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ISSN 1807-1783 atualizado em 06 de julho de 2007

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História Intelectual: Uma nova perspectiva (Parte 1)por Fábio André Hahn

Sobre o autor[i]

Ir para segunda parte

A historiografia vem passando por grandes mudanças desde a década de1970 no constante vai-e-vem do sujeito na história. Ao que parece, nas mudançasocorridas na historiografia, os intelectuais passam a ocupar novamente um lugarefetivo como importante objeto de estudo, saindo daquilo que Jean-FrançoisSirinelli chamou de “ângulo morto”. Novos temas começam a ocupar os estudosrecentes, apoiados por novas concepções teórico-metodológicas, que tentam darsuporte a essa ampliação de objetivos e temáticas. A história intelectual parece serum dos resultados de mudanças que estão ocorrendo na historiografia, a partir doforte debate acadêmico, que vem sendo ampliado gradativamente. Ela não serestringe apenas a dar sustentação a novos campos temáticos, que surgem nasacademias e nos mercados editoriais, mas fornece elementos para abordagens detemas já amplamente discutidos, que pareciam, de certa forma, esgotados.

A história intelectual procura manter viva a memória cultural e as tradiçõesintelectuais. As novas mudanças, que passam a dar lugar não apenas às grandesidéias – e ao que Michel Winock chamou de “metáfora hidráulica”, por simbolizar ahistória das idéias, a qual procura entender a transferência de idéias nas longasfreqüências cronológicas – mas também as mentalidades correntes. Tenciona-se,assim, discutir algumas questões voltadas ao campo da história intelectual, doproblema da definição desta, percorrendo sua atuação recente na historiografiabrasileira, até o debate historiográfico em que ela tenta se impor.

1.1 História Intelectual

Na definição do termo “história intelectual”, existem muitos problemas. Agrande maioria dos historiadores desse campo alega que a história intelectual aindase apresenta de forma imprecisa e, em um certo sentido, incompleta, denotando,dessa forma, um campo amplo a ser aperfeiçoado e explorado. A história intelectualnão pode ser identificada como disciplina, pois não há uma definição genérica para

sua metodologia própria e seus objetos. Roger Chartier confessa que “não é fácildefinir história intelectual”, mostrando a complexidade dessa área nas primeiras

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palavras de sua definição acerca da história intelectual. Isso, para os historiadoresque se dedicam a desenvolver trabalhos na área e, como bem demonstrou Chartier,se apresenta devido ao problema do vocabulário, formado por especificidades ecaracterísticas de cada país onde se atua de forma mais significativa. Portanto, ahistória intelectual, com seu vocabulário variado, apresenta uma dificuldade, umaresistência à tradução para outros idiomas, o que dificulta sua generalização,devido ao problema dela se apresentar, em muitos países, de forma diferente, comcaracterísticas próprias do espaço cultural em que é utilizada.

Nos Estados Unidos, ela é conhecida como Intellectual history, tendonascido como oposição a uma história política tradicional, que perdeu campo noinício do século XX. Na Inglaterra, é mais conhecida como history of ideas, apesarde apresentar, também, essa forma nos Estados Unidos. Na Alemanha, o termo nãoexiste, no entanto está presente, em um certo sentido, no campo denominado deGeistesgeschichte, apesar de bastante combatido há várias décadas. Na Itália,predomina a storia della filosofia, apesar de existir o termo storia intellettuale emmenor escala. Já, na França, existe a Histoire intellectuelle, mas que, por muitotempo, não havia conseguido um espaço significativo, devido à força avassaladorada Escola dos Annales.

