historia universidade europa e portugal

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1 Universidade de Coimbra Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XXI CEIS20 Relatório final de pesquisa Pós-Doutorado Uma história da universidade brasileira: tensões, contradições e perspectivas de sua identidade institucional Prof. Dr. Angelo Brigato Ésther Orientação Prof. Dr. Luis Reis Torgal CEIS20/UC Junho/2012 Esta é uma versão condensada do relatório completo para uso em sala de aula, contendo apenas os dois primeiros capítulos e as respectivas referências. O relatório completo pode ser obtido diretamente com o autor. A partir deste relatório de pesquisa, foi publicado o livro: TORGAL, Luís Reis, ÉSTHER, Angelo Brigato. Que universidade? Interrogações sobre os caminhos da universidade em Portugal e no Brasil, pela Editora da UFJF (EDUFJF), em 2014.

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História da universidade

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Page 1: Historia Universidade Europa e Portugal

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Universidade de Coimbra

Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XXI – CEIS20

Relatório final de pesquisa

Pós-Doutorado

Uma história da universidade brasileira:

tensões, contradições e perspectivas de sua identidade

institucional

Prof. Dr. Angelo Brigato Ésther

Orientação

Prof. Dr. Luis Reis Torgal

CEIS20/UC

Junho/2012

Esta é uma versão condensada do relatório completo para uso em sala de aula, contendo apenas os dois primeiros

capítulos e as respectivas referências. O relatório completo pode ser obtido diretamente com o autor. A partir

deste relatório de pesquisa, foi publicado o livro: TORGAL, Luís Reis, ÉSTHER, Angelo Brigato. “Que

universidade? Interrogações sobre os caminhos da universidade em Portugal e no Brasil”, pela Editora da UFJF

(EDUFJF), em 2014.

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INTRODUÇÃO

Tem sido recorrente a afirmação de que as universidades estão em crise. Talvez

reflexo das sucessivas crises econômicas que vêm sendo observadas nos últimos anos, o fato é

que as universidades têm sido colocadas em xeque diante dos supostos novos desafios que a

chamada “era do conhecimento”, no contexto da “globalização”, impõem aos países,

organizações, instituições e indivíduos. No Brasil, a instituição universitária – em particular as

públicas e, mais notadamente, as federais – têm sido alvo permanente de discussões

relativamente acaloradas, sobretudo a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso

(1995-2002), quando se promove a chamada “Reforma do Estado”, dando continuidade ao

processo de abertura da economia brasileira iniciado pelo então Presidente Fernando Collor

de Mello. O fato é que, hoje, subjaz uma discussão profunda – mas ainda não seriamente

realizada, a nosso ver – sobre o que é a universidade, que papéis ela deve desempenhar e

como deve fazê-lo, tendo em vista as diversas crises apontadas por especialistas nas últimas

décadas1.

Se voltarmos no tempo e examinarmos a história da universidade desde seu

nascimento oficial, percebe-se que ela sempre foi uma questão confusa, complexa, paradoxal

e necessária. Assim, é comum afirmar que a universidade brasileira “está em crise”. No

entanto, cabe perguntar: Qual crise? Por quê? E mais: por que a universidade (em especial a

brasileira) parece estar sempre em crise? E, em geral, sempre que há uma crise, parece ser

necessária uma reforma. A título de ilustração, e considerando a criação oficial da

universidade em 1920, foram feitas três reformas entre os anos de 1930 e fins da década de

1960, sendo que o ensino sofrera diversas reformas anteriormente (1911, 1915, 1925).

Observe-se que a primeira reforma – 1931 – ocorre apenas 10 anos após a criação da primeira

universidade. A segunda ocorre em 1942, e em 1968 ocorre a terceira. Em outras palavras, a

universidade parece ter “nascido em crise”. Ou nascido “sem identidade”? Ela precisaria ser

“reinventada” dez anos após seu nascimento. Por quê?

Como bem aponta Torgal2, a crise é própria de uma sociedade em movimento, assim

como é própria do ser humano; representa, normalmente, um estado de passagem. Espera-se

que essa passagem seja para um estado “melhor”. Conforme o autor, em termos médicos,

significa, por assim dizer, passar de um estado de doença para um estado de saúde. No

1 Ribeiro (1969), Santos (1995, 2004), Ristoff (1999), dentre outros. 2 Torgal (2010).

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entanto, a palavra “crise” suscita diversos significados conforme o critério utilizado. Do ponto

de vista social, a concepção mais abstrata associa o termo ao “ponto crucial” de um processo,

que marca a transição de uma situação para outra. Dito de outra forma,

a crise inclui, portanto, e sempre, um risco ou ameaça, em relação a uma situação

conceptualizada de acordo com a informação, saber, e valores adaptados pelo

observador, o qual, em função desta última componente, pode valorar positiva ou

negativamente as alterações em processo, uma atitude de empenhamento que neste

ponto suspende a neutralidade científica3.

Conforme Cordeiro, “quase não seria exagerado afirmar que a crise não só faz a

história como a funda. Uma história sem crises quase não é uma história, seja ela governada

pela Providência ou abandonada a um mecanismo cego”4.

Tal situação ocorre porque a história é construída pelos atores sociais, detentores de

objetivos, ideais, ideias, e recursos variáveis, que lutam por suas posições e interesses. Assim,

as indagações acima se fazem necessárias na medida em que a universidade representa uma

das instituições mais peculiares e indispensáveis da sociedade. Se a crise é própria da história,

então é reconfortante admitirmos e aceitarmos que a universidade está sempre em crise.

Mas, ao mesmo tempo, não se trata de adotar uma posição conformista nem banalizar

a existência de crises, pois corre-se o risco de tratá-las superficialmente, deixando as questões

centrais sempre em aberto, em nome de um processo ininterrupto e inevitável. No fundo,

parece que certas crises persistem justamente porque não são devidamente colocadas em

discussão, adotando-se soluções paliativas ou temporárias, que não colocam em causa o cerne

da questão. De todo modo, parece-nos fundamental compreender suas manifestações

empíricas e concretas, ou seja, compreender as razões, as motivações, as concepções, os

interesses e pontos de vista dos diversos sujeitos envolvidos ao longo da história da instituição

e de suas crises.

No nosso modo de ver, a crise fundamental da universidade é relativa à sua identidade

institucional, o que leva a dilemas e contradições em sua atuação. Se a identidade diz respeito

à forma como alguém ou um grupo se define e como é definida por outros, e se a universidade

não possui uma representação inequívoca de sua existência, então sua gestão fica, no mínimo,

dificultada. Isso implica que seus gestores – em todos os níveis – acabam por tomar decisões

que não representam adequadamente os diversos interesses em jogo e as diferentes

concepções acerca do papel e da forma de atuação da universidade. Nesse sentido, as soluções

3 Moreira (2010, p. 17-18). 4 Cordeiro (2010, p. 41).

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4

podem representar apenas o resultado de jogos de poder, ao invés de representar o acordo

negociado dos diversos interesses, concepções e ações. Em outras palavras, não se nega a

dimensão das relações de poder envolvida. Ao contrário, é no contexto das relações de poder

que a identidade é construída. Assim, “construção” é uma palavra-chave, pois indica um

processo “negociado” em diversas esferas e instâncias. Ao que parece, a identidade da

universidade parece ser mais “imposta” do que “negociada”. Talvez aí resida a principal

dificuldade de se chegar a um entendimento sobre a tão desejada e polêmica “autonomia da

universidade”. Tal discussão será retomada oportunamente.

Evidentemente, a crise da instituição universitária não se dá de forma isolada nem

descontextualizada. Ao contrário, ela está no bojo e constitui um espaço muito maior em que

diversas crises coexistem, sejam elas do modelo econômico, do modelo de sociedade e assim

por diante. Se há uma crise institucional da universidade, é porque há, simultaneamente, uma

crise mais ampla e profunda das instituições enquanto elemento mediador entre o homem e a

sociedade e a decorrente criação de sentido ou significado para os indivíduos e sociedades. Se

antes, as instituições – incluindo a universidade – eram fonte de significado para os

indivíduos, atualmente tal prerrogativa parece não funcionar muito bem. Se cabia à

universidade, enquanto instituição, realizar esta tarefa, e se hoje ela não mais realiza, a própria

identidade institucional da universidade está em crise.

É nesse sentido e dentro dessa perspectiva que se justifica a discussão da universidade,

pois sua atuação é correlacionada à concepção que dela se tem e dos papéis que deve

desempenhar, sempre num contexto de relações de poder. Pressupõe-se que as representações

e identidades da universidade podem ser diversas, variadas e contraditórias, o que consiste

num desafio ainda maior, uma vez que a articulação dessa diversidade de identidades

atribuídas implica fortes relações de poder de modo a se decidir por um curso de ação. Em

outras palavras, está um jogo uma “política de identidade”, envolvendo um embate entre

diversos atores sociais, detentores de recursos e posições variadas e variáveis no tempo e no

espaço.

No que diz respeito à identidade das universidades, tomá-la como um única

constituiria uma falácia e um erro. Ao contrário, as universidades têm origens e concepções

diversas ao longo da história. Nesse sentido, e embora não utilizem o conceito de identidade

institucional, Drèze e Debelle entendem a instituição universitária segundo cinco pontos de

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5

vista, que denominam “concepções da universidade”5: centro de educação, comunidade de

pesquisadores, núcleo de progresso, modelo intelectual e fator de produção. As três primeiras

concepções compõem o que os autores chamam de “a universidade do espírito”, e que dizem

respeito aos ideais mais tradicionais da universidade, sendo representadas pela universidade

inglesa, pela alemã e pela norte-americana, respectivamente. As duas últimas concepções são

agrupadas sob o rótulo “a universidade do poder”, concernentes à universidade francesa e à

soviética.

Embora façam algum sentido, as concepções de Drèze e Debelle têm um caráter mais

sociológico do que histórico, na medida em seus tipos retratam universidades específicas no

tempo e no espaço, desconsiderando os diversos estágios de desenvolvimento pelos quais

passaram as universidades ao longo de sua história, desde sua criação no século XII.

Poderíamos definir tais concepções como “identidades emblemáticas”, dadas sua importância

e capacidade de representação e de influência sobre o entendimento acerca das universidades.

De todo modo, é fato que as universidades não apresentam um desenvolvimento uniforme e

único, nem uma concepção (identidade) única. Ao contrário, embora haja semelhanças, elas

possuem configurações e concepções diferentes significativas. Da mesma forma, sofreram

mudanças significativas ao longo de seus séculos de existência6, sendo, inclusive, fechadas e

reabertas em momentos históricos diferentes com concepções diferentes7. Nesse sentido,

alguns autores apontam para questões relevantes, como, por exemplo, no caso inglês, a

universidade ser considerada uma criação da modernidade, a despeito de sua antiguidade8.

Torgal, por sua vez, mostra alguns paradigmas acerca da universidade, como a “universidade

política” – que deveria seguir a lógica totalitária, ou as concepções políticas do Estado – e

“universidade cultural”, baseada no texto de Ortega y Gasset, cuja ideia central era de que a

universidade deveria transmitir cultura9.

Embora negando-se uma concepção “essencialista”, a universidade pode ser entendida

como uma instituição, dado seu modo de funcionamento e dinâmica particulares, que

governam determinados comportamentos dos seus atores. Como tal, fornecem modelos

morais e cognitivos que permitem a interpretação e a ação dos indivíduos. Nesse sentido,

fornecem não apenas informações úteis para uma ação estratégica, como também afetam a

5 Drèze e Debelle (1983). 6 Rüegg (2007). 7 Torgal (2008b). 8 Magalhães (2006). 9 Torgal (2008a; 2008b).

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6

identidade, a imagem de si e as preferências que guiam a ação10

. Entretanto, embora dotadas

de certa racionalidade instrumental, as instituições adotam determinadas práticas culturais,

comparadas aos mitos e às cerimônias, não necessariamente porque contribuem para aumentar

sua eficácia (racionalidade), mas porque visam obter legitimidade de suas estruturas formais

racionalizadas11

. Em outras palavras, “as organizações adotam formas e práticas institucionais

particulares porque elas têm um valor largamente reconhecido num ambiente cultural mais

amplo”12

. Desse modo, “a identidade e a imagem de si dos atores sociais são elas mesmas

vistas como sendo constituídas a partir das formas, imagens e signos institucionais fornecidos

pela vida social”13

.

De modo a obter a legitimidade desejada, as instituições acabam por adotar

mecanismos isomórficos, de modo a se tornarem mais semelhantes àquelas que lhes servem

de referência14

. É desse modo que as universidades podem se organizar de modo muito

semelhante entre si, inclusive defendendo uma missão “clássica” e quase inequívoca para o

campo: ensino, pesquisa e extensão. Talvez por isso haja uma sensação de que a instituição

possui uma identidade essencial ou imutável ao longo do tempo. Daí suas concepções

poderem ser entendidas como identidades institucionais, pois as instituições possuem a

propriedade de manter suas características por um longo período de tempo – o aspecto

“duradouro” da identidade15

. Mas, ao mesmo tempo, pode indicar a ausência da reflexão

crítica sobre si mesma, simplesmente conformando-se de acordo com o mainstream

ideológico de sua época.

Entretanto, a história da universidade está longe de ter sido construída de forma linear

e inequívoca como a reflexão acima pode sugerir. Também está longe de ter sido meramente

determinada por uma ordem social vigente e onipotente. Ao contrário, sua configuração é

fruto de relações de poder mais amplas, que envolvem esferas externas e internas à própria

instituição. Isso é válido também para o caso da universidade brasileira, cuja origem formal

remonta ao Século XX, quando é criada a primeira universidade brasileira.

Provavelmente em função das diversas concepções ou identidades possíveis, percebe-

se que a instituição atravessa crises – no mundo e no Brasil – que têm colocado sua atuação e

10 Hall, Taylor (2003). 11 Meyer, Rowan (1991). 12 Hall, Taylor (2003, P. 211). 13 Hall, Taylor (2003, P. 201). 14 DiMaggio, Powell(1991); Meyer, Rowan (1991). 15 Nos termos de Whetten (2006).

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7

papel em xeque. No caso brasileiro em particular, a universidade enfrenta três crises

fundamentais16

: financeira, do elitismo e do modelo. A crise financeira diz respeito aos baixos

investimentos que o governo federal vem realizando na universidade. Segundo o autor, o

“país está hoje tão obcecado pela ideia de eficiência e corte de gastos públicos que se tornou

incapaz de atentar para o retorno social, educacional e mesmo financeiro que o investimento

em educação representa”17

. A crise do elitismo da educação superior diz respeito ao acesso à

universidade. O autor menciona a classificação Trow, que estabelece três sistemas

considerando a oportunidade de acesso à educação superior: o sistema de elite (15% da faixa

etária entre 18 a 24 anos têm acesso). o sistema de massas (até 40%) e o sistema universal

(acima de 40%). No Brasil, considerando a faixa etária entre 18 e 24, cerca de 10% da

população está matriculada na educação superior. Ou seja, o sistema é considerado altamente

elitista. A crise do modelo tem a ver com a definição que se faz da função do ensino superior.

