensativa.Talvez tivesse se definido pela primeira vez numa classe social, Pensou, pensou epensou! Chegou concluso que na verdade ningum jamais a ofendera, tudoque acontecia era porque as coisas so assim mesmo e no havia luta possvel,

    para que lutar?

    Um dia em que quis descansar, inventou a mentira.

    Nunca se sentiu to contente. No devia nada a ningum e ningum lhe devianada. "At deu-se ao luxo de ter tdio".

    No dia seguinte, 7 de maio, sob uma forte chuva de final de tarde, encontrou umnamorado. "O rapaz e ela se olharam por entre a chuva e se reconheceram comodois nordestinos, bichos da mesma espcie que se farejam. Ele a olharaenxugando o rosto molhado com as mos, E a moa, bastou-lhe v-lo para torn-

    lo imediatamente sua goiabada com queijo" ( observe como aqui a associaoentre o desejo da gula e da luxria se complementam )

    Ele a convidou para passear. O rapaz era do serto da Paraba e estranhou onome dela, achando que parecia nome de doena de pele.

    Na segunda e na terceira vez em que se encontraram tambm chovia. Perdendo aforada educao que vinha mostrando, o rapaz disse para ela: "Voc tambm s

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    sabe mesmo chover!" "Desculpe", acrescentou a moa que j o amava tanto queno sabia como se livrar dele. Numa dessas vezes que lhe perguntou seu nomee ficou sabendo ser Olmpico de Jesus (ele acrescentou Moreira Chaves,mentindo, porque tinha como sobrenome apenas o nome de Jesus, sobrenomedos que no tem tm pai). Fora criado por um padrasto.

    Ele era operrio de uma metalrgica, transportava o dia inteiro barras de metal.Conseguia at economizar algum dinheiro; dormia de graa numa guarita emobras de demolio, por camaradagem do vigia.

    Olmpico gostaria de ser toureiro no tinha pena do touro, apreciava o sangue.Antes de vir para o Rio, tinha ajuntado economias at conseguir arrancar umcanino perfeito, substituindo-o por um dente de ouro faiscante. Mantinha aesperana de ser um homem rico, poderoso e at deputado. Em sua terra fora oque se chama de "cabra safado", pois j havia matado um homem de que nogostava, nos cafunds do serto, com um canivete.

    Nas horas de folga esculpia figuras de santo, mas no as vendia por ach-lasbonitas. Olmpico era macho de briga. Mas fraquejava em relao a enterros: svezes ia trs vezes por semana a enterro de desconhecidos, cujos annciossaam nos jornais. (...) Sempre que podia roubava alguma coisa, Matar e roubardavam-lhe certo "status". "Vingava-se dos poderosos desenhando caricaturas deseus retratos nos jornais".

    "As poucas conversas entre os namorados versavam sobre farinha, carne de sol,carne-seca, rapadura e melado, Pois esse era o passado de ambos e elesesqueciam o amargor da infncia. (...) Os dois no sabiam inventar

    acontecimentos, Sentados no banco da praa, "nada os distinguia do resto donada. Em seus dilogos curtos e inconsequentes. Macaba relatava informaesesparsas ouvidas na Rdio Relgio e Olmpico ou repetia seus sonhos degrandeza ou se irritava com ela. A nica vez em que a moa falou de si prpria navida foi quando respondeu ao namorado que lhe perguntou se tinha preocupao:"No, no tenho nenhuma. Acho que no preciso vencer na vida". Estavahabituada a se esquecer de si mesma.

    Certa vez, para se mostrar forte, Olmpico levantou Macaba com um brao s;mas no aguentou por muito tempo. A moa caiu "de cara na lama, o narizsangrando".

    Mas era delicada e foi logo dizendo: No se incomode, foi uma queda pequena.Ele passou vrios dias sem procur-la. Seu brio fora atingido. Depois retornou echegaram at a entrar num aougue: o cheiro de carne crua a encantava e eleficava fascinado com a faca amolada do aougueiro".

    Macaba no dava nenhuma despesa a Olmpico a no ser quando este lhepagou um cafezinho pingado "que ela encheu de acar quase a ponto de vomitar

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    mas controlou-se para no fazer vergonha. O acar ela botou muito paraaproveitar.

    Certa feita, os dois foram ao zoolgico, ela pagando a prpria entrada. Teve muitoespanto ao ver os bichos.

    Quando Olmpico viu Glria, a colega de Macaba. apaixonou-se por ela. "Glriapossua no sangue um bom vinho portugus e tambm era amaneirada nobamboleio do caminhar por causa do sangue africano escondido. Apesar debranca, tinha em si a fora da mulatice.

    Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos crespos cujas razes estavam semprepretas. Mas mesmo oxigenada ela era loura, o que significava um degrau a maispara Olmpico". ( Repare no nome do personagem_ representa a eterna loucurahumana de alcanar os deuses ).

    Alm do mais, era carioca, pertencente ao ambicionado cl do Sul do pais "Glriatinha me, pai e comida quente em hora certa. Isso tornava-a material de primeiraqualidade.

    Olmpico caiu em xtase quando soube que o pai dela trabalhava em um aougue.Pelos quadris adivinha-se que seria boa parideira.

    Enquanto Macaba lhe pareceu ter em si mesma seu prprio fim

    Olmpico desmanchou o namoro com Macaba para namorar Glria. "Diante dacara pouco inexpressiva demais de Macaba, ele at que quis lhe dizer alguma

    gentileza suavizante na hora do adeus para sempre. E ao se despedir lhe disse.Voc, Macaba, um cabelo na sopa. No d vontade de comer. Me desculpe seeu lhe ofendi, mas sou sincero. Voc est ofendida? - No, no, no! Ah por favorquero Ir embora! Por favor me diga logo adeus! (... )

    A reao dela veio de repente inesperada: ps-se sem mais nem menos a rir. Riapor no ter se lembrado de chorar. (... ) Ficaram rindo os dois a ele teve umaintuio que finalmente era uma delicadeza perguntou-lhe se ela estava rindo denervoso Ela parou de rir e disse muito, muito cansada: No sei no..."

    Macaba procurou permanecer como se nada tivesse perdido. No ficou triste

    nem desesperada: "ela era crnica".

    No dia seguinte ao final do namoro, ela resolveu se dar uma festa: comprou semnecessidade um batom novo vermelho bem vivo. "No banheiro da firma pintou aboca at e at fora dos contornos para que seus lbios finos tivessem aquelacoisa esquisita dos lbios de Marylin Monroe (mais uma referncia ao mundopop! )

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    Glria riu-se dela. Voc endoidou, criatura?"

    "Depois tudo passou e Macaba continuou a gostar de no pensar em nada.Vazia, vazia" Glria lhe perguntou "Por que que voc me pede tanta aspirina?(... ) - para eu no me doer tanto ! - Voc se di? - Eu me do o tempo todo -

    Aonde? Dentro, no sei explicar. (. ) - Um dia a plula te cola na parede dagarganta que nem galinha de pescoo meio cortado, correndo por ai"

    Macaba rezava indiferentemente e o misterioso Deus dos outros lhe dava, svezes, um estado de graa. Feliz, feliz, feliz. Ela de alma quase voando. Etambm vira o disco-voador"

    s vezes a graa lhe pegava em pleno escritrio. Ento ela ia ao banheiro paraficar sozinha. De p e sorrindo at passar; esse Deus era muito misericordiosocom ela: dava-lhe o que lhe tirava"

    Sua nica conexo com o mundo restringiu-se a Glria, que no era amiga, scolega. Quando mais nova, Macaba se conectava com o retrato de Greta Garbo."Mas o que ela queria mesmo ser no era a altiva Greta Garbo cuja trgicasensualidade estava em pedestal solitrio. Ela queria parecer com Marylin.

    O namoro de Olmpico e Glria ia bem. "Glria tinha um traseiro alegre e fumavacigarro mentolado para manter um hlito bom nos seus beijos interminveis comOlmpico" Este no se arrependeu de ter rompido com Macaba, pois seu destinoera subir na vida. Glria compensou a colega por ter-lhe roubado o namoradoconvidando-a para uma refeio num domingo em sua casa, onde Macaba sefartou de chocolate, biscoitos e bolo. No dia seguinte passou mal.

    "Dias depois, recebendo o salrio, teve a audcia de pela primeira vez na vidaprocurar o mdico barato indicado por Glria. (... )

    Esse mdico no tinha objetivo nenhum. A medicina era exatamente o que querianada. Macaba estava com comeo de tuberculose pulmonar (mas tambm ela scomia cachorro quente, tomava caf e coca-cola). O doutor lhe aconselhou comerespaguete e evitar lcool.

    Palavras do mdico no final da consulta, quando ela demonstrou no saber o queera espaguete e no entender o que ele queria dizer com evitar lcool: "Sabe de

    uma coisa? V para os raios que te partam!" A ningum, nem a Glria contouacerca da consulta.