Uma das mais conhecidas tentativas de definição do campo da históriaintelectual foi realizada por Robert Darnton. Esse autor procurou descrever quatrotipos de disciplinas que estudam as idéias. Dividindo-as entre história das idéiaspropriamente dita, história social das idéias, história cultural e história intelectual. Adefinição de Darnton é bastante confusa e problemática. A sua tentativa decaracterização da história intelectual é o que, mais interessa nesse momento. ParaDarnton, a história intelectual é o estudo do pensamento informal, climas deopinião e movimentos literários.[ii]

A classificação da história intelectual feita por Darnton, assim como dosoutros campos em que o autor procura apresentar uma definição, – como históriadas idéias e história cultural – foi fortemente criticada. O momento em que Darntonpropõe essas tentativas de classificações e definições parece não ser muitooportuno e de grande dificuldade por serem os campos de pesquisa que ainda hojese apresentam em constante mutação. Mas isso não tira a razão da crítica. Umaimportante crítica às definições de Darnton foi realizada por Sonia Lacerda e TerezaKirschner. Estas autoras mostraram que as classificações atribuídas às idéias estãorepletas de ambigüidades, por apresentar obscuridade em seus critériostaxionômicos além de uma falta de precisão conceitual, como parece claro nadefinição da história intelectual. Para as autoras, existe uma desnorteante fluidezterminológica e controvérsias sobre as designações temáticas e os procedimentos

investigativos.

Nesse sentido, falar sobre história intelectual sempre é difícil pelasconstantes mutações que ocorrem em seu interior, acentuadas pelas grandesdiferenças presentes no vocabulário e pela cultura de cada país em que ela se faz

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diferenças presentes no vocabulário e pela cultura de cada país em que ela se fazpresente. No Brasil, país de cultura bastante heterogênea, se está, ainda, em buscade algumas definições, recorrendo-se aos conceitos anteriormente abordadas paraconstruir sua base de análise. No entanto, a constante procura dos pesquisadorespara se aproximar de uma definição para esse campo de pesquisa e suaidentificação com ela parece estar em franca ampliação. Isso é percebido no atualcrescimento desse campo teórico na historiografia brasileira.

1.2 História Intelectual no Brasil

Ao que parece, salvo engano, o primeiro texto escrito, no Brasil, sobre ahistória intelectual de forma mais direta e sistemática foi o texto de FranciscoFalcon, intitulado História das Idéias. Este integra, transformado em um capítulo, aobra Domínios da História, organizada por Ciro Cardoso e Ronaldo Vainfas,considerada pelos críticos historiográficos como uma das obras mais lidas e demaior impacto na historiografia brasileira desde a sua publicação em 1997. Isso,juntamente com o prestígio de Francisco Falcon, contribuiu de forma acintosa nadivulgação de tal campo de estudos no Brasil.

A relativa demora para que esse campo de pesquisa fosse divulgado noBrasil de forma sistemática se justifica pela dificuldade destacada pelo próprioFalcon: uma “escassez de fontes informativas para uma síntese como esta. Além depoucas e sobretudo incompletas”.[iii] Considerando que, no Brasil, na época emque escreve Falcon, não havia uma tradição historiográfica na história das idéias ena história intelectual, o que parece começar a ter mudado nos últimos anos. Oproblema em identificar a proximidade de uma história intelectual com as pesquisasdesenvolvidas no Brasil ocorre devido ao fato de que a grande maioria das teses edissertações não apresenta nenhuma referência nos títulos e subtítulos, o que nãoquer dizer que haja uma total ausência de abordagem de tal campo de pesquisa,mas que, em geral, dificulta a identificação.

O texto de Falcon apresenta o rótulo inicial da história das idéias que se vêhoje suprimida pelo termo “história intelectual”, como tratou de mostrar o próprioFalcon, destacando, nesse mesmo texto, que “boa parte dos historiadores preferehoje em dia a denominação história intelectual, cujo campo abrangeria o conjuntodas formas de pensamento, em lugar da tradicional história das idéias”.[iv] Além dadenominação, que já se apresentava variante, Falcon fez uma previsão,destacando, no final de seu texto, que “a história das idéias nas suas diversasvertentes atuais progride rapidamente no território historiográfico brasileiro”.