A educação superior é uma atividade de múltiplas funções, que atende a três tipos de

necessidades importantes e legítimas:

a) A necessidade de garantir o avanço autônomo e desatrelado do conhecimento.

b) As necessidades do Estado, relativas a projetos de desenvolvimento de governos e

pela demanda de mão-de-obra altamente qualificada.

c) As necessidades do indivíduo, relativas ao seu desejo e direito de investir em si

próprio.

Segundo o autor, essas necessidades podem até ser conflitantes em alguns casos, mas

não são antagônicas. Entretanto, alteram escalas de prioridades e são facilmente ideologizadas

e tratadas como se fossem antagônicas. Diante dessas questões, fica evidenciada a

necessidade de equacionar as demandas, o que passa por uma discussão do modelo de

educação superior e de universidade, envolvendo a questão da alocação dos recursos. Em

outras palavras, o autor coloca que “cresce o sentimento de que a educação superior deve

estar disponível para todos o que seriamente a procuram”18

.

Da mesma forma, outros autores também entendem que a universidade (e de resto todo

o ensino superior) tem vivido “em crise” há muito tempo, o que vem ocasionando uma série

de críticas quanto à sua identidade, forma de atuação e gestão. Boaventura Santos, por

16 Ristoff (1999). 17 Ristoff (1999, P.203).O autor se refere ao contexto do final de década de 1990, quando do governo do

Presidente Fernando Henrique, que defendia a reforma do Estado, de acordo com os preceitos da chamada

“Nova Gestão Pública”, de inspiração inglesa. Como se verá ao longo deste texto, tal lógica permanece nos dias

de hoje, alcançando a universidade de forma clara e profunda. 18 Ristoff (2000, p.208).

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8

exemplo, aponta as crises de hegemonia, de legitimidade e institucional da instituição

universitária19

. Calhoun discute a questão do bem público versus privado20

. Magalhães, por

sua vez, entende que a crise da instituição universitária está inserida no bojo de uma crise do

sistema de educação superior, e que estas crises são concomitantes à crise da modernidade21

.

Torgal também identifica tal crise, apontando que uma de suas decorrências é a inserção da

lógica gerencial, empreendedora – termo consagrado por Burton Clark – e empresarial no seio

da instituição universitária, o que, por sua vez, ocasiona grandes ambiguidades e contradições

em sua atuação22

, algo apontado neste sentido, anteriormente, por Cowen23

. No Brasil, as

críticas têm assumido um tom semelhante ao de investigadores estrangeiros, como Ribeiro,

Trindade, Chauí, Leher, Nussenzweig, Rodrigues, Sguissardi, dentre outros24

, cujos

argumentos serão abordados ao longo de todo este trabalho.

Se aqui assumimos que a universidade passa por uma crise de sua identidade

institucional, isto não implica dizer que o processo se limita exclusivamente a esta dimensão.

Ao contrário, passamos por “momento de mudança histórica [em que] as estruturas culturais

de sustentação educacional, forças econômicas e ideologias políticas estão mudando muito

rapidamente e construindo algo novo”25

. Em outras palavras, não se trata de um problema

exclusivo da universidade, mas de uma questão muito mais complexa que envolve os sistemas

educacionais e, por conseguinte, as universidades em todos os países, pelo menos de uma

forma geral, mas de modos e intensidades distintas. Portanto, aqui, trata-se de analisar a

universidade brasileira neste contexto mais amplo de transformações, em que as políticas de

identidade assumem uma importância vital, embora com contornos bem específicos. É o que

pretendemos mostrar neste trabalho.

Para tanto, este trabalho está organizado de tal modo que fiquem claras as

permanências e as mudanças nas concepções acerca da universidade ao longo de sua história,

desde sua criação no século XII. Evidentemente, não é possível aprofundar em todos os

aspectos concernentes à estrutura e dinâmica universitárias ao longo de cerca de mil anos.

Assim, pretende-se descrever e analisar aquilo que nos parece mais relevante para a

19 Santos (2003; 2004). 20 Calhoun (2006). 21 Magalhães (2006). 22 Torgal (2008a; 2008b). 23 Cowen (2002). 24 Ribeiro (1969), Trindade (1999), Chauí (1999), Leher (2004), Nussenzweig (2004), Rodrigues (2001),

Sguissardi (2005; 2006). 25 Cowen (2002, p.35).

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9

compreensão das contradições e das tensões acerca da identidade institucional da

universidade. Talvez, desta forma, seja possível pensarmos em perspectivas mais realistas

para o futuro, mas que devem ser, necessariamente, discutidas no presente.

Ao longo dos séculos, a universidade assume contornos e significados distintos,

embora tenha sido capaz de manter alguns vivos por muito tempo, chegando aos dias atuais,

mas não sem combate, crítica, resistência e conflitos. Por outro lado, o presente parece

indicar, tal como sugerem diversos autores, que a universidade está em ruínas, ou, no mínimo,

rendida a uma situação contra a qual não pode (ou não quer?) lutar, e que lhe impõe um

paradigma de atuação completamente distinto daquele para o qual foi criada e mantida até

então.

O caso brasileiro, por sua vez, é peculiar diante da universidade europeia da qual é

herdeira, pois a universidade brasileira não nasceu nem cresceu na Idade Média. Aliás, o

Brasil, enquanto nação e país, jamais viveu a Idade Média, portanto, não tem uma espécie de

“memória coletiva”, ainda que inconsciente acerca daquela época. Ao contrário, a

universidade brasileira nasceu na contramão dos ideais dos republicanos, para quem esta

significava apenas uma instituição já fadada ao fracasso, simplesmente por representar uma

expressão concreta de um regime falido.

Diante do exposto, este trabalho começa com uma breve história da universidade,

considerada uma criação europeia de modo basicamente unânime. De todo modo, no primeiro

capítulo serão descritas suas principais características, de modo a deixar claro seu significado

genérico em seus diversos períodos, alcançando os dias de hoje. Não é possível aprofundar

em cada etapa histórica, da mesma forma que não se analisarão universidades específicas,

embora as universidades “fundadoras”, por assim dizer, sirvam de referência para outras e

sejam aqui minimamente abordadas e descritas.

O segundo capítulo descreve a história da Universidade de Coimbra, pois é o destino

principal dos brasileiros durante a fase colonial, principalmente nos séculos XVIII e XIX,

além de sua influência na própria organização jurídica do território. Por conta disto, e por

outros fatores, contribuiu, também, para a construção da nacionalidade brasileira,

influenciando, inclusive, os movimentos pela independência26

.

26 Gauer (1995). Segundo a autora, formaram-se 1777 pessoas em Coimbra durante do século XVIII, e apenas

817 durante o século seguinte, em função, especialmente, da transmigração da família real para o Brasil em

1808, com a consequente abertura de cursos superiores por D. João VI. Ainda, segundo a autora, em 1750 havia

uma população branca de 1.500.000 habitantes no país, e cerca de 2.000.000 em 1808, além de 300.000 mestiços

e 500.000 índios. Neste sentido, a posse de um curso superior era revestida de especial importância social.

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O capítulo seguinte descreve e analisa as fases históricas do Brasil no que diz respeito

à educação superior em geral, e à universidade particular. Nesta edição, dentre estas fases,

destacam-se duas: a fase inicial, de sua criação artificial e tardia, e a fase atual, a partir da

emergência da chamada “Nova República”.

A primeira fase é fundamental, pois trata-se do período em que a universidade é

criada, após séculos de resistência por parte da coroa portuguesa, e a despeito das diversas

propostas e tentativas formais, incluindo os inconfidentes e a fase mais inicial da república.

Assim, procura-se deixar claros tanto os motivos da negação bem como da criação tardia.

Para tanto, enfatizou-se, sobretudo, o discurso oficial dos republicanos, desde a proclamação

até o início da década de 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder. A fase atual é também

melhor explorada, na medida em que representa, obviamente, o presente e o passado mais

recente da história da universidade. As fases “intermediárias”, por assim dizer, são descritas

em seus aspectos essenciais, de modo a desenhar o “desenrolar” e as mutações (?) pelas quais

passa a universidade brasileira, em termos de sua identidade institucional. Se existe algo em

comum em todas as fases de sua existência, tratam-se dos conflitos existentes entre ideologias

e ideais distintos e contraditórios, o que se refletiu, indubitavelmente, nas formas e nas

expressões que a instituição universitária assumiu no país, como, por exemplo, nos casos

emblemáticos da Universidade do Rio de Janeiro (URJ), Universidade do Distrito Federal

(UDF), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade de São Paulo (USP).

O quarto capítulo aponta as principais questões envolventes da gestão universitária,

tendo em conta, principalmente, a polêmica questão da autonomia. A gestão universitária não

é tema menos complexo do que a identidade institucional. Ao contrário, a gestão é

multidimensional e multinível, se assim podemos chamar. É multidimensional na medida em

que envolve dimensões financeiras, estruturais, materiais e humanas. É multinível por não se

limitar apenas à instância organizacional. Embora dotadas de autonomia administrativa, o

governo federal, por meio de seus órgãos, em grande medida gerencia o funcionamento da

instituição universitária, em todas as suas dimensões, com maior ou menos interferência e

impacto, conforme o que se está em jogo. Além disto, embora não constitua objeto de análise

específica deste trabalho, há de se mencionar e considerar um tipo de interferência na gestão,

que é aquela que diz respeito às influências ideológico-partidárias no interior da universidade,

envolvendo gestores, representantes sindicais – professores e servidores técnico-

administrativos – e representantes discentes. Neste sentido, inclui-se a dimensão política.

Page 11: Historia Universidade Europa e Portugal

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Finalmente, são tecidas considerações finais ao tema, apontando-se tanto os limites do

estudo quanto algumas possibilidades de desdobramentos e aprofundamentos. Não se esgota o

tema em sua complexidade, mas procura-se oferecer uma contribuição aos estudos

organizacionais, numa perspectiva assumidamente interdisciplinar, em que disciplinas como

gestão, sociologia e história se interconectam para a compreensão acerca dos desafios que são

colocados à sociedade, às organizações, às universidades e aos indivíduos. Esperamos ter

alcançado tal empreendimento.

Page 12: Historia Universidade Europa e Portugal

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A CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE NA EUROPA

Segundo Anísio Teixeira, são quatro as instituições fundamentais que constroem e

condicionam a vida na sociedade: a Família, o Estado, a Igreja e a Escola. Embora a

universidade (escola) tenha se colocado em pé de igualdade com as demais instituições apenas

a partir da Idade Média, ela hoje é entendida como uma das grandes responsáveis pelo

florescer da civilização ocidental27

. Assim, a universidade não está à margem da história de

um país. Ao contrário, ela participa da história e é por esta atravessada, numa espécie de

relação dialética28

. Na visão de Anísio Teixeira, a universidade é, na sociedade moderna, uma

das instituições características e indispensáveis, sem a qual não chega a existir um povo, o

qual não teria uma existência autônoma, vivendo, tão-somente, como um reflexo dos

demais29

. Segundo o autor,

[...] a história de todos os países que floresceram é a história da sua cultura e a

história da sua cultura é, hoje, a história das suas universidades. Sempre a

humanidade viveu utilizando a experiência do passado, mas essa experiência atingiu, nos tempos modernos, tamanha complexidade intelectual que, sem a

experiência das universidades, grande parte dela se teria perdido e outra grande

parte nem chegaria a ser formulada30.

Anteriormente ao advento das universidades, o ensino medieval se dava, basicamente,

por meio da escola monástica e da episcopal. Ambas, religiosas e essencialmente técnicas,

visavam formar o monge e o padre, respectivamente31

. Assim, desde a queda do Império

Romano do Ocidente, o ensino era responsabilidade, basicamente, da Igreja. Desde o século

VI, a Igreja decidiu abrir escolas em suas paróquias e bispados, de modo a preparar os

indivíduos para o clero e outras atividades. À época, os mosteiros eram fundamentalmente

compostos por uma escola, uma biblioteca e um ateliê de cópia de manuscritos. Durante

séculos, e desde então, a escola no ocidente foi uma instituição monástica32

.

Contribuíram muito para o crescimento das escolas episcopais – e depois as

universidades – a luta da Igreja contra os inimigos da cristandade – as Cruzadas dos séculos

XI a XIII – e o decorrente desenvolvimento do comércio, período em que os mercadores

27 Teixeira (1988). O texto original é de 1935. 28 Fávero (1980). 29 Teixeira (1988). 30 Teixeira (1988, p. 34). 31 Janotti (1992). 32 Verger (2001).

Page 13: Historia Universidade Europa e Portugal

13

alcançam grande influência e poder na sociedade, o que vai acarretar, por sua vez,

necessidades de conhecimentos técnicos para as práticas contábeis e de registro da época33

.

Os estudos eram dirigidos prioritariamente para as ciências sagradas ou estudos

teológicos, com o objetivo de habilitar o futuro eclesiástico a compreender e expor as

Escrituras Canônicas e outros escritos, ficando as ciências desleixadas e as questões

filosóficas centrais evitadas. Para completar o ensino teológico, havia as chamadas “artes

liberais”, herança da cultura antiga. As artes liberais eram sete, divididas em dois grupos: o

Trivium e o Quadrivium. O primeiro grupo, considerado como instrução elementar, envolvia a

gramática, a retórica e a dialética, enquanto o segundo era uma instrução avançada,

envolvendo a aritmética, a geometria, a astronomia e a música. A escola monástica

preponderou sobre a episcopal até o século XI, mas no decorrer do século XII, devido ao

renascimento urbano e cultural, a escola episcopal se sobressai, por ser tipicamente urbana.

No entanto, logo ela é suplantada por uma nova escola: a universidade34

.

Em relação ao seu surgimento, pode-se perguntar se a universidade é um resultado da

sociedade em que existe ou se ela é um fator na formação dessa sociedade. Para alguns

autores, a universidade surge para manter a dominação da classe dirigente, para outros ela

aparece em função do florescimento do comércio e transportes fomentados pelas cruzadas, e,

ainda, contrariamente às perspectivas anteriores, a universidade surge pelo interesse erudito e

científico, pelo desejo de aprender e de saber, o amor sciendi35

. Atualmente, os historiadores

concordam que a universidade

“não desceu dos céus sobre a sociedade nem emanou pura e simplesmente dela

como uma função das forças sociais de produção. Existem uma interacção e uma

influência mútua entre a universidade e a sociedade na qual ela está integrada. Sem o

estímulo intelectual da procura racionalmente controlada do conhecimento não

existiria a universidade [...] A nova instituição social, a universidade, apenas poderia ter surgido nas circunstâncias econômicas, políticas e sociais particulares de certas

cidades européias no início da Idade Média”36 .

