histórias sem nexo, sem contexto e outros contos de embalar

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Uma compilação de histórias soltas do meu blog que abrangem uma grande variedade de temas.

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Histrias sem nexo, Sem contexto E outros contos de embalar

1

As noites contigo- Porque que me metes a ver coisas para midas? - Tu gostas. - Respondi eu enquanto descascava mais um pistacho. - No gosto nada. - Ento porque que nem desvias o olhar da televiso? - Porque... olha ela vai mesmo ter com ele!! Acho que z uma careta bem disposta. Para qu constatar a realidade em voz alta? A preocupao dele era com o desenrolar da srie e o meu eram os pistachos que no estavam sucientemente abertos para meter l o polegar e partir a casca. Desisti dos pistachos porque j no havia mais nenhum aberto e preparei-me para esticar as pernas... para cima dele, claro. - Posso? Nem precisava de ter perguntado, ele levantou os braos mesmo antes de eu fazer o movimento. Ajeitei a almofada atrs da minha cabea e deixei as pernas repousadas no colo dele. Por muito que me custasse a admitir, partilhvamos o conforto de uma familiaridade admirvel. - O que que eu perdi? - Ah, ela descobriu nalmente que ele anda a fazer dilise s escondidas e o Richard declarou-se Alice. - Quem? - A pediatra. Cala-te s um bocadinho porque est quase no m. Sorri e espreguicei-me. Fechei os olhos com um sorriso nos lbios e esperei que o meu crebro fosse bom o suciente para guardar aquela sensao de puro contentamento. - Bem, nem acredito que acabou quando ela estava a chegar! Abri os olhos de repente com medo que ele estivesse a falar comigo, mas 2

no, estava ainda a olhar para o genrico que j tinha comeado a passar. - Ento e agora? Queres ver um lme? - Acabaste com os pistachos? - Bem, deixei-te os que representam um desao... - Que lmes tens a? - Aquelas prateleiras todas. Podes escolher, eu cono no teu bom gosto. - No me apetece levantar. - Zapping? - Ele encolheu os ombros. - Depois da descoberta que foi colocarem mais de quatro canais num cabo, j metiam um boto para passar de canal automaticamente a cada cinco segundos... - Tu s a pessoa mais preguiosa que eu conheo. - Fica sabendo que me esforo muito para ser assim. No fcil! Ele riu-se e abanou a cabea. Se eu pudesse ouvir os pensamentos dele, aposto que seriam qualquer coisa como "tu no existes!". - Ento o que tens feito? Desde a semana passada?... - Trabalhar. - Podes ser mais especco mas num vocabulrio que eu entenda? - Para ser sincero, continuamos a fazer o mesmo da semana passada que tu no entendeste. Parece que aquela porcaria nunca mais est pronta, h sempre qualquer coisinha mais para fazer! E amanh tenho que voltar l. - Amanh sbado? - Eu sei. - Tu que sabes, o dia de descanso teu. - E tu no fazes nada, no ? - Eu esforo-me por isso. Especialmente por no pensar em trabalho ao m-de-semana. Tenho direito a dois dias de descanso por semana e ai deles se no me deixam aproveit-los!! - No sei como consegues. - O mesmo para ti, mas prero estar no meu lugar... claro! Ele riu-se e virou-se um pouco mais para mim enquanto me fazia umas 3

mini-massagens nas pernas. Eu continuava encantada com a quantidade de canais que no me interessavam ver. Deixei a televiso num canal qualquer daqueles tipo o Discovery ou Odisseia e concentrei-me nele - devia ter comprado mais pistachos. - Ento como vai a namorada? - No vai. - Ah, no sabia. Quando que isso aconteceu? - Ela ainda no sabe. - Aaah... parece-me simptico da tua parte. - Porque que queres saber? - S para fazer conversa. Sinceramente, no me interessa muito. Tu evitavas juntar-nos de qualquer modo. - Isso no verdade. - Tu que sabes! - E pisquei-lhe o olho. - Eu devia ir para casa porque amanh acordo cedo, alis, eu nem devia ter passado por aqui. - Eu no te convidei... - Eu sei, se esperasse que me convidasses nunca te via. - Ests a ver como sabes? mais giro apareceres sem aviso! Deitei-lhe a lngua de fora e ele inclinou-se para beijar-me. O beijo podia ser perfeito com ele inclinado sobre mim com muito cuidado para evitar que as minhas pernas cassem para a frente. Mas a minha lngua deu o alarme. - O que que estiveste a comer?! - Ah... ups, comi um chocolate com nozes ou avels ou o que aquilo!... - E beijaste-me mesmo assim? Tu sabes que eu no gosto! Agora tenho que ir beber qualquer coisa para tirar este sabor... Blherc! - Desculpa? - Ele riu-se divertido porque tinha feito de propsito. - Vou cozinha. Queres alguma coisa? Em vez de responder, seguiu-me. Eu fui direita ao po para fazer torradas e ele cou a inspeccionar as bebidas no frigorco. 4

- Sabes do que me estava a lembrar por causa de seres to esquisita? - Eu no sou esquisita, s no gosto de nozes e avels, amendoins e essas coisas no chocolate! O chocolate bom por ser chocolate... no por ter um monte de outras coisas para poupar no chocolate! - Continuando o que estava a dizer, o gelado Magnum! - No entendi? - Eu comprava sempre o Magnum Classic porque tu no gostavas dos outros. - No sabia que fazias isso por mim, pensava que gostavas. - E gosto, mas comprava por causa de ti. - Ests desculpado pelo que me zeste h pouco. E quanto ao gelado, j vai com uns anos de atraso mas obrigada. - De nada. Tu sempre beijaste bem! Fiz-lhe outra careta e desviei a minha ateno para a torrada. Ele voltou para a sala com duas bebidas. - Olha, desculpa se atrapalhei alguma coisa com a tua namorada. - Ex... No te preocupes, ela nunca soube. - Eu sei. Quer dizer, eu no lhe contei. Mas no te sentiste estranho quando estavas comigo? Eu sei que no zemos nada de especial, mas h sempre aquela tenso esquisita entre os dois. - Acho que das primeiras vezes que me apeteceu abraar-te senti que no estava certo. Depois no sei... deixei de sentir-me culpado. Desisti de estar de p e voltei a sentar-me ao lado dele. Desta vez deixei os ps no cho. - Olha o que eu encontrei! - After Eight?! Onde que encontraste isso? - Estava no teu frigorco. - Aah, e no pediste autorizao antes de tirar? Sabes que isso sagrado c em casa! 5

- Pensava que no gostavas de chocolate com outras coisas misturadas para poupar no chocolate?... - Isso roubo seguido de uma espcie de plgio verbal! Ele olhou para mim com um ar divertido enquanto tirava o chocolate e o metia na boca, muito devagar. Um devagar teatral, denitivamente. Comeou a sabore-lo com ar trocista e disparou: - Ah, esqueci-me de dizer que este era o ltimo chocolate que estava dentro da caixa! - O qu??! - Agora no vais parar o beijo a meio, pois no?

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NinaAbro os olhos como se acordasse no meio da noite com um estrondo. Custa-me a perceber onde estou... oio o piano e o contrabaixo num ritmo irrepreensvel. Gosto do modo como os meus tmpanos vibram. Volto-me para trs e mal vejo o bar e o barman a abanar ligeiramente os ombros enquanto limpa os copos. Volto-me novamente na direco da msica e observo a plateia. Os homens mais empolgados com o espectculo encontram-se chegados frente, junto ao palco. Eu estou sensivelmente a meio da sala, a luz tnue e apenas um holofote ilumina a curvilnea gura que canta numa voz envolvente que se sente cansada da bebida e talvez de tabaco? Mas onde estou eu? ...Scent of the crime you know how I feel... and I'm feeling good... Sento-me melhor na cadeira, acomodo-me e deixo que a msica brilhantemente cantada tome a minha ateno. A sala cheira a fumo e mesmo eu cheiro a fumo. Tenho um copo de whisky minha frente que no me lembro de t-lo pedido. Alis, nem me lembro de gostar de whisky. Reparo agora que tenho um fato completo cinzento e um chapu na cabea. J no me espanto de encontrar um mao de tabaco no bolso esquerdo do meu casaco. Provavelmente tambm fumo. Gosto da acstica do local, gosto que ningum fale e se limite a ouvir. O pblico respira ao ritmo das ancas da cantora, acena com a cabea quando ela se aproxima e inclina-se perigosamente na cadeira na direco do palco. Quando me decido a levar o copo aos lbios, eis que tu entras. como se o tempo tivesse parado, e eu quei gelado. Apareces vestida de preto e branco, o vestido preto colado ao corpo, olhos negros, cabelo solto escuro cado pelas costas e a pele branca com uma nota dissonante de cor brilhante: os lbios encarnados sangue. ...Now you're here, now I know just where I'm going No more doubt or fear, I've found my way Your love came just in time, you found me just in time...

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Meu Deus... deixo escapar num sussurro. Ainda tenho o copo suspenso no ar e j levemente inclinado. Sorris e acenas-me. Conheces-me? Vens para estar comigo? Que sonho este que sinto to real?... Sentas-te de pernas cruzadas, olhas para mim num sorriso enorme. Eu no oio nada, estou parado a contemplar o pequeno reexo do holofote que vejo no lado direito dos teus lbios. Sorrio ao ver o teu ar entusiasmado a contar qualquer coisa que no entendo. Agarras-me a mo e puxas-me para um canto da sala. Encostas o teu corpo ao meu e balanas-te, arrastando-me no teu ritmo. Eu no sei o que fazer, sinto o ritmo da msica no nosso doce balano, mas sintome ligeiramente envergonhado de sermos as nicas pessoas de p a danar. Olho em redor e reparo que, na realidade, ningum tirou os olhos do palco. Eu e tu somos invisveis aos olhares de todos, excepto talvez da cantora. Descansei a minha cabea sobre a tua, apertei mais a tua mo e trouxe-a para junto ao meu ombro direito. Deixei embalar-me por ti e pela msica. Tive que fazer algum esforo para no deixar fugir uma lgrima teimosa, fui tomado por uma felicidade grande demais para aguentar dentro de mim. Fiz uma promessa silenciosa: no vou deixar que fujas de mim. Vou estar sempre ao teu lado, amar-te sempre como neste momento. Amar-te mesmo quando os teus cabelos deixem de ser negros e o vestido deixe de servir-te. Queria sentir aquela felicidade arrebatadora todos os dias, para o resto da minha vida. O rudo aumenta de volume at se tornar demasiado para conseguir pensar. Abro os olhos, mas a intensidade da luz fora-me a fech-los novamente. Olho lentamente e vejo uma profuso de cores e pessoas num caf rasca, paredes de azulejo branco manchado e luzes uorescentes no tecto. Meio abalado, dou por mim a danar sozinho a um canto. Mas ningum reparou em mim. Apago o cigarro que tenho na boca e saio apressadamente em direco ao carro. S me permito a descansar quando me sento no lugar do condutor e deixo pousar a cabea no volante. Respiro fundo, meto a chave na ignio e o carro comea a trabalhar. O rdio liga sozinho. ...I guess I'll never see the light I get the blues most every night 8

Since I fell for you Since I fell for you...

