histÓrias no tratamento da depressÃo

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IRACEMA PERIN GRALHA MITOS, CONTOS, FÁBULAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista do Curso de Pós- Graduação Lato Sensu Especialização em Psicologia Transpessoal do Centro de Pós-Graduação e Extensão das Faculdades Integradas “Espírita” Orientadora: Profª. Lurdes Guimarães da Silva Curitiba 2009

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Histórias podem contribuir no tratamento de transtornos mentais.

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Page 1: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

IRACEMA PERIN GRALHA

MITOS, CONTOS, FÁBULAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização em Psicologia Transpessoal do Centro de Pós-Graduação e Extensão das Faculdades Integradas “Espírita” Orientadora: Profª. Lurdes Guimarães da Silva

Curitiba

2009

Page 2: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Os símbolos despertam quando os sentimos como parte

viva de nós mesmos. São descobertos através de um

portal da mente que nos leva profundamente a processos

formativos. Nosso corpo naturalmente quer expressar

saúde; nossa alma também quer se expressar de modo

saudável. Forças curativas trabalham constantemente

para restaurar o equilíbrio. Sempre que ativamos nossa

conexão pessoal com imagens de grandes histórias,

geramos forças vitais internas.

Nancy Mellon

Page 3: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela inspiração que me possibilitou

mergulhar no mundo mágico das histórias e descobrir

suas propriedades terapêuticas.

Sou grata aos professores, pelas contribuições e

oportunidades de reflexão a respeito da vida, da

importância de continuar pesquisando e trabalhando para

contribuir na construção de um mundo melhor.

Aos colegas de curso, pelo companheirismo no decorrer

do curso.

Meus sinceros agradecimentos a minha orientadora pela

dedicação, respeito, paciência e compreensão.

Page 4: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

RESUMO

Este trabalho é um estudo sobre como as histórias podem contribuir no tratamento de transtornos mentais, especificamente da depressão considerada uma epidemia e apontada pela OMS como o principal problema de saúde em 2020. Ao sentir-se insatisfeito com a própria vida, o homem isola-se e foge da sua realidade, perde a capacidade de enxergar além dos limites do ego, passa a sentir rejeição, culpa tristeza, desamor e solidão. Na Psicologia Transpessoal o ser humano é compreendido através do seu processo de crescimento e evolução que abrange o ego e experiências espirituais. Despertar a consciência, levar à reflexão e permitir redimensionar a maneira de pensar, sentir e agir é um caminho que PIERRAKOS relata como uma jornada das regiões conhecidas para as desconhecidas da alma, semelhante à busca narrada nos contos de fada. O caminho para a cura está em fazer retornar à consciência a energia psíquica que ficou retida no inconsciente. A imagem é o mais antigo e o maior recurso de cura do mundo, e certas histórias possuem um poder inato que libera uma essência ou aura de energia que penetra na psique, com funções de cura e resgate do mundo interno. As imagens simbólicas dos mitos, contos de fadas e outras histórias, podem fazer emergir a origem dos conflitos, provocarem reflexão e harmonizá-los. As histórias utilizam termos simbólicos que representam conceitos não definidos, expressam aquilo que está fora do alcance da compreensão humana e são capazes de fazer a mágica de resgatar a alma, pois todo símbolo encerra uma mensagem ou uma informação codificada. Consequentemente são veículos poderosos para comunicar-se com o inconsciente. De acordo com ÂNGELIS o vazio existencial ocasionado pela pouca ênfase dada às “histórias da carochinha” nos programas educacionais produziu terríveis vazios existenciais, roubando significado profundo da vida humana. Essa visão admite que os contos que descrevem a vida dos heróis e os poderes das divindades da natureza, são expressões simbólicas dos desejos, temores e tensões inconscientes que se encontram ocultos aos padrões conscientes do comportamento humano. Num nível mais profundo, as narrativas orais falam metaforicamente à mente consciente e inconsciente através da imaginação, que é o mecanismo de comunicação entre percepção, emoção e a mudança corporal, a causa principal de ambas, doença e cura. Os mitos e os contos de fadas constituem-se em psicologia de auto-ajuda original. Uma das suas grandes funções curativas é a de mostrar que não se está sozinho nos sentimentos, temores, e aspirações e assim, eles auxiliam a aliviar os conflitos internos e ajudam a descobrir uma profundidade, riqueza e sentido maiores na vida. Palavras-chave: psicologia transpessoal, depressão, histórias, imagens.

Page 5: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 7

1. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL .................................................................... 12

1.1 A psicologia transpessoal: um breve histórico .......................................... 12

1.2 Objetivo da psicologia transpessoal ........................................................... 13

1.3 Cartografias da consciência ....................................................................... 14

1.4 Ego e consciência ...................................................................................... 15

1.5 Dimensões da consciência ........................................................................ 16

2. ASPECTOS DO SER HUMANO ..................................................................... 18

2.1 Reflexos interiores .................................................................................... 19

2.2 Inconsciente individual ou pessoal ............................................................ 20

2.3 Inconsciente coletivo ................................................................................. 21

2.4 Arquétipo ................................................................................................... 22

3. CONTANDO HISTÓRIAS ................................................................................ 24

3.1 Histórias- alimento da alma ...................................................................... 24

3.2 Formas de Narrativas ............................................................................... 26

4. DEPRESSÃO .................................................................................................. 31

4.1 Sintomas da depressão ........................................................................... 32

4.2 Causas da depressão .............................................................................. 33

4.3 Processo de cura ..................................................................................... 34

5. HISTÓRIAS:

FERRAMENTAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO ............................. 36

5.1 Atuação das histórias ............................................................................... 36

5.2 A Jornada do herói ................................................................................... 37

5.3 Escolha das histórias ............................................................................... 38

5.4 Narrativas ................................................................................................. 41

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 49

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 52

ANEXOS ............................................................................................................... 54

Page 6: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

ANEXO 1- A fábula da águia e da galinha ........................................................... 54

ANEXO 2- A chave de ouro ................................................................................. 56

ANEXO 3- Dona árvore ....................................................................................... 57

ANEXO 4- O fazendeiro ....................................................................................... 59

ANEXO 5- Adão e Eva ......................................................................................... 60

Page 7: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

INTRODUÇÃO

É próprio da mitologia, assim como do conto de fadas, revelar os perigos e técnicas específicos do sombrio caminho interior que leva da tragédia à comédia. Por conseguinte, os incidentes são fantásticos e “irreais”: representam triunfos da natureza psicológica e não de natureza física. Joseph Campbell

As histórias existem desde os primórdios da civilização humana. A vida de

cada um é uma história; uma combinação de numerosas possibilidades. Percebe-se

que as histórias, ouvidas e contadas há milênios, atuam como estrelas-guia no

caminho de evolução do ser humano. Suas imagens altamente curativas despertam

a consciência, levam à reflexão e permitem redimensionar a maneira de pensar,

sentir e agir. Elas podem ter o segredo do desenvolvimento da alma; um dos

motivos pelos quais elas são indicadas, valorizadas e utilizadas como uma das

terapias para harmonizar o corpo e a mente.

Observando-se a evolução humana, a abordagem que embasa esse trabalho

reconhece a existência de uma consciência mítica ou imaginativa cuja linguagem se

encontra nos contos de fadas, mitos cosmogônicos ou heróicos e outras formas

literárias. Sua relevância se dá por ter como fonte principal a experiência da autora

quando atuava na área da educação, como professora de disciplinas técnicas e,

atualmente, como contadora de histórias em Hospital Psiquiátrico.

Nos vários anos de trabalho em escola, a autora constatou que a assimilação

de conteúdos por parte dos alunos era facilitada quando ilustradas com metáforas.

Da mesma forma, no contexto do hospital psiquiátrico, a autora observou que as

histórias contribuíram para o aumentar de capacidades, como atenção,

concentração, criatividade, expressão oral, exposição de ideias e sentimentos. Os

depoimentos dos ouvintes mostraram que eles identificam seus medos e angústias

nos conflitos dos personagens das histórias, semelhante à busca narrada nos contos

de fadas, em que o herói ou a heroína inexperiente passa por desafios e provas para

encontrar a felicidade. Essa constatação sinalizou que as histórias, por utilizarem

imagens simbólicas, penetram no inconsciente e abrem um caminho ao

reconhecimento, à aceitação e transformação das aflições, e possibilita construir

uma nova personalidade, mais coerente, organizada, unificada, com poder criativo

Page 8: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

dinâmico que elimina incertezas, concentra a energia e utiliza o grande poder criador

sugestivo das imagens.

Passerini enfatiza que a ação educacional com aplicação de imagens

possibilita aprofundar raízes no mundo da imaginação. “Ao tratar de educação de

crianças e jovens, podemos dizer, sem receio de errar, que sua futura ação e

reflexão como adultos brotará do campo de imagens cultivado ao longo de seu

desenvolvimento”. (2004, p.13)

Pode-se compreender o grande poder das imagens e a necessidade de vivenciá-las ao se observarem crianças, jovens, pessoas de qualquer idade, todos os dias, assistindo novelas, desenhos ou filmes. [...] parecem preencher um vazio; mas em geral são passivamente recebidas, vividas superficialmente e rapidamente esquecidas. As vivências imagéticas não mais lidas ou ouvidas, não mais recriadas pela psique a partir do conteúdo da literatura universal, tornaram-nos mais pobres, desvitalizados, apáticos, insensíveis, porque separados da fonte de energia existente nas histórias cujas imagens são ricas em ideais. (PASSERINI, 2004, p.96-97)

Algumas correntes de pensamento afirmam que Deus criou o homem livre e

andrógino. Ao usar a liberdade de escolha de forma equivocada, o homem deu início

ao processo de identificação com as energias masculinas em detrimento das

femininas, dando origem à agressividade, teimosia, insensibilidade, violência física e

psicológica, orgulho, ciúme e competição; um estado de dualidade que gerou o

sofrimento.

Para Pierrakos, toda vida espiritual mostra o caminho da auto-separação à

autodescoberta e, consequentemente, à descoberta de Deus.

Trata-se de uma afirmação cósmica. “Dois” – a Dualidade – é a condição básica da nossa existência na terra, e “Um” é o estado de unidade do qual nos distanciamos e para o qual ansiamos por voltar. Como o estado de dualidade é uma cisão da unidade – a união do paraíso -, ele contém a dor. Ansiamos por voltar ao estado perdido de total felicidade. (PIERRAKOS, 2007, p.19)

A jornada consciente rumo à totalidade começa com a consciência do Self,

concebida como a integração dos aspectos do bem-estar físico, emocional, mental,

existencial e espiritual. A perfeita saúde psicológica depende da integração

equilibrada desses aspectos, no reconhecimento da liberdade e de assumir a

responsabilidade pelos pensamentos, crenças e valores. O pensamento

Page 9: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

desempenha uma função importante no conjunto existencial do ser humano. O teor

vibratório de cada pensamento estimula a consciência celular, gerando saúde, ou se

desarmoniza, produzindo doenças. Na concepção de Fioravanti, uma dessas

doenças é a depressão.

Há muitas doenças que atingem o homem e cuja erradicação é difícil à medicina tradicional. Algumas são fatais; outras, igualmente perigosas, nem sempre matam. Dentre os problemas mais angustiantes e de tratamento polêmico, encontra-se a depressão. Pode parecer exagero, mas quem já teve ou tem crises depressivas sabe que a depressão é assustadora. (FIORAVANTI, 1995, p.9)

Depressão é uma doença que ganhou ares de epidemia e é apontado pela

OMS como o principal problema de saúde em 2020. Sua origem pode estar ligada

ao medo de enfrentar os desafios que a vida apresenta e que bloqueia a capacidade

de enxergar além dos limites do ego; provoca sentimentos de desamor, rejeição,

culpa, tristeza, angústia e solidão.

De acordo com Ângelis, esses sentimentos depressivos são enfermidades da

alma. “Assim, as enfermidades da alma se farão recuperar somente quando houver

transformação estrutural do pensamento, que se encarregará de construir novos

alicerces [...] restabelecendo a consciência individual das células” (2005, p. 53).

Na Psicologia Transpessoal o ser humano é compreendido através do seu

processo de crescimento e evolução que abrange o ego e experiências espirituais.

Um caminho que Pierrakos relata como uma jornada das regiões conhecidas para

as desconhecidas da alma, semelhante à busca narrada nos contos de fadas.

Se levada a sério, a busca interior também requer coragem, passa por regiões de trevas, conduz à maturidade - e o tesouro sempre é encontrado. Como nos contos de fadas, o herói não fica à espreita do dragão, mas o ataca, e não foge da velha bruxa, mas lhe presta ajuda, assim, enfrentando suas forças destrutivas interiores e lidando com elas. (PIERRAKOS, 2007, p.19)

No início de sua jornada, o herói recebe o chamado para a aventura; depara-

se com um mundo mágico, onde recebe auxílio divino, dando-lhe coragem para

penetrar as regiões escuras, enfrentar os desafios e cumprir algumas tarefas que lhe

são impostas. O autoconhecimento e a evolução, desejadas pelo herói, dependem

de sua determinação em lidar com suas forças destrutivas interiores; transformar

Page 10: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

esses impulsos de dominação inconsciente, cumprir as tarefas e, assim, encontrar o

remédio para a alma que fortalece o coração, tornando-o mais saudável, inteligente

e sábio.

A proposta deste trabalho consiste em enfatizar e compreender como e porque

os mitos, contos de fadas, fábulas e outras histórias podem contribuir no tratamento

de transtornos mentais, especificamente da depressão, que afeta a pessoa na sua

maneira de pensar, sentir, querer, experimentar e agir. Divide-se em cinco capítulos,

organizados da seguinte maneira:

No primeiro capítulo consta um breve histórico da Psicologia Transpessoal,

que tem entre seus objetos de trabalho a pesquisa dos estados não ordinários de

consciência. Abrange o ego e experiências espirituais, estudadas no contexto dos

estados alterados de consciência, que vê o homem na sua totalidade, capaz de

transcender o limite físico do corpo e viajar fora do espaço-tempo, na busca da

perfeita saúde física e psicológica. Naturalmente, essa conquista depende de uma

integração equilibrada dos níveis de consciência físico, emocional, mental,

existencial e espiritual. O referencial teórico vai se pautar nos autores Joanna De

Angelis, Maria T. N. Moreno, Pierre Weil, Stanislav Grof e Roger N. Walsh; Francês

Vaughan.