Por outro lado, o conhecimento atual ainda não permite conclusões nem explicações

definitivas sobre quais fatores ou quais combinações de fatores fizeram com que acadêmicos

principiantes e maduros se fundissem numa pessoa jurídica coletiva à qual fossem garantidos

direitos e privilégios por parte das autoridades públicas da época37

. De todo modo, parece ser

33 Le Goff (1995). 34 Janotti (1992). 35 Rüegg (1996). 36 Rüegg (1996, p. 10-11). 37 Rüegg (1996).

Page 14: Historia Universidade Europa e Portugal

14

uma unamidade que a universidade é uma criação europeia da Idade Média, uma instituição

original que só pode ser compreendida em termos de sua história de surgimento e do seu

modo de funcionamento em termos concretos38

.

Em termos gerais, e embora a existência da universidade não fosse necessária para

alcançar seus objetivos, todos os atores sociais esperavam encontrar apoio do saber acadêmico

e científico para a luta por sua existência (Quadro 1). Assim, “os poderes político e

eclesiástico esperavam obter apoio e reforço para o domínio de que usufruíam, os estudantes e

os professores procuravam saber e vantagens sociais, os habitantes das cidades universitárias

pretendiam um bem-estar acrescido39

”.

Os papas tinham três interesses principais na existência da universidade. Em primeiro

lugar, pretendiam reforçar a posição de uma doutrina racionalmente inteligível, num ambiente

repleto de ordens religiosas e de homens de cultura, de modo a evitar que as heresias, já

crescentes, se espalhassem ainda mais. Em segundo lugar, desejam consolidar os poderes

centrais do pontificado face aos poderes terrenos e interesses feudais das diversas regiões. Em

terceiro lugar, a necessidade de recrutar pessoal para seus serviços. A esta altura, século XII, a

cúria já havia reconhecido a importância da educação erudita na formação de pessoal, de

modo a resolver problemas dogmáticos e legais da política eclesiástica. Diante destes

objetivos, os papas viam a universidade como uma instituição que, sob sua jurisdição e

proteção diretas, serviriam como meio de controle e organização dos estudos da época.

Assim, usavam as universidades, por exemplo, para enviar seus decretos para tratamento e

difusão nas aulas. Da mesma forma, o pagamento de prebendas e benefícios eclesiásticos aos

monges ou padres, os colocavam em dívida para com a Igreja.

Os reis e monarcas esperavam uma ajuda intelectual e individual no estabelecimento e

consolidação das instituições que enfrentavam oposição das aristocracias. As universidades

também serviam aos seus propósitos de manter seu domínio territorial, embora muitas das

vezes justificassem a fundação de uma universidade como alternativa para que os súditos não

precisassem estudar no estrangeiro, o que lhes era muito caro economicamente.

Embora houvesse um nível elevado de conflitos entre a cidade e os estudantes das

universidades, em função de seus privilégios e benefícios legais, as cidades passaram a

perceber vantagens em possuir uma universidade em seu território, na medida em que esta

formava pessoal capacitado a resolver problemas legais, administrativos e comerciais.

38 Verger (1996). 39 Rüegg (1996, p.13).

Page 15: Historia Universidade Europa e Portugal

15

Os professores e estudantes, por sua vez, gozavam dos benefícios garantidos pela

Igreja, o que lhes conferia segurança e liberdade para seus estudos. A maioria dos alunos

esperava, também, oportunidades de nomeação para cargos públicos compensadores,

sobretudo se não fossem de classes economicamente mais privilegiadas. Os professores

adquiriram estatuto especial, embora não tivesse precedência sobre aqueles que não tivessem

grau acadêmico para exercício da profissão, fosse advogado, médico ou teólogo. Com o

tempo, os conhecimentos superiores se mostrariam importantes, levando os professores a se

distinguirem na sociedade, sobretudo ao final da Idade Média.

Quadro 1 – Expectativas dos atores sociais quanto à Universidade durante a Idade Média

Atores sociais Expectativas

Papas

Reforçar a posição de uma doutrina racionalmente inteligível, num ambiente repleto de

ordens religiosas e de homens de cultura.

Consolidar os poderes centrais do pontificado face aos poderes terrenos e interesses feudais

das diversas regiões.

Recrutar pessoal qualificado para seus serviços.

Monarcas

Ajuda intelectual e individual no estabelecimento e consolidação das instituições que

enfrentavam oposição das aristocracias.

Ajudar a manter seu domínio territorial, embora muitas das vezes justificassem a fundação

de uma universidade como alternativa para que os súditos não precisassem estudar no

estrangeiro, o que lhes era muito caro economicamente.

Professores Garantia de privilégios e benefícios, além de proporcionar status e reconhecimento social.

Alunos Oportunidades de nomeação para cargos públicos compensadores, sobretudo se não fossem

de classes economicamente mais privilegiadas.

Cidadãos Formar pessoal capacitado a resolver problemas legais, administrativos e comerciais, a

despeito dos níveis de conflito que existiam.

Baseado em Rüegg (1996).

Em seus períodos iniciais, as universidades aceitavam todos os que desejassem se

tornar membrum universitatis, em nada influenciando sua origem, status, distância, riqueza ou

pobreza, nem mesmo deficiências físicas, incluindo a cegueira. Mesmo com toda a obsessão

em torno dos estatutos, a pessoa poderia ingressar desde que possuísse os recursos

necessários. Assim, eram duas, basicamente, as razões para tal facilidade de acesso: a

característica fundamental da universidade, e o sistema geral de educação que existia na Idade

Média40

.

A universidade foi concebida, inicialmente, como uma associação de indivíduos,

corporações comunais, características da vida coletiva das associações, irmandades, colégios e

famílias. A história subsequente da universidade é “a história da progressiva

40 Schwinges (1996).

Page 16: Historia Universidade Europa e Portugal

16

institucionalização, racionalização e, finalmente, ‘despersonalização’ dos universitas

studii”41

, que continuou até os tempos modernos, a despeito das crises e transformações por

que passaram as universidades em toda a Europa. As universidades eram constituídas por

comunidades de indivíduos, a associação de estudantes em torno do professor era a regra

geral, independentemente de se basear no modelo de Paris ou de Bolonha. Não havia um

edifício principal, algo que só vai acontecer a partir de meados do século XVI, cujo

“aparecimento constitui um enorme passo em frente no sentido do conceito da universidade

como instituição, em oposição ao conceito da universidade como uma associação de

indivíduos em torno de um professor”42

. O magister desempenhava um papel de garantir a

disciplina dos estudantes, em geral muito jovens, que ficavam sob sua proteção, controle e

poder. Ao ingressar, o estudante escolha seu magister de acordo com um conjunto de regras.

Era tarefa do professor universitário enquanto indivíduo, e não da universidade como um

todo, avaliar o estudante. O elo entre o estudante e o magister era, portanto, o único critério

segundo o qual alguém era admitido na universidade, e que continuou como o padrão

generalizado até fins da Idade Média, quando os estatutos tornaram-se mais rigorosos43

.

Quanto ao sistema educacional da Idade Média, não havia requisitos prévios quanto a

conhecimentos ou certos padrões de educação para ingresso na universidade. A rigor, não se

provou ainda se todos os que frequentavam a universidade sabiam ler e escrever. Não havia

uma sucessão de estágios nem dependência de formação em uma escola para frequentar outra.

As transferências eram comuns, incluindo da universidade para outras escolas. A frequência

às aulas não eram obrigatórias nem absolutamente necessárias. O ensino não foi profissão

acadêmica durante os séculos XIII a XV. A grande virtude das universidades em relação a

outras escolas era o fato de que ela habilitava o seu mestre ou doutor a ministrar aulas em

outras escolas e universidades de qualquer parte44

.

Em sua maior parte, as universidades estavam estruturadas em termos de concepções

pedagógicas e classificações de conhecimentos herdados dos reformadores carolíngios

(Alcuíno), dos Padres da Igreja (Santo Agostinho, São Jerônimo) e dos teóricos da

Antiguidade (Quintiliano, Boécio etc.), ao quais tinham como inspiração Aristóteles e Cícero.

41 Schwinges (1996, p. 172). 42 Schwinges (1996, p. 173) 43 Schwinges (1996). 44 Schwinges (1996).

Page 17: Historia Universidade Europa e Portugal

17

É, portanto, uma herança tripla, que compreende uma classificação, uma hierarquia e um

método45

.

As disciplinas eram classificadas por uma autoridade (textos básicos e comentadores

reconhecidos), que funcionavam como base para outras disciplinas como a teologia, medicina,

direito e artes liberais. Por serem determinadas, ficavam excluídas disciplinas como história,

poesia, direito consuetudinário, dentre outras. Entre aquelas disciplinas havia uma hierarquia,

determinada por critérios positivos, tais como o caráter religioso de cada uma, de sua utilidade

social e sua dignidade intelectual, excluindo-se todas aquelas que parecessem “profanas”,

“lucrativas” (que proporcionasse rendimento a alguém) ou “mecânicas” (relacionada com a

matéria). Nesta hierarquia, primeiro vinha a Teologia, seguida do Direito e da Medicina e, por

fim, Artes46

. Os métodos de ensino tendiam a ser os mesmos em todas as universidades da

Idade Média, ou seja, basicamente escolástico. Consistia no uso corrente do latim como

língua de debate erudito, primando-se pelo exercício de duas práticas: a lição e a disputa. A

lição consistia na leitura dos textos básicos e seus comentários de cada disciplina,

proporcionando o domínio das “autoridades” ao estudante, para que este pudesse participar da

disputa, um debate oral conduzido segundo as regras do silogismo aristotélico, que servia para

estabelecer, defender ou refutar uma tese de todos os gêneros – filosóficos, judiciais,

teológicos etc47

.

Desde o início, o studium generale expressava seu caráter e imagem por meio dos seus

trajes, insígnias e festividades:

A complexa participação nos acontecimentos das universidades exigia a ordenação

simbólica das ideias em rituais e cerimónias. Congregações, tomadas de posse,

exames, aberturas do ano lectivo, procedimentos jurisdicionais, lições, serviços

religiosos e até mesmo as refeições e as festividades observavam sequências rituais

de palavras, gestos, objectos, música, luzes e mobiliários e formas de vestir precritas. As insígnias universitárias abrangiam um número bastante grande de

objectos simbólicos usados de muitas maneiras e em diferentes ocasiões pelos

membros dos órgãos académcos: ceptros e bastões, correntes, anéis, selos, cálices,

chaves, registos e livros de estatutos, togas e gorros. Os ceptros eram os sinais

visíveis do poder autônomo e, especialmente, jurisdicional dos reitores [...] Os

bedéis marchavam à frente dos reitores e dos professores transportando bastões de

comprimentos diferentes. Em Bolonha, os doutores acabados de nomear recebiam

anéis de ouro, juntamente com a sua licentia docente”48.

45 Verger (1996). 46 Verger (1996) afirma que não se deve tomar as Artes Liberais como meras faculdades preparatórias, a despeito

de só se receber o estatuto de Universidade aquela que tivesse uma faculdade de Teologia, Direito ou Medicina. 47 Verger (1996). 48 Gieysztor (1996, p. 138).

Page 18: Historia Universidade Europa e Portugal

18

O traje acadêmico também surge nesta época, tendo origem no vestuário do clero

secular. A cappa clausa – uma capa com capuz e buraco para a cabeça – foi introduzida no

século XIII para uso clerical fora de casa, sendo adotado em Paris, Bolonha e Oxford,

adquirindo um corte próprio no século XIV, e as cores assumindo significados diferentes mais

adiante. No século XV era visível a influência da moda laica no vestuário

acadêmico,incluindo bonés, gorros e capelos. É desta moda que nasceu a toga de mangas em

forma de asa usada na Alemanha e Inglaterra. Por volta do final da Idade Média, cada

faculdade usava trajes de formato e de cores distintas49

.

Também na era medieval surge a prática do juramento. Embora houvesse diversas

possibilidades de não fazê-lo, o juramento tinha de ser feito para concretização da matrícula,

que podia ser recusada pelo reitor caso o estudante não o fizesse. A idade mínima para o

juramento era variável conforme a universidade, numa faixa entre 10 e 16, sendo a regra

canônica a idade de 14 anos, idade comum entre os estudantes. O juramento tinha quatro

características básicas: o recém-chegado jurava ao reitor até fosse lícito, moral, social e

legalmente; jurava cumprir e preservar os estatutos vigentes e futuros; jurava promover o

bem-estar da universidade independente de seu grau ou posto acadêmico; e jurava renunciar a

qualquer forma de vingança pessoal, respeitando a ordem pública do reitor50

.

Se as universidades, enquanto instituições, tinham estatutos muito diferentes em fins

da Idade Média, por outro lado, tinham em comum a busca de uma autonomia legal e da

manutenção de prestígio profissional e corporativo da sociedade da época51

.

Rüegg procura estabelecer, hipoteticamente, os valores que legitimaram, na Idade

Média, em termos religiosos, o amor sciendi e sua respectiva forma institucional: a

universidade52

:

1. A crença numa ordem do mundo criada por Deus, racional e acessível ao

entendimento e explicada pela razão, daí o papel da investigação científica e

acadêmica como uma tentativa de entender esta ordem racional da criação divina.

2. A antiga concepção do homem como um ser imperfeito e a ideia judaico-cristã de

uma criatura caída em pecado, de onde deriva a ideia da limitação cognitiva do

homem, o que serviu para a manutenção da cooperação colegial, baseada em

valores éticos tais como a modéstia, a reverência e a autocrítica.

49 Gieysztor (1996). 50 Schwinges (1996). 51 Gieysztor (1996). 52 Rüegg (1996).

Page 19: Historia Universidade Europa e Portugal

19

3. O respeito pelo indivíduo como um reflexo do macrocosmo ou tendo sido criado à

imagem e semelhança de Deus, o que lançou as bases para a liberdade de

investigação e do ensino.

4. O absoluto imperativo da verdade científica, que já havia conduzido na escolástica

às normas básicas de ensino e investigação, tais como a negação de conhecimentos

provados, a sujeição das afirmativas às regras da evidência, bem como a abertura

às objeções a um argumento pessoal, e o caráter público da argumentação e debate.

5. O reconhecimento da sabedoria enquanto bem público, o que seria, em última

instância, uma dádiva de Deus, não evitou que o ensino e o estudo fossem

motivados pelo dinheiro. No entanto, seu valor econômico é maior no âmbito das

profissões cultas exercidas fora da universidade.

6. O conhecimento científico e acadêmico cresce de forma cumulativa, baseando-se

em conhecimentos anteriores, sendo assim o progresso do conhecimento um

processo contínuo de reformatio.

