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Departamento de História

HISTORIOGRAFIA E E�SI�O DE HISTÓRIA: A PRODUÇÃO DIDÁTICA DE HISTÓRIA REGIO�AL E LOCAL – OS ESTADOS DO

PARÁ E DE SA�TA CATARI�A.

Aluno: João Gonzales Moreira (PIBIC/C�Pq)

Orientador: Luís Reznik

Introdução

A Companhia Melhoramentos de São Paulo (Weiszflog Irmãos Incorporada) publicou,

entre 1918 e 1932, uma série de livros escolares intitulada “Resumo Didactico”. Cada título

dedicava-se à narrativa da História de um estado brasileiro e a sua leitura era proposta aos

alunos e futuros alunos das Escolas Normais e aos professores e futuros professores das

escolas primárias. Projeto inédito, os livros eram profusamente ilustrados e foram escritos por

historiadores reconhecidos nos seus estados pela vinculação com os Institutos Histórico e

Geográfico locais.

Como primeiro empreendimento sistemático nessa direção, a série “Resumo Didactico”

nos revela elementos relacionados à recente e ainda incipiente expansão escolar primária e à

concomitante criação de um filão para as editoras em processo de constituição, à publicação

de livros didáticos de História no Brasil, à renovação dos métodos pedagógicos levada adiante

pelos chamados escolanovistas e, não menos importante, aos caminhos da produção

historiográfica brasileira nas primeiras décadas do século XX.

Objetivos

O processo de construção destes livros didáticos é permeado de agentes e determinações

institucionais, entre os quais se destacam os autores, a editora e a legislação educacional. Tem

grande importância o conhecimento sobre o contexto no qual se insere os autores, sua

influência política dentro de suas unidades federativas e, sobretudo a peculiaridade que o

mesmo dá à sua história, à história do seu estado natal.

Faz parte dos objetivos da minha pesquisa a análise e a comparação de dois livros da

coleção: História de Santa Catharina de Lucas Boiteux, publicado em 1930, e História do

Pará de Theodoro Braga, com publicação em 1932.

Metodologia

No primeiro ano da pesquisa, o grupo apresentou trabalhos referentes a alguns livros

da coleção e ao mercado editorial no qual se inseria a Companhia Melhoramentos. Iniciamos

com algumas discussões sobre o escolanovismo com o livro Molde nacional e fôrma cívica:

higiene moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931), de

Marta de Carvalho1. Este nos serviu para que pudéssemos conhecer o movimento

escolanovista do qual identificamos alguns de seus elementos na escrita dos historiadores da

coleção. Este foi um movimento de renovação escolar configurado no final do século XIX e

início do XX, na Europa, e também nos EUA, que ganhou força no Brasil nas décadas de

1 CARVALHO, Marta de. Molde nacional e forma cívica: higiene moral e trabalho no projeto da Associação

Brasileira de Educação (1924-1931). São Paulo: EDUSF, 1998.

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1920 e 1930. Com apoio nas ciências, em especial a Biologia, Sociologia e Psicologia, a

Escola Nova visava reconstruir o sistema educacional, para melhor proveito dos alunos. O

livro A invenção do /ordeste e outras artes, de Durval Muniz de Albuquerque Jr.2, também

foi lido e discutido pelo grupo a fim de pensarmos o que chamamos de história regional.

Outras leituras se sucederam a fim de que analisássemos o papel da história e do

IHGB no período em que direcionamos a nossa pesquisa, nas primeiras três décadas do século

XX. O texto A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (n)ação, de Tânia Regina de Luca3 e

o texto A república, a história e o IHGB, de Angela de Castro Gomes4 foram também lidos e

discutidos em grupo.

Individualmente entre os textos e artigos relacionados ao mercado editorial de livros

didáticos destaco O livro no Brasil: sua história, de Laurence Hallewell5. Nesta, que se

tornou obra referencial para minha pesquisa, identifiquei em que posição se encontravam as

editoras nas primeiras décadas do século XX. Aliando estes conhecimentos a outras leituras,

entre elas um artigo do pesquisador francês Alain Chopin6, um artigo do historiador brasileiro

Kazumi Munakata7, outro artigo do também historiador Antonio Augusto Batista

8, além de

verificar a história da Companhia Melhoramentos através do livro 100 anos da

Melhoramentos. 1890-1990, de Hernani Donato9, foi possível montar um quadro que

possibilita a compreensão do mercado editorial o qual a Companhia se inseria.