O segundo capitulo aborda os vários aspectos do ser humano, a necessidade

de utilizar a simbologia para compreender sua história evolutiva; conceitos de ego,

sombra, inconsciente individual e coletivo e símbolos arquetípicos, caminhos para

alcançar o equilíbrio entre o físico, emocional, mental e espiritual. A teoria utilizada

tem origem nos autores Ambika Wauters, Erich Fromm, Eva Pierrakos; Judith Saly,

Debbie Ford, Joanna De Angelis, Maria T. N. Moreno e Nancy Mellon.

O terceiro capitulo descreve características de Contos de Fadas, Fábulas,

Lendas, Mitos e Parábolas como possíveis ferramentas no tratamento da depressão,

por espelharem o próprio desenvolvimento do ser humano desde o seu surgimento

no mundo. O referencial teórico vai se pautar em Alzira Castilhos, Maria T. N.

Moreno, Nancy Mellon, René Descartes, Sueli Hisada e Sueli Pecci Passerini.

O quarto abrange causas, sintomas e os níveis de percepção de cura da

depressão. Segundo alguns autores, a raiz psicológica encontra-se no conflito

existente no Self pela frustração de desejos não realizados. A percepção que cura

depende da vontade em reconhecer a verdade acerca de si próprio. O referencial

Page 11: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

teórico vai se pautar nos autores Adenáuer Novaes, Francês Vaughan, James Hollis,

Joanna De Angelis e Marcelo Aguiar.

O quinto e último capítulo é dedicado à compreensão do teor simbólico das

histórias, sua ação curativa, pois elas parecem falar metaforicamente à mente

consciente e inconsciente por meio da imaginação, por ser um mecanismo de

comunicação entre a percepção, a emoção e a mudança corporal, causa principal de

ambas, doença e cura. Consta, também, o resumo de cinco histórias, com a visão

interpretativa de alguns autores. Quatro delas contém depoimentos de ouvintes, em

Hospital Psiquiátrico que no entendimento da autora reforçam a hipótese de que a

causa das angústias que interfere na vida produtiva pode ser identificada, aliviada e

até curada por meio dessas narrativas. O referencial teórico vai se pautar em Allan

B. Chinen, Joanna De Ângelis, Joseph Campbell, Joshua D. Stone, Leonardo Boff,

Nancy Mellon, Maria T. Nappi Moreno, Sueli Hisada, e Sueli P. Passerini.

Após o desenvolvimento dos capítulos vão ser apresentadas as

considerações finais e os anexos.

Page 12: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

CAPÍTULO I

PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

Um ser humano é uma parte do todo que nós chamamos de universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele sente a si mesmo, a seus pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto, um tipo de ilusão de ótica da consciência. Essa ilusão representa para nós uma espécie de prisão, restringindo-nos a nossos desejos particulares e à afeição de algumas pessoas próximas. Nossa tarefa deve ser a de libertar-nos dessa prisão ampliando nosso círculo de compaixão até que abarque as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza.

Albert Einstein

1.1 PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: BREVE HISTÓRICO

A psicologia até pouco tempo atrás se restringia ao estudo da personalidade e

do comportamento humano, dando pouca atenção às questões que envolvem a

consciência. Foi a partir das décadas de 1960 e 1970, com o surgimento da

Psicologia Transpessoal, a qual se propôs estudar os estados alterados de

consciência, que a psicologia e demais ciências interessaram-se mais pelo estudo e

aplicação de diferentes níveis de consciência como instrumento de pesquisa da

natureza essencial do ser.

A Psicologia Transpessoal inclui áreas e preocupações tradicionais,

apoiando-se tanto na ciência ocidental como na sabedoria oriental.

O termo “transpessoal”, também conhecido como a Quarta Força, surgiu em

1967 em um pequeno grupo de trabalho composto por Abraham Maslow, Anthony

Sutich, Stanislav Grof, James Fadiman, Miles Vich e Sonya Margulies, em Menlo

Park, Califórnia, com o propósito de criar uma nova psicologia que honrasse o

espectro inteiro da experiência humana, nas capacidades e potencialidades sem um

lugar sistemático na teoria positivista ou behaviorista, na teoria psicanalítica clássica

ou na psicologia humanista.

Abraham Maslow, Anthony Sutich, Victor Frankl, Stanislav Grof, e James

Fadiman fazem parte do grupo de fundadores da Psicologia Transpessoal, tendo

como seus principais colaboradores, Roberto Assagioli, Charles Tart, Tartang Tulku,

Baba Ram Dass, Daniel Goleman, Ken Wilber, Pierre Weil, Francis Vaugham,

Chogyam Trungpa e Laurence Lhe Shan. No Brasil, ela foi introduzida de modo

Page 13: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

significativo em 1978, por ocasião do IV Congresso Internacional de Transpessoal,

realizado em Belo Horizonte.

1.2 OBJETIVO DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

O objetivo da Psicologia Transpessoal é expandir o campo da pesquisa

psicológica; inserir áreas da experiência e do comportamento humano relacionadas

com a saúde e o pleno bem-estar, com apoio tanto na ciência ocidental como na

sabedoria oriental, para integrar o conhecimento vinculado com a realização dos

potenciais humanos vindos das duas tradições.

Na concepção de Ângelis, a Doutrina Espírita engloba as duas visões

psicológicas e facilita a compreensão e interpretação dos enigmas do Ser, tanto da

sua origem quanto do seu destino.

... as questões básicas da existência, que a psicologia procura responder: Quem é o Homem? De onde vem? Para onde vai?, tornam-se factíveis de elucidação, na perfeita união das correntes psicológicas individualistas do Ocidente e espiritualistas do Oriente. Nesse sentido, a Doutrina Espírita sintetiza ambas as visões psicológicas interpretando os enigmas do ser e capacitando-o à superação do ego, na gloriosa conquista do eu profundo, mediante a libertação pessoal das paixões perturbadoras, anestesiantes, escravizadoras. (ANGELIS, 2007, p.159)

A diferença básica entre a psicologia ocidental e a oriental está nas

suposições acerca do Self. Enquanto o ocidental o considera como objeto,

localizado para o corpo e separado de outros objetos; os místicos argumentam em

que há um Self mascarado pela consciência comum, a-temporal e a-espacial, e que

não pode ser nem individual nem universal, à semelhança de uma onda que existe e

que se funde com o oceano, do qual nunca se separou e que contém a mesma

substância.

Ken Wilber inclui-se entre os mais importantes pensadores a integrar a

ciência ocidental com as tradições da sabedoria oriental e ocidental. Ele é visto

como um expoente da Psicologia Transpessoal e tem seu olhar voltado para a

integralidade do ser humano. Para Wilber, o ser humano integra, em si, o exterior e

o interior do individual e do coletivo, que envolvem os aspectos intencionais,

comportamentais, culturais e sociais.

Page 14: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

A mudança de uma perspectiva existencial para uma transpessoal possibilita

uma visão do Self como um sistema organizador em vez de como um objeto.

Quando visto como um princípio organizador reconhece-se sua dependência

biológica e psicológica do ambiente e pode ser vivenciado como uma parte

integrante do todo, envolvido em um processo de troca relacional em todos os níveis

de consciência: espiritual, existencial, mental, emocional e físico.

Quando não se está consciente no nível do absoluto, mergulha-se nos níveis

da dualidade, que implica em crises de fragmentação, em identificações, em apegos

e repulsas. Medos de não Ter, de Ter e Perder ou Não Reaver o que já se Perdeu.

Weil faz duas comparações que ilustram o aspecto da dualidade e a Unidade.

O mar constitui uma unidade; mas as ondas comparadas umas com as outras, são pluralidade. As ondas podem ser comparadas com o nosso ego; cada ego olhando para o outro ego, cada onda olhando para outra onda, tem a ilusão de ser diferente; na realidade faz parte de um só mar; o ego é onda e mar ao mesmo tempo; ele é individualidade e unidade simultaneamente. [...] se nós colocarmos dentro da água um vaso vazio, ele se enche de água; ele está cercado de água e tem água dentro de si; se quebramos esse vaso, só resta o mar: o vaso é o ego que nos impede de ver que somos também o mar. (WEIL, 1989, p.53)

A desconexão do sentimento de Unidade gera tensão, ansiedade e disfunções

físicas, emocionais, mentais e espirituais. Todo o processo terapêutico transpessoal

visa resgatar essa Unidade Fundamental e se amplia além da unidade da identidade

do ego para a unidade cósmica, a essência do Self.

1.3 CARTOGRAFIAS DA CONSCIÊNCIA

GROF (2007) conceitua as cartografias da consciência como modelos de

representação da psique, organizada em regiões, faixas, níveis de percepção da

realidade bastante característicos.

Os mapeamentos procuram identificar e descrever de forma ordenada, uma

abordagem de compreensão do desenvolvimento da consciência. Cada estado de

consciência acessa diferentes conteúdos, que se dividem basicamente em três

níveis.

1º Nível – conteúdos autobiográficos – do nascimento ao atual momento da

existência do indivíduo.

Page 15: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

2º Nível – conteúdos que ultrapassam os dados biográficos, incluem vivências intra-

uterinas – inclusive o nascimento.

3º Nível – Conteúdos que antecedem o nível intra-uterino.

Para Grof, o conteúdo desse mapa contém “além do usual nível biográfico,

dois domínios transbiográficos: o domínio perinatal e o Transpessoal”. (2007, p.35)

Ele ressalta que o domínio transpessoal envolve memórias ancestrais, raciais,

filogenéticas e cármicas; imagens arquetípicas e de regiões mitológicas, cujos

fenômenos têm sido descritos através dos tempos na literatura religiosa, mística e

oculta de vários países do mundo.

1. 4 EGO E CONSCIÊNCIA

Para a Psicologia Transpessoal a estruturação do Ego não é o objetivo final da

evolução da psique humana, mas o caminho, o instrumento. Aquilo que se pensa ser

o Eu configura-se como ego, gerando um subproduto, que é a auto-imagem.

Segundo Grof, a consciência é a expressão e reflexo da inteligência cósmica

que permeia o Universo e toda a existência. Os estados alterados da consciência

são manifestações naturais da psique humana, e a emergência destes estados pode

ser utilizada como caminhos para a cura e evolução. O espectro de experiências

transpessoais inclui o fenômeno de vários e diferentes níveis de consciência,

incluindo experiências de espíritos de animais, de sequências mitológicas, de contos

de fadas, de arquétipos universais, de compreensão intuitiva de símbolos universais.

Nossa consciência pode até mesmo expandir-se a tal ponto que parece englobar toda a humanidade. Experiências desse tipo têm sido repetidamente descritas na literatura espiritual do mundo. De maneira semelhante, podemos transcender as fronteiras da experiência especificamente humana e identificarmo-nos com a consciência de vários animais, plantas ou até com uma forma de consciência que parece estar relacionada a processos e objetos inorgânicos. No extremo, é possível experienciar a consciência da biosfera, de todo o nosso planeta ou de todo o universo material. (GROF, 2007, p.70)

Em Psicologia Transpessoal, o ser humano é compreendido por meio do seu

processo de crescimento e evolução, incluindo e destacando os potenciais que o

define como humano: amor incondicional, equanimidade, compaixão, criatividade,

estado de bem-aventurança. Alguns instrumentos são naturais e inerentes a esse

Page 16: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

processo, agem como facilitadores, estando acessíveis como fontes de orientação,

transformação, e integração, como as Mandalas, os Sonhos e a Meditação.

Na concepção de Moreno, a consciência é o elemento decisivo no

desenvolvimento da personalidade, pois compreende, aprecia e toma posição com

relação às manifestações do inconsciente.

À medida que o ego desperta e vai tomando forma, começa a se formar o conflito entre o complexo egóico e o inconsciente. [...] A consciência facilitaria as percepções das imagens, tanto as vindas do mundo interior, inconscientes, como as do mundo exterior. Porém, segundo Jung, ela não somente percebe essas imagens como também possui as faculdades de intuição, conscientização, percepção e tem como uma das consequências a função de refletir em seu agir, em sua execução. (MORENO, 2002, p.18-19)

1.5 DIMENSÕES DA CONSCIÊNCIA

O sistema de crenças do mundo industrial desconsidera a espiritualidade

como parte da vida, da consciência e da inteligência. Para a neurociência ocidental,

a consciência é produto dos processos fisiológicos no cérebro. Essa concepção

metafísica permanece como um dos principais mitos orientadores da ciência

materialista ocidental, com profunda influência na sociedade.

Grof salienta que não existe qualquer prova de que a consciência seja

produzida pelo cérebro. O estudo dos estados holotrópicos confirma o acesso a

níveis profundos da psique, a experiências perinatais e transpessoais, dimensões

espirituais que Rudolf Otto chamou de numinosidade.

À luz das observações do estudo de estados holotrópicos, o atual descaso, desprezo e patologização da espiritualidade, característico no monismo materialista, parece insustentável. Nos estados holotrópicos as dimensões espirituais da realidade podem ser experienciadas diretamente de uma forma tão convincente quanto nossa experiência diária do mundo material. Também é possível descrever passo a passo os procedimentos que facilitam o acesso a essas experiências. O estudo cuidadoso de experiências transpessoais mostra que elas são ontologicamente reais e nos informam sobre importantes aspectos da existência que costumam estar escondidos. (GROF, 2007, p.204)

Para Grof, a psiquiatria convencional e a pesquisa científica organicista sobre

fobias, ansiedade, depressão e outros sintomas necessitam incluir a natureza

espiritual como origem das múltiplas doenças da mente humana. Ele também

Page 17: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

admite correlações astrológicas de experiências místicas, crises psicoespirituais,

episódios psicóticos, estados psicodélicos e sessões de respiração holotrópica.

