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HISTORIAL DA ALDEIA DE MURGIDO POR ARTUR MENDES PINTO OUTUBRO DE 2000

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HISTORIAL DA ALDEIA DE MURGIDO

POR

ARTUR MENDES PINTO

OUTUBRO DE 2000

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VISTA PANORÂMICA DA ALDEIA

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PREÂMBULO

Murgido e Granja, que aqui unifico como

sendo um só lugar, foi, como tantos outros

lugares serranos, esquecido no tempo, vol-

tado só para si, onde a informação e o co-

nhecimento dificilmente chegavam.

Os meios de comunicação modernos, como a

televisão, abriram-lhe outros horizontes,

levando-lhe outros conhecimentos, uma in-

formação mais atempada, uma cultura mais

partilhada.

Daí que, achei por bem, falar de Murgi-

do, da sua cultura intrínseca, dos seus

costumes, uns já perdidos no tempo, outros

em vias disso, para os relembrar a uns,

para os dar a conhecer a outros e os deixar

para os vindouros.

Não foi fácil saber alguma coisa sobre

Murgido e Granja, por falta de informação

escrita acerca destes lugares.

Fico com a esperança, de que, após este

trabalho, alguém virá, com mais capacidade,

com mais tempo, com mais meios e investigue

a origem dos ditos lugares, como terão sido

nos seus primórdios e, estou certo, que

muito e interessante haverá para descobrir.

O Autor

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HISTORIAL

I

Murgido é uma das muitas aldeias da Ser-

ra do Marão, faz parte da freguesia de Can-

demil, concelho de Amarante, distrito do

Porto, pertencendo à Diocese do Porto.

É a maior aldeia da freguesia.

É a aldeia mais serrana do concelho, a

que atinge a cota mais alta. E é, sem dúvi-

da, uma das aldeias mais bonitas, senão a

mais bonita. Mas é também uma das aldeias

mais frias, onde a neve, no inverno, não

passa sem lhe fazer a sua visita todos os

anos, hoje mais branda, porque os Invernos

são menos duros, mas em tempos passados era

penoso ali o Inverno, mas também e sobretu-

do, está-se mais perto do Céu.

Situa-se numa encosta, bem voltada a

poente, ladeada por dois ribeiros, que se

unem formando um só, entrelaçando-a entre

si.

Divide-se a aldeia em quatro partes

principais: Fondevila; Cabodevila; Cimode-

vila e Chandacal, partes cujos extremos

hoje, já mal se distinguem, dado ao seu

grande crescimento, mas que, há alguns anos

atrás se separavam, em espaços curtos, é

certo, por terrenos de cultivo. Existe ain-

da a Granja que também faz parte de Murgi-

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do.

Terra em pleno desenvolvimento, cres-

cendo de ano para ano, não tem sofrido,

felizmente, com a desertificação. Tem casas

modernas e bonitas, construídas em granito,

com o telhado em telha o qual, em outros

tempos, era de lousa e até de colmo.

Casa moderna e casa antiga

Tem já algumas infra-estruturas minima-

mente necessárias: uma Escola Primária,

água canalizada, luz eléctrica, uma estra-

da, telefone, duas mercearias, dois cafés e

tem como seu ex-líbris a Capela de Nossa

Senhora dos Remédios.

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Capela da Senhora dos Remédios

II

As suas gentes são simples, gente mo-

desta e hospitaleira. Sempre souberam aco-

lher bem qualquer visitante, a quem pronta-

mente abrem a porta e oferecem a merenda

(pão, salpicão e vinho verde, especialida-

des da terra). Em tempos idos, não muito

longínquos, era em Murgido que os mendigos,

vindos de vários lados, pedindo esmola de

terra em terra, de porta em porta, encon-

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travam quem lhes arranjasse um canto para

dormir, emprestasse uma manta para se tapa-

rem, oferecesse um bocado de pão e uma mal-

ga de caldo.

Até meados do século XX, vivia a sua

gente quase exclusivamente da agricultura,

uma agricultura pobre, mesmo de subsistên-

cia. Apenas se cultivava milho, trigo, cen-

teio e algum feijão, pequena criação de

gado, vacas, ovelhas e cabras, tudo muito

restrito e familiar.

Os que não se dedicavam ao amanho da

terra trabalhavam à jorna sempre que hou-

vesse trabalho, na floresta ou nas minas

que existiam nas localidades próximas. Con-

tudo, esses trabalhos escasseavam e a vida

dos que deles dependiam, para sobreviver

era difícil, chegando até, alguns, a passar

fome, principalmente no inverno.

Os lavradores, que também tinham as suas

dificuldades, no tempo das sementeiras e

das colheitas lá lhes iam arranjando uns

dias de trabalho, mas tudo isso era escasso

e o seu poder económico também não lhes

permitia pagar a jorna, e por isso, viviam

muito em comunidade, ajudando-se uns aos

outros, principalmente nos serviços que

exigiam mais trabalho braçal em simultâneo,

ajuda essa, que designavam por afolhar.

Alguns emigravam para o Brasil, única

paragem conhecida por aquelas bandas naque-

la época.

A partir dos anos cinquenta a vida come-

çou, progressivamente, a melhorar. As minas

começaram a dar mais trabalho, ia mais gen-

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te trabalhar para a floresta, começando ou-

tros a procurar trabalho fora da aldeia.

Hoje, e de alguns anos a esta parte,

vive-se bem, felizmente, e, aqueles que em

outros tempos viviam pior são os que hoje

melhor estão. Lançaram-se na emigração para

vários países da Europa uns; outros, dentro

do próprio país, procuraram formas de ga-

nhar a vida, em profissões várias, sem que

a maior parte deixassem de viver na aldeia,

saindo à segunda-feira e regressando à sex-

ta. Os que ainda vivem da agricultura, que

são as pessoas de mais idade lutam com mais

dificuldades, dado à penosa mão-de-obra e à

pouca produtividade das terras.

III

A aldeia não tem monumentos, mas tem uma

Capela, simples mas bonita, cujo tecto em

madeira tem representado, numa pintura a

óleo, a Via-sacra.

Vista parcial da Via-sacra

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A sua padroeira é a Nossa Senhora dos

Remédios, em honra de quem se faz uma festa

no mês de Agosto, com uma linda procissão.

É a melhor festa das redondezas, isto é, em

relação às outras aldeias. Por dificuldades

financeiras a festa fazia-se de três em

três anos, no último domingo de Agosto.