Sendo assim verificamos que no primeiro ano da pesquisa embasamo-nos

teoricamente discutindo textos que nos fez conhecer o movimento escolanovista e a sua

influencia na escrita dos historiadores da época, o conceito de história regional, o papel do

IHGB, entre outras coisas. Em paralelo a estas leituras foram feitos levantamentos

documentais e apresentações entre os integrantes da equipe.

Neste ano, demos continuidade à analise minuciosa dos livros sob a orientação do

nosso professor. Minha colega Maria Beatriz trabalhou com os livros História de Minas

Gerais de Lucio José10 e História da Bahia de Pedro Calmon

11, enquanto eu dei seguimento a

analise dos livros já anteriormente citados.

Os eixos de análise dos livros se encaixaram nos eixos principais da pesquisa. Coube-

nos identificar a biografia do autor, a legislação educacional estadual vigente no ano da

publicação dos livros, a característica e peculiaridade destacada pelo autor para cada história

além de identificar a proposta de narrativa da história do autor, seus métodos pedagógicos e a

linguagem utilizada pelo mesmo.

Sendo assim, meu trabalho voltou-se mais precisamente a uma minuciosa análise do

livro. Li alguns artigos e teses sobre os estados que pesquisei entre os quais destaco “Por uma

2 ALBUQUERQUE, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras partes. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2009.

3 DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (n)ação. São Paulo: UNESP, 1999.

4 GOMES, Angela de Castro. A Republica, a Historia e o IHGB. Belo Horizonte: Editora Argvmentvm, 2009.

5 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 1985.

6 CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São

Paulo, vol. 30, n° 3, set/dez 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/. 7MUNAKATA, Kazumi. Livro didático: produção e leituras. In: Márcia Abreu (org.), Leitura, história e história da

leitura. Campinas: Mercado das Letras/ALB/FAPESP, 1999

8 BATISTA, A. Augusto. Um objeto variável e instável: textos, impressos e livros didáticos. In: Márcia Abreu

(org.), Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado das Letras/ALB/FAPESP, 1999 9 DONATO, Hernani. 100 anos da Melhoramentos. 1890-1990. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

10 SANTOS, Lúcio José dos. História de Minas Gerais. 2. ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1972. 1.ed.

1926. 11

CALMON, Pedro. História da Bahia. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1929.

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história regional viril” de Cristiane Beretae Maria Teresa Cunha e “A multiforme obra

artística e intelectual de Theodoro Braga” de Edilson da Silveira Coelho.

Tentei em vão encontrar outros livros didáticos publicados na mesma época que me

possibilitassem estabelecer uma comparação com os livros da coleção. O livro /oções de

História do Pará de Ernesto Cruz publicado em 1937 foi objeto de nossa procura. Soube de

sua existência quando, na Biblioteca Nacional, analisava os dois volumes de História do Pará

de Ernesto Cruz publicado em 1963. Ernesto indicava em sua bibliografia a utilização do

/oções. Fato curioso também deste livro é uma nota do editor que ignora as publicações

anteriores de história regional. Diz ele que a obra de Ernesto Cruz preenchia uma lacuna: a

inexistência de uma publicação História do Pará. A disponibilidade do /oções estava restrita

ao Arquivo Publico do Pará o qual entramos em contato e mandamos requerimento formal em

nome da universidade. Ficamos com a promessa de que a obra seria digitalizada e a nós

enviada. Mas, ficamos só com a promessa mesmo do então diretor da instituição. Mesmo

tendo acontecido isso não cessei minha busca e encontrei a obra Apostillas de História do

Pará de Theodoro Braga publicado em 1915. Esta obra foi escrita em comemoração ao

tricentenário da fundação da cidade de Belém do Grão Pará. A Secretaria de Instrução Publica

elaborou teses para serem estudadas, defendidas e explicadas pelo magistério escolar. São

tópicos, parâmetros para o estabelecimento do ensino de história regional.

