histÓria em catÁlogos: apresentada por professor
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
HISTÓRIA EM CATÁLOGOS:
UM ESTUDO DA POLÍTICA EDITORIAL DA ZAHAR DE 2001 A 2014
APRESENTADA POR
DANIELLE ROSA PAUL
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: VERENA ALBERTI
Rio de Janeiro, setembro de 2015.
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: VERENA ALBERTI
DANIELLE ROSA PAUL
HISTÓRIA EM CATÁLOGOS:
UM ESTUDO DA POLÍTICA EDITORIAL DA ZAHAR DE 2001 A 2014
Dissertação de mestrado Profissional apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil - CPDOC como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais.
Rio de Janeiro, setembro de 2015
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Agradecimentos
Agradeço a Deus pela vida e oportunidade de viver o mestrado como uma experiência
de enriquecimento acadêmico e pessoal.
À minha família, pelo apoio que possibilitou o início e a finalização deste mestrado:
meus pais, por terem sido a ternura e incentivo dia a dia; Sergio, meu marido, pela compreensão
da necessária dedicação de tempo aos estudos e por ter criado condições nas rotinas
profissionais e familiares que permitiram o cumprimento desta trajetória acadêmica, e aos meus
filhos, Clara, que, com oito anos, muitas vezes leu trechos do trabalho com o desejo de ajudar,
e Peter, hoje com oito meses de vida, que disputou atenção com o computador e, a cada sorriso,
me despertava uma inspiração.
Aos meus amigos: William Fernandes e Daniel Jardim, incansáveis na tentativa de
auxiliar no que fosse necessário em livros e carinho; à Irene Bulcão pelas bem-vindas “des-
orientações” que tanto ajustaram ideias e caminhos da pesquisa; e um especial muito obrigada
à Tânia de Souza Fernandes, amiga que, todas as vezes que solicitei para pensar a pesquisa,
refletir os dados e sair da angústia do pensamento solitário tão comum no decorrer da escrita
do trabalho, esteve ao meu lado, amável e serena.
Ao corpo docente da Fundação Getúlio Vargas, competente, rigoroso e solícito, que
reforçou meu entendimento dos porquês da instituição ser tão respeitada no meio acadêmico e
profissional.
Aos professores Bernardo Borges Buarque de Hollanda e Aníbal Francisco Alves
Bragança, membros da minha banca de qualificação e defesa, pelas sugestões e análises que
enriqueceram minha pesquisa.
À minha orientadora, Verena Alberti, pela parceria acadêmica, estímulo, leituras sempre
minuciosas do trabalho e por todas as contribuições precisas durante a realização desta pesquisa.
À direção da Zahar, pelos dados que me foram concedidos e pela forma pela qual me
confiaram as informações.
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Resumo
O presente trabalho versa sobre as políticas editoriais da Jorge Zahar Editor, em especial de
2001 a 2014, discutindo os desafios enfrentados por uma editora que construiu sua marca
através do ideal de publicar livros que se mantivessem no mercado editorial ao longo do tempo.
Foi apresentado um histórico da editora, desde sua fundação, como Zahar Editores, nos anos
1950, descrevendo as propostas editoriais situadas em conjunturas sociais e mercadológicas
específicas.
Detectaram-se alguns momentos críticos, em que tanto as políticas editoriais quanto a estrutura
de gestão da empresa foram reavaliados, redimensionados e sofreram mudanças importantes.
Analisaram-se diferentes catálogos da Zahar: o de 1985, período em que a editora passou a ser
gerida por Jorge Zahar e filhos, e os de 2001 a 2014, observando o que neles permaneceu dos
anos 1980 e também as transformações e permanências do fundo editorial entre os anos 2001 e
2014. As categorias “independência” e “livros clássicos” foram identificadas como elementos
discursivos estratégicos na auto-concepção e identificação pública da editora, apontando sua
percepção dos livros como bens culturais, bem como da função do editor como agente cultural.
A performance da Zahar tem desafiado dois tipos de diagnósticos difundidos no senso comum
e mesmo na literatura acadêmica. O primeiro é que as editoras precisam publicar livros que
alcançam alta vendagem rapidamente, mesmo que eles tenham uma sobrevivência efêmera,
como forma de garantir sua lucratividade e sobrevivência no mercado. O segundo é que as
editoras, em geral, pequenas e médias, ainda autônomas, tendem a precisar vender seus direitos
para empresas maiores e mais capitalizadas, pois não terão como enfrentar as políticas
mercadológicas agressivas dessas organizações.
As conclusões da pesquisa sugerem que a Zahar tem insistido na manutenção de sua auto-
identificação como editora de clássicos, direcionando suas políticas editoriais para a publicação
de livros que tenham longa duração, demonstrando que é possível seguir um caminho próprio,
em termos de exercício da função própria do editor, marcada pela independência na escolha do
que, como, quando e quanto publicar – e conservar seu espaço no mercado.
Palavras-chave: políticas editoriais; Zahar; função do editor; livros como bens culturais;
mercado editorial.
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Abstract
The following work addresses the editorial policies of Jorge Zahar, specifically from 2001 to
2014, discussing the challenges faced by this publishing house that has built the brand through
the ideal of publishing books that remain on the market over time. The study presents its history,
since the foundation as “Zahar Editores”, in the 1950s, describing the editorial proposals on the
context of specific social and marketing situations.
Some critical moments were highlighted, when both the editorial policies and the company's
management structure were reassessed, resized, establishing a period of major changes. That
said, this work aims to analyze different Zahar’s catalogs: one of the 1985 period - when the
publisher house started to be managed by Jorge Zahar and his children - and the ones from 2001
to 2014, noticing the aspects of changes and similarities between all the catalogs and the
editorial fund. The categories "independent" and "classical books" have been identified as
strategic elements in the self-conception and external identification of the publishing house,
pointing its perception of books as cultural assets, as well as the role of the editor as a cultural
agent. The performance of Zahar has been challenging two types of diagnostics in the common sense
and even in the academic literature. The first is that publishers need to invest in books that
quickly reach high sales levels, even if they don’t last too long, in order to ensure profitability
and presence in the market. The second is that, in general, small and medium publishing houses,
still autonomous, tend to sell their copyrights to the largest and most capitalized companies,
once they have to face the aggressive marketing policies of these organizations. The research findings suggest that Zahar has insisted on maintaining their self-identification as
a publishing house of classical books, directing their editorial policies to the publication of
materials that last longer, demonstrating that it is possible to follow their own path in terms of
emphasizing the unique role the editor, marked by independence in choosing what, how, when
and how many publications - and retaining its place in the market.
Keywords: editorial policies; Zahar; function of the publisher; books as cultural assets;
publishing market.
8
Onde é impossível o cálculo numérico impõe-se sugerir. Entre a
expressão das realidades do mundo físico e a expressão das realidades
do espírito humano o contraste é, em suma, o mesmo que existe na
tarefa do operário fresador e a do fabricante do instrumento de corda:
ambos trabalham com rigor milimétrico, mas o primeiro utiliza
aparelhos mecânicos de precisão; o segundo guia-se, sobretudo, pela
sensibilidade do ouvido e dos dedos (...). Quem negará que não haja,
como o tato manual, um tato com as palavras? (BLOCH, Marc,
1965:29)
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Sumário
Introdução
Capítulo 1 - A trajetória histórica da Zahar 24
1.1.Família Zahar, importadores e distribuidores – a partir de 1946 25
1.2.Família Zahar, livreiros (1950-1956) – Ernesto, Jorge e Lucien Zahar 27
1.3. Família Zahar, editores (a partir de 1956) – Jorge, Ernesto e Lucien Zahar 31
1.4.Contexto editorial brasileiro e a família Zahar no período entre 1960 e 1985. 34
1.4.1. O contexto editorial brasileiro (1960 – 1985) 34
1.4.2. A sociedade com a editora Guanabara 37
1.5. A nova Zahar (a partir de 1985) 42
1.5.1. O atual catálogo e suas interatividades 43
1.5.2.Herança e sucessão do patrimônio Zahar 51
Capítulo 2 - Sobre a “função editor” – uma função social 57
2.1. A independência e a distinção entre “editores” e “executivos” em editoras 62
2.2. O livro como bem cultural 66
Capítulo 3 - A política editorial da Zahar 70
3.1. A Zahar em 1985 71
3.1.1. As coleções de 1985 72
3.1.1.1. Coleção “Brasil: Os anos de autoritarismo” 72
3.1.1.2. Coleção Antropologia Social 75
3.1.1.3. Campo Freudiano no Brasil 76
3.1.1.4. Coleção Cadernos de Música da Universidade de Cambridge 77
3.2. Gestão continuada com coleções – “Uma forma de olhar para trás” 78
3.3. Continuidades e descontinuidades nas coleções 81
3.4. Transformações nos anos 2000 83
3.5. Fundo editorial: clássicos enfrentando desafios 86
3.5.1. Novos públicos e novas estratégias 89
3.5.2. Novas Coleções 91
3.5.2.1. Clássicos Zahar 91
10
3.5.2.2. Expresso Zahar 97
3.5.2.3. O primeiro selo – “Pequena Zahar” 100
3.5.3.. Políticas de aquisição 103
3.6. Processos decisórios 104
3.6.1. O funcionamento dos conselhos editoriais e os critérios atuais sobre o que publicar 104
3.6.2. Posicionamento da Zahar no presente contexto editorial 108
3.6.3. Transformações tecnológicas e os editores 110
Considerações finais 112
Bibliografia 116
11
Introdução
O tema desta dissertação diz respeito às políticas editoriais da editora Zahar. A questão
de pesquisa só se consolidou após uma fase inicial de pesquisa teórica, aliada à experiência
ocasionada pelos contatos com a direção da editora.
Num primeiro momento, se pretendia estudar as políticas editoriais da Zahar apontando
como problema da pesquisa a relação entre o valor “independência” e uma estratégia voltada
para a defesa da bibliodiversidade, em virtude dos debates contemporâneos liderados por duas
entidades: a Alliance Internationale des Éditeurs Indépendants, e a Liga Brasileira de Editores
- “Libre”.
A Alliance Internationale des Éditeurs Indépendants é uma associação sem fins
lucrativos, fundada em 2002, regida por leis francesas, que reúne grupos de editores
independentes de 45 países da África, América, Europa e Ásia, com o objetivo de proteger e
promover a bibliodiversidade.1 A entidade elaborou três documentos coletivos com o mesmo
propósito: a declaração de Dakar, em 2003; a de Guadalajara, em 2005, e a mais recente, a
Declaração Internacional dos Editores Independentes, referendada durante o Congresso
Internacional da Edição Independente realizado em julho de 2007, na Biblioteca Nacional da
França, com o patrocínio da Unesco.2 Nesse congresso, com a participação de representantes
das editoras independentes presentes, definiram-se não apenas os objetivos da Alliance, mas
também, para ampla difusão, os dois termos que balizam seus debates de forma mais precisa,
quais sejam, “editoras independentes” e “bibliodiversidade”. Segundo a Alliance,
Um editor independente é aquele que concebe sua política editorial com toda a
liberdade, de maneira autônoma e soberana: ele não é um porta-voz da expressão de
um partido político, de uma instituição, de um grupo de comunicação ou de uma
empresa. (...) A presença do capital financeiro no mundo editorial – compra de
editoras por atores do mundo das finanças sem nenhum laço com o métier de editor –
e a instalação de uma política de lucro elevado implicam em uma perda de
independência e, muitas vezes, em mudanças da linha editorial. O editor
independente, por causa de sua liberdade de expressão, é um ator maior da
bibliodiversidade.3
1 Ver o site da associação, disponível em: http://www.d-p-h.info/spip.php?site2&lang=pt_br, acesso em
13/10/2013. 2 Ver o link http://www.alliance-editeurs.org/IMG/pdf/Declaration_fr.pdf ou http://www.alliance-
editeurs.org/IMG/pdf/PDFPORTUGAIS.pdf, acesso em 13/10/2013. 3Idem.
12
Bibliodiversidade, então, ainda segundo a declaração de 2007, é a diversidade cultural
aplicada ao livro. Pode-se atribuir o termo à associação chilena Editores Independentes do
Chile, que já fazia uso dele no final dos anos 1990.4 À Alliance coube a promoção e a
divulgação do termo através das declarações de Dakar, Guadalajara e de Paris,
internacionalizando os debates acerca de sua importância.
No Brasil, representando os editores independentes, existe, desde 1o de agosto de 2002,
a Libre, que tem como objetivo a preservação da bibliodiversidade no mercado nacional,
motivando o fortalecimento das editoras independentes de forma colaborativa, com propostas
e ações concretas para a ampliação do público leitor, bem como para a criação de políticas
públicas que favoreçam o livro e a leitura.5
A continuidade deste trabalho de pesquisa e as reflexões resultantes das primeiras
leituras críticas que o texto recebeu, especialmente da banca de qualificação, levaram à
percepção de que a bibliodiversidade não era um valor que estava em jogo para a editora
pesquisada. O envolvimento maior com o estudo de caso permitiu identificar que, na verdade,
ser uma editora “independente” estava relacionado de perto com a questão da manutenção de
valores identitários que se mostraram muito caros para a Zahar: publicar “livros que duram”,
publicar “livros que importam”, entendendo o livro como um bem cultural, e o editor como um
agente cultural preocupado em divulgar ideias que contribuam com o seu tempo – ou seja, que,
de alguma forma, opine sobre os problemas da sociedade em que vive, conforme se verificou
em depoimentos de Jorge Zahar, o fundador da editora, citados por Jerusa Pires Ferreira (2001),
e nos depoimentos de Cristina e Mariana Zahar citados no corpo deste trabalho. Foi importante
observar ainda que a direção da Zahar conhece as entidades representativas das editoras que se
identificam como independentes, mas não é associada a nenhuma das duas. Esse fato foi
problematizado no interior do nosso trabalho, e se concluiu que a Zahar se compreende como
independente nos sentidos já expostos anteriormente, mas não se percebe como portadora do
perfil que atribui às editoras que são membros dessas entidades: pequenas, artesanais, sem
tradição de mercado, entre outros fatores que são explorados por nós no terceiro capítulo.
Isto posto, colocamos de forma mais clara o problema da pesquisa, que foi analisar a
política editorial da Zahar, tendo em vista a correlação entre o valor “independência” para a
4 O contexto e debates que motivaram a criação do termo no Chile é uma lacuna não explorada neste trabalho. 5Ver a apresentação da entidade em seu site, disponível em: http://www.libre.org.br/quem-somos, acesso em
13/10/2013
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editora e a escolha de publicações que duram no catálogo e que, por vezes, jamais saem dele.
Esses livros que são vendidos ano após ano são percebidos pela direção da editora como livros
“clássicos” que contribuem para a formação cultural dos leitores. Sendo assim, a constituição
de um fundo editorial variado e de longa duração poderia ser o indício de que a Zahar teria
conseguido sustentar os valores que construíram e consolidaram sua marca até o momento
presente.
Ao relacionar a categoria “independência” à escolha de publicar livros “clássicos”, a
Zahar exprime suas próprias concepções sobre a configuração, o significado e a importância do
trabalho do editor. Esse profissional é descrito pela atual direção da Zahar como alguém que
tem seu quinhão de responsabilidade pelos rumos do seu tempo e como alguém que precisa ter
“sensibilidade para os fenômenos culturais”. É descrito, também, enquanto profissional que
detém discernimento intelectual, informação e que sabe conciliar políticas editoriais com as
injunções de mercado. E, ainda, como alguém que faz escolhas do que publicar pelo gosto
estético, pelo posicionamento político, pelo envolvimento cultural, mas que não perde de vista
a necessidade de sustentar-se como empresa, como negócio. Tal posicionamento aparece
explícito especialmente numa das entrevistas de Jorge Zahar, citada no interior do trabalho.
Para a análise dessa conjuntura bem característica do ofício de editor, dois autores foram
essenciais: Pierre Bourdieu (2006) e Aníbal Bragança6 (2004).
Assim, em síntese, foi possível, a partir da imersão na pesquisa, perceber o enredamento
da noção/valor “independência”, significando uma autonomia profissional do editor para a
definição de políticas editoriais próprias que, no caso da Zahar, significaria a possibilidade de
escolher publicar “livros clássicos” por oposição à ideia de publicar “livros efêmeros”. A Zahar
faz questão de se apresentar aos seus leitores e ao público, em geral, como uma editora de
clássicos, não pretendendo, em momento nenhum, estar alheia às exigências do mercado, visto
que qualquer empresa precisa se sustentar mediante um quantum de lucratividade. Consciente
disso, a Zahar preferiu não adquirir, entretanto, um perfil que prioriza a obtenção da máxima
lucratividade possível, embora hoje essa possa ser considerada a tendência predominante no
mercado, não apenas no que concerne às editoras.
A persistência na manutenção dessa auto-identificação da editora tem exigido que sua
direção elabore estratégias que permitam sobreviver ao acirramento da competição por espaço
6 Retornaremos a isso adiante, quando tratarmos da estruturação dos capítulos e das contribuições específicas dos
principais autores com que dialogamos na construção de nossas análises.
14
num mercado cada vez mais caracterizado pela concorrência de empresas que lidam com o livro
apenas como bem de consumo, operando com a agressividade característica dos
empreendimentos do século XXI. Uma das estratégias implementadas pela Zahar nesse sentido
é a parceria com a Amazon, uma loja de tecnologia que tem por objetivo o comércio eletrônico,
utilizando-a como um canal de vendas privilegiado para e-books. Essa empresa, segundo Stone
(2014), é uma organização que traz novos tipos de preocupação para o futuro, porque ela
desenvolve tecnologias com a ambição de não ser apenas “a loja de tudo, mas, no fim, uma
empresa de tudo” (STONE, 2014:364).
Voltando às distinções valorativas que compõem a auto-concepção da Zahar, é válido
ponderar que estabelecer uma missão empresarial marcadamente cultural nos anos 1950 e
mesmo nos anos 1980 fazia muito sentido, conforme se verá oportunamente no
desenvolvimento do trabalho. Mas manter esse posicionamento nos anos 2000 é viável?
André Schiffrin (2006), um experiente editor franco-americano, observa que a estratégia
das grandes corporações é, e tende a ser cada vez mais, publicar menos variedade e maiores
tiragens. Em recente visita ao Brasil, realizada em 7 de janeiro de 2013, participou de um debate
no programa Roda Viva sobre editoras, livrarias e o futuro dos livros impressos e digitais.7 Seu
objetivo, nesse como em outros encontros realizados pelo mundo, foi conscientizar todas as
estruturas envolvidas na produção e na venda do livro – governos, editoras, livrarias, leitores,
autores e pesquisadores – para o fato de que a concentração maciça dos canais de produção e
venda tem por objetivo apenas o faturamento.
Um trabalho realizado com foco no período entre os anos de 1995 e 2006 pelos
pesquisadores George Kornis e Fabio Sá Earp, ambos economistas e pesquisadores à época do
Laboratório da Economia do Livro da UFRJ, atesta com precisão uma crise na cadeia produtiva
do livro, considerando a diminuição das tiragens médias por título; a relação entre o número de
exemplares produzidos e vendidos, que apresenta grandes diferenças ocasionando os
“encalhes”; a diminuição do faturamento das editoras, e a variação em prazos e volumes das
compras governamentais. Esse quadro gera impasses à produção em larga escala, mas, ao
mesmo tempo, facilita e justifica pedidos às grandes editoras e grupos editoriais, uma vez que
maiores estruturas dispõem de produção mais ágil e sofisticada, necessárias ao atendimento das
demandas oscilantes. Os autores afirmam: “Se qualquer segmento significativo da indústria
brasileira, do têxtil ao petroquímico, tivesse enfrentado problema semelhante, teria havido um
7 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=t-SMEmQ5Q3w, acesso em 13/10/2013.
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escândalo em escala nacional. Os empresários do livro escolheram o silêncio. ” (KORNIS, G.;
EARP, F. S., 2010: 352)
Ao final do artigo, George Kornis e Fabio Sá Earp propõem uma reflexão sobre o fato
de que as aquisições e fusões entre editoras e a chegada de grupos internacionais acarretarão
ainda mais incertezas ao mercado editorial. Segundo eles, grande parte da população apropria-
se cada vez mais de novos bens substitutos dos livros, como o acesso à internet e cópias não
autorizadas, cada vez mais comuns. Além disso, as políticas públicas para aquisição de livros,
comumente instáveis, assim se mantêm. Enfim, com todas essas questões, a economia do livro
no Brasil vive uma crise, que, segundo os autores, “é grave não apenas por sua dimensão, mas
por ser sistematicamente ignorada pelas entidades ligadas ao setor” (Id.: 349).
As reflexões propostas por John B. Thompson (2013: 117-123), professor de sociologia
da Universidade de Cambridge, que pesquisa sobre o mercado editorial nos Estados Unidos e
na Grã-Bretanha no século XXI, caracterizam o cenário de mercado para as editoras a partir
dos anos 2000. O autor contextualiza os desafios enfrentados pela indústria do livro e explica o
fenômeno da emergência das corporações editoriais, e nos ajuda a entender também o contexto
brasileiro. Inicialmente grandes corporações faziam aquisições por questões de sinergia entre o
campo literário e outras indústrias, como cinema, educação e informática. O momento seguinte,
ainda segundo Thompson, foi marcado por fusões e aquisições de editoras, sobretudo as mais
vulneráveis às dificuldades com sucessão e estrutura, num mercado cada vez mais dinâmico e
competitivo, que assim se mantém.
Mas, se o trabalho de Thompson parece sustentar a ideia de que as editoras pequenas e
médias e/ou aquelas que não se definem prioritariamente pela meta da lucratividade terão
dificuldades de permanecer no mercado e que tendem, portanto, a serem compradas pelas
maiores, por outro lado, o autor afirma que sofrerão maiores impactos aquelas que tiverem
problemas com sucessão e estrutura. Esse não é o caso da Zahar, bem-sucedida em duas
gerações de herdeiros e que tem adaptado a estrutura empresarial às necessidades de cada
momento.
Diz ainda Thompson, na mesma obra, que construir catálogos com títulos variados e
longevos é prerrogativa do trabalho do editor profissional que reúne todas as características
anteriormente apontadas por nós. Segundo ele, os executivos de grande capital que resolvem
investir no mercado de publicação de livros precisam comprar fundos editoriais, nomeados por
ele como backlists, constituídos com muito trabalho e durante um longo período de tempo pelos
editores, uma vez que tais executivos não detêm nem conhecimento nem tempo para construí-
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las (THOMPSON, 2011:238). Assim, editoras que, como a Zahar, constroem seus catálogos
com títulos de interesse permanente, não só renovam suas obras, como garantem a diversidade
do seu fundo editorial, tornando-se foco da cobiça dos grandes conglomerados.
É oportuno fazer aqui algumas ponderações. Em primeiro lugar, a concentração de
vendas sobre poucos títulos, tão comumente atribuída às pressões econômicas, especialmente
aos canais de venda (redes de livrarias e varejo), muitas vezes diz respeito à política editorial
estabelecida para a produção do próprio catálogo editorial, que movimenta o mercado com o
lançamento de novos títulos, os quais, contudo, não atingem vendas que justifiquem
reimpressão. É fato também que os avanços tecnológicos contribuíram para o aumento das
produções escritas, uma vez que o processo de publicar tem se tornado cada vez menos
dispendioso, permitindo até mesmo impressões sob demanda. Com investimentos iniciais cada
vez menores, o negócio do livro atrai novos empreendedores, em geral com precário
conhecimento sobre o setor e que, por isso, comprometem por si mesmos a permanência de
seus negócios.
Após a visualização desse contexto de questões e debates acerca dos processos
produtivos do livro e do mercado editorial, pode-se discernir o objetivo principal desta pesquisa:
registrar de que maneira a Zahar tem gerido sua marca e enfrentado os desafios da nova era
para manter-se fiel ao papel de editor que, segundo nossa análise, pode ser identificado pelo
perfil “empresário editor”, de acordo com a classificação sugerida por Bragança (2004). Assim,
a Zahar ilustra o fato de que há editoras que prezam seus catálogos com lançamentos de títulos
de referência, os quais, segundo as editoras, atendem a demandas de interesse permanente.
Essas editoras fazem da administração de suas edições o seu diferencial num mercado de
excessos, destacando suas obras num ambiente cada vez mais competitivo. Formar e consolidar
catálogos, definindo o perfil das obras e da política editorial, é, para essas editoras, ao mesmo
tempo condição e consequência de independência editorial, na medida em que parcerias,
quando desejadas, são possíveis, desde que não exijam que sejam abandonados seus valores
concebidos como fundamentais. Tais observações serão encontradas em alguns momentos deste
trabalho, onde são citadas falas da atual direção da Zahar.
Cabe observar que o posicionamento da Zahar por continuar sendo uma “editora de
clássicos” e atuando dentro dos limites de sua autonomia editorial, sem se ver na obrigação de
vender sua marca ou seus catálogos, sinaliza para o fato de que tendências majoritárias de
concentração editorial não significam, pelo menos até o momento, necessidades imperativas.
17
Ou seja, o “caso Zahar” ilustra que o mercado continua abrigando práticas editorias múltiplas,
bem como múltiplos estilos de editor.
Os argumentos pouco consistentes de que as ameaças do mercado cada vez mais voraz
seriam irrevogáveis e que promoveriam a extinção de muitas propostas diferentes de trabalho
em publicações são de certa forma problematizados pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1999:4-5),
no artigo “Uma revolução conservadora na edição”8: “o processo de concentração que afeta o
mundo editorial e transforma profundamente as práticas, subordinando-as mais e mais às
normas comerciais, é irreversível ou irresistível?” Se algumas editoras que valorizam a
categoria “independência” como característica inalienável do perfil de editor que define suas
políticas editoriais - como é o caso da Zahar - resistem em meio que parece tão hostil, que tipo
de direção, de editor e de políticas editoriais, além de outros fatores (sucessão e estrutura, por
exemplo), lhes dá condição de manterem existência? Essa é a questão principal que se pretendeu
responder, a partir do cotejo da literatura pertinente com a experiência específica da Zahar.
A pesquisa sobre a atuação da Zahar contou com três tipos de fontes. Em primeiro lugar,
o próprio site da editora e os documentos que contém. Em segundo, documentos que me foram
gentilmente disponibilizados pelas sócias da editora: planilhas e catálogos impressos. Os dados
contidos nesses documentos não constam do catálogo atual, seja por não serem informações
típicas nesse tipo de material produzido pelas editoras, seja por serem por demais pretéritas,
como é o caso dos impressos disponibilizados. Em terceiro lugar, tive oportunidade de realizar
entrevistas em três visitas à editora e três contatos por telefone.
Entre os documentos consultados na editora figuram:
1) Um arquivo com informações sobre todas as obras publicadas pela editora entre as
datas 1/7/1985 e 27/11/2014, com títulos, autores, coleções, assuntos, sinopses,
status (isto é, “disponível”, “esgotado” ou “fora de catálogo”), data de publicação e
selo editorial (Zahar e Pequena Zahar). O arquivo foi importante para estudar o
trabalho da editora no ano de 1985 e observar a formação e a desativação de
coleções, informações que foram incorporadas às perguntas que fiz à direção da
editora para entender a importância das coleções para a Zahar atualmente.
2) Planilhas de 2001 a 2014, contendo dados como títulos, autores, datas de
lançamento, reimpressões/reedições e respectivas tiragens. Essas planilhas foram
por mim convertidas em novas planilhas, a partir das quais pude gerar os gráficos
8Artigo elaborado após pesquisa sobre o campo editorial francês entre 1995 e 1996, com levantamentos estatísticos,
bibliográficos e entrevistas realizadas com agentes do campo editorial, como editores, tradutores, críticos literários
e diretores de coleções.
18
que ilustram a gestão do fundo editorial de 2001 a 2014, bem como a decisão de
retirar títulos de catálogo ao longo dos mesmos anos, combinando os registros desses
arquivos com os do item anterior.
3) Os catálogos impressos dos anos 1991-1992, 1993-1994, 1997-1998, 2001, 2002-
2003 foram importantes para observar a concentração e a diminuição dos
representantes e distribuidores da editora ao longo dos anos.
Os encontros com a direção da editora foram organizados da seguinte maneira:
13 de maio de 2014, quando a proposta da pesquisa foi apresentada; com a presença de
Cristina Zahar, Mariana Zahar e Ana Paula Rocha;
20 de maio de 2014, quando Mariana Zahar fez uma apresentação do catálogo da
editora, gravada em áudio;
28 de maio de 2015. Depois de analisados os arquivos das planilhas, os catálogos
impressos e a gravação feita em áudio da apresentação do catálogo, novas perguntas
foram formuladas e, nesta data, foram respondidas por Mariana Zahar;
30 de junho de 2015. Este foi o último contato com Mariana Zahar, por telefone, para
ajustes de entendimento e conferência da precisão de algumas informações,
especialmente aquelas que se referiam à história da editora;
7 de julho de 2015. Nesse dia, Cristina Zahar falou por telefone sobre a história da
Zahar, especialmente aquela que antecedeu a Jorge Zahar Editor, importante para
entender a trajetória que a família percorreu e mantém com livros;
25 de julho de 2015, quando foi realizado o último contato telefônico com Cristina
Zahar, em que ela enfatizou a importância e ao mesmo tempo a dificuldade em lidar
com o fundo editorial em tempos atuais, finalizando suas contribuições sobre a
importância de ser editor hoje.
Em alguns momentos ao longo do texto, para facilitar a leitura, contribuições que
resultaram de entrevistas realizadas na Zahar ou por telefone serão identificadas da seguinte
forma: E.A.C.Z, para entrevista com Ana Cristina Zahar, e E.M.Z., para entrevista com Mariana
Zahar. Todas serão seguidas das datas em que ocorreram.
A estrutura do trabalho obedeceu à sequência que se descreve a seguir. No primeiro
capítulo discorre-se sobre a história da editora e, para isso, foram importantes alguns textos. O
livro Jorge Zahar, uma das obras publicadas como resultado do projeto “Editando o editor”,
coordenado por Jerusa Pires Ferreira, doutora em Antropologia Social em 1980 pela USP. A
19
obra, publicada pela Edusp em 2001, foi elaborada a partir de entrevistas feitas com o editor.
Trechos sobre a vida de Jorge Zahar permitiram conhecer de forma resumida a trajetória da
família e as características do editor que se tornaram marcas do seu trabalho. Cabe dizer que,
apesar de o livro ter sido publicado em 2001, sua última revisão realizada com o próprio Jorge
Zahar é datada de 1996. Portanto, será esta a data considerada para suas falas citadas no decorrer
da pesquisa.