Atualmente é feita de dois em dois anos e

foi antecipada para o penúltimo domingo,

para que os emigrantes possam estar presen-

tes.

Tem também uma fonte, chamada Fonte da

Senhora dos Remédios que convém aqui lem-

brar, dada a sua história que mais adiante

contarei. Existiu ainda uma outra com o

mesmo nome, mas com a designação de Fonte

Pequena, que terá sido a primeira fonte de

Nossa Senhora dos Remédios, coexistindo as

duas durante muitos anos.

Fonte da Senhora dos Remédios

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Por se situar na serra, com montes e

vales, e numa zona granítica, tem, como não

podia deixar de ser, muitos penedos, alguns

de porte majestoso e vários com nome pró-

prio, dos quais enumero apenas alguns: Pe-

nedo Gordo, Penedo Bico, Penedo Homem, Pe-

nedo Galego, Penedos Altos, Fraga da Filhó,

Lapa dos Ladrões e Penedo das Cortes. Exis-

tiu ainda um penedo imponente que foi par-

tido para a construção de casas, o Penedo

Mosqueiro, restando, hoje, apenas o seu

nome e casas no seu lugar.

IV

Não sabemos a origem da aldeia de Murgi-

do, há quanto tempo existe, o que terá ori-

ginado o seu nome, nem quais os povos que a

terão habitado, bem como dos restantes lu-

gares da freguesia.

Sabe-se que existe há muitos séculos e

que outros povos ali terão vivido, talvez,

Suevos, Godos, Romanos ou Mouros e que per-

tenceu à província do Minho, ao Arcebispado

Primaz de Braga, à comarca de Vila Real e

ao concelho de Gestaço.

Julga-se que Murgido seja o lugar mais

antigo da freguesia, se o não for, será o

segundo a seguir a Candemil.

Poderia pensar-se que o nome Murgido te-

rá derivado de mungir, dado que, em outros

tempos, foi terra de grande pastorícia,

mas, talvez não tenha sido assim, pois que,

antes de se chamar Murgido ter-se-á chamado

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Morgado e Moragido e Candemil ter-se-á cha-

mado Candemir.

Não consegui descobrir o porquê destes

nomes e da sua mudança, apesar de várias

tentativas feitas nesse sentido.

Solicitei à Câmara informações sobre a

aldeia de Murgido e restantes lugares da

freguesia, na esperança de que, algum re-

gisto existisse sobre a sua origem e dos

seus nomes, bem como do ano em que a Capela

e a fonte de Murgido foram construídas, mas

nada existe.

Pela Câmara foi-me enviada uma fotocópia

de um jornal ou revista, denominada “Uma

Ponte Entre a História e a Natureza”, com o

título “Candemil- São Cristóvão”, onde se

fala da freguesia de Candemil e faz uma

pequena referência ao lugar de Murgido,

numa fotografia referente aos trabalhos

relacionados com a lavoura, e, referindo-se

à igreja, diz que a mesma foi construída no

ano de 1852 e que antes disso os paroquia-

nos iam à missa ao Mosteiro de Gondar.

Na falta de informações por parte da Câ-

mara, fiz uma pesquisa na Torre do Tombo em

Lisboa e aí descobri um registo sobre a

freguesia de Candemil, escrito a 9 de Março

de 1758, pelo Abade da paróquia, de seu

nome José.

Desse registo irei transcrever aqui só

algumas partes, dado que é de difícil lei-

tura e podia correr-se o risco de o adulte-

rar, no entanto, para que seja melhor en-

tendida a sua leitura, a ortografia irá

sofrer em algumas palavras uma ligeira al-

teração, sem contudo, alterar o significado

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das mesmas.

“ Que esta minha freguesia de Candemil está sita na Província do Minho e fica nas fraldas do Marão, da parte poente, pertence à comarca de Vila Real, do Arcebispado Primaz de Braga é perten-cente ao termo e concelho de Gestaço.

Cujo termo e concelho é de El-Rei Nosso Senhor. o Senhor D. José, que Deus nos conserve,, aumente e guarde, por muitos seclos; e o primeiro deste nome.

Esta minha freguesa tem presentes cento e dez vizinhos e cons-ta de trezentos e noventa e sete pessoas que recebem o sacramento da penitência, quatro pessoas de sacramento, e menos alguns os poucos que por ora se acham abzentes.

Aldeias ou lugares que circunvizinham se chamam Candemil que consta de trinta vizinhos, o segundo se chama Gião que consta de vinte e oito vizinhos, o terceiro se chama Revilhães, e consta de cinco vizinhos, o quarto se nomeia Morgido, que em algum tempo se chamou Morgado, como consta do tombo dos passais desta igreja que foi feito no ano de mil quinhentos e quarenta e seis, consta esta aldeia de trinta e seis moradores, o quinto se nomeia lugar chamado da Granja e tem esta aldeia quatro moradores e nesta há uma casa ou quinta isenta de pagar dízimos por sua antiguidade inmemoriá-vel.

Que o orago desta freguesia e padroeiro dela o Senhor Sam Cristóvam, tem a igreja três altares que o maior é do Santo Patrono e os dois colaterais que o da direita é do Santo nome de Jesus e da esquerda é de nossa Senhora, não tem naves, tem duas irmandades, uma das benditas almas é a mais antiga e a outra de pouca...... de

nossa Senhora do Rosário. Há nesta freguesia quatro capelas ou ermidas, uma dentro do

lugar de Gião, com a invocação de Santo Ouvido ande vem pelo descanso de tempo algumas devotas pessoas em romaria outra no sítio chamado Corvachã distante do lugar um quarto de légua invo-

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cação de Nossa Senhora outra na aldeia de Morgido de Nossa Se-nhora dos Remédios e nesta contam os naturais depois por tradição antiga que a dita imagem ou capela já esteve em outros dois sítios e que neles ao pé da capela nascia uma fonte de água excelente e que na transladação da dita capela secou a fonte no primeiro sítio e nasce no segundo ao pé da mesma e na segunda transladação para o dito lugar por os outros dois serem fora dele nascera a mesma fonte aonde inda ixiste de cuja água se servem os moradores, e é maravi-lhosa, a quarta dentro do lugar da Granja com a invocação de Sam Salvador, todas estas capelas não tem dono particular e pertencem à fabrica de ..... dos moradores dos ditos lugares e freguesia.

A Serra no distrito deste país é inabitável, ao longo dela estão os lugares de Morgido e Povoa.