Na tentativa de saber mais sobre o que se escrevia sobre história regional e sobre a

educação no estado do Pará na época da publicação, pesquisei na Biblioteca Nacional todas as

publicações do ano de 1932 (ano da publicação da obra da nossa coleção) do periódico

“Estado do Pará: propriedade de uma sociedade anonyma”. Por um momento pensei que me

servirira alguma coisa por existir uma seção voltada para a escola normal e outras, não com a

mesma frequência, de nomeações de cargos, mudanças escolares, etc. Porém na primeira

somente se referiam a presença ou ausência de alunos enquanto que na segunda tinha

destaque mudanças de localidade das escolas, nomeações de professores, reformas nos

prédios escolares, etc. Ou seja, de nada serviu a consulta deste periódico.

Procurar livros didáticos que pudéssemos comparar com o livro de Lucas Boiteux foi

um pouco mais difícil. Encontrei muitos livros do mesmo e também de familiares seus, porém

a maioria são dicionários geográficos ou se relacionam a campanhas navais. Também me

deparei com impossibilidades diante de alguns livros devido a troca de localizações na

Biblioteca Nacional.

A biografia dos autores e a legislação educacional foram os únicos eixos que me

distanciaram do objeto da pesquisa, os livros da coleção. Não houve muita dificuldade a

investigação biográfica dado que os mesmos são figuras importantes dentro de seus estados.

Tanto Theodoro Braga, quanto Lucas Boiteux foram figuras políticas de elevado valor em

seus distritos, tendo destaque este em relação à aquele. Maior trabalho tive na procura da lei,

do decreto que regulamentava o ensino de história regional nos estados do Pará e de Santa

Catarina. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Arquivos Públicos estaduais, Secretarias

Estaduais de educação, mensagens de governadores do inicio da Republica disponíveis na

internet, foram alguns dos alvos de minha alçada, fizeram parte da metodologia do trabalho.

Juntamente com meu orientador, chegamos a fazer contato com diretores de secretarias e

museus de outros estados através de telefonemas e emails. Isso depois de ter analisado as

mensagens presidenciais12 ano a ano e não ter encontrado nenhuma indicação direta ou

indireta a algum decreto de nosso interesse. Nestas encontrava o nome dos governadores, tudo

sobre equipamentos comprados para as escolas, o numero de matriculas, as escolas privadas e

publicas, exames, exposições, faculdades, institutos, escolas normais, porém nenhuma citação

a uma adequação e renovação do ensino com a inserção do estudo da história regional. Na 12

Disponível em <http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/par%C3%A1>

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Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro também busquei por coleções de leis e nada encontrei.

Enfim, ficou uma lacuna neste eixo da pesquisa que diz respeito a identificação do lugar da

história regional nos respectivos currículos das escolas primárias paraenses e catarinenses.

Também procurei pensar sobre o que é diferente de cada história. Essa peculiaridade é

fruto da inserção destes estados no contexto político, econômico e social do país ao longo da

história, da experiência do seu povo diante deste mesmo contexto e da intelectualidade dos

autores e historiadores.

Conclusão

- Autores

Theodoro José da Silva Braga nasceu em Belém do Pará no dia 8 de junho de 1872.

Teve sua formação artística e intelectual iniciada em Recife e aperfeiçoou-se no Rio de

Janeiro na Escola Nacional de Belas Artes. Em 1899, por ter conquistado o Prêmio de Viagem

ao Estrangeiro oferecido pela ENBA aos seus alunos obteve uma viagem à Europa onde em

Paris recebeu aulas de Jean-Paul Laurens, mestre da pintura histórica francesa, na Academia

Julian. De volta a Belém em 1906 produziu principalmente obras de pintura com temas

históricos. Essas o colocariam definitivamente no cenário nacional como um mestre da

pintura e da intelectualidade brasileira. Em 1921 voltou para o Rio de Janeiro onde exerceu a

função de professor da ENBA. Essa entre outras experiências como artista-educador foi

certamente importante para a participação de Theodoro Braga na fundação da Escola

Brasileira de Arte, destinada à educação artística de crianças e adolescentes, e da Escola de

Belas Artes de São Paulo, hoje Faculdade de Belas Artes de São Paulo, cidade para onde se

transferiu em 1924 e se fixou até sua morte. Theodoro Braga ainda lecionou em outras

importantes instituições, conquistou muitos outros prêmios e fez parte do Conselho de

Orientação Artística de São Paulo, de 1925 até setembro de 1953 quando morreu.