Isso é perceptível hoje por meio de duas importantes obras dehistoriadores brasileiros, publicadas no início da década. Estas vem a colaborar emostrar uma definitiva entrada da história intelectual nos círculos editoriaisbrasileiros, depois de passar alguns anos pelo crivo de alguns poucos ambientesacadêmicos que não se mostraram extremamente céticos, fechando-se emverdadeiros guetos, como por muito tempo aconteceu. As duas obras a que serefere são: a obra de Helenice Rodrigues da Silva, intitulada Fragmentos da História

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refere são: a obra de Helenice Rodrigues da Silva, intitulada Fragmentos da HistóriaIntelectual e Para ler os clássicos do pensamento político, de Marcos Antonio Lopes.

Helenice Rodrigues da Silva destaca, em sua obra, uma discussão voltadaa uma história intelectual francesa. Para esta historiadora, é importante fazeralgumas constatações prévias da história intelectual, apesar dela concordar com afalta de definição concreta dessa abordagem. As constatações estão atreladas aocaráter pluridisciplinar da história intelectual, situada entre os campos da filosofia,sociologia e da história, capaz, dessa forma, de explicar a produção intelectual combase nos contextos históricos. Nesse sentido, é importante, no procedimento deanálise, dar valor às articulações internas – o discurso – e as externas – o contextoe suas conjunturas – privilegiando o texto e o posicionamento de suas idéias comrelação a seu contexto de produção. Como enfatiza Helenice, “a história intelectualparece ter por função a restituição das idéias. Elucidando os contextos de produçãoe de recepção de uma obra, ela possibilita uma melhor apreensão dos universosintelectuais”.[v]

Helenice explicita como os historiadores esperam uma sistematização dahistória intelectual e que, com essa etiqueta, enquadram-se em diferentes tipos deanálise que englobam abordagens da história social, cultural e política. No entanto,mesmo estando ligadas a outros tipos de abordagens é preciso compreender bem aimportância do entendimento da migração e circulação de idéias que precisam estaracompanhadas pelo contexto intelectual da produção, nesse caso uma conjunturaespaço-temporal precisa. Assim, a importância está ligada ao “objeto da históriaintelectual, o debate de idéias permite ressituar as questões, as polêmicas, asinterrogações nos devidos contextos culturais nacionais, relativizando as certezas eabrindo possibilidades de discussões”.[vi]

A obra Para ler os clássicos do pensamento político abriu um campoconsiderável nas discussões feitas no Brasil. Seguindo uma tradição da históriaintelectual de cunho inglesa, a obra procurou demonstrar as diferentes formasencontradas pelos historiadores para compreender a criação intelectual, emdiferentes contextos de produção historiográfica ao longo do século XX. Como, nomomento, se apresenta de forma bastante restrita a tentativa de definição de umahistória intelectual, Lopes procurou traçar uma caracterização geral dosdesenvolvimentos da história das idéias políticas, apontando para suas principaisfases de desenvolvimento o que há de mais relevante no debate atual. O texto

tencionou oferecer um mapeamento das mais importantes tendências da pesquisahistórica no campo específico da idéias políticas.

Lopes procurou apresentar um histórico desse campo, que tem como alvomostrar algumas das principais evoluções e tendências dominantes na área desde oinicio do século XX até os anos mais recentes. Nessa discussão, Lopes apresentaum grande número de referências teóricas da história intelectual; como os autoresa instrumentalizam em suas pesquisas e de que maneira elas têm se refletido nainterpretação dos textos políticos. Nesse caminho, o autor enfatiza o

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desenvolvimento da história intelectual ao longo das últimas quatro décadas,período de tomada de consciência teórica, que foi aprimorado por elementosdisseminados na historiografia contemporânea, pelo menos desde os anos de 1920.