    A colega havia garantido a Macaba que ficara com Olmpico porque no queriadesobedecer a cartomante, que era mdium. Talvez por remorso, aconselhou nordestina: "Por que voc no paga uma consulta e pede pra ela te pr ascartas?" E emprestou-lhe dinheiro.

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    Pela segunda vez, a moa tomou coragem, a pretexto de dor de dente conseguiulicena para faltar ao servio. No lhe foi difcil descobrir o endereo da gorda eexageradamente gentil madama Carlota, ex-prostituta, ex-cafetina, atualcartomante bem sucedida, moradora de apartamento prprio, f de Jesus,"doidinha por Ele" que sempre a ajudou.

    Mais falando de si mesma do que de sua "cliente", a cartomante concluiu: Mas,Macabeazinha. que vida horrvel a sua! Que meu amigo Jesus tenha d de voc,filhinha! Mas que horror!" Resolveu, ento, animar a pobre coitada. "Tenhograndes noticias para lhe dar:

    Sua vida vai mudar completamente! (...) At seu namorado vai voltar e proporcasamento (...) e seu chefe no vai mais lhe despedir! E tem mais! Um dinheirogrande vai lhe entrar pela porta adentro em horas da noite trazido por um homemestrangeiro (...) Ele alourado e tem olhos azuis ou verdes ou castanhos oupretos. (... ) Parece se chamar Hans, e ele quem vai se casar com voc!

    "Num sbito mpeto de vivo impulso, Macaba, entre feroz e desajeitada, deu umestalado beijo no mosto da madama. (..) S ento vira que sua vida era umamisria. Teve vontade de chorar.

    Saiu da casa da cartomante mudada. "At para atravessar a rua ela j era outrapessoa. Uma pessoa grvida de futuro"

    Ao dar o passo para descer da calada, Macaba foi atropelada por um luxuosoMercedes amarelo, que fugiu, sem que o motorista prestasse socorro. Ela bateuna quina do meio-fio com a cabea, que comeou a sangrar. Tomada por uma

    espcie de delrio oco, observou que havia capim na rua. "O Destino tinhaescolhido para ela um beco no escuro e uma sarjeta" como se ela fosse "umagalinha de pescoo mal cortado que corre espavorida pingando sangue. S queMacaba lutava muda. Ento comeou levemente a garoar_ Olmpico tinha razoela s sabia mesmo era chover!

    Os curiosos que se aproximaram nada fizeram "como antes pessoas nada haviamfeito por ela, s que agora pelo menos a espiavam. o que lhe dava umaexistncia"

    "Ela se mexeu devagar b acomodou o corpo em posio fetal. (. ) Era uma maldita

    e no sabia. Agarrava-se a um fiapo de conscincia e repetia mentalmente semcessar eu sou, eu sou. eu sou. Teve uma mida felicidade suprema, pois elanascera para o abrao da morte. (.. ) Um gosto suave, arrepiante, glido e agudocomo no amor. Seria esta a graa a que vs chamais Deus? Sim? Se iria morrer,na morte passava de virgem a mulher. Ento ela pronunciou uma frase queningum entendeu: "Quanto ao futuro." Vomitou um pouco de sangue Estavaenfim livre de si e de ns. (...) Viver um luxo. Pronto, passou."

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    COMENTRIO

    "A Hora da Estrela" , basicamente, o relato das fracas aventuras de uma moaalagoana "numa cidade toda feita contra ela":_ o Rio de Janeiro.

    Clarice Lispector usa o recurso de criar um narrador-personagem: medida queele nos faz conhecer a protagonista, tambm conhece sua prpria identidade.

    Por que o narrador escreve? Para se compreender. Enquanto eu tiver perguntaspara fazer e no houver resposta continuarei a escrever". Sua tarefa "a procurada palavra no escuro". Evita tratar da felicidade: ela "provoca aquela saudadedemasiada e lils- (.) Eu no quero provocar porque di.

    O narrador no tem classe social, um marginalizado "Escrevo por no ter nada afazer no mundo: sobrei e no h lugar para mim na terra dos homens. Escrevoporque sou um desesperado e estou cansado e no suporto mais a rotina de meser e se no fosse a sempre novidade que escrever, eu me morreria.-

    Macaba , portanto. uma inveno do narrador que com ela se identifica e comela morre.

    Moda-a sobre o destino e a solido dele mesmo. Cria-a de forma onisciente (=que tudo sabe) e onipotente ( que tudo pode). Faz da vida dela uma aprendizagemda morte, pois declara: "A morte que nesta histria o meu personagempredileto. Macaba desejava ser estrela de cinema, admirava Greta Garbo eMarylin Monroe.

    A morte a fez atingir seu objetivo: essa foi a hora da estrela..