O estudo dessas correlações prova que uma combinação de terapia

experiencial profunda com psicologia arquetípica e astrologia de trânsito é a

estratégia mais promissora para a psiquiatria do futuro.

Acredita-se que a abordagem transpessoal se aplica a qualquer transtorno da

mente, uma vez que busca o lado saudável e luminoso do Ser, capaz de

transcender o limite físico do corpo e viajar fora do Espaço-tempo na busca da

saúde física e psicológica. Esse processo depende de uma integração equilibrada

dos níveis de consciência físico, emocional, mental, existencial e espiritual.

Na visão de Ken Wilber, esses níveis descrevem apenas uma parte de todo o

espectro da consciência e obedece a uma hierarquia de inclusão do anterior, ou

seja, o espírito é aquele que a tudo transcende e que a tudo inclui.

Ângelis ressalta que, sem nenhum vínculo com concepções religiosas e

doutrinárias, a visão transpessoal conduz à continuação da vida após a liberação do

corpo, propondo um ser imortal.

Assim, o empenho humano para um correto amadurecimento psicológico

objetiva a conquista do Si, a harmonia do Eu profundo em relação a sua realidade, à

compreensão do divino e do humano nele existentes.

À semelhança de alguém que sobe uma montanha e passa a ter uma visão mais ampla dos horizontes – quanto mais alto, maior a conquista da sua paisagem -, a superação do ego permite uma identificação profunda com o Si, que se desvela, manifestando a sua procedência divina e arrebatadora. Iniludivelmente, o ser, na sua estrutura real, é psiquismo puro, com imensos cabedais de possibilidades. A imersão no corpo gera-lhe apegos injustificáveis como mecanismos de segurança, não obstante a

transitoriedade dos implementos orgânicos. (ÂNGELIS, 2007, p.156-157)

O conteúdo transpessoal inclui experiências transcendentes às limitações da

identificação exclusiva com o ego ou com a personalidade, e envolve os domínios

míticos, arquétípicos e simbólicos, cuja extensão está além do espaço-tempo.

Essa ideia coloca as histórias como um dispositivo de ajuda e orientação no

tratamento da depressão, por oferecer, na visão de Jung, uma imagem clara das

estruturas psíquicas do processo de desenvolvimento da psique humana, com

significado representativo de vivências interiores.

Page 18: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

CAPÍTULO II

ASPECTOS DO SER HUMANO

“A mais bela e profunda experiência é a sensação do mistério. Ela é semeadora de toda verdadeira ciência. O homem para quem essa emoção é estranha, que não mais pode se maravilhar e se sentir arrebatado de admiração, está praticamente morto.”

Albert Einstein.

O homem é um ser complexo e precisa ser considerado em sua totalidade,

com suas necessidades fisiológicas, de segurança, de amor, de auto-estima e de

auto-realizações.

O caminho do autoconhecimento passa pelo reconhecimento de todos os

aspectos do desenvolvimento humano, e a função das histórias, de acordo com

Mellon (2006), é mostrar ao homem suas verdades, suas sombras e apegos ao

mundo material, que dificultam o acesso ao caminho da evolução espiritual.

Conforme a teoria de Abraham Maslow, psicólogo americano, estudioso da

motivação humana, para atingir a auto-realização é necessário escalar uma

hierarquia de necessidades, e a motivação seria o resultado dos estímulos que

impulsiona o agir. Quando não ocorre a ação, e as necessidades não são

compensadas, instala-se, no sistema celular, registro de frustração que pode

desencadear várias atitudes negativas, como pessimismo, nervosismo, insegurança,

agressividade, passividade, má vontade, resistência às mudanças, que pode levar à

depressão.

De acordo com o pensamento de Ângelis, os anseios não atendidos

convertem-se em melancolia, que se expressa em forma de desinteresse pela vida.

Na raiz psicológica do transtorno depressivo ou de comportamento afetivo, encontra-se uma insatisfação do ser em relação a si mesmo, que não foi solucionada. Predomina no Self um conflito resultante da frustração de desejos não realizados, nos quais impulsos agressivos se rebelaram ferindo as estruturas do ego que imerge em surda revolta, silenciando os anseios e ignorando a realidade. (ÂNGELIS, 2004, p.96)

A abordagem Junguiana admite que o inconsciente conserva o registro de

todas as experiências, sem diferenciar se positivas ou negativas e sem ligação com

o tempo presente, o que leva a inferir que frustrações, sofrimentos e ansiedades

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podem representar um alerta do Eu Superior, como ser imortal, que exige uma

atitude para harmonizar o caos interior, em busca da plenitude espiritual.

Acredita-se na existência de uma necessidade interna, que impulsiona de

forma contínua, calcada nas experiências, sensações e sentimentos individuais e

contidas numa espécie de reservatório, que Jung chama de inconsciente individual,

e das experiências de toda a humanidade, que estão no inconsciente coletivo. O

acesso a esse conteúdo que emerge por meio de imagens simbólicas, embora

incompreensível à nível de consciência vígil, possibilita integrar conteúdos e levar à

dimensão espiritual.

Na linguagem simbólica, as experiências íntimas, os sentimentos e

pensamentos são expressos como fatos do mundo exterior, cujas categorias

dominantes não são o espaço e o tempo, mas a intensidade e a associação. Essa

linguagem, segundo Fromm, é um idioma universal, o único que não foi criado pela

raça humana e é encontrado nos mitos, nos contos de fadas e nos sonhos, mas que

o homem moderno a esqueceu e só consegue acessá-la pelo inconsciente.

No entanto, essa língua foi esquecida pelo homem moderno. Não quando ele está dormindo, porém quando acordado. Será também importante entendê-la quando estamos despertos? Para os povos do passado das grandes culturas tanto orientais quanto ocidentais não havia dúvida acerca da resposta a esta pergunta. Para eles, mitos e sonhos estavam entre as mais significativas expressões do espírito humano e o não entendê-los atingiria as raias do analfabetismo. (FROMM, 1976, p.16)

Como as escolhas do ego são contaminadas pelos processos inconscientes,

a imaginação se constitui em importante instrumento para trabalhar conteúdos

inconscientes. Acredita-se que as imagens podem trazer à consciência conteúdo

inconsciente que exerce forte pressão, desconforto, angústia e sentimento de

isolamento, e que exige integração.

2.1 REFLEXOS INTERIORES

Os personagens, os espaços e os objetos das histórias, mesmo quando

concretos, preenchem um papel simbólico; são reflexos interiores. A percepção de

falhas, virtudes ou problemas em outras pessoas, faz com que se procure ambientes

e pessoas que reflitam o íntimo, como se fosse um espelho, pois representa aquilo

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que é negado, que não é aceito. É o lado sombrio que está calcado na consciência,

profundamente escondido, que destrói os relacionamentos, mata o espírito e impede

a realização dos sonhos. Esses aspectos que o ser humano tenta negar ou

esconder de si mesmo e dos outros, por julgá-los não aceitáveis, é o que Jung

chamou de „sombra‟ e faz com que se utilizem máscaras na tentativa de esconder o

eu interior por medo de encarar e assumir aspectos não aceitos.

Ford enfatiza que esconder, mascarar e projetar o que está no interior

significa tolher a liberdade de ser e de escolher.

Toda pessoa nasce com um sistema emocional saudável. Ao nascer nos amamos e nos aceitamos, sem fazer julgamentos sobre quais são nossas partes boas e quais as ruins. À medida que crescemos, começamos a aprender com as pessoas a nossa volta. Elas nos dizem como agir, quando comer, quando dormir, e começamos a fazer distinções. [...] Precisamos reviver a experiência da nossa fase de inocência que nos permite aceitar tudo o que somos a cada momento, pois só dessa forma teremos uma existência saudável, feliz e completa. Esse é o caminho. (FORD, 1998, p.21-22)

Ao despertar essa compreensão dos fenômenos profundos, os laços que

aprisionam se diluem e descobrem-se as finalidades da existência corporal como

uma trajetória para a eternidade.

2.2 INCONSCIENTE INDIVIDUAL OU PESSOAL

O inconsciente individual é uma „região‟ próxima, mas inacessível ao ego, que

corresponde ao pré-consciente de Freud, e abrange todas as aquisições da

existência pessoal.

Acredita-se que o inconsciente individual seja uma espécie de depósito das

experiências individuais, positivas ou negativas, reprimidas, esquecidas ou

ignoradas, sentimentos, percepções e memórias que atuam de forma determinante

no consciente.

Para Pierrakos, embora a palavra „inconsciente‟ seja amplamente usada nos

dias de hoje, a maioria não compreende o significado desse repositório de

sentimentos e pensamentos, normalmente inacessíveis. No seu entendimento, a

importância dessa compreensão se dá pela forte influência que exerce no

comportamento e vida do indivíduo. “Ele influencia – e de modo violento. Portanto, é

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de suma importância permitir que o material inconsciente aflore, e conhecer os

segredos de nossa alma, que escondemos até de nós mesmos”. (2007, p.83)

Moreno considera que no inconsciente pessoal estão as percepções,

impressões subliminares, ainda não conscientes, e combinações de ideias das

camadas mais superficiais do inconsciente onde se encontra conteúdos inacessíveis

ao ego.

Tudo o que conheço mas não penso num dado momento, tudo aquilo de que já tive consciência mas esqueci, tudo o que foi percebido por meus sentidos e meu espírito consciente não registrou, tudo o que, involuntariamente e sem atenção, sinto, penso, relembro, desejo e faço, todo o futuro que se prepara em mim e que só mais tarde se tornará consciente, tudo isso é conteúdo do inconsciente. (JUNG, apud MORENO, 2002, p.20)

2.3 INCONSCIENTE COLETIVO

No inconsciente coletivo estão os conteúdos impessoais que nunca estiveram

na consciência; pertencem a substratos profundos e são comuns a todos os seres

humanos. O inconsciente coletivo ou transpessoal constitui-se de um depósito de

traços da memória ancestral de pré-humanos e animais.

Pode-se dizer que é o resíduo psíquico da evolução que se acumulou por

meio de experiências repetidas através das gerações; o alicerce da estrutura da

personalidade. Sobre ele estão construídos o ego, o inconsciente individual e todas

as outras aquisições individuais.

Moreno enfatiza que os conteúdos do inconsciente coletivo são originados de

possibilidades inatas do funcionamento psíquico.

Ao lado dos conteúdos inconscientes pessoais há outros conteúdos que provêm, não de aquisições pessoais, mas das possibilidades herdadas do funcionamento psíquico em geral, isto é, da estrutura central herdada. São essas as conexões mitológicas, os motivos e imagens, que sempre e em todo lugar podem nascer sem tradição histórica ou migração. A esses conteúdos chamo de inconsciente coletivo (JUNG, apud MORENO, 2002, p.21).

O inconsciente individual e o coletivo são indivisíveis e atuam

simultaneamente. A manifestação de conteúdos no comportamento depende do

diálogo entre os dois e da permissão do ego. Na visão de Jung, o amadurecimento e

crescimento do indivíduo acontecem pelo potencial criativo dos conteúdos oriundos

Page 22: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

do inconsciente, da estrutura psíquica que consta em todo ser humano e que

constitui os arquétipos.

Para Ângelis, ao atingir os níveis superiores de consciência, o Ser se

desidentifica com o ego e imerge no inconsciente profundo, ao estado de plenitude.

Atingindo os níveis superiores de consciência, nos quais vivencia estados alterados, lentamente abre as comportas psíquicas que se assinalam por traços dessas percepções até imergir no inconsciente coletivo. Esse inconsciente profundo, porém, que alguns psicólogos transpessoais e mentalistas denominam como sagrado, é depósito das experiências do Espírito eterno, do eu superior, da realidade única da vida física, da causalidade existencial. (ÂNGELIS, 2007, p.63)

2.4 ARQUÉTIPO

O termo arquétipo deriva do grego e significa „cunhagem original‟. Representa

padrões da natureza. É irrepresentável e intemporal. Sua origem está oculta e situa-

se além dos limites da percepção psicológica e científica. Se expressa por meio de

imagens arquetípicas. São possibilidades herdadas de representar imagens

similares; formas instintivas de imaginar. É um conceito que representa uma

estrutura psíquica pertencente à mente, por onde passa o impulso criador oriundo do

Espírito, que afirma a existência, no psiquismo individual, de tendências a agir

coletivamente.

Para Wauters, os arquétipos são projeções ou reflexos de todas as

qualidades emocionais originadas da experiência humana – a força e a fraqueza, o

amor e o ódio, a coragem e o medo. “Eles nos mostram de frente e de costas,

mostram nossa luz e nossa sombra, nossas qualidades positivas e negativas.

Representa, em essência, o espírito multifacetado da consciência humana – o Herói

e o Vilão, o Bobo e o Sábio, o Que Dá e o Que Recebe, o Destruidor e o Agente de

Cura”. (1996, p.13)

Arquétipos são imagens virtuais depositadas no que Jung chama „esfera

psicoide‟, de todas as pessoas, sem limites espaços-temporais; faz parte do

inconsciente coletivo, patrimônio de toda a humanidade. Quando um arquétipo entra

na psique individual, corporificando-se, como necessidade íntima, aparece no

inconsciente pessoal como símbolo. Os símbolos arquetípicos são variados e de

difícil definição, aparecem tanto de forma positiva como negativa, ou seja, conforme

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o caso, o mesmo símbolo pode assumir vários significados. Jung deduz que as

„imagens primordiais‟, outro nome para arquétipos, se originam de uma constante

repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Funcionam como

centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a

elaboração dessas mesmas experiências.