Entretanto, parece ser pertinente destacar uma outra obra, organizada porMarcos Antonio Lopes e intitulada Grandes nomes da História Intelectual. Esta éreflexo de longas pesquisas que o autor vem desenvolvendo, dedicando-se já háalguns anos a esse campo da história intelectual. Para esse autor, a históriaintelectual vem ganhando espaço considerável na historiografia brasileira. Como eleafirma, com relação ao grande número de artigos presentes na obra, “(...) estesartigos demonstram com admirável clareza é a impressionante riqueza nas formasde abordagem das obras de pensamento, matéria-prima da HistóriaIntelectual”.[vii] Dessa forma, Lopes destaca que a história intelectual, em sualigação interdisciplinar com outras áreas de conhecimento, vem desenvolvendo umaimportante discussão no cenário historiográfico, o que poderá encorajar essaperspectiva teórica a uma melhor posição futura, por apresentar-se ainda distantedo lugar que lhe seria merecido, além desse argumento estar reforçado pelamultiplicidade de autores de áreas diferentes que contribuíram para a presenteobra. Tal iniciativa apresenta uma retomada, uma reviravolta, trazendo à luz tantoos trabalhos em torno de grandes intelectuais, mas também os de autoresmenores, desconhecidos dos leitores em sua grande maioria. Por isso a obra éconsiderada, desde seu recente lançamento, como um “trabalho pioneiro no Brasil”,apontando lacunas e um enorme campo para atuação.

Nesse sentido, percebe-se que o caminho da história intelectual, no Brasil,vem sendo percorrido a passos lentos. Apesar da ênfase dada aos textos acimaapresentados, que destacam objetivamente a história intelectual, e da inviabilidadeem mostrar outros tantos autores influenciados em menor grau ou camuflados, nãoidentificados claramente com esse campo de pesquisa, eles se fazem presentes nahistoriografia brasileira há algum tempo. No entanto, pode-se perceber que aospoucos a história intelectual vem ocupando os pequenos espaços que lhe sãoconcedidos pela produção, que começa a se desencadear no cenário historiográficobrasileiro.[viii] Procura-se, assim, encontrar significados que possam revelar aspessoas, a sociedade e as idéias de outros tempos e como estas pensavam seu

próprio mundo, tentando decodificar e contextualizar as obras de pensamentopolítico para poder descobrir uma dimensão de seu mundo das idéias. Detalhes quehá algum tempo pareciam marginais e sem grande importância passam agora a setornar essenciais para se aproximar de uma realidade de outra época. Essesdetalhes podem ser a “chave” para alguns significados políticos que, por muitotempo, permaneceram inacessíveis.

1.3 Pós-estruturalismo versus Contextualismo lingüístico

O contato com o objeto de análise por parte do historiador obriga-o a teruma série de habilidades para explorar características e fatos não percebidos emoutras abordagens. Para isso, requer-se, como observa Sirinelli, um historiador

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outras abordagens. Para isso, requer-se, como observa Sirinelli, um historiador“papívoro”, que demonstre amplos conhecimentos na exploração dos textos.

A nova história intelectual abarca um grande número de tendências, alémda contextualista de Quentin Skinner, John Pocock e John Dunn, engloba tambémas tendências da hermenêutica tributária de Hans-Georg Gadamer, que privilegia aunidade e a coerência semânticas e o desconstrucionismo baseado na polissemia epotencial de contrariedade dos processos textuais, em que se destaca, também,Jacques Derrida.

A história intelectual sofre com problemas internos: o intenso debate entreos internalistas e os contextualistas, ao que parece, se destaca com grande

intensidade. O texto de Francisco Falcon[ix] esclarece bem este pesado debate.Para o autor, o texto analisado pelo texto, produto de análise dos “internalistas”,não traz grandes contribuições para os historiadores. O texto precisa do “auxílio” docontexto, como forma de circuito, no qual a falta de um deles desestrutura aanálise. Falcon apresentou algumas críticas aos chamados internalistas: osanalistas do texto apenas em si mesmo, sem a perspectiva da realidade social quelhe deu origem. Falcon mostrou que escrever a história se torna muito maiscomplicado quando não se explora os elementos do mundo histórico do autor.[x]

Os internalistas recusam referências extratextuais para compreender asidéias de um autor, admitidas apenas, como uma noção de seu universo intelectual.As suas teorias são de essência imanentista. Eles ignoram as seqüênciastransepocais das idéias. Para os internalistas, também conhecidos como pós-estruturalistas, o desaparecimento do autor transforma o texto, em algunsaspectos, a outro texto igual aos demais. E a referência deste se encontra em outrotexto. E a deste, novamente em outros textos, postergando a autoridade do textoad infinitum.

