história e memória na revista araucaria de...

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Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008 ISBN - 978-85-61621-01-8 1 História e Memória na revista Araucaria de Chile 1 Êça Pereira da Silva 2 Resumo Este artigo é parte da pesquisa de mestrado intitulada Araucaria de Chile (1978-1990): a intelectualidade chilena exilada, que estuda os debates dos intelectuais chilenos exilados a partir desta revista cultural engajada politicamente na luta contra a ditadura pinochetista. A história chilena foi um dos temas de debate que perpassou a revista Araucaria devido à necessidade de avaliar os erros cometidos pela esquerda durante o governo da Unidade Popular e, ao mesmo tempo, discutir as formas possíveis de luta contra a ditadura. A memória das lutas populares no Chile também mereceu a atenção desta publicação, pois consistia numa tentativa de compilação documental das memórias por parte da revista para que seus leitores pudessem conhecer os momentos decisivos da história chilena através de versões alternativas àquelas oferecidas pela Junta Militar. A história na Araucaria. La catástrofe tenía raízes. Estábamos enamorados de un pasado que nunca existió y olvidamos con frequencia el que sí existió. Esa version de la historia fabricada por los que manejaron la historia nos llenó la cabeza de pájaros y lagunas. Por esos vacíos, por esos hoyos negros, se metió el fascismo 3 . A frase que abre este artigo foi proferida por Volodia Teitelboim, na comemoração dos três anos da Araucaria ao justificar a necessidade de uma revista intelectual que promovesse a reflexão sobre a história chilena. Segundo alguns membros do Comitê Político do Partido Comunista Chileno em entrevista concedida por ocasião de seu 60° aniversário, o interesse pela história chilena era uma constante no PCCh. Para Volodia, este destaque aos temas históricos se devia a luta do partido e demais forças democráticas para não permitir que a Junta se apoderasse do legado de personagens como Gabriela Mistral. Na mesma ocasião Américo Zorrilla e Luis Corvalán lembraram que o PCCh sempre fez uso de sua imprensa para valorizar e rememorar as lutas da classe trabalhadora, como fora o caso do jornal El Siglo e obras de alguns de seus dirigentes como Orlando Millas em seu livro El anti-militarista Diego Portales 4 . O comitê de redação da revista Araucaria era independente, e não recebia determinações do Comitê Central do PCCh sobre o que deveria ser publicado, mas por ser formado por membros do PCCh tinham minimamente alguns 1 Esta pesquisa foi possível graças ao apoio da FAPESP. 2 Mestranda em História Social na Universidade de São Paulo (USP). Mail [email protected] 3 TEITELBOIM, Volodia. La fiesta de las Araucarias. Araucaria de Chile, Madrid, n°14, p.203., abril/junio1981. 4 ORELLANA, C. ,VARAS, J.M. e VARGAS, G. Sesenta años del PCCh: mesa redonda con la Comisión Política del PCCh. Araucaria de Chile, Madrid, n°17, p.23-76 , enero/marzo1982.

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Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008 ISBN - 978-85-61621-01-8

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História e Memória na revista Araucaria de Chile1

Êça Pereira da Silva2

Resumo

Este artigo é parte da pesquisa de mestrado intitulada Araucaria de Chile (1978-1990): a intelectualidade chilena exilada, que estuda os debates dos intelectuais chilenos exilados a partir desta revista cultural engajada politicamente na luta contra a ditadura pinochetista. A história chilena foi um dos temas de debate que perpassou a revista Araucaria devido à necessidade de avaliar os erros cometidos pela esquerda durante o governo da Unidade Popular e, ao mesmo tempo, discutir as formas possíveis de luta contra a ditadura. A memória das lutas populares no Chile também mereceu a atenção desta publicação, pois consistia numa tentativa de compilação documental das memórias por parte da revista para que seus leitores pudessem conhecer os momentos decisivos da história chilena através de versões alternativas àquelas oferecidas pela Junta Militar.

A história na Araucaria.

La catástrofe tenía raízes. Estábamos enamorados de un pasado que nunca existió y olvidamos con frequencia el que sí existió. Esa version de la historia fabricada por los que manejaron la historia nos llenó la cabeza de pájaros y lagunas. Por esos vacíos, por esos hoyos negros, se metió el fascismo3.

A frase que abre este artigo foi proferida por Volodia Teitelboim, na comemoração dos três

anos da Araucaria ao justificar a necessidade de uma revista intelectual que promovesse a reflexão

sobre a história chilena. Segundo alguns membros do Comitê Político do Partido Comunista

Chileno em entrevista concedida por ocasião de seu 60° aniversário, o interesse pela história chilena

era uma constante no PCCh. Para Volodia, este destaque aos temas históricos se devia a luta do

partido e demais forças democráticas para não permitir que a Junta se apoderasse do legado de

personagens como Gabriela Mistral. Na mesma ocasião Américo Zorrilla e Luis Corvalán

lembraram que o PCCh sempre fez uso de sua imprensa para valorizar e rememorar as lutas da

classe trabalhadora, como fora o caso do jornal El Siglo e obras de alguns de seus dirigentes como

Orlando Millas em seu livro El anti-militarista Diego Portales4. O comitê de redação da revista

Araucaria era independente, e não recebia determinações do Comitê Central do PCCh sobre o que

deveria ser publicado, mas por ser formado por membros do PCCh tinham minimamente alguns

1 Esta pesquisa foi possível graças ao apoio da FAPESP. 2 Mestranda em História Social na Universidade de São Paulo (USP). Mail [email protected] 3 TEITELBOIM, Volodia. La fiesta de las Araucarias. Araucaria de Chile, Madrid, n°14, p.203., abril/junio1981. 4 ORELLANA, C. ,VARAS, J.M. e VARGAS, G. Sesenta años del PCCh: mesa redonda con la Comisión Política del PCCh. Araucaria de Chile, Madrid, n°17, p.23-76 , enero/marzo1982.

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interesses convergentes.

A revista Araucaria publicou constantemente em suas páginas artigos cuja a intenção era

refletir sobre diversos aspectos da história, principalmente do Chile. Tais artigos, se concentraram

no início da publicação na seção Examenes, mas a partir do número 20, surgiu a seção Calas en la

Historia de Chile, que divulgou especialmente trechos de livros e pesquisas então em andamento.

Esta seção apareceu em catorze das 48 edições da revista, há ainda alguns especiais sobre temas

específicos como a Revolução Francesa, Russa e Cubana. A Araucaria reservou também um

espaço para o registro da memória na publicação: a seção La historia vivida concentrou relatos de

pessoas que viveram momentos particularmente decisivos da história chilena como a Frente

Popular, a Unidade Popular, o golpe e a repressão fosse na prisão ou no exílio; esta seção surgiu

ainda no primeiro número e se repetiu em 30 edições. Serão analisados aqui como a história e a

memória apareceram na revista Araucaria.

