histÓria e memÓria dos negros do rosÁrio em … · cultura dos negros dessa localidade, bem como...

13
3 HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS NEGROS DO ROSÁRIO EM JARDIM DO SERIDÓ/RN Magnólia Alves Lucena da Costa * Almir de Carvalho Bueno Orientador RESUMO Os registros históricos nos mostram frequentemente fatos que comprovam a presença de grupos afro-brasileiros na formação de nossa identidade histórica e cultural. Entre as cidades de Jardim do Seridó/RN e Ouro Branco/RN, a formação dos Negros do Rosário tornou-se responsável por nos oferecer um legado cultural relacionado às tradições afro-brasileiras. Partindo deste pressuposto, torna-se relevante um estudo de campo que tenha como objetivo levantar questões que garantam a permanência do legado cultural desse grupo para as gerações futuras. Tendo em vista que muito da história memorialística dos Negros do Rosário não foi pesquisado e documentado. O trabalho com a História Oral é delicado, tendo em vista que nossas fontes estão vivas e no tempo presente. Tessituras que envolvem a família dos Negros do Rosário e sua memória, memória esta que é coletiva e fragmentada no seio social. Por meio de visitas a cidade de Jardim do Seridó, entrevistaremos os membros das famílias dos Negros do Rosário. As perguntas versarão sobre a vivência e memória que eles guardam sobre os primórdios dos negros na cidade. O estudo estará baseado em análise de fontes visuais, como fotos e vídeos, e entrevistas. PALAVRAS-CHAVE Cultura. Negos do Rosário. Jardim do Seridó. * Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó, Departamento de História (DHC). Graduado em História pela UFRN, CERES, Campus de Caicó. Professor da Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo (Ouro Branco-RN), onde é Pedagoga. E-mail: [email protected] Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected].

Upload: tranhuong

Post on 10-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

3

HISTÓRIA E MEMÓRIA DOS NEGROS DO ROSÁRIO EM JARDIM DO

SERIDÓ/RN

Magnólia Alves Lucena da Costa*

Almir de Carvalho Bueno – Orientador†

RESUMO

Os registros históricos nos mostram frequentemente fatos que comprovam a presença de

grupos afro-brasileiros na formação de nossa identidade histórica e cultural. Entre as cidades

de Jardim do Seridó/RN e Ouro Branco/RN, a formação dos Negros do Rosário tornou-se

responsável por nos oferecer um legado cultural relacionado às tradições afro-brasileiras.

Partindo deste pressuposto, torna-se relevante um estudo de campo que tenha como objetivo

levantar questões que garantam a permanência do legado cultural desse grupo para as

gerações futuras. Tendo em vista que muito da história memorialística dos Negros do Rosário

não foi pesquisado e documentado. O trabalho com a História Oral é delicado, tendo em vista

que nossas fontes estão vivas e no tempo presente. Tessituras que envolvem a família dos

Negros do Rosário e sua memória, memória esta que é coletiva e fragmentada no seio social.

Por meio de visitas a cidade de Jardim do Seridó, entrevistaremos os membros das famílias

dos Negros do Rosário. As perguntas versarão sobre a vivência e memória que eles guardam

sobre os primórdios dos negros na cidade. O estudo estará baseado em análise de fontes

visuais, como fotos e vídeos, e entrevistas.

PALAVRAS-CHAVE

Cultura. Negos do Rosário. Jardim do Seridó.

* Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,

Departamento de História (DHC). Graduado em História pela UFRN, CERES, Campus de Caicó. Professor da

Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo (Ouro Branco-RN), onde é

Pedagoga. E-mail: [email protected] † Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected].

4

HISTORY AND MEMORY OF THE NEGROS DO ROSÁRIO IN JARDIM DO

SERIDÓ/RN

ABSTRACT

Historical records in often show facts that prove the presence of african-Brazilian groups in

the formation of our historical and cultural identity. Between the cities of Jardim do Seridó /

RN and Ouro Branco / RN, the formation of the Negros do Rosário became responsible for

offering us a cultural legacy related to the african-Brazilian traditions. Under this assumption,

it is relevant to a field of study that aims to raise issues to ensure the permanence of the

cultural legacy of this group for future generations. Given that much of the history of

memorialistic Negros do Rosário has not been researched and documented. Working with the

Oral History is delicate, given that our sources are alive and in the present tense. Tessitura

involving the family of the Negros do Rosário and his memory, memory that is this collective

and fragmented social bosom. Through visits to the city of Jardim do Seridó, will interview

the family members of the Negros do Rosário. The questions will be about the experience and

memory that they keep on the beginnings of blacks in the city. The study is based on analysis

of visual sources such as pictures and videos, and interviews.