Dessa forma, David Harlan vai contestando a teoria dos atos de fala deQuentin Skinner. Para Harlan, a escrita não é o mesmo que a fala, como acreditavaSkinner. Escritores não são o mesmo que pessoas falando. Não existe um diálogo

entre o leitor e o escritor. Segundo Harlan, “o leitor não interroga o escritor, e oescritor não responde ao leitor”.

Para Harlan, contestar as teorias de Skinner é buscar referências naconcepção de Hans-Georg Gadamer. Harlan enfatizou que, ao contrário de Skinner,que procurou despir o texto dos significados acumulados através dos tempos, otexto não pode ser separado das interpretações que agora passam também aconstituir o seu ser. A tentativa de recuperar a intenção original do autor não temsentido, porque seu significado está morto.

Já, John Pocock, mostra que, quando se lê um texto entra-se emcomunhão com o autor, porque ele acredita que os textos históricos transmitemsignificados fixos. Este é um dos argumentos mais criticados pelos pós-estruturalistas, como Barthes, Derrida e Foucault, nos debates desenvolvidos na

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estruturalistas, como Barthes, Derrida e Foucault, nos debates desenvolvidos nahistória do discurso e na crítica literária. A proposta de Harlan é contrária à dePocock e Skinner. Para Harlan, deveria-se abrir mais o campo da história intelectualpara que uma outra história pudesse ser escrita, não aquela de autores mortos,mas outra de textos que sobrevivessem ao passado e que pudessem falar sobre opresente em que se vive.

O objetivo seria traçar e analisar as questões que permeiam o contextohistórico no qual as obras dos autores foram concebidas. Skinner destaca que épreciso reconstruir tanto o contexto intelectual da produção das obras quanto ocontexto político em que elas surgiram,[xi] para, assim, poder situar o texto emseu campo devido, o da ação e da atividade intelectual.

Dentre os contextualistas, o autor de maior destaque é Skinner. Comomostrou Francisco Falcon, Skinner sublinha um caráter performático da linguagem,em uma trilha já aberta por Austin e Searle. Skinner destaca que, quando se falaou escreve, se executa uma ação e se fala sobre esta. Portanto, discute-se eresponde-se a outras falas. Nesse sentido, surge a necessidade da contextualizaçãodas idéias, no momento em que se percebe que não é apenas a idéia que aflora,mas o lugar de onde ela vem.

No início do século XX, Harold Laski, um dos precursores da renovação dahistória das idéias políticas, afirma a importância da interdisciplinaridade, do auxíliode várias outras disciplinas para um maior sucesso e alcance de abordagenshistoriográficas. Ele acreditava que “todo grande pensador é, em parte, aautobiografia da sua época. Sua influência origina-se do fato dele ter expressado demaneira peculiarmente magistral, uma porção significativa de suas esperanças etemores”.[xii]

D. W. Brogan e E. Barker concordam com a idéia de Laski. Percebe-seneles que o estudo do pensamento clássico está ancorado em problemas do

presente. Dessa forma, fica claro que é no passado que se deve buscar razões parase entender o pensamento dos grandes autores. Todo grande pensador tem basesde formação e de apoio fincadas em experiências de seus antecessores. Não sepode pensar que um grande intelectual tenha surgido do nada ou que seja atingidopor um lampejo iluminado dos céus que lhe permita compreender o seu presente.Todo grande pensador dialoga com seus predecessores por meio dos legados poreles deixados.

