história do brasil - pré-vestibular impacto - estrutura política na 1ª república ii

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KL 280408 Estrutura Política na 1ª República FAÇO IMPACTO - A CERTEZA DE VENCER!!! PROFº: NETO Fale conosco www.portalimpacto.com.br VESTIBULAR – 2009 CONTEÚDO A Certeza de Vencer 07 4 A Revolta de Canudos A Proclamação da República, em 1889, justificada por todo um discurso recheado de justiça, direitos, igualdade, não modificou a condição de vida da maioria da população brasileira, especialmente os residentes nas áreas rurais, que constituíam na ocasião a maioria da sociedade. O latifúndio ocupava a maioria das terras agricultáveis e que nem sempre eram cultivadas, a predominância era de propriedade improdutivas, pertencentes a oligarquias poderosas e muito importantes para o novo regime. Sob a autoridade do coronel, submetida à manipulação, havia uma população miserável, submissa, explorada até as últimas conseqüências. A legislação existentes no Império, e reforçada com a República, não garantia as mínimas condições de vida: salário, comida, remédios, justiça, eram coisas que existiam apenas para favorecer os ricos fazendeiros. Em casos de litígios pela posse da terra, invariavelmente, a lei ficava ao lado dos poderosos. A República, além de não resolver as menores questões sociais, ainda reforçou o poder das oligarquias quando estabeleceu o voto aberto, na Carta de 1891. Isolados, esquecidos, desprezados pelas grandes autoridades da República a massa rural muitas vezes rebelou-se e pela força das armas resistiu: na segunda metade do século. XIX, no Império e na República, bandos de cangaceiros, formados originalmente por excluídos da terra, assaltavam e pilhavam propriedades e até cidades no Nordeste, por outro lado, e não poucas vezes, milhares de miseráveis reuniam-se em volta de beatos, criando movimentos religiosos e ameaçando as estruturas formais de dominação social. O flagelo da seca, que matou milhares de pessoas entre 1877 e 1879, constitui outro componente dramático no quadro de sofrimentos da região: queda da produção agrícola, perda do gado, estagnação das ainda rudimentares formas de exploração econômica, aumento da exploração das massa rurais. Não são muitas as alternativas- a morte determinada pela seca ou a busca de melhores condições em outros lugares. No mesmo momento em que esse quadro terrível se passa no Nordeste, duas outras regiões explodiam em riquezas: o sudeste com as vastas plantações de café e a Amazônia, onde as imensas plantações nativas de seringueiras faziam surgir um novo "Eldorado". 1- “O SERTÃO VAI VIRAR MAR E O MAR VAI VIRAR SERTÃO”: O MESSIANISMO EM CANUDOS “A bons seis meses que por todo o centro desta Província da Bahia chegado; (diz ele), da do Ceará infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antônio dos Mares: o que, à vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos Mares.” (O Rabudo – Estância, 22 de novembro de 1874. Primeira notícia publicada em jornal sobre Antônio Conselheiro) Desde o início da colonização portuguesa na América foi dada uma grande importância às práticas religiosas no Novo Mundo, até porque a Igreja estava unida ao Estado na conquista e colonização do território. Dessa forma, o cristianismo passou a se constituir em cultura erudita no mundo colonial e imperial, uma religião oficial que o Estado sempre protegei e incentivou. A proclamação da República em 1889, modificou bastante essa realidade. Preocupados com a chegada dos estrangeiros – muitos não eram católicos – o governo decretou por afirmar um regime leigo, ou seja, um Estado que passava a se desatrelar da Igreja Católica, quebrando, assim, uma relação de séculos de união através do padroado real. Entretanto, dizer que o Estado separou-se da Igreja institucionalmente não quer dizer que a população se apartou completamente da religiosidade cristã e passou a professar outros credos. A cultura erudita, ao longo de um processo de séculos de relações com outras religiosidades, constituiu-se em cultura popular, profundamente marcada pelo sincretismo religioso. Enquanto nas regiões imigrantistas a liberdade de culto