KEYWORDS

Culture. Negros do Rosário. Jardim do Seridó.

5

INTRODUÇÃO

Os registros históricos nos mostram frequentemente fatos que comprovam a presença

de grupos afro-brasileiros na formação de nossa identidade histórica e cultural. Entre as

cidades de Jardim do Seridó/RN e Ouro Branco/RN, a formação dos Negros do Rosário

tornou-se responsável por nos oferecer um enorme legado cultural relacionado às tradições

afro-brasileiras. Uma cultura negra que intercalou produtos (religião, saberes) de uma cultura

branca.

As análises desse trabalho serão voltadas para a reflexão da trajetória da Irmandade

dos Negros do Rosário da cidade de Jardim do Seridó, Rio Grande do Norte. As ações

históricas desse grupo já foram revisitadas e tornou-se objeto de pesquisa de outros trabalhos

– Bruno Goulart (2014) e Diego Gois (2007) – algo que alarga as análises do grupo em

destaque. Falar sobre os Negros do Rosário é eternizar a história memorialística de toda uma

cidade e adjacências.

A formação da Irmandade dos Negros do Rosário da cidade de Jardim do Seridó – RN

é pautada na história oral. Os ensinamentos, gestos, danças e “prosa” são passados de geração

a geração. Os ensinamentos dos mais velhos, daquele que encabeça a Irmandade, o rei, são

internalizados pelos integrantes do grupo de forma reta e com reverência. Ocorre uma relação

de respeito entre o mais novo para com o mais velho, assim afirmou o senhor Antônio José

dos Santos em conversa informal sobre a Irmandade. Atrelado ao fato de que essas famílias se

conhecem de longa data temos outro fator unificador, a fé, esta que muitas vezes é refletida no

catolicismo.

Os tambores, as melodias, cantigas de rodas, procissões e fé são o composto que liga

os negros na Irmandade. Os laços de parentesco é fator pertinente quando nos referimos a essa

formação grupal que acontece na cidade de Jardim do Seridó. Os integrantes da Irmandade

não estão circunscritos apenas a uma cidade, mas as ramificações chegam a outras fronteiras,

como por exemplo, Ouro Branco e Parelhas, cidades do Rio Grande do Norte.

Em tempos de festa a interação entre a Irmandade dos Negros do Rosário e a

sociedade jardinense é quase unânime. Não distinguimos as classes sociais, nem intelectuais

ou qualquer outra pessoa presente na festa negra, todos participam desse momento festivo.

Todos estão compartilhando da mesma representação e movimento cultural.

6

Enxergamos uma comunidade negra que se estabelece nessa cidade mesmo com as

mudanças exigidas pelo tempo. Com o passar dos anos as musicas e danças – espontão, dança

realizada com uma espécie de lança enrolada com fitas – tomam significados que perpassam o

tempo e fortalece os laços na Irmandade. O tempo faz com que esse grupo se fortaleça por

meio da cultura na sociedade de Jardim do Seridó.

A dança do espontão, dança tradicional na Irmandade dos Negros do Rosário, é regada

pelo som do pífaro, e composta por lanças enfeitadas com fitas, em sua maioria, azul e branca,

que eleva a cultura negra presente na cidade. Nesse momento os componentes do grupo se

unem e saem às ruas para celebrar seus ritos e cantigas. Um dos fatores que unem e agregam

valores ao grupo em questão é a Dança do Espontão. Abaixo temos a imagem dessa dança

peculiar que une culturas e arquiteta valores.

As informações acima foram coletadas com o parecer de pessoas que participam de

forma ativa da Irmandade dos Negros do Rosário, como é o caso do senhor Antônio. Algumas

conversas informais com os participantes da Irmandade viabilizaram, metodologicamente, o

curso da pesquisa em questão. A fala dos entrevistados é de suma importância nesse trabalho,

visto que para se chegar a uma conclusão plausível foi necessária à análise dos discursos dos

participantes da Irmandade dos Negros do Rosário.

