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História do Brasil República Aula 08 Objetivo: movimentos de revolta popular na República Velha (zona urbana). A) A Revolta da Vacina (1904). A primeira década republicana foi um período muito conturbado. A falta de legitimidade do novo regime perante a sociedade marcou o período com sucessivas agitações políticas e econômicas. A guerra contra Canudos e o arranjo político realizado por Campo Sales começaram a modificar este quadro. O mesmo presidente também havia introduzido medidas econômicas que visavam estabilizar a situação financeira do país e diminuir os efeitos da crise do encilhamento e da superprodução de café. O governo de Rodrigues Alves (1902-1906) deveria marcar a volta da estabilidade, o retorno do trem aos trilhos. Para marcar essa virada foi idealizado um programa de modernização da capital federal, um novo porto daria maior agilidade as exportações brasileiras, do mesmo modo que o centro da cidade deveria ser refeito para refletir a modernidade que o regime republicano queria representar. Além disso, um programa intensivo de obras públicas, financiado por recursos externos (cerca de 8,5 milhão de libras), marcaria o início à recuperação econômica, e geraria oportunidades tanto para os setores mais abastados da sociedade, quanto para os trabalhadores, em função da geração de novos empregos. Para realizar as obras de saneamento e de reforma urbana da capital, um dos pontos previstos pelo programa de obras públicas, Rodrigues Alves conseguiu junto ao Congresso poderes quase ditatoriais para o engenheiro Pereira Passos, nomeado prefeito do Rio de Janeiro, e para o médico Oswaldo Cruz, nomeado diretor do Serviço de Saúde Pública. Passos procurou, através das obras e de vários decretos que ordenavam o comportamento da população, transformar o Rio em uma réplica de Paris. Uma cidade civilizada. Foi proibido o comércio ambulante, a venda de loterias, a ordenha de vacas leiteiras nas ruas, urinar e cuspir em espaços públicos, dentre outras medidas. O centro da cidade foi remodelado com a criação de corredores mais amplos de circulação, como a Avenida Central, e alargamento das ruas existentes. Para isso foram derrubados casarões antigos e abandonados, junto com vários morros que existiam no centro da capital. Locais que serviam de habitação e pequenos negócios para a população pobre

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História do Brasil República

Aula 08

Objetivo: movimentos de revolta popular na República Velha (zona urbana).

A) A Revolta da Vacina (1904).

A primeira década republicana foi um período muito conturbado. A falta de

legitimidade do novo regime perante a sociedade marcou o período com sucessivas

agitações políticas e econômicas. A guerra contra Canudos e o arranjo político realizado

por Campo Sales começaram a modificar este quadro. O mesmo presidente também

havia introduzido medidas econômicas que visavam estabilizar a situação financeira do

país e diminuir os efeitos da crise do encilhamento e da superprodução de café. O

governo de Rodrigues Alves (1902-1906) deveria marcar a volta da estabilidade, o retorno

do trem aos trilhos.

Para marcar essa virada foi idealizado um programa de modernização da capital

federal, um novo porto daria maior agilidade as exportações brasileiras, do mesmo modo

que o centro da cidade deveria ser refeito para refletir a modernidade que o regime

republicano queria representar. Além disso, um programa intensivo de obras públicas,

financiado por recursos externos (cerca de 8,5 milhão de libras), marcaria o início à

recuperação econômica, e geraria oportunidades tanto para os setores mais abastados da

sociedade, quanto para os trabalhadores, em função da geração de novos empregos.

Para realizar as obras de saneamento e de reforma urbana da capital, um dos

pontos previstos pelo programa de obras públicas, Rodrigues Alves conseguiu junto ao

Congresso poderes quase ditatoriais para o engenheiro Pereira Passos, nomeado prefeito

do Rio de Janeiro, e para o médico Oswaldo Cruz, nomeado diretor do Serviço de Saúde

Pública.