A tese de doutorado de Glaucia Villas Bôas defendida em 1992 e publicada em 2007
pela Fundação Biblioteca Nacional, intitulada A vocação das Ciências Sociais no Brasil: Um
estudo da sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional (1945-1966), foi
importante para dar conta do período de início da trajetória da família Zahar na publicação de
livros na área de ciências sociais e o panorama editorial à época para os livros desta área.
Outro texto importante, principalmente para contextualizar acontecimentos das décadas
de 1960 e 1970, foi a dissertação de Andréa de Lemos Xavier, intitulada A produção da coleção
Primeiros Passos: um projeto político-cultural da editora Brasiliense (1979-1985), defendida
em 2003 na PUC Rio, que discorre sobre a relação ambígua entre governo militar e o mercado
editorial, com incentivos e benefícios que tinham como objetivo principal patrocinar livros
direcionados às instituições de ensino.
A obra de Halleweel, intitulada O livro no Brasil contribuiu para mais informações sobre
o período do regime militar, no qual, curiosamente, livros universitários foram beneficiados a
partir da classificação “paradidáticos”. Em dado momento, o autor cita editoras que teriam sido
prestigiadas por financiamentos específicos para livros escolares e universitários, entre as quais
a Zahar. Sua obra traz ainda informações sobre a trajetória da família Zahar com livros, desde
quando atuaram como importadores até a fundação da atual Zahar.
Para compreender o significado da herança de patrimônios com relevante carga
simbólica, como é o caso da editora Zahar, utilizou-se o conceito de conatus, tal como
desenvolvido por Pierre Bourdieu no artigo “As contradições da herança”. O referido conceito
permitiu perceber a densidade desse tipo de herança que envolve lembranças, práticas, filosofias
de vida, filosofias empresariais, contatos, parceiros, prédios, livros, enfim, um conjunto de bens
tangíveis e intangíveis que trazem aos herdeiros uma grande responsabilidade em não deixar
esse patrimônio ser perdido e, por outro lado, não deixar arrefecer o patrimônio dos valores que
os antecessores gostariam que fossem, de certa forma, perpetuados.
20
O segundo capítulo é dedicado a entender o que significa ser editor na Zahar atualmente,
as características da atual gestão e sobre como ela foi constituída, qual a história que a precede
e que serve como aprendizado para continuidades e descontinuidades nas formas de atuar,
considerando as mudanças ocorridas no mercado ao longo dos anos. Aqui se avalia, em alguma
medida, a eficácia da sucessão tanto do ponto de vista da sobrevivência e do crescimento da
empresa, quanto em relação à continuidade da preservação dos valores acima mencionados.
O artigo de Marília de Araújo Barcellos, “As pequenas e médias editoras diante do
processo de concentração: oportunidades e nichos”, que faz parte do livro Impresso no Brasil
publicado pela Edunesp em 2010, foi uma das fontes inspiradoras para a compreensão e a
análise da gestão e do papel do editor na Zahar, após os anos 2000. A tese de doutorado de
Barcellos, intitulada O sistema literário atual: pequenas e médias editoras, defendida em 2006
na PUC-Rio, que abrange o período entre os anos 2000 e 2004, forneceu, também, observações
relevantes sobre o mercado e as pressões comerciais sofridas sobretudo pelas pequenas e médias
editoras que fizeram parte do seu trabalho – de que não consta a Zahar - e sobre a convivência
de tipos de editores-empresários e executivos de empresas editoriais. Ou seja, os trabalhos de
Barcellos sustentam a ideia de que os grandes investidores no ramo editorial estão convivendo
com editoras pequenas e médias, onde prevalece o perfil do empresário editor, de acordo com
a classificação proposta por Bragança, perfil que abriga a forma de conceber e exercer o ofício
de Jorge Zahar e de seus herdeiros, conforme será demonstrado em vários momentos deste
trabalho.
Conforme já sinalizado anteriormente, para refletir sobre o significado intrínseco do
trabalho do editor, foram trazidas ao nosso texto as contribuições de Bourdieu (1996) e de
Bragança. Pierre Bourdieu, na obra citada, fala sobre o editor como agenciador de investimentos
que concilia recursos financeiros e reconhecimento como formas de consagração de seus textos
e autores, interpretação que reforça a percepção da editoração de livros como um tipo de ofício
que lida com a produção e a circulação de bens simbólicos, portanto, culturais. As colocações
do sociólogo francês vão ao encontro das percepções obtidas a partir do estudo de caso realizado
para esta dissertação, e também do posicionamento de outros acadêmicos aqui citados, como é
o caso de Escarpit (1969), que será mencionado adiante. A tese e os artigos de Aníbal Bragança,
doutor em ciências da comunicação pela USP (2004), foi a referência maior nesse momento de
nosso texto, ao possibilitar a observação de como atuam editores em diferentes momentos da
história do ofício e sublinhar a importância da autonomia sobre o que e como publicar como
uma fronteira que demarca a diferença entre editores e executivos de empresas editoriais. Os
21
“tipos ideais” de editor que o autor concebeu foram, ainda, de grande importância para o
encaminhamento das análises que se realizaram nesta dissertação, principalmente no que
concerne à comparação entre os “executivos” e os “empresários editores”, que podem ser
identificados como estilos profissionais que convivem, principalmente no século XXI (como
afirmado também por Barcellos), mas que não compartilham o mesmo tipo de conhecimento,
nem as mesmas propostas sobre o que deve ser e como deve acontecer o trabalho dos editores.
Foi possível articular o texto de Aníbal Bragança com trechos de entrevistas realizadas com
Ana Cristina Zahar e Mariana Zahar, bem como com trechos importantes do livro Jorge Zahar
da coleção Editando o editor (FERREIRA, 2001).
Para aprofundar a compreensão do livro como bem cultural e não como um produto
como qualquer outro, nos inspiramos principalmente no livro Sociologia da literatura, de
Robert Escarpit (1969), sociólogo francês que entende o editor como um mediador cultural,
embora nem sempre ciente da sua capacidade de influenciar leitores com aquilo que publica.
O terceiro capítulo foi dedicado à observação das práticas editoriais na Zahar ao longo
dos anos 2001 a 2014 como estratégias de renovação do catálogo da editora, que, lançando
novas obras, não deixa de prestigiar a renovação das antigas como as melhores obras a darem
retorno financeiro e, ao mesmo tempo, celebrar as escolhas do editor. Para iniciar o capítulo,
foi feita uma breve apresentação do primeiro ano da editora, 1985, tendo como base as coleções
que fundaram a editora, que foram comparadas com os trabalhos publicados a partir dos anos
2000 – o recorte temporal da pesquisa dos catálogos, como mencionado acima. Para tanto, as
planilhas com dados referentes ao histórico da editora em livros publicados, combinadas às
entrevistas realizadas com Ana Cristina Zahar e Mariana Zahar, foram as fontes privilegiadas.
Esse material foi associado a cinco textos que se fizeram relevantes no desenvolvimento
desse capítulo. O primeiro deles foi o trabalho de Eliana de Freitas Dutra, doutora em história
social pela Universidade de São Paulo, “Leitores de além-mar: A editora Garnier e sua aventura
editorial”. Para Dutra, catálogos “ao perdurar no tempo, mostram-nos o que seus editores
propunham aos leitores de outrora” (DUTRA, 2010: 67). E, dependendo do uso que deles se
faça, podem servir para contar uma história editorial e entender as relações que sustentam os
trabalhos dos editores, bem como o papel assumido por seus editores ao longo do tempo: o que
se lê em dado momento, os livros e gêneros escolhidos pelo editor como importantes e “que
segredos de organização guardam os catálogos”. Assim sendo, as colocações da autora
22
inspiraram a valorização dos catálogos como documentos importantes para a pesquisa, bem
como nortearam a forma de abordá-los para a obtenção de dados significativos (DUTRA, 2008).
O segundo autor importante no contexto do terceiro capítulo foi Robert Darnton,
historiador norte-americano que se dedica a estudos sobre o livro, autor da obra A questão dos
livros, que é resultado de uma coletânea de artigos sobre a vida ou morte de livros. Darnton
discorre sobre a pujança do mercado editorial mundial, apresentando preocupações trazidas
com os avanços tecnológicos, sobretudo sobre como ficarão os direitos dos editores num
ambiente comercial competitivo como o atual. O livro de Darnton reforçou meu interesse por
procurar pesquisar ao máximo documentos produzidos pelos editores da Zahar. Tal estratégia
de pesquisa visava entender, a partir dos registros dos livros em catálogos, reproduzidos pelos
dados disponibilizados nas planilhas, de que maneira a atual gestão vem lidando com as
oportunidades e riscos inerentes ao mercado atual.
O terceiro autor referência para esse mesmo capítulo, especialmente para pensar as
transformações do papel exercido pelo editor a partir das exigências do mercado, foi Jason
Epstein, editor norte-americano, autor do livro O negócio do livro. Epstein viveu a transição da
função editor/empresário (de acordo com a classificação de BRAGANÇA, 2004) para a função
executivo de um grupo editorial e é com esse olhar que avalia as mudanças do mercado editorial,
as oportunidades geradas e, ao mesmo tempo, os desafios a serem enfrentados pelos editores
que não se adequem às novas condições que o mercado deseja impor.
Maria Rita de Almeida Toledo é a quarta referência do capítulo em questão. É doutora
em educação pela PUC-SP, autora do artigo “A Companhia Editora Nacional e a política de
editar coleções (1925-1980): entre a formação do leitor e o mercado de livros”. O trabalho
selecionado aborda a importância das coleções como estratégia para ampliação de públicos, a
partir da especialização temática, e as vantagens auferidas através da formação de coleções pela
editora (TOLEDO, 2010). Suas contribuições foram bastante relevantes para a análise das
coleções e do significado das mesmas no contexto das políticas editoriais da Zahar.
Gabriela Pellegrino Soares, a quinta referência, é doutora em história social pela
Universidade de São Paulo, autora do artigo “Os irmãos Weiszflog em busca dos mercados
escolares: identidades das Edições Melhoramentos dos primórdios aos anos 1970”, contribui
para pensar a formação de coleções e discorre sobre cuidados especiais da editora na escolha e
no tratamento dado aos originais, de modo que os livros publicados sejam adequados ao público
infantil de acordo com critérios estabelecidos pela editora. No caso específico da Zahar, o artigo
23
ilumina a reflexão sobre a formação do selo Pequena Zahar, especializado em publicações
infantis, com uma forma de apresentar cada título que faz lembrar os cuidados da editora
Melhoramentos com suas publicações, conforme os relatos fornecidos pela autora citada
(SOARES, 2009).
Nas considerações finais são informadas as principais conclusões a que a pesquisa
permitiu que se chegasse, tendo em vista o problema eleito, os objetivos do trabalho e a relação
que foi possível estabelecer entre a bibliografia consultada e os dados resultantes do estudo de
caso da Zahar.
24
Capítulo 1 - A trajetória histórica da Zahar
Uma vez que se escolheu a Jorge Zahar Editor como caso específico a ser analisado,
cabe buscar os caminhos de resposta iniciando pela trajetória histórica da editora. Através dessa
incursão foram reunidos os elementos para entendermos, passo a passo, as políticas editoriais
da Zahar. Tal trajeto se traduziu em percorrer os depoimentos e práticas de seus editores e de
suas publicações, acompanhando as nuances que marcaram as decisões sobre o que e como
publicar, ao longo do tempo. Essas escolhas, amparadas em critérios que se pretendeu desvelar,
foram capazes de tecer a permanência da reputação e, ao mesmo tempo, a sobrevivência
econômica da Zahar, considerando os desafios com que se confrontaram os seus editores.
Como a marca Zahar remete diretamente aos seus fundadores, que foram também seus
editores, é quase inevitável que se retorne a alguns momentos marcantes da trajetória da família
Zahar.
Os membros da família Zahar foram importadores, livreiros e editores e, assim,
conheceram importantes partes do ciclo de produção de livros. A família experimentou o ofício
da distribuição de livros como importadores, a venda como livreiros e a produção enquanto
editores.
Em entrevista ao projeto Editando o editor, realizada em 1996,9 Jorge Zahar assim se
apresenta:
Nasci em Campos, no Estado do Rio de Janeiro, em 1920. Em 1929, saí de lá para
Vitória, no Estado do Espírito Santo. Com a crise de 1929, a quebra do café, meu pai
perdeu a loja de tecidos que tínhamos em Campos, chamada A Rosa Campista. Fomos
ser pobres longe de Campos.
Meu pai era libanês, minha mãe, francesa. (...)
Comecei a trabalhar em Vitória com quinze anos. Cinco anos depois, em maio de
1940, com vinte anos, fui trabalhar com um irmão meu, no Rio de Janeiro. Ele estava
9 Ano da revisão final do texto feita pela própria Jerusa Pires Ferreira, coordenadora do projeto Editando o editor,
num encontro com Jorge Zahar em 1996. Segundo ela, nesse momento “em vez de acrescentar, ele cortava. Cortava
tanto que se eu não tivesse cuidado, o texto terminaria por desaparecer. ” (FERREIRA, 2001:17). Por isso,
consideraremos 1996 como o ano da entrevista, porque foi nele que se deu a versão final a que tivemos acesso
pelo livro que do projeto resultou.
25
começando um negócio de importação de livros técnicos, com o sogro dele, que se
chamava Herrera.
Não havia na época um serviço regular de importação de livros estrangeiros para
livrarias. Havia uma ou outra livraria que importava alguma coisa diretamente.
Passamos a fazer um trabalho organizado, nos transformamos em intermediários entre
os editores argentinos e ingleses, principalmente, e as livrarias. Fazíamos a
importação e revendíamos para as livrarias. A Argentina era o grande centro editorial
da América Latina. (FERREIRA, 2001: 29 -31)
1.1. Família Zahar, importadores e distribuidores – a partir de 1946
Para iniciar a trajetória da família Zahar, recorremos mais uma vez à entrevista de Jorge
Zahar, que explica como os irmãos Jorge, Ernesto e Lucien passaram do ofício de funcionários
de uma importadora a importadores.
Por volta de 1946, o Herrera, que era o dono da empresa, resolveu se aposentar. Com
o término da guerra, ele supôs que não haveria mais lugar para uma empresa desse
tipo, uma intermediária, e que todos poderiam fazer suas próprias importações.
Com o final da guerra, a França, a Inglaterra, a Itália e outros países voltaram a
oferecer seus livros diretamente, mas ainda havia espaço para empresas de importação
e distribuição, assim como até hoje há lugar para esse tipo de empresa.
Em 12 de novembro de 1946, eu, meu irmão mais velho e meu irmão mais moço –
toda a família – fundamos a nossa própria firma, que era uma continuidade da Herrera.
E assim ficamos uns dez, doze anos. (FERREIRA, 2001:31-32)
É interessante observar como Jorge Zahar apresenta as diferentes concepções sobre o
mercado de importações no pós-guerra: Antonio Herrera pensava nesse momento como o
melhor para se aposentar, e os irmãos Zahar, para começar novos investimentos, permanecendo
exatamente no mesmo negócio.
Em apresentação escrita por Cristina Zahar sobre a trajetória profissional de seu pai, ela
traz alguns detalhes sobre a importadora que “iniciou” a família no negócio com livros.10 O
10 Trata-se de uma apresentação do pai escrita originalmente por Ana Cristina Zahar como palestra proferida no I
Seminário Brasileiro sobre Livro & História Editorial, realizado na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, entre
8 e 11 de novembro de 2004. Voltarei a esse documento em outros momentos dessa dissertação. (ZAHAR,
A.C.2004)
26
proprietário da importadora era, segundo ela, “um “anarquista espanhol” e se chamava Antonio
Herrera. A importadora funcionava na Rua Rodrigo Silva, e os livros com os quais trabalhava
eram técnicos, especialmente sobre rádio amador. Paralelamente, a presença de livrarias
começou a se multiplicar no Rio e a clientela da distribuidora cresceu. A época em que esse
trabalho se desenvolveu era o tempo de guerra e pós-guerra. Cristina acrescenta que, na época,
a Argentina, além de ser um “pólo editorial”, ainda funcionava como “difusor dos livros
europeus”. Era o início da atividade de selecionar títulos e perceber a dinâmica do mercado
editorial.
O nome da importadora que funcionava ainda apenas como uma distribuidora era
“LER”, que significava “Livrarias Editoras Reunidas”, conforme explicado por Cristina Zahar.
Laurence Hallewell escreve sobre o período e nos dá uma noção do panorama do
mercado editorial à época:
O rápido crescimento da indústria editorial brasileira, ocasionado pelo surto de leitura
durante a guerra, não subsistiu por muito tempo após a assinatura da paz. Em 1947, já
havia virtualmente chegado ao fim, e os empresários do ramo estavam certos de que
o desastre os estava rondando. (HALLEWELL, 2012: 569-570)
O mesmo autor informa que o ano de 1945 não representou mudanças positivas para os
livros produzidos no Brasil, mas o inverso disso. A taxa de câmbio não favorecia a moeda
nacional, se comparada ao dólar, o que dificultava a concorrência da venda dos livros de
produção nacional em contraste com os importados. Em 1945, os custos gráficos subiram 120%,
em relação aos do ano de 1939. Cabe lembrar ainda a diferença do preço do papel entre os anos
1943 e 1945. Enquanto em 1943 o preço do quilo do papel era de Cr$ 4,00, em 1945, passou
para Cr$ 7,50.
Não é difícil prever que, para contornar os impasses econômicos que acometeram a
produção nacional, a importação era uma opção estratégica para o trabalho com livros no Brasil.
Em 1947, aproximadamente um quinto dos livros vendidos no Brasil era proveniente de
importação e metade deles era produzida nos Estados Unidos ou na Argentina. Em 1953, um
27
sistema de taxas múltiplas de câmbio, que substituiu o sistema de licenças de importação,
continuou a conceder tratamento especial aos livros estrangeiros. Ainda segundo Hallewell
Era indiscutível a necessidade de importar livros técnicos (considerados essenciais
para o desenvolvimento econômico), e, consequentemente, os livros estrangeiros –
todos os livros estrangeiros – acabaram sendo beneficiados pelo que era, em essência,
um subsídio cambial, subsídio tão grande que esses livros podiam ser vendidos, no
Brasil, pela metade do preço cobrado dos países de origem! (HALLEWELL, 2012:
572)
1.2. Família Zahar, livreiros (1950-1956) – Ernesto, Jorge e Lucien Zahar
A história da família Zahar como livreiros se inicia em 1950, na Rua México, número
31, no Centro do Rio de Janeiro. Nesse ambiente de venda de livros, os irmãos começaram a
ter contato com professores da Faculdade de Filosofia, que era próxima (Zahar, A.C., 2004).
Sobre a transição da família Zahar da atividade de importação para a atividade de
livraria, Cristina Zahar, em entrevista, esclareceu: “A importadora era uma livraria de livros
técnicos. O Herrera se suicida e deixa para os irmãos11 o que tinha. Então os irmãos se mudam
e transformam essa importadora numa nova livraria, na Rua México, em 1950.”
(E.A.C.Z.07.07.15) O nome da livraria se mantém, Ler.
A família teve ainda uma outra livraria em São Paulo. Segundo Jorge Zahar, “[a] livraria
de São Paulo foi aberta bem mais tarde, em 1954, se bem que nunca chegou a desempenhar
papel semelhante ao da livraria no Rio de Janeiro. No Rio, realmente a livraria ‘Ler’ era uma
das melhores da cidade. No campo de ciências sociais era certamente a melhor.” (FERREIRA,
2001:40).
O período em que Jorge Zahar e irmãos trabalharam como livreiros e, em seguida, como
editores, foi expressivo para o estudo sobre publicações na área de ciências sociais. Trata-se de
um momento no mercado editorial em que textos estrangeiros eram importantes e a eles
juntavam-se algumas produções nacionais.
11 Os irmãos de que se trata aqui são os Zahar, e não de Herrera.
28
Informações sobre o campo das ciências sociais, nesse momento, podem ser encontradas
na tese de Glaucia Vilas Boas, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo, com o
trabalho A vocação das ciências sociais no Brasil: Um estudo da sua produção em livros no
acervo da Biblioteca Nacional, defendida em 1992. A autora estuda o período de 1945 a 1966,
discorrendo sobre a formação do cientista social, que se inicia na década de 1930 com as
primeiras instituições de ensino, situadas em sua maioria no Rio de Janeiro e em São Paulo,
oferecendo formação específica na área. Em 1933, em São Paulo, foi fundada a Escola Livre
de Sociologia e Política; em 1934, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo. No Rio, em 1935, foi criada a Universidade do Distrito Federal e, em 1939, a
Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil.
No início dos anos 1930 eram muitas as interpretações sobre o Brasil escritas por
pessoas sem formação específica em ciências sociais. Além da ainda pequena quantidade de
instituições educacionais com esse propósito, havia poucos livros especializados na área
disponíveis no país. As inúmeras versões sobre o Brasil, escritas por poetas, romancistas,
advogados, médicos, etc. ficaram registradas na obra da autoria de Dante Moreira Leite, O
caráter nacional brasileiro, que menciona, também, o período em que começam a aparecer
versões elaboradas pelos cientistas sociais (LEITE, 2007).
Com o passar dos anos surgiram novas formas de escrever sobre ciências sociais
inspiradas por professores não raramente estrangeiros. Vários autores trataram da questão da
presença dos docentes estrangeiros nos primórdios das ciências sociais no Brasil. Destaco um
trecho de artigo escrito pelas pesquisadoras Maria de Lourdes Fávero, Maria do Carmo de
Lacerda Peixoto e Ana Elisa Silva, todas da Faculdade de Educação da UFRJ, sobre professores
estrangeiros no Brasil, especificamente sobre a USP:
[p]ara integrar o corpo docente da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP,
logo no primeiro ano de funcionamento, foram cadastrados 13 professores europeus
– seis franceses, 4 italianos e três alemães. Alguns foram, depois, substituídos e outros
tiveram seus contratos renovados (FÁVERO et al 1991, p. 61).
A intenção dos gestores da USP era que esses professores contribuíssem, por um lado,
com seus conhecimentos específicos e, por outro, para a formação político-ideológica de
brasileiros. Essa proposta transparece na citação abaixo:
29
As convicções indiscutivelmente liberais de Júlio Mesquita Filho e dos demais
fundadores da USP faziam-nos tentar de tudo para manter o espírito inspirador da
organização da Universidade. Assim “...para as cadeiras que dependiam da formação
espiritual dos estudantes, isto é, para aqueles estudos que nunca são inteiramente
‘neutros’, preferiram-se mestres franceses, afinados com a tradição ocidental e que
repudiavam os credos fascista e nazista” (Id.)
Sintetizando, os primeiros anos das universidades e das ciências sociais viram nascer
uma arena onde a crítica social e os projetos de um Brasil diferente, mais moderno, mais
democrático, foram construídos. Os desdobramentos dessa fase inicial mostram que alunos
desses precursores acabaram por ocupar funções de pesquisa e consultoria que deram suporte a
projetos governamentais.
Esse cenário permite ter uma noção básica sobre os debates que ocupavam as elites
acadêmicas e intelectuais brasileiras no momento histórico abordado. Voltando à questão do
mercado editorial, vê-se que ele é estimulado pelo contexto político posterior ao Estado Novo,
no Brasil, e ao fim da Segunda Guerra Mundial, com novas proporções e expressões.
Sobre os anos de 1945 a 1966, período compreendido por sua pesquisa, escreveu
Glaucia Villas Bôas:
Imprimem uma qualidade nova às mudanças que vinham ocorrendo no país desde
1930. O período se caracteriza por um regime democrático de governo, o qual
presume a existência de condições favoráveis para a divulgação mais ampla de idéias.
Nele, consolida-se a indústria capitalista e acelera-se o processo de urbanização. A
inserção do Brasil no sistema capitalista mundial moderno é crescente. Na esfera da
administração pública, o Estado dá prosseguimento à criação de novos órgãos e
instituições, iniciando sua atuação no planejamento da economia. As idéias e os ideais
nacionalistas buscam fundamentos no desenvolvimento econômico e social do país;
enquanto isso, novos estratos sociais participam de movimentos políticos,
principalmente nas cidades. As características das décadas de 1945 a 1966 teriam
favorecido assim a expansão das ciências sociais, cuja origem, como se mencionou,
está vinculada aos problemas sociais decorrentes das transformações que marcaram o
advento da sociedade burguesa.
Entre as características do período em questão, sublinhem-se aqui a consolidação, o
crescimento e a diferenciação da indústria e do mercado editoriais no Brasil. A
divulgação das idéias, através do meio específico que é o livro, passa a ser feita em
larga escala. Aqueles anos talvez tenham marcado uma modalidade da difusão das
idéias em geral, e da divulgação do conhecimento erudito em particular, à medida que
o livro “feito no Brasil” foi sendo cada vez mais utilizado para aqueles fins. O
conhecimento produzido teria então alcançado um público mais amplo e mais
diferenciado do que aquele de contextos históricos anteriores, quando a indústria do
livro era incipiente no país, ou apenas começava a se esboçar” (BÕAS, 1992: 29).
30
O trabalho de Glaucia Villas Bôas, portanto, ajuda a entender o panorama do mercado
editorial que favoreceu a indústria do livro e a definição de políticas editoriais voltadas para a
publicação de livros de diferentes disciplinas que compunham o que na época se entendia por
ciências sociais. Dessa forma, é possível dizer que os irmãos Zahar e algumas outras editoras
souberam perceber o contexto intelectual e cultural e conseguiram traduzir essa percepção em
realização de mercado. A presença desses interlocutores, editores, será retomada na sequência
deste trabalho.
No caso dos fundadores da Zahar, o trabalho com livrarias permitiu um contato com o
mercado editorial um pouco diferente do que tinham como importadores. Não há registros de
como aconteciam os encontros com professores, mas é fato que esse contato é referido como
importante para a próxima fase dos negócios da família, ou seja, a consolidação da editora.
Sobre essa questão, Jorge Zahar afirmou:
A livraria Ler foi muito importante para a criação da editora. Foi fundamental.
Certamente não haveria editora, se esta não tivesse sido precedida pela livraria.
Enquanto era apenas distribuidor, tinha pouco contato com o professorado.
(FERREIRA:2001,40)
É necessário destacar aqui ainda um fato político importante. A produção nacional,
depois de longo período de dificuldades, passa a ser beneficiada economicamente no período
em que Juscelino Kubitschek foi presidente da República, entre 1956 e 1961 (HALLEWELL,
2012 585). Durante seu governo, uma das mais importantes contribuições foram concessões de
licenças para importação de material gráfico, o que possibilitou a troca de máquinas obsoletas
por novas, que produziam material compatível com os mercados europeu e norte-americano.
Isso possibilitou a diminuição dos custos e o aumento da capacidade de produção dos editores
brasileiros, permitindo que desenvolvessem seus programas editoriais sem terem que depender
de impressores no exterior. Além desses equipamentos adquiridos com o estímulo à
modernização do mercado nacional, houve ainda ajuda tributária.
Segundo Glaucia Villas Bôas, em meados da década de 1950, foram quatro fatores que
favoreceram a publicação de livros em ciências sociais:
31
(...) a ampliação do público universitário e letrado do país; a consolidação da indústria
do livro; uma demanda de conhecimentos oriunda das mudanças que imprimiam uma
nova feição à sociedade brasileira; e a consciência de que a produção cultural, nos
seus mais diversos aspectos, poderia ser um papel atuante na solução de problemas de
ordem social e política. (BÕAS, 1992:187)
Algumas outras editoras também desfrutaram desse contexto, entre as quais a Pioneira,
fundada em 1948; a Brasiliense, de 1943; a Nacional, de 1925, e a Civilização Brasileira, de
1932. É nesse favorável contexto editorial que Jorge Zahar e seus irmãos iniciam seus trabalhos
na função de editor e se dedicam em especial aos textos de ciências sociais, aliando sua
experiência em selecionar e vender livros à atividade de produção, começando a trajetória da
construção do nome Zahar como uma marca no mercado editorial.
1.3. Família Zahar, editores (a partir de 1956) – Jorge, Ernesto e Lucien Zahar
Em entrevista ao projeto Editando o editor, Jorge Zahar afirma:
A editora era um produto de Juscelino, era um produto da política de substituição de
importações. O raciocínio é muito simples. Se você tem que fazer automóveis
nacionais, tem que fazer também livros. Mas isso não significa que a importação
termine: os Estados Unidos, a Inglaterra, França, todos importam livros. (FERREIRA,
2001:33)
Contando até aqui com uma maior inserção nos ambientes de distribuição, importação
e venda de livros, os irmãos Zahar iniciaram o trabalho como editores. Priorizaram os textos
que eram demandados com frequência em ciências sociais, mas, ao mesmo tempo,
diversificaram as áreas de estudo publicadas para atender a necessidades comerciais que já
tinham sido identificadas como um farto mercado, a partir do trabalho como distribuidores.
Naquele período, o país entrou numa fase de substituição de importações e eu tive a
ideia de ter uma editora própria. Comecei então, dez anos depois [da distribuidora
32
fundada], a Zahar Editores, como ideia minha, trabalho individual, embora estivesse
associado a meu irmão12. A minha ideia era realmente fazer livros de ciências sociais.
A diversificação acontecia por duas razões básicas: uma, porque a editora podia servir
a uma difusão de livros políticos, coisa que eu queria, e, outra, que para a importadora
havia um mercado revelado pela importação, mais para livros técnicos, mecânica e
torneiro-mecânico, rádio. Sobre rádio vendia-se muito. (...)
Na importadora havia de tudo, mas na editora não. A editora foi fundada para ser
principalmente uma editora de livros de ciências sociais. Daí o seu slogan que era: “A
cultura a serviço do progresso social. ” (FERREIRA,2001: 32)
A ideia propulsora do trabalho editorial que tinha sido logo de início poder usufruir dos
contatos com professores das faculdades para produzir novos textos, nacionais, terminou não
se efetivando na proporção imaginada. Jorge Zahar explica esse fato em entrevista ao projeto
Editando o editor:
A ideia básica da editora Zahar, em 1956, era fazer uma coleção que compusesse um
curso de Economia Política, com trabalhos de professores do Rio e de São Paulo. O
diretor da coleção seria o homem que fez o primeiro plano econômico do governo
Carvalho Pinto de São Paulo, Diogo Gaspar, posteriormente no Rio, no BNDE.
O curso de Ciências Econômicas tinha então onze cadeiras que cobririam as cadeiras
principais de Teoria dos Preços até Contabilidade Social. Estou me lembrando mais
dos professores do Rio. O Diogo, acho que era Teoria dos Preços, não me lembro.
Bom, os livros estão encomendados até hoje.