Pintor, desenhista, decorador, artista gráfico, ilustrador, historiador e educador,

dedicou sua produção à pesquisa de temas da história e cultura regional, buscando

constantemente novos saberes, novos modos de expressão, se empenhando na divulgação da

arte e da cultura amazônica dentro da cultura nacional.

Alguns de seus títulos:

• Participa da criação da Escola Brasileira de Arte de São Paulo, dirigindo

atividade extracurricular onde crianças de 8 a 14 anos estudam gratuitamente

música, desenho e pintura;

• Catedrático de desenho no Liceu Franco Brasileiro (São Paulo)

• Sócio dos Institutos Históricos e Geográficos do Pará, Ceará, Rio Grande do

Norte, Pernambuco e São Paulo

• Diretor do Instituto Profissional Lauro Sodré (Belém)

• Professor e diretor interino do Instituto Profissional João Alfredo (Rio de

Janeiro)

• Ilustrador da revista simbolista Vera Cruz (Rio de Janeiro)

• Livre docente na ENBA (Rio de Janeiro)

• Professor Catedrático de Arte Decorativa no Instituto de Engenharia

Mackenzie (São Paulo)

• Membro do Conselho de Orientação Artística do Estado de São Paulo

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• Participa da comissão de seleção e do júri da 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º

Salão Paulista de Belas Artes

• Leciona arte decorativa, desenho e composição na Escola de Belas Artes de

São Paulo

• Publica um dicionário de notícias de pintores brasileiros Artistas Pintores no

Brasil, além de livros técnicos de desenho e artigos em jornais e revistas

• Diretor da Escola de Belas Artes de São Paulo

Lucas Alexandre Boiteux é filho do coronel Henrique Carlos Boiteux e Maria Carolina

Jaques Boiteux, nascido em Nova Trento, no município de Tijucas, estado de Santa Catarina,

a 23 de outubro de 1881. Com cinco anos foi para a escola primária de sua cidade e depois

estudou no Colégio São Luiz na cidade de Itu-SP, terminando os estudos no curso de

humanidades do Colégio dos Jesuítas em Florianópolis-SC.

Em 1897 ingressou na Escola Naval, de formação de oficiais da Marinha de Guerra,

iniciando ali sua careira militar. Em 1940, quando era capitão-de-mar-e-guerra, teve a carreira

interrompida por questões políticas. Incompatibilizado com o Estado Novo, não se conformou

e foi à justiça, tendo sido reintegrados às forças navais em 1951, no posto de contra-almirante

da armada e, a seguir, transferido para a reserva. Na carreira, foi imediato e comandante de

diversos navios. Por ocasião da Revolução Constitucionalista de 32, comandava – no posto de

capitão-de-fragata - o cruzador Bahia. Foi comandante da escola de aprendizes marinheiros e

do centro de aviação naval. Assistente do chefe do estado maior da armada, capitão dos portos

de Santa Catarina, comandante da divisão dos contra-torpedeiros, vice-diretor de pessoal da

armada e da diretoria de navegação, além de outros cargos e funções.

Como historiador e genealogista, sua obra é vastíssima. Considerado o maior

historiador naval brasileiro, produziu trabalhos sobre o tema a partir de 1908, até o ano de sua

morte. Era também um apaixonado por seu estado natal, tendo desenhado o brasão de armas

do estado e escrito diversas obras e inúmeros artigos a respeito de Santa Catarina.

Fez parte de diversas associações e entidades culturais, entre elas:

• Sociedade Brasileira de Geografia

• Instituto Histórica e Geografico Brasileiro (do qual foi sócio benemérito)

• Insitutos Históricos: de Santa Catarina (que presidiu entre 1914 e 1920), do

Ceará, do Pará, do Espirito Santo.

• Academia Catarinense de Letras.

• Sociedade dos Homens de Letras.

• Instituto Histórico e Militar do Brasil

- Legislação

Como descrito anteriormente na metodologia, o avanço nessa questão não foi

significativo devido a impossibilidade de acesso ao decreto que regulamentou o ensino de

história regional nos estados que analisamos. O que conseguimos na legislação de Santa

Catarina é o decreto n. 1267 de 21 de julho de 1919 que adotou o livro de Lucas Boiteux

como oficial nas escolas normais e nada mais. Referente ao estado do Pará, nada

conseguimos.