7

Figura 2: Lanças utilizadas na dança do espontão.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Os integrantes da Irmandade dos Negros do Rosário fazem uso da oralidade para que

seus conhecimentos sejam passados de geração para geração. Atrelado ao fato de que essas

famílias se conhecem de longa data temos outro fator unificador, a fé, esta que muitas vezes é

refletida no catolicismo.

Mesmo com a tradição oral fortalecida no seio da Irmandade dos Negros do Rosário,

alguns dos seus membros entendem que a modernidade contribuiu para que alguns valores

culturais, como a interação dos integrantes, passaram por mudanças. Modificações que

alcança primeiramente os mais jovens. Essa é uma questão que cabe uma reflexão. A

8

temporalidade caminha com a mudança, valores recebem novos significados e a cultura se

modifica. Essa não é regra geral, mas é possível no contexto cultural do grupo.

No Rio Grande do Norte, a Festa do Rosário é hoje celebrada somente em

Caicó e Jardim do Seridó, em épocas diferentes – estratégia que permitia aos

irmãos participarem das festividades nas cidades vizinhas. Segundo registros

orais, a primeira festa em Jardim do Seridó data de 1863 e a irmandade foi

criada em 1885. Todo ano, no dia 30 de dezembro, várias famílias da Boa

Vista têm costume de se deslocar até a casa do Rosário, situada no município

vizinho, Jardim do Seridó: os irmãos vão ao encontro da família Caçote, para

“pular”, rezar e “farrear” nas ruas de Jardim do Seridó. Como em outras

irmandades negras, é realizada uma eleição anual para escolher o rei e a

rainha do ano, o juiz e a juíza do ano, o escrivão, a escrivã, além do rei, da

rainha, do juiz, da juíza perpétuos. Há também o porta-bandeira

(bandeirista), que acompanha os dançarinos (lanceiros) comandados pelo

capitão de lança, geralmente uma pessoa experiente. Finalmente, os

caixeiros se juntam ao tocador de pífano de Jardim do Seridó, nem sempre

presente. Essa hierarquia é cumprida rigorosamente para que os irmãos

possam dançar juntos e a tradição seja seguida. (CAVIGNAC, 2008, p. 21)

RESQUÍCIOS DE UMA CULTURA NEGRA: DA GRUTA PARA A IGREJA

Quanto da cultura negra está presente em nossa cultura? Passamos pelo processo do

branqueamento e esquecemo-nos do processo histórico que envolve a hibridação cultural

negra? Esses destaques nos inquietam e nos impulsionam a pensar de forma crítica a

construção cultural que a contemporaneidade tem formado. A historiografia dos Negros do

Rosário na cidade de Jardim do Seridó é multicultural e difundida em vários trabalhos

científicos, a exemplo temos Goulart (2014). Essas análises dissertam sobre a vivência e

cultura dos negros dessa localidade, bem como sua singularidade nas danças exibidas em suas

festas.

O fato de pertencer a um grupo tradicional na cidade reverbera um estado de felicidade

em seus integrantes, não só pelo status que lhes é conferido, mas pela representação social que

é concebida por aquela sociedade. É a construção de um processo que os identifica e iguala

dentro da Irmandade dos Negros do Rosário.

9

Aqueles que guardam a cultura negra da Irmandade, aqueles mais velhos em idade,

concebem o tempo de uma forma peculiar e singular. Entendem que a ruptura com a

modernidade fez com que alguns aspectos (ritos, danças, etc) da cultura negra percam-se com

o passar do tempo. Essas imbricações contribuem para que a história da Irmandade dos

Negros do Rosário sofra alterações, inclusive quando nos referimos ao ingresso dos

integrantes mais jovens.

Pensando as questões de rupturas entre os negros da Irmandade, versaremos sobre a

cultura que é vivida e mantida pelos Negros do Rosário residentes na cidade de Jardim do

Seridó/RN. Levando-se em consideração que o tempo e o espaço forjam novos valores

atribuindo-lhes novas formas de apropriação.