Enquanto eu esperava os originais brasileiros, eu comecei a fazer traduções. No
primeiro ano fiz dois livros, no segundo fiz oito. A partir do terceiro, eu vi que não
podia esperar muito pelos tais livros da coleção, e comecei a aumentar a produção de
livros traduzidos e outros nacionais – no terceiro ano fiz trinta e três livros. A produção
maior era de livros estrangeiros. (FERREIRA, 2001:33-34)
Jorge Zahar prossegue a entrevista exemplificando, com uma publicação para ele
importante, o perfil das suas escolhas e as dificuldades que havia na época de se editar livros
que pudessem ser considerados “comunistas”.
12 Os irmãos envolvidos com o negócio nesse momento eram Ernesto e Lucien, conforme esclarecimento obtido
em entrevista (E.C.Z 07.07.15). No depoimento citado, entretanto, Jorge Zahar se expressa como se fosse apenas
um irmão, por razões que não foi possível elucidar.
33
Acho que fui o editor que mais publicou livros marxistas estrangeiros. Publiquei A
História da Riqueza do Homem de Leo Huberman, um livro que é lido até hoje. Um
dia irão saber que esse livro teve um papel muito importante na formação política da
juventude.
Se há uma compensação para mim como editor, foi a publicação desse livro. Ele foi
lançado em 1962. Naquele tempo, um pouco antes de 1964, estava começando aquele
medo do comunismo, com João Goulart no governo.
Esse livro foi indicado no colégio onde meus filhos estudaram. Colégio Bennett, no
Rio de Janeiro, e o professor que o indicou teve que deixar o colégio por esse motivo,
considerado comunista. Com isso, eu tirei meus filhos do colégio, os três, porque já
tinha começado a discriminação. A repressão continuou por muitos anos, mas o
professorado resistia. Começaram a indicar cada vez mais o livro. (...)
Por volta de 1966, comecei a ampliar a edição de uma produção brasileira, além das
traduções. Essa época corresponde também ao desenvolvimento da Universidade no
Brasil. Começava-se a gerar ensaios, textos que formariam uma produção brasileira
em ciências sociais. Eu acreditava que o desenvolvimento da Universidade iria gerar
uma produção brasileira em ciências humanas. Não é que não tenha havido. Houve,
mas a meu ver muito pouco, porque até hoje eu tenho dificuldade para conseguir
originais brasileiros editáveis. (FERREIRA, 2001:34-35)
Na mesma ocasião, sobre o significado de ser editor, no sentido do compromisso social
e das obrigações econômicas inerentes à função, Jorge Zahar afirmava:
Eu tinha consciência da importância de publicar textos de ciências sociais. Sou um
editor que tenho consciência da minha função social, mas sei também que é função
minha pagar os autores. (FERREIRA, 2001:36)
Ter sabido conciliar a política editorial com os recursos financeiros disponíveis foi uma
habilidade que possibilitou a continuidade dos trabalhos em tempos difíceis. Igualmente
importante foi o fato de Jorge Zahar ter sido um editor envolvido com a política de seu tempo,
mas não a ponto de colocar sua firma em risco, na época. Para esclarecer de que risco estamos
falando, citamos Hallewell, quando analisa a trajetória de dois outros editores que conviveram
com as mesmas circunstâncias históricas em que a Zahar Editores estava envolvida, e que eram
desafiantes para o perfil editorial que escolheram ter:
34
Como Lobato13, Ênio Silveira foi um radical; mas, enquanto Lobato praticamente
abandonou a atividade editorial para dedicar-se a suas campanhas políticas, a política
de Ênio Silveira encontrou expressão em seu trabalho editorial – a ponto de pôr em
risco a própria existência de seu negócio durante os primeiros anos após a revolução
de 1964. (...)
Ênio Silveira manteve-se fiel a uma política editorial que pôs à prova os limites de
tolerância de todos os governos, desde Castelo Branco até Geisel. Como resultado,
sofreu contínuos prejuízos financeiros e dilapidação do patrimônio, repetidas prisões
e pelo menos uma tentativa de assassinato (HALLEWELL, 2012:588).
1.4. Contexto editorial brasileiro e a família Zahar no período entre 1960 e 1985
1.4.1. O contexto editorial brasileiro (1960-1985)
De acordo com Andréa de Lemos Xavier, mestre pela PUC Rio com a dissertação
intitulada A produção da coleção Primeiros Passos: um projeto político-cultural da editora
Brasiliense (1979-1985), defendida em 2003, o período dos governos militares no Brasil
caracterizou-se por certa ambiguidade em relação ao universo cultural: “(...) construiu-se uma
ação por um lado controladora e, por outro, criadora de cultura” (2003, p. 27). Os investimentos
em cultura implicavam, como uma de suas ações, criar formas de incentivo à leitura e ao
incremento da produção de livros no país. A forma mais direta que o governo encontrou para
realizar esse propósito foi patrocinar a produção de livros para as escolas. A seguir, veremos
alguns acontecimentos correlacionados com os subsídios e incentivos aos didáticos, assim
como serão mencionadas instituições e medidas que incidiram sobre o mercado editorial do
período.
Havia algumas instituições, fundadas anteriormente, que foram utilizadas para os novos
propósitos dos governos militares. Exemplo disso são: INL – Instituto Nacional do Livro –
fundado em 1937; Câmara Brasileira do Livro, de 1946; Sindicato Nacional dos Editores de
Livros, existente desde 1941. Em 1966 foi criado o Colted – Comissão do Livro Técnico e do
Livro Didático.
Segundo Maria Luiza de Alcântara Krafzk, mestre pela UERJ, com tese intitulada
Acordo MEC / USAID: a comissão do livro técnico e do livro didático - COLTED (1966 –
1971), defendida em 2008, essa comissão resultou do decreto 59. 355 de 4 de outubro de 1966.
13 Trata-se de Monteiro Lobato, fundador da Companhia Editora Nacional.
35
Em 6 de janeiro de 1967, foi iniciado um convênio entre o Ministério de Educação e Cultura, o
Sindicato Nacional dos Editores de Livros e a Agência Norte Americana. A dissertação relevou
a importância de se estudar os acordos que envolviam o ensino na educação brasileira e agências
internacionais, ressaltando a necessária análise sobre o período, as reformulações do ensino, e
o controle político e ideológico da educação através da publicação de livros à época, que
tendiam à americanização desde o início da formação escolar até os cursos superiores. Segundo
a autora, o convênio legitimou forte influência americana explicitada pela orientação às editoras
brasileiras para a compra de direitos autorais de editoras não brasileiras (americanas), pela
definição dos textos a serem publicados, nos detalhes de editoração, ilustração e distribuição.
O próprio governo se responsabilizava pela distribuição dos livros e entrava com parte
dos custos de produção. De acordo com Andréa Xavier, tal contexto
Permitiu, portanto, um aumento da produção de livros que atenderia escolas primárias,
escolas técnicas, enfim viabilizando uma formação voltada para o aprendizado
escolar. O sistema de co-edições no INL se manteve no período de transição política,
entre 1979 e 1985, e seu catálogo mostra que foi prioridade, neste momento, a co-
publicação de textos literários (XAVIER, 2003, p. 22).
Os relatos da autora vão ao encontro de colocações feitas por Hallewel, quando este
último afirma que o novo governo – assumido com o golpe civil-militar de 1964 – começara a
financiar diretamente o setor editorial, a partir de uma política de subsídios. Como órgão
hierarquicamente superior aos anteriormente citados, o autor aponta o Conselho Federal de
Cultura, fundado em 1966. Hallewell menciona uma estimativa que teria sido publicada pelo
Correio do Livro, indicando que 80% da produção nacional consistia de livros didáticos, e
apresenta uma lista das 16 principais editoras que eram beneficiadas pelos subsídios
governamentais, entre as quais está a Zahar:
(...) Melhoramentos, Agir, José Ozon, Francisco Alves e Conquista (principalmente
para o primário); Nacional, Atlas e Editora do Brasil (principalmente para o
secundário); Agir, Fundo de Cultura e Zahar (universitários); Ao Livro Técnico,
Globo, Científica e Guanabara Koogan (técnicos), Freitas Bastos e Forense (jurídicos)
(HALLEWELL, 2001, p.612).
Ainda segundo Hallewell, subsídios governamentais provenientes da classificação dos
livros publicados como “didáticos/universitários” ajudam a explicar como a linha editorial
assumida pelos editores/fundadores da Zahar, concentrada em Ciências Sociais, prevaleceu em
tempos de ditadura civil-militar no país, já que vários editores se manifestaram, cada um
36
ao seu modo, contra o autoritarismo do novo governo, logo de início. Em 1964, Jorge Zahar,
Ênio Silveira (da Civilização Brasileira) e Carlos Ribeiro (da livraria São José) ajudaram a
organizar um manifesto contra as ameaças à liberdade de expressão. É importante lembrar que,
na época, a Zahar exibia o slogan “A cultura a serviço do progresso social”, que teria sido
mantido, a despeito da censura à liberdade de pensamento e expressão vivenciada no Brasil no
período mencionado.
Falando especificamente sobre sua editora, Jorge Zahar ressalta, em sua entrevista a
Jerusa Ferreira, o posicionamento de crítica social assumido desde sempre pela editora:
[a] Zahar Editores se manteve fiel a seu projeto de fazer livros de ciências sociais.
(...). É óbvio que procurei sempre publicar autores marxistas, quando se tratava de
ciência política, mas sempre autores ocidentais e não autores soviéticos. É bom
chamar a atenção para isso, pois, é claro, que eu me interessava em livros de autores
que tinham liberdade para dizer isso ou aquilo”. (FERREIRA: 2001, p. 34)
Flamarion Maués Pelúcio da Silva, doutor em História Social pela Universidade de São
Paulo em 2013, afirma que os sócios fundadores eram “homens de esquerda”. Entretanto,
Maués especifica que a orientação política não era o único critério para a escolha das
publicações, já que a opção por publicar obras de ciências sociais era a marca maior da Zahar,
lembrando que esse era um nicho de mercado em expansão entre os anos 1950-60 (MAUÉS,
2014, p. 99).
Percebe-se, portanto, que, no decurso da década de 1960, até o início dos anos 1970, a
Zahar manteve sua linha editorial, publicando ciências sociais e humanas, sobretudo a partir da
tradução de autores estrangeiros, conforme relato do próprio Jorge Zahar acima mencionado.
37
1.4.2. A sociedade com a editora Guanabara
Em Hallewell encontramos uma descrição que, embora resumida, relata uma sociedade
realizada pela Zahar, em 1973, com a editora Guanabara e a ruptura da antiga sociedade entre
os irmãos fundadores, nesse mesmo ano. Ernesto voltaria ao ofício de livreiro e Jorge
continuaria dirigindo a Zahar14.
A Zahar Editores, fundada, em 1957, pelos irmãos Ernesto e Jorge Zahar, livreiros
desde 1940, atingiu, no início de 1981, o milésimo título e publicava seis edições
novas e seis reimpressões por mês, em sua maioria na Biblioteca de Ciências Sociais.
Em 1973, no intuito de aumentar sua base financeira, os irmãos associaram-se à
Guanabara e, assim, ao grupo Delta, formando o que se tornaria, em dez anos, o maior
grupo editorial acadêmico da América do Sul, sem contar as multinacionais. No
entanto, os irmãos sentiram a perda de independência. Em 1973, Ernesto voltou a ser
livreiro. Doze anos depois, Jorge (nascido em Campos, RJ, em 1920) formou, com a
ajuda dos filhos Ana Cristina (1953-) e Jorge Zahar Junior (1954-), a Jorge Zahar
Editores (mais conhecida pela sigla JZE), continuando sua preocupação com livros
sérios e de consulta para os leitores universitários e intelectuais. (HALLEWELL, 735-
736).
Sobre esse momento da trajetória da Zahar, na entrevista realizada por telefone em 7 de
julho de 2015, Cristina Zahar informou: “Quando ele se separa dos irmãos em 1973, o irmão
Lucien fica com a livraria do Rio de Janeiro, que passa a se chamar Galáxia, e o irmão mais
velho, Ernesto, fica com a livraria de São Paulo e também com a sobreloja da rua México.
Ernesto fica ainda com o nome da livraria LER”.
Na mesma entrevista, Cristina forneceu outras informações sobre as circunstâncias em
que ocorreu a associação de seu pai com Pedro Lorch, da Guanabara:
Tem uma história um pouco maior, mas eu não sei todos os nomes. Meu pai ia fazer
uma outra associação, mas com o sogro do Ênio, o.... da Companhia Nacional, mas
14 Halewell não menciona o terceiro irmão, Lucien. Segundo Ana Cristina Zahar, a sociedade entre os três irmãos
se desfez antes de ocorrer a sociedade de Jorge com Pedro Lorch. (E.A.C.Z. 7.07.15)
38
antes de eles formalizarem o negócio, ele morre. E então papai se redireciona e
encontra no Pedro o parceiro que ele queria.
Outro trecho relevante da entrevista foi a afirmação de que as livrarias foram o alicerce
sobre o qual foi construída a editora: “só existiu a editora porque existiam as livrarias, porque
senão financeiramente a editora não sobreviveria”. No momento em que Jorge Zahar e seus
irmãos desfizeram a sociedade, segundo Ana Cristina Zahar, Jorge Zahar procurou sociedade
porque o negócio de editora era incerto, “era estoque”. (E.A.C.Z.07.07.15)
Sobre esse momento em especial há uma carta na exposição virtual disponível no site
da editora15, que traz novas observações.
15 Trata-se de versão digital de exposição física itinerante realizada em 2008, em homenagem ao editor Jorge
Zahar, que havia falecido dez anos antes. A versão digital foi disponibilizada de modo permanente no site da
editora em 2014. Informação disponível em: http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/ acesso em 15/5/2015. A
criação e o desenvolvimento dessa exposição será objeto desta dissertação mais à frente.
39
Fonte: Exposição virtual em homenagem a Jorge Zahar disponível no site da editora.16
A carta informa a negociação sendo feita por Jorge Zahar com a Editora Guanabara num
momento em que ele era sócio minoritário, e a intenção de dar continuidade aos trabalhos com
outra marca, “Jorge Zahar Editor”, mantendo as premissas que marcaram seu trabalho por
quatro décadas. Informa ainda sobre uma nova comunicação que seria enviada assim que os
trâmites legais fossem cumpridos. Por fim, Jorge Zahar acrescenta que catálogos e
correspondências a ele endereçadas poderiam ser enviadas para a Jorge Zahar Editor, localizada
na Rua México, número 31, sobreloja, Rio de Janeiro. O site não informa a quem se dirigia a
carta, originalmente escrita em inglês. O conteúdo do texto permite supor que tenha sido a
algum parceiro comercial, que fornecia textos estrangeiros para traduções da editora17.
Com o fim da sociedade com a Guanabara, segundo Cristina Zahar, em entrevista
realizada em 7 de julho de 2015, a marca foi vendida e, por isso, a nova editora recebeu o nome
Jorge Zahar Editor, que era o nome próprio de seu pai, legalmente possível de usar. Segundo
ela, hoje já podem voltar a usar o nome Zahar, porque o prazo de propriedade sobre a marca já
expirou. Cristina chamou atenção ainda para o fato de que a Guanabara comprou o nome, mas
nunca o usou. À medida que a Guanabara reeditava os livros, já não os imprimia com a marca
da Zahar Editores. Quanto à preservação do nome Zahar no novo empreendimento, Cristina
forneceu a seguinte informação:
Na verdade, nós íamos nos associar à Ática nesse momento. Eles exigiram para essa
associação que o nome Zahar fosse mantido. Essa associação acabou não saindo, mas
nós já havíamos pensado no nome Jorge Zahar, por conta dessa exigência deles. As
coisas estavam adiantadas, mas acabaram não saindo. Nós continuamos sozinhos e
mantendo o nome dele. Eles tinham toda razão, era um capital, mas devo dizer que,
naquele momento, foi por exigência da Ática.
Após o fim da sociedade com a Guanabara, pode então ser dito que ocorre um
renascimento do trabalho editorial de Jorge Zahar, com a criação da nova editora que ganhou o
seu nome. Numa carta por ele escrita aos livreiros, em junho de 1985, lê-se o seguinte:
16 Informação disponível em: http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/; acesso em 15/5/2015. 17 Tal suposição se apoia em relato fornecido em entrevista (EMZ 28.05.15), em que a neta de Jorge sugere essa
possibilidade sem, no entanto, afiançar certeza. Questionada sobre o assunto em entrevista realizada por telefone,
Ana Cristina Zahar não soube precisar a quem o pai se dirigia nessa carta especificamente.
40
Fonte: Exposição virtual em homenagem a Jorge Zahar disponível no site da editora18.
É do mesmo mês e ano uma carta escrita por Ênio Silveira, editor da Civilização
Brasileira, também disponível na exposição virtual. A correspondência de Ênio tinha por
objetivo saudar e comentar o reinício do caminho editorial do amigo, em seu novo
empreendimento, ressaltando o contexto: “num novo campo de lutas”. Sobre o que o editor à
18 Carta disponível na exposição em homenagem a Jorge Zahar. Disponível em:
http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/, acesso em 15/05/2015.
41
época quis dizer sobre o “campo de lutas”, Cristina Zahar diz que, em se tratando do momento,
a fala devia se referir à redemocratização, porque os anos de autoritarismo tinham terminado.
(E.A.C.Z.07.07.15)
Fonte: Exposição virtual em homenagem a Jorge Zahar disponível no site da editora.19
Nessa carta, há uma menção ao motivo pelo qual Jorge Zahar teria terminado a
associação com a Guanabara. Para Ênio Silveira, Jorge Zahar “se viu forçado, de uma hora para
outra, a recomeçar all over again”. Segundo Cristina, o término da sociedade se deu em virtude
do trabalho de Jorge Zahar ser menos comercial que o de Pedro Lorch. Em sua opinião, Jorge
Zahar era um editor que desejava publicar textos acadêmicos, não necessariamente tão
comerciais. Quanto à abertura da nova editora, Cristina diz que seu pai não se imaginava não
19 Id.
42
sendo editor, como ela também não se imagina. “Ele quis continuar a ser editor.”
(E.A.C.Z.24.07.15)
Retomando, então, as diversas fases da história da família Zahar como editores até o ano
de 1985, é importante demarcar que Jorge Zahar viveu três sociedades diferentes:
1) De 1957 até 1973 Jorge Zahar foi sócio de seus irmãos;
2) Entre 1973 e dezembro de 1984 Jorge Zahar foi sócio de Pedro Lorch;
3) Em 1985 Jorge Zahar se associa aos filhos Jorge e Ana Cristina.
As características da “nova” editora Jorge Zahar Editor, lidando com rupturas e
continuidades, sobretudo em relação à construção e à solidificação de um “fundo editorial”, que
foi a abordagem escolhida por essa pesquisa, serão analisadas em pormenor no próximo item.
1.5. A nova Zahar (a partir de 1985)
“Duas empresas e uma única história”. É assim que Mariana Zahar, atual diretora
executiva, neta do principal fundador, se refere à trajetória da editora ainda muito marcada pelos
princípios que herdou de seu avô, um em especial: “o editor precisa ser sensível ao fenômeno
cultural”.20
A construção da trajetória da editora como uma sequência de episódios pertencentes a
uma mesma história é fato notório, assumido pelas gerações de herdeiros, expresso pelos
documentos, fotos e relatos que selecionaram para expor no site da própria editora, de forma
permanente. A composição do site será analisada a seguir.
20 O significado dessa expressão será esclarecido em um momento posterior do nosso texto.
43
1.5.1. O atual catálogo e suas interatividades
O site da editora tem hoje, no banner superior, 11 categorias, que abrem as páginas com
as informações mais específicas. Pode-se dizer que funciona como um catálogo interativo.
Na home, a página principal, há categorias em destaque: Editora, Pequena Zahar, Livros,
Autores, Eventos, Imprensa, Blog, Comercial, Professores e Contato. Além dessas categorias,
são divulgados os lançamentos, com a exposição das capas, as redes sociais de que a editora
faz uso para diversificar formas de contato com quem frequente o site (instagram, issuu,
youtube, twitter, facebook), o blog, onde a editora também divulga seus livros e eventos, como
noites de autógrafos, escreve sobre filmes que remetem a títulos por ela publicados e, quando
possível, associa a outras mídias como foi o caso de “Cleópatra”21. Além dessas formas de
interagir com os usuários do site, há a possibilidade de cadastro para receber a newsletter e
ainda o acesso a uma seleção de notícias sobre os livros da editora que foram publicadas em
jornais e revistas (clipping). Por fim, é possível também acessar a exposição virtual feita em
homenagem a Jorge Zahar já mencionada anteriormente.
Iniciando a apresentação das categorias com as informações mais específicas sobre a
editora, começaremos pela primeira e seguiremos na ordem em que se encontram no site.
1) “Editora” – esta página é composta por uma breve apresentação da história da editora,
que é iniciada pelo slogan “Zahar, a tradição que se renova”. A apresentação destaca
marcos na experiência profissional da família Zahar, que definiram momentos
importantes para os editores envolvidos a cada momento. Nesta página há mais 3
subcategorias para acessar.
1.1) Manual de Identidade – página desenvolvida especialmente para expor o manual
de identidade, onde são descritos os “pilares” que embasam a forma como a
Zahar enxerga o diferencial de sua marca.
1.2) Sobre o fundador – o perfil de Jorge Zahar como fundador é descrito de forma
resumida, se comparado ao da exposição feita em sua homenagem.
1.3) Exposição Jorge Zahar – essa seção contém a exposição em homenagem ao
editor, depois de cinco anos da mostra itinerante. A exposição virtual reproduz
21 No caso deste título, por exemplo, o blog associa o texto ao filme de 1963 e ao anúncio que Angelina Jolie teria
feito em 2010 da futura adaptação do livro da autora para o cinema.
44
o conteúdo da exposição física, inclusive imagens dos móveis, mas fazendo uso
de adequações necessárias considerando a mídia digital.
Também se menciona o prêmio Jorge Zahar criado com o objetivo de lembrar o
hábito do editor em lançar títulos que tivessem relação com a produção
acadêmica brasileira. O vencedor do prêmio em 2007 foi João Marcelo Ehlert
Maia, doutor em sociologia pelo IUPERJ22. Na seção, há links ainda para a
apresentação da biografia resumida de Jorge Zahar, das matérias que divulgaram
a exposição em revistas e jornais no ano de sua realização – 2008 -, dos
depoimentos de editores, de autores e de Cristina Zahar, da seleção de frases do
editor, do livro de visitas e, por fim, um link para a apresentação dos créditos a
todos os envolvidos na exposição que se tornou permanente no site.
2) “Pequena Zahar” – trata-se de um trabalho especializado da editora, que se apresenta da
seguinte forma no próprio site:
Pequena Zahar é o selo infanto-juvenil da Zahar, sempre atenta às novas gerações.
Tem o compromisso com a diversidade de leituras e leitores, dos pequenos aos jovens.
Apostamos na valorização dos livros de qualidade com uma linguagem viva e
moderna, cobrindo os mais diversos temas e gêneros - do álbum ilustrado à obra de
conhecimento, sem esquecer os clássicos da literatura.23
Na mesma seção, são expostas capas de livros. Com o passar do cursor do mouse,
um texto resumido apresenta o texto. Ao se clicar, sobre a capa do livro, informações
mais precisas sobre a obra são disponibilizadas: autores, tradutores, sinopse, número de
páginas, dimensão, a edição em que o livro se encontra, sendo possível, ainda, comprar
o livro.
Com 33 títulos publicados, este selo24 da Zahar tem um catálogo desenvolvido
especialmente para professores, com instruções de uso e informações desenvolvidas
para ajudar nas tomadas de decisão para adoções nas escolas, de acordo com o que se
deseja com o uso dos livros. Para tanto, o catálogo dispõe da apresentação dos livros,
biografias de autores e ilustradores, indicações sobre os temas abordados em cada livro
(família, solidariedade, convivência, medo, identidade, crescimento, amizade, e
22 O autor foi premiado em 2007, de acordo com informação disponível na Plataforma Lattes. 23 Informação disponível em: http://zahar.com.br/livro/la-e-aqui, acesso em 2/7/2015. 24 A concepção de selo para a editora Zahar será abordada no próximo capítulo.
45
autoconhecimento, entre outras), indicação das áreas (literatura ou informativo),
gêneros (novela, poesia, teatro, biografia, por exemplo) e formato (livros de imagem,
livro ilustrado, entre outros) e, por fim, “indicação de maturidade leitora” como forma
de ampliar as possiblidade de leitura de cada título respeitando a condição de apreensão
dos contextos compatíveis com as idades dos leitores.25
Para acessar este catálogo há um link na página dedicada à Pequena Zahar, assim
como outro para cadastrar professores. O cadastro dos professores é composto por cinco
tipos de informação: dados pessoais, áreas de interesse, dados da instituição onde atua,
número de alunos para os quais ministra aulas por nível de escolaridade e informativo,
onde o professor identifica se deseja ou não receber o “boletim informativo”,
instrumento de divulgação da editora, que atualiza os interessados sobre novidades,
eventos e lançamentos. Na mesma página que o professor acessa para se cadastrar, ele
pode ter acesso ainda aos três catálogos desenvolvidos especialmente para os
profissionais de educação: o catálogo da Pequena Zahar sobre o qual já escrevemos, e
mais dois, um da coleção Clássicos Zahar e outro para o que nomeiam como “Outras
áreas”. Cabe observar que os três apresentam contatos comerciais específicos para
governo, escola e professores, por e-mail e telefone.
O catálogo da coleção Clássicos Zahar contém 42 títulos publicados em duas
versões: ilustrada e comentada, de um lado, e bolso, de outro.26 Nesse catálogo também
são identificados os responsáveis pelas traduções e, quando há, os responsáveis pelas
notas, que correspondem aos comentários sobre os textos, com informações sobre os
contextos das épocas em que as histórias se passam e referências à vida do autor, por
exemplo, feitas por especialistas em literatura infantil.
O terceiro catálogo disponível nessa seção, o de “Outras áreas” contém variadas
áreas: Pequena Zahar, literatura, língua portuguesa e crítica literária, artes, música,
história, geografa e meio ambiente, filosofia, sociologia, matemática, história das
ciências, biologia, física, química e apoio a educadores.
25 Os registros de publicações usados para esta pesquisa, especialmente numéricos, ou seja, número de títulos por
coleção ou “assunto” contemplarão os livros lançados entre 1/7/1985 e 27/11/2014. 26 Vale lembrar que os registros de publicações usados para esta pesquisa, especialmente numéricos, ou seja,
número de títulos por coleção ou “assunto” contemplarão os livros lançados entre 1/7/1985 e 27/11/2014, data do
envio das informações solicitadas para a pesquisa.
46
3) Livros – nessa seção é possível acessar qualquer título da editora que esteja em condição
de venda. Os títulos podem ser procurados sob quatro formas de classificação: “Todos
os livros”, “Assuntos”,27 “Coleções” e “Promoção”.28 Na mesma página existem dois
filtros como ferramentas de busca, um para procura de títulos e outro que lista, em
ordem crescente ou decrescente, as datas de publicação, a lista completa, coleções ou
assuntos. Ao se acessar a página, automaticamente ela apresenta os títulos mais recentes,
ou seja, em ordem decrescente. Abaixo, um quadro organiza os assuntos contemplados
no catálogo atual, independentemente de serem edições mais ou menos antigas, com
respectivas quantidades de títulos e intervalos em datas entre a primeira e a última
publicação. Em seguida, o mesmo foi feito com as coleções.
Os “assuntos” que o catálogo contempla são 27, com um total de 1.050 títulos
publicados. Os títulos que compõem as coleções também são classificados em assuntos;
portanto, esse total se refere aos livros publicados dentro e fora de coleções.
Assuntos No títulos public. Período das publicações
Arte 29 01/05/1986 a 20/04/2014
Biografia 29 30/10/2013 a 27/11/2014
Ciências 71 01/04/1987 a 30/10/2014
Ciências Sociais 135 01/09/1985 a 24/07/2014
Cinema 12 01/05/1989 a 15/09/2011
Comportamento 16 30/11/2001 a 04/09/2014
Comunicação 16 01/04/1993 a 15/08/2012
Dicionários e Guias 37 01/07/1987 a 28/02/2013
Economia 14 12/08/2003 a 25/09/2014
Filosofia 119 01/08/1985 a 11/06/2014
Gastronomia 18 03/12/2002 a 29/05/2014
História 125 01/11/1987 a 06/09/2014
Infantojuvenil 41 28/08/2002 a 06/11/2014
Letras 14 01/08/1990 a 06/09/2014
27 “Assuntos” é o terno que a editora usa para designar a classificação de títulos que não estão em coleções. Mariana
disse que a forma de classificar já teve outros termos; antes era “áreas”, mas livreiros e leitores não se entendiam
bem com o termo, então resolveram mudar. (E.M.Z.30.06.15) 28 A categoria “Promoção” foi incluída em 2015. Segundo Mariana, é uma forma de baixar o estoque de alguns
títulos que se encontram com excesso de exemplares. (E.M.Z.30.06.15)
47
Literatura 122 28/08/2008 a 13/11/2014
Matemática 27 01/12/1991 a 23/10/2014
Mitologia 1 01/12/2000
Moda 4 04/08/2008 a 16/04/2012
Música 22 01/12/1985 a 28/08/2014
Política 16 01/07/1985 a 03/05/2014
Psicanálise / Psicologia 133 01/07/1985 a 25/09/2014
Quadrinhos 9 24/11/2003 a 18/09/2014
Relações Internacionais 5 11/09/2002 a 01/03/ 2012
Religião 6 09/09/2003 a 14/11/2013
Reportagem 15 05/12/2002 a 27/02/2014
Teatro 13 01/10/1987 a 17/04/2014
Televisão 1 01/05/2001
Atualmente 28 coleções reúnem 539 títulos.
Nome da coleção No títulos public. Período das publicações
Antropologia Social 34 01/09/1985 a 02/05/2013
Arte + 11 22/09/2005 a 22/12/2009
Cad. Música. Univ Cambridge29 6 01/12/1985 a 01/12/1991
Campo Freudiano no Brasil 30 01/07/1985 a 13/03/2014
Campo Freudiano no Brasil SPL30 5 28/07/2005 a 15/09/2011
Ciência e Cultura 8 01/12/1991 a 01/08/2000
Cientistas em 90 Minutos 12 01/05/1998 a 01/02/2001
Civilizações Pré-Colombianas 3 01/11/1987 a 20/11/1987
Clássicos Zahar 31 04/12/2008 a 13/11/2014
Comédia Grega 3 01/03/1995 a 01/10/1996
Descobrindo o Brasil 45 01/11/1999 a 02/06/2006
Dicionários de Filósofos 3 01/03/1995 a 01/03/1997
Estéticas 13 07/07/2005 a 01/03/2012
Expresso Zahar 123 12/02/2013 a 20/09/2014
29 O nome completo da coleção é Cadernos de Música da Universidade de Cambridge. 30 SPL – Esta sigla significa Série Paradoxos de Lacan.