Os textos relativos às discussões históricas publicados são de autores diversos e representam

a multiplicidade das pesquisas realizadas naquele momento. Segundo os dados fornecidos pela

revista, apenas quatro autores que publicaram nesta seção se encontravam no Chile5, os demais

pesquisadores trabalhavam no exterior6. As pesquisas divulgadas abordavam temas que

preocupavam a esquerda chilena exilada. Para melhor analisar a presença da história na revista, os

artigos foram divididos em três categorias: aqueles que tratam de ideais emancipatórios, os que

tratam da história da direita chilena e a história da classe trabalhadora.

O ideal emancipatório

Os artigos que traziam como tema o ideal emancipatório eram aqueles que apresentam como

questão central a preocupação com um “pensamento original chileno” (na maioria dos casos) ou

latinoamericano7, mesmo abarcando distintos períodos históricos, abordavam este aspecto da

nacionalidade. Este pensamento original manifestou-se na ação de alguns personagens que

deveriam ser recordados e tomados como referência, especialmente naqueles anos em que a 5 Os autores são Carlos Ossandon B., Maximiliano Salinas, Cecilia Salinas Alvarez e Hernán Soto. 6 Os autores que estavam no exílio eram: Luiz Bocaz (França), Virginia Vidal (Venezuela), Pedro Bravo Eliozondo (EUA), Fernando Casanueva (França), Hernán Villablanca, Jaime Concha (EUA), Olaf Gaudig, Peter Viegt (Alemanha Oriental) , Juan Contreras Figueroa (Hungria) 7 Os artigos que identificam claramente este ideário são os seguintes: BOCAZ, Luis. Chile en 1900:la emergencia del intelectual de capas medias. Araucaria de Chile, Madrid, n °31, p. 101-111, julio/ septiembre 1985. OSSANDON, Carlos A.“Nuestra América”de José Martí. Araucaria de Chile, Madrid, n°10, p. 23-32, abril/ junio 1980. ___________________. La “emancipación mental” en el siglo XIX uma tarea del liberalismo latinoamericano. Araucaria de Chile, Madrid, n °31, p. 75-83, julio/ septiembre 1985

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esquerda chilena bateu-se intensamente em duas frentes: contra a ditadura, e também entre si ora

mapeando internamente os “erros” cometidos durante a UP, ora discutindo qual o melhor caminho

para a redemocratização do país.

Esta preocupação com um “pensamento original” estava muito vinculada com a via chilena

ao socialismo, interpretada durante os anos da Unidade Popular como fruto de uma história da

ampliação gradual e progressiva da democracia no país. Com o Golpe de Estado, este projeto foi

frustrado, contudo, a busca de uma originalidade do pensamento chileno passou a se vincular à

construção de uma institucionalidade democrática que não estivesse atada a interesses externos.

Desta forma personagens como Francisco Bilbao (1823-1865), Luis de Valdívia (1560-1642),

Pedro de Valdívia (1497-1553), Bernardo O`Higgins (1778-1842), Jose Miguel Carreira (1785-

1821), Manuel Rodríguez (1785-1818), e Andrés Bello (1781-1865) adquiriram dimensões

especiais naquele momento para o Chile.

Segundo Luis Bocaz8, a base desta “originalidade” ou “especificidade chilena” é a obra de

Andrés Bello. Assim, o projeto de autonomia intelectual chilena teve início ainda no século XIX

com o intelectual venezuelano e no decorrer do século XX teria ganho força concretizando-se

politicamente na formação da Frente del Pueblo, da FRAP (Frente de Acción Popular) e por último

na Unidad Popular. Ainda segundo Bocaz, estas frentes políticas eram o veículo que alguns

intelectuais encontraram de realizar este projeto de autonomia gestado e estudado desde o XIX.

Logo entendiam a política como um meio de realizar este projeto cultural mais amplo, que estaria

além da política, configurando um projeto de cultura nacional democrática, e que nos dias atuais

enfrenta o grande desafio de demarcar sua identidade frente a onda homogenizadora da

globalização.

Andrés Bello foi o autor do primeiro código civil chileno (1855) e também o fundador e

primeiro reitor da Universidade do Chile (1843), portanto naquele momento em que a Junta Militar

realizava uma “contra-reforma” universitária era necessária uma reflexão aprofundada sobre o

projeto de universidade construído no Chile. Por esta razão, um especial sobre Andrés Bello foi

publicado na Araucaria número 16 (4o trimestre de 1981) contou com três artigos: um de Luis

Bocaz9, outro de Frederico Alvarez10 e por último um de Olga Poblete11. O fio condutor deste

8 BOCAZ, Luis. entrevista concedida a autora, Santiago de Chile, 17 de outubro de 2007. 9 BOCAZ, Luis. Andrés Bello: Politica cultural y formación social dependiente. Araucaria de Chile, Madrid, n°16, p. 79-102, octubre/ deciembre 1981 10 ALVAREZ, Frederico. Pueblo y democracia en Andrés Bello. Araucaria de Chile, Madrid, n°16, p. 103-110, octubre/ deciembre 1981.

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especial foi o papel da democracia e da autonomia intelectual latino-americana no pensamento de

Bello. Estes três artigos demonstraram a preocupação de seus autores em denunciar que as

transformações impostas pela Junta Militar ao sistema universitário estavam em oposição ao

espírito democrático e científico que teria sido o legado de Andrés Bello a Universidade do Chile.

Deve-se destacar a projeção continental da figura de Andrés Bello, pois segundo o editorial deste

mesmo número da revista, este especial foi sugerido e financiado pelos assinantes que se

encontravam na Venezuela, local de nascimento de Bello.

Alguns personagens, ainda durante o período colonial, teriam manifestado em suas atuações

diferenciadas traços desta originalidade, como Pedro de Valdívia12 e Luis de Valdívia13. A partir

das cartas escritas entre 1545 e 1552, Luis Bocaz expôs a estratégia utilizada por Pedro de Valdívia

que, para conseguir a autorização da Coroa Espanhola para a fundação da cidade de Santiago,

equilibrou uma relação direta com a monarquia sem indispor-se com o vice-rei do Peru,

diferenciando-se de outros conquistadores que caíram em desgraça por falta de habilidade política.

O outro herói do período colonial lembrado pela Araucaria foi Luis de Valdívia, a partir de um

artigo de Jaime Concha. A idéia de Concha era valorizar devidamente a obra do jesuíta Luis de

Valdívia, cujo trabalho foi muito importante para o conhecimento das línguas indígenas, além de

suas elaborações originais sobre as culturas indígenas, não se limitou a reproduzir no cone sul as

idéias de Las Casas.