No alto da Serra há uma imagem milagrosa de nossa Senhora vulgarmente chamada Senhora da Serra, que não é do distrito da minha freguesia.

A qualidade da temperatura da Serra é frigidíssima adonde há muitas neves nos meses e é mais por causa da quais vários anos morre gente na Serra.

No sitio dela e por toda no tempo estival, os moradores vizi-nhos a ela apascentam vários gados vacum e outros animais, cria covas de coelhos, lebres, e com mais abundância perdizes, é povoada de animais bravos como sam lobos, javalis, raposas.

No ano de mil setecentos e sinquenta no sitio chamado as...... que é uma tapada do paçal desta igreja quando um homem debaixo de um penedo por acaso se achou grande quantidade de moedas sem ser de ouro nem de prata nem de cobre parecendo como frente a moeda do tamanho de três, sinco...... réis de agora de uma parte da moeda com ...... e letreiro que se não pode ler e da outra parte em algumas pintada um homem de cavalo e outras uma cara de homem, parece ser moeda que corresse no tempo dos Romanos, Godos ou Mouros, nam se pode dele ter o metal por diligencias que me dizem algumas pessoas fizeram não foi ...... para nada, neste mesmo citio,

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há uma ruína antiga que dizem o naturais ser de uma capela, invo-cação de Sam Domingos, que ainda conserva o nome, as relíquias da ruína mostram ser da capela maior.”

Na transcrição onde se encontram reti-

cências existem palavras que não consegui

ler.

Solicitei informações ao Pároco da fre-

guesia, sobre possíveis registos ali exis-

tentes, muito em especial sobre o tombo que

refere a mudança de nome da aldeia, mas in-

felizmente já nada existe ou porque se de-

gradaram, ou em 1910 foram dali levados

juntamente com os livros de registos paro-

quiais. Pretendi também saber qual o ba-

ptizado e casamento mais antigos registados

na igreja, referentes a Murgido ou Granja,

mas por falta dos respectivos livros apenas

consta como registo mais antigo o baptizado

de uma menina, no dia 8 de Fevereiro de

1880, a quem foi dado o nome de Felicidade

e nascera em Murgido no dia 4 de Fevereiro

do mesmo ano, filha de José de Campos Ma-

rinho e de Rita Couta, neta paterna de An-

tónio de Sousa e de Luísa Marinho e materna

de Francisco Pinto e de Maria Couta, sendo

padrinhos António da Silva Fernandes e Rita

Mendes.

Os primeiros casamentos de que há re-

gisto são de 1910, uma rapariga da Granja

de nome Maria da Silva, casou no dia 7 de

Fevereiro de 1910 com Manuel Martins Ri-

beiro, do lugar da Póvoa e no dia 19 de

Setembro do mesmo ano, casou Ana Joaquina

de Jesus, de Murgido, com Francisco Maria,

que era da freguesia da Teixeira, mas resi-

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dia no lugar de Murgido e era viúvo de Car-

lota Fernandes.

Foram-me também gentilmente enviadas pe-

lo Pároco de Candemil, umas fotocópias de

umas inquirições mandadas fazer por D.

Afonso II e D. Afonso III, sobre Foros e

Dádivas e Bens das Ordens (ordenações afon-

sinas), onde ao referir-se à aldeia de Mur-

gido lhe dá o nome de Moragido e à aldeia

de Candemil lhe dá o nome de Candemir, por-

que nesse tempo se chamariam assim.

As inquirições (ordenações afonsinas)

estão escritas em latim, pelo que, as man-

dei traduzir e aqui transcrevo:

Ordenações Afonsinas- D. Afonso II (1220)

FOROS E DADIVAS, P.153

Acerca de S. Cristóvão de Candemir. Gonçalo Martins, abade, João Garcia, Arizaldo (?), Pedro filho João, Fernando filho João, Gonçalo filho de Pedro, Pedro filho de Pedro, Martim Gomes, Gon-çalo filho de João, João Martins jurando disseram que quando vi-nha o Mordomo davam do que tinham de seu e acompanhavam-no na entruviscada (direito do senhor quando fazia pescaria) e na ra-mada (pescaria feita com ramos ). Em Amoos ficava a pousada do Rei. E pagavam multa e coima. E naquele lugar nada era negado.

BENS DAS ORDENS.P. 251

Acerca de S. Cristóvão de Candemir. Gonçalo Martins, abade, João Garcia, Arizaldo (?), Pedro filho de João, Fernando filho de João, Gonçalo filho de Pedro, Mendo filho de Pedro, Pedro filho de Pedro, Martim Gomes, Gonçalo filho de João, João Martins juran-

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do disseram que esta igreja possuía terras. Em Caramos existiam 12 casais e quintas desta igreja.

Inquirições de D. Afonso III (1258) p.1151 Silvestre filho de João de Ansiães, jurado e interrogado disse que sabia que o militar Martins Lagoa tinha comprado herdades sujei-tas a foral em Candemir no tempo do rei D. Sancho ao irmão deste mesmo rei e que não tinha pago ainda a el-rei o foral e sabia que o Mosteiro de Feyxeno possuía propriedades que faziam parte do património real em Moragido no local chamado Santo Gradaes (?) e em S. Salvador e em Seeara., mas não sabia (exactamente) quanto tinha e o que tinha e desse lugar não tinha pago foral régio (?) e deu em penhora a Pedro Egee o próprio mosteiro que aquele trouxera(?) para El-Rei.

João filho de João de Candemir jurado e interrogado acerca das propriedades que Martins Lagoa tinha comprado em Candemir disse como Silvestre filho de João.

QUARTA ALÇADA.p. 1153

Martim filho de Geraldo de Moragido jurado e interrogado dis-se que ouvira dizer que metade de Moragido devia pertencer ao Rei e que nada mais tinha nesse lugar. “

OBRAS CONSULTADAS:

Brou, Pedro Dicionário Latim-Portugês. Porto, 1901. Sousa Viterbo, Elucidário, Livraria Civilização, Porto,1966.

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Torrinha, Francisco Dicionários Português-Latim e Latim-Português, Domingos Barreira, Porto, 1939.

Nota: Atendendo a que o texto está escrito em Baixo La-

tim e que muitos termos não constam dos dicionários dispo-

níveis, a tradução não pôde ser rigorosamente aferida.

Na Granja apenas existiria uma casa e

uma quinta que pertenciam ao lugar de Mur-

gido, quinta que abrangeria todos os ter-

renos desde os terrenos pertencentes ao

lugar da Póvoa e a ribeira do Moinho Velho.