48
Filósofos em 90 Minutos 26 01/08/1997 a 04/06/2004
Guia de Atividades 3 28/08/2002 a 14/04/2003
Guia Ilustrado Zahar 16 30/10/2006 a 28/02/2013
Letras 3 01/08/1990
Livros que Mudaram o Mundo 9 22/06/2007 a 15/09/2008
Memória Globo 4 11/07/2003 a 09/04/2010
Nova Biblioteca de Ciênc. Sociais 9 15/06/2005 a 03/09/2012
Passo-a-Passo Ciências Sociais 17 11/09/2002 a 09/09/2008
Passo-a-Passo Filosofia 49 26/03/2002 a 25/02/2011
Passo-a-Passo Psicanálise 29 11/09/2002 a 11/09/2014
Textos Básicos 4 01/09/1999 a 02/07/2014
Tragédia Grega 6 01/05/1990 a 01/11/1993
Transmissão da Psicanálise 33 06/10/1989 a 31/10/2013
Vida em família 4 02/07/2012 a 04/09/2014
4) Autores – Nessa seção é possível conhecer os autores. Para cada autor há um resumo da
atuação profissional. Para facilitar o acesso é possível acionar o índice alfabético ou
usar a ferramenta de busca por nome de autor.
5) Eventos – há três categorias de informação nessa seção: “lançamento”, “noite de
autógrafos” e “palestra”. É possível fazer busca de informações por datas, autores ou
títulos através de filtros disponíveis.
6) Imprensa – seção desenvolvida especialmente para jornalistas. Nas páginas dedicadas a
cada livro há uma seção especial para download de material para a imprensa: release,
clipping, trecho e imagem da capa do livro em alta resolução.31 Dois contatos
específicos para o atendimento à imprensa são disponibilizados: da coordenadora de
comunicação e marketing, Priscila Corrêa, e da assessora de imprensa, Lívia Costa. Na
página há ainda um link para acesso imediato ao clipping dos livros da editora e é
disponibilizado um filtro para busca que pode ser usado usando o título do livro ou
associando ou não o veículo de divulgação.
31 Informação disponível em: http://www.zahar.com.br/imprensa, acesso em 4/07/2015.
49
7) Blog – seção onde se encontram informações organizadas em quatro categorias:
“entrevista”, “evento”, “lançamento”, “notícias”. É possível ainda acessar os arquivos do
blog por mês e ano.
8) Comercial – são expostos os telefones, email e endereço para a realização dos contatos
comerciais. Na página é possível acessar ainda cinco categorias de informações:
8.1. “mais vendidos”, para orientar as compras tendo em vista os resultados em vendas dos
títulos da editora;
8.2. “distribuidores e representantes”, que são os parceiros da editora para atendimento aos
livreiros (14, sendo um distribuidor nacional e os demais, regionais – Bahia, Minas Gerais,
Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul);
8.3. “tabela de preços”, que é uma lista que contém todos os títulos disponíveis para venda
e respectivos preços de capa, ISBN, coleção, data de publicação, condição comercial –
disponível ou esgotado – autor e selo.
8.4. “parceiros”, que informa a venda de livros impressos pelo site da editora e expõe os
parceiros para a aquisição dos e-books: Amazon, Livraria Cultura, Google play, iBookstore,
Livraria da Folha, Livraria da Travessa, Jet Books e Saraiva.
8.5. “exclusivo para livreiros” – são “cadernos” onde a editora anuncia os lançamentos por
mês da editora. Este material apresenta capas, sinopses, informações sobre os autores e
fichas técnicas por título com as seguintes informações: tradutor, número de páginas,
formato, tiragem, palavras-chave, público-alvo, ISBN e E-ISBN. Ao final, quando é
possível, há menção a outros títulos da editora relacionados de alguma forma ao
lançamento.
9) Professores – seção elaborada para atender professores, coordenadores de ensino e
bibliotecários, com informações para tentar auxiliar na aquisição de livros para os objetivos que
se tenha. Na mesma seção a editora expõe as políticas de descontos e de adoção de livros. A
política de descontos consiste em conceder “aos professores com cadastro aprovado 30%
de desconto na compra de títulos não repetidos feita exclusivamente em nosso site. Não
vendemos diretamente às instituições de ensino, mas indicamos distribuidoras e livrarias
especializadas nesse serviço.” E a política de adoções considera o “histórico de adoções e
disponibilidade de exemplares.” A editora informa que as solicitações estão sujeitas a uma
avaliação e afirma que “após a confirmação de adoção do título, doamos um exemplar para
50
cada turma de 30 alunos de acordo com a disponibilidade de exemplares.”32 Há três links
disponíveis nesta página: o primeiro é para o cadastro dos professores, o mesmo disponível na
página da Pequena Zahar; o segundo é o que dá acesso aos três catálogos que também estão na
página da Pequena Zahar (o do próprio selo, o da coleção “Clássicos Zahar” e o “Outras áreas”,
que possa interessar ao público alvo da página), e, no terceiro, são apresentados os contatos de
atendimento a escolas e professores – um, em São Paulo, e outro, no Rio, ambos da própria
editora (ou seja, não são terceirizados) – e das empresas que trabalham a divulgação dos livros
por região – duas no Rio, uma na Bahia, uma em Minas Gerais, uma no Distrito Federal e uma
no Paraná.
10) Contato – página destinada para falar com a editora por e-mail. Dispõe de um link com
orientações aos autores que tenham interesse em publicar, com regras e esclarecimentos quanto
à forma de a Zahar lidar com os originais que sejam enviados, assunto sobre o qual falaremos
no próximo capítulo. Nessa página é possível conhecer os limites estabelecidos pela editora
sobre o que publicar:
É necessário que o original se encaixe em nossa linha editorial. Não publicamos
poesia, contos, romance, autoajuda, gestão empresarial, marketing, esoterismo,
espiritualismo, livros didáticos nem guias de turismo, entre outros gêneros. As únicas
exceções para obras de ficção são feitas aos clássicos da literatura e infantojuvenis.33
Em entrevista com Mariana Zahar, ela não soube precisar a data exata em que a versão
atual do site entrou no ar, mas, segundo ela, isso aconteceu perto de 2000 e as vendas através
dele foram iniciadas em 2015. Antes, o site não fazia vendas, apenas indicava alguns parceiros.
Sobre o início do trabalho de vendas pelo site Mariana informou que a ideia surgiu pela
dificuldade de leitores encontrarem alguns livros. E se trata de um trabalho que chama de
“incremental” por não ser relevante financeiramente. Quem administra as vendas é um parceiro
comercial de São Paulo, a Página Vivo, uma empresa especializada nessa atividade, ou seja,
em comércio digital (E.M.Z.30.06.15).
Cabem alguns comentários sobre as características do site da Zahar. Ao compararmos
com o site de outras editoras – por exemplo, o da Companhia das Letras –, vê-se que a maioria
dos itens são semelhantes. Como marca específica da Zahar destacam-se, certamente, os
32 Informações disponíveis em http://www.zahar.com.br/professores, acesso em 4/7/2015. 33 Informação disponível em: http://www.zahar.com.br/fale_originais, acesso em 5/7/2015.
51
elementos da história e da memória enfatizados pela editora. A evocação/homenagem do
principal fundador – Jorge Zahar – é, sem sombra de dúvidas, um aspecto inconfundível no site
da editora analisada.
Com relação à novidade representada pelo site, é notório que houve uma mudança
importante na quantidade de conteúdos comunicados e na qualidade da comunicação da editora
com o público. Antes da existência do site, as formas de a editora fornecer informações sobre
si eram concentradas quase que exclusivamente em catálogos impressos, folhetos, folders, onde
nem de longe se tinha acesso à gama de informações a que se tem hoje, através do site.
1.5.2. Herança e sucessão do patrimônio Zahar
Faz-se necessário, nesse momento, dizer algo sobre as organizações familiares e as
dinâmicas simbólicas envolvidas nos processos de sucessão de sua gestão. Para tanto, cabe
mencionar alguns conceitos elaborados por Pierre Bourdieu, que ajudarão na interpretação e na
explicação dos fatores intervenientes na complexidade das trajetórias sucessórias das empresas
de gestão familiar, de que a Zahar é um exemplo.
Pensamos que o conceito de conatus, que pode ser traduzido como um projeto
construído pela família, a ser assumido e levado adiante pelas gerações seguintes, contempla
muito bem o fenômeno da sucessão no caso da marca Zahar. De acordo com Bourdieu, as ideias
de herança e sucessão dizem respeito a patrimônios físicos e também a patrimônios imateriais,
de natureza simbólica. Assim, quando os herdeiros de um determinado patrimônio se veem em
processo de sucessão, estão em jogo os objetos, os prédios, as crenças, os valores, os
compromissos, as expectativas, etc. Para os herdeiros de Jorge Zahar são, certamente, o
patrimônio maior a ser explorado para que se reproduza e até mesmo se venha a aumentar o
que foi herdado. Conforme disse Bourdieu, herdar significa perpetuar o conatus, significa
aceitar tornar-se instrumento dócil dessa reprodução (BOURDIEU, 2010).
O autor afirma que a transmissão do legado ocorre, no mais das vezes, de forma
inconsciente, uma vez que os sucessores geralmente compartilham desde a mais tenra infância
os afazeres, as histórias, as rotinas e valores vivenciados pelos mais velhos. O progenitor vai
transferindo o conatus pela maneira própria de se expressar, se portar, tomar decisões e atitudes.
52
Isso ocorre naturalmente, sem a necessidade da existência de um programa consciente de
transmissão. Mas pode acontecer de haver certas estratégias pensadas com o objetivo definido
de ensinar, preparar, delegar.
No caso específico do patrimônio Zahar, a passagem dos bastões, num empreendimento
que já se encontra na terceira geração, parece ter ocorrido de forma combinada, ou seja, vai-se
crescendo, convivendo, aprendendo, assumindo, herdando e fazendo perpetuar o conatus, mas,
em dado momento, alguma programação, como a delegação crescente de responsabilidades,
permite a continuidade das formas de fazer e pensar, a sucessão.
Mariana Zahar, em entrevista realizada no dia 28 de maio do corrente ano, apresentou
sua visão sobre a cronologia das passagens de direção da “nova” editora:
1998 – A direção da editora passa a ser de Cristina Zahar. Segundo Mariana, nos últimos
anos de vida do avô, apesar de os dois cogerirem a empresa, “a figura do meu avô era muito
forte ainda”. Com a perda de Jorge Zahar, em 1998, há uma ruptura na forma de gerir a editora.
Passa a existir uma estrutura que lembra o funcionamento de um “conselho editorial”. Segundo
Mariana, nesse momento era apenas como uma reunião de diretoria, porque ainda não havia
rotinas sistemáticas com agendamento de encontros entre os membros para decidir sobre
publicações, programas editoriais e novas linhas. Depois que Jorge Zahar Filho saiu da empresa,
em 2006, é que realmente formaram o conselho editorial, em 2007. O retardamento da
constituição formal do conselho teria acontecido em função de divergências entre os herdeiros
sobre qual formato de gestão deveria ser implantado na editora após o falecimento do patriarca
Jorge Zahar, conforme relato de Mariana sobre seu tio, que se encontra reproduzido adiante.
Segundo explicou Mariana nessa ocasião (E.M.Z. 28.05.2015), “Jorginho” queria manter as
coisas no mesmo estilo pessoal e informal do pai, enquanto os outros herdeiros queriam
racionalizar a gestão da empresa, por acreditarem que o jeito antigo só funcionava pela forte
personalidade e dedicação do patriarca.
2006 – Jorge Zahar Filho sai da sociedade e Mariana passa a ter maior participação nas
atividades da editora. Sobre esse momento, Mariana disse: “ele saiu e eu assumi um cargo mais
executivo além do editorial que já tinha”. Sobre o porquê da saída, ela explica que com a morte
de Jorge Zahar, as formas de trabalho da editora precisaram ser mudadas. Segundo ela, “a
editora tinha um modo de direção muito pessoal, muito ligado na figura tanto do meu avô
53
quanto do Jorginho. Depois que meu avô morreu, não tínhamos mais essa figura. Os processos
precisaram ser formalizados”.
É preciso lembrar que estamos falando nesse momento de uma sociedade fundada por
Jorge Zahar, Cristina e Jorge Filho. Sem Jorge Zahar, conforme sinalizado acima, os herdeiros
sentiram necessidade de rever novas formas de trabalho. Mariana explica a questão à sua
maneira: “Jorginho foi uma pessoa que fez a editora de um jeito e não queria fazer de outro.
Enfim, todo direito, a gente é muito próximo, muito amigo, mas eram dois projetos diferentes
de empresa. Então ele acabou resolvendo sair, e assim ele deixou de ser nosso sócio.”34 Foi a
partir de então que surgiram novas funções na editora, e pessoas que não eram da família
passaram a ocupar cargos de gerência, como foi o caso de Ana Paula Rocha, contratada para
gerência de operações e que, em pouco tempo, passou a fazer parte do conselho editorial da
empresa.
2007 – O conselho editorial é formado. Composto por Cristina, Mariana Zahar e Ana
Paula Rocha, que respondem igualmente pela diretoria da empresa, conforme indicado no
organograma apresentado na página 59 deste trabalho35. Nesse mesmo ano, a direção da
empresa cria uma nova marca e, para ela, um manual de identidade visual, que reúne
informações sobre a construção da marca e as normas de uso e destaca, ainda, continuidades e
mudanças da gestão, como é possível observar no trecho: “O posicionamento da marca Zahar
reafirma o nosso compromisso com o público leitor de editar e difundir conteúdos de qualidade
– independentemente do suporte tecnológico – sempre preservando um forte traço do
pensamento e da personalidade do pioneiro Jorge Zahar: o seu caráter humano e humanista”36.
No mesmo documento são apresentados três “pilares” que caracterizavam os trabalhos da
editora de 2007 em diante:
Tradição: [f]ruto do trabalho de três gerações de editores ao longo de mais de
cinquenta anos, o valor do nome Zahar foi construído através de uma história marcada
pelo pioneirismo e pela qualidade. Independência: [u]ma característica sempre
marcante da nossa conduta editorial. Pluralidade: [n]osso catálogo reúne um grande
34 Informação obtida em entrevista realizada com Mariana Zahar em 28.05.2015 35 A composição atual do conselho editorial data de 2010, a partir da criação da coleção “clássicos Zahar”, quando
Rodrigo Lacerda assume tanto a coordenação da coleção quanto uma cadeira no conselho. Esse assunto será
retomado no terceiro capítulo deste trabalho. 36 Trecho do manual de identidade da editora. Disponível em:
http://www.zahar.com.br/sites/default/files/arquivos/manual_de_identidade_zaharDEFINITIVO.pdf, acesso em
15/5/2015.
54
universo de temas e visões, buscando sempre alcançar, de forma completa, a maior
variedade de leitores possível. ”37
Segundo Mariana Zahar, a nova marca e o manual foram o resultado da necessidade de
uma mudança no projeto editorial. Quando perguntei sobre o conteúdo dessa mudança, ela
respondeu: “a Zahar antiga estava ligada a uma universidade forte e que lia. A partir de 1980
essa editora ficou inviável. A Zahar voltada para livros universitários, como era antes, não
poderia existir hoje. Foi preciso mudar”. (E.M.Z.28.05.15)
Sobre a relação com o patrimônio institucional, trabalhado e permanentemente
reconstruído pelas referências à trajetória dos fundadores da empresa, em especial Jorge Zahar,
é importante citar a “exposição Jorge Zahar”, realizada em 2008, ano marcado pelos dez anos
de seu falecimento.
A ideia da exposição surgiu, segundo Mariana, como uma forma de homenagear a
memória do editor Jorge Zahar. Foi montada sobre duas grandes mesas feitas de madeira de
demolição e vidro, na forma das letras J e Z. Sobre o que havia nas mesas (que representariam
as mesas de trabalho do patriarca), uma matéria publicada na Revista de História on line, que é
uma publicação da Livraria da Travessa, localizada no bairro do Leblon/RJ, datada de 8 de
junho de 2008, selecionada como uma de dez matérias que divulgaram a exposição, descreve
com detalhes o que fazia parte deste acervo: documentos, fotos com família e amigos como
Millôr Fernandes, Paulo Francis, editores como Ênio Silveira e Luiz Schwarcz, objetos
pessoais, como seu caderno de telefones com contatos importantes, entre os quais o do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso.38
Sobre os gostos do editor, os visitantes puderam conhecer algumas músicas e poemas
de sua preferência, com fones com os quais músicas clássicas francesas do gosto do editor
puderam ser escutadas, bem como alguns poemas de Pablo Neruda e Vinícius de Moraes. Dos
gostos pessoais do editor há ainda registros sobre algumas preferências gastronômicas, com
seleções de cardápios e contas de restaurante, onde Jorge Zahar anotava o prato preferido
servido no local. Sobre o móvel com o formato da letra J, uma televisão de plasma exibia um
documentário com depoimentos de doze pessoas, entre autores, editores e familiares
37 Id. 38Informações disponíveis em:
<http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/revistadehistoria_online_08_06_08.pdf, acesso em 15/05/2015.
55
reconhecendo o trabalho de Jorge Zahar e não raramente a continuidade mantida pelas gerações
seguintes. As pessoas são: Cristina Zahar, Lilian Schwarcz, Sebastião Lacerda, Paulo Rocco,
Regina Bilac Pinto, Luis Erlanger, Gilberto Velho, Luiz Paulo Horta, Luiz Alfredo Garcia-
Roza, Mauro Lorch, Rui Campos e Marlene de Castro Correa.39
Todo esse material compôs uma mostra itinerante que esteve no Rio de Janeiro, em São
Paulo e Porto Alegre. Sobre a transformação dessa amostra física em exposição virtual, Mariana
relata: “quando a exposição ficou pronta a gente ficou tão surpreendida pela qualidade, que a
gente decidiu filmar e guardar o material todo. Mas transformar a exposição física em digital
demorou mais uns cinco anos. ” Sobre a seleção do material ela disse que foi um trabalho em
conjunto com as participações dela própria, de Cristina e Clarice, sua prima, filha de Jorge
Zahar Filho, e de Daniela Name, uma profissional que trabalhou como curadora. Mariana
informou ainda que o trabalho que tiveram para a montagem da exposição resultou num grande
banco de dados, muito maior que o que se encontra no site, para guardar o que há de memória
da editora para o futuro. Nas palavras dela: “se a gente não cuida do passado ele se perde”
(E.M.Z.30.06.15)40.
2013 – Mariana assume a direção executiva da editora. Cristina, sua mãe, continua na
editora, como presidente do conselho editorial, ou seja, acompanhando todas as decisões
importantes.
A sociedade da Zahar é constituída por três pessoas: Ana Cristina Zahar, Mariana Zahar
e Ana Paula Rocha, e seu organograma, reproduzido a seguir, sistematiza o trabalho de sessenta
pessoas.
39 Informação disponível em: http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/revistadehistoria_online_08_06_08.pdf,
acesso em 15/5/2015 40 Nesta mesma entrevista, Mariana também sublinhou a importância da experiência de Jorge Zahar para a
história da editora. Lembrou-se da seleção dos documentos, registros e pertences do avô reunidos para a
exposição em sua homenagem e informou que, com tanto material sobre a editora e sobre o mercado editorial
que o avô viveu, a editora decidiu lançar um livro, que, segundo Cristina, no último contato telefônico realizado,
neste ano, 2015, já está sendo escrito para publicação. A ideia é contar a história editorial brasileira a partir da
história de Jorge Zahar como editor. (E.A.C.Z.7.07.15)
56
Organograma disponibilizado por Mariana Zahar e enviado por e-mail depois da
entrevista realizada em 30 de junho de 2015.
57
Capítulo 2 - Sobre a “função editor” – uma função social
É importante, nesse momento, entender o que significa ser editor hoje na Zahar,
refletindo sobre o que significava ser editor no início e enquanto durou a gestão exercida por
Jorge Zahar. Pela história de Jorge Zahar, como um dos fundadores da editora, é possível
observar suas atividades serem exercidas desde o começo com a preocupação de conciliar a
gestão do negócio em termos financeiros com o papel do editor como agente social.
Do lado social, os depoimentos de Jorge Zahar permitem entrever um profissional
preocupado com a propagação cultural através de livros, que, segundo ele, são definidos como
clássicos. A fala que se segue foi encontrada numa das entrevistas concedidas por Zahar a Jerusa
Pires Ferreira, no já citado Projeto Editando o Editor: “Eu me colocaria como um editor
clássico, se um editor universitário significa clássico. Nesse caso, eu acho que sim.
Profissionalmente eu sou um clássico, o que não quer dizer que eu seja um homem de
pensamento conservador” (FERREIRA, 2001, p. 60). Para contextualizar a acepção do
significado de “clássico” para Zahar, vale a pena transcrever outro trecho da mesma publicação:
Olha, eu não sirvo nem para uma editora de livros de ficção, que tem que fazer o livro
rapidamente. Eu não faço livros que tenham uma vida curta que deixem de ser lidos
ao longo do tempo. O pensamento básico é fazer livros de interesse permanente,
sempre foi isso que me norteou. (...) Minha idéia editorial básica é essa: editar livros
clássicos. (Ferreira, 2001:59-60)
“Livros que duram”, “livros que contam”, “livros clássicos”, livros de não ficção que
contribuem para difundir saberes e formas de pensar construídos e divulgados no universo
acadêmico. Parece ser esse o perfil de publicação valorizada por Jorge Zahar e que seria
considerado por ele como o diferencial da editora. Cabe-nos indagar se essa forma de pensar
ainda está presente e, estando, se as concepções sobre o significado de clássico permanecem
(ou não) as mesmas, levando em consideração as transformações contemporâneas do mercado
editorial, sobretudo a partir da difusão das tecnologias de informação e comunicação em
formato digital, por um lado, e das verdadeiras “linhas de produção” em livros, conhecidas
como “conglomerados”, por outro.
No capítulo anterior apresentaram-se brevemente os desafios enfrentados pela Zahar,
especialmente após o falecimento de Jorge Zahar, momento em que os herdeiros se sentiram
58
impulsionados a repensar tanto a identidade quanto as estratégias de gestão da empresa.
Principalmente através da remissão às entrevistas realizadas com Mariana Zahar, fomos levados
a perceber que, na virada do século XX para o presente século, os herdeiros de Jorge Zahar
acabaram optando por realizar algumas mudanças, muito mais na gestão do que no perfil
editorial. Quanto a isso, embora Mariana relate que não seria possível, na nova editora, priorizar
a edição de livros para o público universitário, muitos aspectos da identidade construída ao
longo da história da Zahar foram mantidos e até mesmo reforçados. Ou seja, a concepção
identitária da empresa, embora tenha sido moldada inicialmente a partir da ideia de ser uma
editora de Ciências Sociais e/ou para o público acadêmico, englobava outros valores ao conceito
de “clássicos”, que, como veremos, mostrou-se uma categoria plástica, tendo sofrido
transformações importantes no decorrer do tempo. Tais transformações na concepção de
“clássicos” agregam tanto valores e ideias do passado como do presente, as quais serão tratadas
em momento posterior, na sequência do trabalho. Outra categoria que merece nosso destaque
nessa discussão sobre as permanências e transformações no estilo editorial da Zahar na
atualidade é a de “independência”, que, conforme será apresentado adiante, sofreu também
ressemantizações significativas.
Antes de aprofundarmos a análise dos elementos constitutivos do estilo editorial da
Zahar no presente, refletiremos um pouco mais sobre as diversas formas de constituição do
perfil de um editor. Recorremos aqui a Bragança (2004), que analisou em profundidade o que
denominou de “função editor”, pois as formulações a que chegou auxiliarão a interpretar os
dados de nosso objeto de pesquisa. Aníbal Bragança propõe que se diferencie entre “três tipos
básicos de função editor: o impressor-editor, o livreiro-editor, e o empresário-editor”. Segundo
o autor, o que caracteriza a distinção é “o eixo central de sua atividade, o que lhe dá sustentação,
que a move e direciona” (2004:80). Na apresentação dos tipos construídos pelo autor será
preciso lançar mão de citações um tanto extensas, para sermos fiéis às propostas originais de
Bragança.
O editor classificado como “impressor-editor” é assim definido por Bragança: “seu
saber essencial é o domínio das técnicas da tipografia, desde a fundição dos ponções e tipos à
composição e impressão do texto. E isso o caracteriza, é o seu eixo. Seu centro é a oficina
tipográfica” (BRAGANÇA, 2004:81). Já o editor a ser incluído na função livreiro-editor é
assim descrito pelo autor:
59
(...) nasce na loja e não na oficina. Seu centro é o mercado. Precisa estar atento às
demandas existentes e ter boas relações com os clientes. Pode criar novas demandas,
mas o fundamental é a criação e o domínio de canais de comercialização. Seu saber é
o do empresário mercantil, que sabe como atender a sua clientela potencial, de forma
lucrativa para sua empresa. Após definir em que segmento editorial atuará, seu faro é
dirigido para conseguir os autores ou as obras que o mercado pede. Isso é sua meta.
O importante é ter um bom fundo editorial, um bom catálogo (Id.:82).
Com respeito à definição do próximo tipo, denominado empresário-editor, Aníbal
Bragança diz:
Seu centro é o autor, ou melhor, o original. Seu lugar é o escritório. O mercado se
diversificou e passou a exigir novos lançamentos, novos textos, novos autores, novos
produtos, cada vez mais bonitos e mais baratos ou mais ilustrados e requintados. A
nova tecnologia gráfica a todos oferece essas possibilidades. Ajudados pelo progresso
econômico, pela imprensa periódica, pela ampliação da rede escolar que cria novos
leitores, pelo desenvolvimento urbano e pelo aumento das classes médias, os autores
ganham uma certa preeminência e se profissionalizam.
O empresário-editor, também chamado de “editor-moderno”, ou simplesmente, o
editor, pode ter ou não experiência anterior no mundo das gráficas ou no mundo das
livrarias. O importante é que tenha um conhecimento do mercado de bens culturais,
para criar uma política editorial e estabelecer as linhas de atuação para realizá-la. Deve
estar pronto a decidir no processo de seleção de originais, que nesse momento são,
proporcionalmente, em maior número do que o potencial de consumo dos leitores
(Id.:83).
Considerando as proposições de Bragança, é oportuno mencionar as colocações de Jorge
Zahar, quando fala sobre as divisões de tarefas existentes no trabalho com livros, pois se
assemelha em grande medida às classificações apontadas por Bragança. Diz Zahar, no contexto
do projeto Editando o editor:
Mais recentemente, em Buenos Aires, conversava com Manuel Aguilar, que era um
grande editor espanhol. Ele fazia aqueles livros lindíssimos, aquelas obras completas
encadernadas em couro. E não tinha oficina própria, não tinha gráfica própria. Então,
eu perguntei a ele: “Dom Manuel, como se explica um grande editor como o senhor,
que não tem oficinas próprias?” E ele, então, me respondeu: “É por isso que sobrevivo.
Por eso, soy grande editor”. Sobrevivia porque não tinha gráfica própria. O negócio
de gráfica é diferente, é realmente um negócio a parte. A sequência editorial é essa:
primeiro vem o autor, obviamente, e depois vêm o editor, o gráfico e o livreiro. Mas
são negócios totalmente distintos. Não é que o editor não possa ter livraria, deve até
ter, mas ele não pode fazer duas coisas simultaneamente, pelo menos como eu entendo
a relação com a livraria (FERREIRA, 2001:46).
60
Compare-se, ainda, com esse trecho de Bragança:
É conveniente que conheça os processos de produção, de suas técnicas e estética, mas
poderá delegar a profissionais as tarefas de execução dos projetos editoriais da
empresa. Deve conhecer bem o mercado e as técnicas mercadológicas, mas pode
entregar a comercialização a empresas especializadas em distribuição e venda. Pode
ter gráfica ou livraria, mas isso não é necessário, o importante é estabelecer com elas
boas relações. (BRAGANÇA, 2004:83)
No caso da Zahar, a mencionada necessidade de divisão do trabalho tem sido
respondida, em grande medida, pela repartição de atribuições entre os diversos membros da
família. Inicialmente, os irmãos Ernesto e Lucien – um, na livraria de São Paulo; outro, na
livraria do Rio, respectivamente – e Jorge, na editora. Mais tarde, Ana Cristina e Jorge Júnior
viriam a se associar ao pai na Editora e, atualmente, Mariana, filha de Ana Cristina, é a diretora
executiva, e Clarice – filha de Jorge Zahar Filho – é uma das pessoas que trabalham com o
processo de edição.
Não se pode deixar de aludir ao fato de que Ana Cristina Zahar especializou-se
acadêmica e tecnicamente, o que a habilitou diretamente ao exercício profissional na editora.
Isso foi relatado em entrevista realizada com Mariana Zahar:
Minha mãe teve uma formação bem gráfica, bem mais consistente que a minha.
Estudou tipografia na Inglaterra, então ela tinha esse interesse. Quando ela entrou na
editora ela tinha uma função bem mais próxima ao design mesmo, à capa, à produção,
e acho que ela foi se envolvendo com o resto de todo o processo editorial, autores,
textos.... Ela era muito companheira do meu avô. Tinha uma parceria muito próxima
com meu avô (E.M.Z.30.06.15).
As afirmações de Mariana coincidem com o depoimento de sua mãe, em conversa
telefônica que tivemos em julho deste ano, no momento em que falou do seu retorno da Europa
em 1977, quando se sentiu mais preparada para auxiliar o pai:
Eu já tinha trabalhado na editora. Eu me formei lá em linguística e comunicação
gráfica. Fui estudar algo que tinha muito a ver. Eu me preparei para contribuir nessa
área. Então, eu, quando voltei, não tinha dúvida de que queria trabalhar na editora, e
colaboramos intensamente até a morte. Tivemos muita partilha. ” (E.A.C.Z.07.07.15).
61
Mariana, por outro lado, foi gradativamente assumindo funções diferenciadas,
preparando-se efetivamente para suceder a sua mãe na direção geral da editora. Segundo a
própria, graduada em “design gráfico”, sua formação acadêmica não determinou de forma
fundamental sua inserção na editora:
Eu trabalhava mais no departamento editorial e produção.... Eu fiz um pouco de tudo.