Acredita-se que os motivos arquetípicos podem surgir espontaneamente em

qualquer lugar. Sua origem está oculta, além dos limites da percepção psicológica e

científica e surge em forma pura nos contos de fadas, nos mitos, nas lendas e no

folclore que, segundo Moreno, é linguagem do inconsciente.

O inconsciente coletivo parece ser constituído de algo semelhante a temas ou imagens mitológicas, e, por esta razão, os mitos dos povos e os contos de fadas são os verdadeiros expoentes do inconsciente coletivo. Toda mitologia seria uma espécie de projeção do inconsciente coletivo... Os contos de fadas e os mitos usam a mesma linguagem do inconsciente. Eles falam ao inconsciente através de imagens que vão conversar com as bruxas, os monstros, os medos que estão assustando o indivíduo. (JUNG, apud MORENO, 2002, p.23).

Na maioria das formas de misticismo, esses arquétipos são, basicamente,

padrões radiantes ou pontos de luz, iluminações audíveis, formas e luminosidades

brilhantemente coloridas, arco-íris de luz, som e vibração – por meio dos quais, em

manifestação, o mundo material é condensado.

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CAPÍTULO III

CONTANDO HISTÓRIAS

“Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro acorda”

C. G.Jung

3.1 HISTÓRIAS - ALIMENTO DA ALMA

As histórias criam o elo entre o passado e o futuro, preservam a memória,

transmitem descobertas, intuições e sonhos de uma geração para a seguinte. Elas

estimulam a criatividade, provocam sentimentos confortadores e revitalizantes. A

humanidade depositou nas histórias, no mais longínquo tempo, seus conhecimentos

e questionamentos. Para alcançar a compreensão do „buscar‟ significados para o

mistério da existência, os antigos gregos recorriam aos mitos.

Na idade média, de acordo com Mellon, havia muitos reis, rainhas e príncipes

pouco iluminados, que desejavam tudo para si, e a Igreja não era exatamente uma

amiga da libertação das almas. Nessa época surgiu a Ordem Rosacruz, com a

missão de despertar e proteger o potencial interior do ser humano e a evolução

individual das almas. Contar histórias era uma das atividades dos Rosacruzes. Seus

contos tinham um final feliz, em que o herói ou heroína conquistava um coração forte

e puro; transformava-se num líder de coração espiritual. Um dos contos utilizados

na época era „A Abelha Rainha‟, dos Irmãos Grimm, em que o herói se casa com a

princesa de coração maior, mais doce e puro. Mellon enfatiza que o fim clássico dos

contos de fadas “concede um projeto valioso para o nosso crescimento máximo

rumo a um governo firme e sábio; essa união feliz nos informa que somos únicos e

eternos quando experimentamos o amor verdadeiro”. (2006, p. 36)

As histórias representam uma experiência que suscita um trabalho profundo

no inconsciente e, ao mesmo tempo, acessa a intuição, a imaginação e a percepção,

que são relevantes no desenvolvimento do indivíduo. Elas aquecem a alma,

abrandam o olhar e acalmam os conflitos. Há nelas algo de extremamente mágico e

sábio, e é por isso que resistem ao tempo. Como se um grande reservatório de água

se abrisse e permitisse vir à tona todos os símbolos representativos da causa da

amargura, da tristeza. As imagens identificam a origem desses sofrimentos e

encontram o caminho do „alimento anímico‟ necessário para acalmar a dor da alma.

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Muitas histórias são contadas pela tradição oral por milhares de anos e são

importantes tanto para quem as ouve como para quem as conta. A transmissão

secular de contos, lendas e mitos espelham metaforicamente o próprio

desenvolvimento do ser humano desde o seu surgimento no mundo.

Segundo Descartes, “... a graça das fábulas desperta e estimula o espírito. As

ações memoráveis das histórias o estimulam, e lidas com discernimento elas ajudam

a formar o julgamento”. “Além disso, as fábulas fazem imaginar como possíveis

acontecimentos que não o são”. (2004, p.40-42)

Hisada salienta que tanto o brincar como as histórias, permitem, mesmo aos

adultos, encontrar sentido para as experiências e possibilita a integração de partes

dissociadas do Self. Elas ajudam a alcançar um espaço de expressão e melhorar a

auto-estima, diminuir a ansiedade, aumentar a confiança e estimular a tolerância

com as diferenças. Os aspectos primitivos podem ser revividos pelos adultos que

não tiveram acesso às experiências lúdicas na infância. Ela afirma que o indivíduo

procura comunicar o que necessita e só é possível se realizar na medida em que se

cria, e pela criação é possível perceber de que forma a imaginação é utilizada no

cotidiano.

Somente no brincar é possível a comunicação, experiência criativa, uma forma básica de viver. Através das histórias, aspectos mais primitivos podem ser revividos, principalmente pelos adultos que não puderam ter experiências com o lúdico, com o brincar, pacientes que tiveram falhas na primeira infância e que necessitam de um ambiente de sustentação, para terem a possibilidade de uma retomada no desenvolvimento. Winnicott nos ensina que é somente através do brincar, da capacidade criativa, que o individuo tem a possibilidade de desenvolvimento. O brincar é o passaporte para a saúde menta. (HISADA, 2007, p.28)

A arqueologia e a antropologia mostram evidências de que a espécie humana

preocupa-se com os aspectos simbólicos da vida desde os primórdios da

humanidade. As pinturas nas paredes das cavernas, os entalhes em pedras

deixadas por ancestrais em várias partes do mundo provam preocupação e apego

aos símbolos. O homem está sempre buscando uma resposta que explique a razão

de sua vida. Existe uma fascinação com os padrões que surgem da natureza, que

levam à crença de que os mesmos emergem da complexidade do universo. Nessa

busca de padrões subjetivos, o homem cria mitos e deuses, destruindo-os e

substituindo-os a toda hora.

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Para Fromm, a linguagem do mito é idêntica à do sonho. Trata-se de uma

linguagem simbólica, em que as experiências íntimas, os sentimentos e

pensamentos são expressos como experiências sensoriais, como fatos do mundo

exterior.

De qualquer maneira, quer sejam ignorados, desprezados ou respeitados, os mitos são vistos como pertencendo a um mundo inteiramente alheio a nosso pensamento. Sem embargo, fica de pé o fato de nossos sonhos serem, tanto na forma como no conteúdo, parecidos com os mitos, e de nós, que os julgamos alheios e estranhos quando acordados, termos a capacidade de criar esses produtos análogos aos mitos quando adormecidos. (FROMM, 1976, p.15)

O mito faz parte da religião e é admitido de forma convencional e superficial,

por pertencer a uma tradição respeitável, relativo a um mundo totalmente alheio ao

pensamento humano. Nele, ocorrem fatos dramáticos, impraticáveis num mundo

regido pelas leis de tempo e espaço:

A heroína abandona sua casa para salvar o mundo; ou morre pela maldade

da bruxa e renasce pelo beijo do príncipe;

O príncipe é transformado em sapo e salvo pela fada madrinha.

3.2 FORMAS DE NARRATIVAS

É preciso evocar um determinado período no tempo, se apropriar das características dos personagens envolvidos e da atmosfera que dá o tom da trama para, só então, começar a narrativa, que deve ser conduzida pela emoção do começo ao fim. Criar e narrar histórias é, antes de tudo, ajudar a guiar e a transformar a vida das pessoas. Porque de um simples conto pode brotar o estímulo necessário para desencadear uma mudança. Num mundo que privilegia o ter em detrimento do ser, valorizar o poder das narrativas surgidas do imaginário popular é como construir uma ponte para o mundo criativo, de onde saem todos os sonhos para um dia, quem sabe, se tornarem realidade. Nancy Mellon

Segundo Mellon, o tesouro de poderes imaginativos que se encontram

adormecidos ou perdidos dentro de cada pessoa tem a possibilidade de ser

resgatado e restaurado pelas histórias. Ela enfatiza que as histórias são ferramentas

para a autotransformação e atuam de forma terapêutica em qualquer idade. O

processo de contar histórias é como uma prece: as histórias sustentam e fortalecem.

“Atualmente, dá-se muita atenção à busca e ao tratamento da „criança interior‟. O

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Divine Enfant e o „velho e sábio erudito‟ vivem dentro de qualquer um de nós. A

sabedoria espontânea existente no coração de cada pessoa é a essência da vida”.

(2006, p.19)

3.2.1 Contos de fadas

Contos de fadas são mais do que a verdade. Não porque eles nos dizem que dragões existem, mas porque eles nos dizem que dragões podem ser derrotados. Neil Gaiman

Os contos de fadas segundo a psicologia Junguiana „seriam a expressão mais

pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo‟.

Seu conteúdo cultural não é específico, é „a-temporal e „a-espacial‟, e oferece

uma imagem clara das estruturas psíquicas, com maior ou menor ênfase às várias

etapas do processo de desenvolvimento da psique humana, que pode ser vivido em

qualquer momento ou em qualquer lugar, por ter um significado representativo de

vivências interiores.

Como afirma Passerini, os personagens pertencem à interioridade ou ao

inconsciente coletivo, e diz respeito tanto à evolução da humanidade como aos

aspectos interiores do desenvolvimento humano.

Seu surgimento remonta à Antiguidade, a partir de uma intuição profunda para revelar as verdades sob forma de imagens grandiosas. A narração não se destinava apenas às crianças, mas a todos, adultos e crianças [...] Certos aspectos indicariam que determinados temas relativos aos contos de tradição oral, teriam existido há mais ou menos 27 mil anos, “mantendo-se praticamente inalterados”. Para qualquer criança, ouvir contos de fada seria como um retorno a um país de origem, país em que se situa o berço da humanidade. (PASSERINI, 2004, p.105)

Para Passerini, os contos de fadas referem-se a uma questão existencial ou

ética. A aventura se apresenta como fantástica ou sobrenatural, tendo como objetivo

central o da realização do ser humano. Eles falam dos „sete pecados capitais‟:

vaidade, gula, inveja, luxúria, hipocrisia, avareza ou preguiça.

Embora um determinado conto possa tratar de mais de um „pecado‟, em geral

um deles ocupa o centro da trama e tem o poder de ajudar a trabalhar conflitos

internos.

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Acredita-se que a maior contribuição dos contos de fadas é no campo das

emoções, pois desenvolvem a capacidade de fantasia infantil, fornecem escapes ao

falar dos medos, ansiedades, ódios, sentimentos de inferioridade.

3.2 .2 Fábulas

A fábula é uma pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade. La Fontaine

As fábulas revelam as falhas humanas expostas pelas características do

animal, como a impaciência, a agressividade, a força bruta, etc., o âmbito dos

impulsos, desejos e cobiças inconscientes. São conteúdos antigos que mostram os

dois lados da natureza humana que precisam harmonizar-se, as duas polaridades:

os instintos e os ideais ou o animal e o santo. Nenhuma delas representa o próprio

homem; seu caminho é o da compreensão dessas tendências para chegar ao

equilíbrio, à harmonia.

Na visão de Passerini, o homem sempre teve necessidade de expressar suas

ideias e pensamentos, o que revela a origem da fábula como propriedade de todos

os povos e de todos os tempos. Na fábula, os animais falam, decidem castigos,

prêmios, ironias e louvores e representam os homens em suas virtudes e vícios.

Sua forma clara e simples ensina os homens a respeito de moralidade.

Ela guardaria todas as propriedades das formas simbólicas que revelam as leis de funcionamento do espírito humano. Seu surgimento se teria dado como consequência natural da evolução histórica da palavra. Inicialmente se teria apresentado de modo disperso na boca do povo – ao manifestar-se este, em sua oralidade, o processo vivo de criação e recriação – para, finalmente, definir-se como gênero literário. Sendo assim, o provérbio pode ser definido como a fábula sem sua parte narrativa, e a anedota como a narrativa sem a moralidade. [...] A fábula é, portanto, uma história simples e muito clara, que faz falar o mundo inanimado e animal para ensinar os conteúdos morais aos homens. (PASSERINI, 2004, p.73)

O ponto central das fábulas, ou seja, suas características principais estão

ligadas ao seu estilo simples e direto, com senso de humor que fala de moralidade,

usando personagens animais que assumem manifestações positivas e negativas do

caráter humano.

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3.2.3 Lendas

As lendas são estórias contadas por pessoas e transmitidas oralmente

através dos tempos. Misturam fatos reais e históricos com acontecimentos que são

frutos da fantasia. As lendas procuram dar explicação a acontecimentos misteriosos

ou sobrenaturais e transcorrem dentro de um tempo definido.

Passerini esclarece que seu surgimento remonta aos primórdios da história do

homem, pela necessidade em explicar aspectos incompreensíveis ao espírito

humano.

Existem muitos tipos de lendas relativas à mitologia, narrando a história mais antiga das origens do homem e do mundo; à religião, traduzindo a dualidade entre o bem e o mal ou Deus e o Diabo; à História, relatando fatos reais, ocorridos na Idade Média. Dentre as lendas estrangeiras podemos destacar: „O rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda‟, „Parsifal‟, „Carlos Magno e seus pares‟, „O cavaleiro Rolando „Guilherme Tell‟, „São Francisco de Assis e outros santos‟. (PASSERINI, 2004, p.77)

3.2.4 Mitos

A teoria Junguiana considera que „Cada mitologia expressa uma conquista

anímica pela qual a humanidade passou, e todas foram importantes para sua

evolução‟. Mitos e contos de fadas são a expressão de processos do inconsciente. A

narração dos contos dá vida a esses processos e restaura a simbiose entre

consciente e inconsciente.

Segundo Moreno, o objetivo do mito do herói é libertar o homem da

escuridão.