A história intelectual tenta mostrar as diferentes formas de se abordartextos de natureza política. Ela procura mostrar que o “contexto é sempre umaconstrução e que cada caso demarca o escopo e o nível da análise de acordo comos objetivos da investigação”.[xiii] Ela lembra a observação de René Rémond,quando ele destaca que “a história de fato não vive fora do tempo em que éescrita”.[xiv]

Ao se falar em contexto, é preciso atentar para o fato de que são diversos

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Ao se falar em contexto, é preciso atentar para o fato de que são diversosos pontos de vista em relação a essa questão. Há, inclusive, definições diferentesno que diz respeito às referências textuais. A importância dos diferentes contextosda vida de um autor se apresenta como referência teórica central. Por isso, épreciso se estar atento às nuances existentes entre os diferentes textos de ummesmo autor. Richard Tuck, em seu texto História do pensamento político,demonstra que alguns textos podem ser reconciliados, mas que outros devem sermantidos em separado, buscando-se a compreensão do autor no diálogo que eleestabelece com a tradição, a anterior e a de seu próprio tempo.

Acerca desse aspecto, Skinner argumenta: “considero igualmenteessencial levar em conta o contexto intelectual em que foram concebidos osprincipais textos – o contexto das obras anteriores, dos axiomas herdados apropósito da sociedade efêmera da mesma época ao pensamento social epolítico”.[xv]

Tendo clara a importância do contexto, é preciso partir para outro pontoimportante qual seja o entendimento do texto em si que o historiador tem anecessidade de assimilar para compreender mais claramente a natureza dessepensamento político. Para alcançar isso, é preciso compreender a idéia do discursoe entender algumas características individuais, que se constituem em fator degrande importância na análise de textos políticos. Sob essa perspectiva, sãoobservadas questões típicas da abordagem e do uso de alguns conceitoscaracterísticos de sua forma de produção textual. As características peculiares a umautor podem estar vinculadas aos chamados “cacoetes”, “chavões”, “princípiosmorais” e outros pontos essenciais.[xvi] Ao se atentar para os pressupostosteóricos, propugnados por autores que refletiram os métodos de abordagem dostextos políticos, procura-se dotar as reflexões dessas salvaguardas tão necessárias

à pesquisa histórica.

Nessa mesma perspectiva, Ciro Cardoso e Ronaldo Vainfas, no textoHistória e análises de textos, advertem que o documento deve ser compreendidocomo portador de um discurso, isso quando referido a uma análise de textosvoltados à pesquisa histórica. No documento, o cuidado com o conteúdo histórico aser examinado é muito importante, em específico quando se trata de uma pesquisavoltada para o pensamento político, assim como outras áreas próximas. Noentanto, o cuidado maior, quando se aborda um conteúdo histórico, está voltado àforma do texto, sendo que esta inclui questões como “tempos verbais”,“vocabulário”, “enunciados”, além de outras características atribuídas à análise dasformas textuais.

Antoine Prost demonstra que, desde o surgimento das teses capitais deJean Dubois e Lucien Febvre, começou-se a questionar “em que medida as políticassão determinadas de antemão pelo vocabulário que permite formulá-las”.[xvii]Forte movimento de historiadores deixou-se levar em direção à lingüística e vice-versa. A partir de então, passou-se a enfatizar, como destacou Prost, que a

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versa. A partir de então, passou-se a enfatizar, como destacou Prost, que amaneira de se falar nunca é inocente, uma vez que ela revela toda uma estruturamental, dominando e organizando a realidade.

Assim como há aqueles autores que se apóiam na opção teórico-metodológica desenvolvida por Quentin Skinner, há outros que lhe impõem fortescríticas. Percebe-se isso no texto de David Harlan, no qual ele apresenta as críticasao historiador inglês, ao afirmar que a hermenêutica por ele adotada tem o objetivode recuperar a intencionalidade do autor, chocando-se contra as perspectivas pós-estruturalistas como as expressas por Michel Foucault, Jacques Derrida e Paul deMan, entre outros que se atêm a um paradigma da linguagem que “é, portanto, nãoa fala, mas a escrita, com o seu autor, ausente, sua audiência desconhecida, e seutexto sem regras vomitando suas múltiplas significações, conotações eimplicações”.[xviii] Isso é visto por alguns como “a morte do autor” na expressãode Roland Barthes. Skinner tenta fazer o contrário, mostrando que a fala pensadacomo linguagem, ao invés da escrita, é desenvolvida por meio da teoria dos atos defala. A perspectiva de Skinner é mostrar que a teoria dos atos de fala destaca a falacomo modelo para o uso da linguagem. Os atos de fala são intersubjetivos, sociaise ocorrem em situações concretas, manipulando a linguagem para a realização dedeterminadas ações, como mostra em sua obra As fundações do pensamentopolítico moderno. Em resumo, os atos de fala são ações humanas constituídas deintenções e ocorrem em momentos específicos.