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Uma Quase Hipotermia Porque que no s como as outras midas? No sou? Ep, tu sabes... elas preocupam-se? Telefonam e essas coisas? Mas eu preocupo-me... acho eu. Se te preocupas, no ds a entender. No me apetece chatear-te dia sim dia no. aborrecido. Tambm no estava a dizer isso. Ento? Mas tu no percebes nada do que eu estou para aqui a dizer?! Inspirei fundo e acabei por encolher os ombros. Esperei que ele dissesse qualquer coisa para acabar com o silncio, mas no, ele estava denitivamente espera que eu continuasse a conversa. Mas ia dizer o qu? O silncio trouxe um sorriso de constrangimento. Senti que tinha feito uma asneira, asneira grande, mas continuava sem ideia do que se passava. Eu no compreendo. A srio. No gostaste de estar comigo? Claro que gostei e gosto! Eu gosto de estar contigo. Ento no compreendo onde est o problema. Tu no te importas. Com o qu? Ests a tirar-me do srio! E ainda por cima sinto-me uma gaja se disser que tu no me compreendes!! Apesar de parecer bvio que no compreendo? Bolas! Esse ar de despreocupao numa conversa destas at di, sabes? O que preferes que eu diga? Hum... - ele inspirou fundo, demasiado fundo Tu devias estar constrangida, preocupada, qualquer coisa que te sasse naturalmente! Mas nada, ests a com ar de quem no faz mesmo ideia do que se passa e isso irrita-me solenemente porque ests a ser sincera! No tens medo que eu me v embora a qualquer momento? Que isto tudo acabe? Que eu emigre para a Antrctida? 10

Se for isso o que tu queres... no estou a ver porque haveria de interferir? Tu ds-me cabo dos nervos!! Fitei-o demoradamente sem entender porque que ele tinha levantado tanto o tom de voz. E ainda quei mais espantada quando ele se levantou e foi embora, bateu com a porta e tudo. Sobressaltei-me com a violncia com que a porta foi fechada e quei paralisada. No podia acreditar que ele se tinha ido embora assim. Entendia que ele no se sentia compreendido, mas no entendia aquela excitao e nervosismo. Quando estvamos juntos, estvamos juntos. Quando no estvamos, estvamos separados. Encontrvamo-nos quando nos apetecia e sem qualquer tipo de planos. Era uma relao que na realidade era uma no-relao, mas eu estava feliz com ela, tal como era. Nem teria coragem para pedir mais nada, no queria estragar o que existia e nem sabia se era capaz de aguentar mais. Olhei nervosamente minha volta e reparei que a roupa dele estava ainda espalhada minha volta. No pude evitar um sorriso quando a campainha tocou. Abri a porta e l estava ele de boxers e meias minha frente. Tentei falar primeiro, mas ele no me deixou: - Tu nem me digas nada!! - S ia dizer que aposto que ias at casa em boxers se no estivssemos em Dezembro. - E dei-lhe o meu melhor sorriso. - No imaginas o que me custou voltar para trs. - Por acaso at imagino! Eu conheo-te um bocadinho... v, um bocadinho assim muito pequenino!! - Ele deixou que me aproximasse e que o abraasse. - Ests to frio!! - tudo o que tens para dizer-me? - E afastou-me. - O teu prdio to bom que a porta da rua no fecha e ia morrendo de frio no corredor. - No quero que te vs embora assim. - No te preocupes, eu estou a vestir-me e s saio quando o casaco estiver abotoado at no conseguir respirar. - No era isso que eu queria dizer. Sim, eu sei que tu entendeste. No te 11

vs embora, ca c comigo. feriado, eu tenho aquecimento em casa e Dezembro... ia convidar-te para fazermos a rvore de Natal! A srio, tinha planeado perguntar-te isso. No a z porque pensei que talvez gostasses de enfeit-la comigo? Ou talvez no... - Tu ests mais embaraada a perguntar-me isso do que sobre tudo o que te disse h pouco. Tu no sentes mesmo que me fazes sentir como se eu no existisse para ti? - Tu existes, claro. Eu adoro estar contigo! S no expresso isso com telefonemas, mails, cartas, sms, ores, sei l! Eu penso em ti, mas no vejo a necessidade de dizer-te quando isso acontece. Eu acredito que penses em mim, no preciso que sintas que tens que mo dizer. No me faz diferena. - A mim faz-me. - Desculpa. At gostava de dizer-te que ia mudar, mas no ia conseguir. A dada altura ia sentir-me muito estpida por estar a pensar se devia dizer-te alguma coisa porque j passaram dois dias, se cas chateado se eu no telefonar todas as noites... Prero s dizer quando me apetece, mesmo que no me apetea muitas vezes. qualquer coisa que no me entra no sistema. E quei a admirar o cho, envergonhada das minhas escassas aptides sociais. - Tu s c uma carga de problemas!... Tanto acho que te chateias comigo se eu estiver com outra, como acho que no te faz diferena nenhuma. Tanto me apetece abraar-te a noite toda como ir embora e nunca mais olhar para ti. Porque que para ti parece tudo to lgico e fcil e para mim tudo to irracionalmente difcil?? - No sei - encolhi os ombros - eu no sinto que difcil. Sinto que natural? Sinto que temos um ritmo prprio que no me apetece contrariar, saboreio as ondas quando elas vm mas no co chateada quando elas no vm. - Descono que no apanhei quase nada do que quiseste dizer. - Tiras a rvore de Natal do sto, se faz favor? - A rvore?!... Mas quem que te disse que eu ia ajudar-te? - Mesmo que no ajudes depois, eu no consigo tir-la sozinha. - Ests a fazer-me sentir to descartvel de novo... - Mas eu perguntei-te se querias ajudar-me? Disse-te que queria enfeit-la contigo? No entendo porque que tornas tudo to complicado! 12

- Fazes parecer tudo preto no branco! Agora mesmo at tive a sensao que tinhas razo. No te preocupes, j passou. - Ficas comigo ento? - O mais triste de tudo que no consigo dizer que no. No quando estou aqui em cima do escadote a olhar para ti de meias e com uma camisa demasiado larga para ser tua. Porque que me fazes sentir to impotente? No consigo prever, planear ou alterar nada do que se passa entre ns. - E porque que isso tem que ser mau? - D segurana, sabes? Bem, Natal... pode ser que no seja assim to mau. - Podes dar-me uma lista de tudo o que queres que eu seja? Eu fao uma do que quero que tu sejas. - Tens aspiraes em relao minha pessoa? Que choque!! - Ha ha... traz l a rvore. Claro que tenho! Estou a pedir-te para enfeitares a rvore de Natal comigo, sabes o que isso signica? - Sei, mas s porque tu s maluquinha pelo Natal. Quase que me fazes esquecer todas as arrelias que me trazes. Mas no esqueo! - Sem problema... at podes tentar explicar-me o que queres de mim at deixares de ter f. Eu sou toda ouvidos e mais se quiseres. - Mas tu nunca desembaraas as luzes de Natal?! - Bem, eu tento... mas depois desisto e acabo por comprar uma caixa nova... - Vai ser um dia longo, vai vai... - Vs, tem tudo lgica: estou contente por ter arrumado isso parva no ano passado!! - Hum?! - Assim cas mais tempo comigo. - Ah, foi premeditado s terrvel! - Eu sei!!

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Denitivamente Talvez- Tinhas saudades? - Pergunta ele. - Tinha - Diz ela sem grande convico mas com um sorriso malandro. - Muitas? - Insiste ele. - Muitas, muitas! - Diz ela antes de o abraar, agora com convico. Os dois olham-se durante um segundo quando acabam de falar, olhos que irradiam a mesma luz apenas para ser lida nos olhos do outro. Olham-se usando a mesma lngua de luz. Ela ri-se com vontade e aproxima a boca dele. Os beijos sucedem-se primeiro lentamente e depois rapidamente naquela urgncia de algo mais, naquela tentativa de beijar ao de leve como se de um teaser se tratasse antes de explodir numa vontade imensa, daquela maneira que se beija quando se quer muito. Dir-se-ia que um beijo de paixo inicial, mas no j l vai uma dcada. Por alguma razo que nenhum dos dois sabe, o destino insiste em junt-los e eles baixam as defesas enquanto o sentimento os vai tomando devagarinho, beijo aps beijo, ano aps ano. Apaixonam-se todas as vezes, mesmo quando pensam que o tempo j l vai. Tambm verdade que nenhum dos dois oferece grande resistncia, mas j no tm tempo para isso, os minutos que tm um com o outro so tudo o que querem gastar. Ela no faz ideia do porqu de ser ele. Se lhe perguntassem com quem sempre sonhou, provavelmente ainda hoje fazia uma descrio que no assentava nele. Mas quando est com ele, sabe que ali que est grande parte da vida dela. Talvez seja o sorriso que ambos partilham, talvez as palavras e piadas certeiras que s calam quando um beijo urge. Talvez o brilho no olhar dele que reecte felicidade sincera ou talvez seja a viso dela enevoada. At os sapatos que ele usa e que ela no gosta nada so coisas que a confortam e a fazem com que ela acredite que sim. Talvez seja o tom de mimado que ele faz quando ela o contraria. Ele est na mesma, ela no denitivamente quem ele deniria como ideal. Nem sabe apontar porque que se sente irremediavelmente atrado por ela, 14

porque que o tempo passa e ela est l sempre com aquela maneira de ser que ele secretamente adora, apesar de estar sempre a dizer-lhe "no sejas assim!". J conheceu tantas mulheres e ela continua a conseguir que ele se esforce por ela. Talvez seja o facto dela no se render facilmente? Porque ela lhe d luta? Talvez seja porque ela consegue deix-lo sem palavras e lhe adivinha o pensamento. Porque ele v a lua reectida no rio e s se lembra dela? Porque lhe d quase tanto prazer falar com ela como toc-la ou beijla? Talvez sejam os beijos curtos que ela lhe d no pescoo? Ou talvez o facto de no conseguir tom-la como garantida, apesar de conar nela. Anal, no se domam as tempestades...

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Quase poemaApareceste vinda do nada e zeste um estrondo to grande c dentro que me senti acordado de um sono profundo por um trovo imenso. No sei de onde vieste, nem fao a mnima ideia de quais so os teus planos ou para onde queres ir, no sei como apareceste aqui, mas rogo-te para que ques comigo esta noite. Enches-me a alma de alegria, s de olhar para ti sou forado a sorrir por sentir o meu peito to cheio de felicidade transbordante. Tenho a certeza que o meu corao vai bater tanto esta noite que nunca mais vai tomar o ritmo certo quando tu no ests. Esta noite sinto-me capaz de salvar o mundo quando te abrao com fora, quando sinto o calor e o suor do teu corpo colado ao meu. No h guerra que consiga vencer um beijo teu... to quente, to cheio, to certeiro. Tanta vida... tanto movimento, alimentas o meu esprito de tal modo que eu tenho a certeza que ele andava sedento e praticamente morto antes de te conhecer. Eu disse-lhe um segredo: no partas nunca mais. E danou, rodou no cho molhado, num beijo apertado de barco contra o cais... E uma asa voa a cada beijo teu, Esta noite sou dono do cu...

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Andas por a..No consigo encontrar-te, no sei porque foges de mim. Ocorreu-me agora mesmo que talvez no estejas a fugir de mim ser que tambm no consegues encontrar-me? H dias em que penso que te vejo a cada esquina. H meses em que nem me lembro de ti. Ao m destes anos todos, acabei por te confundir com outras pessoas, talvez mais do que seria suposto. Mas estou a aprender, devagar. O meu mundo gira to depressa, h cada vez mais coisas para fazer. Cada vez mais tenho menos tempo para te procurar e pensar em ti. Mas no me esqueci de como s. No me esqueci do brilho nos teus olhos que me rouba a ateno toda e o facto de no falares muito. No esqueci aquele sentido de humor inteligente que s aparece nos momentos certos, seguido das palavras exactas. Mantns a cara sria, enquanto o resto esboa um sorriso sincero ou mesmo uma gargalhada. Sei que no s lindo de morrer porque assim que eu quero, como um tesouro que s eu descobri. Sei que preciso do teu abrao todas as noites ao chegar a casa. Sei que somos gua e azeite, to diferentes como possvel imaginar. Costumas ter um ar srio e eu estou sempre a rir. Dizes sempre as coisas certas na altura certa, eu falo demais. Mas aps nos conhecermos, no vai haver outra alternativa seno carmos juntos porque eu quero saber sempre mais de ti, conhecer-te cada vez melhor e, acima de tudo, crescer contigo. Eu sei que me esforo em ser uma pessoa melhor por ti. Por alguma razo, consigo ver-me atravs de ti, sei que conheces todos os meus defeitos, enalteces as minhas (parcas) qualidades e, mesmo assim, gostas de mim por quem eu sou. Fazes-me sentir bem por ser como sou. E eu gosto mais de mim quando estou contigo. S que ainda no te encontrei e, apesar de andar confusa de vez em quando, tenho a certeza que vou saber quem s assim que os nossos olhares se cruzarem. No vai haver a mais pequena dvida porque eu sempre soube quem eras.