Esta originalidade deste pensamento americano manifestou-se mais intensamente durante o

século XIX e atingiu seu ápice durante as lutas pela independência. É importante esclarecer que, a

causa defendida por estes heróis nacionais é a causa da liberdade contra a opressão, o que os

colocava como grandes exemplos e motivadores da luta contra Pinochet. As figuras de José Miguel

Carreira14, Manuel Rodríguez15 e Bernardo O`Higgins aparecem na revista com a função comum de

carregar a bandeira da liberdade. Nos artigos sobre Carreira e Rodríguez, o historiador Fernando

Casanueva os colocou como defensores da democracia e das liberdades contra tiranias estrangeiras

e para reforçar o peso dos exemplos, ao final de um de seus artigos comparou:

11 POBLETE, Olga. Leyendo a don. Andrés Bello.Araucaria de Chile, Madrid, n°16, p. 111-116, octubre/ deciembre 1981. 12 BOCAZ, Luis. Pedro de Valdívia y la fundación de Santiago: genesis de un espacio dependiente. Araucaria de Chile, Madrid, n °20, p. 81-95, octubre/deciembre 1982. 13 CONCHA, Jaime. Luis de Valdívia, defensor de los indios. Araucaria de Chile, Madrid, n °37, p. 123-132, enero/marzo 1987. 14 CASANUEVA, Fernando. A propósito de un bicentenário: Jose Miguel Carrera (1785-1985). Araucaria de Chile, Madrid, n °32, p. 21-37. octubre/deciembre 1985. 15 CASANUEVA, Fernando. Manuel Rodríguez (1785-1818): alcances sobre su vida y sobre su muerte. Araucaria de Chile, Madrid, n °36, p. 39-54, octubre/deciembre 1986.

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Es el caso de los tres hermanos Carrera (...), de Manuel Rodríguez, como se acaba de examinar, de Diego Portales, de José Manuel Balmaceda y de Salvador Allende. En nuestra trágica historia actual, a parte del nombre de ese último, habría que agregar otros nombres de valor, como René Schneider, José Tohá, Carlos Prats y Orlando Letellier. En todos los casos, han sido las fuerzas sociales y politicas conservadoras (exceptuando a Portales), apoyadas desde el exterior (incluyendo a Portales), las que han armado y comandado el brazo ejecutor, interpretando a su manera el escudo nacional, “por la razón o la fuerza”. En todos os casos el crimen há sido inútil, pues es la nación entera que há resultado desmedrada y las víctimas, tarde o temprano, han sido enaltecidas por el pueblo y por la historia16.

Cabe lembrar que pouco depois da publicação deste artigo, no final de 1986, a imagem do

“guerrilheiro invencível” de Manuel Rodríguez foi reivindicada pelos guerrilheiros ligados ao

PCCh, denominados Frente Patriótica Manuel Rodríguez, e suas ações eram parte da política de

Rebelião Popular de Massas. Deste modo, deve-se avaliar até que ponto o mito de Rodríguez

naquele momento era atualizado para servir como legitimador da política de “rebelião popular de

massas” levada a cabo pelo Partido Comunista Chileno naquele momento.

O principal herói da independência, Bernardo O`Higgins, foi lembrado em dois artigos da

revista Araucaria, ambos publicados em 1978, como resposta ao fato da Junta Militar ter declarado

aquele o “ano do Libertador” como homenagem ao bicentenário de seu nascimento17. O primeiro

artigo era de Iván Ljubetic, e visava mostrar a oposição entre os ideais de liberdade do exército

liderado por O`Higgins e a “liberdade” promovida pelo exército de Pinochet. O segundo artigo

sobre O`Higgins foi assinado pelo diretor da revista Volodia Teitelboim, que comparou sua

trajetória a de Allende, no sentido de serem dois mártires da causa da independência nacional contra

a submissão aos interesses imperialistas; Volodia recordou ainda a condição de exilado na qual o

libertador morreu no Peru.

Depois das lutas que resultaram na independência do país, houve também pensadores do

século XIX que fizeram críticas aos moldes liberais estabelecidos para o Estado, apontaram que

este não dava conta de resolver o problema das desigualdades, estes pensadores também mereceram

destaque na revista Araucaria, a saber: Francisco Bilbao18 e Alejandro Venegas (1871-1922)19. O

texto sobre Bilbao, assinado por Virgínia Vidal, enfatiza a crítica deste intelectual à desigualdade 16 Idem p. 53-54 17 LJUBETIC, Iván O`Higgins a 200 años de su nascimento. Araucaria de Chile, Madrid, n°3, p. 202-204 julio/septiembre 1978. e TEITELBOIM, Volodia. O`Higgins 200 años después. Araucaria de Chile, Madrid, n°4, p. 93-127 octubre/deciembre 1978. 18 VIDAL, Virginia. Francisco Bilbao, el peregrino del porvenir. Araucaria de Chile, Madrid, n °20, p. 97- 108, octubre/deciembre 1982. 19 OSSANDON A. , Carlos. Alejandro Venegas y las posibilidades de un pensamiento nacional. Araucaria de Chile Madrid, n °20, p. 111- 126, octubre/deciembre, 1982.

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social, e afirma que a idéia de revolução social já estaria presente na tentativa de revolução liderada

por ele em 1851. O texto sobre Venegas, intitulado “Alejandro Venegas y las posibilidades de un

pensamiento nacional” assinado por Carlos Ossandón mostra como este intelectual, na contramão

do otimismo do período do centenário, vislumbrava uma crise moral que assolava a sociedade

chilena. Para Ossandón, a originalidade de Venegas estava para além deste diagnóstico de crise, em

sua radicalidade e na possibilidade se uma saída através da regeneração da sociedade.

Estes personagens históricos tem em comum o fato de terem manifestado em suas ações ou

elaborado em suas obras teóricas elementos que formavam a identidade dos chilenos. Essa

identidade pátria afirmada pela recorrência a heróis comuns adquiriu durante o exílio a função de

criar um ideário da nação contra a opressão - ou melhor - contra a ditadura.

A história da direita chilena na Araucaria

As investigações históricas publicadas pela revista para denunciar as origens do “fascismo”

que naquele momento havia tomado o poder no Chile. A classificação do golpe militar de fascista

era uma forma de buscar solidariedade das nações européias a partir da identificação do governo

pinochetista com o de Mussolini e Hitler, apontando práticas comuns como o uso de campos de

concentração e a eliminação física dos opositores aos regimes, e ao mesmo tempo diminuindo a

importância das diferenças como a inexistência de um partido único e de uma política de massas

que alimentasse um movimento civil que apoiasse o regime no caso chileno. Portanto devemos

mostrar como as lutas políticas influenciaram esta produção sobre o passado20.