7. A igualdade e solidariedade entre os universitários permitiram às universidades se

tornarem centros institucionais da comunidade científica. Quanto maior o nível

dessa igualdade e quanto mais de perto se ligava à responsabilidade comum do

progresso do conhecimento, tanto melhor a universidade cumpria seu papel.

Quando isso não acontecia, as universidades tornaram-se estéreis e algumas

deixaram de existir, mesmo na era medieval.

Evidentemente, são valores básicos e gerais, o que não impedia diferenças

significativas entre as universidades nem uma série de conflitos internos. No entanto, eles dão

uma demonstração do que consistiam os fundamentos da universidade na Idade Média. Nesse

aspecto, o caso da universidade portuguesa será demonstrado adiante.

Trindade entende a universidade em quatro fases. Para ele, tal como visto acima, o

primeiro período é aquele que vai do século XII até o Renascimento e corresponde ao

período de invenção da universidade tradicional, a partir das experiências precursoras de Paris

e Bolonha, e que se implanta em todo o território europeu sob a proteção da Igreja romana53

.

Em sua fase áurea, a universidade se organiza a partir de um modelo corporativo e em torno

de uma catedral, abarcando certos domínios do saber, como a Teologia, o Direito Romano e o

Canônico e as Artes. A corporação de professores e estudantes é a base da universidade54

. Daí

o corporativismo, a autonomia e a liberdade acadêmica serem consideradas a essência da

53 Trindade (2000). 54 Na Idade Média, o termo que mais tecnicamente corresponde à universidade não era universitas, mas studium

generale. No fim do século XII e início do século XIII, o termo universitas é utilizado para designar corporações

de professores e estudantes, mas continuou a ser aplicada a outras corporações. Daí o fato de o termo ser usado

sempre de forma relativa: universidade de estudantes, universidade de mestres, universidade de comerciantes etc.

Foi somente no decorrer do século XV que a distinção entre universitas e studium generale desapareceu e os

termos passaram a ser praticamente sinônimos (JANOTTI, 1992).

Page 20: Historia Universidade Europa e Portugal

20

universidade medieval55

. Neste período, a instituição se constitui espontaneamente por bula

papal ou imperial. Em função de conflitos entre a universidade e os poderes locais da Igreja

ou do governo, vários papas e imperadores começaram a atribuir privilégios àquela

instituição, de modo a preservar sua autonomia. É neste período que surgem as universidades

de Toulouse (França), Oxford e Cambridge (Inglaterra), Siena, Nápoles e Pavia (Itália),

Salamanca, Valência e Valladolid (Espanha) – a primeira a ter uma legislação elaborada por

um Estado – e Coimbra (Portugal)56

. A concepção da universidade medieval possui três

elementos básicos: voltada para uma formação teológico-jurídica que responde às

necessidades de uma sociedade cuja cosmovisão é católica; organização corporativa que

detém seu significado medieval original; e preservação da autonomia diante do poder político

e da Igreja57

.

O segundo período inicia-se no século XV, quando a universidade renascentista sente

o impacto das transformações comerciais do capitalismo e do humanismo literário e artístico,

além dos efeitos da Reforma e da Contra-Reforma (século XVI)58

, sobretudo devido à

influência do poder real que é fortalecido nesta época, bem como o processo ultramarino de

Portugal e Espanha59

.

A Renascença tem seu epicentro na Itália. O desenvolvimento de suas principais

universidades (Roma, Nápoles, Florença) e da Academia Neoplatônica é fundamental para o

fim da hegemonia teológica e para o advento do humanismo antropocêntrico. O humanismo

atinge a Europa de forma heterogênea. A universidade de Louvain (Bélgica), situada entre a

civilização francesa e a alemã, realiza a transição para o humanismo sem romper a tradição

medieval, tornando-se um importante centro do renascimento literário da Europa, influindo

especialmente nas universidades inglesas. Na Alemanha, com o desaparecimento do

feudalismo, as universidades passam para o controle dos príncipes, e a vinculação ao Estado

55 Não estamos adotando uma perspectiva essencialista da identidade da instituição universitária, tratando-se

apenas de retratar a visão do autor nesse momento. Essa questão será retomada o longo do trabalho,

particularmente no capítulo sobre a universidade brasileira. 56 Janotti (1992) destaca as principais universidades que surgiram de forma espontâena (ex-consuetudine):

Bolonha, Paris, Oxford e Montpelier (século XII). Surgiram ainda (século XIII) de forma espontânea as

universidades de Vicenza, Arezzo, Pádua, Vercelli, Siena (Itália), Orléans e Angers (França), Cambridge

(Inglaterra) e Valladolid (Espanha). O autor destaca aquelas que foram criadas por meio de bula papal, imperial

ou real (ex-privilegio), que são “o resultado dos desejos pessoais submetidos às exigências da política” (p. 109): Nápoles (fundação imperial em 1224), da Cúria Romana e Piacenza (fundação papal, em 1244 e 1248), de

Toulouse (fundação papal em 1229), das universidades espanholas (fundações reais) de Palência (1212-1214),

Salamanca (antes 1230) e Sevilha (1254), e da universidade de Lisboa-Coimbra (fundação real em 1290). 57 Trindade (2000). 58 Trindade (2000). 59 Serrão (1983).

Page 21: Historia Universidade Europa e Portugal

21

se estabelece no século XVI como um dos padrões da universidade européia. A Reforma e a

Contra-Reforma introduzem um corte religioso radical entre as universidades. A Reforma tem

desdobramentos calvinistas e anglicanos, rompendo com a hegemonia tradicional da Igreja,

que reage por meio da Contra-Reforma. Assim, Lutero funda as primeiras universidades

desde 1544, enquanto a ordem jesuíta amplia o campo da Contra-Reforma na Alemanha,

França, Itália, especialmente com a universidade Gregoriana, em Roma (1533)60

.

Neste período, as universidades entram em crise. Com exceção das grandes

metrópoles, como Paris e Bolonha, a tendência no fim do século XV foi a da valorização das

universidades “nacionais”, por meio das quais os reis ampliaram seu poder, como no caso de

Oxford, Cambridge, Salamanca e Lisboa (Coimbra)61

.

O humanismo abre uma nova perspectiva para o ensino universitário, mas as

universidades não se deixaram influenciar tão rapidamente. Neste sentido, os debates mais

intensos se deram em França, Inglaterra e Alemanha, enquanto na península ibérica a

“tradição religiosa era vigilante contra todas as formas de ortodoxia”62

. Assim, o

protestantismo não deixou de se apoiar nas universidades. Ao mesmo tempo, a Contra-

Reforma se sustenta nas universidades portuguesa e espanhola, que ainda procuram manter a

tradição medieval, a despeito das mudanças que vinham se processando na Igreja63

.

O terceiro período abrange os séculos XVII e XVIII, que são marcados sobretudo por

descobertas científicas em vários campos do saber, pelo Iluminismo e pela Revolução

Industrial inglesa. Neste período, a universidade começa a institucionalizar a ciência,

marcando a transição para os modelos que irão se desenvolver no século XIX. Na transição

entre aqueles séculos, são fundadas as primeiras cátedras científicas e surgem os primeiros

observatórios, jardins botânicos, museus e laboratórios científicos, em função do

desenvolvimento e descobertas no campo da Física, Astronomia, Matemática (século XVII),

Química e Ciências Naturais (século XVIII). Também se intensifica a profissionalização das

ciências, com a criação das academias científicas, o que vai permitir sua inserção nas

universidades a partir da pesquisa. Até o século XVII o cientista não possui um papel

especializado na sociedade, época em que começa a acontecer uma profunda mudança no

sistema de valores e normas da universidade, reconhecendo-se – ainda que de forma

conflituosa – a legitimidade de uma atividade relacionada com as ciências em geral. A

60 Trindade (2000). 61 Serrão (1983). 62 Serrão (1983, p.71). 63 Serrão (1983).

Page 22: Historia Universidade Europa e Portugal

22

inserção das ciências na instituição universitária altera de forma irreversível sua estrutura, até

então limitada às ciências ensinadas nas faculdades de medicina e artes sob a denominação de

filosofia natural64

.

É durante este período, sobretudo o século XVIII, que se intensifica a migração de

brasileiros para Coimbra, principalmente. Tal movimento continua ainda durante o século

XIX65

. Como se verá adiante, o século XVIII também foi muito importante para o

desenvolvimento de Portugal, sobretudo com a reforma da Universidade de Coimbra em

1772, pelo Marquês de Pombal.

Se antes a Filologia, a Política e o Direito reinavam enquanto campo de estudos, a

Geografia, a Etnografia e a Anatomia passam a constituir um importante campo de reflexão.

Ou seja, se o século XVII foi marcado pelas descobertas da Física, da Astronomia e da

Matemática, no Iluminismo o avanço se dá no campo da Química e das Ciências Naturais.

Com o conceito de “natural”, surgem novas ferramentas mentais para se encarar de forma

diferente os conceitos de homem e de mundo. Assim, o que melhor definiria as universidades

neste período foi a abertura aos métodos do racionalismo e da ciência experimental.

Evidentemente, todo este avanço, e apesar das resistências – inclusive nas universidades – irá

mudar substancialmente a universidade. No final das contas, a finalidade da universidade viria

se constituir no “progresso do conhecimento e na valorização mental do homem”.66

Finalmente, no quarto período, é instituída a universidade moderna, começando no

século XIX e estendendo-se aos dias de hoje, período em que se introduz uma nova relação

entre Estado e universidade. Esta não segue um modelo único e a sua história, a partir do

século XVII, confunde-se com as vicissitudes das relações entre a universidade, a ciência e o

Estado. Há uma tendência para a estatização e abolição do monopólio corporativo dos

professores. Inicia-se o que chama de “papel social das universidades”, com o

desenvolvimento de três novas profissões: engenheiro, economista e diplomata. Após a

Revolução Francesa, a universidade napoleônica rompe com a tradição medieval e

renascentista, e organiza-se subordinada ao Estado, que nomeia os professores e é assessorado

por um Conselho, com o objetivo de garantir que a doutrina acadêmica esteja imune às febres

da moda, expandindo-se pelos Países Baixos e Itália. Em função das guerras napoleônicas e

64 Trindade (2000). 65 Gauer (1995) sugere esse movimento em sua tese, na qual discute a formação da nacionalidade brasileira a

partir do século XIX, tendo em vista a influência da Universidade de Coimbra sobre os estudantes brasileiros

nesse processo. 66 Serrão (1983).

Page 23: Historia Universidade Europa e Portugal

23

revolucionárias, a Alemanha realiza uma profunda mudança em suas instituições, inclusive as

universitárias. É sob o impulso do Estado que a concepção de universidade, fundada sobre o

princípio das pesquisas e no trabalho científico, amadurece. O marco pode ser considerado a

nomeação de Humboldt, em 1809, para assumir o Departamento de Cultos e Instrução Pública

do Ministério do Interior. A Universidade de Berlim torna-se o centro da luta pela hegemonia

intelectual e moral na Alemanha, sendo seu primeiro reitor o filósofo Fichte. A característica

central desta universidade é a integração das faculdades – ao contrário das faculdades isoladas

napoleônicas –, em que o sincretismo religioso predominou sobre o confessionalismo

protestante ou católico67

.

Anísio Teixeira compartilha da noção de que

[...] a universidade de Berlim representa realmente os primórdios da nossa

universidade contemporânea [...] É na Alemanha, com efeito, que se opera a grande

renovação da universidade, voltando a ser o centro da busca da verdade, de

investigação e pesquisa; não o comentário sobre a verdade existente, não o

comentário sobre o conhecimento existente, não a exegese, a interpretação e a

consolidação desse conhecimento, mas a criação de um conhecimento novo68.

O Quadro 2, a seguir, resume as principais características gerais das universidades ao

longo de sua história.

É digno de nota que nos primeiros anos do século XIX a família real portuguesa

transmigra para o Brasil, levando consigo a sede política do reino. Apesar disto, não é criada

nenhuma universidade no país, dado o modelo adotado de ensino superior implementado

ainda na época de Pombal. Observe-se, portanto, que a universidade brasileira é criada apenas

na “última fase”, ou seja, na era moderna. Embora houvesse um sistema de ensino no Brasil

desde o século XVI, com os jesuítas, somente na década de 1920 o país irá criar sua primeira

universidade, oficialmente, como se verá adiante.

67 Trindade (2000). 68 Teixeira (1988, p. 85).

Page 24: Historia Universidade Europa e Portugal

24

Quadro 2 – Desenvolvimento da instituição universitária, segundo Trindade (2000)

Fase

Características

Século XII ao

Renascimento

Corresponde ao período de invenção da universidade tradicional.

A corporação de professores e estudantes é a base da universidade, em que o termo

studium significava o estabelecimento do ensino superior. Daí o corporativismo, a

autonomia e a liberdade acadêmica serem a essência da universidade medieval.

Em função de conflitos entre a universidade e os poderes locais da Igreja ou governo,

vários papas e imperadores começaram a atribuir privilégios àquela instituição de modo a

preservar sua autonomia. É neste período que surgem as universidades de Toulouse

(França), Oxford e Cambridge (Inglaterra), Siena, Nápoles e Pavia (Itália), Salamanca,

Valencia, Valladolid (Espanha) e Coimbra (Portugal).

Século XV ao

XVI

O desenvolvimento das principais universidades italianas (Roma, Nápoles, Florença) e da

Academia Neoplatônica é fundamental para o fim da hegemonia teológica e para o

advento do humanismo antropocêntrico.

O humanismo (Renascimento) atinge a Europa de forma heterogênea.

A Reforma e a Contra-Reforma introduzem um corte religioso radical entre as

universidades. A Reforma tem desdobramentos calvinistas e anglicanos, rompendo com a

hegemonia tradicional da Igreja, que reage através da Contra-Reforma.

Séculos XVII e

XVIII

Institucionalização da ciência marcando a transição para os modelos que irão se desenvolver no século XIX. Na transição entre aqueles séculos, são fundadas as primeiras

cátedras científicas e surgem os primeiros observatórios, jardins botânicos museus e

laboratórios científicos, em função do desenvolvimento e descobertas no campo da

Física, Astronomia, Matemática (século XVII), Química e Ciências Naturais (século

XVIII).

Também se intensifica a profissionalização das ciências, com a criação das academias

científicas, o que vai permitir sua inserção nas universidades a partir da pesquisa.

Impactos profundos: o Iluminismo e a Revolução Industrial inglesa.

Início no século

XIX aos dias de

hoje

Período em que se introduz uma nova relação entre Estado e universidade.

A universidade não segue um modelo único e a sua história, a partir do século XVII,

confunde-se com as vicissitudes das relações entre a universidade, a ciência e o Estado.

Há uma tendência para sua estatização e a abolição do monopólio corporativo dos professores.

Inicia-se o que se chama de “papel social das universidades”, com o desenvolvimento de

três novas profissões: engenheiro,economista e diplomata.