Até divulgação eu fiz. Depois eu fui trabalhando no editorial, como editora um tempo,
bastante tempo, tanto em aquisições como em texto mesmo, mas eu sempre tive um
interesse mais empresarial, e então fui me aproximando mais do comercial, do
financeiro, da gestão e, enfim, foi natural que eu fosse assumindo a sua área. A
formação em design não é uma coisa essencial. Se tivesse que escolher algo mais
compatível com a atuação, seria economia. (E.M.Z.30.06.15)
Em outro momento do texto de Anibal Bragança, que detalha as características do
editor-empresário, encontramos colocações novamente comparáveis àquelas de Jorge Zahar:
Mais do que o mestre-impressor ou o livreiro, origens dos outros tipos de editor que
assinalamos, este, em geral, pode ter sólida formação intelectual e é movido por
objetivos que são, ao mesmo tempo, econômicos e culturais. Muitas vezes sente-se
com responsabilidades políticas diante de sua sociedade, talvez nesta função tipo se
acentue o seu eros pedagógico, o que não o dispensa da exigência de grande aptidão
empresarial para mobilizar recursos, próprios ou de terceiros, que possibilitem
viabilizar seus empreendimentos (BRAGANÇA, 2004:83).
Assim, na sequência comparativa, citamos Jorge Zahar, mais uma vez em entrevista ao
projeto Editando o editor, onde afirma ter um tipo de formação literária não acadêmica,
autodidata: “Não tenho uma cultura acadêmica. Se aprendi alguma coisa, tenho minhas dúvidas
– fui um autodidata. Não é falsa modéstia, eu sei que não tenho uma formação regular. Mas
tenho formação literária. ” (FERREIRA, 2001: 45).
Seguindo a caracterização feita por Aníbal, parece-nos que cada vez mais se consegue
visualizar a figura de Jorge Zahar em seu estilo de ser editor:
(...) o nascimento da função empresário-editor está vinculado, dentro do contexto de
desenvolvimento do capitalismo, que vai impondo especializações, e no século XIX,
valorizando muito a capacidade individual empreendedora do self made man, do
62
aventureiro, sagaz e ao mesmo tempo aquele que tem normas respeitáveis nos
negócios e sabe fazer fortuna (BRAGANÇA, 2004:84).
Podemos afirmar que estamos diante de uma concepção do papel do profissional editor
que pode, com grande grau de aproximação, ser usada para pensar a gestão da Zahar, seja antes,
seja depois de 1985. Na atualidade, essa percepção permanece válida, sendo oportuno sinalizar
que Mariana Zahar assumiu claramente, em entrevista realizada em 30 de junho de 2015, que
publicar livros não é arte, é negócio, mas um negócio com regras próprias, já que há momentos
em que a editora programa publicações porque acredita que é necessário imprimir textos com
grandes chances de vender pouco, mas que sejam importantes para sustentar o slogan “A cultura
a serviço do progresso social”. Mariana guarda um princípio de seu avô, que, segundo ela,
define uma das principais características de ser editor para a família: “é preciso ser sensível ao
fenômeno cultural”.
Podemos presumir – a partir dos dados desta pesquisa – que esse princípio tenha pelo
menos dois significados possíveis. Por um lado, saber perceber rumos do mercado, saber
conceber e ofertar produtos que preencham determinadas demandas. Por outro, ser capaz de
articular tudo isso a partir de uma “cultura empresarial” que valoriza a publicação de textos,
como ferramenta de esclarecimento e transformação social.
2.1. A independência e a distinção entre “editores” e “executivos” em editoras
Outro perfil de profissional envolvido com a publicação de livros é descrito por
Bragança, que apresenta também o contexto histórico e cultural em que ocorre o surgimento
desse novo tipo. Em artigo intitulado “Uma introdução à história editorial brasileira”, publicado
em 2002, diz o autor:
As inovações tecnológicas, as transformações na economia e na cultura que se operam
na sociedade, a partir de meados do século XX, especialmente na Europa e nos
Estados Unidos, configuram um outro e diferente contexto para a função editorial, no
qual surgem novos agentes e relações, que tendem à hegemonia, embora, como
anteriormente, coexistam, em nova configuração com os tipos anteriores.
É possível afirmar-se que o processo de fusões de capital industrial com o financeiro
vai criando, com associações entre empresas nacionais e internacionais, de
tecnologias de comunicação de massa e da indústria do entretenimento, novas
condições de trabalho para o editor e a empresa editorial. Nessa realidade a figura do
editor deixa de ser o eixo do negócio editorial. Cada vez mais em seu lugar se
63
encontram executivos, que pouco ou nada têm do perfil específico do editor, e onde,
na maioria das vezes também, sua atuação é enquadrada nos limites de uma estratégia
empresarial previamente definida, que visa primordialmente a maximizar a
rentabilidade do capital acionário. Essas transformações no mundo da edição se
refletem fortemente no Brasil após 1970. (BRAGANÇA, 2002:78-79)
Tais executivos, acima caracterizados, tornam-se cada vez mais comuns no mercado
brasileiro e contrastam com o tipo descrito anteriormente, o editor-empresário que acaba
convivendo com os primeiros. Sobretudo com os menores, como os que Barcellos (2006)
investigou. Segundo artigo de sua autoria, “As pequenas e médias editoras diante do processo
de concentração: oportunidades e nichos”, é possível perceber, a partir dos anos 1990, maior
presença de grandes conglomerados no mercado editorial brasileiro, mas é no início dos anos
2000 que a autora identifica novas formas de atuar no mercado. Em sua tese de doutorado,
intitulada O sistema literário atual: pequenas e médias editoras, defendida em 2006 na PUC-
Rio, ela pesquisa o período entre os anos 2000 e 2004 e sobre ele afirma: “o que caracteriza o
processo de mediação durante o período investigado são sinais que indicam fenômenos, como
os de concentração editorial e inserção de capital estrangeiro no país. Isso aponta para uma
política de ‘resultados’ no que diz respeito à linha editorial compatível com a gestão de
negócios”(BARCELLOS, 2006:25).
A política de resultados passa a ser motivo de atenção especialmente para os pequenos
e médios editores, que são naturalmente as empresas mais atingidas quando uma das maiores
dificuldades passa a ser a disponibilidade de recursos financeiros.
Na última citação de Bragança acima colocada, encontra-se a sugestão de que o tipo de
executivo ali caracterizado torna-se cada vez mais presente no cenário nacional. Entretanto,
permanecem vivas e atuantes as editoras que funcionam segundo modelos mais antigos de
concepção do papel do editor e que conservam determinadas propostas editoriais que
correspondem a suas escolhas e que buscam preservar perfis identitários específicos, como é o
caso da Zahar.
A partir dos argumentos colocados por Bragança (2002), ocorre-nos a hipótese de que,
para que haja a sustentação e a continuidade da função-editor em moldes tradicionais, é
necessário que as editoras nisso interessadas mantenham um certo distanciamento e uma
margem de autonomia financeira em relação aos desafios de um mercado cada vez mais
comprometido com resultados financeiros. Tal independência, portanto, terá que conviver,
continuamente, com os cálculos relativos aos custos e benefícios de suas tomadas de decisões.
64
A fala de Mariana Zahar citada anteriormente sinaliza exatamente esse dilema, apontando para
sua solução, ao modo Zahar, quando afirma que muitas vezes se insiste em publicar
determinados títulos – sabendo que vendem pouco – pela simples razão de que fazem parte da
tradição identitária da editora.
“Ser independente” é um valor que se fazia presente em falas de Jorge Zahar e
aparentemente atravessou três gerações de gestores da empresa, todos membros da família que
deram continuidade aos negócios. Ou seja, a categoria “independência” parecia (e parece) ser
um valor central na auto concepção identitária da Zahar.
Tentando precisar melhor o significado dessa categoria para a Editora Zahar e
considerando que existe uma associação de editoras independentes no Brasil, a Liga Brasileira
de Editoras (Libre), perguntamos a Mariana Zahar por que motivo a Zahar não se vincula a essa
associação. Mariana respondeu que a Zahar não participa da Libre porque a maioria das editoras
que fazem parte da entidade são muito pequenas, algumas chegando a ser artesanais. E
completou dizendo que são empresas que, em geral, possuem pouco tempo de mercado e que
não apresentam uma frequência de publicações anuais. (E.M.Z.28.05.15)
A Zahar é considerada por Mariana uma editora de médio porte, o que, para ela,
distancia a editora das questões propostas pela Libre. Contudo, a entrevistada afirmou em
seguida que, com a continuidade de crescimento dos conglomerados editoriais, desafiando
continuamente a capacidade de as editoras menores competirem com eles por espaço no
mercado, talvez fizesse sentido pensar num cenário futuro onde a Zahar pudesse vir a ser um
membro da Libre.
Depreende-se das proposições colocadas anteriormente que estamos diante de uma
concepção sobre a categoria/valor “independência”, associada à autonomia perante o mercado,
com a condição de poder tomar decisões em termos de edição de livros sem ter de responder
diretamente às pressões de ordem financeira impostas pela concorrência de mercado, de poder
continuar gerenciando sua marca dentro de um equilíbrio – constantemente desafiado – entre
necessidade de resposta financeira e manutenção da linha editorial.
Mariana entende, conforme foi visto acima, que a Zahar seja uma editora média. Essa
classificação tem relação com o faturamento, com o tempo de existência da editora no mercado
e a frequência de publicações por ano – critérios que utilizou para diferenciar a Zahar das
pequenas editoras participantes da Libre. Cabe aqui comentar que os critérios enumerados não
65
correspondem com exatidão à composição dos membros da Libre. Exemplo disso é a editora
Pallas, que já se encontra há 40 anos no mercado e não é uma pequena editora, tampouco publica
esparsamente. Pelo contrário, a Pallas consolidou seu espaço no mercado editorial ano após
ano. Assim sendo, talvez a explicação para a Zahar não estar associada à Libre possa ser outra,
não exposta pela entrevistada. Na verdade, a própria Mariana parece não ter certeza sobre os
critérios mencionados como característicos dos componentes da Libre41.
Sobre as dificuldades em continuar gerenciando a marca Zahar Mariana destacou que o
difícil é ser médio e ter que negociar com livrarias cada vez maiores, cenário no qual uma
editora média “vai virando uma pecinha muito pequena daquela engrenagem”.
(E.M.Z.28.05.15)
A “engrenagem” evocada por Mariana pode ser entendida como o fluxo crescente do
viés mercadológico ditando as regras de funcionamento da cadeia produtiva e distributiva dos
livros. Quais seriam as consequências práticas do espraiamento desse fluxo?
Uma delas é certamente a tendência concentradora do mercado editorial, já mencionada
anteriormente e que constitui o pano de fundo sobre o qual Bragança (2002) apresenta a atuação
do “executivo” que trabalha, em contraste com as personagens que exercem a função editor
propriamente dita, ou seja, os editores tradicionais.
Tal tendência concentradora, fundada numa lógica mercadológica, depende da atuação
dos executivos apontados por Bragança, que costumam concentrar seus investimentos em
poucos títulos capazes de vender rápido e em quantidades superlativas. Tais investimentos em
produção, distribuição e propaganda lançam sombras sobre as publicações que não consistem
em novidades transformadas em megassucessos financeiros, mas que podem permanecer nos
catálogos das editoras anos a fio. Ou seja, o viés do imediatismo financeiro contrasta fortemente
com uma identidade editorial que priorize “livros que duram”, “livros que importam”, como
especificou Jorge Zahar em sua conversa com Jerusa Ferreira.
As questões que acabamos de analisar foram por nós colocadas para a avaliação de
Mariana Zahar em entrevista (E.M.Z 28.05.15) e fazem com que retornemos, a partir da
resposta da entrevistada, à questão do papel social do editor. Segundo Mariana, considerando o
atual cenário editorial, é preciso parar e pensar sobre a necessidade de as livrarias serem
41 Após enumerar os referidos critérios, ela pareceu duvidosa sobre a questão, afirmando: “É o que eu acho, mas
pode ser coisa minha”.
66
preservadas como lojas especializadas em vender livros, todos os tipos de livros, em vez de
serem transformadas em lojas de departamento que vendem de tudo e também livros,
preferencialmente os livros de interesse momentâneo. Outra situação discutida por Mariana, no
que diz respeito às livrarias, foi o fato de que as grandes redes de livrarias não se interessam
por fundos editoriais porque “é tanta novidade que elas não têm espaço”. Ela também observou
que a maior parte das grandes livrarias não tem quem faça seleções de títulos porque o ofício
de livreiro também enfrenta a crise do mercado editorial. Da mesma forma que não é qualquer
pessoa que se interessa pelo ofício de editor, não é qualquer pessoa que se interessa pelo oficio
de livreiro. Livrarias importantes e antigas, como a Leonardo Da Vinci estão encerrando suas
atividades, comentou a entrevistada, afirmando que considera ser preciso proteger as livrarias.
Mariana disse ainda que todas essas preocupações não são apenas da Zahar, ou, pelo menos,
não deveriam ser. Ela considerou que são preocupações do mercado.
A maior preocupação de Mariana, revelada na ocasião da entrevista, é manter o
significado do livro enquanto bem cultural, sob o risco de que o mesmo passe a ser visto apenas
como um bem de consumo como qualquer outra mercadoria. Para exemplificar sua
interpretação, mencionou, com certa indignação, os artifícios utilizados pelo site de vendas
online Submarino: “Olha o que a Submarino faz, tentando vender televisão com seu livro”42.
2.2. O livro como bem cultural
O percurso da pesquisa, após analisarmos textos, documentos e informações obtidas por
intermédio de entrevistas, nos leva a compreender que, tanto no passado, quanto no presente,
os gestores da Zahar conceberam e concebem suas publicações como algo mais que
mercadorias. É o que se depreende quando Jorge Zahar afirma que se reconhece como um editor
de “clássicos”, de livros que duram, livros que importam. E, ainda, quando afirma ser um editor
comprometido com seu tempo. Tais ideias também se fazem presentes nas falas de Mariana,
especialmente quando afirma que muitas vezes o conselho editorial edita ou reedita obras que
podem não dar lucro, mas que sustentam a identidade da editora em seu papel contributivo para
42 Ao entrar na página eletrônica da Submarino para procurar livros, os consumidores são apresentados – por
anúncios que surgem repentinamente na tela - a outras oportunidades de compra: geladeiras, fogões, telefones,
computadores, etc. Ou seja, os livros que são procurados, em geral, por hábito de leitura, funcionam como iscas
frequentes para vender outros bens de consumo.
67
com o acesso à “cultura”. Talvez seja esse um dos sentidos atuais do slogan “A cultura a serviço
do progresso social”, preservado desde os tempos da gestão de Jorge Zahar.
No que concerne à concepção de livros como objetos essencialmente culturais e ao papel
do editor como agente de cultura, Robert Escarpit talvez seja um dos precursores dessas ideias,
com sua obra Sociologia da literatura, publicada em 1969. Nesse texto, falando sobre o
processo de seleção tanto de autores, quanto de assuntos e textos, o autor ressalta a importância
do editor como “mediador cultural” e do livro como seu meio de transmissão:
A seleção supõe que o editor (ou um delegado seu) representa um público possível e
modela na totalidade dos escritos que lhe são submetidos o que convém mais ao
consumo desse público. Essa representação tem um caráter duplo e contraditório.
Comporta, por um lado, um julgamento de facto sobre o que ele irá comprar, por outro
lado um julgamento de valor sobre o que “deve ser” o gosto do público, dado o sistema
estético-moral do grupo humano no interior do qual se desenrola a operação. Daqui
provém a dupla interrogação que se põe a propósito de todos os livros e à qual apenas
se pode responder com um compromisso hipotético: O livro é vendável? O livro é
bom? (ESCARPIT, 1969: 108)
Por outro lado, o editor age sobre o público, provocando hábitos. Estes hábitos podem
tomar a forma de modas, de snobismos e até mesmo de predileções passageiras pela
personalidade de um autor, ou então ter uma origem mais profunda e traduzirem uma
fidelidade a uma determinada forma de pensar, a um determinado estilo ou tipo de
obra. (...) (Id: 31)
Escarpit reconhece, portanto, o papel do editor como veiculador de ideias. As obras que
publica exercem influência sobre inúmeros leitores, assim como interferem sobre a própria
produção da obra ao influenciar autores, críticos e todos os agentes sociais envolvidos no
circuito de produção e divulgação dos livros. Segundo Escarpit, essa influência possui muitas
vezes uma dimensão que não é prevista sequer pelo próprio editor. (ESCARPIT, 1969, p. 44)
Pierre Bourdieu, em A produção da crença (2006), detalha algumas especificidades do
trabalho do editor remontando justamente ao princípio do processo de publicação, momento
onde se inicia a condição para a produção de uma obra: o encontro entre originais/autores e
editores. No trecho que se segue, o autor procura responder à pergunta sobre quem produz o
valor de uma obra, levando em conta o conjunto de personagens engajadas no processo:
Quem será o verdadeiro produtor do valor da obra: o pintor ou o marchand, o escritor
ou o editor ou o diretor de teatro? A ideologia da criação, que transforma o autor em
princípio primeiro e último do valor da obra, dissimula que o comerciante de arte
68
(marchand de quadros, editor, etc.) é aquele que explora o trabalho do criador fazendo
comércio do sagrado e, inseparavelmente, aquele que, colocando-o no mercado, pela
exposição, publicação ou encenação, consagra o produto – caso contrário, este estaria
vetado a permanecer no estado de recurso natural – que ele soube descobrir e tanto
mais fortemente quanto ele mesmo é mais consagrado. O comerciante de arte não é
somente aquele que outorga à obra um valor comercial, colocando-a em relação com
um certo mercado, não é somente o representante, o empresário, que “defende, como
se diz, os autores que lhe agradam”. Mas, é aquele que pode proclamar o valor do
autor que defende (...) e, sobretudo, “empenhar, como se diz, seu prestígio” em seu
favor, atuando como “banqueiro simbólico” que oferece, como garantia, todo o capital
simbólico que acumulou (e, realmente, passível de ser perdido em caso de erro). Este
investimento, cujos investimentos “econômicos” correlatos não passam em si mesmos
de uma garantia, é o que leva o produtor a penetrar no ciclo da consagração. Penetra-
se na literatura não como se professa em uma ordem religiosa, mas como se penetra
em um clube seleto: o editor faz parte do número dos padrinhos prestigiosos (ao lado
dos autores de prefácios, críticos, etc.) que garantem os testemunhos obsequiosos de
reconhecimento. (BOURDIEU, 2006:22-23)
Na citação, o editor aparece como um “banqueiro simbólico”, que agencia de diversas
formas os investimentos – pecuniários e de prestígio – que solidificam o caminho de
consagração de um autor/obra, que carregam junto a sua própria consagração. Dessa forma se
pode dizer que um editor coleciona relacionamentos de valor prestigioso que permitirão
acontecer o sucesso do seu trabalho. Sucesso este medido pela duração de sua marca, difundida
e desejavelmente consagrada através de suas publicações, ou seja, do seu catálogo. Assim:
Sua autoridade é, por si só, um valor fiduciário só43 existente não só na relação com o
campo da produção em seu conjunto, ou seja, com os pintores ou escritores que fazem
parte de sua escuderia – “um editor, conforme dizia um deles, é seu catálogo” – e com
aqueles que estão fora e gostariam ou não de fazer parte dela, mas também na relação
com os outros marchands ou editores que manifestam mais ou menos claramente a
cobiça por seus autores e escritores, além de terem maior ou menor capacidade para
açambarcá-los, na relação com os críticos, que se fiam em maior ou menor grau em
seu julgamento, falam de seus produtos com maior ou menor respeito; na relação com
os clientes, que têm uma percepção mais ou menos nítida de sua marca e depositam
nele um maior ou menor grau de confiança (BOURDIEU, 2006:24)
Anibal Bragança, num artigo publicado em 2005, também reconhece o papel decisivo
do editor na veiculação deste ou daquele original, deste ou daquele autor. Nessa posição, o
editor e a convergência de relacionamentos e valores culturais e subjetivos que sua atividade
43 Ao ler-se a frase parece que houve um erro de redação quanto ao vocábulo “só” que não empresta muito sentido
à frase. A citação foi , entretanto, integralmente transcrita do original.
69
demanda, acaba por selecionar ideias transpostas em textos, que serão divulgados pela via
impressa e que receberão o título honorífico de “obra publicada”:
São os editores, enfim, que decidem que textos vão ser transformados em livros. E,
pensando em qual o público a que deve servir, como serão feitos esses livros. Mas
quando não é deles a iniciativa dos projetos, é deles que parte a direção a seguir. É
neste lugar de decisão e comando, e de criação, que está o coração do trabalho do
editor; a sua essência. É também esse lugar que exige dele saberes específicos, que o
diferenciam dos demais agentes envolvidos no processo editorial, e lhe impõe
responsabilidades únicas, profissionais, sociais, econômicas, financeiras,
administrativas e mesmo (juntamente com os autores) judiciais.
Funcionam, pois, os editores como um filtro no elo entre autor e leitor. Filtro que pode
ser uma barreira intransponível entre um escritor, com um manuscrito, e um autor, e
os leitores, mas que pode, também, ser a ponte entre um escritor inédito e um autor
consagrado e lido (BRAGANÇA:2005, 224).
Percebe-se que os autores aqui citados, embora com ênfases e focos diferentes, amparam
ambos o argumento de que o trabalho dos editores é efetivamente aquele de articulador e
veiculador de cultura, na medida em que suas publicações resultam de articulações que
envolvem posicionamentos sobre a veiculação (ou não) de formulações estéticas, políticas,
morais, filosóficas, históricas, sociais etc. sob a forma de textos impressos. Os editores – e todo
o conjunto de relacionamentos e posicionamentos que carregam com eles – são efetivamente
agentes culturais, seja como divulgadores ou promotores, seja como propositores de tendências.
No próximo capítulo, então, descreveremos práticas da editora que valorizaram a função
do editor no mercado e como tem sido possível conciliar a manutenção de seu perfil editorial
com os desafios de um mercado que abriga cada vez mais consumidores de livros de interesse
momentâneo, os quais, em geral, não correspondem aos títulos que a Zahar tem preferência por
publicar. Iniciaremos com uma breve apresentação do que foi publicado, sobretudo em
coleções, com a presença de Jorge Zahar, na fundação da Jorge Zahar Editor, em 1985.
Prosseguiremos com os registros das publicações entre os anos 2001 e 2014 e informações
obtidas com as entrevistas com Mariana Zahar e Ana Cristina Zahar. Assim será possível
observar as mudanças promovidas pelas gestões posteriores à de Jorge Zahar.
70
Capítulo 3 – A política editorial da Zahar
Mariana Zahar, ao ser consultada sobre a possibilidade de se obter da editora fontes de
pesquisa em conversa que tivemos em 13 de maio de 2015, prontamente se disponibilizou a
enviar ou falar sobre o que fosse necessário para o estudo. Solicitei, inicialmente, acesso aos
registros sobre as publicações realizadas desde o período de fundação da Jorge Zahar Editor,
em 1985, até o final de 2014. Foi frisado o desejo de se trabalhar com registros impressos e
digitalizados, já que havia poucos catálogos impressos que possibilitassem traçar a trajetória da
editora e comparar o que e como se publicava em 1985 com o que e como se publica atualmente.
Foram solicitadas informações que permitissem mostrar a formação do fundo editorial,
desenvolvido pela editora de 1985 a 2014.
Assim, os catálogos convertidos em planilhas, disponibilizados por Mariana Zahar, as
entrevistas realizadas com ela e Ana Cristina Zahar e o site serão as principais fontes deste
capítulo.
É oportuno neste momento lembrar Robert Darnton, historiador norte-americano,
estudioso da indústria editorial que estimula pesquisas que vão ao encontro da melhor
compreensão da função editor como mediador cultural através não somente das informações
que o próprio mercado possa divulgar, mas através de pesquisas em que os documentos
produzidos pelos editores possam ser fontes privilegiadas de pesquisa, como serão neste
trabalho.
[o] papel-chave dos editores está ficando mais claro, graças a artigos publicados (...)
e a monografias... (...) Mas a evolução do editor como figura distinta, em contraste
com o mestre livreiro e o gráfico, ainda carece de estudos sistemáticos. Os
historiadores mal começaram a explorar os documentos dos editores, embora sejam
as fontes mais ricas de todas para a história do livro (DARNTON, 2009: 209).
Sobre o uso dos catálogos para esta pesquisa, fazemos menção ao trabalho de Eliana de
Freitas Dutra, em artigo intitulado “Leitores de além-mar: a Editora Garnier e sua aventura
editorial no Brasil”, publicado em 2010. Para Dutra, catálogos, “ao perdurar no tempo, mostram-
nos o que seus editores propunham aos leitores de outrora”. (DUTRA, 2010: 67) E, dependendo
do uso que se faça, podem servir para contar uma história editorial e entender as relações que
sustentam os trabalhos dos editores, bem como o papel assumido por eles ao longo do tempo.
71
O que se lê em dado momento, os livros e gêneros escolhidos pelo editor como importantes e
“que segredos de organização guardam os catálogos” (Id.)
A exemplo de Dutra, em seu estudo sobre a Garnier, iniciaremos a observação pelos
catálogos da Jorge Zahar Editor. Faremos uma breve apresentação do primeiro ano para depois
nos atermos com maior atenção às políticas editoriais a partir dos anos 2000 que trouxeram
mudanças significativas, possibilitando a observação do o que e como publicar, tornando
possível a atualização do fundo editorial.
3.1. A Zahar em 1985
O catálogo de 1985 foi inaugurado com quatro coleções e contemplou doze “assuntos”,
de acordo com os registros sobre as publicações disponíveis nas planilhas atuais da editora.44
Ou seja, não foi possível saber ao certo os termos usados para classificar os livros em 1985. No
entanto, é certo que todos os títulos publicados se encontram nos arquivos disponibilizados pela
editora para esta pesquisa, fator que possibilitou a construção dos gráficos apresentados a
seguir. Entre outras coisas, esses gráficos permitem atestar a longevidade dos trabalhos
iniciados no primeiro ano da Jorge Zahar Editor.
As coleções que iniciaram o catálogo da Zahar em 1985 estão representadas a seguir,
em gráficos elaborados durante esta pesquisa, a partir da compilação dos dados que foram
disponibilizados pela editora em planilhas, conforme anteriormente mencionado.
44 Segundo entrevista com Mariana em 28 de maio de 2015, a adoção do termo “assuntos” para classificar os livros
em categorias decorreu de “um retorno de livreiros e leitores, que não entendiam muito bem o que queríamos dizer
por ‘áreas’”. (E. M.Z. 28/05/2015)
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Antropologia Social
Brasil: Os Anos de Autoritarismo
Campo Freudiano no Brasil
Cadernos Música Univ. Cambridge
Número de títulos pulicados
Coleções de 1985
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Em 1985, dos 32 títulos publicados, 24 faziam parte de coleções e os demais foram
sistematizados em categorias independentes, hoje nomeadas como “assuntos”.
3.1.1 - As coleções de 1985
Segundo Cristina Zahar, fundar coleções “era um padrão, uma forma de organizar o
catálogo. É fruto da mesma tradição da editora anterior. Mas cada coleção de 1985 teve um
peso diferente”. Iniciamos pela coleção que Cristina Zahar disse ser a mais importante nesse
reinício. (E.C.Z.07.07.15)
3.1.1.1 - Coleção “Brasil: Os anos de autoritarismo”
Segundo Cristina Zahar, “ela é fundamental para essa nova editora. A gente revia esse
processo brasileiro e se colocava dentro de um debate muito contemporâneo, foi uma coleção
fundadora dessa editora.” (E.C.Z.07.07.15) O motivo pelo qual ela não existe mais, segundo
Mariana Zahar, é que reuniu uma série de livros que eram datados; ou seja, fora daquele
contexto histórico, ela não despertou mais o interesse de leitores. (E.M.Z.30.06.15)
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Biografia
Ciências Sociais
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Filosofia
História
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Música
Política
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Número de títulos publicados
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"Assuntos" de 1985
73
Fomos encontrar alguns detalhes sobre seus títulos e sobre o que ela significou na
exposição virtual em homenagem a Jorge Zahar, ou seja, no site da editora. “Brasil: Os anos de
autoritarismo” aparece nessa exposição através da reprodução de um folheto da época que exibe
a lista dos títulos e respectivos autores que escreveram seus volumes.45
No folheto há uma citação: “Aqueles que esquecem o passado estão condenados a
repeti-lo”, de George Santayana, filósofo e poeta espanhol (1863-1952). A citação escolhida
remete, certamente, ao objetivo da coleção na época: publicar análises críticas sobre os efeitos
do autoritarismo na sociedade brasileira, de forma a auxiliar a divulgação de ideias e propostas
que viessem a contribuir para com o processo de redemocratização do país.
Na planilha disponibilizada para esta pesquisa, e que organiza o que há no sistema da editora
sobre esses títulos, existe uma sinopse que se repete para quase todos os títulos da coleção. Pela
45 Informação disponível em: http://issuu.com/jorgezahar/docs/nova_reb_blica; acesso em 15/5/2015.
74
forma de relato que remete ao passado percebe-se que a sinopse não constitui um texto de época.
Mas o fato de a coleção ser identificada como importante diz respeito ao olhar através do qual,
anos depois, a editora enxergava essa coleção. Por exemplo, a sinopse de O Brasil no mundo,
de Paulo Francis:
Esse volume é parte da importante coleção Brasil: Os Anos de Autoritarismo, lançada
nos anos iniciais da Zahar, logo após o término do ciclo autocrítico46. Sob
coordenação do sociólogo Edson Nunes, do jornalista Matinas Suzuki e do professor
Lincoln Gomes Penna, a coleção faz um balanço setorial dos cerca de vinte anos
decorridos desde o golpe militar de 1964, constituindo-se num guia de reflexão
democrática e uma súmula que permite o melhor conhecimento das grandes questões
nacionais.
Além de Paulo Francis, o livro47 contou com a colaboração de outros nomes de
expressão da nossa vida intelectual, como Florestan Fernandes, Maria da Conceição
Tavares e J. Carlos de Assis, Paul Singer, Gilberto Velho, Flora Sussekind, Ignacio
Rangel, Miranda Rosa, Carlos Minc e Yan Michalski.48
Como no folheto não estão todos os títulos publicados na coleção, abaixo segue uma
tabela49 com a totalidade deles, respectivas datas em que foram lançados e os assuntos que
diversificavam as formas de reflexão sobre o período de autoritarismo e abertura política.