Esta questão se destacou no primeiro artigo que seguia o editorial. Com a responsabilidade

de abrir o primeiro número da revista Araucaria foi publicado o ensaio de Hernán Ramírez

Necochea, historiador e membro do Comitê Central do PCCh. Em seu ensaio “El fascismo en la

evolución política de Chile hasta 1970”21 o autor identificou as origens da ideologia fascista no

Chile desde o final do século XIX com a vitória na Guerra do Pacífico (1879), esta ideologia teria

se materializado em diversos movimentos (Ligas Patrióticas, Movimento Nacional Socialista, Los

Estanqueros e Partido Nacional são alguns exemplos descritos) que nunca alcançaram um caráter

massivo, mas o historiador aponta que estes movimentos foram um fenômeno crescente que a

esquerda não avaliou e combateu devidamente. 20 Sobre os usos políticos do passado: RUIZ TORRES, Pedro. Les usages politiques de l’histoire em Espagne. Formes, limites et contradictions. IN HARTOG, F. et REVEL, J. (dir) Les usages politiques du passé. Paris: Enquête Éditions de L’École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2001, p. 129-156 21 RAMIREZ N., Hernán. El fascismo en la evolución de Chile hasta 1970. Araucaria de Chile, Madrid, n °1, p. 9- 33 enero/marzo 1978.

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Na segunda edição da revista foram publicados dois artigos que procuram explicar as

filiações políticas da Junta Militar. O primeiro foi assinado por Bernardo Subercaseaux e intitulado

“Diego Portales y la Junta Militar chilena: singularidad historica e aproximación retorica22” no

qual o objetivo do autor era denunciar o uso político do passado empreendido pela Junta Militar ao

utilizar-se da figura de Portales como seu referencial político. Subercaseaux valeu-se de uma edição

das correspondências de Portales para estuda-lo em sua singularidade, verificando que apesar de seu

autoritarismo era um nacionalista e havia tentado promover o desenvolvimento do Chile de modo

autonômo, com uma política protecionista. Deste modo a busca de legitimação da Junta Militar

projetando-se como continuadores da obra portaliana seria uma falácia pois o modelo neoliberal

adotado pelos militares através da radical abertura dos mercados provocando a quebra de muitos

produtores nacionais havia aprofundado a dependência internacional estando em completa

contradição com a política protecionista defendida por Portales em sua correspondência estudada

por Subercaseaux.

Imediamente após este artigo, na mesma seção desta revista há outro texto também

relacionado a presença autoritária da direita chilena. Desta vez o autor é o destacado crítico literário

Miguel Rojas-Mix23 que através do percurso do conceito de hispanismo verificou a relação do

ideário da Junta Militar àquele surgido na Espanha após o fim do império em 1898 e reelaborado

durante o franquismo para reaproximar-se de suas ex-colônias americanas24. Segundo o autor, a

Junta Militar se identificava com os valores do hispanismo principalmente porque estes lhe

conferiam justificativas para a perseguição contra a oposição. Algumas destas justificativas eram o

respeito inquestionável a hierarquia social colocando o governo como uma função a ser exercida

pelos mais fortes, nessa lógica a democracia era igualada ao caos social; além disso, a adoção da

religião católica em suas vertentes mais conservadoras também eram parte do ideário hispanista,

fazendo com que grupos laicos (como os comunistas) fossem igualados a condição de hereges

(logo anti-pátria). O autor esclareceu ainda que a presença da ideologia hispanista nos discursos da

Junta Militar se devia a influência da obra de Jaime Eyzaquirre (1908-1968), jornalista, ensaísta e

historiador, professor da U. Católica fundador de uma escola histórica conservadora.

22 SUBERCASEAUX, Bernardo. Diego Portales y la Junta Militar Chilena: singularidad historica y aproximación retórica. Araucaria de Chile, Madrid, n°2, p. 29-45, abril/ junio 1978. 23 ROJAS-MIX, Miguel. El hispanismo ideologia de la dictadura en Hispanoamerica. Araucaria de Chile Madrid, n° 2, p. 47-59, abril/ junio 1978. 24 Para maiores informações sobre a elaboração do hispanismo para a América Latina. Ver: CAPELATO, M.H. “Cuadernos Hispanoamericanos. Idéias políticas numa revista de cultura” IN Varia História. Belo Horizonte: vol. 21, nº34 p. 344-370, julho 2005

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Na Araucaria 41 foi publicado o artigo “¡... y mañana el mundo entero!” de Olaf Gaudeg e

Peter Veit25 que era parte da pesquisa de seus autores sobre as influências da ideologia nazista na

direita chilena. Os autores mostraram como a ideologia nazista esteve presente na grande colonia

alemã26 no Chile e que teria conseguido influenciar membros das altas esferas das forças armadas

como os generais Carlos Vergara e Francisco Javier Díaz. Esta pesquisa mostra ainda evidências de

que houve um esforço por parte do governo alemão para despertar simpátias e conquistar mais

apoio principalmente no período que antecedeu a Segunda Guerra, através de envio de recursos

para colonia alemã. Os autores se basearam em notícias da imprensa da época para mostrar o

entusiasmo dos colonos alemães no Chile pela ideologia nazista, pois culpavam a república pela

derrota na Primeira Guerra e teriam explicitado isso valorizando o uso das cores do império em

detrimento das cores da república durante as cerimônias públicas. A conclusão do artigo aponta

certas continidades da ideologia nazista no Chile de Pinochet, principalmente no tocante as

doutrinas militares como na construção do inimigo interno e na militarização da política.

A presença do exército na arena política foi o tema da seção Calas en la historia de Chile da

revista 44. O artigo de Juan Contreras El ejercito en la politica chilena 1886-192527, trata de uma

série de reformas empreendidas no exército chileno desde o final da guerra do Pacífico até a

promulgação da constituição de 1925. O eixo da pesquisa era disputa entre os generais mais

antigos, de formação francesa que participaram da guerra e os mais jovens que defendiam um estilo

de formação prussiana, e o papel dos poderes executivo e legislativo que neutralizaram

politicamente os militares por alguns períodos através da criação da guarda nacional. Ao final os

militares reformistas que respaldaram a eleição de Alessandri e Carta Magna de 1925, conseguiram

que suas reivindicações fossem atendidas e estabeleceram certo compromisso com os civis que

durou até quando perceberam seus privilégios ameaçados por uma possível instalação do

socialismo.