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At BreveTu j sabes que podias ter cado comigo mesmo que vivesses numa mentira, alis teria sido o que eu faria. Como que possvel teres-me deixado depois de tudo o que eu z por ti? De tudo o que ngi ser por ti? Ainda para mais, foste trocar-me por aquilo?! No te dou mais de um ms at voltares de joelhos, ou mesmo sem ser de joelhos. Para voltares, pronto. Eu que sou a tua mulher, como que possvel no perceberes isso? Quantas vezes tenho que to dizer? Ou gritar? E j agora, espero que discutam todos os dias. E que ela atire coisas que se partam contra ti, como loua porque faz barulho e se parte em muitos pedacinhos para que te possas cortar nos cacos. Evita cortar-te na cara se faz favor, no gostava de ver esse lindo rosto de traidor desgurado quando for eu de novo a beij-lo. Espero que a vossa casa tenha trmitas e que as lajes comecem a cair aos pedacinhos, assim como a vossa relao. Ou que tenham uma grande infestao de ratos e baratas ou qualquer coisa que tu venhas a descobrir que s alrgico. Assim vais car no hospital a pensar como a tua vida sempre foi muito mais fcil comigo. Espero que ela cozinhe mal e que tu tenhas as piores indigestes da tua vida. Hs-de passar semanas agarrado sanita e a pensar em voltar para mim. E que apanhes uma DST qualquer e que isso te d um medo de morte de voltar para a cama com ela. Mas uma DST levezinha, porque os nossos lhos ainda no nasceram e eu preciso dessa parte de ti intacta. Espero que ela te traia com aquele teu amigo que estpido que nem uma porta para sentires o que eu sinto, trocada por aquele rascunho de mulher! Espero que me compares todos os dias com ela e vejas que eu sou melhor em tudo. E que amaldioes o dia em que me deixaste em todos os minutos da tua nova vida. Bem vindo ao inferno! E eventualmente vais voltar para mim. E eu c vou estar tua espera, paciente, de braos abertos para receber-te, porque tu s meu e no h como neg-lo, embora tenha que reconhecer que ests a esforar-te por ignorar as evidncias! Quer voltes por amor, quer voltes por vingana, isso no me interessa nada. Podes voltar e pensar que ests a mago-la sempre que te 18

meteres na cama comigo, a nica coisa que me interessa que estejas na minha cama. Vais voltar e desta vez eu hei-de tomar providncias para que passes o resto da tua vida comigo, literalmente. Ah e no sei se te disse, mas troquei todos os teus comprimidos por laxantes. At j.

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A Inexistncia do Heitor- Disseram-me uma vez que h dois tipos de pessoas: as que vivem a vida de fora para dentro e as que vivem de dentro para fora. Eu sou claramente uma das que faz parte do segundo grupo. Disseram-me que por isso que no me recordo de muitas coisas e o porqu de no conseguir encaixar as memrias que tenho numa linha de tempo ordenada. No estou realmente em contacto com o mundo exterior, dou por mim a interagir com algumas pessoas, mas a maior parte das vezes estou a interagir comigo e a descrever o que se passa l fora a mim prpria. Reparo em pequenos pormenores e a riome silenciosamente, como se estivesse numa festa privada. E desligo-me com muita facilidade do que se passa. Alis, as pessoas costumam confundir isso com pacincia. Eu no sou paciente, eu co absorvida em conversas comigo prpria e acabo por esquecer-me que estava espera de alguma coisa. As pessoas tambm dizem que eu sou difcil de ler, mas eu no compreendo porqu. Parece-me tudo to bvio... - E d por si a falar sozinha em casa? - A falar sozinha, como assim? - A ter discusses consigo prpria. - No, eu no dialogo exactamente comigo, simplesmente como se tivesse um narrador dentro da minha cabea. - Esse narrador no tem nome? Um Heitor, talvez? - No! Eu sei perfeitamente que estou a pensar dentro da minha cabea. No oio vozes nem tenho discusses com algum imaginrio. Est a tentar dizer-me que eu tenho um distrbio de personalidade?! - Claro que no. Estava s a indagar por curiosidade prossional. Anal, quem que nunca deu por si a falar sozinho num canto da cozinha?... - E riuse. - Eu nunca dei por mim a falar alto comigo prpria. - Nunca, nunca? - No. - Ora, eu at chamo Joo ao meu outro "eu". - Tem uma pessoa imaginria chamada Joo com quem conversa? Levantei o sobrolho. 20

- Sim, ora isso no faz mal nenhum! Aclara-me as ideias e todas as crianas tm um. - Portanto, como o senhor psiclogo pode ter essas coisas e se fosse eu, encaixaria-me num quadro de esquizofrenia? - Eu nunca disse isso! Ora esqueamos o Joo e concentremo-nos no Heitor. - Quem o Heitor? - O seu outro "eu". - O meu outro eu no existe! Mas mesmo que existisse, acho que seria do mesmo sexo que eu, uma Teresa talvez?... - Pronto, j estamos a chegar a algum lado. Quantas vezes fala com a Teresa por dia? - Eu j disse que no falo com ningum que no exista!! - No se exalte. No est a esconder-me nada, pois no? - No. Sabe, eu nem tenho os psiclogos muito em conta. - E eu ajudei-a a melhorar a sua opinio sobre nossa classe prossional? - Honestamente, nem por isso. - Isso a sua opinio ou a do Heitor?... - Olhe, sabe, acho que j acabou o meu tempo e vou indo! - J? Mas ainda faltam cinco minutos e depois os clientes queixam-se que pagam uma hora e ningum os ouve... - Deixe l, eu pelos vistos tenho a Teresa e o Heitor em dias alternados a ouvirem-me!... - Ah, portanto deixa de negar a existncia do seu alter ego! Isto um passo importante: reconhecer que tem um problema. - Pois... que bom para mim, hem? Uma ptima tarde sim?! - Marque com a Susana para voltar c para a semana! - Ah claro, claro. No se preocupe... - Olhe... e j agora, gostava de jantar comigo um dia destes?

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E Fugiu a Sete Ps- Credo Marineide, isso uma estupidez! - Gritou Segismunda enquanto fugia a sete ps. Suspirei e perguntei-me, tal como j tinha feito umas milhentas vezes, porque que eu gastava o meu tempo a ver aqueles disparates na televiso. certo que no tinha nada melhor para fazer, no tinha TV por cabo e, para variar, estava sem sono. Continuei a assistir enquanto a Marineide, lavada em lgrimas, tentava explicar ao amante que ainda no era aquela noite que teriam hiptese de experimentar a to aguardada experincia a trs para depois se suicidarem aquando da passagem do cometa Halley. Uma imortalidade diferente, mas com o seu qu de Romeu e Julieta. No sei porqu, dei tambm por mim a sofrer com a tristeza dos dois e uma lgrima vergonhosa desceu-me pela cara. Isso fez com que eu achasse que tinha atingido o ponto mais baixo da minha existncia nesse dia, levantei-me e desliguei a televiso. Finalmente, o silncio! Ora qual seria o ponto mais baixo da minha existncia? Telefonar durante dias a o ao Raul a pedir-lhe que voltasse para mim? Chegar a casa e voltar a telefonar com o telemvel ligado corrente para no car sem bateria caso ele atendesse? Esper-lo porta de casa quando ele mudou o nmero do telefone? Raptar-lhe o co para ele ser obrigado a falar comigo? Ou talvez aparecer a chorar que nem uma Madalena em casa da me dele?... Est certo que as coisas acalmaram quando ele apresentou queixa na polcia, mas ainda hoje acho que ele podia ter tido mais considerao pelos meus sentimentos... Ainda era capaz de dizer-lhe ca comigo, no com ele!! se o visse na rua. Se calhar nem tanto por sentir isso, anal j passaram trs anos, mas porque acabou por se tornar num hbito. Pergunto-me se vai acontecer o mesmo Marineide depois de todo o esforo que ela est a fazer para conservar o interesse do Gerivaldo. Ser que ele vai us-la e depois fugir com outro homem? No resisto a ligar a televiso e, para meu espanto, esto os trs no quarto: o Gerivaldo, a Marineide e a 22

Segismunda! Bato palmas de contentamento por ver que anal ela conseguiu o que queria! Agora que vo car juntos para sempre! Mas vendo bem, a Marineide parece mais interessada na Segismunda que no Gerivaldo... Ser que o realizador achou que um pequeno twist lsbico fazia aumentar as audincias? Por outro lado, so cinco da manh, quantas pessoas que esto a ver este canal e no so depravadas?... Descono que devia ter percebido logo quando o Raul cou a noite toda a discutir decorao de interiores quando o apresentei aos meus pais. Mas ele era to perfeito em tudo... menos naquela parte, ok! Aposto que o Gerivaldo nunca vai pedir Marineide que esperem at ao casamento. Casamento, lhos, uma casinha... puff! Tudo feito em estilhaos E eu aqui a chorar com a minha misria, apoiada por uma caixa de kleenex, enquanto a Marineide, a Segismunda e o Gerivaldo gozam a noite da vida deles. Se eu fosse menos desastrada e mais corajosa, acho que o suicdio no meu caso no era uma opo, era mesmo uma necessidade.

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O Innito C DentroSinto que no perteno aqui, assim como sinto que tudo isto - o ar, a maresia, o meu tom de pele preparado para o sol, os olhos escuros, a lngua do meu subconsciente - quem eu sou. A vida no pra, o verde voltou a assolar a terra, as ores aparecem em todos os cantos e at a bicharada est de volta. No sei se gosto desta rotina, desta previsibilidade ou se realmente tudo novo e eu no me apercebo. Sei que tempo de avanar, nunca sei muito bem para onde estou a caminhar mas gosto do caminho que estou a percorrer, no me apetece curvar nem tomar atalhos. Avano devagar, mas com vontade de dar um passo e depois outro. Esqueo-me do sabor dos morangos com chocolate quente enquanto me delicio com cerejas e penso que as ameixas pretas esto verdes enquanto vermelhas. Continuo a acordar ao som de rolas, no est frio, nada de mantos brancos, apenas sol, um calor ameno e uma vontade enorme de sair. a minha estao preferida e volta tudo a ser igual, se calhar at tudo diferente. Apetece-me danar chuva, apetece-me estar ao sol, no me apetece falar, quero sentir-me inundada com os cheiros e as sensaes. Recordar o frio ao sol, fechar os olhos e mesmo assim ver o que tenho minha frente. A dana das pessoas, dar a mo a algum, descer uma rua muito movimentada s para me sentir ignorada e muito pequenina, mas bem no corao da aco. Ouvir msica que me faz sentir nos anos 20, visitar palcios e tremer ao pensar no gelo que atravessa as paredes no Inverno... Divirto-me facilmente, aborreome ainda mais e sinto uma necessidade enorme de avanar, o que quer que isso seja. Isto nunca vai mudar em mim. Choro, rio, vejo o tempo passar, vejo o vento a danar com folhas e a delinear as curvas que podiam ser os caminhos que percorri ou talvez os milhares que nunca percorri. Olho para trs e apetece-me rir, fazia tudo de novo. tudo o que tenho, quem eu sou. Encolho os ombros. Esta noite queria que me nascessem asas e voasse para longe... queria brincar com as 24

estrelas, rodopiar como as luas, explodir em milhes de pedacinhos, tornarme parte de alguma estrela numa constelao muito longe. Mas tambm queria acordar exactamente aqui.