- História do Pará para Theodoro Braga

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Para mim, no inicio das minhas leituras (e até mesmo antes delas) a história do Pará

estava muito associada ao índio. As características do seu povo, as referencias indígenas

presentes no comportamento e na cultura dos paraenses, se constituíram como algum dos

motivos para que eu fizesse tal afirmação. Porém, um detalhe importante eu tinha me

esquecido. A historiografia da época valorizava o que era europeu, desvalorizando e

desmoralizando o que não era. Assim como o negro, o índio também não era europeu. Eram

vistos como selvagem e com facilidade os caracterizavam com adjetivos pejorativos e

negativos, tais como “desconfiados e vingativos” (p.32) ou então “poucos activos e sem amor

algum ao trabalho” (p.33). Ao mesmo tempo em que expunham poucas de suas qualidades,

como por exemplo a valentia, mostravam e enxergavam a necessidade de catequizá-los, de

civiliza-los. Os jesuítas, padres da Companhia de Jesus foram para também para o norte com a

missão de civilizar, colonizar, catequisar os índios.

Theodoro Braga descreve conflitos entre europeus e nativos evidenciando um dos

sinais do que considero o diferencial e o referencial da história que narra: uma história de

crises, conflitos. Não somente na história do Pará houve esses conflitos entre brancos e índios,

porém essa crise é somente uma das crises da história. O português por sua vez era

valorizado. Figuras como João de Barro, Pedro Teixeira, entre outros portugueses são sempre

positivamente adjetivados. O autor narra a dificuldade que foi conquistar, povoar e defender

estas terras. Mais um aspecto da crise: muitos invasores ali se instalavam. Antes mesmo dos

portugueses, franceses já conheciam grande parte daquele território norte do Brasil. Isso cria

mais um adversário na empresa portuguesa e por consequência mais uma crise, um conflito.

Portugueses X Indios, Portugueses X Franceses, Portugueses X Holandeses, Indios X

Invasores. Não desconsidero minha hipótese de a história do Pará de Theodoro Braga se

marcar pelas crises e conflitos. Mas considero estranho e considerável o autor não citar, ainda

que não se fizesse em muita quantidade no Norte, a escravidão, razão de conflito em todos os

lugares.

O autor desenrola sua narrativa inserindo esta valentia portuguesa em meio a tantos

embates e confrontos. “Avançava lenta porém seguramente para o norte a muralha

inderrocavel13 da gente portuguesa, methodica e inabalável, vencendo todos os obstáculos e

todas as reações em todos os logares.” (p. 26). Conseguiram fundar estado. Conseguiam

expulsar invasores. Mas não conseguiram terminar com as crises e os conflitos. Uma delas

recorrente se percebe na reclamação por maior participação das províncias do norte nas

decisões politicas; havia um afastamento. Na colônia com as rebeliões indígenas, no Império

com a Cabanada e por ai se segue. Sendo assim, a minha consideração e conclusão principal é

de que o autor narra uma história de crises e conflitos ao narrar a história do Pará.

- História de Santa Catarina para Lucas Boiteux

Pode-se ler na obra de Lucas Boiteux que a história de Santa Catarina só se sustenta a

partir de seus heróis e feitos cívicos. Ele dedicava paginas de suas produções, com os muitos

retratos dos grandes heróis catarinenses na Guerra do Paraguai, na sua maioria militares e

membros do exército e da marinha, sempre exaltando em suas falas a coragem que fez parte

da postura dos cidadãos naquele período. No livro, no capitulo referente a Guerra do Paraguai,

o autor destaca uma passagem que serve como exemplo dessa valentia a que me refiro: “mais

outro corpo de voluntários catharinenses foi reunido e partiu cheio de fé e galhardia a cumprir

o sagrado dever”(p.164). Inúmeras outras passagens fazem essa referencia ao povo

catarinense. Esta seleção dos homens dignos de lembrança, funcionava como um modelo

ideal de identidade, ao mesmo tempo em que reforçava a idéia de uma história como mestra

13

Não destituído do poder, não destruído.

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da vida em que o passado com seus exemplos revelava ensinamentos para as ações no

presente.

Lucas Boiteux assim como os demais membros do Instituto Histórico e Geografico de

Santa Catarina representava os valores manifestos no projeto pedagógico republicano, ou seja,

crença nas virtudes da instrução moral e cívica como forma de manter a ordem social e

fortalecer o caráter nacional. No IHGSC a afiliação em tal projeto encontrava em seu discurso

o sentimento de amor a “pequena patria”. A presença enfática de construções discursivas

sobre nacionalismo e patriotismo no currículo escolar fazia parte dos ensinamentos dados para

desenvolver qualidades morais nas crianças.