Há nos dois últimos artigos citados a intenção de discutir a idéia imperante até 1973 de que

as forças armadas chilenas seriam historicamente respeitadoras da instituicionalidade. Os dois

artigos procuram mostrar que este respeito às leis era resultado do atendimento das demandas dos

militares e de acordos entre os grupos civis no poder, com isso a não intervenção dos militares na

25 GAUDEG, Olag e VEIT, Peter “¡...y mañana el mundo entero!”Antecedentes para la historia del nacionalsocialismo en Chile. Araucaria de Chile, Madrid, n° 4, p.99-117, enero/marzo 1988. 26 Segundo os autores a colonia alemã no Chile em 1938 era de aproximadamente 35 mil pessoas, numa população total de 4,5 milhões. 27 CONTRERAS, Juan. El ejercito en la politica chilena 1886-1925. Araucaria de Chile, Madrid, n° 44, p 55-73 octubre/deciembre 1988.

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política resultava não de sua crença na democracia, mas da ausência de ameaças de transformações

sociais profundas que pudessem deslocar os grupos então no poder; essa situação teria durado até

1970, quando perceberam seus privilégios em risco e não hesitaram em clamar pelo golpe militar.

A história dos trabalhadores na Araucaria

Nos trabalhos históricos publicados pela revista Araucaria há uma forte presença das classes

populares exposta principalmente em seus aspectos culturais e em suas lutas políticas, mesmo

porque estes aspectos quase sempre aparecem juntos nas pesquisas publicadas. Há dois artigos do

historiador Pedro Bravo Eliozondo28 no sentido de mostrar como a cultura foi parte essencial das

primeiras organizações de trabalhadores no Chile; em ambos a imprensa operária foi

simultaneamente fonte e objeto de investigação pois exercia o importante papel de ser a principal

porta-voz da cultura da classe trabalhadora.

A principal fonte utilizada por Pedro Bravo Eliozondo foi o periódico Despertar de los

trabajadores idealizado e dirigido por Luis Emílio Recabarren, fundador do PCCh, desde seu

primeiro número em 1912. Neste periódico também trabalhou Elias Lafferte principal dirigente

comunista dos anos 20 e 30. Eliozondo mostra como a imprensa operária do período funcionava

como disseminadora de cultura publicando poemas e divulgando eventos como reuniões,

encenações teatrais e bailes que aconteciam na própria sede do jornal que funcionava como um

centro cultural operário. A idéia era utilizar a cultura como um meio de reunir, conscientizar e

mobilizar a classe trabalhadora.

A revista Araucaria em muitas ocasiões publicou textos no sentido de rememorar fatos

importantes da história chilena, e sem dúvida um dos divisores de águas da história da classe

trabalhadora chilena foi o episódio do massacre da Escuela de Santa Maria de Iquique, tema da

seção Calas de la história de Chile da edição 35 da revista. O especial foi aberto pelo um artigo

também de autoria de Pedro Bravo Eliozondo La gran huelga del salitre29 onde narrou

detalhamente os eventos que desencadearam na sangrenta repressão a um greve que reivindicava o

aumento do valor da jornada paga aos trabalhadores. Este artigo foi seguido por uma cronologia do 28 BRAVO ELIOZONDO, Pedro. El despertar de los trabaladores (1912- 1922). Araucaria de Chile, Madrid, n° 27, p.15-28, julio/ septiembre 1984. __________________________ Chile en 1900: aspectos de la cultura popular. Araucaria de Chile, Madrid, n° 31, p.85-98, julio/deciembre 1985 29 BRAVO ELIOZONDO, Pedro.La gran huelga del salitre. Araucaria de Chile, Madrid n° 35,p.73-87, julio/septiembre 1986.

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massacre organizada pelo historiador Eduardo Devés, e concluída com a resenha do livro El

movimiento obrero en Chile 1891-1919 do historiador Fernando Ortiz Letelier. Essa resenha é

assinada por Pedro de Santiago, pseudônimo de Carlos Orellana, secretário de redação da revista.

Ortiz foi amigo próximo de Orellana e encabeçava direção clandestina do PCCh quando foi preso

desde então entrou para a lista dos desaparecidos em dezembro de 1976. O relançamento de seu

livro pelas ediciones Michay (a própria revista Araucaria) era também uma homenagem na ocasião

que se cumpria dez anos de seu assassinato.

O teólogo Maximiliano Salinas publicou três estudos na revista Araucaria sobre o tema do

imaginário popular. O primeiro foi publicado na seção Examenes da Araucaria 19 intitulado La

sabiduria campesina y popular chilena en el siglo XIX30 neste estudo, o autor define a sabedoria

popular como um campo de conhecimentos articulados pelas classes populares com a finalidade de

resistir a um mundo ordenado pelas classes opressoras. Esta sabedoria é apresentada pelo autor

como coletiva, conflitual e festiva e se enraizaria e transmitiria através de ditos, cantigas, orações e

lendas apesar de ser comumente taxada como crendice pelas elites.

Na seção Calas de la historia de Chile da revista 36 o autor publicou El bandolero chileno

del siglo XIX su imagen em la sabiduria popular31. A partir de versos e canções populares o autor

mostrou que o banditismo era visto como um tipo de rebelião popular contra as injustiças sociais.

Deste modo, o bandido aparecia como o vingador dos mais pobres contra a opressão dos mais ricos.

Em seu estudo o autor focou o aspecto religioso da figura do bandido, pois em muitos versos

populares era comparado a figura do cristo, punido por ajudar os mais pobres e também o mostra

como homem de fé, exemplificando com algumas orações que foram atribuídas a bandidos

famosos. Esta imagem de vingador do povo oprimido, atribuída aos bandidos, estava sendo

reivindicada pelos guerrilheiros da Frente Patriótica Manuel Rodríguez. Este ensaio sobre o

bandoleirismo foi publicado no final de 1986, quando a política da rebelião popular de massas, já

era pública, mas a FPMR ainda não havia aparecido publicamente. Isto não invalida a hipótese

deste estudo estar relacionado a construção de uma positividade do imaginário da guerrilha nas

classes populares chilenas.

O mesmo Salinas publicou nesta mesma linha Demonogia y colonialismo: historia de la

30 SALINAS, Maximiliano. La sabiduria campesina y popular chilena en el siglo XIX. Araucaria de Chile, Madrid, n° 19, p.81- 96 julio/septiembre 1982. 31 SALINAS, Maximiliano. El bandolero chileno del siglo XIX, su imagen en la sabiduria popular. Araucaria de Chile Madrid, n° 36, p.57- 75 octubre/deciembre 1986.