Após a Revolução Francesa, a universidade napoleônica rompe com a tradição medieval

e renascentista, e organiza-se subordinada ao Estado.

A Universidade de Berlim torna-se o centro da luta pela hegemonia intelectual e moral na

Alemanha. A característica central desta universidade é a integração das faculdades – ao

contrário das faculdades isoladas napoleônicas –, em que o sincretismo religioso

predominou sobre o confessionalismo protestante ou católico.

Baseado em Trindade (2000).

Fonte: Ésther (2007, p. 114)

Page 25: Historia Universidade Europa e Portugal

25

A UNIVERSIDADE DE COIMBRA

O nascimento da universidade em Portugal: os primeiros séculos

Até próximo ao fim do século XIII, para uma universidade ser reconhecida como tal,

era necessária a autorização do Papa. Se assim não fosse, a universidade criada pelos reis seria

considerada um studium generale respectu regni, ou seja, o grau atribuído aos alunos não

ultrapassaria as fronteiras do reino em que tivesse sido criada. Em outras palavras, os

escolares não possuiriam a ubique docendi, ou seja, licença para lecionar em qualquer

instituição sem ter de prestar novo exame. Portanto, não interessava a Portugal criar uma

universidade que não tivesse autorização papal. Além do aspecto “acadêmico” envolvido,

ressalta-se a necessidade de resolver outra questão fundamental: o financiamento. Como o

pagamento dos lentes deveria sair da renda de certos mosteiros e igrejas, e por se tratar,

portanto, de bens eclesiásticos, era necessária a sanção de Roma. Assim, os mestres e

escolares só poderiam auferir das prebendas e benefícios que receberiam se servissem nas

respectivas igrejas, a menos que tivessem uma concessão papal especial (atribuída apenas aos

studia generale - universidades) para recebê-los enquanto estudassem. Por fim, a última

vantagem de se pertencer a uma universidade era a regalia do foro clerical, que isentava seus

membros da alçada dos juízes leigos, ficando estes sujeitos apenas ao juiz eclesiástico69

.

Em Portugal, em função da demora da resposta papal à súplica do rei D. Diniz, este

anuncia a criação da universidade, por meio do diploma emitido em 1 de março de 1290. Em

9 de agosto daquele ano, o Papa Nicolau IV expede a bula de confirmação da universidade

fundada por D. Diniz em Lisboa70

.

Ao que parece, o Estudo Geral já havia começado a funcionar de fato antes de 1290,

talvez até antes de 128871

, pois havia centros religiosos que se dedicavam à ciência e à

cultura. Além disto, havia em toda a Europa um conjunto de escolas laicas, como as de Roma,

Bolonha e outras, onde se ensinavam as artes liberais (Trivium e Quadrivium) e elementos de

arte notarial e do direito privado, além do ensino de medicina em Salerno, na Sicília, por

69 Brandão e Almeida (1937). 70 Brandão e Almeida (1937) insistem na afirmação de que a Universidade de Lisboa (depois Coimbra) foi

fundada por D. Diniz, e não pelo Papa, a despeito de uma universidade somente ser reconhecida como tal graças

a bula papal. É por isso que os autores afirmam se tratar de uma bula de confirmação, uma vez que os estudos

gerais começaram sem a anuência formal de Roma. 71 Rodrigues (1991). Sobre o ambiente favorável à criação da universidade europeia, ver capítulo 1 deste

material, e Ridder-Symoens (1996) para uma análise mais detalhada desse contexto.

Page 26: Historia Universidade Europa e Portugal

26

exemplo, desde os fins do século X, compondo um ambiente favorável à criação de uma

universidade. No entanto, a Igreja dominava amplamente a oferta do ensino naquela época72

.

A universidade permanece em Lisboa até 1308, quando é transferida para Coimbra,

por causa dos sucessivos conflitos existentes entre os escolares e os cidadãos de Lisboa.

Provavelmente para evitar a associação da imagem de desprestígio da universidade de Lisboa,

Assim, D. Diniz cria, régia e formalmente, nova universidade, por meio da Magna Charta de

15 de fevereiro de 1309. Na prática, as atividades realizadas em Lisboa são transferidas para

Coimbra, bem como, provavelmente, os mesmos privilégios e modo de funcionamento73.

Embora não se saiba claramente porquê, a universidade é novamente transferida para

Lisboa, talvez por causa dos mesmos tipos de problemas que ocorreram lá no tempo de D.

Diniz. Por meio da carta de 16 de agosto de 1338, D. Afonso IV transfere a universidade para

Lisboa, cuja autorização papal ocorre meses depois74

.

Durante parte deste período, o infante D. Henrique é o grande protetor da

universidade75

, na qual investe dinheiro e bens para sua consolidação. Por sua determinação,

sempre no dia da Anunciação de Nossa Senhora, 25 de março, sua memória deveria ser

evocada, o que provavelmente originou a chamada “Oração De Sapientia”, realizada até os

dias atuais76

.

Durante 160 anos a universidade permanece em Lisboa, até que, em 1537, D. João III

a transfere, em definitivo, para Coimbra. D. João III assume o trono em 1521, após a morte de

D. Manuel. Àquela época – por volta de 1522 –, Portugal vivia tempos difíceis de fome e

peste, o que deixou a universidade em segundo plano durante alguns anos. No entanto, em

1527, o monarca lança as bases de uma reforma do ensino no país, defendendo-a durante

cerca de 30 anos77

.

Para os fins deste estudo, interessa mais profundamente o contexto a partir do

descobrimento do Brasil, de modo a se desenhar e compreender aquele momento histórico em

diante. A análise contempla a influência portuguesa até por volta da independência do Brasil,

quando este passa, pelo menos em tese, a assumir e a decidir seu destino por si só.

72 Rodrigues (1991). 73 Brandão e Almeida (1937). 74 Brandão e Almeida (1937). 75 O Protetor da universidade tinha autoridade máxima na universidade, nomeando professores, dando estatutos,

dentre outras atividades (RODRIGUES, 1991), como zelar pelos estatutos, pelos privilégios, pela liberdade,

pelos usos e costumes adotados, pela conservação e aumento de suas receitas e patrimônio (BRAGA, 1898). 76 Rodrigues (1991). 77 Brandão e Almeida (1937).

Page 27: Historia Universidade Europa e Portugal

27

A Universidade de Coimbra nos Séculos XVI e XVII: a ação dos jesuítas

Conforme mostrado anteriormente, a Igreja sempre exerceu papel decisivo na vida em

sociedade, incluindo sua influência no ensino de conhecimentos, valores e crenças.

No entanto, seus dogmas são colocados fortemente sob crítica, especialmente com

Lutero, em 1517, quando este afixa à porta da catedral de Vitenbergue suas noventa e cinco

proposições contrárias à venda de indulgências por parte da Igreja. Aliás, tal venda constitui o

detonador de todo o processo de contestação dos dogmas que o catolicismo estabelecera.

Apesar de excomungado, Lutero abre um espaço para seguidores como Calvino e Henrique

VIII, o qual proclama a Igreja Anglicana da qual se nomeia chefe supremo78

.

Com tal nível de contestação e de perda de poder e prestígio – espiritual e material –, o

Vaticano se vê obrigado a reagir. É convocado o Concílio de Trento, que ocorre entre 1545 e

1563, para se encontrar uma solução para a situação. Durante esse período, acabam por

encontrar em Inácio de Loiola o nome oportuno para tentar reverter a situação. Loiola,

nascido em 1491, fora um fidalgo e cavaleiro espanhol, que se feriu gravemente em combate,

o que o manteve imobilizado durante muito tempo, o que lhe permitiu a leitura de obras

religiosas, levando-o a adotar uma nova postura diante da vida. Embora questionado e

suspeito pela Inquisição, nada lhe foi imputado de negativo ou perigoso79

. Ao contrário, com

o tempo, e após ter sido forçado a concluir seus estudos formalmente, acaba por fundar a

Companhia de Jesus, reconhecida formalmente em 1540, pelo Papa Paulo III. Tal movimento

constitui o que os historiadores chamam de Contra-Reforma, em oposição à Reforma proposta

por Lutero.

Em 1540, chega a Portugal dois membros da Companhia de Jesus, que teriam,

inicialmente, a incumbência de se tornarem missionários na Índia, sob ordens de D. João III,

que acatara sugestão de Diogo de Gouveia, diretor do Colégio de Santa Barbara, em Paris. No

entanto, com a chegada dos dois jesuítas enviados por Loiola, D. João III muda os planos e,

após negociações, apenas um deles, Francisco Xavier, segue para a Índia, e o outro, Simão

Rodrigues, permanece em Coimbra, sob a promessa de que lhe seria dado um colégio, junto

da universidade, para acolhimento e preparação espiritual daqueles que ingressassem na

ordem jesuíta, o que acaba por ocorrer em 1553, porém, em Lisboa – o Colégio de Santo

Antão, junto ao respectivo mosteiro. Também fora criado, em 1553, o Colégio do Espírito

78 Carvalho (1986). 79 Carvalho (1986).

Page 28: Historia Universidade Europa e Portugal

28

Santo, em Évora. Curiosamente, o ensino público jesuíta começa em Lisboa e em Évora, e

não em Coimbra, onde o ensino ainda era privado80

.

Com o tempo, e apesar dos problemas e críticas, os jesuítas vêem seu prestígio crescer

em toda a Europa, inclusive junto à Coroa portuguesa. Conforme afirma Carvalho,

a intromissão dos jesuítas na corte e a preponderância que nela alcançaram, junto do

rei, da rainha e dos infantes, foi verdadeiramente assombrosa e revela um tacto, uma

perseverança, um poder de insinuação tão raros que deixaram ficar na história a

figura do jesuíta como um tipo psicológico inconfundível. Simão Rodrigues foi

confessor e mestre do príncipe herdeiro, D. João; Luis Gonçalves da Câmara foi

confessor de D. João III e também do príncipe quando Simão Rodrigues se ausentou

de Portugal; Miguel de Torres foi confessor da rainha D. Catarina; Gonçalo da

Silveira, também jesuíta, instruía as damas da rainha em práticas espirituais; outro

jesuíta, Gonçalo Vaz de Melo, explicava-lhes a doutrina cristã, muitas vezes com a

presença da rainha e grande número de moradores do paço. [...] depois da morte do rei, em 1557, a viúva regente, D. Catarina, insistiu na escolha de um padre jesuíta

para a educação do neto, D. Sebastião, que sucedia o avô no trono por falecimento

prematuro do pai, o príncipe D. João. A escolha, já desejada e sugerida por D. João

III, recaiu no referido Luís Gonçalves da Câmara que tomou conta do pupilo, então

com seis anos de idade, em 1560. O plano de educação do pequeno rei alargou-se

aos jovens fidalgos pajens de D. Sebastião, pois não convinha que houvesse

desacertos entre as educações de todos eles.81

Em 1557, morre D. João III e assume D. Catarina (que governa enquanto D. Sebastião

é apenas uma criança), época em que cresce o apoio aos jesuítas e o conflito com a

universidade. É nesse momento que aos jesuítas é colocada sob jurisdição a recém-criada

Universidade de Évora82

. Suas aulas começam em 1 de outubro de 1559 – no mesmo ano em

que são publicados os novos Estatutos da Universidade de Coimbra –, sendo organizada nos

mesmos moldes da de Coimbra, sendo autorizadas todas as ciências exceto Medicina, Direito

Civil e a parte contenciosa do Direito Canônico. Foram abertas quatro faculdades:

Humanidades, Artes ou Filosofia, Teologia, e Casos de Consciência (Teologia Moral). Seu

objetivo era, basicamente, a formação de teólogos. Do ponto de vista da autoridade, apenas os

jesuítas poderiam intervir na universidade, nem mesmo o rei o poderia fazer83

.

A luta dentre a Universidade de Coimbra e a Companhia de Jesus, decorrente do

crescente poder desta última, acirrou-se por diversas vezes. Para garantir sua posição e

prestígio, a Universidade resistiu a todas as intervenções alheias, incluindo o descumprimento

a ordens régias, na defesa de seus bens. Um dos motivos era o Colégio das Artes, que fazia

parte da universidade, mas apenas verbalmente pela palavra do rei. No reinado de D.

Sebastião, finalmente o colégio passa para o controle dos jesuítas. É graças a esse poder

80 Carvalho (1986). 81 Carvalho (1986, p.302). 82 Brandão e Almeida (1937). 83 Carvalho (1986).

Page 29: Historia Universidade Europa e Portugal

29

conquistado que os jesuítas acabaram por ampliar o ensino por todo o país, bem como por

participar ativamente das viagens ultramarinas, implantando sua filosofia, especialmente no

caso brasileiro84

.

A Universidade de Coimbra permanece mais ou menos imune à agitação da época das

contestações religiosas e à ação mais direta dos jesuítas em seu interior. No entanto, com o

Concílio de Trento, foi universalizado um texto solene de profissão de fé, com os quais os

professores teriam de se comprometer por meio de juramento. Em Coimbra, foi realizada a

primeira cerimônia de juramento em 16 de janeiro de 1565, na capela da Universidade, com a

presença de todos os lentes que juraram obediência às decisões do Concílio. Ainda nas

palavras de Carvalho,

assim ficava completado o cerco defensor das heresias e supostamente garantida a

perenidade do pensamento católico sem mácula. Toda a ascensão por via escolar era

obrigatória a ajustar-se ao mesmo molde: no ensino preparatório, pela mão da

Companhia de Jesus; no ensino universitário, pelas decisões do Concílio de Trento.

Neste panorama geral não havia distinção entre jesuítas e mestres universitários de

Coimbra. Todos militavam na mesma hoste. As dissidências que tantas vezes os

tinham posto em luta foram sempre de natureza pragmática ou económica mas

nunca ideológica. Agora, unidos para o mesmo fim, era o da defesa activa da Igreja

Católica por via do ensino, alicerçados na tradição e coesos nos intuitos, toda a vida

pedagógica nacional ia decorrer tranquila durante quase dois séculos85.

Assim a situação permanece, basicamente, durante todo o século XVII e parte do

XVIII. No entanto, o século XVII presencia o surgimento de um conjunto de pensadores cujas

ideias revolucionárias ou, no mínimo, críticas começa a descortinar uma mudança profunda

que somente será totalmente processada, por assim dizer, no século seguinte.

