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HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA: A ORIGEM DA LEI 11.340/2006 E MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO

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Page 1: HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA: A ORIGEM DA LEI …

HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA:

A ORIGEM DA LEI 11.340/2006 E MARCOS

NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA

VIOLÊNCIA DE GÊNERO

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• SISTEMAS DE DIREITOS HUMANOS:1. Sistema geral de proteção: tem por destinatário toda e qualquer pessoa,

abstrata e genericamente considerada;2. O sistema especial de proteção dos direitos humanos é endereçado a um

sujeito de direito concreto, visto em sua especificidade e na concreticidadede suas diversas relações. Vale dizer, do sujeito de direito abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, etnia, idade, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se não mais ao indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo especificado, considerando-se categorizações relativas ao gênero, idade, etnia, raça,... (Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial -

Flávia Piovesan, Luis Carlos Rocha Guimarães)

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Cabocla Tereza - Raul Torres-João Pacífico

Há tempo eu fiz um ranchinhoPra minha cabocla moráPois era ali nosso ninhoBem longe deste lugar.

No arto lá da montanhaPerto da luz do luarVivi um ano felizSem nunca isso esperá

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E muito tempo passouPensando em ser tão felizMas a Tereza, doutor,Felicidade não quis.

O meu sonho nesse oiáPaguei caro meu amorPra mór de outro cabocloMeu rancho ela abandonou.

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Senti meu sangue fervêJurei a Tereza matáO meu alazão arrieiE ela eu vô percurá.

Agora já me vingueiÉ esse o fim de um amorEsta cabocla eu mateiÉ a minha história, dotor.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

A denominada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 07 de agosto de 2006, entrou em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano, e foi a primeira lei no ordenamento jurídico brasileiro, criada com a finalidade de pelo menos tentar conter o grave e antigo problema da violência praticada contra a mulher.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O motivo que levou a Lei receber este nome foi o caso de nº 12.051/OEA de Maria da Penha Maria Fernandes, que chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, através de denúncia recebida em 20 de agosto de 1998, no qual deu origem ao Relatório nº54/2001 publicado em 16 de abril de 2001.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CASO

No dia 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza-CE, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por tiro de espingarda desferido pelo entãomarido, o economista M.A.H.V, colombiano de origem e naturalizado brasileiro.

Em razão desse tiro a vítima ficou paraplégica. As agressões não se limitaram ao dia 29 de maio de 1983. Passada pouco mais de uma semana, quando já retornara para a sua casa, a vítima sofreu novo ataque do marido que tentou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto tomava banho.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CASO

A denúncia foi ofertada pelo Ministério Público no dia 28 de setembro de 1984 perante a 1ª.Vara Criminal de Fortaleza.

O réu foi pronunciado em 31 de outubro de 1986, sendo levado a Júri em 04 de maio de 1991, quando foi condenado, porém, apenas em setembro de 2002, passados, portanto mais de 19 anos da prática do crime, foi o autor finalmente preso.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O caso Maria da Penha é mais um dentro tantos outros que ocorreram e que ainda ocorrem no Brasil.

Maria da Penha e tantas outras “Marias” passaram e passam pelo chamado ciclo da violência doméstica que se apresenta como um ciclo em espiral ascendente que não tem limite.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CICLO DA VIOLÊNCIA

Ditados populares repetidos de forma jocosa absolveram a violência doméstica: “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”; “ele pode não saber por que bate, mas ela sabe por que apanha”; “mulher gosta de apanhar”; “um tapinha não dói”.

Esses, entre outros ditos repetidos como brincadeira, sempre esconderam uma certa conivência da sociedade para com a violência doméstica.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CICLO DA VIOLÊNCIA

“Desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada”. (Belmiro Pedro Welter)

PATRIARCADO = MACHISMO

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CICLO DA VIOLÊNCIA

A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CICLO DA VIOLÊNCIA

O ciclo da violência é perverso.

Primeiro vem o silencio seguido da indiferença. Depois surgem as reclamações, reprimendas, reprovações e começam os castigos e as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima, o varão destrói seus objetos de estimação, a humilha diante dos filhos, sabe que estes são os seus pontos fracos e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CICLO DA VIOLÊNCIA

Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se a vontade do agressor, só usa roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo.

Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão e tenta não fazer nada que na concepção do agressor seja considerado errado. Torna-se insegura, anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios, se tornando nesse momento um alvo fácil.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

O CICLO DA VIOLÊNCIA

O homem testa seus limites de dominação, e quando a ação não gera uma reação exacerba-se a agressividade para conseguir dominar e manter a submissão.

A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da auto-estima, o sentimento de menos valia, a depressão, essas feridas não cicatrizam.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

Voltando a origem, o Relatório 54/2001 trata-se, sem dúvida, de documento indispensável a quem pretenda entender a situação de violência contra a mulher em nosso País.

No mesmo ano da publicação do Relatório 54/2001, em decisão inédita, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado Brasileiro por negligência e omissão em relação a violência doméstica.

Note-se que a Lei 11.340/06 foi uma das medidas adotadas em relação à determinação oriunda deste processo perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

Dentre diversas conclusões, ressaltou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que :

“a ineficácia judicial, a impunidade, e a impossibilidade da vítima obter uma resposta do Estado e uma reparação pelos danos físicos e psicológicos sofridos, mostra a falta de cumprimento do compromisso, pelo Brasil, de reagir adequadamente ante a violência doméstica”.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

No caso concreto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos assim se pronunciou:

“a Comissão recomenda ao Estado que proceda a uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Fernandes e para determinar se há outros fatos ou ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do responsável; também recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas, no âmbito nacional, para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência doméstica contra mulheres”.

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1. A ORIGEM DA LEI 11.340/2006

Um aspecto interessante do caso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi a posição assumida pelo Brasil que simplesmente se omitiu em responder às indagações formuladas.

Ante tamanha inércia, foi aplicado o artigo 39 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “com o propósito de que se presumisse serem verdadeiros os fatos relatados na denúncia, uma vez que haviam decorrido mais de 250 dias desde a transmissão da petição ao Brasil e este não havia apresentado observações sobre o caso”.

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2. MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

A lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95) veio dar uma maior efetividade ao comando constitucional e significou verdadeira revolução no sistema processual penal brasileiro.

Ainda que tenha havido uma consciente tentativa de acabar com a impunidade, deixou o legislador de priorizar a pessoa humana, preservar sua vida e sua integridade física.

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2. MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

Na ânsia de agilizar, olvidou-se a lei que não é possível condicionar a ação penal à iniciativa da vítima quando existe desequilíbrio entre agressor e agredido.

Não há como exigir que o desprotegido, o hipossuficiente, o subalterno, formalize queixa contra o seu agressor.

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2. MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

Os avanços legais foram tímidos.

A Lei 10.455/2002, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 69 da Lei 9.099/95, criou uma medida cautelar de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica.

Já a Lei 10.886/2004, acrescentou um subtipo à lesão corporal leve (art. 129 § 9º CP), decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de detenção. Nenhuma das mudanças resolveu o problema, e a violência doméstica continuou acumulando estatísticas.

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2. MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

Com o advento da Lei 11.340/2006 com o mecanismo de coibir a violência doméstica contra a mulher uma maior atenção foi dada a esta questão.

Algumas novidades se destacam:

1. criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

2. necessidade de cientificação pessoal da vítima quando o agressor for preso ou liberado da prisão;

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2. MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

3. adoção de medidas que façam cessar a violência, como p. ex. o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que se aproxime da casa; vedar o seu contato com a família (art. 22);

4. encaminhamento da mulher e filhos a abrigos seguros, garantindo-lhe a manutenção do vinculo de emprego (art. 9º, II);

5. deve o juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (art. 45).

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2. MARCOS NORMATIVOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

No entanto, além de todos esses avanços, ainda se faz necessário a instalação dos JVDFMs em todo o País, com juízes, promotores, advogados e defensores capacitados,além de uma estrutura interdisciplinar para que todos os membros da família recebam atendimento psicológico e acompanhamento por assistentes sociais.