Passos procurou, através das obras e de vários decretos que ordenavam o

comportamento da população, transformar o Rio em uma réplica de Paris. Uma cidade

civilizada. Foi proibido o comércio ambulante, a venda de loterias, a ordenha de vacas

leiteiras nas ruas, urinar e cuspir em espaços públicos, dentre outras medidas. O centro

da cidade foi remodelado com a criação de corredores mais amplos de circulação, como a

Avenida Central, e alargamento das ruas existentes. Para isso foram derrubados

casarões antigos e abandonados, junto com vários morros que existiam no centro da

capital. Locais que serviam de habitação e pequenos negócios para a população pobre

que seria, simplesmente, expulsa, sem qualquer explicação ou indenização, no que ficou

conhecido como “bota abaixo”.

Já Oswaldo Cruz, dentro do contexto da ideologia higienista, surgida no final do

Império, buscou implantar medidas que junto com a reforma urbana da cidade

combatessem os hábitos da população que favoreciam a proliferação de doenças. Grupos

de agentes sanitários passaram a vistoriar casas e estabelecimentos comerciais, muitas

vezes se utilizando da força policial para impor o acesso. Animais (galinhas e porcos)

foram confiscados, foi proibida a comercialização de carne em balcões. Proibiu-se

também o habito de ascender fogueiras, soltar fogos e balões, nas festividades populares,

como a festa de São João, e o habito de soltar pipas, para proteger a rede elétrica recém-

colocada.

As ações visavam a erradicar a febre amarela e a peste bubônica por meio da

extinção dos mosquitos, dos ratos e das pulgas, além da limpeza de ruas e casas. Mas

traziam embutidos um grande autoritarismo e certo desprezo pela cultura popular da

cidade.

Em relação a vacinação, já no Império haviam sido decretadas leis impondo a

vacinação obrigatória contra a varíola a todos os cidadãos. Contudo, como estas leis não

eram respeitadas, o governo julgou necessário fazer uma nova lei que reintroduzisse a

obrigatoriedade. Desenvolveu-se então uma campanha contra a aprovação da lei,

promovida por alguns deputados e senadores, por órgãos da imprensa como o Correio da

Manhã, pelos positivistas ortodoxos, por militares e por associações operárias como o

Centro das Classes Operárias.

A reação intensificou-se quando a regulamentação da lei, elaborada por Oswaldo

Cruz, veio a público. Ela previa multas para quem se recusasse a ser vacinado e

determinava a exigência do atestado de vacinação em situações como contratação de

empregados e matrícula de alunos em escolas.

A revolta teve início no dia 10 de novembro, quando um grupo de rapazes que

realizava um protesto contra a vacina no Largo de São Francisco foi preso pela Polícia.

Nos dias que se seguiram a revolta espalhou-se pela cidade. Passeatas, ataques a

autoridades, depredação de bondes e do mobiliário urbano (como lampiões) e construção

de barricadas.

As áreas mais conturbadas eram as proximidades da Praça Tiradentes e o bairro

da Saúde. Ao mesmo tempo, ocorria uma tentativa frustrada de levante da Escola Militar

da Praia Vermelha, liderada por oficiais florianistas. No dia 16 de novembro, o governo,

com a ajuda de tropas de Minas Gerais e São Paulo, conseguiu sufocar a revolta. Neste

mesmo dia a vacinação obrigatória foi suspensa. Os delegados de polícia logo

começaram a varrer a cidade, prendendo os suspeitos e os “desordeiros”. No total, 945

pessoas foram presas.

As poucas informações disponíveis nas fontes permitem constatar uma forte

presença de operários entre os revoltosos. Este fato não é surpreendente, já que o

operariado havia participado ativamente da campanha contra a obrigatoriedade da vacina.

De início também estavam presentes na revolta, além dos operários, comerciantes,

militares e estudantes. Contudo, depois a ação passou a ser liderada pelos operários e

pelas “classes perigosas” (condenados, vagabundos, pequenos delinquentes, etc.).