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Parte de MimSaber que te vais embora trouxe uma srie de memrias que eu pensava j no ter guardadas em mim. Essas imagens assaltaram-me a viso sem pedir licena e ocuparam a realidade com todos aqueles sorrisos e descobertas de quem est a aprender a viver. De repente apercebi-me de como me ajudaste a crescer e como te devo quem sou hoje, para o bem e para o mal. E j que hora da despedida, gostava que levasses tambm um bocadinho de ns contigo. Foi contigo que aprendi que o tempo realmente relativo e que um segundo podia ser uma eternidade quando te atrasavas e como duas horas ocupavam ns-de-semana inteiros. Foi contigo que aprendi que os beijos no tm que ser nos lbios e que existem mil e uma formas de beijar mais ternas e carregadas de signicado do que as que aparecem nos lmes. Aprendi como o silncio pode trazer tantas palavras e como as palavras falham em expressar sentimentos to grandes. E como a falta de palavras para expressar-me devidamente ainda me perturba desde ento. Foi tambm um abrao teu mais apertado que me provocou duas lgrimas teimosas de felicidade que eu nunca tinha experimentado. Descobri quo incmodo pode ser o banco de um carro e como um sof pequeno pode ser to largo. Aprendi a fazer o mundo nossa volta desaparecer apenas pela minha vontade e sem conhecimentos de ilusionismo. Compreendi que os olhares cmplices podem conter conversas interminveis e como a sinceridade no suciente para sair de casa a ms horas. Dei por mim a rir na rua s de pensar em ns e a sonhar acordada a maior parte do dia. Comecei a confundir-te com as pessoas na rua at ver-te em todo o lado. Ensinaste-me a ver as coisas do teu ponto de vista, to diferente do meu, e percebi nalmente que os ces podem ser to giros como os gatos. Aprendi a gostar das coisas que defendias com tanta veemncia, mesmo que no concordasse, s porque acreditava em ti. Ainda acredito. Descobri que o dia seguinte era invariavelmente fantstico ainda que no tivesse dormido mais do que duas horas, enquanto que a tua falta me fazia sentir desmotivada mesmo dormindo uma noite inteira.

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Fiquei tambm a saber como a hiprbole actua comandada pelo nosso corao e amplia coisas banais em desiluses profundas que me chateavam intimamente porque nunca fui to sensvel. Porque contigo aprendi que a racionalidade cai para o fundo da cabea e no h meios termos, vivemos alegrias imensas seguidas de sentimentos de perda irreparveis. Aprendi a sentir a falta de algum ao meu lado e de como o corao pode cair num buraco negro e pesar demais para que eu consiga levantar-me de manh. Aprendi que uma msica pode abrir feridas profundas e como difcil respirar quando a garganta ca bloqueada pelas lgrimas. Descobri que era mais fcil chorar no banho porque ningum me ouvia. Concebi nalmente o que era adormecer de cansao, lavada em lgrimas e aos soluos. Fizeste coisas por mim que eu nunca teria feito por ti e tenho vergonha de reconhecer isso. No dei o meu melhor e gostava de poder voltar atrs e provar-te que o que eu sentia por ti era real e mais vasto do que tudo o que podias conhecer, mas agora tarde demais. Vou aproveitar para despedir-me e agradecer-te todos os momentos que passaste comigo enquanto crescamos juntos. Deste-me mais do que alguma vez poderia pedir a algum e vais ser sempre parte de mim, estejas onde estiveres. Sempre.

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Parte IEra uma vez um senhor chamado Al-Jazeera que era muito trabalhador e correcto, mas tinha um irmo rico que era exactamente o oposto. Al-Jazeera trabalhava para o irmo e para a esposa dele que por sinal era lindssima e por quem Al-Jazeera estava irremediavelmente apaixonado. Por obra do destino, a bela moa tinha sido obrigada a casar e na verdade estava apaixonada pelo irmo mais novo do marido, ou seja, pelo pobre Al-Jazeera. Num belo dia de Vero, como habitual no deserto, estava Al-Jazeera a passear pelas areias quentes quando viu uma grande agitao no horizonte. Escondeu-se prontamente atrs de umas rochas que ali estavam porque temia que toda aquela agitao fosse na verdade uma tempestade de areia. Escondido atrs das rochas, viu alguns cavaleiros aproximarem-se... muitos! Ficou pasmado quando viu o lder deles: Bin Laden! Era o ladro mais procurado do pas e a sua quadrilha era numerosa: eram muitos mais do que dizia a polcia! Bin Laden aproximou-se de uma rocha enorme e gritou: "Abre-te Ssamo!". Perante o olhar abismado de Al-Jazeera, a enorme pedra mexeu-se e toda a quadrilha entrou num buraco que cou a descoberto quando a rocha se moveu. No entanto, assim que todos entraram, a rocha resvalou para o lugar e tapou o buraco quase instantaneamente. Assim que a quadrilha se foi embora, Al-Jazeera correu at pedra enorme e gritou: - Abre-te Ssamo! Tal como previsto, a pedra mexeu-se para dar lugar entrada e ele cou maravilhado com o que viu: a caverna estava repleta de ouro e vrios tesouros! Como era uma pessoa medianamente desinteressada, passeou um pouco mais pela caverna a pensar que talvez pudesse levar uma coisa ou outra para montar o seu prprio negcio, at que viu uma lmpada semelhante do Aladino. Correu a apanh-la, esfregou vigorosamente a lmpada mas nada: nada de gnio, nada de desejos, nada. De qualquer modo, resolveu meter a lmpada no bolso, juntamente com um ou dois cordes de ouro e voltou a sair da caverna. 28

Quando Al-Jazeera chegou loja no dia seguinte, correu procura da jovem Al-Guidar (a mulher do irmo) para contar-lhe o que tinha visto na caverna e entregou-lhe a lmpada como prova de que estava a falar a verdade. Assim que a moa se viu sozinha, comeou a esfregar a lmpada e desta vez saiu mesmo fumo da ponta da lmpada, assim como um gnio. No era bem o que ela tinha em mente mas cou muito agradada porque o gnio era um rapaz louro muito bem parecido que dava pelo nome de Brad-Pitt. Brad-Pitt explicou-lhe que era novo naqueles nmeros e que no tinha grande jeito para magia: tecnicamente ele s tinha ordem (e capacidades) para realizar meio desejo. No entanto, Brad-Pitt apaixonou-se por Al-Guidar assim que a viu e cou a pensar num esquema para lev-la dali, apesar de no ser muito bom em magia. Al-Guidar cou um pouco triste quando soube que apenas tinha direito a meio desejo, mas como meio desejo sempre era melhor do que nenhum, pediu ao gnio Brad-Pitt para aguardar at ela tomar uma deciso. O que nenhum dos dois sabia que na verdade quem tinha direito ao meio desejo era Al-Jazeera pois tinha sido ele o primeiro a esfregar a lmpada. No entanto, enquanto Al-Jazeera esfregava a lmpada, o gnio estava no seu momento de depilao peitoral e depois foi tomar banho. Esqueceu-se dos seus deveres e quando nalmente saiu deu de caras com Al-Guidar e presumiu que tinha sido ela a esfregar a lmpada tambm da primeira vez. Enquanto isso, o irmo mais velho de Al-Jazeera, Al-Face, tinha estado a escutar atrs da porta porque tinha a impresso de que a mulher no estava sozinha no quarto teria um amante? A pena para adultrio era decapitao, mas Al-Face achava que Al-Guidar cava melhor com a cabea no stio - ela no seria a mesma sem aqueles caracis ruivos a cair-lhe pelos ombros. Sendo assim, decidiu que no ia comunicar o caso extra-conjugal da mulher s autoridades, mas quis descobrir quem era o amante misterioso de Al-Guidar e trepou janela do quarto dela. Quando espreitou e viu Al-Guidar sentada na cama com um musculado louro ao seu lado, percebeu rapidamente que no tinha qualquer hiptese contra um homem depilado e resolveu libertar-se da frustrao desabafando com o irmo. Al-Jazeera cou com o corao destroado quando soube da traio da jovem Al-Guidar e resolveu contar ao 29

irmo o segredo da caverna. Como ambos tinham obviamente azar ao amor, s lhes restava a ambio. Pegaram nela e nuns camelos e foram at gruta para atestar os animais. Esconderam-se atrs de umas rochas, esperaram at que a quadrilha de Bin Laden chegasse e partisse, e s depois entraram na gruta. Uma vez l dentro, Al-Face cou maravilhado com toda a riqueza que cobria o cho da caverna. At quele momento tinha a rme convico que o irmo tinha estado a gozar com ele, mas depois no resistiu subir a um monte de moedas de ouro e a mergulhar nelas, nadar por entre as pedras preciosas e colocar coroas reais na cabea. Estava to feliz que o corao dele no aguentou e transformou-se em ketchup. Al-Jazeera entrou em pnico: o irmo estava morto e o amor da vida dele estava agora nos braos de um louro depilado! Pior era impossvel! Ouviu uns barulhos do lado de fora da caverna e, em desespero, escondeu-se dentro de um pote enorme que l estava. Ouviram-se as palavras "Abre-te Ssamo" e Bin Laden entrou na caverna.

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Parte IIAo ver Al-Face morto em cima de um monte de moedas e com uma coroa na cabea, Bin Laden entrou em pnico. - O Francisco Lou descobriu-nos! O Bush no nos pode continuar a nanciar-nos por aqui, avisa o Gates que est tudo cancelado! Temos que mudar-nos rapidamente! Este um aviso extremamente claro!! - Mas patro, ser que no foi s um campnio qualquer que nos descobriu? - Achas mesmo!? E no levava nada?! Ficava morto ali?! S por essa ideia estpida, vai car sem cabea! E zs cortou a cabea a Al-Garve, o primeiro amor de Al-Guidar. Os homens de Bin Laden carregaram os camelos e burros para fugir o mais depressa possvel, mas deixaram para o m um pote enorme que no conseguiam carregar. O burro no aguentava com o peso e teimava em cair para o lado. Ao m de umas tantas tentativas frustradas, alguns homens resolveram averiguar o problema do burro e descobriram Al-Jazeera dentro do pote. Assim que foi descoberto, s um pensamento atravessou a mente de Al-Jazeera: "Quem me dera estar agora feliz num lugar longe daqui e com o amor de Al-Guidar!". Meio desejo concedido mais tarde, Al-Jazeera encontrou-se um pouco atordoado nas Bahamas, completamente hilariado: ria-se imenso mas no sabia de qu. De volta ao local do crime, Bin Laden tentava perceber o que se tinha passado. No queria fazer perguntas porque se recusava a admitir que um homem tinha pura e simplesmente desaparecido sua frente, mas tambm no queria dar parte fraca face ao medo espelhado na cara dos homens que o rodeavam. Um pouco temeroso de magia negra, resolveu deixar para trs o pote, o burro e decapitou os homens que eram testemunhas (Al-Entejo e AlMada, respectivamente o segundo e terceiro amores da vida de Al-Guidar). Bin Laden resolveu deixar o passado para trs e iniciou o seu caminho com burros e camelos com um nico objectivo em mente: Andorra e o seu paraso 31