O mito do herói tem um sentido “salvador”, isto é, terapêutico, uma vez que dá expressão adequada ao dinamismo que subjaz ao embaraçamento individual. Ele deve ser entendido como uma tentativa do princípio inconsciente de resgatar a inconsciência da regressão ameaçadora. As ideias de “salvação” são mecanismos arquetípicos pré-formados do desenvolvimento da consciência. (JUNG, apud MORENO, 2002, p.35)

Como os povos da antiguidade não conseguiam explicar os fenômenos da

natureza por meio de explicações científicas, criavam mitos com o objetivo de dar

sentido às coisas do mundo. Os mitos também serviam como uma forma de passar

conhecimentos e alertar as pessoas sobre perigos ou defeitos e qualidades do ser

humano. Deuses, heróis e personagens sobrenaturais se misturam com fatos da

realidade para dar sentido à vida e ao mundo. Além disso, os mitos têm a função

de validar e apoiar uma ordem moral específica de onde surgiu a própria mitologia.

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Toda sociedade carece de seus mitos porque são seus símbolos, suas

mandalas. Eles servem de referencial à própria sociedade que os criou, e funcionam

como elementos de ligação entre os membros dessa sociedade.

3.2.5 Parábolas

A linguagem metafórica utilizada em parábolas, é uma linguagem que vai

direto ao coração, contêm verdades e têm sido usadas pelos mestres orientais para

mostrar uma imagem da vida mais harmônica com os sentimentos do que seria

possível por meio de exercícios intelectuais. Acrescentam ensinamento e clareza a

um pensamento; um convite à descoberta de si mesmo; uma comunicação com o

inconsciente como instrumento para pensar, refletir, motivar e emocionar.

A história do Bom Samaritano, por exemplo, contado por Jesus (Lucas 10: 25-

37), fala da cobiça, crime, violência, sofrimento, ódio racial, indiferença social, amor

e compaixão; sentimentos presentes na humanidade.

Castilho enfatiza que, quando se está pronto para ser transformado, ouvir, ler

e contar histórias provoca muitas mudanças. “Uma parábola é um convite quase

obrigatório à descoberta de si mesmo”. (2005, p.12)

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CAPÍTULO IV

DEPRESSÃO

A cura vem apenas daquilo que leva o paciente além de si próprio e além de suas dificuldades com o ego. C.G. Jung

Depressão ou melancolia, como era chamada antigamente, tem uma longa

história, provavelmente tão extensa quanto à do próprio homem; documentada há

mais de dois mil anos por babilônios, egípcios, gregos, judeus, associada à

inteligência, criatividade e perspicácia. Durante a Idade Média, relacionaram-na com

a covardia, com a incredulidade e com a preguiça. Atualmente, o que era chamado

de melancolia tornou-se conhecido como depressão.

Segundo Aguiar, o problema passou a ser visto não mais como um traço de

genialidade ou de fraqueza, mas como uma questão de saúde que ganhou ares de

epidemia, apontado pela OMS como o principal problema de saúde em 2020.

Nunca tanta gente esteve deprimida como na época atual. De acordo com a ONU, uma pessoa em cada dez terá depressão ao longo da vida. Desse total, 60% serão mulheres, e 40% homens. De cada dez pacientes que se recuperarem, apenas um não sofrerá recaída. A Organização Mundial da Saúde apontou a depressão como a quarta enfermidade mais comum no planeta. Também previu que ela será o principal problema de saúde global em 2020. (AGUIAR, 2004, p.11)

Acredita-se que a depressão seja usada pela psique para chamar atenção,

para mostrar que existe algo profundamente errado. Numa perspectiva Junguiana a

depressão não é um poço sem fundo, embora seja necessário mergulhar muito

fundo para encontrá-lo.

Segundo Hollis, “Se os papéis que formos chamados a representar não

estiverem em harmonia com a nossa imagem interior, amiúde vivenciaremos a

discrepância como depressão, sem saber que é isso que está acontecendo” (2006,

p. 98).

Ele enfatiza que em cada estado de depressão há uma tarefa a ser cumprida.

É necessário coragem para valorizá-la, respeitá-la e não eliminá-la com

medicamentos. Só assim encontrar-se-á seu significado potencial, que é separado

Page 32: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

da consciência, porém vivo e dinâmico, e será possível compreender seu valor

terapêutico.

Os Junquianos percebem um valor terapêutico na depressão neurótica. Esse movimento da psique representa uma regressão da energia a serviço do Eu, assim como nossa regressão noturna, o sono, serve de equilíbrio e cura para o corpo e para a psique. Se tivermos deixado para trás uma parte vital de nós mesmos, metaforicamente falando, é essencial que voltemos para encontrá-la, trazê-la à superfície, integrá-la, vivê-la. (HOLLIS, 2006, p.98-99)

Novaes (2003, p.90-92) conceitua depressão como um estado parcial de

isolamento e insatisfação com a própria vida, ligado ao medo de enfrentar situações

com riscos ou sofrimento ao ego. Na verdade, é uma tentativa de retroceder, de fugir

da realidade. A viciação mental, o deixar-se manipular pelos pensamentos, bloqueia

a capacidade de enxergar além dos limites do ego, provoca sentimentos de

desamor, rejeição, culpa, tristeza, angústia e solidão, que compromete a absorção e

direcionamento correto da energia psíquica. Pode-se dizer que é um suicídio da

própria mente, que não vê opção senão isolar-se de si mesma. O caminho para a

cura da depressão está em fazer retornar à consciência, a energia psíquica que ficou

retida no inconsciente.

Ele enfatiza que qualquer doença é sinal de um desequilíbrio psíquico em

curso e traz respostas e indagações à própria psique. Torna-se necessário identificar

a mensagem que se encontra por detrás do sintoma. “Informações preciosas sobre o

funcionamento da psique, pois se prestam às projeções da sombra e às

manifestações dos complexos inconscientes.” O acesso ao inconsciente pode ser

obtido por meio de vários processos terapêuticos, dentre os quais estão as imagens

simbólicas dos mitos, contos de fadas e outras narrativas, que podem fazer emergir

a origem dos conflitos, provocarem reflexão e harmonizá-los.

4.1 SINTOMAS DA DEPRESSÃO

Os sintomas que permitem identificar um quadro depressivo manifestam-se

nas esferas emocional, cognitiva, motivadora, vegetativa e motora. Ou seja, eles

afetam a maneira de sentir, pensar, querer, experimentar e agir.

Os sentimentos que predominam são de desânimo, desgosto, tristeza, medo,

apatia, inércia e solidão.

Page 33: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

O indivíduo acredita-se culpado por estar nessa situação, e que o problema

não tem solução. Tem ideias de inferioridade, vergonha, autopiedade,

ressentimento, derrotismo, indignidade. Sente „dor moral‟.

Sente desejo de isolar-se, fugir de todos, desaparecer.

Não sente interesse no trabalho, família e relacionamentos, nem em tomar

decisões ou fazer planos.

Sente fadiga, tensão muscular, distúrbios digestivos, falta de ar, alterações

cardíacas e flacidez.

Na esfera motora, age com lentidão, retardamento, dificuldade de

mobilização, prostração e perda de espontaneidade, podendo ocorrer, ao

mesmo tempo, crises de inquietação e agitação.

4.2 CAUSAS DA DEPRESSÃO

Os únicos demônios do mundo são aqueles que entram nos nossos corações. É aí que a batalha deveria ser travada. Mahatma Gandhi

As causas da depressão podem ser divididas em seis categorias: físico-

genéticas, ambientais, emocionais, ocasionais, existenciais e espirituais.

4.2.1 Físico-genéticas:

Antecedentes familiares, falta de sono, alimentação inadequada, carência de

proteínas e hipoglicemia, taxas hormonais, intoxicação química, efeito de drogas e

infecções viróticas.

4.2.2 Ambientais:

A rotina, ambiente opressivo, poluição sonora, olfativa e visual, clima de

animosidade, tensão e competição, insegurança e imprevisibilidade.

4.2.3 Emocionais:

Traumas na infância, perdas significativas nos primeiros anos de vida,

Page 34: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

sentimentos de rejeição, culpa e mágoa. O perfeccionista, por ser muito exigente

consigo mesmo é forte candidato à depressão. Da mesma forma, o pessimista, que

visualiza dificuldades em tudo e enxerga mais o lado negativo das coisas.

4.2.4 Ocasionais:

Acontecimentos traumáticos, como uma enfermidade, desemprego,

separação, perda de entes queridos, agressão e outras situações que fogem ao

controle. Datas especiais como Natal, Ano-Novo, dia do aniversário são ocasiões em

que isso costuma acontecer.

4.2.5 Existenciais:

Insatisfação com a vida que leva, incapacidade de enxergar possibilidades de

mudança, sentindo-se presa num beco sem saída.

4.2.6 Espirituais:

A falta de intimidade com Deus pode levar à insatisfação crônica, capaz de

originar sentimentos de medo, ansiedade e falta de propósito, por desconhecimento

de si próprio como Espírito imortal em processo evolutivo.

4.3 PROCESSO DE CURA

Waughan salienta que o processo de cura em todos os níveis, do físico ao

espiritual é afetado pelos sentimentos, crenças e atitudes. A cura vai depender do

reconhecimento da verdade acerca de si próprio, por meio de qualidades como a

paciência, o não julgamento, o perdão, o entendimento e a compaixão.

De uma perspectiva transpessoal, poderíamos dizer que curar o Self é transcendê-lo. A totalidade está em se reconhecer a natureza enganosa de todos os conceitos do Self, e em conservá-los todos na percepção que cura Apenas no deixar de se identificar completamente, e na transcendência, pode a psique tornar-se um todo ou ser plenamente curada. (VAUGHAN, 1985, p.87)

Um dos grandes obstáculos para a cura da depressão parece ser também o

desconhecimento do poder do pensamento, no sentido de tentar alterar os registros

que se encontram profundamente enraizados nas próprias células.

Page 35: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

O conhecimento desse processo abre caminho para alterar os hábitos nocivos

já enraizados que produzem transtornos, e criar novos padrões de pensamento que

proporcionem equilíbrio entre o físico, emocional, mental e espiritual.

Page 36: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

CAPÍTULO V

HISTÓRIAS: FERRAMENTAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Os mitos antigos foram concebidos para harmonizar a mente e o corpo. A mente pode divagar por caminhos estranhos querendo coisas que o corpo não quer. Os mitos e os ritos eram meios de colocar a mente em acordo com o corpo, e o rumo da vida em acordo com o rumo apontado pela natureza.

J. Campbell

5.1 ATUAÇÃO DAS HISTÓRIAS

No mundo das histórias, segundo Mellon, predomina um senso de movimento

voltado para a satisfação e a redenção. Quando o indivíduo sente-se desvitalizado,

desmotivado, “a expressão „era uma vez‟ que inicia muitas das grandes histórias,

permite experienciar um novo ingresso no tempo. O „era‟ traz um sentimento de

imediatismo; „uma‟ ativa a imaginação; „vez‟ possibilita transitar no tempo, tanto para

o passado quanto para o futuro, até alcançar um ponto de tranquilidade criativa”.

(1992, p.33-34)

As histórias, por utilizarem termos simbólicos, representando conceitos não

definidos, expressam aquilo que está fora do alcance da compreensão humana e

são capazes de fazer a mágica de resgatar a alma, pois todo símbolo encerra uma

mensagem ou uma informação codificada. São veículos poderosos para comunicar-

se com o inconsciente, independente da idade.

Campbell considera que a função primária da mitologia e dos ritos sempre foi

a de fornecer símbolos.

A mitologia e os ritos sempre tiveram a função primária de fornecer símbolos para o avanço do espírito humano. Com efeito, pode ser que a incidência tão grande de neuroses em nosso meio decorra do declínio, entre nós, desse auxílio espiritual efetivo. Mantemo-nos ligados às imagens não exorcizadas da nossa infância razão pela qual não nos inclinamos a fazer as passagens necessárias da nossa vida adulta. (CAMPBELL, 1949, p.21- 22)

Vive-se num mundo de símbolos e reconhecê-los é uma tarefa necessária e

importante para a humanidade. A preocupação do conto não é com o mundo

exterior; seu poder harmonizador e curativo abre caminho para a interioridade, para

vivenciar a própria alma. Existe a presença de uma sabedoria superior que, como a

Page 37: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

luz, brilha através das imagens, que são imprescindíveis para desenvolver a

fantasia, a imaginação, despertarem a criatividade e a cognição.

5.2 A JORNADA DO HERÓI

O mito da jornada do herói ensina que o destino do homem é realizar o que

ele é, mas ainda não o aceita. Muitos são os chamados a essa aventura de

transformação pessoal e da realização íntima mais profunda; percorrer o caminho

escuro na busca das respostas para aquietar seu espírito. Se persistir na busca,

será recompensado, retornará renovado, mais forte, mais poderoso, mais centrado.

Se desistir, a vida tenderá a se transformar num deserto de frustrações, culpas e

projeções inconscientes de angústia, ódio e inveja.

A estrutura básica dos mitos e contos de fadas é assim definida:

Início - nele aparece o herói (ou heroína) e sua dificuldade ou restrição.

Problemas vinculados à realidade, como estados de carência, penúria,

conflitos, etc., que desequilibram a tranquilidade inicial;

Ruptura - é quando o herói se desliga de sua vida concreta, sai da proteção e

mergulha no completo desconhecido;

Confronto e superação de obstáculos - busca de soluções no plano da

fantasia com a introdução de elementos imaginários;

Restauração - início do processo de descobrir o novo, possibilidades,

potencialidades e polaridades opostas;

Desfecho - volta à realidade. União dos opostos, germinação, florescimento,

colheita e transcendência.

Cada narrativa expressa um caminho. Os desafios, provas e obstáculos

permeiam as ações de heróis e heroínas. É um exercício de contato com recursos

internos e externos necessários para a concretização de seu propósito. Enquanto

passeia pela paisagem da história, tendo como guia a voz do contador, o ouvinte

passeia pela sua própria paisagem interna.

Na medicina tradicional hindu, um conto de fadas era oferecido a uma pessoa

Page 38: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

psiquicamente perturbada para meditação. Admitia-se que, por meio da

contemplação da história, a pessoa perturbada seria levada a uma visão da natureza

do impasse que vivia e, através da história, visualizaria a possibilidade da sua

resolução. Aquilo que determinado conto contivesse sobre o desespero, as

esperanças e os métodos de vencer as tribulações, permitia à pessoa descobrir uma

saída para a sua aflição e encontrar-se a si próprio, à imagem do herói da história.