O seu nome, Granja, dever-se-á ao facto

de ser uma casa com terrenos cultivados à

sua volta, uma quinta etc.

Toda a freguesia foi uma terra Realenga,

isto é, pertencente ao reino. Metade de

Murgido, até pelo menos 1258, era pro-

priedade do reino e aí havia campos ou

quintas que se chamavam, Santo Gradaes, S.

Salvador e Seeara, hoje já com outros no-

mes, que pertenciam ao Mosteiro de Freixe-

no, Mosteiro que também já não é conhecido

nem se sabe onde se situava.

Quem trabalhava a terra ou dela estava

entregue, pagava a renda ao Rei. A renda

era recebida pelo Mordomo do Rei que se

deslocava à freguesia para a receber. E,

segundo as inquirições afonsinas, quando

vinha o Mordomo nada lhe era negado, davam-

lhe de tudo o que tinham e acompanhavam-no

na pescaria, porque nesse tempo, o rio que

vem de Murgido e Póvoa, teria muito peixe,

principalmente trutas. O Mordomo quando vi-

nha receber as rendas, ficava hospedado em

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Amoos, onde era a pousada do Rei, que pro-

vavelmente ficaria perto de Candemil, mas

não consegui saber onde fica este local,

que por certo, já terá outro nome. Para

além de receber as rendas, o Mordomo vinha

também aplicar a justiça, justiça essa, que

constava da aplicação de coimas ou multas,

a todo aquele que insultasse ou violasse

outrém. Os ofendidos gritavam em defesa

própria pela justiça do Rei, “aqui d’el-

rei”. A multa aplicada aos infractores re-

vertia para o ofendido, à excepção de uma

pequena parte que revertia para a câmara,

que nesse tempo se chamava palácio.

Em Candemil já existia igreja em 1220,

possuía terras e teria ainda casais e quin-

tas em Caramos, ou seria Caramos, que teria

12 casais em Candemil e um quinhão das suas

terras, dado que, fiquei com dúvidas sobre

isto. Caramos é um lugar do concelho de

Felgueiras, onde se situava o Mosteiro, do

qual a igreja de Candemil dependia.

A freguesia de Candemil em 1758 tinha,

segundo o registo encontrado na Torre do

Tombo, 110 vizinhos, distribuídos da se-

guinte forma: 30 no lugar de Candemil, 28

no lugar de Gião, 5 no lugar de Revilhães,

36 no lugar de Murgido, 4 no lugar da Gran-

ja, perfazendo um total de 103, não corres-

pondendo ao primeiro número total indicado

que é de 110.

O mencionado registo não refere o lugar

de Espinheiro, provavelmente ainda não

existia.

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A palavra vizinho deve significar fogos,

dado que refere que existiam 397 pessoas

que recebiam o Sacramento da Penitência, 4

pessoas o Sacramento, e poucas seriam a-

bzentes, ora, assim sendo, a freguesia te-

ria mais de 400 habitantes e o lugar de

Murgido era já o maior da freguesia.

A freguesia tinha em 1999, 886 elei-

tores, e o lugar de Murgido, tinha 363 há-

bitantes, sendo 130 homens, 179 mulheres e

114 menores de 18 anos e o lugar da Granja,

tinha 52 habitantes, sendo 19 homens, 21

mulheres e 12 menores de 18 nos, segundo

uma recolha feita pela junta de freguesia

nesse ano.

V

Poderá dizer-se que hoje, as suas gentes

suportam bem os invernos, que são muito di-

ferentes dos invernos de antigamente, que a

forma de vida é melhor, as habitações têm

mais conforto, são de melhor construção,

por isso, bem diferentes de outros tempos,

em que, dado à dureza do inverno as pessoas

não podiam praticamente sair de casa. As

neves cobriam toda a aldeia, caíam grandes

nevadas e mais que uma vez, mantendo-se,

por vezes, por mais de uma semana. Era uma

dor de cabeça para os agricultores, para

tratar os seus animais, as cabras e ovelhas

não podiam ir para a serra, as vacas não

podiam ir para os campos nem lhes podiam

segar a erva.

O calçado usado, os tamancos em madeira

cravejados de tachas, não eram próprios pa-

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ra andar na neve, as botas eram só para os

dias de festa e muitos nem sequer as ti-

nham. Mas, se andar na rua era difícil,

estar em casa também não era muito agra-

dável, o frio era muito e as casas não es-

tavam preparadas para o suster, as paredes

eram cheias de buracos, os tectos não eram

forrados, o que permitia que a neve, quando

era tocada pelo vento, entrasse nas casas,

e quando caía de noite lá ia fazer uma vi-

sita à cama.

Se assim era com a neve e com o frio,

também o inverno era penoso com a chuva,

que caía semanas seguidas e em alguns dias

nem sequer aliviava um bocado o que levava

as mulheres, as donas de casa, a comentar:

“ Hoje não veio o bocanho das couves”. Os

gados mesmo assim, lá iam para as suas pas-

tagens, mas, dias havia, em que a água dos

ribeiros crescia tanto, que ao fim do dia o

gado miúdo, (a vezeira) ao regressar não

passava nos ditos ribeiros e lá iam os ho-

mens da aldeia, quer fossem ou não seus

proprietários, passá-los às costas e fa-

ziam-no com algum risco pois, por vezes, a

água dava-lhes pela cintura e a corrente

era forte.

Com a primavera e nos fins de Abril e

todo o mês de Maio chegava o trabalho duro

dos campos, as bessadas, o que ainda hoje

acontece, mas de maneira diferente e em me-

nor número, uma vez que, a maior parte dos

terrenos agrícolas já não são cultivados. O

gado vacum, que até aí pastava pelos campos

e neles trabalhava, lavrando e acarretando,

era lançado para a serra para as pastagens

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e para aí era levado bem cedo, ainda antes

do dia clarear, e ao fim da tarde, lá o iam

buscar. Normalmente este trabalho, (a reco-

lha dos animais), era feito pela pequenada,

menos rentável noutros trabalhos. E a meio

da tarde lá iam eles serra fora. Era uma

alegria para a cachopada e não havia quem

não gostasse de “ ir às vacas”, era mesmo

esse o nome que davam a essa tarefa. Encon-

trados os seus animais, o que faziam com a

ajuda das campainhas que estes traziam,

juntavam-nos em sítios a não os perder de

vista ou deixarem de ouvir as suas campai-

nhas e aproveitavam o resto da tarde para

brincar, nomeadamente ao jogo da choca e à

cabra cega, regressando com eles à aldeia

ao fim do dia.