10

Imagem 1 – Senhor Antônio José dos Santos, 55 anos.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O senhor Antônio José dos Santos, 55 anos de idade, residente na cidade de Jardim do

Seridó e integrante da Irmandade dos Negros do Rosário fala que:

11

Comecei na Irmandade tinha oito anos de idade, nessa época não aceitavam

crianças “brincar”, mas como meu pai era “lanceiro” da irmandade, então ele

me trazia para a irmandade e ficava de olho em mim. Eu comecei como

lanceiro, bater bombo, depois fui bater bombo e caixa e passei a ser capitão

de lança. Essa Irmandade é muito importante para mim. Na época tinha os

mais velhos, um grupo que comandava tudo. Tinha “Ludugero”, tinha Cirino

caçote”. Os caçotes são de Ouro Branco/RN. Eu era rapazinho muito novo

na época e existia muito “nego’ aqui antigamente, eles pegavam água aqui

no rio, na cacimba, não tinha as coisas como tem hoje não. Da Boa Vista,

Parelhas/RN, vinham com fecho de lenha na cabeça, traziam galinha, às

vezes se perdiam dentro do mato e chegavam no outro dia. Hoje a irmandade

tem tudo. (SANTOS, 2015)

Analisando a fala do senhor Antônio e por meio do relato do mesmo em entrevista, é

perceptível que a cultura africana embutida na Irmandade dos Negros do Rosário ganha forças

e adeptos na cidade de Jardim do Seridó. Esse reflexo também pode ser percebido quando o

senhor Antônio (2015) aborda as seguintes palavra: “(...) essa Irmandade é muito importante

para mim”. De certo a Irmandade dos Negros do Rosário é entendida como algo que está

intrínseco à história da cidade de Jardim do Seridó.

Representações que fazem parte do contexto sociocultural de um grupo que possui

raízes no seio da cidade de Jardim do Seridó. Essa é uma das formas de entender a realidade

estabelecida no contexto social. Chartier (1990) indica que essas são percepções sociais da

realidade. As impressões e signos dos membros da Irmandade dos Negros do Rosário são

apropriadas e ressignificadas pelas pessoas da comunidade como forma de externar aquilo que

se vive na realidade. Tais impressões são compartilhadas entre o grupo da Irmandade e

respeitadas pelos integrantes.

Suas representações são diversas. As impressões mudam de acordo com o tempo

vivido e com quem as expressa. O integrante mais velho aborda valores que indica uma vida

no campo, como é o caso do seu Antônio, uma visão detalhista que lhe é particular. Por outro

lado, o mais jovem agrega valores que perfazem caminhos diversos, como se ater menos aos

primeiros preceitos. Novos sentidos sãos agregados ao que se aprende com o grupo. Essa

situação foi mencionada por seu Antônio em sua entrevista.

12

Primeiramente, a irmandade é mais cultural do que religiosa. É mais cultural.

Hoje ela “é igreja também” por que foram os próprios negros que trouxeram

a santa para a igreja. A santa vivia dentro de uma “grota” e a igreja fazia

muita procissão, levava para a igreja em cortejo e depois voltava para o

mesmo canto. Aí formaram um grupo de “negos” com fitas e batuques e em

cortejo. E essa santa passou a ficar na igreja, por isso passou a ser religiosa.

A igreja aceita numa “boa”. Só que tem um problema, quando começaram a

pesquisar, tentar voltar, não tem como voltar. Na realidade quando eu

comecei a gente usava chinelo de sola, hoje as pessoas não querem, não tem

como voltar ao passado. Os jovens não querem! Hoje nós perdemos a

autonomia. Antes, na irmandade, os negos mandava. Quando era pra botar

um tesoureiro, os negos botava. Hoje em dia é que nem política, tem

votação. Perdemos a autonomia. Hoje está assim. Hoje quem “comanda”

são “as irmandades” e não “a irmandade”. (SANTOS, 2015)

Tomando por indicação a entrevista do seu Antônio e analisando a conceituação de

Chartier (1990) sobre o processo de representação temos que as práticas da Irmandade dos

Negros do Rosário foram ressignificadas de acordo com as gerações que vivenciam os rituais

estabelecidos no grupo. Vemos nesse momento que os valores também são alterados e se

reestabelecem com novos significados, inclusive quando nos referimos aos seguimentos

religiosos.

Ainda, tomando a fala do entrevistado, indagamos suas respostas quando se refere ao

simbolismo religioso presente na Irmandade dos Negros do Rosário, onde o mesmo informa

que a irmandade teria levado a “santa” ao altar católico. Seria essa uma roupagem nova na

qual uma nova apropriação nascera? Provavelmente, sim. Novos valores – crenças – oriundos

do catolicismo foram incorporados pelos membros da Irmandade, a exemplo temos os ritos

festivos que acontecem juntamente com as procissões estabelecidas pelos dogmas da igreja

católica.