Em Portugal, o domínio espanhol, iniciado em 1580 e terminado em 1640, marca um

regime de terror sobretudo em função das punições impostas pelo Santo Ofício. Nessa época,

entretanto, a vida escolar dos jesuítas não é afetada, apesar de alguns pequenos conflitos com

a coroa. Nesse contexto, vários professores foram acusados pela Inquisição e condenados à

morte. Foi um momento conturbado e difícil para Portugal, que há pouco tempo havia

conquistado a nova colônia e agora a perdia para a Espanha. No entanto, na Europa, cresce o

movimento intelectual dissonante em relação aos valores e conhecimentos da época. É o

século em que surgem pensadores como Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Newton,

Leibniz, Kepler, Espinosa, Hobbes, La Fontaine e muitos outros. Também é neste século que

são criadas as Academias – como a Royal Society of London (1657), a dei Lincei, em Roma

84 Carvalho (1986). 85 Carvalho (1986, p.330).

Page 30: Historia Universidade Europa e Portugal

30

(1600), a Academia de Ciências de Paris (1666), dentre outras – e as publicações científicas

periódicas86

. No entanto,

enquanto na Península Ibérica se impedia a expressão da opinião individual sentando no banco dos réus todos aqueles que, mesmo minimamente, se desviassem

das regras impostas pela religião, os outros lá fora, embora também sujeitos à

vigilância e censuras, reuniam-se publicamente para exporem o resultado das suas

meditações e experiências87.

Assim, pelo menos em Portugal, justifica-se a vigilância quanto ao ensino de ideias

revolucionárias, tais como a Descartes, por exemplo. Embora fossem estudiosos e tivessem

acesso aos livros, mantinham-nos privados e discutidos entre si, mas jamais divulgados nos

colégios, embora, com o tempo, fosse ficando cada vez mais difícil evitar alguma

disseminação mesmo entre os jesuítas, ainda que com muita censura e adaptações88

. Assim, a

despeito dos avanços da época, já iniciados pelo Renascimento do século XVI, a Universidade

de Coimbra ainda permanece presa aos dogmas religiosos até quase o final do século XVIII,

quando Sebastião José de Carvalho e Mello, o então Marquês de Pombal, promove a reforma

da Universidade de Coimbra, após expulsar os jesuítas dos domínios lusitanos.

No entanto, é preciso que a Ilustração dê sequência ao movimento intelectual dos

séculos XVI e XVII, para que Pombal possa cumprir seu intento.

A Universidade de Coimbra no Século XVIII

Antes da Reforma de Pombal

O século XVIII é um dos mais ativos e intensos no que diz respeito às transformações

por que passa a Europa, com profundos impactos sobre a visão de mundo e,

consequentemente, sobre a educação daí decorrente. De certo modo, consiste na continuidade

da renovação do pensamento dos séculos anteriores, e culmina com a Revolução Francesa ao

final do século89

. A universalidade do livre-exame ou a liberdade de pensamento é uma das

características mais marcantes do século, na medida em que todos os campos são

86 Carvalho (1986). 87 Carvalho (1986). 88 Carvalho (1986). 89 Conforme afirma Teophilo Braga, “n’este periodo systematico da decomposição do regime catholico-feudal o

século XVIII não apresenta aquella poderosa evocação do passado greco-recomano que fizeram os Humanistas

no seculo XVI, nem elabora as vastas syntheses philosophicas e creações scientificas do seculo XVII, mas é-lhes

superior como excepcional, pelas consequencias do seu audacioso negativismo.” (BRAGA, 1898, p. 2-3).

Page 31: Historia Universidade Europa e Portugal

31

questionados: religião, política, a filosofia, o homem e a sociedade, a natureza moral e

material. As antigas ciências são demolidas e novas passam a ser arquitetadas90

.

A esse movimento dá-se o nome de Iluminismo ou Ilustração. As ciências passam a

assumir um caráter experimental, notavelmente a física e a química. De um maneira geral, o

princípio básico é que somente pela razão e pela experimentação se chega ao conhecimento.

Dado o volume de conhecimento decorrente do exercício do livre pensar e dos experimentos,

começam a surgir as especialidades científicas, certamente influenciadas pelo pensamento de

Descartes e Newton.

De modo geral, a herança crítica dos movimentos humanistas dos séculos anteriores,

da Reforma Protestante e da profusão da imprensa influenciou todo o pensamento do século

XVIII. Emergem e se fortalecem doutrinas contrárias à herança católica, como o deísmo

(razão como o meio para se chegar a Deus) e o ateísmo (negação da existência de Deus),

colocando em xeque os dogmas tradicionais religiosos, bem como o poder monárquico. Na

prática, defendem que a sociedade deve ser governada pelo Estado e pelas leis. São diversos

os pensadores que influenciaram e marcaram o pensamento da época, como John Locke (ao

fim do século XVII), pai do empirismo inglês – junto com David Hume –, Rosseau, Voltaire,

Diderot, D’Alembert, Montesquieu, Adam Smith e Kant, dentre outros.

Para Teophilo Braga91

, o pensador que mais representaria esse período seria

Montesquieu, com seu célebre “Espírito das Leis”, obra na qual propõe a separação dos três

poderes em Legislativo, Executivo e Judiciario.

O Iluminismo também é marcado pelos enciclopedistas, que editaram as primeiras

enciclopédias de que se tem notícia, como forma de sistematizar e aglutinar o conhecimento

crescente e sistematizado até então, dentro do espírito crítico do pensamento da época. Foram

publicadas na França por Diderot e D’Alembert, com contribuições de Voltaire, Rousseau e

Montesquieu.

Para Teophilo Braga, Diderot exerceu especial influência na questão educacional,

tendo colaborado nas reformas da imperatriz da Rússia, partindo do pressuposto de que o

homem se aperfeiçoaria por meio da instrução, defendendo, assim, que toda a qualquer pessoa

soubesse ler, escrever e contar. Para tanto, estabelece a instrução primária obrigatória e

gratuita, cabendo ao Estado – e não mais à Igreja – a responsabilidade de garanti-la. Tendendo

a deixar as letras e as humanidades em segundo plano, quer tornar as novas ciências o

90 Braga (1898). 91 Braga (1898).

Page 32: Historia Universidade Europa e Portugal

32

conteúdo quase exclusivo do ensino. No nível da universidade russa, Diderot estabeleceu

cursos especiais correspondentes ao tipo politécnico, bem como solicitava o ensino da

economia política92

.

No entanto, há que se destacar que os iluministas eram unânimes em suas ideias

basicamente no que diz respeito ao aperfeiçoamento contínuo do indivíduo e do meio social,o

que exigiria a adaptação das instituições às exigências da época, ou seja, a racionalização do

Estado e autonomia dos saberes frente às crenças e preconceitos93

. Em outras palavras, a

educação despida de dogmas religiosos, sem o controle e monopólio da Igreja.

Há certa tolerância da Igreja para com os livres pensadores, embora suas idéias sejam

rechaçadas e seus livros proibidos, tal como a “Enciclopédia”, por exemplo. De certo modo

impotentes em impedir o avanço das novas idéias, buscam defender publicamente o ideal

eclesiástico, regulando as atividades dos pensadores e a difusão de suas idéias, tidas como

revolucionárias. Em Portugal, os jesuítas eram próximos da realeza e da nobreza, o que lhes

garantia alguma influência política nesse sentido. No entanto, essa influência termina quando

são expulsos de Portugal e das colônias em 175994

.

É no século XVIII que surgem as indústrias, frutos da Revolução Industrial que se

processa nesse período. A eletricidade é descoberta, são testadas aplicações da máquina a

vapor, surgem os economistas com suas ideias e conceitos relativos ao financiamento da

economia como um todo – a corrente dos fisiocratas é influente nesse momento, culminando,

posteriormente, com o legado de Adam Smith – e, de modo geral, a ideia subjacente é que a

ação do homem pode transformar o mundo em prol de seu bem-estar, não mais amparado por

crenças e dogmas metafísicos.

Nesse sentido, o Iluminismo tinha como pressuposto a vida social baseada na razão, e

o trabalho passa a ser encarado sob uma nova perspectiva, ou seja, o progresso da sociedade

passava, também, pelo progresso material. No entanto, os iluministas divergiam entre si

quanto a educação da população mais pobre. Locke e Voltaire, por exemplo, tinham restrições

à escolarização dos pobres, os quais deveriam alcançar seu conforto por meio do trabalho95

.

Como se pode perceber, a relação é íntima entre instituições políticas, econômicas e

pedagógicas. Para se difundir e concretizar um novo modo de pensamento, fundado na

derrubada do antigo regime – que, no caso da educação, era de cunho eclesiástico – os

92 Braga (1898). 93 Veiga (2007). 94 Braga (1898). 95 Veiga (2007).

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33

pensadores necessitavam que a educação também mudasse. Ou seja, a educação – ou a

instrução – seria o caminho para legitimar os novos conceitos e visões de mundo. É uma

perspectiva mais materialista da sociedade, fortemente combatida pela Igreja. No entanto, foi

“necessária” uma revolução – a Revolução Francesa – para que houvesse uma mudança

significativa ampla, ainda que com consequências desastrosas num futuro não muito distante.

O Iluminismo em Portugal é marcado pela atuação de Sebastião José de Carvalho e

Mello – futuro Conde de Oeiras e, depois, Marquês de Pombal96

– que promove uma série de

reformas no âmbito político, econômico e social, incluindo a educação. A reforma

educacional pode ser considerada parte de um projeto mais amplo, portanto. Sebastião José de

Carvalho, que havia trabalhado em Londres, desejava implantar os avanços que observara na

Inglaterra, decorrentes das teses iluministas, dos economistas e da revolução industrial.

Segundo alguns autores, Sebastião José de Carvalho e Mello representava, em seu

país, a perspectiva dos “déspotas esclarecidos”, ou seja, defensores de certos princípios do

Iluminismo, como o progresso, porém defensores de uma ordem monárquica, responsável

pela condução dos rumos do país.

Antes da reforma promovida por Pombal, em 1772, a educação em Portugal e

colônias, incluindo o Brasil, era controlada pela Igreja, fundamentalmente pelos jesuítas. A

Universidade de Coimbra, tal como outras da Europa, encontrava-se decadente sob diversos

aspectos, mesmo com toda a efervescência do movimento humanista/racionalista.

Nesse contexto, é fundamental que se tenha em vista que o desenvolvimento científico

do século XVIII e de suas premissas iluministas ocorreu fora das universidades e sem elas,

mesmo porque muitas haviam sido criadas apenas como faculdade de teologia – e apesar de

terem anexadas faculdades científicas. As universidades não deixaram de manter suas

tradições, contrárias às novidades científicas e filosóficas que ocorriam fora delas, nos salões

e academias literárias e científicas97

. Teophilo Braga assim descreve aquele momento,

referindo-se às universidades inglesas, mas estendendo sua afirmação para as francesas,

espanholas, italianas e mesmo alemãs:

A energia do caracter individual, a participação do cidadão na vida publica, a grande

actividade fabril e commercial, temperavam os espiritos para as superiores iniciativas scientificas e philosophicas; e emquanto os sábios e pensadores inglezes

96 Sebastião José de Carvalho (1699-1782) recebe o título de Conde de Oeiras do Rei D. José, em 1759, como

compensação pela intervenção no caso do atentado ao rei, descrito mais adiante. O título de Marquês de Pombal

foi outorgado a Sebastião José de Carvalho – então Conde de Oeiras – em 1769, aos 71 anos de idade. 97 Braga (1898).

Page 34: Historia Universidade Europa e Portugal

34

do seculo XVII e XVIII renovavam e impulsionavam as sciencias physicas e as

syntheses philosophicas, deixavam as Universidades vegetarem no seu automatismo

tradicional, por isso mesmo que ellas eram impotentes para embaraçarem esta

revolução da intelligencia98.

Destaca-se uma citação de Teophilo Braga acerca das universidades italianas, em

especial, à época:

[...] cada qual procura graduar-se conforme se acha capaz; e tudo depende do exame

dos Professores, e dos honorarios que recebem do graduando. Esta he a razão porque

os estudos d’estas universidades estão hoje na maior decadência: porque os

Professores ordinariamente approvam todos, sabendo muito bem que perderão os honorários; porque estão certos que se não se graduarem este candidato, que

procurará outra Universidade, que lhe dará o diploma pelo dinheiro e não pela

sciencia (grifos do autor)99.

A autonomia universitária da época implicava, dentre outras coisas, o foro privilegiado

dos estudantes e professores, o que facilitava e proporcionava uma vida dissoluta e o gosto

pela impunidade, na medida em que o poder local, de maneira geral, não tinha nenhuma

jurisdição sobre os atos cometidos pelos professores e estudantes. Além disto, era comum os

monarcas se declararem “Protetores” da universidade, o que garantia tanto o referido foro

privilegiado, quanto as práticas dos “annos de mercê” ou “perdões de acto”, relativas aos

privilégios dos escolares. A tradição era o valor mais importante da universidade, e não a

ciência, em que predominava o gozo dos privilégios e das riquezas que tinham sido doadas à

universidade100

.

Dentre os costumes dos estudantes da universidade àquela época, ressalta-se o trote, a

feição e as matrículas incertas. O trote era chamado de “investidas aos novatos” ou “canellão

à porta férrea”, realizado pelos mais antigos, cujas práticas conduziam até ao assassinato101

.

Na prática, a atitude dos estudantes era de grande valentia, o que fazia com que a maioria

andasse “armada até os dentes” pelas ruas. Naquela época não era comum se chamar a

presença dos alunos em aula, o que lhes garantia grande movimentação e impunidade. Em

98 Braga (1898, p. 111). 99 Braga (1898, p. 145), citando Antonio Nunes Ribeiro Sanches. Método para aprender e estudar a Medicina

(1763, p. 160). Segundo Teophilo Braga, o Doutor Ribeiro Sanches frequentou a Universidade de Coimbra entre

1716 e 1719, conhecendo “a vida íntima da corporação academica”, o que confere fidelidade e confiabilidade de

suas declarações. 100 Braga (1898). 101 Teophilo Braga descreve em detalhes o episódio do Rancho da Carqueja, que se refere a uma sociedade de estudantes de Coimbra, que aterrorizou a cidade nos anos de 1719 e 1720. Seus costumes eram depravados e

dissolutos, sendo violentos em suas investidas, incluindo tentativas de sedução que podiam envolver a violência

em relação às mulheres. Certa vez, tentaram sequestrar a sobrinha do reitor da época, o que desencadeou uma

série de tentativas de detê-los, até o momento em que finalmente foram presos. Em 20 de junho de 1722 foi

degolado em praça pública o chefe da quadrilha, cuja cabeça foi espetada num poste na praça de São

Bartolomeu, em julho daquele ano. Quase todos os dezessete cúmplices morreram na cadeia (BRAGA, 1898).

Page 35: Historia Universidade Europa e Portugal

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parte, a ausência nas aulas se dava por conta do medo das investidas. A feição, por sua vez,

implicava o comportamento esperado dos novatos, que envolvia ferir, insultar e até matar, o

que levou a formação do citado Rancho da Carqueja. Após o dito episódio, passaram-se às

“boas feições”, que incluíam comportamento de brincadeiras e atitudes infantis, ou promover

rifas. A modalidade da “feição geral” consistia em gastar dinheiro rapidamente com os

amigos, sobretudo aqueles que tinham muito dinheiro, incluindo os brasileiros que lá viviam.