VI

Existe um outro lugar chamado Murgido,

que fica na freguesia de Borba da Montanha

do concelho de Celorico de Basto, é um dos

lugares mais antigos da freguesia, situa-se

no sopé do Monte Castro, estendendo-se pela

sua encosta, com cerca de 50 habitantes, os

quais vivem na sua maioria da agricultura.

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TRADIÇÕES, USOS E COSTUMES

Murgido, como qualquer outra terra, tem

as suas tradições, os seus usos e costumes

que, por razões várias, muitos se foram

perdendo, total ou parcialmente e irei ape-

nas relembrar alguns.

I

No carnaval, não se passava ano algum em

que não houvesse os Entremeses e sempre

representados e ensaiados por gente da ter-

ra, indo mesmo representá-los às aldeias

vizinhas. Eram os entremeses um aconteci-

mento importante e bastante cultural aten-

dendo ao tempo e às pessoas que represen-

tavam as peças, pois que, a sua maioria,

não sabia ler para estudar os papéis, os

quais, tinham que lhes serem lidos para que

os pudessem decorar, trabalho que iniciavam

alguns meses antes e à noite depois dos

seus afazeres. Eram representados só pelos

homens, mesmo os papéis femininos.

O dia de Entrudo (terça-feira), não pas-

sava sem a sua mascarada. Mascaravam-se de

várias figuras, mas o mais usual era os ra-

pazes vestirem-se de rapariga e as rapa-

rigas de rapaz, sempre de cara tapada para

não serem reconhecidos, e sem nunca faltar

o mascarado principal a quem chamavam o

“Roto Farroupilha” ou “Farrapilha”, isto

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porque se vestia com roupas velhas, croça

velha, chapéu roto, cheio de chocalhos, com

um pau comprido na mão, queimado na ponta,

para sujar as pessoas por quem passava. Era

o terror da pequenada que lhe fugia a sete

pés.

Mas o carnaval não se ficava por aqui,

começava quatro semanas antes, na semana

dos amigos, a que se seguia a semana das

amigas, dos compadres e das comadres.

Nas semanas dos amigos e compadres, os

homens vangloriavam-se dizendo que havia

fartura, enquanto as mulheres diziam que

era só fome e sede; na semana das ami-gas e

comadres era o contrário, eram as mu-lheres

as vitoriosas, que apregoavam a far-tura,

enquanto os homens se lamentavam da fome e

da sede.

O dia designado, isto é, o dia de ami-

gos, amigas, compadres e comadres é a quin-

ta-feira e nesse dia o comer era, e ainda

é, melhorado, sempre havia um bocado de

carne, mas constava que havia algumas mu-

lheres que na quinta-feira de amigos e com-

padres, não o faziam, para demonstrar que

eram mesmo as semanas da fome. Já na semana

delas, claro que era diferente.

Na quinta-feira de compadres, as rapari-

gas faziam um boneco de palha forrado a

papel (o compadre), que queimavam perante o

olhar enraivecido dos rapazes, que se pu-

dessem o rasgavam, não o deixando queimar.

Mas, as raparigas faziam-no em casa, a uma

janela e depois de trancarem bem a porta e

mesmo assim, não faltava o esforço dos ra-

pazes para ver se lá conseguiam chegar, mas

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nem sempre eram bem-sucedidos. A queima era

feita no fim do dia, numa casa que ficasse

próxima do local chamado Espinheirinho.

Na quinta-feira de comadres, os rapazes

com várias comadres feitas de palha forrada

a papel que as próprias mulheres tinham

feito a seu pedido, iam fazer a corrida das

comadres (era esse mesmo o nome que lhe

davam) procedendo-se da seguinte forma: no

fim do dia os rapazes organizavam-se em

grupos, normalmente um por comadre, pois

tinham que se proteger bem porque a tarefa

não era fácil, outros transportavam às cos-

tas uma caixa de sardinha, vazia, na qual

penduravam pontas de rabo de borrego, sig-

nificando a fome, ao mesmo tempo que teriam

de gritar “fome, sede e burra velha”. A

corrida iniciava-se no cimo da aldeia e

corria-a toda até chegar ao local da quei-

ma, o Espinheirinho.

Convém referir que até ao início da cor-

rida podiam deixar as raparigas ou mulheres

chegarem junto das comadres que as não ras-

gavam. Iniciada a corrida, as raparigas, as

mais afoitas, e se as havia, faziam um ata-

que cerrado aos rapazes, principalmente ao

que transportava a comadre, para a rasgar.

As mulheres, essas faziam barreiras nos

locais de passagem e para passar por aí sem

que a comadre fosse rasgada era preciso

luta, luta no bom sentido, ou arranjar um

truque para as enganar, porque senão a co-

madre seria rasgada e algumas vezes lá fi-

cava. Outras mulheres ou raparigas atiravam

grandes baldes de água para cima dos rapa-

zes para os molhar a eles e às comadres,

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que bem molhadas a palha e o papel não ar-

diam.

Percorrida toda a aldeia fazia-se a

queima no Espinheirinho. Era o orgulho dos

rapazes chegar com as comadres inteiras,

enquanto as raparigas tudo faziam para as

não deixar ali chegar.

Não se pode falar do Carnaval sem falar

do Domingo Magro, dia do leilão, tradição

que ainda hoje se mentem, embora com menos

gente, principalmente a vinda de fora. Nes-

se dia as pessoas vão oferecer à Nossa Se-

nhora dos Remédios ou a outro Santo, qual-

quer coisa que produziram, criaram ou fa-

bricaram: cereais, cebolas, salpicão, lin-

guiça, orelheira, etc, sendo tudo isso lei-

loado. Há alguns anos atrás vinha gente de

muitos lados para comprar o que lhes inte-

ressava, porque era o único nas redondezas,

com aquela envergadura.

II

Na Quaresma não se pode deixar de regis-

tar a “Serra da Velha”. Costume muito anti-

go, que por certo já se terá perdido. Jun-

tava-se a rapaziada, na quarta-feira do

meio da Quaresma, e alta noite, quando já

se dormia, munidos com latas velhas para

imitar uma serra, lá iam à porta das mulhe-

res velhas da aldeia, gritando “serra ser-

rão, venha a velha p’ro caixão”; “ ai minha

avozinha que me davas tanta codinha e agora

já não me dás nada”. Havia mulheres que

gostavam da brincadeira, mas outras, cuida-

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do, que para se chegar à sua porta não era

fácil, nem dormiam nessa noite e muniam-se

de pedras e era cada corrida sobre os rapa-

zes que só visto, mas mesmo assim, não fi-

cavam por serrar, davam era mais trabalho.