Títulos Publicação Assuntos
O Brasil no mundo 01/08/1985 Política
Literatura e vida literária 01/08/1985 Letras
A Igreja e o autoritarismo 01/08/1985 Política
A militarização da sociedade 01/08/1985 Política
Economia: milagre e antimilagre 01/08/1985 Economia
A reconquista da terra 01/08/1985 Ciências Sociais
A política científica e tecnológica 01/08/1985 Política
O grande salto para o caos 01/08/1985 Economia
Justiça e autoritarismo 01/08/1985 História
Os despossuídos 01/08/1985 Ciências Sociais
Sociedade e política 01/08/1985 Política
A política nuclear 01/08/1985 Política
O teatro sob pressão 01/09/1985 Teatro
Televisão e vídeo 01/09/1985 Comunicação
A deformação da História 01/10/1985 História
46 Ao ler-se a sinopse, a palavra “autocrítico” parece ser resultado de um erro de digitação. Talvez em seu lugar
devesse estar “autocrático” ou “autoritário”. Entretanto, a sinopse foi integralmente transcrita do que se encontra
no arquivo disponibilizado pela editora. 47 O livro, e também a coleção. 48 Texto retirado do arquivo em excel com todos os títulos publicados e respectivas sinopses de 1985 a 2014. 49 A tabela resultou da compilação dos dados do mesmo arquivo da nota anterior.
75
O desafio do cinema 01/10/1985 Cinema
Ciência e Universidade 01/01/1986 Ciências Sociais
Carnaval: da redentora à praça do Apocalipse 01/01/1986 Ciências Sociais
Nova República? 01/01/1986 Política
Repartição da Renda 01/01/1986 Economia
Questão Urbana, A 01/03/1986 Ciências Sociais
Uma Nova Família? 01/02/1987 Psicanálise/Psicologia
Vale lembrar que, após os anos de autoritarismo, já sob a vigência da nova editora, o
slogan continuava sendo “A cultura a serviço do progresso social”. De acordo com Cristina
Zahar, em escrito sobre seu pai, esse slogan fundamentava “os princípios norteadores de sua
linha editorial”50.
3.1.1.2 - Coleção Antropologia Social
Segundo Mariana Zahar, a coleção “Antropologia Social” não deixava de ser uma
continuidade dos trabalhos que Jorge Zahar desenvolveu na editora anterior, onde a coleção
“Biblioteca de Ciências Sociais” havia sido dirigida por Gilberto Velho. Na Jorge Zahar Editor,
a direção da área de estudo se manteve com Gilberto Velho até o seu falecimento.
(E.M.Z.30.06.15). Hoje, a coleção, que ainda existe, é dirigida por Karina Kuschnir, doutora
em antropologia pelo Museu Nacional/UFRJ em 1998, tendo sido orientada por Gilberto Velho.
50 Informação disponível em: http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/JZ_por_Cristina.pdf; acesso em
15/5/2015.
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Antropologia Social
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“Antropologia Social” é uma coleção antiga e que se mantém ativa, renovando com
novos textos o público e os interesses. O gráfico anterior ilustra a continuidade da coleção com
o lançamento de novos livros ao longo dos anos.
Foi coordenada durante muitos anos por Gilberto Velho, autor da casa editorial. No site
na editora há uma página para celebrar a memória do antropólogo falecido recentemente: “É
tanto um somatório de homenagens a nosso querido autor, colaborador e amigo, quanto uma
maneira de ecoar sua vida – e repercutir suas lições, sobretudo para jovens cientistas sociais.”51
3.1.1.3 - Campo Freudiano no Brasil
Segundo Mariana Zahar, a coleção “Campo Freudiano no Brasil” também foi uma
continuidade dos trabalhos anteriores de Jorge Zahar, que já tinha começado a publicar Lacan
no Brasil e entendia que havia um mercado de psicanálise para crescer e manter.
(E.M.Z.30.05.15) Para Cristina Zahar,
Ela já existia provavelmente com esse nome. Mas certamente foi uma continuidade,
porque já publicávamos Lacan. Alguns autores que já publicavam antes com a editora
se comprometeram a, assim que terminassem os livros na Guanabara, que eles
voltariam para onde estivesse Jorge Zahar. Um desses autores foi Garcia-Roza.
(E.C.Z.7.7.15)
51 Informação disponível em: http://www.zahar.com.br/gilberto-velho, acesso em: 15/5/2015.
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3.1.1.4 - Coleção Cadernos de Música da Universidade de Cambridge
Essa é uma pequena, mas longeva coleção, formada por apenas 7 títulos: os seis
primeiros são de autoria de Roy Bennett - Instrumentos da orquestra, Forma e estrutura na
música, Uma breve história da música, Instrumentos de teclado, Como ler uma partitura,
Elementos básicos da música e Aprendendo a compor, de John Howard. Desses títulos, apenas
o Instrumentos de teclado encontra-se fora de catálogo. Roy Bennett foi um compositor norte-
americano que teve músicas gravadas por Elvis Presley e John Howard, compositor e pianista
britânico.
Segundo Cristina Zahar, “é uma coleção sem muita importância. São poucos os títulos
comprados, e não há um diretor brasileiro para ela. Ela é importante porque vive até hoje”.
(E.C.Z.07.07.15)
O gráfico que segue revela a continuidade das coleções que fundaram a editora. Das
quatro coleções, apenas uma não está mais ativa, a “Brasil: Os anos de autoritarismo”. E a
“Cadernos de música da Universidade de Cambridge”, apesar dos poucos títulos publicados,
com seu último título lançado em 1991, é mantida em catálogo quase integralmente.
Vale lembrar algumas informações sobre as quatro coleções. “Brasil: Os anos de
autoritarismo”, segundo Mariana Zahar, era uma coleção datada, o que significa que, com o
passar dos anos, ela foi perdendo o interesse e então não fazia sentido mantê-la
(E.M.Z.28.05.15). As coleções que se mantêm ativas e com renovação de títulos, “Campo
Freudiano no Brasil” e “Antropologia Social”, são coleções que têm diretores brasileiros; já
“Cadernos de Música da Universidade de Cambridge” foi uma coleção comprada pronta,
importada, sem direção brasileira.
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Cadernos de Música da Universidade de Cambridge
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Sobre a continuidade das áreas de estudo, hoje chamadas de assuntos, não foi possível
gerar gráficos, porque ao longo dos anos a forma de classificar os livros mudou muitas vezes
para adequar os títulos a novas categorias de classificação.
3.2. Gestão continuada com coleções – “Uma forma de olhar para trás”
A ideia de até aqui discorrer sobre o ano de 1985 é mostrar uma característica marcante
da editora: a gestão voltada para a formação e a consolidação do fundo editorial, tendo as
coleções como estratégia de organização de títulos e públicos. Para Mariana, a importância de
publicar em coleções está ainda em poder olhar para trás, ou seja, “aprender com o que você já
publicou, com o que você já tem alguma experiência”. (E.M.Z.30.06.15) A experiência de que
fala Mariana é com o público-alvo das coleções, sobre o qual já se tem algum conhecimento do
que gostam e de seus diretores, que são os responsáveis pela organização de textos compatíveis
com o trabalho que lhes foi confiado. Aos diretores de coleções cabe organizar e selecionar,
mas quem decide sobre o que será ou não efetivamente publicado é o conselho editorial.
Pesquisadores que investigaram o mercado editorial têm observado que as coleções
constituem uma relevante forma de gerir o catálogo, estabelecendo uma identidade para a
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Coleções 1985 - continuidades e descontinuidades
Antropologia Social Brasil: Os Anos de Autoritarismo
Campo Freudiano no Brasil Cadernos Música Univ. Cambridge
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editora. Maria Rita de Almeida Toledo, no artigo “A Companhia Editora Nacional e a política
de editar coleções: entre a formação do leitor e o mercado de livros”, publicado em 2010,
destaca a importância das coleções como estratégia de gestão de catálogo, discutindo o uso das
mesmas nos projetos editoriais da Companhia Editora Nacional, que se assemelhavam ao uso
que delas se faz na Zahar.
As coleções de livros são compreendidas como modalidade específica de impresso,
que carrega em sua materialidade dupla estratégia de intervenção editorial, que, por
meio da reorganização dos textos, objetiva a ampliação do mercado do livro; a
intervenção do campo da cultura, que é fruto da seleção e adaptação do conjunto de
textos e autores, assim como a prescrição de seus usos em um programa para a
formação do leitor destinatário da coleção (TOLEDO, 2010 139-140).
A autora menciona a organização de títulos como uma questão fundamental, frisando a
importância de organizá-los como “heranças das estratégias usadas na fase anterior” e, ainda,
como forma de organizar “fatias de mercado às quais estava destinado”, já que, segundo a
autora, as coleções eram fundadas com vistas a um público específico, para o qual fazia sentido
produzir títulos de forma que as “fatias de mercado” pudessem ampliar o público leitor de
acordo com os diversos interesses contemplados pelas diversas coleções e as diferentes
“competências de leitura”.
Por fim, como uma das principais características das coleções, Toledo menciona o fato
de elas terem uma coordenação própria, um diretor, como um parceiro do editor. É a ele que se
confia a adequação dos textos ao público que se deseja atingir; a renovação em títulos que
atualizam a coleção para seu público, e a necessária “homogeneização dos textos” como forma
de adequar as publicações aos usos. Cabe também aos diretores a parceria com a editora para a
difusão dos títulos pertencentes às suas coleções.
Dutra afirma que, assim, para a Companhia Editora Nacional, as coleções tinham grande
relevância ao permitirem “a homogeneização dos textos, a especialização no segmento de
leitores e a constante reordenação dos títulos de acordo com os espaços de expansão no
mercado” (DUTRA, 2010: 143).
Nesse sentido, vale uma reflexão sobre as informações que os catálogos da Jorge Zahar
Editor trazem a respeito das coleções, desde a fundação da editora, em 1985. O gráfico a seguir
80
demonstra a continuidade de algumas coleções e a fundação de novas com as respectivas
quantidades de títulos publicados.
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Antropologia SocialBrasil: Os Anos de Autoritarismo
Campo Freudiano no BrasilCadernos Música Univ. Cambridge
Cultura ContemporâneaTransmissão da Psicanálise
Creme do CrimeCivilizações Pré-Colombianas
Erudição & PrazerJubileu
Vidas LiteráriasTragédia Grega
Biblioteca de FilosofiaLetras
Ciência e CulturaMemória das CidadesDicionários de Filósofos
CompêndiosComédia Grega
Brevíssima IntroduçãoGuias de CD
Filósofos em 90 minutosCientistas em 90 minutos
Textos BásicosDescobrindo o Brasil
InterfaceClássicos Zahar
Revista de Filosofia PolíticaPasso-a-Passo Filosofia
Guia de AtividadesEstéticas
Passo-a-Passo Ciências SociaisPasso-a-Passo Psicanálise
Memória GloboSérie Manifesto
Cahiers du CinemaNova Biblioteca de Ciências Sociais
Campo Freudiano no Brasil - Série Paradoxos…Ciência da Vida Comum
Arte +Guia Ilustrado Zahar
Livros Que Mudaram o MundoSérie Revoluções
Escritores em 90 minutosVida em família
Freud e seus InterlocutoresExpresso Zahar
Total de títulos publicados em coleções entre 1985 e 2014
81
3.3. Continuidades e descontinuidades nas coleções
É possível observar então que, de 1985 até 2014, foram fundadas 47 coleções. Destas,
apenas 16 foram desativadas: “Brasil: Os Anos de Autoritarismo”, (lançada em 1/08/1985)
“Creme do Crime (lançada em 1/11/1987), “Erudição & Prazer” (lançada em 1/04/1988),
“Jubileu” (lançada em 1/10/1988), “Vidas Literárias” (lançada em 1/08/1989), “Biblioteca de
Filosofia” (lançada em 1/08/1990), “Memória das Cidades” (lançada em 1/10/1992),
“Compêndios” (lançada em 1/12/1995), “Brevíssima Introdução” (lançada em 1/06/1998),
“Guias de CD” (lançada em 1/11/1997), “Interface” (lançada em 1/11/2001), “Revista de
Filosofia Política” (lançada em 22/06/2001), “Série Manifesto” (lançada em 24/08/2006),
“Cahiers du Cinema” (lançada em 18/10/2005), “Série Revoluções” (lançada em 12/05/2008),
“Escritores em 90 minutos” (lançada em 1/07/2009).
Segundo Mariana, em geral as coleções que acabaram – menos da metade - eram
datadas, ou seja, feitas para um momento muito específico como foi o caso da “Brasil: Os anos
de autoritarismo”, ou foram perdendo o interesse do público, ou seja, não havia compras dos
títulos que sustentassem minimamente a continuidade do trabalho. (E.M.Z.28.05.15)
Então Mariana prosseguiu sua explicação enumerando algumas dificuldades em manter
coleções. Nesse momento, ela chamou atenção para o fato de estar refletindo sobre o tipo de
coleção que “já viveu, teve seu ápice e agora está na vida média”.
1) A manutenção de todos os títulos – acontece de algumas coleções serem compostas
por um ou dois títulos que vendem bem e os outros, não. Mas todos os títulos são
mantidos em catálogo “porque é necessário respeitar o leitor que se torna
colecionador”.
2) “Conciliar as ideias sensacionais dos parceiros” (diretores de coleções) com o que é
realmente factível financeiramente.
3) Manter coleções é a mesma coisa que manter o fundo editorial e, com isso, os
problemas se repetem: faltam livrarias que se interessem pelos títulos porque faltam
livreiros que selecionem o acervo conhecendo os fundos editoriais disponíveis. Mais
adiante retomaremos essa questão, quando falarmos especificamente sobre a gestão
de fundos editoriais.
82
A solução para não ter que manter títulos que não vendem porque outros a ele se
relacionam, por causa da existência da coleção, é publicar em categorias avulsas, em
“assuntos”. É uma forma de ter mais flexibilidade com cada título.
Quando perguntada se fundar uma coleção no passado era diferente de fundar uma
coleção agora, Mariana respondeu que não muito, porque a forma de lidar com as coleções se
mantém: algumas são compradas prontas e traduzidas para publicar e outras são produzidas no
Brasil. As mudanças não estão exatamente na forma de gerir coleções, mas nas condições do
mercado.
Das coleções que se mantêm na editora, Mariana informa quais são brasileiras e que têm
diretores próprios: “Antropologia Social”, dirigida por Karina Kuschnir; “Arte +”, por Gloria
Ferreira; “Campo Freudiano no Brasil”, por Angelina Harari; “Clássicos Zahar”, por Rodrigo
Lacerda; “Descobrindo o Brasil”, “Nova Biblioteca de Ciências Sociais” e “Passo-a-Passo
Ciências Sociais, todas por Celso Castro; “Estéticas”, por Roberto Machado; “Passo-a-Passo
Filosofia”, por Denis Rosenfield; “Passo-a-Passo Psicanálise” e “Transmissão da Psicanálise”,
ambas por Marco Antonio Coutinho Jorge. (E.M.Z.30.06.15)
As coleções compradas prontas do exterior52 são: “Cadernos de Música da Universidade
de Cambridge”, “Campo Freudiano – Série Paradoxos”, “Cientistas 90 Minutos”, “Civilizações
Pré-Colombianas”, “Dicionários de Filósofos”, “Filósofos 90 Minutos”, “Guia de Atividades”,
“Guia Ilustrado Zahar” e “Livros que Mudaram o Mundo”. (E.M.Z.30.06.15)
As demais coleções que existem no catálogo atualmente são coordenadas pela própria
direção da editora. São elas: “Ciência e Cultura”, “Comédia Grega”, “Expresso Zahar”,
“Letras”, “Memória Globo”, “Textos Básicos” e “Vida em Família”. (E.M.Z.30.06.15)
Perguntada sobre o que suspenderia uma coleção no passado e que poderia suspender
uma coleção hoje, Mariana disse que seriam os mesmos motivos que tiraram algumas coleções
do catálogo da editora: não despertar mais interesse como coleção, seja porque todos os títulos
deixam de vender, seja porque não há compensação de poucos para a manutenção dos demais
que existam, seja ainda porque a editora não consegue se entender com um diretor de coleção.
“E às vezes, não suspende, só muda a cara, porque cara velha tem que ser mudada, para não
ficar datada a coleção.” Foi o caso da coleção “Transmissão da Psicanálise”, que se mantém em
catálogo, mas com capas renovadas.
Vamos iniciar as observações que os catálogos de 2001 a 2014 nos possibilitaram para
entendermos as mudanças mais relevantes para a atual direção da Zahar, que, em alguns casos,
52 Sobre as aquisições feitas no exterior, falaremos mais à frente.
83
puderam ser ilustradas por gráficos. Todos os gráficos deste capítulo foram gerados após a
compilação dos dados disponibilizados para a pesquisa, obtidos nos arquivos em excel,
convertidos em novas planilhas para visualização que facilitasse comparações e análises.
3.4. Transformações nos anos 2000
Agora, nos concentrando sobre os anos 2000, mais especificamente sobre o intervalo
entre os anos 2001 e 2014, tomamos como referência a tese de doutorado de Marília Barcellos,
O sistema literário atual: pequenas e médias editoras, defendida em 2006, na PUC Rio.
Segundo Barcellos (2006:317), “[a] partir dos anos 1990 se percebe maior inserção de grandes
conglomerados no mercado editorial brasileiro, em especial os advindos da Espanha”. Mas a
virada do século é destacada pela pesquisadora da seguinte maneira:
O século XXI evidencia fortes mudanças nas práticas do mercado do livro. No Brasil,
o período é marcado pelo fortalecimento de grandes redes livreiras, pela presença de
alguns poderosos grupos editoriais, inclusive estrangeiros, e pelo surgimento contínuo
de pequenas e médias editoras. Estas enfrentam desafios e procuram se situar no
ambiente competitivo, cada qual ao seu modo, com o escopo de ocupar um lugar em
que possam se manter e desenvolver. (BARCELLOS, 2010: 317)
Barcellos chama atenção para reações das pequenas e médias editoras às pressões que o
mercado vem sofrendo. Em sua tese de doutorado, a autora diz que durante o período
investigado foi possível observar:
A pressão cavalar de giro de lançamentos que chegam ao mercado é desproporcional
em relação à saída do produto das prateleiras; tal fato ocasiona o acúmulo de estoque
e a demanda de estratégias alternativas para a solução desse problema. (...)
[A] ação de investimento estrangeiro em editoras brasileiras e de conglomerados de
grandes casas editoriais na conquista de outras menores, a chamada pré-concentração.
O governo atua na distribuição de livros através de programas do livro e da leitura,
realiza ações de isenções de impostos para beneficiar as editoras, e é o maior
consumidor da produção nacional de livros didáticos (...) Percebe-se, outrossim, o
aumento de grandes redes de livrarias em todo o país; as políticas administrativas de
rotatividade de estoque, seja por consignação, seja por devolução de livros, resultam
em uma complexa rede de relações em que o grande editor tem o poder de negociar
seu espaço nessas lojas de forma desigual, sobretudo no que diz respeito aos descontos
entre livrarias e editora.
84
Em contrapartida, há de se lembrar que o cenário editorial brasileiro é constituído por
um acervo atualizado de forma escasso, em bibliotecas escolares e universitárias, tanto
as das instituições públicas como as das privadas. É bem verdade que algumas ações
governamentais vêm sendo realizadas no sentido de minorar as dificuldades existentes
de acesso ao livro; no entanto, a falta de obras de qualidade nas bibliotecas brasileiras
é tamanha, que requer um investimento considerável para sanar ou mesmo equalizar
esse problema de deficiência de livros em instituições públicas. Nas instituições
particulares, a situação não é muito diferente, pois ali também a verba para aquisição
de livros não constitui prioridade, o que indica falta de nomear valor simbólico para
o produto e um traço característico da cultura brasileira. (BARCELLOS, 2008:25-26)
Considerando as observações de Barcellos (2008) e tendo como fonte as planilhas da
Zahar, começaremos a observar a produção da editora a partir de 2001 e as reações da editora.
Cabe ressaltar que os gráficos a seguir foram resultado dos registros sobre todos os títulos
publicados pela editora que, sistematizados em planilhas de excel, puderam ser convertidos na
visualização em gráficos, com o objetivo de facilitar as observações feitas sobre as informações
que se pretende a cada momento ilustrar.
Nestes períodos, alguns se destacam:
2001 – Ano dedicado predominantemente às reimpressões e reedições, manutenção e renovação
do fundo editorial.
2004 – Publicação do Jornal Nacional53. Entre lançamentos e reimpressões, dentro do mesmo
ano foram feitos 103.983 exemplares deste livro; no ano seguinte, mais 10.012 unidades.
Atualmente, em promoção, está disponível para venda de R$ 54,90 por R$ 9,90.
53 Informação disponível em:
https://zahar.paginaviva.com.br/hotsite/?id_loja=6800&grupoid=159&produtonome=&produtoisbn=&produtopr
ecomin=produtoprecomin&produtoprecomax=&produtoprecopromomin=&produtoprecopromomax=&ordem=la
ncamento&paginaAtual=56&qtdporpagina=55 em 26/03/2015
190170
155
189
159 161
121
220
170
226201 209
266237
0
50
100
150
200
250
300
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Total de títulos publicados por ano
85
2008 - Vendas para o Programa Nacional Biblioteca da Escola para o Ensino Médio (PNBEM)
2010 –Alice bolso luxo – 1ª impressão em 28/1/2010 = 7.004 exemplares. O filme Alice no país
das maravilhas de Tim Burton foi lançado em 23 de abril de 2010 alavancando as vendas
consideravelmente. Do lançamento até 10 de novembro de 2014 foram 19 reimpressões,
totalizando 166.540 exemplares impressos. A seguir um quadro com detalhes das tiragens e
respectivas datas.
2013 – Início da Coleção Expresso Zahar.
A gestão voltada para a formação e a consolidação do fundo editorial pode ser expressa pelo
gráfico que segue.
Somando a quantidade de exemplares produzidos – lançamentos e reimpressões –, o
gráfico resultante demonstra que o fundo editorial é quem responde sempre pela maior
quantidade de exemplares impressos, o que significa que os títulos que compõem o fundo
editorial estão sendo renovados. É importante observar também a quantidade de títulos que ano
a ano deixaram de fazer parte do catálogo.
No gráfico a seguir, está expresso o volume da produção em tiragens. Como a
quantidade de títulos reimpressos é em geral maior que a quantidade de lançamentos, apesar
das tiragens dos lançamentos ser em geral maior, ao se comparar a quantidade de exemplares
de lançamentos e de fundo editorial renovados, com reimpressões ou reedições, as tiragens do
fundo editorial em geral superam em número as tiragens dos lançamentos.
4663 65 66 69 68 67 65 59 56 58
4962 59
144
10790
123
90 93
54
155
111
170
143160
204
178
22 2212 16 17 19 13 7 11
2 0 0 0 00
50
100
150
200
250
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Quan
tid
ade
de
títu
los
Lançamentos, reimpressões e livros retirados do catálogo de 2001 a 2014
Lançamentos Reimpressões Fora de catálogo
86
3.5. Fundo editorial: clássicos enfrentando desafios
No encontro realizado em 20 de maio de 2014, Mariana Zahar comentou que a editora
se orgulha pelo fato de o fundo editorial ser longevo e variado, mas que isso tem sido um
trabalho difícil. Em novo encontro, realizado em 28 de maio de 2015, ela explicou que
reimprimir em pequenas quantidades fica caro – ou para o editor ou para o leitor. Então, num
momento de crise como agora, para não repassar aos leitores o custo das pequenas quantidades
de reimpressões, “é preciso segurar um pouco as reimpressões porque não dá para colocar o
dinheiro na frente com uma previsão de retorno que pode não fechar as contas. Você tem que
ir criando estratégias”.
Outra dificuldade têm sido as consignações.54 “As livrarias não pegam o fundo editorial.
É tanta novidade que as livrarias não têm espaço.” E ressalta ainda mais um problema: “as
livrarias não têm quem faça as seleções”. Da mesma forma que se percebe uma crise no
mercado editorial que aflige os editores, cada um ao seu modo, a crise também tem afetado
livrarias. Livrarias independentes, que não fazem parte de redes, estão pouco a pouco fechando,
inclusive as antigas, como a Leonardo Da Vinci, que anunciou fechamento recentemente na
mídia, fato que foi comentado por Mariana no encontro realizado em 28 de maio. As grandes
54 Consignação é um tipo de venda no qual o risco é do editor que disponibiliza para o ponto de venda (livraria
ou loja de departamentos) uma determinada quantidade de livros com margem previamente definida, e cujo acerto
se realiza em data acordada. Em geral os títulos vendidos são informados à editora a cada trinta dias e um prazo
de trinta dias é concedido pela editora ao vendedor para o pagamento do valor total dos livros efetivamente
vendidos pelo ponto de venda.
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Tiragem de lançamentos Tiragem de reimpressões
87
livrarias têm grande rotatividade de funcionários e raramente esses funcionários se identificam
com o ofício de livreiros.
A solução vislumbrada para o fundo editorial é vista com otimismo por Mariana com o
“mundo digital”. Ela explica: “esse tipo de livro que vende 300 ou 500 exemplares por ano só
vai existir na versão digital, mas vai existir. Você multiplica sua capacidade de venda. Livros
que vendiam 100 por ano agora vendem, no digital, em e-book, via Amazon e outros parceiros”.
(E.M.Z.28.05.15)
Ainda segundo Mariana, livros de fundo editorial não são livros que competem com
outros que têm venda por impulso. São livros que têm um público especializado. Para essa parte
do catálogo da Zahar, a versão digital é uma solução. O caos de informação e de excesso de
obras na internet não são vistos como problemas por Mariana. Nesse sentido, podemos dizer
que sua opinião se aproxima da de Epstein:
A capacidade crítica que separa o significado do caos parte de nossa bagagem
instintiva, assim como também o é o dom de criar e recriar as civilizações e suas regras
sem a orientação externa. Os seres humanos possuem o talento de encontrar seus
próprios caminhos, de criar bens, de montar mercados ordenados, de distinguir
qualidade e de atribuir valor. Pode-se considerar esta necessidade garantida. Não
existe motivo para temer que a espantosa diversidade da Web venha a esmagá-la. Na
verdade, a diversidade da rede ampliará os poderes dessa capacidade, pelo menos é o
que a nossa experiência de humanidade permite que esperemos. (EPSTEIN:2002,
157)
No momento, a importância do fundo editorial em termos financeiros é de 70 a 80%,
dependendo do ano. (E.M.Z.30.06.15). Então, considerando a relevância desses títulos, coube
a pergunta de quando um título passa a compor o fundo editorial da Zahar, ao que Mariana
respondeu: “depois dos 24 primeiros meses de vida do livro é que se sabe disso em geral. Se
ele continuar vendendo um quarto do que ele vendeu nos doze primeiros meses ele
provavelmente vai compor o fundo editorial da Zahar, depois do terceiro, quarto ano no
catálogo da editora.” (E.M.Z.30.06.15)
Isso faz lembrar o que diz Thompson, ao ressaltar as virtudes de um fundo editorial
(para ele, backlist):
88
São várias as virtudes da backlist: a receita é relativamente previsível e estável de um
ano para o outro, os principais custos de investimento já foram feitos e quaisquer
adiantamentos que não foram compensados com as vendas geralmente já foram
contabilizados como perda na época em que um livro se torna um título da backlist;
(...) os gastos com marketing e os custos com a divulgação são mínimos; e as
devoluções, em geral, são de pequena escala. Com os títulos da backlist, a editora está
simplesmente reimprimindo livros para satisfazer a demanda atual, e os únicos custos
em que ela incorre são os de reimpressão, estocagem e distribuição, além dos
pagamentos de royalties ao autor (e no caso de livros que não possuem mais direitos
autorais, nem mesmo o último item). (...). Na área editorial, é o que existe de mais
próximo da impressão do seu próprio dinheiro. (THOMPSON, 2011:238)
Quando foi colocada a questão sobre o que determina que um título deixe de fazer parte
do fundo editorial, Mariana disse: “é a parte que o digital resolve”. O livro digital resolve o
problema da chegada do livro ao leitor e da perda de títulos no catálogo. Quanto a quando
decidem, então, tirar um título de catálogo, Mariana informou que “a linha de corte já foi 100,
hoje fica entre 300 ou 500 exemplares por ano” (E.M.Z.28.05.15).
Considerando a importância do fundo editorial para a Zahar, expressa em números, e os
inevitáveis problemas de distribuição nacional do livro, fica a questão de como a editora tem
feito para divulgar o fundo editorial atualmente. Mariana disse que as mídias sociais têm sido
bastante usadas. Mas, segundo ela, “não se sabe muito o que fazer... Não há como pagar por
espaços em livrarias. Trabalhar por assuntos, áreas, ajuda a trabalhar o fundo editorial. Um
lançamento acaba puxando pelos outros que já existem na editora” (E.M.Z.28.05.2015).
Mariana observou ainda: “O problema é que a resistência nos pontos de venda tem
dificultado muito” (E.M.Z.28.05.2015). Essa questão é abordada por Epstein, em seu livro O
negócio do livro:
A predominância das redes de livrarias dependentes de um fornecimento regular de
best sellers e a consequente descentralização das outrora orgulhosas casas editoriais
em unidades de corporações impessoais não são obras de pessoas sem consideração
ou de forças malignas, e decerto nem dos erroneamente alegados efeitos da cultura
dos subúrbios, mas sim de condições de mercado moralmente neutras – em especial
da ocupação de alto custo dos estabelecimento de shoppings -, que exigem alta
rotatividade de produtos indiferenciados, taxas de giro incompatíveis com a longa,
lenta e com frequência errática vida dos livros importantes. (EPSTEIN, 2002:38-39)
Então, inevitavelmente, acúmulos no estoque acontecem. Para baixar estoques
promoções são um recurso. A promoção que está no site atualmente é de parte do fundo editorial
que está com excesso em estoque. Mariana demarca que a ação promocional não é aplicável a
todo o catálogo, mas apenas aos títulos que realmente têm estoque a ser reduzido.
89
Por fim, analisando os catálogos impressos da Zahar, foi possível observar que há
efetivamente uma diminuição do trabalho de representação e distribuição, concentrado nas
regiões sudeste e sul. Segundo Mariana, os representantes eram formadores de opinião que
tornavam o contato da editora com as livrarias mais pessoal, mas a diminuição e a concentração
das áreas de trabalho foi resultado da dificuldade que se teve e tem de contar com profissionais
qualificados fora do eixo Rio-São Paulo e, ainda, pelo custo de manutenção do trabalho, que
acaba sendo caro para atender, enfim, grandes redes que não têm interesse por títulos de fundo
editorial.