A polêmica provocada pelo texto A história intelectual e o retorno daliteratura, de David Harlan apoiada na filosofia e teoria literária francesa está nabase das fortes críticas aos historiadores ingleses e americanos. A princípio, elas

pareciam voltadas diretamente ao historiador Quentin Skinner. No entanto, JoséAntonio Vasconcelos em seu texto Quem tem medo da teoria?, mostrou que taiscríticas não se configurariam desse modo. Vasconcelos analisou as polêmicas naspáginas da American Historical Review, em especial a polêmica entre David Harlane David Hollinger, com seu texto The Return of the Prodigal: The Persistence ofHistorical Knowing. Harlan, defendendo que a história teria entrado em umaprofunda crise, intensificada pelas teorias pós-estruralistas francesas, como asdesenvolvidas por Barthes, Foucault e Derrida, põe fim à correspondência entre osignificante e o significado. Para isso, ele se apóia na tradição interpretativarabínica, na qual passa a não ser importante recuperar um significado morto, massim, a construção de um significado vivo e relevante para o presente. A idéia éressituar as fontes textuais no presente, proporcionando a possibilidade detransformar os autores familiares em parceiros de conversa.

Harlan atacava Skinner pela idéia de que se poderia encontrar umverdadeiro sentido de um texto, no entanto Skinner só estaria servindo “de tabela”.Isso passa a ficar mais claro, como mostrou José Antonio Vasconcelos, depois deHarlan acusar seus colegas de bitolados e os comparar a cães de caça, que só sedeixam guiar pelo próprio nariz, o que intensificou as complicações no debateteórico.

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teórico.

Ao texto de Harlan seguiu-se uma réplica de David Hollinger, que, apósfazer várias críticas com relação à imprecisão na argumentação de Harlan e comrelação ao discurso pós-moderno, partiu a um embate frontal, com um tom nemum pouco ingênuo, passando, com algumas metáforas, a expor Harlan ao ridículo.Harlan, em uma tréplica, abandona totalmente o pudor com ataques pessoais,passando preocupações teóricas para um segundo plano.[xix] Richard Tuck, quenessa polêmica sai em defesa de Skinner, destacou que David Hollinger foi bemsucedido ao mostrar que a crítica feita a Skinner pelo pós-estruturalista de cunhoderridaísta David Harlan é falha. Tuck mostrou que “se precisamos ter uma históriadesconstruída das idéias, devemos, pelo mesmo indício, ter uma históriadesconstruída de tudo”.[xx]

Vasconcelos explica que essa polêmica, ao que parecia uma discussãoinicialmente polemizada com Skinner no texto A história intelectual e o retorno daliteratura, é, no entanto, uma crítica a autores americanos de orientaçãocontextualista, como David Hollinger, Thomas Haskell, Dorothy Ross, GeorgeStocking e Joyce Appleby. Como poderia tal discussão ser polemizada por Skinner,que publicou seu texto em 1975, e Harlan, com seu artigo resultante de um fórumrealizado em 1989. As diferenças temporais e de idéias parecem significativas,levando em conta os códigos inacessíveis que, por vezes, não são percebidos emuma simples leitura do texto. O alvo de Harlan são seus colegas das universidadesamericanas, ao que parece ser mais uma disputa de poder.

Nesse sentido, percebe-se, então, que, ao analisar os textos clássicos deum autor, do qual a interpretação é múltipla, emprega-se o método que possafacilitar as análises propostas, levando em conta um grande número de questõespolêmicas. Este parece ser o campo da história intelectual, que vem intensificandoos debates, mas proporcionando aos estudiosos um grande número de caminhospossíveis. Como ressalta Helenice Rodrigues da Silva, “novos conceitos e suportesteóricos devem ser viabilizados a fim de possibilitar novos avanços na área dahistória intelectual. Resta portanto, aos pesquisadores um enorme campo a serexplorado e percorrido”.[xxi]

Continua na segunda parte

[i] Fábio André Hahn: Professor do curso de História na Unimeo/Ctesop eDoutorando em História pela UFF/RJ.