III

Seguia-se, uns meses mais á frente, o S.

João, a noite das travessuras. Barravam-se

os caminhos com pedras, paus, carros de

bois, arados e tudo o que desse para impe-

dir a passagem e no dia seguinte em muitos

sítios não se passava, mas antes disso ou-

tras coisas havia a fazer. Tirar os vasos

de flores das raparigas.

Quase todas as raparigas tinham nas suas

janelas vasos com flores. Tudo tinha de ser

tirado nessa noite e transportado para a

fonte e para a Capela e, até caber, tudo

era posto bem lá em cima junto á cruz, para

mais dificuldades criar no dia seguinte

quando o fossem buscar. Algumas das rapari-

gas, antes de irem dormir, recolhiam todos

os vasos que lhe era possível e muitas ve-

zes desafiavam os rapazes dizendo-lhe que

não iriam conseguir levar-lhes as flores, o

que ainda lhes aguçava mais o apetite e

custasse o que custasse, os vasos ou caixo-

tes lá eram retirados, sendo, necessário,

muitas das vezes, recorrer a irmãos e até

ao pai, os quais normalmente colaboravam.

Ainda hoje, se praticam algumas destas tra-

vessuras, mas em número mais reduzido.

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Iam ainda os rapazes nessa noite roubar

cerejas, que para além de as comer nas ce-

rejeiras, faziam lindos ramos que pendura-

vam à porta das raparigas, principalmente

das suas namoradas. Outras raparigas menos

afortunadas, em vez de um ramo de cerejas,

tinham à porta um burro preso, uma grande

maldade, e, acontecia por vezes, quando o

namorado lhe punha à porta o ramo das cere-

jas, um outro, com ciúmes ou por brincadei-

ra, tirava as cerejas e prendia lá o burro,

tendo para isso, que aguardar que o namora-

do se fosse deitar.

Faziam-se ainda lindas cascatas, que

eram feitas com uma caniça de carro de

bois, a qual era coberta e forrada com flo-

res e no seu interior era feito um altar e

nele colocada a imagem de S. João, bem como

improvisada uma fonte. A cascata era feita

normalmente numa eira e aí faziam um baila-

rico.

IV

Era ainda costume na aldeia fazerem-se

debulhas, as quais nos finais do mês de

Agosto e no mês de Setembro e que consistia

na debulha do milho à mão.

Os lavradores mais necessitados e mesmo

outros que tinham vendido todo o milho do

ano anterior e quando já não tinham para

coser a sua fornada de pão, lá iam aos seus

campos de milho mais temporão e aquém e

além colhiam o mais maduro, até que chegas-

se para a fornada. Como o milho ainda não

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estava suficiente maduro e, por isso o grão

estava mole, não podia ser malhado. Convém

esclarecer e para que se não confunda com

esfolhada, que debulha consistia em retirar

o greiro do carolo. Este serviço era feito

à noite e era convidada a juventude e os

que não o não eram lá apareciam, pois, ha-

via sempre umas cantorias e aproveitavam

para namoriscar.

V

Houve também a feitura do linho, que

para além do seu cultivo nos campos, fazia-

se ali todo o trabalho até ficar pronto

para a tecelagem: Curtir, moer, espadar,

fiar, dobar, ensarilhar a barrela, etc.

Parte destes serviços, eram feitos pelas

mulheres e principalmente, aquando do espa-

dar e dobar, cantavam, tornando-se assim um

serviço muito alegre.

VI

Uma das culturas que se fazia nos campos

era a do trigo, digo fazia, porque se hou-

ver hoje quem faça essa cultura, é de pouco

significado.

E, era uso, antes de aparecerem as má-

quinas (as malhadeiras), malhar-se o trigo

com os manguais, trabalho que era feito em

eiras próprias para esse fim e para o efei-

to, havia a eira de Fondevila, a eira de

Cimodevila, a eira de Baixo, a eira da Uz e

a eira de Cima do Lugar, eiras que são em

terra dura, saibro ou fraga e, para poderem

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ser usadas na malha do trigo, para que este

ficasse limpo, sem qualquer areia ou suji-

dade, tinham as eiras de ser bem varridas e

borradas com bosta.

Os lavradores que pretendiam malhar o

trigo numa determinada eira, juntavam-se e

nas lojas das vacas, apanhavam grande quan-

tidade de bosta, que transportavam para a

eira e aí, depois da eira bem varrida, im-

provisavam um pequeno tanque e com a mistu-

ra de água pisavam a bosta até ficar em

calda, calda que, com uma pá de madeira

espalhavam por toda a eira, até ficar com

uma determinada espessura e depois com um

vassouro, feito de feitos (fetos), alisavam

a bosta até esta ficar uniforme, a qual

depois de seca ficava que nem cimento e

podiam aí malhar-se vários eirados sem se

partir, saindo o trigo completamente limpo.

A malha propriamente dita, constava em

fazer o eirado, isto é, colocar o trigo na

eira, espalhado ou em molhos e dois grupos

de homens, um de cada lado, avançando e

recuando, de forma ordenada, malhavam com

os manguais no trigo.

O número dos grupos era maior ou menor

de acordo com a quantidade do trigo a ma-

lhar e, havia grande entusiasmo por parte

de cada grupo, pois que, aquele que desse a

pancada maior era o grupo que se considera-

va ter homens mais valentes, mas nem sempre

isso era verdade, porque o que fazia o eco

da pancada ser maior, nem sempre era a for-

ça, mas sim, os malhadores acertarem com a

pancada. Era isso tão importante que outros

homens que nada tinham a ver com aquela

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malha, deixavam os seus afazeres e iam até

lá para ver qual era o grupo mais valente,

acontecendo, por vezes, que os grupos ao

verem-se apreciados, se entusiasmavam de

tal forma que, ao chegarem a determinado

ponto da eira, em que o eco da pancada saía

mais forte, não saiam dali e não adiantava

dizer-lhe nada, porque só ouviam a pancada

dos manguais, sendo, o dono do trigo, mui-

tas das vezes, obrigado a atirar paus, nor-

malmente os estadulhos (foreiros) dos car-

ros, para o local onde estavam a bater para

os fazer parar, senão o trigo em vez de

malhado ficava moído.