Os mais pobres mal tinham dinheiro para sobreviver. Finalmente, a frequência dos alunos e o

tempo dedicado as aulas eram exíguos. Na prática, os alunos mal ficavam, no total, dois

meses na universidade. Havia uma matrícula em outubro, outra em dezembro, e uma última

em maio. Nesses intervalos os estudantes voltavam para suas casas102

. As datas de matrícula

eram uma espécie de confirmação de que o aluno estudava na universidade. Somente mais

tarde, com a reforma de Pombal, esse estado de coisas começou a mudar, efetivamente.

A relação entre os estudantes e os lentes também era um tanto espúria. Segundo Braga,

entre eles havia uma relação de dependência e desleixo. Os alunos votavam em professores

nos concursos em troca de respostas prévias dos exames a que seriam submetidos. As

compras de votos eram escancaradas, autenticadas mesmo nos registros oficiais, obtidas até

por meio de lutas, “aos tiros e espadagadas dos lentes uns nos outros”, ocorriam denúncias à

Inquisição e todo tipo de corrupção103

.

Naquela época, os professores não estavam em situação mais digna do que os alunos.

Como afirma Teophilo Braga, os professores ministravam uma hora de aula por dia. Mesmo

tendo seus salários aumentados numerosas vezes, mantinham a mesma atitude. E, “não se

contentando de estarem na inercia pela ausencia dos estudantes, e de lerem perpetuamente o

mesmo dictado, era o tempo da lição diminutissimo”104

. Além disso, a universidade e todo o

seu pessoal docente valorizavam as insígnias e ornamentos, sobretudo em festas religiosas,

prevalecendo a pompa doutoral sobre a ciência105

.

102 Braga (1898). 103 Braga (1898). Nos termos de D. Francisco de Lemos (em Relação Geral do Estado da Universidade de

Coimbra), citado por Teophilo Braga, é a “Universidade mais uma eschola de facção e de intrigas e

formalidades do que de letras e virtudes” (BRAGA, 1898, p.193 (grifos do autor)). D. Francisco foi um dos

maiores aliados de Pombal para a realização da reforma da universidade que iria ocorrer em 1772. 104 Braga (1898, p. 200) 105 Braga (1898).

Page 36: Historia Universidade Europa e Portugal

36

Uma das principais causas que atuaram na decadência da Universidade de Coimbra foi

a efervescência religiosa chamada de “Jacobêa”106

. Tratava-se de uma seita relativa aos

Cônegos Regrantes de Santo Agostinho que atingiu seu nível maior de fanatismo por volta de

1741, quando D. Miguel da Annunciação teve a posse da sede episcopal e criou a seita dos

“sigillistas”. Na essência, era a aplicação das doutrinas da “Graça” em oposição a das “Obras”

e, como tal representava uma reação contra os jesuítas. Quando D. João V, em 1742, adoece,

assume como ministro o Frei Gaspar da Encarnação, que passa a proteger os seguidos da

Jacobêa, em detrimento da influência jesuíta. Tal influência atingiu a Universidade de

Coimbra, sobretudo quando o Prior Geral dos cônegos regrantes, D. Miguel da Annunciação,

por ordem de Frei Gaspar, foi nomeado reitor e reformador da universidade, e que não perdia

oportunidades de difundir os ideais da Jacobêa ou do Sigillismo107

.

Em 1757, diante da recusa de D. Francisco em continuar como reitor e reformador, é

convocado D. Gaspar de Saldanha e Albuquerque, seu irmão, para assumir o posto. Embora

dirimidas, ou atenuadas, há algum tempo as disputas entre os jesuítas e a seita Jacobêa, os

jesuítas buscaram apoio do papa, o que mostra a tensão ainda existente. Nesse contexto, e sob

o reitorado de D. Gaspar, começa a reforma do ensino pelo Marques de Pombal, que consegue

expulsar os jesuítas privando-os de todo o ensino, por meio do alvará de 28 de junho de

1759108

.

A Reforma de Pombal

No século XVIII, a expulsão inicial dos jesuítas dos países “que mais

incondicionalmente mantinham o regime católico-feudal” pode ser considerada tão importante

ou capital quanto o foi a criação da Companhia de Jesus como reação ao Protestantismo no

século XVI, sendo o estabelecimento de uma instrução pública com o caráter secular e

nacional uma das consequências mais significativas. Tal iniciativa fundamental partiu de

Portugal, onde os jesuítas tinham dominado a política e o ensino por cerca de dois séculos.

Tratava-se de uma posição pessoal de Pombal quanto aos jesuítas. A ordem havia entrado no

106 A Jacobêa era a prática mística de exercícios religiosos tendentes a provocar visões, das quais a “Escada de

Jacob” era o símbolo, cujo nome é emprestado à seita. A forma de confissão singularizava a seita, na medida em que o penitente era obrigado a delatar seu pecado e denunciar seu cúmplice, sob pena de não ser absolvido de seu

pecado, o que favorecia a propagação as intrigas e o ódio entre as famílias (BRAGA, 1898). 107 Dentre outras ações, relata-se um processo de provimento de concurso cancelado para que outro lente pudesse

assumir no lugar de um forte opositor da seita. Mais tarde, em 1769, o próprio D. Francisco da Annunciação é

preso por conta das suas doutrinas sigillistas (BRAGA, 1898). 108 Braga (1898).

Page 37: Historia Universidade Europa e Portugal

37

país simultaneamente à decadência da monarquia no país. O ministro Sebastião José de

Carvalho e Mello dedicou boa parte do seu tempo no cargo elaborando um estudo para

derrubar os jesuítas de sua influência sobre a coroa109

. Após tramar uma série de situações,

conseguiu, finalmente, sua expulsão em 1759110

.

Outros autores compartilham da concepção de que Pombal tinha uma verdadeira

obsessão pelos jesuítas111

. De todo modo, embora Teophilo Braga se recuse a colocar dessa

maneira, para Gauer, a atitude de Pombal tanto denunciou o atraso em que se encontrava

Portugal quanto criou um corpo social responsável por isso. A ideia era implantar a

organização de uma sociedade civil, em detrimento da eclesiástica, em que o direito divino

dava lugar ao direito natural, tendo em vista a emergência de uma burguesia poderosa, dada a

ascensão da indústria e das reformas agrárias112

.

Assim, com a eliminação dos jesuítas, Pombal logo tratou de reestruturar o ensino,

antes sob sua responsabilidade. Uma das primeiras iniciativas foi a criação da Diretoria Geral

dos Estudos e um novo ensino médio, no qual preponderava o caráter científico moderno, no

Colégio dos Nobres. Com o fim do controle jesuítico sobre o ensino, a ideia é realizar uma

109 Braga (1898). Em seu livro, o autor descreve em pormenores o empreendimento levado a cabo por Pombal, incluindo uma armação de atentado ao rei para incriminar os jesuítas e seus demais inimigos. Dentre os estudos

acerca dos jesuítas, ver “Compêndio histórico do estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasao dos

denominados jesuítas e dos estragos feitos nas sicencias e nos professores, e directores que a regiam pelas

maquinaçoes, e publicaçoes dos novos estatutos por elles fabricados”, de 1771, realizado pela Junta de

Providência Literária, sob a supervisão do Marquês de Pombal, e que serviu de base para a reforma por ele

empreendida no ano seguinte. Em relação ao Compêndio Histórico, Teophilo Braga ressalta que os redatores

assumiram a “jesuitofobia” de Pombal, culpando os jesuítas por toda a decadência do ensino. Segundo o autor,

em outras universidades europeias, nas quais nunca tiveram influência alguma, a decadência pedagógica era

basicamente a mesma (BRAGA, 1898). Apenas para se ter uma ideia do desprezo pelos jesuítas naquele

momento, destacamos uma passagem do Prelúdio I do Compêndio Histórico, quando os autores afirmam que “já

não há por felicidade nossa neste presente tempo quem possa duvidar com apparencia de razão, de que todos os

estragos, que no fysico desta Monarquia se viram no meio della amontoados pelo longo periodo dos ultimos dous Seculos, foram horrorosos effeitos das façanhosas atrocidades dos denominados jesuitas” (ver

COMPÊNDIO HISTÓRICO..., 1771, p. 1). 110 Braga (1898) aponta o século XVIII como uma época marcada tanto pelo espírito crítico especulativo quanto

uma impetuosidade reformada na ação ministerial. Em outras palavras, o poder real monárquico é cindido em

um novo poder ministerial, que governa de forma absoluta em nome do rei e que goza do prestígio sagrado da

soberania. Daí a postura e as ações de Pombal refletirem um corrente da época: a reforma pela arbitrariedade. 111 Por exemplo, D’Azevedo (1922) coloca que para Pombal, “elles [os jesuítas] continuavam a ser a sua

preoccupação máxima, e, cada vez que um inesperado estorvo á sua politica, uma critica aos seus actos, lhe

provocava a irritabilidade, os jesuítas eram, como vimos, os responsaveis, o perpetuo inimigo que muito

importava combater” (p.283), e que “(...) era uma permanente obsessão, exteriorizada a cada passo em actos e

palavras, e que á legislação pombalina impoz o seu cunho, em algumas das suas mais notáveis resoluções” (p. 284). Sem dúvida, o próprio Marques de Pombal é tão controverso quanto suas medidas e ações. De maneira

mais contundente, Camillo Castelo Branco traça um perfil extremamente negativo de Pombal, considerando-o

uma espécie de déspota que zela pela liberdade, sentindo-se livre para glorificar o seu despotismo. O próprio

autor insinua que seu ódio por Pombal é tão grande quanto o de Pombal pelos jesuítas (Ver Camillo Castelo

Branco. Perfil do Marquez de Pombal. Porto: Lopes e Cia, 1900). 112 Gauer (1995).

Page 38: Historia Universidade Europa e Portugal

38

reforma baseada na secularização da instrução nacional – sob forte influência do Doutor

Ribeiro Sanches113

–, que seria dirigida por um delegado do rei, o Diretor dos Estudos,

responsável por manter a uniformidade da doutrina – a partir da proibição de certos livros e

adoção de outros – e das diretrizes a serem implantadas, além de inspecionar e selecionar o

corpo docente por meio de concurso114

.

Pombal, como defensor da monarquia, instala, em 1761, o Colégio dos Nobres, de

modo a educar a “nobreza e a fidalguia” (nos moldes dos colégios militares da França,

Dinamarca, Suécia e Prússia) cujos conhecimentos envolveriam línguas estrangeiras,

aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, geografia, história profana, sagrada e militar,

risco, fortificação, arquitetura militar, naval e civil, hidrografia e náutica, dança, esgrima,

manejo de espingarda, equitação, natação, filosofia moral, direito das gentes, direito civil,

político e prático, economia política do Estado, agricultura geral, navegação e comércio115

.

Somente em 1772 é que Pombal irá promover, efetivamente, a reforma da

Universidade de Coimbra, baseado no referido Compêndio Histórico preparado pela Junta de

Providência Literária, criada em 1770, e supervisionada por ele próprio e o Cardeal de Cunha.

A partir deste documento, foram publicados os novos Estatutos da Universidade de Coimbra.

Por meio de carta régia de 28 de agosto daquele ano, Pombal é nomeado para visitar a

universidade e implantar, investido com plenos poderes delegados, a reforma. Todas as

faculdades foram, de alguma forma, e com alguma resistência, reformadas: teologia, direito

canônico (jurisprudência canônica), direito civil e medicina116

.

No curso de Direito, privilegiou-se o direito natural, estruturado na razão humana, que

é onde os homens são iguais. Assim, criou-se uma nova concepção antropológica, libertando

o homem do teocentrismo aristotélico-escolástico. Foi introduzido o conteúdo de direito

pátrio e história do direito português. Mais adiante, em fins do século XVIII e início do XIX,

acrescentou-se a corrente do individualismo crítico, que foi a expressão do liberalismo

político e econômico difundidos por toda a Europa a partir da Revolução Francesa. Na

medicina, buscou-se um transmitir um saber científico baseado na observação da natureza e

na experiência através da sistematização. Foram criados o Teatro Anatômico, o Jardim

113 Médico e intelectual português de caráter iluminista, cujas ideias influenciaram a elaboração da reforma da

universidade por Pombal. 114 Braga (1898). 115 Braga (1898). Ainda segundo o autor, somente em 1765 são organizadas as disciplinas científicas que, mais

tarde, constituirão a base das faculdades de matemática e filosofia moral da Universidade de Coimbra. 116 Braga (1898).

Page 39: Historia Universidade Europa e Portugal

39

Botânico, os Gabinetes de Física Experimental e História Natural, o Observatório

Astronômico, o Hospital, a Imprensa da Universidade. O estudo do corpo dessacralizado é um

aspecto fundamental da reforma nesse campo117

.

Pombal promove duas inovações importantes e emblemáticas: a criação da Faculdade

de Matemática e da Faculdade de Filosofia. A primeira recebeu o estatuto de Faculdade

Maior, e foi tratada pelos reformadores como a base do conhecimento das ciências naturais.

Era um curso independente e vista como subsídio para as demais ciências. O objetivo da

criação do curso de matemática era a formação de professores e profissionais para atuarem na

Marinha como engenheiros, ou ocuparem cargos de arquiteto e medidores118

. A Faculdade de

Filosofia substituiu a de Artes. A natureza é concebida como um espaço em que o homem

poderia atuar visando o progresso, sendo a observação sistemática um aspecto fundamental119

.

Neste ponto, portanto, é importante assinalar que a proposta de laicização do Estado

assume seus contornos no ensino, inclusive no nível superior, e não apenas em Portugal. É

nesse momento – século XVIII, em termos gerais – que as universidades católicas começam a

perceber o poder do Estado. Segundo Torgal120

,

Se até às reformas iluministas se verificava, sobretudo, uma produção e uma

reprodução de saber integradas numa ordem feudal-eclesiástica da sociedade, com o

Iluminismo, na sua perspectiva “despótica”, surgiu um tendência para a laicização régia e burguesa do conhecimento, concedendo-se maior significado a determinadas

matérias que se encontravam na linha do Progresso que o Estado e a burguesia

pretendiam estimular. É neste sentido que surge a tendência para a subalternização

do direito eclesiástico, a valorização de medicina e a concessão de uma maior

importância às ciências exactas e naturais, consideradas como elementos

fundamentais ao serviço do desenvolvimento, da indústria, da mineração, da

agrimensura, etc.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a reforma de Pombal, de alguma forma, representa

o ápice de um amplo movimento que vinha tolhendo a autonomia da universidade desde os

séculos XIV e XV, à medida que se observa a crescente intervenção dos monarcas na

administração das universidades. Tal perda de autonomia não implicou perda de liberdade de

pensamento, mas perda de liberdade política. Seria com a Contra-Reforma que as

universidades teriam perdido sua autonomia intelectual121

. Pombal teria fornecido um projeto

117 Gauer (1995). 118 Gauer (1995). 119 Gauer (1995). 120 Torgal (2008b, p.25-26). 121 Gauer (1995), referindo-se ao argumento de Guilherme Braga da Cruz (CRUZ, Guilherme Braga da. In

Ensaios Universitários. Origens e Evolução da Universidade. Lisboa, Logos, 1964, p.34-45).