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compreensión folklorica del diablo32 onde verifica que do século XVI até o século XIX a imagem

do demônio era associada à rebeldia, por isso indígenas, africanos e independentistas foram em

algum momento demonizados pela religiosidade oficial; enquanto que na religiosidade popular os

demônios eram associados a riqueza e os demonizados foram sempre os ricos, os sacerdotes e os

judeus. A intenção de tal artigo era mostrar como a luta de classes se expressava também no campo

dos valores e práticas religiosas, pois se para a elite o mal estava associado às camadas populares,

principalmente aos rebeldes, aos que não aceitavam humildemente seu destino. Para os pobres o

mal estava associado à opressão sofrida e àqueles que concentravam o poder.

A revista Araucaria por ser uma revista cultural de esquerda não poderia se esquecer de um

personagem central na história da classe trabalhadora chilena: Luis Emílio Recabarren Serrano.

“Don Reca” aparace na revista número 19 e depois em três artigos da Araucaria 35 por ocasião da

comemoração de 110 anos de seu nascimento. Mas sempre era citado como referência obrigatória,

como percusor das organizações de trabalhadores, e segundo Osvaldo Fernádez, um dos primeiros a

produzir marxisto-latinoamericano.

O artigo publicado no número 19 da revista foi assinado por Manuel Castro33, pseudônimo

de Augusto Samaniego e tinha o claro objetivo de discutir o legado histórico de Recabarren,

principalmente aquele difundido pelo Partido Comunista nos anos 30. O autor baseou-se em mais

de 120 artigos escritos por Recabarren desde que ele era militante do Partido Democrata, passando

pela fundação do Partido Obrero Socialista em 1912 e sua mudança para Partido Comunista em

1922. Para Samaniego, Recabarren sempre foi um ativista revolucionário socialista em sua ação, se

devidamente inserido em seu tempo e lugar, mesmo considerando a dificuldade de aprofundamento

teórico nas obras de Marx e Lenin, apenas possível depois de sua viagem a Europa nos anos de

1920. O que o autor combatia em seu artigo era a leitura que chamou de stalinista proposta por

Corvalán (secretário geral do PCCh de 1957 até 1989) nos anos 30, segundo a qual Recabarren

teria sido apenas um reformista que “evoluiu” para o socialismo ao após fundar o PCCh em 1922.

Samaniego aponta como originalidade do pensamento de Recabarren a luta por uma ampliação da

democracia, pois o socialismo somente seria possível de ser instalado com um amplo movimento de

massas, que tomassem o poder. Através deste argumento, fica claro que o autor lia em Recabarren

os primeiros passos do que foi a via pacífica para o socialismo 32 ____________________. Demonologia y Colonialismo: hsitoria de la compreension folklorica del diablo. Araucaria de Chile, Madrid, n° 45, p.117-134, enero/marzo 1989. 33 CASTRO, Manuel. Recabarren: su legado. Araucaria de Chile Madrid, n° 19, p.59-78. Julio/ septiembre 1982.

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Na revista 3534, Ronald Wilson (provavelmente um pseudônimo que não foi identificado)

publicou um trabalho com a intenção de esclarecer os pontos chaves da evolução do pensamento de

Recabarren35, claramente se tratava de uma resposta a uma discussão que persistia mesmo quatro

anos depois da publicação do artigo de Samaniego. Para Wilson, quando Recabarren fundou o

Partido Comunista em 1922, o marxismo já havia sido alcançado por ele e demais militantes, que

superaram o anarquismo e o socialismo utópico. Além disso, Recabarren já tinha claro que o poder

somente poderia ser tomado pela força, uma vez que o exército era uma arma institucional da

burguesia. A discussão explícita entre as imagens de Recabarren propostas por Samaniego e

Wilson, na verdade implicitamente diz respeito a manutenção da luta contra a ditadura pela via

democrática ou apoio a via insurreicional, percebe-se que esta questão ainda m discussão no PCCh,

pois nem todos os militantes aceitaram a via insurreicional. Contudo é inegável que a figura de

Recabarren era um refencial para os militantes chilenos que almejavam pautar muitas de suas

escolhas presentes no legado da originalidade do pensamento e ação de “Don Reca”.

Por último, abordando a história da classe trabalhadora na revista Araucaria há o trabalho

de Eduardo Devés Orígenes del socialismo chileno. Através do estudo de alguns termos chave do

mutualismo chileno como associação, instrução, moralidade e proteção a indústria nacional, o

historiador mostra como as associações mutualistas, gradualmente se politizam para defender o

mercado dos artesãos naquela sociedade da virada do XIX para o XX. Para Devés essas sociedades

mutualistas poderiam inscrever-se no que Leopoldo Zea chamou de emancipação mental, ou seja,

completar a nível cultural aquilo que a independência política não havia alcançado. Assim os

artesãos em sua luta para garantir um lugar na sociedade, resisindo a crescente proletarização,

elaboraram e propuseram uma série de medidas par defender a nação das mercadorias importadas.

A memória na Araucaria

Um dos objetivos da revista Araucaria era ser um registro para as gerações futuras daqueles

anos de exílio e lutas da esquerda chilena, deste modo o registro da memória era fundamental para

que não se perdesse as dimensões pessoais da tragédia coletiva que havia sido o golpe de 1973. 34 Nesta edição há ainda dois artigos sobre Recabarren, que são: MILLAS, Orlando. Los escritos de prensa de Recabarren. Araucaria de Chile Madrid, n° 35, p.110-113, julio/septiembre 1986 que é uma resenha crítica da coletânea de textos de Recabarren lançada no Chile por Eduardo Deves e Ximena Cruzat; e LJUBETIC, Ivan. Don Reca en vários tempos. Araucaria de Chile, Madrid, n° 35, p.113-117 julio/septiembre 1986 no qual o autor atesta em diversos contatos com a classe trabalhadora chilena a presença de Recabarren na vida destas pessoas. 35 WILSON, Ronald. La herencia política de Luis Emilio Recabarren. Araucaria de Chile. Madrid, n° 35, p.93-109 julio/septiembre 1986

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Assim a seção la historia vivida publicou relatos, trechos de livros e entrevistas reunindo um

importante material testemunhal sobre momentos decisivos da história chilena.

La historia vivida publicou algumas histórias de personagens que viveram os anos 30, o

testemunho de personagens tão longevos mostrava em primeira pessoa as trasformações de quase

meio século que o país havia sofrido. A seção na revista 17 publicou parte da auto-biografia do

poeta Julio Moncada36, onde durante sua infância no ano de 1929 testemunhou o exôdo dos

trabalhadores que chegavam a Santiago vindos do norte, em busca de trabalho, muitos se alojaram

no bairro Bellavista onde vivia a família do poeta. Destes trabalhadores escutou pela primeira vez o

nome do lendário revolucionário Luis Emílio Recabarren. O conhecimento sobre este personagem o

teria aproximado de Sanchéz vendedor de amendoim de sua adolescência, que lhe indicou as

primeiras leituras, e no período da guerra civil espanhola, de Elias Lafferte, discípulo direto de

Recabarren. Desta forma o poeta contou como o povo o teria apresentado a seus heróis.