Visto isso afirmo que na obra por mim analisada de Lucas Boiteux, a história de Santa

Catarina é permeada de feitos heróicos e de grandes homens, dando a estes grande

importância política. O livro mostra isso claramente tentando fazer com que as crianças que

dele usufruíssem pudessem se inspirar e passar a respeitar e valorizar a pequena pátria

catarinense.

Diante da biografia dos autores dos livros a conclusão mais latente a que cheguei foi a

confirmação de que os autores destes livros tinham um influente espaço na política e na

intelectualidade de seus estados. No caso da Lucas Boiteux, fora o mesmo que criou o

desenho que baseou a criação das armas do Estado de Santa Catharina assim como fora o

mesmo que teve seu livro /otas para a história catharinense adotado oficialmente pelas

escolas estaduais. Assim como percebemos que Theodoro Braga também possuía grande

influencia no meio intelectual do seu estado. A indicação dos autores não fora aleatória e

muito menos desprovida de interesses, o que nos possibilita desse modo uma boa chave de

interpretação desta produção didática.

- Elementos comuns entre os livros

Bem sabemos que os livros da coleção obedecem e seguem regras editorias que os

fazem se aproximar mais da realidade dos alunos. A proposta de apresentar uma história mais

clara, mais interessante e também mais cívica é prontamente analisada tendo em vista a

linguagem, as ilustrações, à proposta de narrativa e ao apelo, até mesmo nos prefácios, a

construção do zelo e amor a pequena e grande pátria.

O grande barato desta coleção é a disposição destes elementos, principalmente das

gravuras, nas publicações. Comparando com outros livros didáticos produzidos na época,

percebe-se que a Companhia Melhoramentos tem destaque no quesito referente a

interatividade com o leitor.

Não é muito difícil encontrar características do movimento escolanovista nos livros da

coleção que pesquisamos. No História do Pará, no prefacio escrito pelo autor já se identifica

a questão da valorização da identidade nacional assim como no História de Santa Catharina.

Há claramente a ideia do amor a pequena pátria e por sequencia à grande pátria. A intenção de

se produzir um material didático era perpassada pela intenção de se estabelecer todo um novo

imaginário político que se embasava sobre a construção de um ideal de nação e

principalmente de identidade brasileira. Percebe-se da edição dos livros da coleção e

consequentemente nestes uma preocupação em torna-lo acessível às crianças, com um

vocabulário não muito complexo, embora muitas das vezes a escrita se mostre maçante com

muitos nomes e cargos. Contudo a exploração das figuras, dos mapas, dos bustos, possibilita

uma conversa mais agradável entre o autor do livro e o leitor. Há nos livros aproximadamente

150 figuras entre bustos e outros em cada um, além de alguns mapas, todos devidamente

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identificados num índice. Estes novos métodos educacionais deveriam ser compatíveis com

cada idade escolar e situação social dos alunos.

“Procurarei resumir o mais rápido possível os factos históricos, cheios de elevado

patriotismo e em que são merecidamente exaltados os feitos dos nossos antepassados, na

fixação da nossa nacionalidade (...)”

(Thedoro Braga - Prefácio)

“Foi assim pensando que me animei a escrever o presente livrinho (...)”

(Lucas Boiteux – Prefácio)

Também pode ser analisado neste trecho do prefácio que há uma idéia de o livro ser

um resumo da história, um resumo didático. Não haveria de ter grandes aprofundamentos e

debates neste livro. Ele serve como uma referencia até mesmo para que, o professor,

personagem tão ou mais importante do que o livro na escola, possa adentrar em questões em

sala com seus conhecimentos. Deveria haver uma correlação entre o livro e o professor: um

ajudaria o outro na condução do saber e do amor à pátria.

Uma ultima observação acerca do movimento escolanovista diz respeito a de que

modo o autor desenrola os fatos e em que posição se encontra a pequena e a grande pátria.

Diferentemente de outros autores da coleção, como Rocha Pombo por exemplo em História

do Paraná, Theodoro Braga insere a história do estado na história do país e não o contrário. A

história do Brasil é o fio condutor da história do Pará.