[ii] Cf. DARNTON, R. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo:Companhia das Letras, 1990, p. 180.

[iii] FALCON, F. C. “História das idéias”. In: CARDOSO, C. F. & VAINFAS, R. (org.).Domínios da história – Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus,1997, p. 122.

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[iv] Idem. p. 93.

[v] RODRIGUES DA SILVA, H. Fragmentos da História Intelectual: entrequestionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002, p. 13.

[vi] Idem, p. 112.

[vii] LOPES, M. A. Grandes nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto,2003, p. 10.

[viii] É possível indicar recentes estudos que tem como predomínio teórico o campoda História das Idéias Políticas. A perfeição do político: a idéia de príncipe noTestament Politique do cardeal de Richelieu (2004), de Alexandre Pierezan,também do mesmo autor Manifestações do Sagrado: a idéia de bom governo emJohannes Quidort (2006). Além dessas, também a dissertação de mestrado deMaria Izabel de Moraes Oliveira intitulada A imagem do príncipe nas OraçõesFúnebres de Bossuet (2003).

[ix] “Fixemos, pois uma primeira ‘profissão de fé’: considerar o conteúdo históricodo texto dependente de sua forma não implica, de nenhum modo, reduzir a históriaao texto, a exemplo do que fazem os autores estruturalistas ou pós-extruturalistas,que negam haver história fora do discurso. Pelo contrário, trata-se, antes de

relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre as idéias contidas nos discursos,as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de determinaçõesextratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos.Em uma palavra, o historiador deve sempre, sem negligenciar a forma do discurso,relacioná-lo ao social”. Cf. CARDOSO, C. F; VAINFAS, R. “História e análise detextos”. In: _____. Domínios da história – ensaios de teoria e metodologia. Rio deJaneiro: Campus, 1997, p. 278.

[x] F. C. FALCON. Op.cit., pp. 117-119.

[xi] Cf. SKINNER, Q. Maquiavel: pensamento político. São Paulo: Brasiliense, 1988,p. 12.

[xii] LASKI, H. J. “Sobre o estudo da política”. In: KING, Preston. O estudo dapolítica. Brasília: Editora da UnB, 1980, p.13.

[xiii] LACERDA, S. & KIRSCHNER, T. C. “Tradição intelectual e espaçoshistoriográficos, ou porque dar atenção aos textos clássicos.” In: LOPES, M. A.Grandes nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p.30.

[xiv] RÉMOND, R. “Do político”. In: REMOND, René. (org.) Por uma história política.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p. 22.

[xv] SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:Companhia das Letras, 1996, p. 10.

[xvi] Cf. LOPES, M. A. Para Ler os Clássicos do Pensamento Político: um guia

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[xvi] Cf. LOPES, M. A. Para Ler os Clássicos do Pensamento Político: um guiahistoriográfico. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2002, p. 80.

[xvii] PROST, A. “As palavras”. In: RÉMOND, René. (org.) Por uma história política.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p. 396.

[xviii] HARLAN, D. “A história intelectual e o retorno da literatura”. In: RAGO, M. &GIMENES, R. (Orgs.). Narrar o passado, repensar a história. Campinas: IFCH, 2000,22.

[xix] Cf. VASCONCELOS, J. A. “Quem tem medo da teoria? Os historiadores e avirada lingüística nas ciências humanas”. In: História, Espaço e Meio Ambiente – VIEncontro Regional de História – Anpuh – Pr, Maringá, 2000.

[xx] TUCK, R. “História do pensamento político”. In: BURKE, P. A escrita daHistória: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992, p. 287.

[xxi] H. RODRIGUES DA SILVA. Op.cit., p. 27.

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