Mas as políticas editoriais não são efetivadas a partir de fórmulas prontas e imutáveis.
Elas são contextualizadas e adaptáveis às necessidades e circunstâncias de cada momento. Por
isso vale a pena a tentativa de comparação entre estratégias do passado e as do presente,
avaliando a configuração de eventualidades e conjunturas que foram moldando escolhas e
propostas, e transformando as políticas editoriais.
3.5.1. Novos públicos e novas estratégias
Mariana Zahar destacou, no encontro de 20 de maio de 2014, um dos princípios da
editora, herança do avô: “o editor precisa ser sensível ao fenômeno cultural. ” Ao escrever uma
apresentação sobre Jorge Zahar, Cristina Zahar55 reforça: “Meu pai sempre dizia que o editor
tem que ter ‘sensibilidade ao fenômeno cultural’. E que isso está refletido nos títulos e autores
que escolheu publicar.”
Observando a recorrência desse princípio nas falas de Cristina e Mariana Zahar,
perguntei o que significava exatamente o “fenômeno cultural” e como seria possível ter
sensibilidade a ele. Mariana citou um exemplo quando falávamos do início dos anos 2000:
“Harry Potter e esse público novo lendo. Uma geração mais jovem que gosta de ler e que gosta
do livro como objeto. E aí você pega um público mais amplo, que não é só jovem, de 12 a 80”.
Quando perguntada sobre como fazem para ter sensibilidade ao fenômeno cultural,
Mariana respondeu: “é preciso estar interessado no que as pessoas querem saber. Você tenta
55 Conteúdo disponível em: http://zahar2.tempsite.ws/oestudio/FINAL/JZ_por_Cristina.pdf, acesso em
15/05/2015.
90
escutar. Tem hora que a gente ouve ou às vezes a gente acha que está ouvindo uma coisa e é
outra. Mas faz parte do processo. É muito diferente de você só publicar o que você gosta.”
Como Mariana identifica a série Harry Potter ao momento de um fenômeno cultural
marcante pelo público que despertou, vamos falar um pouco sobre ela. A série é composta por
sete livros, traduzidos para 69 idiomas, e se tornou um marco na história editorial mundial.
Silvia H. S. Borelli, doutora em ciências sociais pela PUC/SP, em 1995, autora da tese Ação,
suspense, emoção: uma antropologia das culturas contemporâneas, e do artigo “Campo editorial
e mercado: A série Harry Potter” (BORELLI, 2010: 381-398), discorre sobre a série no Brasil.
A série chegou ao Brasil em 2000, quando três dos títulos já tinham sido lançados na
Inglaterra: Harry Potter e a pedra filosofal, Harry Potter e a câmara secreta e Harry Potter e
o prisioneiro de Azkaban. Então, a editora Rocco, com os direitos de propriedade sobre a obra
para a publicação no Brasil, em um ano, lançou os três títulos. O quarto livro, Harry Potter e o
cálice de fogo, foi lançado no Brasil pouco depois da versão britânica. O quinto, Harry Potter
e a ordem de Fênix, já foi lançado ao mesmo tempo no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos,
no Canadá e na Austrália, e o sexto e o sétimo, respectivamente, Harry Potter e o enigma do
príncipe e Harry Potter e as relíquias da morte, lançados em inglês em julho de 2005 e 2007,
foram publicados no Brasil no final dos mesmos anos.
O que podia ter sido apenas um prognóstico tornou-se uma tendência confirmada: a
cada novo volume editado, aumentaram os índices de produção e os leitores se
multiplicaram em ordem geométrica, transformando Harry Potter em um típico
produto culturalmente mundializado; e a série ocupou – e ocupa até hoje – um lugar
significativo no mercado de bens simbólicos e provocou, durante todos esses anos,
reações positivas ou negativas, sempre acaloradas, por parte dos agentes dos campos
literário e editorial. (BORELLI, 2010: 382-383)
O que mais chama atenção na série, para a presente pesquisa, é o público que ela atinge,
conforme é relatado pela autora (BORELLI, 2007). Um fenômeno editorial que destacou um
público numeroso, ainda pouco explorado, e que não viu na quantidade de páginas um impasse
para a leitura, por falta de tempo, por exemplo. Para melhor noção do quão relevante é a
quantidade de páginas de cada um dos volumes da coleção, vamos aos números: Harry Potter
e a pedra filosofal (263), Harry Potter e a câmara secreta (252), Harry Potter e o prisioneiro
de Azkaban (320), Harry Potter e o cálice de fogo (536), Harry Potter e a ordem de Fênix
(704), Harry Potter e o enigma do príncipe (472) e Harry Potter e as relíquias da morte (552).
91
Um novo olhar sobre o mercado editorial percebe nos jovens leitores um novo,
volumoso e inveterado público. E, no caso específico de Harry Potter, uma característica
movimentou inquietações inclusive acadêmicas: a capacidade da série em perpassar diferentes
segmentos de leitores em gênero, geração, etnia e classes sociais. Aos editores, coube a
oportunidade de, assistindo ao sucesso, amadurecer projetos já existentes ou criar novos.
É oportuno lembrar que foi apenas no recomeço da editora, em 1985, que a Zahar
começara a publicar ficção, gênero que não fizera parte dos seus catálogos até então. A coleção
inaugural nesse nicho foi a “Creme do Crime”, iniciada em 1987. Novos investimentos são
feitos nessa área, em termos de novas coleções: em 2001, “Clássicos Zahar” e 2013, “Expresso
Zahar” e, também, num selo de 2003, “Pequena Zahar”.
Sobre a retirada de catálogo da coleção “Creme do Crime”, Mariana informou que até
o ano de 2000 havia, nessa coleção, cinco títulos publicados e mais três até 2004. Teria sido
uma tentativa de Jorge Zahar diversificar o catálogo, mas não teve continuidade porque não
vendeu a ponto de equilibrar minimamente custos e benefícios (E.M.Z.28.05.15).
3.5.2. Novas Coleções
3.5.2.1. Clássicos Zahar
Em 2001, o que viria a ser o primeiro título da coleção “Clássicos Zahar” foi publicado:
Alice: edição comentada e ilustrada, de Lewis Carroll. Era o início de um trabalho voltado para
ficção com textos clássicos e um projeto editorial novo. A escolha do título para iniciar, segundo
Mariana Zahar, foi intuitiva: “Eu sempre fui alicemaníaca”. (E.M.Z.28.05.15)
De 2001 até 2010 foram publicados nove títulos, todos na versão comentada e ilustrada:
Alice, de Lewis Carroll; Contos de fadas, de variados autores (Aleksandr Afanasev, Hans
Christian Andersen, Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, Wilhelm Grimm, Jacob Grimm,
Joseph Jacobs, Charles Perrault, Peter Christen Asbjørnsen e Jørgen Moe); As aventuras de
Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, e, deste autor, mais quatro títulos: As memórias de
Sherlock Holmes, A volta de Sherlock Holmes, Histórias de Sherlock Holmes e O último adeus
92
de Sherlock Holmes. Além desses: O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e Um estudo
em vermelho, de Arthur Conan Doyle & Leslie S. Klinger.
Até o título O último adeus de Sherlock Holmes, todos os livros faziam parte de uma
coleção que a Zahar importava pronta, ou seja, as ilustrações e comentários eram comprados,
esse era o diferencial da coleção. No Brasil, o que se fazia era a tradução dos textos
(E.M.Z.30.06.15). Conde de Monte Cristo foi o título que marcou o início da produção dos
comentários por brasileiros, na forma de notas. No site é possível ter informações sobre como
o trabalho nesse momento foi desenvolvido, através de uma entrevista feita com André Telles,
em 5 de dezembro de 2008, na época desenvolvendo o trabalho de produção das notas com
Rodrigo Lacerda.56
As notas foram elaboradas ao longo da tradução e das diversas revisões. Elas
consistem basicamente de: informações sobre os fatos históricos que compõem o pano
de fundo do romance; dados sobre personalidades mencionadas; tradução das
locuções estrangeiras; fontes das citações; indicações de discrepâncias e "cochilos"
do autor (explicáveis pela extensão da obra); meras curiosidades. 57
Em outra entrevista postada no blog da editora, feita com Rodrigo Lacerda e André
Telles sobre a tradução e as notas do livro Os três mosqueteiros, eles mencionam as funções
das notas: “atender às lacunas de informação do próprio texto”, “apontar as contradições do
próprio texto”, e “dar ao leitor brasileiro informações básicas sobre o pano de fundo histórico
do período”.58
Mariana Zahar expressou satisfação com as publicações dos clássicos comentados e
ilustrados, especialmente com Sherlock Holmes. Segundo ela, “Sherlock ajudou muito a chegar
no público jovem. A edição comentada atraiu muito”. (E.M.Z.20.05.15)
56 André Telles e Rodrigo Lacerda foram os responsáveis pela elaboração da tradução e notas do título Conde de
Monte Cristo. André Telles é tradutor e revisor técnico da Zahar. Rodrigo Lacerda é historiador e doutor em teoria
literária e literatura comparada pela USP. 57 Entrevista disponível no site da editora: http://www.zahar.com.br/blog-editora/post/entrevista-andr%C3%A9-
telles, acesso em 12/07/2015. 58 Informações disponíveis em: http://www.zahar.com.br/blog-editora/post/entrevista-andr%C3%A9-telles-e-
rodrigo-lacerda-tradutores-de-os-tr%C3%AAs-mosqueteiros-0, acesso em 12/07/2015.
93
Além das notas, o trabalho de tradução merece destaque nessa coleção. Sobre a tradução
da obra Os três mosqueteiros, Rodrigo Lacerda59 e André Telles como tradutores dizem:
A tradução foi feita com o entusiasmo de dois admiradores de clássicos de
aventuras. Somos duas pessoas marcadas pelas leituras de Dumas, desde a nossa
adolescência. O fato de, ao contrário do Conde, os Mosqueteiros abundarem em cenas
de comédia, exigiu uma tradução mais livre, eventualmente mais fiel ao espírito
do que à letra do texto. Também o ritmo acelerado da ação exigiu bom senso, para
avaliar quando, em relação ao original, pequenas variações na pontuação das frases
contribuía para a manutenção desse ritmo, privilegiando-o em detrimento de uma
obediência cega (e burocrática) a uma pontuação mais comum na língua francesa do
período.60
Em 2010, foi iniciado um novo formato de publicação para os clássicos de literatura. A
ideia na época, segundo Mariana, era tentar uma versão para os clássicos que pudesse ser mais
barata, mas que fosse bonita e agradável de ler em formato e acabamento. Assim se iniciou o
trabalho de publicação de clássicos na versão chamada “bolso luxo” com capa dura, uma
proposta incomum para o formato bolso. Cabe ressaltar uma observação feita por Mariana:
bolso luxo é uma estratégia para livros impressos, porque “bolso e luxo para internet não
significam nada” (E.M.Z.20.0515).
Justamente em 2010, com o título Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através
do espelho e o que Alice encontrou por lá, de Lewis Carroll, em versão bolso luxo, segundo
Mariana Zahar, foi possível perceber que estavam falando com outro público em virtude do
resultado em vendas muito além das expectativas, que justificou reimpressões em quantidade e
pequenos intervalos de tempo. Vale lembrar que houve uma coincidência favorável também
com a estreia, no Brasil, do filme Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, realizada em
23 de abril de 2010.
60 Id.
94
É possível notar o período de crescimento das tiragens e a relevante mudança nas tiragens a
partir da estreia do filme.
A tabela abaixo mostra com maior precisão as datas e respectivas tiragens:
Dia/Mês Tiragem Anos
28/1 7.004 2010
5/3 5.040 2010
6/3 5.336 2010
25/3 5.184 2010
26/3 10.368 2010
30/3 8.424 2010
31/3 10.908 2010
5/4 5.598 2010
11/5 20.286 2010
11/8 7.788 2010
9/9 15.228 2010
29/4 5.031 2011
27/9 4.931 2011
16/12 8.000 2011
2/10 5.586 2012
1/2 8.006 2013
19/8 7.816 2013
24/1 8.078 2014
25/7 8.056 2014
10/11 9.872 2014
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
28
/1
28
/3
28
/5
28
/7
28
/9
28
/11
28
/1
28
/3
28
/5
28
/7
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/9
28
/11
28
/1
28
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28
/5
28
/7
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/9
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/11
28
/1
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/5
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28
/9
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/11
28
/1
28
/3
28
/5
28
/7
28
/9
Alice bolso luxode 2010 a 2014
95
Mariana Zahar observou que foi uma coincidência o lançamento do livro ocorrer em
período tão próximo à estreia do filme. A publicação do título estava na programação da editora
antes que soubessem do filme. Mas é certo que, assim que souberam da estreia do filme no
Brasil, a equipe de marketing atuou de forma a que o título Alice bolso luxo pudesse ser
publicado com a tarja da Disney nas capas. (E.M.Z.30.06.2015)
Assim, Alice na versão bolso luxo, lançado em 2010, foi um grande marco para a editora.
Os títulos de literatura publicados anteriormente passaram a compor a nova coleção, que apenas
nesse ano foi iniciada com o nome “Clássicos Zahar”, que compreende as versões comentada e
ilustrada e bolso luxo. Uma direção brasileira foi definida especialmente para ela, Rodrigo
Lacerda. Para Mariana, a escolha do Rodrigo Lacerda para dirigir a coleção “Clássicos Zahar”
se deveu ao fato de que “Rodrigo vem de uma família de editores. Filho de Sebastião Lacerda
que era dono da Nova Fronteira, trabalhou na Cosac, Edusp, então enfim, uma pessoa com uma
formação considerável e um excelente leitor além de escritor.” (E.M.Z.30.06.15). No mesmo
ano, 2010, Rodrigo Lacerda passou a fazer parte do conselho editorial da Zahar.
Segundo Mariana, com o início do trabalho de Rodrigo como diretor da coleção, sua
relação com a administração da “Clássicos Zahar” mudou: “eu me envolvia bem mais no
processo de publicação, na feitura dos livros. Hoje me envolvo mais na capa, mas não no
prefácio e tradução por exemplo, como antes eu fazia” (E.M.Z.30.06.15).
A seguir, um gráfico com a evolução da coleção em quantidade de títulos por ano.
Obs: Três títulos publicados e listados no arquivo da editora como parte dessa coleção não estão representados no
gráfico por não terem as datas de lançamento identificadas.61
61 Mariana informou por e-mail, em 26/6/2015, os motivos pelos quais os três títulos não tinham data de publicação:
Annotated Dracula, The, foi um título cancelado; Contos de fadas (edição Mec-Daisy) foi uma versão feita para
venda governamental, para atender os leitores com deficiência visual. “Ë só um arquivo, não teve livro”, e Box
Clássicos Zahar II, foi um box feito para o submarino em 2013.
1 1 12 2
1 1
7
9
5
10
8
0
2
4
6
8
10
12
2001 2003 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Coleção Clássicos Zahar
96
Para apresentar a evolução das publicações de clássicos da literatura na Zahar em 2010,
que passam a ser geridos como coleção apenas a partir desse ano, seguem todos os títulos
publicados no mesmo ano com as respectivas datas de lançamento, dos quais três já
mencionamos: Alice: edição bolso luxo, de Lewis Carroll, em 26 de fevereiro; O signo dos
quatro: edição comentada e ilustrada, de Arthur Conan Doyle, Leslie S. Klinger, em 9 de julho;
Contos de fadas: edição bolso de luxo, de variados autores (Aleksandr Afanasev, Hans
Christian Andersen, Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, Wilhelm Grimm, Jacob Grimm,
Joseph Jacobs, Charles Perrault, Peter Christen Asbjørnsen e Jørgen Moe), em 24 de setembro;
O cão dos Baskerville: edição comentada e ilustrada, de Arthur Conan Doyle, Leslie S. Klinger,
1o de outubro e do mesmo autor, mais dois títulos na mesma data, As aventuras de Sherlock
Holmes: edição comentada e ilustrada e As memórias de Sherlock Holmes: edição comentada e
ilustrada, e, por último, Os três mosqueteiros: edição comentada e ilustrada, de Alexandre
Dumas, em 19 de novembro.
Ao final do ano de 2014, são 42 títulos que, segundo Mariana Zahar, respondem por
20% do faturamento da editora. É importante ressaltar que, nesse momento, o total de livros em
catálogo é de 1.056 títulos (entre disponíveis e esgotados62), o que faz da observação de Mariana
uma informação relevante ao destacar os resultados financeiros de poucos títulos sobre o total
dos resultados financeiros da editora.
Ainda segundo ela é “tanto um outro negócio, outro público” que, em 2015, a editora
desenvolveu uma flag63 como uma solução gráfica para a identidade visual da coleção e
resolveu também destinar uma verba de marketing específica para melhorar a negociação de
ações comerciais junto a pontos de venda. A flag, segundo Mariana, foi pensada para que, nas
livrarias, seja evitado que os títulos da coleção sejam separados, como em geral são. É comum
ver alguns títulos em sessões infantis e outros em literatura para adultos. A proposta da coleção
não é distinguir faixas etárias.
Em se tratando da escolha dos títulos a publicar na coleção, Mariana informou que é
uma decisão que passa pelo conselho editorial64, e que todos os conselheiros opinam. E quanto
62 Por “títulos esgotados” entende-se na Zahar livros sobre os quais a editora mantém direito de publicação, mas
que estão no aguardo do melhor momento para reeditar ou reimprimir. 63 Flag é uma marca desenvolvida para colocar sobre as capas de livros, como um selo, que passa a identificar
títulos que fazem parte de uma mesma série, neste caso, da mesma coleção. 64 O conselho editorial da Zahar é composto, desde 2010, por quatro pessoas: Ana Cristina Zahar, Mariana Zahar,
Rodrigo Lacerda e Ana Paula Rocha. Maiores detalhes sobre o funcionamento do conselho serão abordados neste
capítulo num item específico.
97
à variedade dos textos ela observou: “O começo é uma coisa bem jovem e depois trazemos
outras coisas para os jovens de mais tempo” (E.M.Z.28.05.15). Ou seja, assim que a coleção foi
lançada, a ideia era publicar títulos dirigidos ao público infanto-juvenil, decisão que foi
modificada pouco tempo depois, quando a editora resolveu incluir como público possível outras
faixas etárias.
Os gestores da editora poderiam, certamente, ter tentando reiniciar a ideia de publicar
ficção com textos que podemos chamar aqui de “ficção policial”, como a coleção “Creme do
Crime”, que foi mencionada no tópico 3.5.1 deste trabalho. Mas olhar para trás, para a
experiência que não deu certo, fez com que tentassem outro caminho. Observando os títulos
presentes na coleção e, também, a partir da fala de Mariana Zahar (E.M.Z.28.05.15), pode-se
dizer que o trabalho da editora na construção dessa coleção foi, então, transformar o que já se
sabia consagrado como textos clássicos num trabalho diferenciado em tradução, mantendo tanto
quanto possível a expressão dos textos originais com notas, que deram às obras, como sugere
Escarpit, “a possiblidade de um novo intercâmbio literário com um público mais vasto, porque
ele [o público] a enriquece, não apenas com uma nova sobrevivência, mas também uma segunda
vivência.” (ESCARPIT, 1968,186-187).
Segundo Mariana “clássicos é com o que sabemos lidar, era onde teríamos a acrescentar
com notas e o perfil da nossa editora.” (E.M.Z.28.05.15) A outra característica sobre a qual
Mariana Zahar chamou atenção é o fato de terem múltiplos aproveitamentos com um mesmo
original no caso dos clássicos da literatura: eles são comentados e ilustrados, publicados em
bolso luxo, e-book e, ainda, no novo formato de publicação que veremos a seguir, como obras
curtas, o Expresso Zahar.
3.5.2.2. Expresso Zahar
A segunda coleção voltada até o momento, predominantemente, para ficção é a
“Expresso Zahar”. São publicações apenas digitais. A coleção, quando lançada, foi assim
divulgada no site:
Novelas, contos, pequenos ensaios – a ideia do Expresso Zahar é oferecer e-books
enxutos, que possam ser lidos na pausa para um café ou em trânsito, sem deixar de
98
lado a qualidade característica dos livros da Zahar. O selo estreia com 61 títulos
disponíveis em todas as livrarias digitais, com preços que variam entre R$1,90 e
R$4,90, sendo seis gratuitos.
Dentre os títulos estão as tragédias e as comédias do Teatro Grego, com tradução –
considerada pelos especialistas a melhor tradução dos textos do teatro clássico – feita
diretamente do grego pelo renomado Mário da Gama Kury; os contos de Sherlock
Holmes e os contos de fadas de Perrault, Grimm, Andersen e outros, que também
trazem a excelente tradução da coleção Clássicos Zahar; o ensaio Projeto, emoção e
orientação em sociedades complexas, do antropólogo Gilberto Velho; e Matemática
lúdica, do artista e arquiteto renascentista Leon Battista Alberti, só disponível pela
Zahar em e-book.
Os seis títulos gratuitos disponíveis para download nas lojas são: o conto sherlockiano
As cinco sementes de laranja, de Arthur Conan Doyle; A pequena balança, de Galileu
Galilei; e os contos de fadas, Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault, A história
dos três porquinhos, de Joseph Jacobs, A pequena vendedora de fósforos e A princesa
e a ervilha, de Hans Christian Andersen.65
É importante dizer que, segundo Mariana, “Expresso Zahar” não é um selo, porque, para
ela, “um selo ou é uma outra empresa ou um trabalho com metas específicas, contabilidade
separada, comercial separado...”, que não é o caso. Mas, segundo ela, até poderia ser designado
como selo, no sentido de ser uma iniciativa muito própria, tanto que o resultado do Expresso
Zahar é avaliado separado dos e-books. (E.M.Z.28.05.2015)
“Expresso Zahar”, segundo Mariana, equivale aos singles da ficção, muito comuns no
exterior, embora não se possa afirmar que seus textos sejam somente ficção. A comparação com
os singles vale, portanto, fundamentalmente com relação ao formato de publicação: são leituras
curtas, capítulos de um livro ou, no caso da Zahar, um ensaio, um conto, enfim, uma leitura
curta, mas que sempre faz parte de um texto maior. A ideia, então, é que o leitor, tendo a
primeira experiência curta e barata ou até mesmo gratuita de leitura de um texto parcial, possa
ter despertado o interesse de ler o livro que contenha aquele texto “avulso” ou ainda outros
(E.M.Z.20.05.14).
A coleção teve início em 2013, quando todas as obras sobre as quais a editora mantinha
direitos de publicação estavam digitalizadas e passaram a ser vendidas também em e-book. A
Zahar iniciou o trabalho com e-books em 2011, o que não se confunde com a especificidade da
“Expresso Zahar”. A primeira reúne todas as obras digitalizadas, conforme se disse acima,
enquanto que a Expresso publicou, de acordo com os dados fornecidos em planilha pela Zahar,
124 textos que consistem em trechos de livros e também em ensaios retirados de livros sobre
65 Informação disponível em: http://www.zahar.com.br/sites/default/files/arquivos/Expresso%20Zahar.pdf, acesso
em: 14/07/2015.
99
os quais a editora tinha direitos de publicação. Esses últimos eram exatamente os textos
clássicos da literatura universal que já tinham caído em domínio público, conforme informou
Mariana (E.M.Z.28.05.15).
Tanto os e-books quanto a “Expresso Zahar” são concebidos por Mariana como
possibilidades de lidar com o problema da xerox, que é visto como principal causa da queda da
venda de livros, sobretudo os universitários. Daí surge um princípio elaborado por Mariana
Zahar: “onde há pirataria, há demanda”. Outro problema comum – o acesso cada vez mais
difícil a certos títulos que são pouco selecionados para acervos de livrarias – em princípio
também estaria resolvido. (E.M.Z.28.05.15)
Sobre os resultados até o momento, ela informou que, apesar de as vendas em e-book
não terem crescido como se esperava, para os livros que não se encontram nas livrarias, em
geral os que fazem parte do fundo editorial, há resultados interessantes: “de 40 a 50% das
vendas estão em e-books”. Quanto à “Expresso Zahar”, Mariana observou:
em termos de venda, ela não vende. Acho que o mercado de e-book não tem tamanho
para quem quer consumir só um capítulo do livro. Mesmo os grátis. A impressão que
eu tenho é que não há um público novo. No começo os livros grátis foram muito
baixados, mas depois... Você tem as mesmas pessoas que usam aquele recurso e que
são as que continuam usando. É a impressão que eu tenho. (E.M.Z. 30.06.15)
A avaliação mercadológica negativa por parte da entrevistada permitiu indagar por que
a editora continua a publicar a coleção já que ela não vende. Diante dessa questão, Mariana
afirmou que precisa de mais tempo para analisar esse processo, pois ainda acredita que esse
formato de publicação pode vir a ganhar espaço no mercado.
Lembrando Epstein (2002), é importante acreditar que as novas tecnologias possam ser
usadas como forma de testar a capacidade de escolha de livros entre tantas opções. O uso que
se fará das tecnologias será importante, mas as escolhas de leituras não serão definidas por elas.
Grande parte das páginas literárias na internet que surgiram até hoje na verdade não
passam de prelos de vaidade, as chamadas vanity presses, ou de gráficas de ofício,
dispostas a publicar qualquer coisa, independente da qualidade, com frequência a
expensas do autor. É bastante improvável que desse amontoado surjam obras de valor.
Mas o talento provado irá coligar-se em locais particulares como sempre o fez.
Páginas eminentes na internet, como as das boas livrarias, atrairão leitores do mesmo
100
modo. O filtro que distingue valor é uma função da natureza humana, não de
tecnologias particulares (EPSTEIN, 2002:29-30).
Segue abaixo um gráfico expondo os assuntos publicados na “Expresso Zahar”, onde
aparece claramente a predominância dos textos categorizados como literatura:
Gráfico elaborado pela autora, a partir dos registros disponíveis nas planilhas fornecidas pela editora.
3.5.2.3. O primeiro selo – “Pequena Zahar”
Segundo Mariana, a função dos selos é destacar trabalhos muito diferentes que uma
editora desenvolva, quando comparados aos outros que existam em catálogo. Há editoras que
têm selos “para separar, isolar”, mas esse não é o objetivo da Zahar. Mariana explica: “eu acho
que, quando você isola, você coloca tudo o que acha que deve colocar sem comprometer o
principal nome da editora” (E.M.Z.28.05.15). Para a Zahar, portanto, a criação de um selo
decorre da necessidade de especialização em áreas ou assuntos, sem rupturas radicais com a
linha editorial já existente:
Eu quero um dia que uma coleção vire selo porque se destacou com a necessidade de
ser um trabalho mais especializado, que se tornou importante por causa do público ou
da intenção da editora em fazer algo diferente, mas não distante do que já se faz.
Simplesmente por ser um trabalho mais especializado. (E.M.Z.28.05.15)
8
8
25
1
77
2
2
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Arte
Ciências Sociais
História
Letras
Literatura
Matemática
Política
Assuntos publicados na Expresso Zahar
101
Considerando, então, a formação de um selo como resultado de um trabalho específico
muito próximo de uma coleção, lembramos Escarpit (1969) e entendemos a estratégia da
especialização, conforme mencionada por Mariana:
Uma fórmula particularmente rentável é a da coleção especializada, possuindo uma
unidade de direção, de apresentação e de interesse. Esta permite, por um lado,
canalizar os autores para tipos de produções de provada eficácia e por outro lado,
satisfazer uma procura mais precisa, bem delimitada e sempre presente (ESCARPIT,
1969: 109-110).
A “Pequena Zahar” foi fundada em 2013 em virtude da necessidade que a direção da
Zahar percebia de renovar o público leitor e também de criar um novo canal de venda. Sobre a
renovação do público Mariana informou: “a ideia é formar público para o que já se tem para
depois” (E.M.Z.20.05.14). E sobre um novo canal de venda, ela explicou que não há como
desconsiderar os limites da editora em termos de recursos financeiros, se comparada a editoras
maiores e conglomerados: “eu precisava ter outro público e outro canal de venda”. Esse novo
público são escolas, e o comprador, o governo, o novo canal de vendas, o segmento de livros
infantis. Desde 1999 a editora havia iniciado a publicação de livros infantis com o propósito de
ampliar o público, mas sem um trabalho especializado.66
Ao longo dos anos, segundo Mariana, foi possível observar alguns resultados em vendas
para o governo, mesmo sem um trabalho específico com as obras infantis. Por isso, em 2013 a
editora resolveu iniciar um selo, como um trabalho especializado. Mariana fez questão de dizer
que não se trata de preferência, mas “não dá para contar só com livrarias”. O trabalho com as
livrarias continua importante, mas o governo é quem de fato possibilita a formação de leitores
e o retorno financeiro para a linha editorial infantil na escala que a editora precisa para continuar
a publicar renovando o público.
A “Pequena Zahar” fundada em 2013, então, é uma nova empresa e uma nova marca. O
nome Zahar se manteve porque não se trata de um selo feito para separar, mas para continuar o
que já se fazia, publicando títulos para durar. Como sócias: Ana Cristina Zahar, Mariana Zahar
e Ana Paula Rocha. O conselho editorial deste selo é formado pelas três sócias e ainda por
66 Não foi possível saber ao certo qual foi o título que iniciou a atividade de publicação de obras infantis. Na
planilha que reproduz todos os títulos publicados, o primeiro título infantil é Onde os porquês têm resposta,
publicado em 21/5/2003.
102
Rodrigo Lacerda, Dolores Prades67 (também coordenadora editorial da empresa) e Ana Paula
Tavares68 (também gerente do departamento editorial da Zahar).
Cabe lembrar que o catálogo da “Pequena Zahar”, como mencionado no item em que
foi apresentado o site da editora, orienta o público sobre o uso que se possa fazer das obras,
com indicação temática, de gênero (novela, poesia, teatro etc.) e “de maturidade leitora” para
cada uma delas, como forma de ampliar o público leitor. Além disso, essa seção do site
menciona o catálogo da “Clássicos Zahar” e “Outras áreas” como forma de ampliar a
observação dos professores, bibliotecários e do governo (público-alvo da coleção) para a maior
quantidade possível de livros da editora que possam ser adotados por escolas e disponibilizados
em bibliotecas.