A malha normalmente iniciava-se depois

do jantar (almoço), que era por volta das

nove horas e como era um trabalho muito

pesado era servida aos trabalhadores a par-

va, aí por volta das doze, treze horas, a

qual constava de orelheira, bacalhau frito

ou sardinhas fritas. Por volta das quinze

horas era servida a merenda, arroz e caldo

(sopa) e no fim desta refeição, era ofere-

cido a cada malhador um pequenino ramo de

flores, fossem de que tipo fossem, mas não

o dispensavam, ramo que orgulhosamente os-

tentavam atrás da orelha quando canhavam o

trigo. No fim da malha era servida a ceia

(jantar), que normalmente era uma sopa doce

(açorda).

VII

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Houve também a cultura do centeio, que

era mais cultivado no monte do que nos cam-

pos, dado que era uma cultura de sequeiro,

sendo o processo da malha semelhante à do

trigo, servindo a sua palha para fazer o

colmo, que depois era usado para a cobertu-

ra das casas, quando o telhado ainda era em

colmo e para encher os colchões.

VIII

Hoje, em Murgido, ainda há uma ou outra

família que coze a sua fornada de pão de

milho, embora, a sua maioria prefira o pão

fresco, que todos os dias o padeiro leva à

sua porta e, as casas modernas, nem sequer

têm forno. Podendo dizer-se, que cozer o

pão em casa já está fora de uso.

Mas em outros tempos não havia família

que não cozesse, todas as semanas ou de

quinze em quinze dias, a sua fornada de pão

de milho. Coziam grandes fornadas, consoan-

te as famílias mais ou menos numerosas.

Depois do forno bem quente e limpo e a

farinha amassada, era o pão enfornado e

para que o forno não perdesse calor, a por-

ta tinha de ser tapada, sendo para isso

usada uma lousa, que não era estanque, dei-

xando sair o calor pelas juntas e, por is-

so, havia que as tapar, sendo para tal,

usada bosta e não servia uma bosta qual-

quer, não podia ser muito mole nem muito

dura, a qual depois de aplicada vedava por

completo o calor e não conspurcava em nada

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o pão, porque ficava longe dele e da parte

de fora.

O pão, principalmente no Inverno, era

cozido ao fim do dia ou ao princípio da

noite e os vizinhos iam dar o serão na casa

que cozia o pão, aproveitando o grande bra-

seiro que saíra para se aquecerem, entre-

tendo-se os homens a jogar às cartas e as

mulheres a fazer meia, bem com a comer a

bôla.

A bôla, do tamanho da pá de enfornar,

que cozia antes de ser tapada a porta do

forno, era servida a quem lá fosse dar o

serão ou a qualquer outra pessoa, que por

qualquer razão lá fosse a casa e era uma

desfeita para os donos da casa se não acei-

tassem.

IX

Quando falamos dos usos e costumes da

aldeia, não podemos esquecer o ESPINHEI-

RINHO.

O Espinheirinho é um pequeno terreiro

que se situa em Cabodevila e fica sobrele-

vado à Eira de Baixo e muito próximo da

Capela e da Fonte e, talvez por isso, foi o

sítio escolhido para que os homens ali se

reunissem, o que faziam ao fim da tarde,

princípio da noite, aos domingos e dias

santos. Hoje isso já não acontece, a não

ser aos domingos e feriados que ali se jun-

tam ao fim da tarde uns dois ou três ho-

mens.

Todos os dias, no fim do dia, ao regres-

sarem do trabalho dos campos, enquanto as

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mulheres iam para casa fazer a ceia, os

homens, velhos ou novos, iam até ao Espi-

nheirinho e ali permaneciam na cavaqueira

até que chegasse a hora, mais ou menos cal-

culada, de que a ceia estaria pronta, come-

çando, depois a debandar até que o terreiro

ficava vazio. Mas, por pouco tempo, porque

se o tempo o permitisse, muitos após come-

rem o caldo voltavam para mais dois dedos

de conversa, principalmente os rapazes sol-

teiros que permaneciam ali até mais tarde.

Aos domingos e dias santos juntavam-se ali

ao princípio da tarde e se o tempo estives-

se bom, ali ficavam o resto do dia.

Aí discutiam os seus assuntos, resolviam

os seus problemas sociais, contavam as suas

façanhas de acordo com as épocas, tais co-

mo: quem tinha o melhor campo de milho; as

toiras mais bonitas; as vacas mais valen-

tes; etc., etc..

Nos domingos e dias santos ainda se com-

preende, uma vez que, eram os dias de des-

canso das gentes que trabalhavam no campo.

Mas no fim de um dia de trabalho duro, como

era o do campo em certas épocas, e quão

cansados deveriam estar, não passarem sem

ir por ali, era uma autêntica devoção, um

dever social.

O Espinheirinho era o local da informa-

ção, da notícia, da transmissão da cultura

daquele povo.

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Terreiro do Espinheirinho

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HISTÓRIAS/LENDAS

Como em todas as terras, Murgido também

tem as suas lendas e algumas terão um pouco

de verdade. Vou apenas falar de três: a de

Nossa Senhora dos Remédios; a do Valentão

da Granja e a da Lapa dos Ladrões.

I

A imagem de Nossa Senhora dos Remédios

terá aparecido num monte, que hoje é conhe-

cido por Fonte Santa e junto a Ela terá

também aparecido uma nascente de água. O

povo terá transportado a Imagem de Nossa

Senhora para a aldeia e a nascente de água

secou no local onde a Imagem tinha sido

encontrada e nasceu na aldeia, julga-se que

próximo do local onde a Imagem foi coloca-

da, vindo aí a ser construída a fonte que

se passou a chamar Fonte de Nossa Senhora

dos Remédios.

Em determinada altura, a Imagem de Nossa

Senhora terá sido levada para a Granja,

onde esteve alguns anos e a água ter-se-á

também mudado, pois deixou de correr na

fonte e nasceu na Granja, provavelmente no

local que passou a chamar-se Campo Santo.

Regressada a Imagem a Murgido a fonte

volta a brotar e seca na Granja.

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Nas proximidades foi construída a Cape-

la.

II

Na Granja existe a chamada Casa da Gran-

ja, hoje dividida por várias famílias, mas

em outros tempos era casa de uma só família

e aí, terá vivido um homem a quem chamavam

o “Valentão da Granja”, o qual seria o pro-

prietário da casa e de muitas terras à sua

volta.