scal. Uns quarteires ao lado, Al-Guidar tinha nalmente decidido o que queria pedir como desejo. Levantou-se, pegou nas mos de Brad-Pitt e disse bem alto: - Quero que deixes de ser gnio e que ques comigo para sempre! A face de Brad-Pitt iluminou-se de felicidade, o olho direito deixou escorrer uma lgrima e ele fechou os olhos espera da magia que ia acontecer. Passados dez minutos de espera e um pouco cansados de olharem um para o outro espera de que algo acontecesse, chegaram concluso que se calhar aquele desejo no era realizvel. Sendo assim, tentaram outros tantos, entre os quais uma rvore que dava ouro, um hamburguer da MacDonald's que no cheirava mal, um Vtor Neves com perguntas racionais, um pas sem corrupo quando Al-Guidar pediu nalmente para tornar encarnado um tomate verde chegou concluso que Brad-Pitt no tinha poder nenhum. Entretanto nas Bahamas, Al-Jazeera tinha chocado com o dcimo amor da sua vida em biquini, as mulheres na praia sucediam-se a um ritmo alarmante! Ao longe viu uma mulher a caminhar na sua direco e, sem saber porqu, sentiu um arrepio na espinha. A coisa continuava a aproximar-se, mas ele j no sabia se era um homem ou mulher pois vinha com uma tanga com um padro de leopardo mas no tinha mamas. A coisa chegou-se ao p dele, cravou-lhe dois beijos na cara e apresentou-se: - Jos Castelo Branco, muito prazer! Ai, que barba to gira! Que classe!! Al-Jazeera teve ento a certeza de que aquela coisa no era homem nem mulher e s queria fugir dali. Reparou ento numa pea ao lado do homelher: uma massa disforme que parecia sorrir. Racionalmente, Al-Jazeera achou que estava sofrer uma insolao, sentiu-se tonto e caiu redondo no cho. Quando acordou, o homelher estava a fazer-lhe respirao boca-a-boca e, louco de raiva porque beijar semi-homens era contra as leis de Al, atirou-se ao mar 32

decidido a morrer afogado. Ia j muito longe da costa e quase a desfalecer quando uma tartaruga gigante o apoiou na sua carapaa e levou-o at uma praia onde Al-Jazeera se deixou nalmente vencer pelo cansao. Entretanto Al-Guidar reparou que lhe tinham assaltado a loja porque nem o marido nem o empregado l estavam. Completamente desolada por causa do prejuzo, Al-Guidar resolveu ir procura do marido enquanto Brad-Pitt tentava suicidar-se inalando creme depilatrio. Al-Guidar percorreu as casas de todos os familiares, conhecidos e desconhecidos, perguntando pelo marido e cunhado, mas ningum sabia nada do paradeiro de nenhum dos dois. Desesperada, passou trs dias em greve de fome tando o horizonte com olhos vazios enquanto Brad-Pitt curtia a sua prpria depresso. Ao saber da triste histria destes dois que tinham tudo para ser felizes, Paulo Coelho voou do Brasil para ensinar-lhes o verdadeiro sentido da vida. Ensinou-os a lutar, a ler as estrelas, a serem uns verdadeiros magos da felicidade: como reconhecer sempre as coisas boas, no recordar as ms, aprender a viver e a lutar porque h sempre outra oportunidade espiritual! Extremamente agradecidos a Paulo Coelho (que lhes cobrou apenas uma prquena percentagem do livro "O Alquimista"), resolveram rumar terra prometida - algures naquela direco. Do outro lado do mundo, Al-Jazeera acordava ao som de uma msica contagiante. Ao lado dele estava uma mulata que tentava levant-lo para que ele danasse com ela. Al-Jazeera mal conseguia controlar o rabo e no parava de danar, aprendeu salsa em menos de cinco minutos. Os olhos verdes rasgados da mulata prendiam-no e nunca mais se separou dela. Ao m de um ms, aprendeu a falar espanhol e entendeu nalmente que estava em Cuba. Pouco tempo depois era j versado em Hemingway e rum, ainda que os puros ainda lhe causassem tosse. Aprendeu depressa as leis do mercado negro e refez a sua vida com a mulata a vender chs calmantes com sabor a ma que disfaravam a fome. A mulata, de seu nome Enazibel, mostrou-lhe o que era o verdadeiro amor e lhos mestios. E claro salsa! Muita salsa! Al-Jazeera viveu feliz. Pelo contrrio, Al-Guidar e Brad-Pitt no eram felizes, tinham muitas 33

desavenas conjugais e acabaram por decidir que o melhor era separarem-se. Nessa altura estavam a fazer uma viagem espiritual ndia, e ele conheceu a bela Angelina-Jolie. Sem contar-lhe nada do seu passado facassado como gnio, abraou as causas humanitrias e ngiu aceitar os lhos que sabia que no serem dele, bastava olhar para a pele das crianas, por Al! Al-Guidar entrou em depresso, converteu-se numa mulher da vida e, alguns dias depois, na taberna "estamos-todas-c" conheceu Bin Laden. Ele apaixonou-se imediatamente por ela e levou-a para Andorra. A aprendeu a fazer ski, ser muito bem paga para dormir com magnatas e a ser feliz. Viveram todos felizes para sempre.

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Senti a brisa que abanava insistentemente as folhas da rvore por cima de mim. Olhei para os meus ps por nada de especial, simplesmente porque estavam no meu horizonte j que estava sentada na relva a ganhar flego. Senti-me a transbordar de alegria, alegria por nada em particular, apenas felicidade pura por tudo. Lembrei-me daquela manh, agora parecia que tinha acontecido tudo num passado distante...

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Entrar no JogoAcordei sem saber porqu e com sono, abri um olho e desejei que no fosse demasiado cedo para no desperdiar tempo til de sono (anal era mde-semana). Acabei por ligar o telemvel para ver as horas. Era mais cedo do que eu pensava, mas descono que nem voltei a pensar nisso assim que uma mensagem annima chegou: Bom dia! Que tal um jogo para acordar? Sete pistas A primeira pista est em ti!. A mensagem tinha sido enviada h menos de cinco minutos. O meu crebro ainda estava ensonado, mas o meu instinto estava completamente desperto e pedia mais de mim do que eu podia dar. Reli a mensagem para ver se no havia nada mais explcito que me tivesse esquecido de ler. Em mim? Mas o que que est em mim, alm do bvio? Olhei para os braos, mos, pernas e tal e no vi nada. Espicaada pela curiosidade, pus-me a esvaziar os bolsos do casaco e das calas de ganga que usei no dia anterior. Nada. Virei a carteira do avesso (e uma carteira de mulher tem muito que se lhe diga) e nada. Nada de papelinhos, frases perdidas, autocolantes, nada de nada. Resolvi tomar um banho para acordar e comear a pensar como deve ser. Ia ser frustrante se no percebesse a primeira pista, supostamente era a mais fcil achava eu. L fui at casade-banho e quando cheguei perto do espelho, vi que estava uma seta horizontal, desenhada a batom, perto do meu pescoo. A seta parecia apontar para o ombro. Depois da estranheza inicial, virei-me de costas e vi nalmente a primeira pista! Corri at mquina fotogrca (porque no conseguia ler como deve ser no espelho) e depois de algumas posies mais ou menos acrobticas, consegui tirar uma fotograa ao que tinha escrito nas costas: Espero que no ques chateada pelo abuso, mas no podia ser nem muito fcil nem muito difcil, para no desmoralizares j! ;) Quem quer que me tivesse escrito aquilo nas costas, tinha que ser uma pessoa de conana. Algum tinha estado no meu quarto, outro algum tinhao deixado entrar e o meu subconsciente no me alertou enquanto dormia. E, apesar da mensagem trocista, eu estava determinada a participar e a acabar o jogo para desvendar o mistrio! S havia um pequeno (minsculo) entrave: 36

eu no percebia nada da primeira pista. Resolvi tomar o meu banho para refrescar as ideias e tirar o batom do corpo. Confesso que foi um bocado complicado porque no conseguia ver se estava a limpar no stio certo ou no, para no falar que j de si esfregar as costas sem ajuda d algum trabalho. Descono que cou quase bem lavado... a cor da primeira gua fazia-me uma certa impresso e parecia que tinha pintado o cabelo de vermelho vivo ou alguma coisa do gnero. Quando me sequei, ainda olhei para a toalha para ver se no existiam resqucios de vermelho. E foi a que os meus neurnios resolveram despertar do torpor provocado pelos lenis e o banho quente. No sabia se estava certa, mas valia a pena tentar!

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No DesmoralizarEnquanto vasculhava as gavetas todas da minha cmoda, pensava como raio no me tinha apercebido logo que o batom era importante assim que vi a seta marcada na minha pele. Eu no uso batom, portanto foi trazido por algum e devia estar algures no meu quarto desejei intimamente que estivesse naquela cmoda porque a minha maior qualidade no era denitivamente a arrumao. Chateei-me um bocado e decidi tirar as gavetas e vir-las todas do avesso. Mas nada de batom. Senti-me um bocado frustrada, a descoberta da primeira e ousada pista tinha despertado ainda mais a minha curiosidade. Sem ligar ao cabelo molhado, estendi-me no cho com a mquina fotogrca (porque a cama estava cheia da tralha das gavetas) e passei as fotograas das minhas costas. Ao m de uns dez minutos, o sorriso no nal da frase j me parecia um completo gozo minha incapacidade para entender o que estava realmente escondido na frase. Por m desisti e posei a mquina ao meu lado, fechei os olhos e tentei distanciar-me das minhas ltimas ideias mais mirabolantes (anal, tinha a certeza que a Praa Vermelha e o Kremlin no tinham nada a ver com isto). Quando tirei as mos da cara, passei a ter outra perspectiva do meu quarto: o tecto. E l estava o batom preso ao candeeiro, oscilava perigosamente pendurado apenas por uma ponta de ta-cola. Pergunto-me se no terei dado sinais de que estava a despertar e assustado a pessoa que tinha colado aquilo para ter cado daquela maneira. Agora a nica coisa que estava entre mim e o candeeiro era a minha altura, mas nada que uma cadeira no resolvesse (sim, porque aquilo aos saltos no foi l). Finalmente agarrei o batom e quei a pensar que se fosse um episdio do CSI, tinha calado primeiro umas luvas e tirado uma impresso digital de uns milmetros, mas que mesmo assim dava para encontrar o responsvel pelo jogo em menos de cinco minutos. Olhei para o batom, no que percebesse alguma coisa daquilo, mas duvidava que fosse um batom de qualidade Devia ter sido comprado numa loja de olhos em bico! Depois de muitas voltas ao batom, no descobri grande coisa, mas era bvio que era ali que estava a minha segunda pista. Anal, os batons no se penduram nos candeeiros porque gostam de praticar queda 38

livre. Resolvi secar o cabelo e deixei o batom minha frente, esperanada nalguma espcie de telepatia. Depois de vestida e perfeitamente acordada (ou seja, j tinha desistido de comunicar mentalmente com o objecto), tentei desenroscar o batom, mas s consegui sujar as mos. L quei eu frustrada a olhar para a pea e resolvi usar a nica ferramenta que sabe tudo: o Google! L procurei por entre dezenas de imagens alguma coisa parecida com aquela e quei a achar que era tudo muito igual. Decidi ento procurar a referncia da cor, podia ser que ajudasse nalguma coisa. Passados trinta minutos, achei que sofria de daltonismo e desliguei o computador. Um bocado chateada, atirei o batom para cima da cama e nesse preciso momento lembrei-me da tacola, ainda presa ao candeeiro (tal como eu disse, o meu forte no a arrumao). Ser que a pista estava na ta-cola? L fui outra vez cheia de esperana, e com a pressa bati na cmoda porque sa a correr do quarto, mas nem senti nada tal era a excitao quando cheguei ao escritrio. Enrolado na parte de dentro do rolo da ta-cola estava um papelito colado tambm com ta-cola. Tirei-o com cuidado para no rasgar nada e li em voz alta: Muito bem! Espero que o candeeiro ainda esteja colado ao tecto. E agora suponho que ests por tua conta! Achei que esta pista era nalmente fcil...