Tal direcionamento faz lembrar o artigo intitulado “Os irmãos Weiszflog em busca dos
mercados escolares: identidades das Edições Melhoramentos dos primórdios aos anos de 1970”,
de Gabriela Pellegrino Soares (2010), que discorre sobre a atuação de Lourenço Filho como
coordenador da coleção “Biblioteca Infantil” da editora Melhoramentos de 1926 até
197069.Segundo Gabriela Soares, Lourenço Filho “condenava as obras que desrespeitavam o
estágio de desenvolvimento em que se encontrava a criança, desfavorecendo a formação
harmoniosa da psique infantil. Seus argumentos exploravam as relações entre a experiência
artística e a formação psicológica e moral infantis.” A autora descreve um trecho de um dos
pareceres escrito por Lourenço Filho que chamou sua atenção:
Como expressão de arte, que é, a leitura para crianças deve [...] tender a fornecer ao
espírito infantil certa provisão de beleza, de graça, de harmonia, a fim de que não
agrave os conflitos mentais e sentimentais, mas procure resolvê-los de forma suave e
criadora. A criança precisa acreditar na vida, acreditar no bem, na bondade, na justiça,
nas formas criadoras da vida social e não nas forças que a corrompem e a destroem.
(SOARES, 2010:163)
O artigo citado acima traz uma resumida trajetória da editora Melhoramentos. Fala sobre
o intervalo dos anos de 1938 e 1943 em que a editora teria sido uma das seis maiores editoras
67 Dolores Prades é consultora editorial da Pequena Zahar. Doutora em história econômica pela USP e especialista
em literatura infantil e juvenil pela Universidade Autônoma de Barcelona. Informação disponível na Plataforma
Lattes. 68 Pós-graduada em Comunicação e Cultura pela UFRJ em 1994. Informação disponível em rede social, no perfil
do facebook de Ana Paula Tavares. Não foi possível encontrar suas informações na Plataforma Lattes. 69 Lourenço Filho é citado por Gabriela P. Soares, cujo trabalho faz parte da coletânea organizada por Bragança
(2010).
103
brasileiras e a mais expressiva em quantidade de títulos publicados voltados ao público infantil.
Enfatiza a importância da coleção “Biblioteca Infantil” assinada por Arnaldo de Oliveira
Barreto e depois, quando Barreto faleceu, por Lourenço Filho. Daí em diante o artigo relata os
critérios educacionais empregados para a publicação de livros infantis, considerando ao mesmo
tempo a “qualidade literária” e as “contingências do mercado editorial”. Segundo SOARES,
Os critérios que Lourenço Filho adotava para seleção, edição ou revisão de obras para
crianças referiam-se, portanto, a múltiplos aspectos do trabalho do editor, envolvendo
questões que iam da esfera educacional à literária, da esfera comercial à política, da
esfera do público leitor à dos mediadores da esfera do conteúdo e da forma Suas
perspectivas apresentaram fortes continuidades ao longo dos mais de quarenta anos
em que ele esteve ligado à editora, contribuindo para definir as identidades que
ajudaram a Melhoramentos a conquistar o segmento dos leitores crianças, assim como
a confiança dos pais e educadores que procuravam orientar as leituras infantis.
(SOARES, 2010: 166-167)
Essa reflexão nos leva de volta ao modo como a Zahar tem lidado com seu selo de
publicações infantis, quando reforça o fato de que o trabalho do editor vai muito além de
disponibilizar ao público um texto. É preciso criar leitores para seus textos. Podemos dizer que
a Zahar acredita que o empenho em fazer com que seus livros possam ser conhecidos desde a
infância é importante. Além disso, a venda para o governo, para escolas e bibliotecas pressupõe
que as escolas podem transformar crianças em pequenos leitores.
É interessante observar que é prática comum, no mercado editorial atual, selos serem o
resultado da compra de editoras menores por maiores. Não é esse o caso da Zahar, seu primeiro
selo, a “Pequena Zahar”, foi resultado da intenção de especializar, sem se distanciar do que já
existia, como estratégia para atrair leitores desde a mais tenra idade, indicando leituras para
cada etapa de “maturidade leitora” e, assim, criar condições e interesse pelos textos publicados
pela editora em todas as idades.
3.5.3. Políticas de aquisição
Recorrendo, mais uma vez, a informações fornecidas por Mariana Zahar, diretora
executiva da editora, somos informados que cerca de 70% dos textos publicados hoje são
estrangeiros. Os mesmos são adquiridos através de agentes literários ou editoras estrangeiras,
104
encontrados nas feiras internacionais frequentadas anualmente: as de Londres, Frankfurt e
Bolonha. Depois das visitas às feiras, a troca de informações se mantém por e-mail, meio
através do qual são apresentados os projetos de livros quando em fase de elaboração. Não é
comum a editora comprar livros já publicados, mas às vezes isso acontece. Tais práticas
remetem às colocações de Escarpit, reproduzidas nesta dissertação no item 2.2. “O livro como
bem cultural”, nas quais o autor discorre sobre o trabalho de seleção feito pelo editor.
Os contratos de direitos de publicação são estudados caso a caso, afirmou Mariana
Zahar. No caso das obras estrangeiras, há contratos para os direitos autorais, de tradução e, no
caso dos clássicos comentados, os direitos sobre os comentários. Os tradutores podem receber
por tradução ou por participação nas vendas das obras que tenham traduzido. Em geral são
profissionais terceirizados.
3.6. Processos decisórios
Conforme mencionado em momentos diferentes deste trabalho, a Zahar instituiu os
conselhos editoriais a partir de 2007. Os tópicos que se seguem irão apresentar o funcionamento
dos conselhos no tocante à composição e ao funcionamento dos mesmos, com relação às
decisões que dizem respeito à manutenção da editora: as publicações.
3.6.1. O funcionamento dos conselhos editoriais e os critérios atuais sobre o que publicar
Há dois conselhos editorias a considerar: o da Zahar, composto por Ana Cristina Zahar,
Mariana Zahar, Ana Paula Rocha e Rodrigo Lacerda, e o conselho editorial da “Pequena
Zahar”, que, além dos quatro já citados, conta com Dolores Prades e Ana Paula Tavares,
conforme já informado.
Os conselhos editoriais têm diferentes atribuições: analisar os originais; juntar,
organizar e avaliar pareceres elaborados externa e internamente sobre obras que a editora tenha
interesse em publicar; “ver para que lado vai”, ou seja, quando e como publicar cada livro;
decidir sobre os livros que serão comprados; avaliar linhas editoriais novas; “matar um livro”,
que é o mesmo que “reverter” ou encerrar o contrato com um autor, e avaliar parceiros, que
105
podem ser autores, tradutores, enfim, quem de alguma forma participe do processo de produção
do livro (E.M.Z.28.05.15).
No que diz respeito à composição dos conselhos, cabe lembrar algumas informações já
apresentadas neste trabalho. Ana Paula Rocha iniciou sua trajetória na editora em 2006, como
gerente de operações, passou a conselheira da editora, em 2007, e hoje é diretora de operações
e sócia, junto com Ana Cristina e Mariana. Segundo Mariana, sua contratação se deu porque
era importante ter alguém que tivesse suficiente sensibilidade com números para que a direção
pudesse ter melhor noção dos retornos financeiros, e então tomar decisões sobre o que publicar
e avaliar as necessidades da editora. “O papel dela foi crescendo até que fez sentido que ela
integrasse a sociedade da Zahar em 2012”. Os demais conselheiros foram convidados por
formação acadêmica e experiência profissional compatível com as necessidades de
conhecimento sobre o mercado editorial. Rodrigo Lacerda se tornou conselheiro na mesma
ocasião em que assumiu a direção da coleção “Clássicos Zahar”, em 2010, e Ana Paula Tavares
e Dolores Prades em 2013, com a fundação do selo “Pequena Zahar”.
O fato de Ana Paula Rocha atualmente ser sócia, ter formação na área de economia e
não ter vínculo familiar com a família Zahar levou-me a pensar se não haveria divergências
entre dois olhares estratégicos: as avaliações baseadas em desempenho econômico (Ana P.
Rocha) versus aquelas baseadas na manutenção da linha editorial (membros da família e outros
conselheiros). Colocada a questão em entrevista a Mariana Zahar, obtive a seguinte resposta:
“Vou ser bem direta: a gente tem um número de livros que a gente pode fazer e que podem não
vender. A gente tem uma quantidade de livros por ano que podem se manter nesse perfil. A
decisão é resultado do diálogo” (E.M.Z.30.06.15).
Mariana deixou claro que, na época da contratação de Ana Paula Rocha, que se deu em
2006, essa foi uma preocupação, ou seja, a forma de ela compreender a importância de alguns
títulos se manterem fez e faz dela uma pessoa ainda mais importante para a Zahar, hoje como
sócia.
Em relação à decisão sobre a quantidade de novos títulos a ser publicada anualmente
pela Zahar, Mariana foi enfática: “Eu não vou fazer mais de 60 livros por ano”.
(E.M.Z.20.05.2014). Segundo ela, isso se tornou praticamente uma questão de princípio, que
norteia suas decisões como diretora executiva. A ideia subentendida é que haja tempo para
debater, olhar e “todo mundo saber o que está acontecendo”
106
Prosseguindo, Mariana explicou a lógica que preside o princípio acima enunciado. O
catálogo precisa ser variado, mas “é preciso fazer o que se faz bem”, ou seja, todo livro é um
negócio que precisa ser pensado. Os livros são avaliados sobretudo pela tendência em se
tornarem clássicos, ou seja, tendência (avaliada pelos conselheiros) de que eles durem por
serem capazes de fazer coincidir o gosto dos leitores e dos editores, simultaneamente.
Mariana forneceu um contraexemplo: os livros para colorir, fenômeno atual divulgado
como publicação contra o estresse. Esses livros, sem textos, apenas com ilustrações para pintar,
estão fazendo algumas editoras superarem a crise que abala as vendas em todo o Brasil e
inspiraram Zuenir Ventura a escrever uma coluna sobre seu significado no atual momento do
mercado editorial brasileiro, intitulada “Em vez de ler, colorir”.70 Eis algumas das perguntas
que Mariana se colocou a respeito desses livros e que informam, em negativo, como se
processam as decisões editoriais na Zahar: “Isto vai fazer sentido a longo prazo? Não. Se isso
vender 10.000 exemplares em um ano, vou querer fazer mais dez de colorir? Não. Então, só
tem resposta ‘não’.”
Não se trata de medo de errar; Mariana também se referiu a livros em relação aos quais
a editora apostou, mas que não venderam como o esperado, acrescentando que “isso faz parte”.
A questão realmente importante para a decisão do conselho editorial da Zahar, segundo ela, é
“se o livro vai ter cara da Zahar, e o que tem cara da Zahar é o que possa fazer sentido para o
futuro” (E.M.Z.28.05.15).
Não há como prever com 100% de acerto o sucesso ou o insucesso de uma publicação.
Ninguém consegue prever se uma obra será ou não um best seller é o que diz Escarpit, em
Sociologia da literatura: “[o] desenvolvimento do sucesso – em especial do sucesso do best-
seller – continua a ser um fenômeno imprevisível e inexplicável” (ESCARPIT, 1969:182). E
quanto ao conceito de best-seller o autor define, em A revolução do livro (1976) como obras
que quando lançadas vendem bem e que continuam vendendo, que podemos comparar com os
“best-sellers de longo prazo” de Pierre Bourdieu, sobre os quais falaremos no próximo item.
Mariana afirmou que é possível identificar dois tipos de best-sellers no catálogo da
Zahar. O primeiro é aquele que vende 10.000 por ano há trinta anos, como Cultura: um conceito
antropológico, de Roque de Barros Laraia, publicado em 01/08/1986, que, segundo ela, “é um
best-seller com cara de Zahar. Não temos tantos como gostaríamos, mas esse é um best-seller
70 A coluna escrita por Zuenir Ventura está disponível no site: http://oglobo.globo.com/opiniao/em-vez-de-ler-
colorir-16503644, acesso em: 18/07/2015.
107
com cara da editora.” O segundo “é o Andar do bêbado, de Leonard Mlodinow, publicado em
28/07/2009, que vende 100.000 ou 70.000 no primeiro ano e que continua vendendo”, ou seja,
ele foi um sucesso imediato que se manteve no catálogo com vendas estáveis. E reitera: “se eu
soubesse o segredo de fazer, faria mais, mas não sei” (E.M.Z.28.05.15). Mariana tem
preferência pelo sucesso atingido pelo Cultura; um conceito antropológico, por isso diz que
esse é um título com “cara da editora”, apesar do sucesso imediato ser muito bem-vindo, mas
incomum na editora. Para entender a colocação da entrevistada devemos lembrar que a Zahar
tem como proposta publicar “livros que duram”, não cultivando o sucesso imediato como sua
meta e, quando isso acontece, é por circunstâncias não previstas e não controladas que escapam
ao planejamento da editora.
Segundo a diretora executiva, para trabalhar com a ideia de publicar livros que tenham
potencial para serem sucessos imediatos seria preciso mais gente na editora, uma outra relação
com o tempo de produção, e mais recursos financeiros para o pagamento de adiantamentos mais
caros para autores e agentes, que dariam ao investimento uma chance maior de resultados
rápidos em vendas. Mas, segundo Mariana, “essa conta no final não fecha fácil. Acabo gastando
mais para ter a possibilidade de ter um Andar do bêbado, do que eu realmente consigo retornar
e achar o Andar do bêbado”. De acordo com o entendimento a que se chegou no momento da
entrevista, o trocadilho de Mariana quis reforçar o aspecto de total casualidade com relação ao
que determina o sucesso ou não de uma publicação. Ou seja, quando se deseja apostar num
título com grandes chances de expressivas vendas como é o caso de encomendar uma obra a
um autor consagrado, não se pode fazer isso acreditando que há garantia de que o investimento
terá o retorno esperado, como um best-seller traria, ou seja, “o acaso é ótimo, quem sabe
acontece” (E.M.Z.28.05.15).
Pierre Bourdieu, em As regras da arte, ao discorrer sobre o mercado de bens simbólicos
e, mais especificamente, sobre os dois modos de envelhecimento “das empresas ou iniciativas,
dos produtores e dos produtos” na atividade de produção cultural, apresenta uma concepção de
clássicos: “[h]á os best-sellers sem amanhã e os clássicos, best-sellers do longo prazo que
devem ao sistema de ensino a sua consagração e, por conseguinte, o seu mercado alargado e
duradouro” (BOURDIEU, 1996:176).
Para Mariana, “clássicos são livros que impactam os leitores, e que continuam sendo
um fenômeno cultural sensibilizando as pessoas por um tempo maior.” Ela exemplificou essa
observação relatando uma experiência recente: “minha filha fez uma redação para entrar na
108
Escola Nova e resolveu escrever sobre por que Harry Potter é um clássico. Harry Potter pode
ser um clássico. Eu acho que clássico tem que ter um tempo.” Considerando que a série ainda
vende, ela concluiu: “para mim, ele será um clássico” (E.M.Z.28.05.15).
Ao longo dos anos, a Zahar angariou experiência transformando, com seus leitores,
textos de não ficção em clássicos. Dos anos 2000 em diante, esse trabalho se manteve e outros
dois se iniciaram: de um lado, a ampliação do público com clássicos da literatura, que, ao serem
publicados com comentários, se tornaram novidades no mercado literário, e, de outro, a
“Pequena Zahar”, o novo selo que tem por objetivo a formação de pequenos leitores e o
lançamento de novos títulos, que, feitos para durar, tendem a ser reconhecidos como clássicos
pelos futuros jovens leitores.
Mariana finalizou sua fala sobre a importância dos clássicos descrevendo um critério
que fundamenta todas as escolhas de textos que avalia para publicar: “eu só publico livro que
eu acho que vai viver 10, 20 anos. Se acho que ele vai viver um ano, eu não quero”
(E.M.Z.28.05.15).
3.6.2. Posicionamento da Zahar no presente contexto editorial
Quanto ao fato de as grandes corporações estarem cada vez mais se espraiando no
mercado editorial brasileiro, constituindo ameaça para os editores de pequeno e médio porte,
Mariana fez a seguinte colocação:
Tudo que é ameaça é oportunidade também. Por um lado, é ameaça porque o espaço
é mais difícil, concorrer nas compras... Por outro lado, são tão grandes que vão virando
elefantes, e você, sendo mais rápido, eficiente, pessoal, você vai conseguir ter outra
entrada. Mas, enfim, é uma ameaça. Fora que tem alguém colocando dinheiro de
algum lugar, e aqui, somos só nós mesmo. Essa é a parte mais difícil
(E.M.Z.28.05.15).
Outras formas de ameaça às empresas tradicionalmente produtoras e distribuidoras de
livros é a “Amazon”, já mencionada na introdução deste trabalho. Mas, segundo Mariana, a
relação comercial com a Amazon tem sido muito boa. Os e-books e a “Expresso Zahar” têm
109
bons resultados em vendas com eles. Para Mariana, toda ameaça tem um lado positivo. É uma
questão de “saber trabalhar junto e criar limites”. E reitera: “é uma empresa que leva a sério e
que conhece seu público, através de CRM.71 O importante é que haja regras e que elas sejam
respeitadas.” (E.M.Z.30.06.15). Mariana não apresentou qualquer temor quanto ao
relacionamento comercial com a Amazon. Disse que o importante é fazer o trabalho como
editora, e bem feito.
Bourdieu, em A produção da crença (1996), fala da importância de variadas relações
no campo da produção de bens culturais, para a produção do valor de uma obra. No caso de
livros, ele cita, além do próprio editor, outros editores, autores e críticos, que, juntos, atuam no
campo e nele estabelecem ou não valor às publicações. Então, escolher o que publicar significa
providenciar ações em função dessas e outras possíveis relações, para que seus títulos ganhem
valor, principalmente o tipo de valoração traduzida como reconhecimento.
A experiência da Zahar pode ser pensada a partir da leitura de Bourdieu, embora não
seja possível realizar uma transposição conceitual ipsis literis. Enquanto Bourdieu descreve
um campo de relações que concorrerão para a constituição de um valor que prima pela
intangibilidade e que não se pode traduzir em valor de mercado apenas, Mariana percebe o
campo editorial ora como um campo de luta por sobrevivência, ora como um universo onde é
viável e necessário estabelecer parcerias que farão as publicações acontecerem. Bourdieu trata
do plano conceitual e simbólico que constitui uma “obra publicada”. A executiva da Zahar trata
do plano factual que operacionaliza a existência do seu negócio.
Para Mariana Zahar, os parceiros que foram conquistados no passado ainda se mantêm.
O autor é o primeiro parceiro. As livrarias continuam sendo importantes, as escolas, a imprensa,
as bibliotecas, “todas essas peças são importantes. Mas o governo é um destaque atualmente”.
Vale lembrar, nesse momento, que, foi importante para Ana Cristina Zahar dizer que o fato de
o governo ser um comprador importante para a editora não tira dela a autonomia sobre o que
publica. Lembra ainda que, no caso de compras pelo governo, os livros têm seus preços
pressionados de tal forma para baixo que o ganho real é conseguir chegar às crianças para que
novos leitores conheçam a editora (E.A.C.Z.24.07.15).
71 A sigla se refere a customer relationship management, que, traduzindo, significa gestão de relacionamento com
o cliente. Trata-se de uma ferramenta de gestão que funciona em sistema informatizado que armazena informações
sobre as atividades dos clientes e interações dos mesmos com a empresa.
110
3.6.3. Transformações tecnológicas e os editores
Robert Darnton, no livro A questão dos livros, discorre sobre o atual contexto das
publicações impressas, apresentando alguns receios, como: o fim do livro em papel em virtude
das tecnologias digitais cada vez mais avançadas; a possibilidade de o Google lidar com as
digitalizações já iniciadas das obras de bibliotecas públicas americanas com vistas
exclusivamente ao lucro, e, enfim, com o futuro dos direitos dos autores e editores.
Mariana apresentou o posicionamento da Zahar sobre essas questões revelando uma
postura otimista. Ela acredita que o profissionalismo com que se lida com o dia a dia é a
diferença entre os que tendem a se manter ou não no mercado. Sobre ser editor hoje ela disse:
“todo mundo pode ser um editor, mas aí você tem a força do catálogo, das pessoas que amam
e sabem fazer o que fazem. É diferente você fazer algo em casa e fazer disso uma frequência,
porque no fim das contas, tem o todo dia” (E.M.Z.30.06.15). Em seguida, lembrou de um livro
publicado pela Zahar, O culto do amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital
estão destruindo nossa economia, cultura e valores, cuja sinopse está no site:
É a celebração do amadorismo. Qualquer um, por mais desinformado que seja, pode
publicar um blog, postar um vídeo no YouTube ou alterar um verbete na Wikipédia.
Esse anonimato da web põe em dúvida a confiabilidade da informação. E a distinção
entre especialista e amador torna-se cada vez mais ambígua. A pirataria digital já
devastou a multibilionária indústria fonográfica e ameaça a indústria do cinema e do
livro. Oferecendo soluções concretas que permitiriam frear a atmosfera inconsequente
e narcisista da web, O culto do amador é um alerta dirigido a cada um de nós. Suas
críticas podem ser radicais e polêmicas, mas levantam uma discussão extremamente
necessária. O livro é um sucesso internacional, publicado em mais de doze línguas.
Por conta da discussão gerada nos Estados Unidos e na Inglaterra, Andrew Keen
participou de diversos programas de TV e rádio ao redor do mundo. “Esse livro
polêmico, escrito com acuidade e paixão, discorre sobre as consequências de um
mundo em que não é clara a linha divisória entre fato e opinião, entre informação de
um especialista e especulação de amadores.” Michiko Kakutani, New York Times.72
A opinião de Mariana, enquanto representante do posicionamento da Zahar sobre o
assunto, fez lembrar a afirmação de Epstein sobre o futuro das tradicionais formas de trabalho
dos editores: “As novas tecnologias não apagam o passado, constroem sobre ele” (EPSTEIN,
2002, 153). É preciso renovar textos, formas de trabalho e os meios de manter leitores e autores
72 Informação disponível em: http://www.zahar.com.br/livro/o-culto-do-amador, acesso em: 18/07/2015.
111
próximos de editores, para que seu ofício faça sentido para o mercado, é o que permitem
concluir os posicionamentos ponderados até aqui.
Toda a discussão travada nos parágrafos precedentes leva na direção de se tentar
responder a uma única questão: o que significa ser editor na atualidade? As atribuições
mudaram? Como se caracteriza o editor sobrevivente a todos as ameaças que se encontram no
campo editorial atual?
Coube à Mariana responder à colocação das perguntas que concernem mais de perto à
realidade do mercado editorial na atualidade. Ela representa a terceira geração na gestão
familiar da editora, trabalhando nela desde 1999, quando tinha 18 anos. Cinco anos depois se
tornou sócia, em 2004, e, desde 2012, com sua mãe, Cristina Zahar, como diretora presidente,
exerce a direção executiva da Zahar. Foi ela que respondeu a essa crucial pergunta: ser editor
hoje é diferente de ser editor em 1985?
Acho que sim. Não no risco, porque o risco podia até ser maior com a inflação. Essa
mudança agora é radical. A internet, o estreitamento dos contatos com as redes.
Antigamente você encontrava com o autor duas vezes por ano e estava tudo lindo.
Não se pegava a ponte aérea toda semana. O tempo era mais longo. Mas isso não é
privilégio do editor. Isso é de todos. Você como ser humano tem uma vida mais
angustiada.
112
Considerações finais
Jorge Zahar foi um editor que fez história através dos livros que escolheu publicar. Por
isso, o título dessa pesquisa: história em catálogos. Por duas vezes, o editor viveu a experiência
de formar e consolidar um fundo editorial. Em 1985, conforme foi visto no primeiro capítulo
do trabalho, devido a circunstâncias inesperadas, teve que reiniciar um trabalho que começara
a construir em 1956. Uma nova marca, novos títulos, novas coleções, e não mais a Zahar
Editores, mas a Jorge Zahar Editor. A manutenção de seu nome, que passa a coincidir
integralmente com a nova marca, demonstrou ser uma estratégia. Em 2007, a direção executiva
criou um manual de identidade para a editora, no qual se declarava a continuidade com os
propósitos e a linha editorial do passado na gestão do presente. Lá se encontram descritos os
princípios basilares que conduzem – e teriam conduzido desde sempre - o posicionamento da
editora no campo editorial: independência, pluralidade e tradição.
A experiência da antiga Zahar Editores permitiu traçar uma continuidade bem como a
manutenção do slogan “A cultura a serviço do progresso social”. Compromisso que, segundo
se pode visualizar na exposição dos achados de nossa pesquisa, permanece como meta dos
atuais gestores e de suas políticas editoriais. Segundo Mariana Zahar, a “Pequena Zahar” “é
uma experiência real disso”, ou seja, a escolha do que publicar passa pela preocupação em usar
os textos como meio de estimular, formar e transformar pequenos leitores através da leitura, da
mesma forma que os textos de Bauman:
São textos escolhidos e publicados com a intenção de que transformem a experiência
da leitura numa experiência de pensar sobre o mundo que se está vivendo. Da mesma
forma que os livros de Bauman, que também ajudam a refletir sobre questões que
estão no cotidiano dos leitores (E.M.Z.28.05.15).
Outro slogan que se apresenta, no site, diz respeito à reestruturação da editora após 2007:
“A tradição que se renova”. Em entrevista, detectou-se que ele tem relação com a renovação da
direção ocorrida com a saída de Jorge Zahar Filho da editora em 2006 e, em seguida, com o
fato de Mariana assumir o cargo que ocupa atualmente. Quando indagamos sobre qual tradição
se renovou, ela respondeu: “Quando se assume o nome você se apropria dessa história toda”
(E.M.Z.28.05.15).
113
Uma história feita de livros escolhidos para durar. É o que informaram as entrevistadas,
e é o que permitem afirmar os dados que, analisados numericamente, expressam a continuidade
da maioria das coleções fundadas pela editora, além do frequente trabalho de reimpressões e
reedições reproduzido em gráfico no capítulo 3 do presente trabalho. Chamamos atenção para
o fato de que as reimpressões e reedições só fazem sentido em virtude dos livros que são
mantidos porque há uma renovação de leitores para eles ao longo do tempo. Outro dado
relevante para reforçar a compreensão da importância dessa escolha estratégica são os
resultados financeiros auferidos com a venda dos títulos que constituem o fundo editorial, entre
70 e 80% do faturamento total da empresa, conforme informação fornecida por Mariana
(E.M.Z.30.06.15).
Algumas ações ajudam a construir essa duração – como é o objetivo do selo “Pequena
Zahar”. As três gerações que constituem a história da editora são marcadas por atuações
compatíveis com a consciência que a função do editor não se restringe a ganhar dinheiro
produzindo livros, mas gerar valor, reconhecimento, possibilitando que os textos escolhidos
para compor seu catálogo promovam a difusão e a transformação de ideias.
O mercado editorial nunca foi e nem poderá ser um lugar para investidores que só visem
lucros, com retornos rápidos sobre todos os livros publicados. Sempre haverá riscos. Nem todo
livro venderá como se espera. Por isso, é preciso gostar do que se publica e não simplesmente
atender a eventuais demandas do mercado. Sempre haverá estoques. Mas o estoque sendo
programado por razões de investimento, como a Zahar tenta fazer quando planeja as
reimpressões em momentos possíveis, para que o volume gráfico permita preços acessíveis ao
mercado, recebe outro nome: fundo editorial renovado.
Reservar espaço para estocar o que seja importante, que vende sistematicamente, mesmo
que em pequenas, mas ainda significativas quantidades que equilibrem o balanço entre custos
e benefícios das reimpressões, é uma característica de editores que lidam com seus fundos
editoriais valorizando-os. Uma editora que reimprime e reedita faz do seu catálogo seu bem
maior, demonstra a importância que dá à própria história construída pelo que escolheu publicar
e possibilita os ganhos econômicos que o fundo editorial bem administrado proporciona.
Conforme citação de Thompson que consta na página 88 deste trabalho, mas, que vale a pena
repetir: “Na área editorial, é o que existe de mais próximo da impressão do seu próprio dinheiro”
(THOMPSON, 2011:238).
114
À guisa de conclusão, o desenvolvimento do trabalho permitiu observar que as gerações
sucessivas que têm assumido a gestão da Zahar Editores têm buscado manter os valores e a
linha editorial implantados e desenvolvidos pelo fundador. A função do editor, no perfil de
empresário-editor, tal qual esboçado por Aníbal Bragança, classifica apropriadamente o
trabalho exercido por Jorge no momento em que atua apenas como editor, e por suas sucessoras:
Ana Cristina e sua neta Mariana, e também por Ana Paula Rocha. Embora as decisões, na nova
era da editora, sejam tomadas por um conselho e não mais por uma única pessoa respondendo
como editor, a cultura organizacional resguarda, ainda, o trabalho minucioso de editores que
conhecem profundamente o seu trabalho em termos técnicos, intelectuais e mercadológicos,
conforme pudemos observar nos dados sobre a história da empresa, nos conteúdos das
entrevistas, nos documentos, no site e, também, nos catálogos e planilhas.
Ao constatar-se essa atitude prática de preservação da memória construída como editora
de clássicos viu-se que uma das formas concretas que materializou essa política ao longo do
tempo foi a manutenção de um relevante fundo editorial, ou seja, de um catálogo composto de
títulos que são continuamente reeditados, já que mostraram possuir vida editorial de longa
duração.
A sustentação econômica de tal opção político-cultural que se mostrou marca
característica da Zahar, tem colocado grandes desafios aos gestores da editora. A determinação
pela independência, significando a liberdade de exercício do trabalho específico do editor,
conforme se reforçou em vários momentos do trabalho, e que se apresentou nitidamente nas
entrevistas, não deixa de ter que conviver com as pressões da concorrência e com as práticas
editoriais dos executivos que empresariam continuamente lançamentos num mercado com cada
vez menos livrarias.
Cabe ponderar, portanto, que, se a Zahar conseguiu até aqui manter seus valores próprios
como editora e, também, manter uma boa posição no mercado, não se pode afirmar que isso se
sustentará para sempre. Entre a pressão da concorrência e as dificuldades financeiras, o
conselho editorial da Zahar procura alternativas estratégicas para não precisar abdicar do
princípio da independência editorial. Desafiando previsões pessimistas sobre a irreversibilidade
(ou irresistibilidade, como disse Bourdieu) de responder-se às exigências de um mercado volátil
e imprevisível, a Zahar tem optado por abranger uma fatia menor do mercado, renovando a
tradição com a possível autonomia para decidir o que, quanto, quando e como publicar.
115
Dessa forma, respondendo à pergunta sobre o que significa, então, ser um editor nos
dias atuais, talvez se possa dizer que a Zahar responde da seguinte maneira: ser editor, conforme
a editora concebe o ofício, é enfrentar desafios, é tentar sobreviver em meio a uma grande
dificuldade financeira, é buscar permanentemente soluções criativas que viabilizem continuar-
se a ser editor. É não abdicar facilmente do papel de mediador e fomentador da produção e
publicação de livros como bens culturais, enquanto for possível.
116
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