O jornalista Leonardo Cáceres37 reuniu 50 anos depois o testemunho de cinco republicanos

espanhóis que encontraram refúgio no Chile embarcando na viagem do barco Winnipeg. Este barco

partiu da França em 5 de agosto de 1939 e chegou ao Chile um mês depois. Essa viagem foi

resultado dos esforços pessoais do embaixador do Chile naquele país, o poeta Pablo Neruda, para

salvar militantes republicanos perseguidos pelo franquismo e pelo avanço fascista na Europa.

Cáceres nas entrevistas realizadas em Madrid procurou através da história de vida de cada um dos

entrevistados mostrar o Chile como a pátria do asilo contra la opressión como diz a letra da canção

pátria. Nos depoimentos, além do envolvimento de cada um na luta pela Espanha Republicana e o

modo como chegaram ao Winnipeg, aparecem as primeiras impressões do Chile, o sentimento de

traição da causa com o Pacto Hitler-Stalin daqueles que eram militantes comunistas e por fim o

sentimento do regresso à terra natal, sendo que alguns estavam em no segundo exílio, desta vez

fugindo de Pinochet.

A memória do Chile como pátria do asilo também esteve presente nas memórias do escritor

alemão Walter Klein38 publicadas na Araucaria 21. Klein entrou no Chile com um visto comercial

de duração de seis meses que fora concedido após o pagamento de taxas comuns na representação

diplomática chilena em Praga. O autor enfatizou a receptividade chilena em comparação a outros

36 MONCADA, Julio Encuentro con Recabarren. Araucaria de Chile.Madrid, n°17, p.17-21.enero/marzo 1982. 37 CACERES, Leonardo. El winnipeg 40 años después.. Araucaria de Chile. Madrid, n°8, p.47-68, octubre/deciembre 1979. 38 KLEIN, Walter. El exilio desde del otro lado del espejo.Araucaria de Chile Madrid, n°21, .p.45-51, enero/ marzo 1983

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países, em cujas embaixadas, segundo o autor funcionava um lucrativo comércio de vistos para

aqueles que queriam fugir da anunciada Segunda Guerra. O escritor alemão contou que pode

entender o gesto dos diplomatas chilenos e compreender a sensação de segurança encontrada no

Chile, ao encontrar casualmente com o então presidente Pedro Aguirre Cerda que passeava

acompanhado apenas por sua esposa pelo Cerro Santa Lucía. Klein notou a diferença de estar num

país governado pela Frente Popular, onde pode contar apenas com a solidariedade dos funcionários

responsáveis pelos trâmites burocráticos, que o teriam ajudado sem esperar recompensas

financeiras, diferentemente do clima do período, segundo o autor.

Em 1982 faleceu em Santiago Carlos Contreras Labarca, que foi Secretário Geral do PCCh

entre 1931 e 1946, e para homenageá-lo a Araucaria publicou parte de suas memórias redigidas

enquanto esteve exilado na República Democrática Alemã em 1976. No trecho selecionado pela

revista o autor contou sobre sua participação na formação da Frente Popular, Labarca narrou sua

participação no VII Congresso da Internacional Comunista, onde o dirigente soviético Dimitrov

propôs a fórmula das frentes populares em 1935, e sua participação na política de alianças traçada

pelo PCCh até a vitória eleitoral de 1938. Ao final de seu texto, Contreras Labarca afirmou que a

ruptura da Frente Popular em 1939, foi algo muito traumático, pois “sin la unidad da clase obrera,

Chile no marcha”39. Claro que este testemunho, escrito após o golpe concluia com um apelo à

historicamente complicada unidade comunista-socialista.

Em algumas memórias publicadas aparece também a ligação entre arte e política. Na

Araucaria 28, a seção La historia vivida apresenta o texto Evocando a Margarida Naranjo,

assinado por Rosario Madariaga e Manuel Castro, na verdade pseudônimos de Cecília Salinas e

Augusto Samaniego40. Naranjo foi imortalizada como personagem literária por Pablo Neruda em

seu Canto General publicado clandestinamente pela primeira vez no Chile em 1950. Na Araucaria

ela foi evocada através da memória de seu companheiro Carlos (que no Canto General se chama

Antonio) que contou como foi sua vida de trabalhador nas minas do norte e como conheceu

Margarida Naranjo. A tragédia desta jovem que faleceu aos 26 anos após uma greve de fome para

libertar seu companheiro do campo de concentração de Piságua no período do governo de Gabriel

González Videla foi descrita em belos versos de Neruda que intercalam o relato de seu

companheiro na revista. Margarida foi o símbolo da mulher abnegada que entregou sua própria 39 CONTRERAS LABARCA, Carlos. La Frente Popular en Chile: los años de su fundación. Araucaria de Chile Madrid, n°20, p.129-139, octubre/deciembre 1982. 40 CASTRO, Manuel e MADARIAGA,Rosario. Evocando Margarida Naranjo. La historia vivida. Araucaria de Chile Madrid, n°28, p.63-71, octubre/deciembre 1984 .

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vida para tentar salvar a de seu amor, cujo senso de sacríficio foi parte de uma das mais belas e

engajadas obras de Neruda.

A Araucaria publicou também uma entrevista com um participante quase desconhecido de

momentos decisivos da cultura e da política nacional: Santiago Aguirre, ou “Capitán Aguirre” para

Neruda, foi entrevistado pelo jornalista Luis Alberto Mansilla41. Aguirre era militante comunista

desde 1932 e fundou em 1937 a Alianza de los Intelectuales que tinha o objetivo de combater a

expansão do fascismo no Chile mas a entrevista não detalhou as atividades desta Alianza. A

entrevista versou sobre sua amizade com Allende e sua experiência no exílio. Em seu relato

descreveu seu retorno para o Chile em 1980, já com mais de 70 anos e os problemas que enfrentou

com o assédio da ditadura tornou sua permanência impossível, no momento da entrevista Aguirre se

preparava para reingressar em seu país de modo definitivo.

As memórias eram também um modo de denunciar o que acontecia no país durante a

ditadura: os textos de Miguel Lawner, Eduardo Labarca Goddard, Sergio Villegas, Carlos Orellana

e Andres Antonio Valenzuela Morales narraram em primeira pessoa episódios vividos após o 11 de

setembro; cada uma delas funciona como uma peça de um quebra-cabeça que somadas resultam na

paisagem do que foi o golpe.