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Usar a RealidadeLiguei o computador novamente, mas desta vez fui direitinha minha caixa de correio. Lembrei-me da ltima pesquisa no Google e de como podia ter visto o mail mais cedo. certo que agora no podia fazer nada, mas no consegui evitar a sensao de que podia ter chegado ali mais depressa. O triste de ter mais de uma conta para estas coisas que nunca sabemos exactamente quem usa qual. Abri todas e quei ansiosamente espera de um mail sem Viagra no cabealho. Antes de desanimar por completo, li o SPAM todo de alto a baixo. Efectivamente o ltro fez uma boa separao (no pode correr sempre mal). Estava desolada, ou tinha uma conta de correio de que me tinha esquecido, ou realmente a pista no apontava para ali. Ora bem, j que estvamos em Portugal, dirigi-me ao correio em cima da mesa da entrada. Vasculhei as contas todas e no encontrei nada digno de registo. L me calcei e desci at caixa de correio. Finalmente qualquer coisa! Um postal ilustrado sem selo. Pareceu-me bem, soava a pista. No tinha nome, mas tinha um endereo. Sentei-me ao computador (novamente), e tentei perceber onde que aquela rua cava mas no fui muito bem sucedida. Procurei nos mais variados servios de busca e nada, a rua no existia e se existisse no era neste pas - o que no me ajudava em nada de qualquer modo. Ocorreu-me subitamente que mais importante do que saber o que se escondia no postal era mesmo tomar o pequeno-almoo. Sa de casa, mas s depois de inspeccionar rapidamente todas as divises em matria de coisas penduradas nos candeeiros ou coisas estranhas deixadas nos mveis. Nada. Decidi ento dar toda a minha ateno a um croissant de chocolate numa pastelaria que cava perto de casa. Quando acabei, tirei o postal da mala e quei a olhar para ele. No tinha selo, no tinha nome, no tinha sequer um ol, s aquele endereo inexistente. Apesar de tudo, tinha um forte pressentimento dentro de mim. Sa da pastelaria, percorri as ruas banhadas pelo sol fraco das dez da manh (vista rara para mim) e entrei num supermercado mais escondido, mais calmo. No 40

saa de casa com vontade de ver nada h alguns dias. Se calhar a dor estava a passar, mas pelas razes erradas. No entanto, no evitei um leve sorriso quando vi que ainda havia uma caixa e comprei-a, escondi-a dentro da minha mala e esperei que o meu sexto sentido - to poucas vezes usado - estivesse certo. Se calhar era s uma dose gigantesca de esperana seguida de um grande balde de gua fria. Tentei no pensar que estava certa, era melhor esperar para ver. Mas a luzinha c dentro recusou-se a apagar, o que me obrigou a escond-la o melhor possvel para no pensar nela. Enquanto lutava com o meu prprio pensamento, dei por mim na rotunda mais bonita e mais movimentada ali do stio. Parei por momentos a olhar para a esttua a jorrar gua, impassvel no meio de tanto carro e comigo a sentir-me mesmo estpida. Estpida por duas razes (e haviam mais com certeza): primeiro porque tinha parado de repente no meio do passeio e levado com uma gorda qualquer em cima, e segundo porque aquela rotunda era a imagem do postal! Incrvel como no ligamos s coisas que vemos todos os dias, se bem que a imagem do postal me parecia familiar ainda que fontes em rotundas no faltem nas capitais europeias. Senti um nervoso miudinho a correr o meu corpo porque no sabia o que fazer a seguir. Resolvi rodear a rotunda a p, podia ser que me estivesse a escapar algo. Quando dei precisamente metade da volta, olhei para o stio de onde tinha sado e vi um pequeno quiosque com alguns postais num mostrador na rua. Disse algumas asneiras entre dentes e voltei ao stio de onde tinha sado. Vi imensos postais iguais ao meu enquanto entrava na loja. Eu levava o postal na mo e a moa que estava a atender reparou nele, riu-se e disse-me: - No estava espera que chegasse c to cedo! - Estava minha espera? No me respondeu, mas riu-se de novo e achei que a minha pergunta parva era retrica de qualquer modo. Ela pegou num telemvel, pediu-me para esperar e, pouco depois, foi a vez do meu telemvel tocar. Ri-me desconfortavelmente e mantive o meu ar ligeiramente miservel de quem no controla nada do que se est a passar. 41

- No que assim, vai ver que uma boa surpresa! Ela piscou-me o olho e eu acreditei. Acreditei numa pessoa que eu nunca tinha visto na minha vida. Acreditei porque obviamente ela fazia parte do jogo e eu no tinha porque duvidar dela. Fiquei com a ideia de que a minha cidade inteira sabia o que eu no sabia: o que estava no nal das pistas. Lembrei-me do pote de ouro no nal do arco-ris e desejei que no fosse ouro, eu queria outra prenda. Respirei fundo e antes de olhar para a MMS que tinha acabado de chegar ainda perguntei: - No me vai dizer quem lhe pediu para fazer isto, pois no? - No, at porque no quem . Mas mesmo que soubesse, acho que prefere chegar l sozinha! Se calhar nem preferia, mas pronto, no tinha hiptese. Agradeci e comprei uns rebuados s para no parecer muito mal-educada. Quando sa do quiosque estava verdadeiramente atordoada.

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Recordar ViverUma vez fora da loja, encostei-me a um canto do passeio e peguei no telemvel para ver a MMS. Era novamente de ningum (por assim dizer) e demorei um bocado a perceber o que era a imagem. Ao m de olhar umas tantas vezes para o ecr, reenviei-a para um amigo meu especializado no assunto com o seguinte texto: Isto o Dartaco, no ?!. S no levantei o sobrolho quando reconheci a imagem porque no consigo fazer isso. A resposta foi mais rpida do que eu esperava: Yeah, mas porque que queres saber?. Se eu soubesse a resposta... Pelo menos tinha a certeza do que os meus olhos viam e o meu crebro no queria acreditar: o Dartaco era a minha quarta pista. Sim senhor, mais estranho comeava a ser difcil. Voltei para casa e usei essa bela ferramenta que d pelo nome de You Tube. Confesso que me agradou rever o genrico dos desenhos animados. Reparei tambm numa mensagem simptica que aparecia e que eu nunca tinha dado conta, qualquer coisa como esta srie baseada na histria de Alexandre Dumas pretende enaltecer duas virtudes que nunca devem ser esquecidas: honra e amizade. Catita, sim senhor! Ora do Alexandre Dumas (pai) eu tinha a certeza que s tinha o O Conde de Monte Cristo, portanto a pista no devia ser por ali. Estava a comear a car com umas ideias muito retorcidas e j achava que a pista tanto podia estar no meu co (que no tem muito de mosqueteiro, nem de moscoteiro j agora), como no facto da cadela da srie se chamar Julieta e poder estar ligada ao livro Romeu e Julieta. Pelo sim, pelo no, sa e fui at ao jardim. Chamei o meu co, brinquei com ele e examinei-lhe a coleira com cuidado, apesar dele no estar a achar muita piada ao meu sbito interesse nela. Deixei-me estar a brincar com ele, s para ele ter a certeza que no ia ao veterinrio e que escusava de fugir de mim. Segunda ideia mirabolante: Shakespeare. Esta ideia ainda era pior do que a outra porque (para no variar) eu tinha o livro errado daquele autor. Li vezes sem conta o Sonho de uma Noite de Vero, mas no metia nem a Julieta nem o Dartaco - no mximo tinha um homem transformado em burro. Acabei por decidir abrir tambm o O Conde de Monte Cristo, mas 43

no tinha l nada que me ajudasse sem ser a histria (belssima por sinal, a personagem da escrava Hayde seduziu-me por completo). Perdi-me um bocado a relembrar esta histri e a pensar em como o dio pode ser quase to bom como o amor no que toca sobrevivncia. Entretida na re-descoberta destas histrias perdidas na minha memria, percorri as vrias prateleiras de livros que tenho no quarto. E eis que no nal da prateleira mais alta estava um exemplar de Os Trs Mosqueteiros de Alexandre Dumas, bem arrumado e mais perto da minha testa do que dos olhos. O livro parecia ter estado sempre ali. Abri o livro, virei-o do avesso e abanei-o vigorosamente. Caiu um pequeno rectngulo de papel branco que dizia em letras maisculas: NUNCA LI O LIVRO, MAS DIZEM QUE BOM. AT GOSTEI DO FILME E NEM ACREDITO QUE NO O TINHAS! S ME DS TRABALHO. E J AGORA, ESTE PARA TI. Virei o papel ao contrrio e vi um escaravelho egpcio impresso no papel, daquele tipo dos que vemos nos lmes a comer pessoas.

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Do Esterco ao SolUma das primeiras coisas que aprendi sobre estes escaravelhos (e que adorei) que simbolizavam o deus-sol. Ora e o que que este deus fazia? Entretinha-se a mover o sol no rmamento, o que extremamente parecido (ou no) com um escaravelho a mover a sua bola de excremento. Sim senhora, temos um escaravelho que gosta de colocar os seus ovos em locais pouco... comuns, v. E no est apenas ligado ao deus-sol, mas tambm ao renascimento, renovao e ressurreio. A primeira coisa que me ocorreu foi a campanha dos R's para apelar reciclagem. A minha mente aterrou literalmente no Egipto e o meu pensamento estava todo enrolado em hierglifos. Via escaravelhos, burros, o Romeu e a sua Julieta a escrever pergaminhos, alm de uns tantos escaravelhos a sair da fonte da rotunda l em baixo. O que me chamou razo e devolveu Terra foi o meu estmago: comida! Pois sim, j era quase hora de almoo e eu no tinha preparado nada. Apesar de me apetecer fazer qualquer coisa para me distrair, s via escaravelhos frente e portanto decidi ir almoar fora. O barulho dos carros e das pessoas distraiu-me nalmente das areias e pirmides egpcias, mas continuava com os escaravelhos em rbita. Estava particularmente impressionada depois de ler que um primo africano desses escaravelhos podia atingir 9cm de comprimento. Isso quase a minha mo aberta, ou uma escala no piano! Se um destes me aparecesse frente, ainda era capaz de esfregar os olhos umas duas vezes para ver se estava a ver bem antes de fugir. L desci a rua alegremente, com a mala a tiracolo e um livro na mo, livro esse cheio de bilhetinhos e um postal. Entrei num restaurante qualquer que me pareceu ter uma lista simptica para a hora do almoo e escolhi um lugar virado para a rua. Cada vez que saa de casa ia para longe, acabei por esquecer-me de como sair e passear nas redondezas podia ser agradvel. O facto de estar ali sentada a olhar para a minha rua de sempre causava-me um certo bem estar pela noo de familiaridade. Para um s dia, as surpresas j estavam em grande nmero e permiti-me a um certo relaxamento. Olhei em 45

volta para chamar um empregado e reparei que algum tinha deixado um daqueles jornais grtis que distribuem no metro em cima de uma mesa. Resolvi folhe-lo s para passar o tempo depois de ter feito o meu pedido. E voltei a sentir-me estpida, mas desta vez era uma mistura de estupidez e ignorncia pura. Num dos cantos reservados publicidade, l estava um anncio a uma exposio egpcia com algumas coisas trazidas de outros museus europeus. Uma exposio egpcia na minha terra e eu no tinha dado por nada?! Tinha mesmo que prestar mais ateno ao stio onde vivia. Confesso que quei altamente envergonhada e, apesar de no saber quem estava por trs das pistas, desejei secretamente que no se tivesse apercebido daquela minha falha. Soava-me a coisa grave, anal, eu nunca fui uma grande f de Histria, mas a coisa mudava de gura quando o Egipto, a Sumria ou a Grcia entravam em cena (no necessariamente por esta ordem). O almoo chegou nalmente tentei comer devagar, mas a excitao e curiosidade cresciam tanto dentro de mim que me vi no metro enquanto o diabo esfregava um olho. A viagem ainda demorou um bocado, mas quando sa da estao e olhei os grandes cartazes com escaravelhos na parede do museu, senti o dever cumprido. Mesmo que no descobrisse a ltima pista, tinha chegado sexta e isso tudo numa manh de sbado era de louvar.