Para Campbell, o percurso padrão da aventura mitológica do herói é uma

magnificação da fórmula representada nos rituais de passagem: separação –

iniciação – retorno.

O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído, levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão; oferenda encantamento); [...] então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliares). [...] No limar de retorno, as forças transcendentais devem ficar para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A benção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir). (CAMPBELL, 1949, p.241-242)

Essa visão admite que os contos que descrevem a vida dos heróis e os

poderes das divindades da natureza são expressões simbólicas dos desejos,

temores e tensões inconscientes que se encontram ocultos aos padrões conscientes

do comportamento humano.

5.3 ESCOLHA DAS HISTÓRIAS

O critério de escolha da história depende da condição e preocupação do

momento da pessoa a quem a história será contada. É interessante que a história

ofereça uma alternativa de aproximar as dificuldades vividas e possibilite encontrar

soluções internas, que possam contribuir para renovar o senso de pertencer, de

estar no mundo. Para Passerini, “A escolha exige definição de critérios que

permitam adequar os conteúdos aos distintos estágios de desenvolvimento e às

particularidades individuais”. (2004, p.26)

Page 39: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

‘Era uma vez...’

Esta frase mágica que inicia e abre as portas para um mundo também

mágico, tem função predominante no espaço potencial. É a função permitida do era

uma vez... Espaço lembra lugar de criação, de encontro do Self, lugar em que a

imaginação pode desenvolver-se, em que é possível enriquecer a realidade com

imaginação, por meio da simbolização, do processo criativo.

Winnicott formula a existência de um espaço potencial, de uma zona

intermediária interna e externa, onde se realiza o jogo, a brincadeira, origem de

todas as atividades socioculturais. A capacidade para criar imagens para

simbolização envolve uma relação direta com a capacidade de sonhar.

Para Hisada: “Pensando nos limites do uso da história na clínica, a história,

assim como qualquer outro procedimento, não serve para todos os pacientes”.

(2007, p.12-13)

Existem algumas situações em que a validade de utilizar histórias exige uma

pesquisa aprofundada, principalmente nos casos de indivíduos com estrutura de

personalidade obsessiva, narcísica ou adulta infantilizado:

Personalidade obsessiva: A rigidez obsessiva dificulta o acesso à fantasia.

Personalidade narcísica: Normalmente, sente-se ameaçado em sua

grandiosidade, atacado pela história, e reage com desprezo.

Adulto muito infantilizado: Tem dificuldade de abrir mão de aspectos

infantis, o lúdico inclusive, para viver a realidade e assumir a vida adulta.

Existe a possibilidade de que as doenças psiquiátricas são originadas de

imagens que foram rompidas nos três primeiros setênios, que corresponde até os 21

anos. Dessa forma, quem sofre de transtorno mental apresenta dificuldade de se

conectar com o outro, de se situar no tempo e no espaço, carece de criatividade,

está com a identidade desorganizada, apresenta hábitos antigos cristalizados e tem

pouca vontade de agir. Assim, necessita de imagens que ajudem a organizar a base

da alma, restaurar os ideais, quebrar hábitos, acionar a vontade de agir; estimular o

contato afetivo com o outro, a auto-estima e noção de identidade; que sinalizem

esperança, alegria, acolhimento; que falem de adaptação a mudanças, de

motivação, autoconfiança e criatividade.

Ao conquistar a racionalidade, ao interpor o pensamento entre o impulso e a

ação, o homem tornou-se mentalmente mais complicado e passou a utilizar mitos,

Page 40: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

contos de fadas e outras narrativas para entender e suportar os mistérios da vida e

da morte.

A transmissão de conceitos filosóficos através de mitos e alegorias simples é

mostrada pelo mito da caverna de Platão, que faz menção à condição humana

diante do medo de sair da escuridão, do isolamento, do comodismo, de enfrentar

novas situações em busca de um crescimento.

Jesus utilizou parábolas para ensinar seus seguidores, por ser uma forma

fácil de compreender a complexidade dos problemas da época.

O conto de fadas retrata paradigmas eternos da vida humana e

frequentemente reflete papéis desempenhados no cotidiano. O sonho de viver feliz

para sempre constitui uma motivação forte na juventude. Chinen salienta que o

otimismo dos contos de fadas expressa anseios da humanidade.

O otimismo dos contos de fadas não constitui um mero sentimentalismo, mas a expressão dos mais elevados e mais profundos anseios da humanidade. E, não obstante, os contos de fadas tratam de pessoas simples, de tipos intensamente humanos, caracterizados pelos mesmos receios e pelas mesmas tolices de qualquer homem ou mulher modernos. De forma que, ao contrário do que acontece com os deuses e heróis da mitologia, a identificação com os seus protagonistas é fácil. Isso faz com que as considerações sobre os contos de fadas sejam psicologicamente acessíveis, pois os ideais que transmitem são ideais a que a maioria das pessoas aspira. (CHINEN, 1989, p.12)

A fábula, na concepção de Passerini, fala da busca humana por integração e

equilíbrio dinâmico. Seu surgimento coincide como o aparecimento da linguagem,

contém todas as propriedades das formas simbólicas que revelam as leis de

funcionamento do espírito humano. Para La Fontaine, “a fábula é uma pequena

narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade”. Ela comporta duas

partes: o corpo significando narrativa; e a alma, significando moralidade.

A imagem é o mais antigo e o maior recurso de cura do mundo e certas

histórias possuem um poder inato que libera uma essência ou aura de energia que

penetra na psique, com funções de cura e resgate do mundo interno. Num nível

mais profundo, acredita-se que as narrativas orais falam metaforicamente à mente

consciente e inconsciente através da imaginação, que é o mecanismo de

comunicação entre percepção, emoção e a mudança corporal, a causa principal de

ambas, doença e cura.

Page 41: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Ângelis faz menção ao vazio existencial ocasionado pela pouca ênfase dada

às „histórias da carochinha‟ nos programas educacionais. “... à medida que as velhas

„histórias da carochinha‟ e outras foram deixadas à margem nos programas

educacionais, a industrialização dos povos e as lutas pela aquisição consumista das

pessoas produziram terríveis vazios existenciais, roubando o significado profundo da

vida humana”. (2005, p.209)

O sucesso contínuo de livros que enfatizam o uso de contos para crescimento

pessoal na lista dos mais vendidos atestam isso – livros como “Women Who Run

with the Wolves”, de Clarissa Pinkola Estes, e “In the Ever After, Once Upon a

Midlife e Beyond the Hero”, de Allan Chinen. O aumento da enfatização da narrativa

pessoal nos grupos de apoio organizados, tais como Alcoólicos Anônimos, também

indica um desejo e uma busca da história e da narrativa pessoal.

5.4 NARRATIVAS

Neste item, estão sintetizadas cinco narrativas com interpretações simbólicas

na visão dos autores pesquisados. As quatro primeiras, contadas pela autora em

Hospital Psiquiátrico, contém depoimentos dos participantes.

5.4.1 A Fábula da Águia e da Galinha (anexo 1)

De Gana, África Ocidental, contada por James Aggrey, mas de autor

desconhecido, é a história de um filhote de águia, criado por um camponês como se

fosse uma galinha. Cinco anos depois, por duas vezes, um naturalista ergue a águia

e diz: - Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra,

então abra suas asas e voe! Mas a águia, ao ver as galinhas lá embaixo, ciscando o

chão, pula para junto delas. Um dia, o naturalista leva-a no alto de uma montanha,

segura-a firmemente na direção do sol nascente de forma que seus olhos possam

encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte e ordena-lhe que voe. O

Conto termina: “Ela abriu suas potentes asas, grasnou e voou até confundir-se com

o azul do firmamento”.

Para Boff, a natureza singular da águia se encontrava em estado latente

dentro da galinha, que ao encher-se da luz do sol, ao fundir-se com o azul do

firmamento despertou-a e assumiu seu verdadeiro lugar no mundo, tornou-se

Page 42: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

novamente águia e voou. Na concepção de Boff, o sol possui a função de um

arquétipo central, associado à ordem e à harmonia de todas as energias psíquicas.

A galinha expressa a situação humana no seu cotidiano, no círculo da vida privada, nos afazeres domésticos, nos hábitos e tradições culturais, na dimensão inevitável de limitações e de sombras que marcam a vida. A águia representa a mesma vida humana em sua criatividade, em sua capacidade de romper barreiras, em seus sonhos, em sua luz, em sua transcendência. Ambas se completam. Traduzem o dinamismo humano, enraizado por uma parte e sempre aberto por outra. Os arquétipos entram na construção das sínteses que globalizam a existência. O ser humano precisa unir enraizamento e abertura, luz e sombra, céu e terra, masculino e feminino. Urge saciar as duas fomes que o acometem: fome de pão e fome de espiritualidade. (BOFF, 2004, p.167-168)

5.4.1.1 Depoimentos dos participantes:

“Nós temos coisas dentro de nós que por não exercitarmos, não sabemos

ou esquecemos, mas temos capacidade de ir mais longe”;

“Essa história me fez lembrar outra história: de um leão que foi criado entre

ovelhas. Ele pensava que era ovelha. Existia um lobo que aparecia lá e

assustava a todas, inclusive a ele. Um dia, o lobo atacou a ovelha que ele

considerava sua mãe, então ele percebeu que era um leão e agiu como um

leão que ele era, salvando todas as ovelhas”;

“Às vezes, a gente é criada de uma maneira que sufoca nosso potencial,

mas temos, dentro de nós, capacidades que a gente desconhece e que

podem vir à tona a qualquer momento”;

“A educação que recebemos desde pequenas é de tal forma que só quando

crescemos, saindo debaixo das asas da mãe, nos transformamos em

águias”;

“No inconsciente da águia existia a águia, que ao ter sido colocada à prova,

surgiu e se libertou”;

“Na vida, a gente tem um talento, mas é reprimido, mais tarde podemos

recuperá-lo, com a sabedoria da idade, e voltar a voar”;

“Nessa história, eu me identifiquei com o Naturalista, porque ele ajudou a

águia a descobrir sua capacidade, que estava escondida”;

“Colocaram na cabeça dela que ela não era águia, mas ela tinha o potencial

dentro dela”;

Page 43: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

“Às vezes, a gente acha que não é capaz, mas indo a luta podemos mostrar

que somos capazes”.

5.4.2 A Chave de Ouro (anexo 2)

Esse conto dos Irmãos Grimm, refere-se a um jovem que precisa sair de casa

em pleno inverno rigoroso para procurar lenha. Quando ele tenta acender uma

fogueira para se aquecer, encontra uma chave. Debaixo da neve, encontra uma

caixa de metal que possui um fecho. Ele coloca a chave na fechadura e começa a

girá-la. O conto termina: “E agora devemos esperar até que ele termine de girá-la e

abra a tampa”.

Segundo Mellon, essa história fala de uma chave encontrada de maneira

inusitada, que abre um baú onde podem existir tesouros maravilhosos, respostas,

pistas que levam à resolução de grandes conflitos.

Nas histórias, assim como na vida, você pode ter de carregar uma chave por longo tempo antes de descobrir seu uso correto. Não importa o quão bela seja a chave, cravejada de pedras preciosas e coberta por um rendilhado primoroso ou simples e embaçada, você tem a chave! Talvez ela tenha sido descuidadamente largada em algum ponto da história ou de nossa trajetória de vida ou passada pacientemente de bolso em bolso à medida que realizamos nossa penosa jornada. [...] Em lugares congelados da imaginação, há sempre um tesouro que deve ser encontrado. À medida que se procura o que está trancado no interior, às chaves podem ser encontradas. (MELLON, 2006, p.82)

5.4.2.1 Depoimentos dos participantes:

“Fiquei curiosa para saber o que tinha dentro do baú”;

“A chave serve para abrir nosso coração para o amor”;

“Acho que tinha um tesouro dentro do cofre!”;

“Todo cofre tem um segredo”;

“A chave é para chamar a atenção, para procurar alguma coisa lá dentro”;

“O segredo da vida é a chave”;

“Eu penso que deveria existir ouro dentro do cofre!”;

“O que tinha na caixa? Pensei coisa boa!”;

“Lá dentro pode ter muita coisa!”;

“Com a chave, podemos abrir portas!”.

Page 44: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

5.4.3 Dona Árvore (anexo 3)

Rita Foelker conta a história de uma pequena árvore que sonha ser grande e

dar muitos frutos. Ao descobrir que não era uma árvore frutífera, quer morrer, mas

ao perceber sua utilidade recupera a vontade de viver. A história termina: “E até

hoje ela está lá, dando cada vez mais sombra, sustentando cada vez mais vidas,

feliz por ter encontrado sua verdadeira razão de viver.”

Mellon salienta que as árvores vitais do sistema circulatório, nervoso e outros,

ligam-se a todas as árvores que crescem na Terra, alimentados pelo sol, pela lua e

as estrelas, os ventos, a água e todos os elementos da terra. Reflete o ser, como

uma árvore ambulante em contado com toda a história humana e com o universo.

A Árvore da Vida e a Árvore da Sabedoria estão ambas em você. [...] A “Edda” nórdica representa o mundo como uma árvore cósmica – a Iggdrasil, Céu, Terra e Inferno estão nos seus galhos, no tronco e nas raízes. Acreditava-se que os seres humanos criados no meio da terra eram brotos tenros, filhos microcósmicos da Grande Árvore. [...] O bosque escuro no qual você às vezes sente que está andando ou está preso, embora possa ser repleto de raízes e folhagens emaranhadas e escuras, tem dento dele caminhos que levam ao esclarecimento. (MELLON, 2006, p.214)

5.4.3.1 Depoimentos dos participantes:

“Senti-me como esta árvore, sem frutos!”;

“Senti-me como uma árvore seca, mas tenho esperança”;

“É bom reviver, a árvore se levantou para a vida”;

“Ela queria ser como as outras árvores, como a gente quer ser como os

outros”;

“A gente sempre depende do outro, nunca podemos viver só”;

“Por mais que seja diferente, todos são úteis, ninguém é inútil”;

“A gente se entrega para a doença e não vamos sozinhos, levamos outros

junto, temos que ter força de vontade”;

“Eu sei que tenho capacidades dentro de mim, mas preciso de ajuda para

descobri-las”.