Logo no número de lançamento da revista Araucaria, La historia vivida publicou o

depoimento de Eduardo Labarca Goddard, intitulado El golpe por dentro42. Este personagem era

membro da Força Aérea Chilena e contou como clima para o golpe militar foi crescente nas fileiras

das Forças Armadas desde a eleição de Allende, ao mesmo tempo que os civis minimizavam o

perigo. Deste modo, sem contar com o devido respaldo dos civis os militares leais foram

identificados pelos golpistas que logo armaram estratégias para neutralizá-los, como foi o caso do

General Pratts, ou em muitos casos os soldados foram cruelmente torturados e assassinados após

desfechado o golpe, como aconteceu com o General da Força Aérea Alberto Bachelet.

O secretário de redação da revista, Carlos Orellana43, publicou na Araucaria uma narativa

onde contou seu Primer mes como prisioneiro no Estadio Chile. O autor contou que era

considerado prisioneiro de guerra pelos os militares, além disso, descreveu as atividades, os

interrogatórios, as refeições diárias, a presença da imprensa estrageira e das autoridades 41 MANSILLA, Luis Alberto. Confesiones del “misterioso Capitán Aguirre”.( Entrevista com Santiago Aguirre) . Araucaria de Chile. Madrid, n°39,p. 95-107. julio/septiembre 1987. 42 LABARCA GODDARD, Eduardo. El golpe por dentro. Araucaria de Chile. Madrid, n°1, p.67-78 enero/marzo 1978. 43 ORELLANA, Carlos. Primer Mes..Araucaria de Chile. Madrid, n°4,p.81-89, ocutubre/deciembre 1978.

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eclesiásticas. O relato de Orellana é muito interessante pela dimensão humana da tragédia, sem

almejar o status de herói conta os pequenos milagres desde a entrada de cigarros até de um

barbeador elétrico.

Também sobre sua experiência na prisão, foi publicado parte do livro de Sergio Vuskovic44,

ministro da economia da UP, Chilenos en Dawson simplesmente como Dawson na segunda edição

da revista. O texto está em forma de diário no qual o autor narrou dia a dia os eventos sucedidos no

campo de concentração: os trabalhos forçados, os enfrentamentos, as visitas e a solidariedade entre

os presos. Seu relato está ilustrado com desenhos do arquiteto Miguel Lawner, que também esteve

detido neste e em outros campos de concentração. O relato de Vuskovic enfatiza os heroísmos

cotidianos e os sofrimentos vividos, como a coragem do Secretário Geral do PCCh Luis Corvalán

diante de um soldado que lhe apontou uma arma e o falecimento do ex-ministro de Jose Tohá.

Em duas ocasiões foram publicados trechos das memórias de Miguel Lawner45 do período.

A primeira foi na revista 7, onde o autor narrou sua experiência como arquiteto do ministerio da

vivienda y urbanismo quando planejou e construiu apartamentos populares em Las Condes, bairro

elitista de Santiago para abrigar a população que já vivia na região, mas nas margens do rio

Mapocho. Depois do golpe, as famílias foram expulsas de seus lares, mesmo com suas prestações

em dia, para que os apartamentos fossem ocupados por famílias de militares. O segundo relato

publicado de Lawner contou a experiência da ocupação e do planejamento da población Herminda

de La Victoria, mostrando a e resistência de seus habitantes a repressão e a luta por habitações

populares. Neste episódio Lawner detalhou a luta cotidiana dos pobladores contra a ditadura, que

mesmo com as prisões e as torturas não deixaram de participar intensamente dos protestos.

A memória mais destoante publicada na revista Araucaria é a do ex-torturador pinochetista

Andres Antonio Valenzuela Morales. Ele concedeu uma entrevista para a jornalista Monica

Gonzalez que deveria ter sido publicada na revista Cause em troca da possibilidade de deixar o

país, contudo a publicação não aconteceu devido ao fechamento da revista46. Assim Araucaria

publicou o relato do ex-cabo do Servicio de Inteligencia de la Fuerza Aerea SIFA, classificando-o

como um dos mais extremecedores que tiveram acesso, pois era abissal a diferença entre os relatos

vindos das vítimas daquele fornecido pelo ex-torturador. Valenzuela Morales contou como

44 VUSKOVIC, Sergio. Dawson. Araucaria de Chile. Madrid, n°2, p.61-77, abril/junio1978.. 45 LAWNER, Miguel. Desalojo en el “San Luis”. Araucaria de Chile. Madrid, n°7, p. 51-66, julio/septiembre 1979 e _______________ El camino de “La Victoria”. Araucaria de Chile. Madrid. N°26, p. 15-30, abril/junio 1984. 46 GONZALEZ, Monica. Confesiones de un torturador pinochetista. (Entrevista con Andres Antonio Valenzuela Morales). Araucaria de Chile. Madrid, n°29,p. 23-34, enero/marzo 1985.

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funcionava a divisão de tarefas na repressão entre os diversos orgãos encarregados, contou ainda

como morreram alguns militantes que até então eram dados como desaparecidos, e ainda como

funcionava o trabalho de cooptação de alguns militantes que se transformavam em informantes da

repressão, tema muito difícil para a esquerda.

Considerações Finais.

Tanto as memórias como os trabalhos historiográficos publicados mostram como as lutas

políticas do presente influenciaram a leitura do passado. Se a figura de Recabarren era ou não a

favor do uso da força ou se os bandoleiros eram heróis populares, estas posições pesavam para a

legitimação dos guerrilheiros do tempo presente. As memórias tinham a função de respaldar a

manutenção de valores do Chile democrático e solidário em confrontação com o Chile

mercadológico e amedrontado construído pela ditadura. Assim a construção de interpretações sobre

o passado foi necessária para que os caminhos traçados para a luta pela redemocratização fossem

melhor compreendidos.

Assim, a história e a memória eram também um lugar onde os conflitos do tempo presente

se manifestaram vivamente conforme foi verificado. Apontar no passado tendências e idéias

defendidas no tempo presente era um mecânismo de legitimação e de argumentação no jogo

político-intelectual, necessário naqueles anos em que todos tentaram unificar a oposição à ditadura

em torno de suas próprias posições. Como se sabe, esta unificação não aconteceu e aqueles que

defenderam o fim da ditadura sem pactos não tiveram êxito em construir uma ampla aliança no

campo político.

A revista Araucaria é uma fonte importante para a compreensão dos debates da esquerda

chilena no exílio, pois mesmo mantida pelo PCCh, abriu suas páginas a intelectuais de diversas

tendências desde que anti-pinochetistas. Nesta publicação os debates históricos e a publicação de

memórias foram dois aspectos do grande eixo da revista, a cultura chilena, cuja própria (r)existência

já era uma manisfestação contra os valores representados pela ditadura.

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Referências.

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