Essa é a configuração atual da irmandade dos Negros do Rosário, em se tratando da

posição levantada pelo entrevistado, uma realidade que é entendida como dicotômica no

espaço social onde iniciara o coletivo dos negros. A partir do momento em que novos

membros são iniciados na Irmandade os aspectos da cultura negra transformam-se e recebem

significados modernos aliados ao que o indivíduo concebe como real. Essa realidade social é

construída por aquele que ler, pensa e entende sua realidade.

Nesse momento é necessário “identificar o modo como em diferentes lugares e

momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16).

Percebemos realidades convergentes quando nos referimos ao início da Irmandade dos Negros

13

do Rosário e a colocamos em acareação com os componentes mais jovens, estes que estão

completos de novos valores e significados modernos.

Mesmo com as mudanças que ocorrem com a secularização das informações culturais,

não só a cultura negra sofre com esse processo, mas as variadas formas de expressões

culturais passam pelo mesmo enlace. Dessa forma o espetáculo regido pela Irmandade dos

Negros do Rosário de Jardim do Seridó, quer seja com os primeiros integrantes, quer seja com

os mais jovens componentes, todos contribuem para que a memória cultural dos negros

continue viva na sociedade jardinense.

Seria essa mais uma estratégia praticada pela Irmandade na tentativa de manter viva a

cultura negra, mesmo que esta passe por modificações, no entanto, sua essência continua com

os traços de uma africanidade viva nesse espaço de práticas sociais. Uma representação

discursiva que carrega em sim uma finalidade voltada para a permanência do negro na

historiografia dessa cidade.

CULTURA AFRICANA E SEU ROSÁRIO

Por ser uma cultura presente e viva na cidade de Jardim do Seridó, a Irmandade dos

Negros do Rosário continua firme e viva na memória daqueles que estão inseridos na

realidade da cidade. Embora a construção do referido grupo tenha que resistir para se afirmar

como cultura negra é cabível assinalar o ambiente acadêmico está reescrevendo a trajetória da

Irmandade dos Negros do Rosário na história da cidade. Uma resistência que contribui e

fortalece os vínculos criados entre os participantes.

As mudanças citadas no decorrer do texto fazem parte do processo histórico temporal

no que se refere às reformulações das práticas apresentadas e vividas no interior da Irmandade

dos Negros do Rosário. Mesmo com modificações plausíveis no contexto cultural do grupo é

perceptível a incorporação da cultura em questão na sociedade da cidade.

Todo o contexto abordado ratifica que mesmo com as fragilidades internas na

Irmandade, isso no que se refere aos aspectos vivenciais e culturais, os Negros do Rosário

14

permanecem firmes e a cada dia escrevem uma história que faz parte da cultura da cidade de

Jardim do Seridó. Novamente, o personagem negro utiliza a História Oral para compartilhar a

cultura africana.

15

REFERÊNCIAS

CARVALHO, José Jorge de. Metamorfoses das tradições performáticas afro-brasileiras:

de patrimônio cultural a indústria do entretenimento. Série antropológica, nº 354, 2004.

CHARTIER, Roger: A história cultural entre praticas e representações; tradução de Maria

Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 1990.

COUTO, Patrícia Brandão. Festa do Rosário: iconografia e poética de um rito. Niterói:

EDUFF, 2003.

GÓIS, Diego Marinho de. Entre estratégias e táticas: enredos das festas dos negros do

Rosário em Jardim do Seridó. Dissertação (Monografia) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, CERES, mimeo.

CAVIGNAC, Julie; MACÊDO, Muirakytan (Org.). Tronco, ramos e raízes!: história e

patrimônio cultural do Seridó negro. Natal/Brasília: ABA/EDUFRN, 2014b. v. 1. p. 299-310.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ed. Campinas: Unicamp, 1996.

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Cultura, tradição e Patrimônio Imaterial.

Revista Mneme: Revista de Humanidades, Caicó (RN), V.7, Nº18, out/nov.2005.

MELO, Veríssimo de. As confrarias de N.S. do Rosário como reação contraaculturativa

dos negros no Brasil. Afro-Ásia, n. 13, p. 107-118, 1980.

SILVA, B. G. M. . A Relação entre Folclore e a Irmandade do Rosário de Jardim: a

perversa lógica da valorização. Vivencia (UFRN) , v. 1, p. 105-118, 2014.

FONTE: Entrevistas realizadas no mês de dezembro de 2016 com integrantes da Irmandade

dos Negros do Rosário residentes em Jardim do Serisó / RN.