5.4.4 O Fazendeiro (anexo 4)

De origem desconhecida, essa história fala de um cavalo que caiu num poço,

sem condições de sair. Então, seu dono decide enterrá-lo vivo. Ao perceber isso, o

Page 45: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

cavalo chora, mas a cada pá de terra que cai sobre suas costas ele se sacode,

dando um passo sobre esta mesma terra que cai ao chão. O conto termina: “O

cavalo conseguiu chegar até a boca do poço, passar por cima da borda e sair dali

trotando”.

Para Mellon, os cavalos no mito e na tradição dos contos de fadas

representam graça e poder. Com um movimento rápido e um salto os cavalos

podem levar a ideias divinas.

O cavalo diz ao jovem que ele precisa conhecer e perguntar, para sobreviver às privações que o esperam. À medida que ele vence cada obstáculo, o cavalo age como seu ajudante cósmico até o jovem poder criar um reino bem ordenado para viver. [...] Cavalos que têm afinidade com a luz e a sombra podem levar o cavaleiro por um caminho de sabedoria ou um caminho confuso e destrutivo, com saltos para cima ou mergulhos para baixo. (MELLON, 2006, p.198)

5.4.4.1 Depoimentos dos participantes:

“Já me aconteceu isso, agora é que estou começando a sacudir-me.

Jogaram-me terra e eu afundei..., afundei”;

“Temos situações que podemos nos safar, mas não agimos, então ficamos no

fundo do poço”;

“Gostei dessa história. Ninguém pensou em ajudar, em salvar, mas ele usou a

inteligência e sabedoria dele e saiu do buraco”;

“Existem pessoas que nos jogam terra, principalmente se já estamos dentro

do poço, mas podemos sair do buraco se não nos dermos por vencidos”;

“Eu já estive num poço escuro que parecia não ter fundo, mas agora estou

vendo uma luz, um caminho”;

“Quando me senti no fundo do poço, pensei em morrer, mas agora já estou

sentindo que posso subir e recuperar minha vida”;

“Eu estou aqui por ter afundado. Com a ajuda que estou recebendo aqui,

tenho esperança que vou encontrar forças para superar essa queda”;

“Lá fora, as pessoas me chamam de louco, então eu escondo delas que estou

num hospital psiquiátrico”;

“É muito triste sentir-se no fundo de um poço e não ter forças para sair.

Poucas pessoas compreendem isso”.

Page 46: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

5.4.5 Adão e Eva (anexo 5)

A História Bíblica de Adão e Eva relata uma época na Terra quando as

energias do Deus/Deusa estavam em equilíbrio perfeito, que na Bíblia aparece como

o Jardim do Éden. Quando o homem, pela primeira vez na Terra, usou erradamente

a livre escolha e pensou em desarmonia com Deus e com a consciência Espiritual,

ao comer o fruto da „Árvore do Bem e do Mal‟, deu início ao processo do

pensamento e sentimento do ego negativo, baseado no medo e na separação.

Para Stone, trata-se de uma metáfora para se compreender a programação

calcada no medo. Deus criou seres conscientes, centelhas de Luz feitas à Sua

imagem, andróginas, livres e perfeitas. Em suas viagens pela infinidade de Deus, o

homem descobriu o universo físico e começou a projetar-se na Terra, para explorar

a beleza da matéria. Com seu poder mental criava também formas-pensamento de

corpos de animais com cabeças humanas, com garras, cascos, penas, asas e

caudas para satisfazer seu desejo descontrolado, que foram se tornando cada vez

mais densas ao ponto de identificar-se com elas; esqueceu-se de sua origem

espiritual e tornou-se refém da matéria e do sofrimento.

Tudo estava bem até o momento da Criação que a Bíblia chama de „a queda do homem‟. Foi nesse momento que esquecemos quem éramos, tanta era a nossa superidentificação com o universo material. Ficamos presos na densidade da matéria achando que éramos os animais o as formas-pensamento de animais que havíamos criado. Quando sucumbimos à ilusão de que nossa identidade era material e não espiritual, começou a espiral descendente da Criação. Neste momento surgiu o „ego‟, sendo ele um sistema de pensamentos e uma filosofia com base na crença ilusória na separação, no medo, no egoísmo e na morte. (STONE, 2009, p.12)

A „Expulsão do Éden‟, ocasionada pelo mau uso da liberdade e opção pela

mente do ego negativo, desequilibrou as energias masculinas e femininas, abriu as

portas para a raiva, mágoa, ciúme, inveja, tristeza, depressão e toda série de

emoções e sentimentos negativos; tornou os véus entre o mundo Espiritual e o

material mais densos. Para corrigir e ajudar esses seres mergulhados na matéria,

segundo Stone, Deus criou a reencarnação: “as almas reencarnariam em corpos

humanos e não de animais, para redespertar a sua verdadeira identidade como

seres de Deus e demonstrá-la na Terra, iniciando assim a sua ascensão de volta ao

Criador”. (2009, p.13)

Page 47: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Campbell define esse mito como a simbolização do mistério da criação. Adão

era „andrógino‟, mas teve seu lado feminino removido no momento em que Deus

retirou uma de suas costelas e criou Eva. Essa passagem simboliza o início da

queda da perfeição na dualidade, seguida da descoberta da dualidade entre o bem e

o mal.

A mudança de perspectiva, da tranquilidade para a instabilidade, é

representada pela Queda de Adão e Eva no Jardim do Éden. Ao comerem do fruto

proibido „seus olhos foram abertos‟ e a benção do Paraíso lhes foi tirada.

Essa remoção do feminino sob outra forma simboliza o início da queda da perfeição na dualidade. [...] e, daí por diante, da construção do muro do Paraíso, constituído pela “coincidência dos opostos”, por meio da qual o Homem (agora homem e mulher) é privado, não só da visão, mas até mesmo da lembrança da imagem de Deus. [...] Essa imagem se encontra no início do ciclo cosmogônico e, com igual propriedade, na conclusão da tarefa do herói; no momento em que o muro do Paraíso é desfeito, a forma divina é encontrada e lembrada e a sabedoria, recuperada. (CAMPBELL, 1949, p.147)

A imagem da queda remete, também, ao processo traumático que ocorre no

momento do nascimento, em que o feto é expulso do útero materno; de um

ambiente agradável, tranquilo e aconchegante, para um mundo desconhecido, onde

pode provar a solidão, a dor física, a separação psicológica da matriz de origem em

busca da individuação. Em sua jornada em direção ao desenvolvimento e

amadurecimento que caracteriza a espécie, surge um importante diferencial: a

individualidade, que lhe permite ser identificado como único, como um ser especial.

A alegoria da separação original da mãe por ocasião do nascimento ensina

que não se pode permanecer eternamente no „paraíso‟; deve-se assumir o ônus da

vida terrena; sair de casa para descobrir as próprias ideias, sentimentos, crenças,

valores, talentos e necessidades, uma busca que pode ser dolorosa. Entretanto,

descobrir a capacidade de tomar a vida nas próprias mãos, pode transformar essa

dor em alegria.

Para Greene e Sharman-Burke, nascer não é apenas sair do ventre materno,

mas perceber-se como um ser independente, dotado de ideias, sentimentos, sonhos

e metas diferentes dos pais. Ao provar as experiências da vida e descobrir a própria

força física, afetiva e mental, adquire-se o direito de tomar decisões e assumir

Page 48: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

responsabilidades, igualando-se aos pais. A família se constitui numa espécie de

Éden que propicia amor e proteção dos pais, sem o ônus de enfrentar os desafios do

mundo, a solidão, o conflito e luta da vida adulta. Ao ser separado, expulso desse

contexto familiar, advém o medo que, muitas vezes, leva à depressão.

Temos de encontrar nosso caminho – e é possível que nos sintamos amedrontados e envergonhados. [...] Talvez seja essa uma das razões por que tantos estudantes sofrem de depressões, colapsos nervosos e ideias suicidas quando se aproxima o momento de fazer os exames vestibulares: é chegado o momento de partir para o mundo, e a dor de deixar para trás a infância e a inocência pode ser extrema, em alguns casos. Para o jovem que se encontra nesse limiar, muita coisa depende de como, na condição de pais, reagimos à pressão da Serpente em nossos filhos. Quando encaramos sua necessidade de experimentar a vida como um pecado contra nossa autoridade e nossa visão de mundo, aumentamos o fardo de sofrimento que eles carregam e instilamos neles um sentimento de culpa e de exclusão. (GREENE; SHARMANN-BURKE, 2001, p.55-56)

Independente do tipo de escolha surge o momento de ter que arriscar-se à

experiência da separação psicológica e da solidão da vida fora do „Éden‟, de partir

para o mundo, deixar para trás a infância e a inocência. Essa situação pode

ocasionar sentimentos de perda, isolamento, vergonha, culpa e exclusão.

Reconhecer que a Serpente também foi criada por Deus e que sua intervenção é

necessária para que se “prove o fruto”; o impulso para seguir o próprio potencial, de

assumir um lugar, ajuda a entender que a união e a paz no nível interno, afetivo e

espiritual pode ser encontrada mesmo fora dos „muros do Éden‟.

Page 49: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma pessoa não é uma coisa nem um processo, mas uma claridade ou uma abertura através da qual o Absoluto se pode manifestar. Ken Wilber

O trabalho foi elaborado com o objetivo de mostrar as histórias como uma

proposta auxiliar à terapia transpessoal no tratamento da depressão. A transmissão

secular de contos, lendas e mitos espelham metaforicamente o próprio

desenvolvimento do ser humano desde o seu surgimento no mundo.

De acordo com Passerini, os contos de fada contados às crianças atuam

como sementes “Sua importância está na condição de sementes que, lançadas na

alma, produzirão sentimentos, ideias, ideais. Ao se tornarem adultas, enfrentando as

dúvidas e dificuldades da vida, tais pessoas poderão resgatar, conscientemente ou

não, a força de suas verdades”. (2004, p.105)

A manifestação de profunda tristeza, sem causa definida, é apontada por

terapeutas e psiquiatras como depressão. Criam-se monstros na imaginação dando-

lhe „vida real‟ e essa situação exerce controle, limita atitudes, estreita a criatividade e

bloqueia o caminho da iluminação.

Acredita-se ser impossível encontrar todas as respostas nas coisas materiais.

A crença de poder contar com alguma Força Superior dentro de si, além da sua

própria energia física, faz o homem sentir-se um gigante destemido. Essa

possibilidade retrata as palavras de Frankl, fundador da logoterapia, ao dizer que a

busca do sentido da vida capacita o ser humano de uma força mental e emocional

capaz de fazê-lo suportar as maiores adversidades, como foi seu caso e de tantos

outros em um campo de concentração nazista.

A teoria Junguiana considera que os arquétipos são sistemas de prontidão

que são ao mesmo tempo imagens e emoções. Constituem, por um lado, um

preconceito instintivo muito forte e, por outro lado, são os mais eficientes auxiliares

das adaptações instintivas.

O pesquisador da mente humana consegue verificar as analogias existentes

entre as imagens oníricas do homem moderno e as expressões da mente primitiva,

as suas „imagens coletivas‟ e os seus motivos mitológicos. Os arquétipos são

universais e cada um representa um padrão fixo e específico do comportamento

Page 50: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

humano. Eles aparecem em todos os mitos e histórias que tratam da busca do

Herói. A reação aos arquétipos se dá por eles espelharem o próprio inconsciente.

Qualquer que seja o espaço físico, as sessões de contos são concorridas, o

que demonstra o gosto de crianças e adultos por ouvir histórias. Esse fato possibilita

compreender que elas ajudam à criança, ao adolescente, adulto ou ao idoso, não

importa a idade, abre as portas para o desconhecido, ao mundo das imagens

simbólicas.

Contribuem para a aquisição da linguagem, estimulam a observação, facilitam

a expressão de ideias, ajudam cognitivamente nas estruturações mentais e

elaborações de conceitos psíquicos.

Elas fornecem elementos para a imaginação trabalhar a emoção e a

construção de si mesmo rumo à plenitude. São usadas para expressar aquilo que

está fora do alcance da compreensão humana. Esse é um dos motivos pelos quais

as religiões empregam uma linguagem simbólica e se expressam por meio de

imagens.

Acredita-se que a energia liberada nas histórias pode ser comparada ao efeito

de um antibiótico: a história viaja para o lugar da psique onde é mais necessitada,

como um remédio que, uma vez transmitido permanece e age; ressoa muito tempo

depois que a sua última palavra foi dita – por semanas, meses e, com frequência,

por anos.

Os depoimentos dos ouvintes, constantes no último capítulo conduzem a uma

reflexão a respeito da utilização das histórias como poderosos veículos de

comunicação com o inconsciente, que podem ser compreendidos dentre várias

possibilidades, dentre estas, menciona-se apenas algumas que:

Os depoimentos relativos à fábula da águia e da galinha (anexo 1) podem

expressar potencialidades reprimidas querendo vir à tona.

A história da chave de ouro (anexo 2) produziu depoimentos que sinalizam a

existência de riqueza interior, cuja descoberta somente depende da vontade de girar

a chave e abrir o cofre, para ter acesso ao seu conteúdo libertador, isto é, ter

coragem de encarar a escuridão para encontrar, nas profundezas da alma, o

verdadeiro sentido da vida.

A história da dona árvore (anexo 3) incitou depoimentos que demonstram

vontade de renascer, de perceber-se útil, de ser importante.