Chamavam-lhe valentão porque era mesmo

valente e tal valentia terá chegado ao co-

nhecimento do rei o qual a quis testar.

Determinado dia, quando o valentão anda-

va a lavrar nuns terrenos situados na en-

costa, cuja casa lhe fica sobranceira, apa-

receram-lhe dois mensageiros do rei, per-

guntando-lhe onde era a casa do valentão da

Granja, sem sequer saberem que falavam com

o próprio. O valentão mandou desapor as

vacas do arado e levantando o mesmo com uma

só mão indicou a casa, mas indicou também o

caminho por onde teriam de ir, caminho que,

os fazia dar uma grande volta até lá chega-

rem, isto porque, enquanto os mensageiros

faziam o caminho mais longo, o valentão

seguia pelo caminho mais curto, para chegar

primeiro e ter tempo para se preparar para

os receber.

Os mensageiros do rei ficaram pasmados

ao verem como lhes fora indicada a casa e o

caminho para lá chegarem e comentaram:

Será que o valentão ainda é mais forte

do que este?

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Quando chegaram à casa já o valentão es-

tava à porta para os receber. Convidou-os a

entrar, mandou-os sentar e ofereceu-lhes de

comer e de beber. Como não se serviam per-

guntou-lhes:

Os senhores não se servem?

Como nos podemos servir senhor – comen-

taram – o pão, esta broa enorme está por

partir e não temos faca, o vinho está nesse

barril e não temos copos.

Então o valentão com um só murro fez a

broa de pão em pedaços, pegou no barril,

levou-o à boca e bebeu dizendo:

- Meus senhores, aqui parte-se o pão e

bebe-se assim.

Posto isto, pôs-lhes a faca e os copos e

serviu-os com cordialidade.

Os mensageiros informaram-no então do

que os trazia ali. O rei tinha ouvido falar

da sua valentia e mandara-o chamar para

lutar com um preto que tinha como escravo

para testar a sua força.

O valentão obedeceu à ordem do rei e lá

foi.

Chegado junto do rei, este ter-lhe-á di-

to:

Se venceres este preto, o que até hoje

ninguém conseguiu, conceder-te-ei o que tu

pedires.

O valentão nada mais pôde fazer do que

obedecer às ordens do rei.

Postos frente a frente, o preto que era

um grande matulão e tinha vencido todos,

logo pensou que para ele aquilo era canja.

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Dada a ordem de ataque o preto vai com

uma grande cabeçada em direcção ao peito do

valentão, mas este, faz-lhe uma finta e

consegue-lhe apanhar a cabeça com o braço,

torcendo-lhe o pescoço, causando-lhe morte

imediata.

O rei ficou admirado e logo lhe mandou

pedir o que quisesse.

O valentão disse-lhe que só queria uma

coisa: todo aquele que entrasse dentro das

suas propriedades não podia ser preso ou

levado dali sem a sua autorização, mesmo

que tivesse acabado de cometer algum crime

ou fosse fugido da cadeia.

E assim foi. Tal privilégio foi-lhe

concedido e durou por muitos e muitos anos.

III

O penedo conhecido por penedo da lapa

dos ladrões é um penedo como tantos outros,

não fosse o seu nome e a sua lenda, lenda

que é tirada, em parte, de casos reais.

É um penedo enorme e encontra-se num va-

le e sob a sua base forma uma espécie de

sala, cujo acesso se fazia por uma pequena

abertura junto ao chão, abertura que hoje

se encontra praticamente tapada, dado ao

mato que ali se foi acumulando com o passar

dos anos.

O seu nome deve-se ao facto de em tempos

muito remotos, os ladrões fazerem ali o seu

couto.

Poder-se-á perguntar, porquê num sítio

daqueles?

Para assaltar quem?

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As pessoas de Murgido, Povoa, Ansiães,

Candemil ou outros lugares vizinhos, quando

estes, se deslocavam em direcção a Mesão

Frio?

Com certeza que não, porque estes de-

pressa os reconheceriam e não lhes seria

possível permanecer por ali.

A razão da escolha daquele local foi

porque ali, era um ponto estratégico.

Foi uma grande estrada, que ligava Trás-

os-Montes ao Porto e todo trânsito se fazia

por ali, isto, no tempo em que não havia

automóveis nem comboios.

Quem vinha de Vila Real e Santa Marta de

Penaguião, etc, atravessava a serra, pas-

sando no seu ponto mais alto onde se encon-

tra a Capela de Nossa Senhora da Serra,

descendo em direcção à Malhada Nova, Fis-

gas, Fraga da Filhó, proximidades da Lapa

dos Ladrões, Penedo das Cortes e por aí

abaixo em direcção à Amarante, rumo ao Por-

to, caminho que também era feito em sentido

contrário.

O nome do Penedo das Cortes terá deriva-

do de naquele local, nesse tempo, existirem

umas cortes onde os animais descansavam e

haveria, provavelmente, um abrigo para as

pessoas repousarem.

Julga-se que os ladrões ali acoitados

não assaltavam as pessoas das aldeias vizi-

nhas, pois tinham todo o interesse em man-

ter com elas um bom relacionamento, até

que, um dia alguma coisa correu mal e foi o

seu fim.

Um indivíduo de Murgido, conhecido por

Sapateiro, não se sabe se por alcunha ou

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porque tinha essa profissão, terá ido a

Mesão Frio vender uma burra e no regresso

foi assaltado e morto, no local chamado

Montados, onde ainda hoje é conhecido como

Bouça do Sapateiro. A razão da morte pode

ter sido porque os conhecia, ou porque não

trazia o dinheiro da venda.

Este facto fez revoltar as gentes de

Murgido e localidades vizinhas, as quais

pensaram em dar cabo dos ladrões. Se bem o

pensaram, melhor o fizeram. Então as pesso-

as de Murgido, com o auxílio de alguém de

Carneiro, resolveram fazer uma festa em

honra dos ladrões, levando vários barris

com vinho que envenenaram, matando-os assim

a todos, acabando-se os ladrões naquele

local.

Talvez, os ladrões não tenham acabado

naquele local, porque morreram, porque se

assim fosse, morriam uns e outros viriam,

mas porque vieram os comboios e os automó-

veis e o trânsito deixou de se fazer por

ali.

Murgido aldeia serrana,

Na beleza és a primeira.

Tens Nossa Senhora dos Remédios,

Como tua padroeira.

Quem em Murgido foi nascido,

E da sua água bebeu.

Mil terras pode ter corrido,

Mas a sua, jamais esqueceu.

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