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A Nossa Histria est na HistriaSubi alguns degraus at entrada do museu e quei algo espantada por ver l o Joo. - Por c? - Ol! Ento que andas por aqui a fazer? - Eu olha, vi publicidade exposio temporria e vim c dar uma vista de olhos! Quanto custa? - grtis, est patrocinada por um banco qualquer. - Ah, ok! Vou dar uma vista de olhos que xe ver-te aqui! A ver se nos encontramos um dia destes para meter a conversa em dia. - Espera, toma l o folheto com o mapa c do stio! Viras ali direita para comear. - Obrigada! Pisquei-lhe o olho e segui pelo corredor, virei direita tal como ele me disse, mas o local estava cheio de setas de qualquer modo. Cocei o pescoo por reexo. Entrei na sala e quei maravilhada com algumas das peas, co sempre perdida no s pelo modo como est tudo to bem pintado, desenhado e recortado como pelo facto de cada pea daquelas ter uma mensagem subjacente e um signicado que eu no compreendo totalmente. Senti que a minha busca pela stima e ltima pista tinha toda a lgica em estar ali. Mistrios e mais mistrios que no vo ser desvendados porque j se perderam no tempo. Nas areias do tempo capaz de ser uma expresso mais conveniente Depois de ter demorado imenso tempo a ver a primeira sala (tinha tempo), abri o mapa para ver para onde tinha que me dirigir e descobri que o meu mapa no era daquele piso, nem sequer da exposio ou do museu. O meu mapa estava levemente alterado. Conseguia ver alguns corredores do museu, mas tinha outro mapa desenhado por cima. Era um mapa da cidade, ou parte dela, e tinha uma bola encarnada no stio do museu. Essa bola era a referncia sala onde me encontrava no mapa original. Um bocado a custo, l entendi 47

que a exposio tinha apenas outra sala no segundo andar e dirigi-me para l. No vi grande coisa da segunda sala, tinha bem presente que tinha andado a ltima hora e tal com a stima pista nas mos e nem um olhar lhe tinha deitado Apercebi-me de repente de que o Joo tambm estava metido naquilo! A minha esperana acendeu de novo e tive bastantes diculdades em acalm-la. A caixa na minha mala tambm no me ajudava a esquecer o que eu queria acreditar. Olhei para o mapa com cuidado, j que no conseguia concentrar-me nas jarras canpicas onde os egpcios colocavam alguns orgos dos mortos (sim, dos vivos era capaz de ser chato). O mapa no estava completo e a nica coisa que estava realmente desenhada era o local do museu e o rio. Mas no estava propriamente claro em que zona do rio que estava a resposta e o raio da cidade est praticamente rodeada de gua! Reparei melhor no mapa original e vi um quadrado onde algum tinha pintado quatro quadradinhos por cima das pontas do quadrado original. O quadrado grande cava mesmo na zona do rio, supostamente seria uma sala qualquer no primeiro piso do museu, mas ali podia muito bem signicar uma plataforma quadrada no rio E tal plataforma no me era completamente desconhecida. Estava to contente que deixei as mmias para a prxima visita - elas tambm no iam longe. De qualquer modo, ainda me demorei na loja do museu onde comprei um escaravelho para recordao. Na sada voltei a passar pelo Joo. - Safado, ests metido nisto! - No acredito que s te vais embora agora! Pensei que j tinhas sado? - S reparei agora no mapa adulterado que me deste! Eu sou um bocadinho lenta, tens que ter pacincia e - Despacha-te, vai-te l embora, mexe-te! - Mas qual a pressa? - que eu j avisei que tinhas sado - Ah sim? Quem que avisaste? Como sabes que eu vou para o stio certo? Ajuda-me! - Ora, deixa-te l disso e pisga-te!! - Se fosse contigo queria ver! 48

- Despacha-te mida!! Ele est espera, no tarda perdes o pr-do-sol!

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No Fim do Arco-risCorri pela rua, desejei poder empurrar o metro para ir mais depressa, corri pela estao, corri durante todo o caminho que me separava de ti e s parei quando te vi. S a o meu corao desatou a bater atabalhoadamente e eu senti uma certa incapacidade em manter-me de p. Tu viste-me assim que cheguei. E viste-me na minha bela gura: cabelo desgrenhado, o livro dos trs mosqueteiros numa mo e uma mala pesada na outra. Estava parada feita esttua a olhar para ti. Vieste ter comigo e viraste-me sem cerimnia nenhuma em direco a uma barraquita de gelados. Tive que reunir muito esforo mental para decidir qual das minhas pernas ia avanar primeiro e no me esquecer de avanar a outra a seu devido tempo. Fui deixando de respirar conforme a distncia encurtava e parei completamente quando quei de frente para ti e me ofereceste um gelado. - Magnum clssico? - ofereceu-me ele. - Exacto, ainda te lembras obrigada. Pensava que te tinhas ido embora? - Estava mais que entalado na minha garganta e fui incapaz de reter para deixar sair antes um "ol" ou "que bom ver-te". - No te despediste de mim - Apesar de tudo, o tom dele no estava zangado. - Pois hum horrvel reconhecer isto, mas no tive coragem. Desliguei o telemvel para no dar qualquer hiptese de te despedires de mim porque no queria ouvir-te dizer adeus. E quando j sabia que o avio tinha levantado, detestei-me por no ter ido. Fiquei to decepcionada que nem tenho sado de casa, a triste verdade. Pensava que eu era mais forte devia ter l estado. Queria dizer-te coisas que achei que no tinha direito, no naquela altura. Queria ter ido devia ter-me despedido de ti. Devia ter sido mais forte por ti. - Nem uma nica vez levantei os olhos do cho enquanto tentava justicar-me (sem perder a voz) de uma coisa que no tinha justicao. - Fizeste-me sofrer um pedao verdade. Telefone desligado durante tanto tempo - Porque voltaste? - Disparei eu. 50

- Eu no voltei porque nunca cheguei a sair. E j devias saber disso h mais de uma semana! - Foi por isso que tentaste ligar-me aquelas vezes todas? Tu no chegaste a partir?! - No. Vais deixar o gelado derreter? - Desta vez ele tinha um olhar divertido. - Cancelaram o voo? O que se passou? No te quiseram, cancelaram o contrato? - Eu no assinei nada, no fui porque no quis. E queria dizer-te que quei por ti, mas tu no me deste hiptese! - Ah... O melhor homem do mundo diz-me uma coisa destas e a coisa mais inteligente que tenho para dizer um "ah". Eu sou uma pessoa muito triste. - Resolvi fazer isto para te fazer sofrer um bocadinho e tambm para fazerte sair de casa, a tua me disse-me que no tens sado desde que pronto. Na altura quei sem saber bem o que fazer. No me disseste nada, nem na altura nem depois! J no sabia se tinha feito bem ou se realmente devia ter ido naquele avio! - No!! No devias nada ter ido embora! - Saiu-me completamente sem aviso. - Bem, eu nem sei como qualicar a minha reaco ou falta dela. Muita falta de bom senso, verdade! E sim, isto eufemismo. Mas quero que saibas que desejei sempre que fosses tu por detrs disto. A cada pista que descobria, cada passo at aqui, sonhei que cava mais perto de ti ajuda-me nalguma coisa? - Ri-me do nervosismo. - Ah sim? E como que vais convencer-me disso? - Respondeu-me ele num ar trocista. - Eu posso provar! - Finalmente um sorriso da minha parte. - Podes? Como? - Rima com varicela! - Respondi eu nalmente orgulhosa de qualquer coisa que tinha feito. Entreguei-lhe o meu gelado ainda por abrir e tirei a caixa de chocolates da 51

mala, o meu pequeno triunfo. Dei-lhe a caixa com um orgulho incomparvel. - E no que valeu mesmo a pena esperar por ti?! - Ele estava genuinamente surpreendido e no conteve uma gargalhada. - Ora h coisas que nunca mudam! - Respondi eu com o maior sorriso de que tinha memria. Rimo-nos com vontade, enquanto os gelados se derretiam. Aproximmonos um do outro (com cuidado para no esmagar os gelados) e ele deu-me um beijo sem bom senso nenhum, felizmente. No tirmos os olhos um do outro durante o resto da tarde. S o via a ele e era incapaz de reparar na quantidade de pessoas que passeavam, iam e vinham nossa volta. Parecamos dois midos acabados de abrir todos os presentes de Natal e depois descobrir que eram exactamente o que tnhamos pedido. Rebolmos nas imperfeies da relva, rimos, falmos imenso e respirmos um para o outro. Por m, resolvemos parar para descansar debaixo de uma arvorezita, e eu quei sentada na relva ao colo dele. Olhei para os meus ps por nada de especial, simplesmente porque estavam no meu horizonte. Senti-me a transbordar de alegria, alegria por nada em particular, apenas felicidade pura por tudo. Sentime demasiado pequena para guardar tanta alegria, senti-me demasiado minscula para merecer tanto. H pessoas que durante uma vida inteira no tm um s momento daqueles. Enchi-me de coragem para dizer tudo o que tinha guardado dentro de mim, e do meu quarto, nos ltimos dias. - Desta vez tenho que pedir-te para cares comigo. egosta, eu sei, mas quero sentir-me assim sempre que puder. E tem que ser contigo, normalmente no consigo ter tantas dores nos maxilares e nos abdominais. E eu gosto que me doa o maxilar de tanto rir Eu costumo conseguir parar de rir, sabes? E perto de ti isso nunca acontece. Quero-te muito, a srio. - Eu quei por ti, lembras-te? - Mas eu nunca te tinha dito isto! Nunca tive coragem Nem na semana passada tive e agora que pensava que tinha perdido tudo, ter-te de volta quase bom demais. Eu no te mereo, mas queria dizer-te que te quero comigo alto e bom som para no teres que adivinhar ou car na dvida sobre 52

o que eu penso sobre ti ns. - Bem, mereces qualquer coisa sim. Anal chegaste ao m do jogo mais rpido do que eu supunha e acertaste na caixa de chocolates! E eu queria ouvir-te a dizer isso nalmente. - Isso um sim? - Se o meu corao continuasse a bater assim, eu ia precisar de um transplante. - Que remdio! - At parece! - Pronto, pronto. Sim, claro! - E abraou-me num sorriso brilhante. - Assim est melhor! - Achas? - No tenho a certeza! Sinto-me como se tivesse descoberto o pote de ouro! - Qual pote de ouro? - O do nal do arco-ris. - Qual arco-ris? Ok, esquece, tu s estranha. Chega p'ra c! FIM

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Parte IBem, eu sou uma princesa. Talvez no seja exactamente aquilo que se espera de uma princesa, mas o meu pai rei, eu sou mimada, temos o nosso pequeno reino e nunca me aventurei para l das muralhas. At tenho longos cabelos encaracolados e olhos claros. Quer dizer, os longos caracis pretos que tenho cados nas costas so na verdade uma peruca. No que tenha cado careca desde que nasci, mas tenho que rapar o cabelo por causa dos piolhos. A bem dizer adoro a sensao de frescura quando tiro a peruca antes de me deitar, acredito que um dia as princesas vo poder ter cabelo curto. O meu pai diz que eu s vaticino disparates, mas eu c tenho as minhas ideias. Porque que eu nunca sa das muralhas em vinte e trs anos? Bem, para comear, o meu pai sempre me disse que fora das muralhas vivem drages e gigantes. Eu nunca vi nenhum e no conheo ningum que tenha visto um, portanto comeo a achar que ele me pregou a peta do sculo logo a seguir fada dos dentes, mas pelo sim pelo no Alm disso, nunca me contaram a histria de nenhuma princesa de espada em punho a matar drages, so sempre os prncipes montados em belos cavalos brancos que fazem as coisas que sujam mais a roupa (incluindo mesa). Mas se os drages existirem mesmo, espero que nenhum deles goste de carne mal passada. Por falar em cavaleiros, do lado de l tambm esto os homens e confesso que esta coisa toda dos pretendentes amedronta-me um bocado, especialmente porque o meu pai j construiu trs alas diferentes para a futura descendncia e acha que o facto de eu permanecer solteira pura e simplesmente a hecatombe que se segue ao aparecimento do Robin dos Bosques. claro que tenho vrios pretendentes, no pelos meus lindos olhos mas porque sou rica e tenho um ttulo de rei para "oferecer", por assim dizer. Ultimamente, com o vai e vem de pretendentes, apercebi-me que estou na curva descendente da nossa esperana mdia de vida. No que me sinta mais velha, mas no tenho muitos mais anos por viver. Os pretendentes que so sempre mais do mesmo: nobres que no tm onde cair mortos e se ngem interessadssimos numa pessoa que nunca viram antes e to pouco tentaram perceber como reconhecer-me antes de chegar (as minhas actuais trs aias 54