Page 51: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Os depoimentos da história do fazendeiro (anexo 4) assinalam que cair no

fundo do poço; estar em depressão, pode estar associado ao desânimo e à falta de

ação, exigindo vontade com determinação a fim de encontrar uma luz para dar

sentido à vida.

O mito representado pela história de Adão e Eva (anexo 5) mostra que o

homem, em sua trajetória de vida, encontra muitas sombras, muito desafios que lhe

exigem coragem e persistência para vencê-los. A conquista, a vitória, pode ser

alcançada se souber enfrentar as dificuldades, libertar-se das formas-pensamento

da matéria densa até completar a caminhada de retorno ao Absoluto, ao paraíso

perdido.

Com base nos autores pesquisados, nos depoimentos coletados de

usuários do hospital psiquiátrico ao ouvir as histórias e na experiência da autora, a

utilização de histórias com suas narrativas, constitui-se em auto-ajuda original. Uma

das suas grandes funções curativas é a de mostrar que não se está sozinho nos

sentimentos, temores e aspirações e assim, elas ajudam a aliviar os conflitos

internos, a descobrir uma profundidade, riqueza e sentido maiores na vida. Suas

imagens permitem despertar a consciência, levar à reflexão e redimensionar a

maneira de pensar, sentir e agir, reorganizando-os; torna-se um instrumento

potencial para resgatar o “Eu”, favorecendo a emersão de conteúdos causadores de

depressão.

Page 52: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Marcelo. Por que algumas pessoas sofrem de depressão? Belo Horizonte: Betânia, 2004. ÂNGELIS, Joanna. Triunfo Pessoal: 5ª ed. Salvador: Livraria Espírita Alvorada Editora, 2004. _____.Autodescobrimento: 15ª ed. Salvador: Livraria Espírita Alvorada Editora, 2007. _____.Dias Gloriosos: 4ª ed. Salvador: Livraria Espírita Alvorada Editora, 2005. CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces: São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1949. CASTILHO, Alzira. Como Atirar Vacas no Precipício: São Paulo: Panda, 2000. CHINEN, A.B. ...E Foram Felizes para Sempre: São Paulo: Cultrix, 1997. BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: Uma metáfora da condição humana: 41ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. DESCARTES, René. Discurso do Método: Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008. FIORAVANTI, Celina. Causas Espirituais da Depressão: São Paulo: Pensamento, 1995. FORD, Debbie. O Lado Sombrio dos Buscadores de Luz: São Paulo: Cultrix, 1998. FROMM, Erich. A Linguagem Esquecida: Uma introdução ao entendimento dos sonhos, Contos de Fadas e Mitos: 6ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. GREENE Liz; SHARMAN-BURKE Juliet. Uma Viagem através dos Mitos: O significado dos mitos como um guia para a vida: Rio de Janeiro: Zahar, 2001. GROF, Stanislav. Psicologia do Futuro: Lições das Pesquisas Modernas de Consciência: Rio de Janeiro: Heresis, 2007. HISADA, Sueli. A Utilização de Histórias no Processo Psicoterápico: Uma Proposta Winnicottiana: 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2007. HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma: Nova vida em lugares sombrios: 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2006. MELLON, Nancy. A Arte de Contar Histórias: Rio de Janeiro: Rocco, 1992. MORENO, M.T.N. A Bela Adormecida e a Adolescência: um enfoque Junguiano: São Paulo: Vetor, 2002.

Page 53: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

NOVAES, Adenáuer. Psicologia e Espiritualidade: 3ª ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2003. PASSERINI, S. P. O Fio de Ariadne: Um caminho para a narração de histórias: 2ª ed. São Paulo: Antroposófica, 2004. PIERRAKOS, Eva. O Caminho da Autotransformação: São Paulo: Cultrix, 2007. _____.Criando União: O significado espiritual dos relacionamentos: São Paulo: Cultrix, 2007. STONE, J.D. A História da Criação: São Paulo: Pensamento, 2009. VAUGHAN, Francês. Novas Dimensões da Cura Espiritual: São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1985. WALSH R. N.; WAUGHAN, F. Além do Ego: Dimensões Transpessoais em Psicologia: São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1980. WAUTERS, Ambika. As Várias Etapas da Autodescoberta: Como Trabalhar as Energias dos Chakras e dos Arquétipos: São Paulo: Cultrix, 1996. WEIL, Pierre. A Consciência Cósmica: Introdução à Psicologia Transpessoal: 2ª ed.Petrópolis: Vozes, 1989.

Page 54: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

ANEXO 1

A FÁBULA DA ÁGUIA E DA GALINHA

Nossa mais elevada tarefa deve ser a de formar seres humanos livres que sejam capazes de, por si mesmos, encontrar propósito e direção para suas vidas.

Rudolf Steiner

Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro, a

fim de mantê-lo cativo em casa.

Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto às

galinhas. Cresceu como uma galinha.

Depois de cinco anos, esse homem recebeu em sua casa a visita de um

naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista: - Esse pássaro aí

não é uma galinha. É uma águia.

De fato, disse o homem - É uma águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não

é mais águia. É uma galinha como as outras.

Não, retrucou o naturalista - Ela é e será sempre uma águia. Este coração a

fará um dia voar às alturas.

Não, insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia. Então

decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e,

desafiando-a, disse:

Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra,

então abra suas asas e voe! A águia ficou sentada sobre o braço estendido do

naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando

grãos. E pulou para junto delas.

O camponês comentou:

- Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!

- Não, tornou a insistir o naturalista. - Ela é uma águia. E uma águia sempre

será uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-

lhe:

- Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe!

Page 55: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Mas, quando a águia viu lá embaixo as galinhas ciscando o chão, pulou e foi

parar junto delas.

O camponês sorriu e voltou à carga: - Eu havia lhe dito, ela virou galinha!

- Não, respondeu firmemente o naturalista. - Ela é águia e possui sempre

coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram

a águia, levaram-na para o alto de uma montanha. O sol estava nascendo e dourava

os picos das montanhas.

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:

- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra,

abra suas asas e voe! A águia olhou ao redor. Tremia, como se experimentasse

nova vida. Mas não voou.

Então, o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, de sorte

que seus olhos pudessem se encher de claridade e ganhar as dimensões do vasto

horizonte.

Foi quando ela abriu suas potentes asas.

Ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto e

voar cada vez mais para o alto.

Voou... E nunca mais retornou.

Page 56: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

ANEXO 2

A CHAVE DE OURO

Durante o inverno, bem num dia em que a neve cobria tudo, um pobre rapaz

teve de sair para buscar lenha.

Depois de tê-la juntado e carregado o trenó, estava com tanto frio que decidiu

acender uma fogueira para se esquentar antes de voltar para casa. Para isso, abriu

espaço na neve e, preparando o solo, encontrou uma pequena chave de ouro.

Deduzindo que onde houvesse uma chave deveria também haver uma

fechadura, começou a escavar a terra e encontrou um cofrinho de ferro. Então logo

pensou:

Ah, se a chave servir! Deve haver coisas muito valiosas aí dentro!

O rapaz examinou o cofrinho, mas não havia nenhum buraco de fechadura,

até que finalmente achou um, tão pequeno que mal se podia vê-lo.

Ele enfiou a chave, que coube direitinho.

Então a girou, e agora nós todos precisamos esperar até ele destrancar e

abrir a tampa, para que possamos saber que maravilhas estavam dentro daquele

cofrinho.

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ANEXO 3

DONA ÁRVORE

Era uma vez uma árvore, no meio da floresta. Ela era uma árvore muito

pequena, de galhos muito frágeis, mas sonhava ser grande e dar muitos frutos.

O tempo foi passando, seu caule engrossou e suas folhas se multiplicaram.

Um belo dia, ela perguntou à sua mãe quando é que os frutos viriam.

Oh! Meu amor! Não somos árvores frutíferas. Somos só assim, mesmo...

E a árvore chorou, porque não tinha nada para oferecer. Via as pessoas

apanharem frutas de suas companheiras, e até folhas medicinais, enquanto ela vivia

ali, parada, inútil.

Até que ficou tão triste que teve vontade de morrer. Suas folhas, então, foram

murchando. Seus galhos começaram a secar. Ela foi ficando cada vez mais curvada,

seca, e, no silêncio de sua dor, ouviu um pássaro piar:

Pelo amor de Deus, Dona árvore! Não faça isto. Minha esposa está chocando

nossos filhotes, aqui neste seu galho. Se ele cair, que será de nós?

Espantada, ela começou a prestar atenção em si mesma. E passou a reparar

quanta “gente” morava nela. Tinha uma família de micos-leões. E mais uma casinha

de João-de-barro. E mais uns besouros...

Uma orquídea em botão, presa ao seu tronco, sussurrou: - Espere um pouco

mais, pra ver a surpresa que vou lhe fazer!...

Então ela viu as abelhas que tinham se alojado num vão entre suas raízes,

onde fabricavam mel saboroso. E viu uma família de pessoas almoçando à sua

sombra. E só então ela conseguiu ouvir a voz de Deus em seu coração, dizendo:

Nem todas as árvores têm frutos para dar. Porém algumas, como você,

podem ter muito mais a oferecer!

A árvore, com aquele pensamento, recuperou a vontade de viver, ficando

saudável em poucos dias.

Assim, ela pôde festejar quando os passarinhos nasceram, e a orquídea logo

se abriu. Muitas gerações de crianças já construíram “casas” e balanços em seus

galhos firmes e fortes. Esta é uma de suas grandes alegrias!

Page 58: HISTÓRIAS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

E até hoje ela está lá, dando cada vez mais sombra, sustentando cada vez

mais vidas, feliz por ter encontrado sua verdadeira razão de viver.

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ANEXO 4

O FAZENDEIRO

Um fazendeiro, que lutava com muitas dificuldades, possuía alguns cavalos

para ajudar nos trabalhos em sua pequena fazenda.

Um dia, seu capataz veio trazer a notícia de que um dos cavalos havia caído

num velho poço abandonado.

O poço era muito profundo e seria extremamente difícil tirar o cavalo de lá. O

fazendeiro foi rapidamente até o local do acidente, avaliou a situação, certificando-se

que o animal não se havia machucado.

Mas, pela dificuldade e alto custo para retirá-lo do fundo do poço, achou que

não valia a pena investir na operação de resgate.

Tomou, então, a difícil decisão: determinou ao capataz que sacrificasse o

animal jogando terra no poço até enterrá-lo, ali mesmo.

E assim foi feito: os empregados, comandados pelo capataz, começaram a

lançar terra para dentro do buraco de forma a cobrir o cavalo.

Mas, à medida que a terra caía em seu dorso, o animal a sacudia e ela ia se

acumulando no fundo, possibilitando ao cavalo ir subindo.

Logo os homens perceberam que o cavalo não se deixava enterrar, mas, ao

contrário, estava subindo à medida que a terra enchia o poço, até que, finalmente,

conseguir sair.

Sabendo do caso, o fazendeiro ficou muito satisfeito e o cavalo viveu ainda

muitos anos servindo, fielmente, a seu dono na fazenda.

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ANEXO 5

ADÃO E EVA

No oriente, no Éden, Deus fez um jardim e o encheu com muitas espécies de

seres vivos. Em seu centro havia duas árvores: a Árvore da Vida e a Árvore do

Conhecimento. E Deus fez Adão e o pôs no Jardim, dizendo-lhe que poderia comer

dos frutos que lhe aprouvessem, exceto o fruto da Árvore do Conhecimento.

E Deus enviou a Adão todos os animais, e ele lhes deu nome; e então Ele o

fez cair em sono profundo.

Enquanto ele dormia, Deus retirou uma de suas costelas e a usou para fazer

Eva, para que Adão não ficasse só. E Adão e Eva andavam nus e felizes pelo

Jardim do Éden, em paz com Deus.

Mas a Serpente, a mais ladina de todas as criaturas, questionou Eva,

perguntando se ela podia comer qualquer fruto que desejasse. – Sim, respondeu

Eva, podemos comer de qualquer fruto, exceto o da Árvore do Conhecimento. Se

comermos deste, morreremos.

Ao contrário, retrucou a Serpente. Se comerdes da Árvore do Conhecimento,

descobrireis a diferença entre o bem e o mal e sereis iguais a Deus. Foi por isso que

Ele vos proibiu seu fruto.

Eva fitou cobiçosamente a Árvore, imensamente tentada pelo fruto suculento

que a tornaria sábia. Por fim, não aguentou mais, pegou um pedaço do fruto e o

comeu. Em seguida, entregou outro pedaço a Adão, que o comeu. E, olhando um

para o outro, eles se aperceberam de sua nudez e das diferenças entre seus corpos

de homem e de mulher, e sentiram vergonha. Apanharam às pressas algumas

folhas de figueira e as usaram para se cobrir.

Na fria brisa do anoitecer, ouviram a voz de Deus que entrava no Jardim e se

esconderam, para que Ele não os visse. Mas Deus chamou por Adão, perguntando-

lhe onde estava e por que se escondia. Adão respondeu ter ouvido a voz de Deus e

sentido medo. E Deus lhe disse: Se estás com medo, deves ter comido do fruto que

te proibi comer.

Adão apontou prontamente para Eva e disse: Foi a Mulher quem me deu o

fruto.

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Sim, respondeu Eva, mas foi a Serpente que me tentou e me enganou.

Assim, Deus maldisse a Serpente e expulsou Adão e Eva do Jardim, dizendo:

Agora que conheceis o bem e o mal, deveis deixar o Éden. Se ficásseis, comeríeis

também da Árvore da Vida, e então viveríeis para sempre.

E Deus os lançou no mundo e os amaldiçoou, dizendo que, daquele momento

em diante, Adão teria que viver do suor de seu rosto, e Eva teria que sofrer as dores

do parto. E a leste do Éden, Deus fez postar-se um Querubim com uma espada

flamejante, para guardar a entrada do Jardim e a Árvore da Vida.