Na historiografia existem três linhas de explicação para a Revolta da Vacina. Uma

primeira interpretação afirma que a revolta teria sido de natureza econômica, a partir da

insatisfação da população com a crise que o país enfrentava. Outra explicação atribui a

razão da revolta à reforma urbana, cuja concretização afetou negativamente a vida de

milhares de pessoas. A terceira interpretação coloca que o motivo da revolta foi a

obrigatoriedade da vacina, na medida em que a população estava irritada com a forma de

atuação do governo na área da saúde pública e também temerosa em relação aos efeitos

da vacina em si.

B) A Revolta da Chibata (1910).

Na Marinha, o recrutamento de praças no início do séc. XX apoiava-se nos grupos

de voluntários, nos quadros provenientes das Escolas de Aprendizes Marinheiros e em

grande número de homens forçados ao engajamento por organismos repressivos do

Estado, como a polícia.

O nível de remuneração reservado aos praças, compostos em sua maioria por

negros e mulatos pobres, equiparava-se ao dos trabalhadores pobres urbanos e rurais. O

tratamento que lhes era dispensado incluía engajamento obrigatório por 15 anos, a

proibição do casamento e a possibilidade de serem submetidos às punições especiais da

“Companhia Correcional”, que significava um mínimo de 25 chibatadas.

No início do século XX os marinheiros brasileiros passaram ater contato com

marinheiros de outras partes do mundo e puderam constatar a extinção dos castigos

físicos na maioria dos países. Além disso um grupo esteve em viagem de treinamento na

Inglaterra, onde travou contato com o movimento organizado dos marinheiros britânicos,

bem como da rebelião ocorrida no encouraçado Potenkin, da marinha russa, em 1904.

No retorno ao Brasil, João Candido, começa a organizar os marinheiros em torno

da luta pela extinção dos castigos físicos. O motim estava previsto para o dia 25 de

novembro, mas acabou sendo precipitado pela punição aplicada a Marcelino Rodrigues

Meneses, no encouraçado Minas Gerais. Duzentas e cinquenta chibatas por levar

cachaça para dentro do navio e ferir a navalha um cabo. As chibatadas continuaram a ser

aplicadas, mesmo após a perda da consciência. No dia 22 de novembro a rebelião

explodiu, com a morte de seis oficiais e a tomada do navio. Na mesma noite a revolta se

espalhou para outros navios.

A partir desta ação, os revoltosos exigiram a anistia aos revoltosos e a abolição dos

castigos corporais, ameaçando bombardear a cidade. A reação a revolta dividiu o governo

e o Congresso. Enquanto Hermes da Fonseca, militar, exigia que a rebelião fosse

sufocada a qualquer custo, Rui Barbosa, candidato derrotado nas eleições presidenciais,

criticava a sobrevivência dos castigos físicos após a abolição da escravidão, e exigia

anistia aos rebeldes. A tentativa infrutífera de retomar os navios, no dia 24 de novembro,

levou ao bombardeamento da ilha das Cobras e do Palácio do Catete, sede do governo.

Em 26 de novembro, o presidente Hermes da Fonseca decretou a extinção dos

castigos físicos e a anistia para aqueles que depusessem as armas e entregassem os

navios.

Entretanto, o aparente encerramento do problema foi abalado pelo ato presidencial

de 28 de novembro, que autorizava exclusões dos quadros da Marinha por motivos

disciplinares. O governo, desta forma, estava anulando a anistia concedida aos

revoltosos. Um prolongamento daquele decreto foi a prisão de 22 marinheiros em 4 de

dezembro, sob a acusação de conspiração.

Em 9 de dezembro, mediante o surgimento de nova revolta no Batalhão Naval

(Ilha das Cobras) e no navio “Rio Grande do Sul”, em reação as medidas repressivas, o

governo bombardeou a Ilha, matando vários marinheiros e obtendo a decretação do

estado de sítio, prendendo marinheiros sobreviventes e expulsando muitos dos quadros

da Marinha, entre eles João Cândido.

Seguiu-se àquelas prisões a morte de muitos revoltosos, 16 por sede, calor e

sufocamento em cela subterrânea na Ilha das Cobras e nove fuzilados entre os 105

desterrados para a Amazônia a bordo do navio “Satélite”, além dos incontáveis que

faleceram após a chegada a seu destino.