tm uma certa coleco de declaraes custa desses senhores e uma ex-aia casou mesmo!). Os que tm dinheiro vm procura de uma bela donzela e quando me vem, demoram-se menos do que o conselheiro quando vem pedir ado para pagar as dvidas de jogo e corrido pela mulher vassourada (ela a cozinheira do castelo e j se sabe, as paredes tm ouvidos). A minha maior ajuda no campo de despachar os pretendentes, sem que o meu pai tenha tempo de exercer o seu poder paternal, a Clara. A Clara uma criadita negra da minha idade que o meu pai encontrou porta da nossa casa quando eu tambm era beb. A minha me morreu na noite em que a Clara chegou e o meu pai interpretou isso como um sinal. Eu e a Clara crescemos juntas e, apesar da diferena abismal da minha "educao" e da dela, somos praticamente irms. A Clara no bem negra, tal como o nome indica. V-se claramente que alguns dos conquistadores do novo mundo esto tambm eles a serem conquistados pelos "povos inferiores". Provavelmente a Clara tem mais educao que eu, ela no sabe tocar piano nem ler, mas sabe comportar-se melhor na presena das visitas, tem coragem para sair do castelo e tem uma pose que no deixa nenhum homem indiferente. Costuma andar com o traje de criada que eu invejo a cada segundo. Vestidos prticos a lembrar-me constantemente do corpete apertado e daquela monstruosa armao de madeira para dar roda saia. Essa mesmo construo que nos impede de sentar comodamente, ocupar apenas um lugar no balco do teatro, aproximar-nos de algum ou at entrar numa porta mais apertada. Alm de ser a minha melhor amiga, a Clara a mais bela moa dentro das muralhas do castelo e, provavelmente, do reino. No que ela zesse por se mostrar, todos os dias aparecia vestida da mesma maneira, mas as duas tranas cadas e aqueles olhos verdes enormes derretiam qualquer homem. Alm disso, ela no andava - danava no ar! Eu divertia-me a ver a cara do meu pai enquanto os pretendentes se declaravam e nem olhavam para mim porque no conseguiam desviar o olhar da Clara desde que ela entrava at sair do salo! Os mais ousados pediam-me para aparecer nalgum baile e faziam questo de notar que as nossas criadas tambm estavam convidadas para ajudar festa. Enm, com a ajuda da Clara consegui despachar todos os pretendentes que quis: os muito velhos, os muito gordos, os muito altos ou demasiado baixos, os demasiado 55

chatos ou demasiado inteligentes. Anal, ler uma pgina de um livro ainda era tarefa capaz de ocupar-me um dia inteiro. E felizmente, o meu pai no precisava de convencer-me a um casamento por convenincia. Porem, trs dos meus vrios pretendentes conseguiram desviar-nos da rotina no castelo: o Bernardo, o Joo e o Pedro. Apareceram assim por ordem alfabtica e tudo!

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Parte IIEu e a Clara estvamos extasiadas para conhecer o pretendente Bernardo. Este senhor tinha enviado a carta mais rococ de que h memria neste reino. Uns oreados incrveis que me levaram trs dias para decifrar apenas a primeira letra da carta. Decidimos logo que eu nunca me poderia casar com algum chamado Bernardo de Santa Maria Vasconcelos e Melo da Silva Rodrigues e Pereira. No entanto, o meu pai estava maravilhado por saber que o senhor era rico e tinha um caso de gmeos na famlia, alguma tia em terceiro ou quarto grau. Assim que ele chegou, confesso que me faltou o ar. A minha ideia de algum com aquele nome era pelo menos uma certa dose de cabelos brancos, uma barriga de gestao de 14 meses e um falar muito afectado, alm de sapatos com o bico enrolado - o que est completamente fora de moda! Qual o meu espanto (s o meu, a Clara continuou impassvel) quando entrou um moo novo no castelo, galante e que se apresentou como sendo o esperado Bernardo. Eu confesso que arregalei os olhos quando vi que no lhe faltava um dente sequer! Tinha olhos da cor dos meus e cabelo louro ligeiramente ondulado. "Uau!" exclamou a minha vozinha interior. Passei a tarde a sorver tudo o que ele dizia, apesar de no perceber metade. Efectivamente tnhamonos enganado porque o Bernardo no tinha voz nasalada, mas era "sopinha de massa" e cuspia ligeiramente tudo o que estava num raio de cinco dedos. Eu estava maravilhada e limpava gentilmente as pequenas gotculas de saliva que teimavam em atravessar a mesa que nos separava. No nal daquela magnca tarde, o meu pai convidou o Bernardo a conhecer o jardim comigo e com as minhas aias. Conseguia ouvir as trs a suspirar a cada palavra sem "s" pronunciada naquela voz melosa. Quando comeava alguma sucesso de palavras "difceis", cada uma delas levantava ligeiramente o leque e emitia um risinho nervoso e extremamente irritante. Eu ngia que o ouvia porque nem conseguia concentrar-me, tal era a certeza que estava ali a minha alma gmea. A Clara insistia que havia algo de errado com ele e eu achava que ela que no estava habituada a ter menos ateno do que eu! O Bernardo era nalmente o meu cavaleiro andante! J tinha pedido a minha mo em casamento sem olhar para mais nenhuma dama. Eu estava 57

convencida do amor eterno que sentia pelo Bernardo e at andava a praticar o meu nome acabado em Silva Rodrigues e Pereira. A nica coisa que me preocupava era se no dia do casamento ele tinha que dizer o nome completo virado para mim o "Santa" e "Silva" causavam-me alguma inquietao j que no podia levar o leque. A poucos dias da boda e com o castelo em alvoroo, eu dormia cada vez menos com tanta excitao. Quando a costureira me trouxe o vestido de noiva, no fui capaz de despi-lo e fartei-me de rodopiar pelo quarto a sentirme a mulher mais bonita do mundo. A minha algeria durou at a Clara comear com um longo questionrio: - Mas ele j tentou agarrar a tua mo? Ou beijar-te? Ou aproximar-se de ti sequer? Revi mentalmente os ltimos dois meses e realmente no havia qualquer indcio de tentativa de proximidade, mas isso era decerto porque ele era muito pudico, apressei-me a explicar. Fiquei a moer nas perguntas da Clara e, como no tinha sono, resolvi dar um passeio nocturno para arejar. J c fora, ouvi umas vozes sussurradas. - Oh meu amor, como bom sentir-te novamente! - Seguiram-se os sons de alguns beijos. - Xiu, vem a algum! Eu estava acostumada aos encontros nocturnos e secretos das gentes do palcio (j que toda a gente tinha vida privada menos eu), portanto no liguei. No entanto, conforme me afastava, algo me dizia que no devia ir j para o quarto. Simulei os passos para a sada, descalcei-me e l voltei eu - ainda vestida de noiva - sem fazer barulho para me esconder atrs de um pilar. Esperei que a conversa retomasse. - Como possvel que no acredites no que sinto depois de tudo o que estou a fazer para estar mais perto de ti? 58

Soou um alarme c dentro aquela voz era demasiado familiar. Tentei sair do ptio porque j no queria ouvir mais nada, mas parei quando senti que as duas guras caminhavam na minha direco. Encolhi-me o mais possvel e sustive a respirao. - Sabes que o rei espera descendncia rpida, no sabes? - Sei sim, no me fala noutra coisa e tambm j no sei o que mais fazer para manter-me longe dele e da lha dele, qualquer dia co com a boca seca de tanto cuspir! - Aquela foi a gota de gua. - BERNARDO!!! - gritei a plenos pulmes. A Clara apareceu vinda no sei de onde com uma tocha e metade das pessoas do palcio acudiram varanda para no perderem o espectculo. Ali estava eu: descala, vestida de noiva, a chorar que nem uma beb e, agora sim, a cuspir a cara do meu ex-noivo com lgrimas, saliva e outros uidos corporais que escorriam-me do nariz. - COMO FOSTE CAPAZ? EU FARIA TUDO POR TI! E TU TRAIS-ME COM. O LUS?? No vale a pena entrar em detalhes sobre o que se passou em seguida. Mas assim acabou o meu noivado com o Bernardo, o homem dos perdigotos conscientes.

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Parte IIIO Joo chegou com o cheiro a sal. O meu pai nunca aceitou nenhum dos meus vrios pedidos para ver o mar. Dizia o que o diabo se escondia nas profundezas dos oceanos. Eu acho que o diabo no ia sentir-se bem no mar, imagino-o sempre de tridente em punho e rodeado de fogo. Dentro de gua, a modos que ca um pouco apagado, no? A deitar um ozinho de fumo e a cheirar a porco chamuscado? Confesso que nunca entrei nesta discusso com o meu pai, se o diabo vive na gua tudo bem - eu tambm no gosto muito de tomar banho. Mas voltando ao sal, a chegada dos heris do novo mundo era sempre motivo para um grande rebolio c no reino, primeiro porque era raro voltarem e depois porque nesta comitiva vinha o Joo Carlos Figueira de Sebastio e Melo: o ladro tornado heri que mais suspiros arrancava s damas. Roubava tudo o que encontrava (incluindo a mulher alheia), at que foi preso e enviado para conquistar terras do novo mundo sob forma de perdo real. Tornou-se ento num heri muito popular e era dos nossos conquistadores melhor sucedidos, literalmente. Eu estava muito curiosa, no s porque era a princesa e portanto ia receb-lo no castelo e jantar com ele, mas tambm porque as minhas aias estavam to delirantes que no paravam de desmaiar porque tinham o corpete demasiado apertado. E eis que foi o delrio total quando ele chegou, nalmente, s portas do castelo. O Joo era de facto um homem lindssimo, tinha uma pele dourada como eu nunca tinha visto, era muito alto, musculado e parecia quase do tamanho do cavalo onde vinha montado. Acabei por perceber que ele tinha um certo charme por si s, as senhoras (casadas ou no) suspiravam quando ele passava (mesmo a vrios metros) e os respectivos maridos ou interessados faziam cara feia e rosnavam ameaas, mesmo quando ele no dizia nada. Na minha cabea rodava num intermitente Ena, uau, ena!. Depois de nos sentarmos mesa, entendi que o Sr. Melo no tinha uma linguagem l muito desenvolvida. Era incapaz de manter uma conversa minimamente decente, mas tinha histrias fabulosas para contar. Fiquei com imensa vontade de conhecer o mundo para alm mar, quer dizer, para comear talvez fosse melhor ver primeiro o mar e as suas tempestades. No 60

nal do jantar, l tentei aproximar-me dele, apesar de ter que furar caminho por entre as minhas prprias aias (e sabe Deus como isso difcil com estas saias!). L consegui chegar perto do homem e quase me esqueci do que tinha para dizer, ele era mesmo bonito! Depois de gastar uns minutos a concentrarme, disse-lhe que gostava muito que ele me acompanhasse num passeio no dia seguinte. Ele acenou que sim, mas que eu tinha que levar as minhas lindas aias para nos acompanharem. Houve um suspiro colectivo tremendamente alto e, desta vez, fui s eu que me senti ofendida. Na manh seguinte acordei super entusiasmada com a ideia de rever o Joo, mas sem vontade nenhuma de partilhar a ateno dele com as minhas aias. Ainda por cima, cada uma delas parecia-me particularmente bonita naquele dia. L reuni coragem e sa com aquele bando de galinhas at ao ptio. O Joo chegou com uma hora de atraso, o que ia provocando um ataque de histeria em grupo. Vinha bastante ofegante e descomposto, mas co