Page 40: Historia Universidade Europa e Portugal

40

coerente e uma definição clara de sua estrutura e objetivos122

, na medida em que buscou um

direcionamento para a ciência e a tecnologia, de acordo com o que isso significava em sua

época, embora tenha, para isso, atrelado a universidade ao Estado, implicando uma completa

intervenção em sua atuação, com o apoio do reitor D. Francisco de Lemos Faria e de alguns

intelectuais dispostos a promover a mudança considerada necessária.

Nesse sentido, apenas um ódio pessoal contra os jesuítas provavelmente não seria

suficiente para alcançar tal intento, embora pudesse ser um motivador, sem dúvida. Assim,

parece-nos mais plausível ter havido uma estratégia política eficaz para a implantação de uma

nova filosofia de sociedade, por assim dizer.

Portanto, do ponto de vista discursivo – e de resto, político-ideológico – era mais fácil

atribuir aos jesuítas a responsabilidade pela conservação de uma autonomia universitária que

eles mesmos construíram e da qual exigiam dos reis serem seus protetores, do que imputar as

causas da decadência da instituição a um Estado centralizador e burocrático, o que absolveria

e reduziria a Companhia de Jesus a meras vítimas impotentes do Estado123

.

Tal estratégia consistiu, basicamente, de criar as condições para que a reforma pudesse

vir a ser implantada. Tudo começa com a nomeação de D. Francisco de Lemos Faria, aos seus

35 anos, em 14 de maio de 1770. Em 23 de dezembro do mesmo ano é criada a Junta de

Providência Literária, da qual D. Francisco fará parte, conforme se afirmou antes, de modo a

realizar os trabalhos preparatórios da reforma. A Junta tinha o objetivo de encontrar os as

causas da ruína da universidade, ponderar sobre os “remédios” e apontar os métodos a serem

implantados. Era presidida pelo bispo de Beja e presidente da Mesa Real Censória, o

franciscano Frei Manuel do Cenáculo, e integrada por outros seis membros (todos doutores,

sendo um deles irmão do reitor), um deputado da Mesa Censória e o reitor (D. Francisco de

Lemos Faria)124

. Desta forma, dava-se cobertura a uma ação que, “para ser aceita, não deveria

aparecer como obra de um só homem, ao mesmo tempo em que se garantiam apoios numa

pluralidade de instâncias poderosas, pelo comprometimento, na elaboração das críticas e das

reformas, de personalidade que, ou eram seus membros, ou eram suficientemente prestigiadas

para se lhes imporem”125

.

122 Torgal (2000). 123 Cruzeiro (1988). A autora não nega que o Estado tenha seu papel no processo de decadência, mas se recusa a

atribuir a ele a criação de tal situação. 124 Cruzeiro (1988). 125 Cruzeiro (1988, p.178)

Page 41: Historia Universidade Europa e Portugal

41

Ao mesmo tempo em que a Junta preparou o Compêndio Histórico, foram elaborados

os Estatutos, o que permite a possibilidade de implantação do novo regime na universidade no

ano seguinte (o que acaba por não ocorrer, levando mais um ano até sua conclusão, em 1772).

Além disto, a reforma previa a renovação do quadro docente, o que evitaria indesejáveis

resistências e, ao mesmo tempo, garantisse as competências desejadas. Juntamente com a

carta régia de “roboração” dos Estatutos, seguiram-se outros documentos que viabilizariam a

reforma, incluindo demissões e novas contratações. O reitor foi nomeado por mais três anos

como reitor reformador, além de proceder à reforma do sistema de administração financeira,

tal como já havia sido feito em outras instituições públicas do país, como o Erário Real, à

Casa de Bragança e outras126

.

Por fim, como componente fundamental, há que se destacar o aspecto e o caráter

“espetacular” da reforma pombalina. Desde a cara régia lhe outorgando plenos poderes para

implantar a reforma, sua chegada em Coimbra com beija-mão como se fosse o próprio rei,

passando pelas vestimentas e rituais, o saco de veludo em que estavam os Estatutos, até o

cortejo que levou o Marquês até o Paço das Escolas127

.

Dito de forma mais clara,

Na época, de uma forma particularmente viva, a encenação do poder tende a anular a

distância que a metáfora supõe entre o objeto material e o seu símbolo. A lei,

emanada de um poder que se pretende de origem divina, querer-se-ia como

expressão de uma vontade que, como a de Deus, ao ser enunciada, é já realidade.

Daí a ousadia de criar para a eternidade, estatuindo o futuro, da fórmula “para sempre” e de abolir o passado “como se nunca tivesse existido”. Daí o frenesi

pleonástico do “Quero, me praz, He Minha Vontade”, entre outras, muitas, formas

de redundância, como se pela expressão se exconjurasse a ameaça das crenças

vacilantes. A espetacularidade da acção enquadra e sublinha aqui o que já está

contido na autoridade da palavra que “legalmente” se anuncia128.

Assim, como bem sublinha a autora, trata-se de

um caso exemplar de exercício do poder que, como todo o poder, se propõe como

intérprete indiscutível do “Bem Comum” e que, como poder do déspota esclarecido, se assume como potência da razão vontade de civilizar e, supremo dom, capacidade

de criar, não apenas pelas obras materiais, mas de tirar do nada, de gerar realidade

pela palavra autorizada e, como realidade natural, para sempre. Por isso ele se

atribui um poder de vida e de morte, poder real sobre corpos e bens, incluindo os

simbólicos. [...] isto, esta força de expressão, expressão da força capaz de fazer de

uma ficção arbitrária um dado do real, que, no limite, é comum a toda a ordem

jurídica, ocorre com especial insistência nas fórmulas do direito iluminista. O que já

vinha detrás, desde os primeiros passos da formação do Estado absoluto – a

afirmação do direito de “dizer o direito”, isto é, de formular a lei e de a impor, como

126 Cruzeiro (1988). 127 Cruzeiro (1988). 128 Cruzeiro (1988, p.182).

Page 42: Historia Universidade Europa e Portugal

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prerrogativa do imperante – reveste-se agora de um novo vigor, a que o “zelo” real

de “iluminar a nação”, profusamente expresso a propósito de todas as iniciativas

reformadoras, confere a aura épica de um modero Genesis.

Portanto, como se pode perceber, a ação de Pombal foi devidamente planejada, com o

devido apoio político, de modo a implementar aquilo que ele e seus apoiadores acreditavam

ser o caminho adotado por Portugal, numa época marcada por transições ideológicas,

econômicas e científicas.

A reforma realizada por Pombal é caracterizada, acima de tudo, por seu sentido

estatista, ou seja, a estruturação de um ensino “oficial”, contrário ao ensino livre da Igreja

católica, em especial jesuítica. De todo modo, o fato é que a reforma alterou a universidade

para sempre, embora com alguma distância em relação àquilo que fora pretendido

originariamente. Na prática, havia muita reação ao ideal pombalino. Com a queda de Pombal

e a morte de D. José I, houve a tendência da Igreja controlar novamente o ensino, tanto por

razões ideológicas quanto práticas. De todo modo, a universidade ganhou mais autonomia e

relevância institucional no quadro geral do ensino. Assim, o ensino continua a pautar-se no

modelo pombalino, embora reações conservadoras e o desgaste natural das instituições

proporcionadas pela instabilidade da vida nacional tenham gerado algum retrocesso. Avança-

se no sentido de algumas experiências pedagógicas e escolas especiais – no espírito do

Iluminismo – ao mesmo tempo em que se afrouxa a concepção “oficial” de ensino com a

clericização e a liberação das atividades educacionais129

.

Tal situação era compatível com o clima da época, “em que se cruzavam o espírito

burguês ainda não desperto para a revolução e o espírito tradicionalista”, e “com a sociedade

europeia pós-Revolução francesa, onde uma burguesia em busca de estabilidade se deixava

instilar por concepções conservadoras e propendia para uma visão técnica da cultura e do

ensino”130

. Mas, apesar dos esforços do século XIX, alguma coisa vai mudar, de fato, a partir

da república, no século XX, quando o ideal pombalino é efetivamente posto em causa.

A Universidade de Coimbra no Século XIX

O século XIX é marcado, inicialmente, com a transmigração da família real para o

Brasil, em 1808, em função da pressão de Napoleão para ter o apoio de Portugal contra a

Inglaterra. O país é invadido três vezes pelo exército francês entre 1808 e 1810, quando a

129 Torgal e Vargues (1984). 130 Torgal e Vargues (1984, p.28).

Page 43: Historia Universidade Europa e Portugal

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Universidade foi saqueada pelo inimigo – que foram expulsos, definitivamente, em 1811.

Obviamente, as aulas foram seriamente prejudicadas. O clima em Portugal não era dos

melhores, dada a ausência do rei, o que acaba por levar à Revolução de 1820, a chamada

Revolução Liberal.

Sob a orientação ideológica de Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho,

eclode a revolução, cuja meta era a criação de um parlamento de onde saísse uma

Constituição de direitos e deveres dos cidadãos, e com respeito pela monarquia e pela

religião. Em janeiro de 1821, nomeadas por sufrágio universal, foram nomeadas as Cortes

Constituintes, das quais, cerca de um ano e meio depois, com data de 23 de setembro de 1822,

saiu a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, em nome da “Santíssima e Indivisível

Trindade”. Nesta, a instrução pública ocupa o último lugar e abrange quatro artigos. Para a

instrução, foi criada uma Comissão de Instrução Pública. É neste período, ainda, que é extinto

o Tribunal do Santo Ofício e abolida a censura131

.

No entanto, em função das alterações na vida portuguesa desde a revolução de 1820,

somadas à independência do Brasil em 1822, D, Miguel, filho de D. João VI, proclama o

estado de rebelião, havendo repercussões sobre a instrução pública, inclusive com o retorno

da censura e fechamento de escolas. Após uma série de situações políticas, D. Miguel é

proclamado rei e Portugal vive em regime absoluto até 1834. Em 1832, os jesuítas passam a

ter existência legal novamente no país, que assumem, inclusive, o Colégio das Artes de

Coimbra132

.

Neste contexto, observa-se uma forte crítica ao ensino em Portugal, dada a inércia por

parte do Estado português e da estrutura política vigente. Parte das críticas inspirava-se nas

ideias francesas a respeito da educação, embora tais ideias fossem um tanto difusas e certos

conceitos tenham perdido força, como é o caso do valor iluminista da instrução como índice

de civilização e liberdade. Tal conceito poderia implicar tanto uma consciência revolucionária

quanto representar uma forma estereotipada de uso corrente. As discussões recolocavam a

questão debatida à época da Revolução Francesa: controle do ensino pelo Estado ou liberdade

de ensino?133

.

De todo modo, as discussões parlamentares não chegaram a tomar atitudes

revolucionárias no que concerne à instrução pública. Enquanto em França a ideia era derrubar

131 Carvalho (1985). 132 Carvalho (1985). 133 Torgal e Vargues (1984).

Page 44: Historia Universidade Europa e Portugal

44

o sistema escolar do “antigo regime”, o mesmo não sucede em Portugal. No bojo da

discussão, e influenciadas pela Revolução Francesa – sobretudo da fase da Convenção –

surgiram algumas propostas mais ousadas, sendo a de Santos do Vale a de cunho mais radical,

ao se desvincular por completo das orientações pombalinas, diferentemente das demais

propostas que apenas a modificariam sem, no entanto, questionar seus pressupostos – tal

como as propostas de Serpa Machado e de Soares Franco. Seu objetivo é tanto a

desclericização do ensino oficial quanto a independência do ensino eclesiástico. Seu desejo é

oficializar o ensino, assentando-se numa concepção liberalista que deve basear todo o sistema

da vida nacional. Neste sentido, deixaria de existir a “universidade proprietária” vigente,

tornando-a instituição pública. A despeito de ser sido criada uma comissão para discutir a

proposta, com a inclusão do próprio autor, ela jamais atuou134

.

Da mesma forma, e apesar de ter sido levada ao nível parlamentar, a proposta radical

de Rebelo de Carvalho, jornalista de Coimbra, de extinguir as universidades e criar as Escolas

Centrais em seu lugar, jamais foi levada e cabo. O mesmo ocorre com o projeto menos radical

de Luis Mousinho de Albuquerque, para quem a “universidade proprietária” era um

“monstro”, e o professor entendido como um funcionário público. Apesar das críticas por ele

formuladas e de alguma adesão a suas ideias, o status quo não se altera135

.

Em conclusão, Torgal e Vargues admitem que a inércia foi a característica principal

das Cortes e das Comissões de Instrução – órgãos responsáveis pela instrução pública em

Portugal – do primeiro liberalismo português, posto que não havia um ambiente político

propício para uma mudança radical transformada136

.

Para Carvalho, o liberalismo português, desde que chegou ao poder, mostrou-se hostil

ao fortalecimento da universidade, inclusive propondo seu fechamento – proposta de Borges

Carneiro –, por considerá-la inútil. A reforma de 1836, que privilegiava os ensinos primário e

secundário em relação ao superior, e levada a cabo pelo deputado Passos Manuel (Manuel da

Silva Passos), previa a criação de escolas superiores em Coimbra, Lisboa e Porto. Assim, em

1837, cria a Escola Politécnica de Lisboa e a Academia Politécnica do Porto, o que

representava uma espécie de ataque ao monopólio da Universidade de Coimbra quanto ao

ensino superior137

.

134 Torgal e Vargues (1984). 135 Torgal e Vargues (1984). 136 Torgal e Vargues (1984). 137 Carvalho (1985).

Page 45: Historia Universidade Europa e Portugal

45

A despeito de uma pequena reforma da Universidade de Coimbra em 1901, somente

com o advento da república – a despeito de sua prioridade pelo ensino primário138

– é que o

país irá experimentar uma nova alteração talvez tão profunda quanto aquela empreendida por

Pombal, inclusive durante o Estado Novo de Salazar139

.

No entanto, foge ao escopo deste trabalho abordar tal fase, dado nosso objetivo de

estabelecer alguma conexão entre a Universidade de Coimbra e a universidade brasileira,

criada dentro de um clima de rejeição e de resistência ao “modelo” português, ainda inspirado

no “antigo regime”, tão combatido pela nascente república brasileira, em 1889.

138 Torgal (2010). 139 Torgal (2012).

Page 46: Historia Universidade Europa e Portugal

46

REFERÊNCIAS UTILIZADAS

LISTAGEM GERAL POR CAPÍTULO

INTRODUÇÃO

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