    De qualquer maneira, e apesar dos pesares, ou apesar do encontro marcado como crepsculo, a moa experimentou a anteviso da aurora - "a cartomante lhedecretara sentena de vida" e ela era uma pessoa grvida de futuro".

    Ao ser colhida pelo Mercedes amarelo j havia assumido para sempre a felicidadeimpossvel, num esforo sobre-humano que consistiu em mitificar o pesadelo emsonho". (Eduardo Portella).

    Junto ao sangue de sua cabea, nas pedras do esgoto, estava vivo um tufo de

    capim verde.

    Macaba um substantivo coletivo, "a resistente raa an teimosa", o Nordesterural na sua difcil contracena com a engrenagem urbana, a cidade inconquistvel.Ela o grito no silncio daqueles que esto marginalizados social eexistencialmente.

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    "A Hora da Estrela apresenta dois ncleos de interesse a histria de Macaba eas reflexes do narrador. E, pois, um romance do tipo digressivo em que asopinies do narrador fazem parte do enredo As pginas iniciais so tomadas peloscomentrios dele sobre a prpria narrativa, um texto de metalinguagem, isto ,muito preocupado com a investigao da natureza linguistica do prprio texto.

    O narrador assume trs formas de presena: monlogo fio condutor da ao;relato puro e simples: palavras das personagens.

    Na verdade, sofrendo de conscincia culposa, Clarice Lispector se esconde nafigura do narrador. Ele escreve no estilo que caracteriza a escritora: a palavra,material bsico da narrativa "no pode ser enfeitada e artisticamente v, tem queser apenas ela".

    Sem retrica ( discursos eloquentes) e sem melodramas ( impactos emocionais), ointerior das personagens vai aparecendo e sensibilizando ( o que chamamos de

    epifania ).

    A conscincia individual passa ao primeiro plano da narrao. revelada de formasimples, profunda e potica.

    Embora possa parecer alienada dos problemas sociais, Clarice Lispector nestelivro denuncia todo o contexto social brasileiro e, por extenso, a injustia nomundo. Ela apresenta a estrutura interna do ser humano massacrado. Com esteprocesso, aparentemente de pura introspeco e de pura fabulao filosfica, elaquestiona o mundo organizado e a cultura dominante, resgatando do preconceitoos ofendidos e humilhados.

    Em um de seus escritos ela deixou as seguintes palavras:

    "Desde que me conheo o fato social teve em mim importncia maior do quequalquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim.Muito antes de sentir "arte, senti a beleza profunda da luta. Mas que tenho ummodo simplrio de me aproximar do fato social: eu queria era "fazer alguma coisa,como se escrever no fosse fazer. O que no consigo usar o escrever para isso,por mais que a incapacidade me doa e me humilhe. O problema da justia emmim um sentimento to bvio e to bsico que no consigo me surpreender comele - e, sem me surpreender no consigo escrever".

    Sua preocupao com o problema dos oprimidos confirma-se na dedicatria dolivro, na qual Clarice Lispector registrou "Esta histria acontece em estado deemergncia e de calamidade pblica". Trata-se de livro inacabado porque lhe faltaa resposta. Resposta esta que espero que algum no mundo ma-d

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    Consideraes GeraisEste livro tem duas caractersticas fundamentais: a originalidade do estilo e aprofundidade psicolgica no enfoque de temas aparentemente banais. A linhacondutora a estria de um imigrante nordestino deslocado e perdido na grandecidade do Rio de Janeiro. Atravs desse personagem, descortina-se a pobreza

    "feia e promscua" e ao mesmo tempo a singeleza de vidas to poucointeressantes. A narrativa, cheia de digresses (que fazem lembrar o estilomachadiano), vai alm da descrio realista de um cotidiano inexpressivo -questiona os valores da sociedade moderna, o papel social do artistacontemporneo e a prpria existncia humana. A Hora da Estrela transita entre olado trgico e o lado esplndido da vida, entre a fragilidade e a grandeza do serhumano. O tema da solido tem a funo de dar destaque s desigualdadessociais e ao enigma da vida, imprimindo novas perspectivas aos problemas eindagaes que nos cercam.

    Clarice Lispector

    VidaNasceu na Ucrnia em 1925, mas passou a infncia no Recife (seus pais seexilaram da Rssia e vieram ao Brasil quando Clarice tinha apenas dois meses deidade). Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1929, estudou Direito e casou-se comum diplomata, com quem teve filhos e viveu muitos anos no exterior. Divorciou-see, a partir de 1960, fixou-se no Rio, onde morreu em 1977.

    CronologiaPara esta cronologia, utilizamos como principal fonte Clarice, uma vida que seconta, de Ndia Battella Gotlib (editora tica), que a mais recente biografia daescritora (1995).

    1920 - Provvel nascimento de Clarice Lispector, a 10 de dezembro, emTchechelnick, distrito de Olopolko, na Ucrnia.

    1921 - Chega com a famlia a Macei.

    1924 - Muda-se com a famlia para Recife.

    1928 - Comea a freqentar o grupo escolar Joo Barbalho, onde aprende a ler.

    1930 - Cursa o terceiro ano primrio no Colgio Hebreu-diche-Brasileiro.

    1932 - Inicia o curso ginasial no Ginsio Pernambucano.

    1935 - Muda-se com a famlia para o Rio de Janeiro, onde matricula-se no ColgioSilvio Leite.

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    1937 - Inicia o curso complementar de Direito ministrado pela Faculdade Nacionalde Direito.

    1938 - Estuda no Colgio Andrews.

    1939 - Ingressa na Faculdade Nacional de Direito.

    1940 - Morte de seu pai e incio de seu trabalho como redatora na AgnciaNacional.

    1942 - Trabalha como jornalista no jornal A Noite.

    1943 - Casa-se com o embaixador Maury Gurgel Valente, e termina o curso deDireito. Publica seu primeiro romance, Perto do Corao Selvagem.

    1944 - Perto do Corao Selvagem ganha o prmio da Fundao Graa Aranha.

    Em agosto, muda-se com o marido para Npoles.

    1945 - O pintor italiano De Chirico faz um retrato de Clarice, e o poeta Ungarettitraduz alguns trechos de Perto do Corao Selvagem para a revista Prosa.

    1946 - Publica o romance O Iustre.Muda-se com o marido para Berna, Sua.

    1948 - Em maio, termina o romance A Cidade Sitiada e, em setembro, nasce seuprimeiro filho, Pedro.

    1950 - Clarice retorna ao Rio de Janeiro com sua famlia. No final do ano,acompanha o marido numa viagem a Torquay (Inglaterra), onde permanecer comele e o filho por seis meses.

    1952 - No Brasil, colabora com o jornal Comcio. Em setembro, muda-se com afamlia para Washington.

    1953 - Em fevereiro, nasce seu segundo filho, Paulo.

    1954 - Perto do Corao Selvagem publicado em francs. Escreve vrioscontos.

    1956 - Em maio, termina de escrever seu romance A Maa no Escuro.

    1957 - Escreve o livro infantil O Mistrio do Coelho Pensante.

    1959 - A revista Senhor publica mensalmente seus contos.Separa-se de Maury e fixa residncia no Rio de Janeiro com seus dois filhos.Mantm uma coluna no jornal Correio da Manh.

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    1960 - Publicao de seu livro de contos Laos de Famlia. Trabalha comocolunista no jornal Dirio da Noite.

    1961 - Publicao de A Ma no Escuro.

    1962 - Em setembro recebe o Prmio Carmem Dolores pelo romance A Ma noEscuro.1964 - Publicao do livro de contos A Legio Estrangeira e do romance A PaixoSegundo G.H.

    1967 - Em agosto, inicia atividade como cronista no Jornal do Brasil, que durarat dezembro de 1973. Recebe o prmio Calunga, da Campanha Nacional daCriana, pela publicao de O Mistrio do Coelho Pensante. Em setembro,provoca acidentalmente um incndio em seu apartamento, tendo sua mo direitagravemente queimada.

    1968 - Entrevista personalidades na revista Manchete para a seo "Dilogospossveis com Clarice Lispector". Em junho, participa, junto com outrosintelectuais, de uma manifestao contra a ditadura militar. Publica seu segundolivro infantil, A mulher que matou os peixes.

    1969 - Publicao do romance Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres.

    1971 - Publicao do livro de contos Felicidade Clandestina.

    1972 - Em setembro, o pintor Carlos Scliar faz dois retratos de Clarice.

    1973 - Publicao de gua Viva.

    1974 - Publicao do livro infantil A Vida ntima de Laura e de dois livros decontos: A Vida Crucis do Corpo e Onde estivestes de noite?

    1975 - Participa do Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogot (Colmbia).

    1976 - Prmio da fundao Cultural do Distrito Federal pelo conjunto de obra.

    1977 - Publica A Hora da Estrela. No dia 1 de novembro, internada na Casa de

    Sade So Sebastio devido a um cncer no tero. Transferida para o Hospital doINPS da Lagoa (RJ), morre em 9 de dezembro.

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