integrava ortodoxos, judeus, budistas, xintoístas, hindus, muçulmanos e outros demais pequenos credos, no interior do Brasil a religiosidade católica permaneceu firme e forte nas crenças e esperanças dos sertanejos. A região nordeste é um ótimo exemplo de como essas manifestações cristãs populares eram ativas e presentes no cotidiano de milhares de homens e mulheres. Assolada permanentemente por penosos surtos de secas, a região interiorana caracteriza-se, até hoje, pela condição de precariedade em que vivem os habitantes. Uma região castigada pela pobreza e por histórias de vida inseridas na miséria, na fome, no descaso das autoridades públicas, na marginalização social. Esse panorama não era diferente no fim do século XIX. Entre 1877 e 1879, o sertão nordestino foi castigado por uma das mais difíceis secas dos século XIX, que arrastou para as valas secas da miséria milhares de pessoas que perderam plantações, os poucos animais que ainda restavam e até a própria dignidade da vida. Essa “grande seca”, como foi chamada pelos sertanejos, levou muitos sertanejos a migrarem para a região sudeste, aonde a lavoura cafeeira se expandia e criava expectativas de dias melhores para os nordestinos que lá chegavam. Porém, os sertanejos pobres que permaneceram em sua terra natal passaram a fortalecer ainda mais suas esperanças com base na extrema religiosidade cristã que passou a se expandir pela região através de diversas pregações de profetas que antecipavam a destruição do mundo e seu renascimento. Canudos à oeste. Repare no tipo de moradia do arraial de Canudos. Casas precárias não escondiam a situação de extrema miséria dos habitantes da cidade. In: ALMEIDA, Cícero Antônio F. de. Canudos: Imagens da Guerra. Rio de Janeiro : Lacerda Editora/ Museu da República, 1997. Um rico imaginário bíblico lido pelos olhos de religiosos que não eram ligados à Igreja Católica passou a compor o dia-a-dia do sertão da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Ceará. A isso muito se deveu a peregrinação dos chamados “beatos”, espécie de profetas do sertão que, acreditava a população, eram homens santos mandados pelos céus, profetas que tinham o poder de prever o futuro, uma esperança da ressurreição de um novo sertão. A saída para a miséria do povo passou a estar nas esperanças geradas das pregações desses sacerdotes leigos. 2.1 - As pregações de Antônio dos Mares: o messianismo/milenarismo do “Conselheiro” no sertão nordestino. Um dos beatos mais famosos que destacaram-se no cenário seco do nordeste foi Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio dos Mares, Antônio Conselheiro, Bom Jesus Conselheiro, Santo Antônio Aparecido, Santo Conselheiro e outros demais nomes. Pelo sertão baiano, na região de Canudos, era mais conhecido como Antônio Conselheiro. Sua história hoje é bem documentada. Nascido na cidade de Quixeramobim (Ceará) em 1830, Antônio era filho de comerciantes. Casado por duas vezes, Antônio teve uma grande decepção amorosa que o fez desequilibrar sua vida familiar e, provavelmente, o impulsionou para uma vida de andanças pelo sertão cearense. O fato é que em 1874 parece ter iniciado suas pregações nas zonas áridas da Bahia e de Sergipe, e desde logo já era seguido por centenas de pessoas. O Conselheiro parece ter iniciado sua “missão” através da construção de pequenas capelas, igrejinhas, muros de cemitérios e pequenos tanques d’água. É um benemérito dos sertões que rapidamente passa a pregar as escrituras bíblicas e arrastar uma multidão de pessoas que passam a segui-lo. O importante é que a população o via como uma espécie de “santo”, cuja missão era anunciar os tempos futuros. Nas pregações do Conselheiro sempre estavam presentes premolições catastróficas em relação ao mundo; a seca seria um sinal divino para anunciar o juízo final. Portanto, era tempo de purificação, de oração, de resignação para a espera do Messias. Aqui está o núcleo do que chamamos Messianismo. O fim do século estava se aproximando e com ele o dia em que o Messias, Jesus Cristo, iria descer à terra para o último julgamento. Essa crença no retorno do messias era apropriada pela população como uma verdade infalível, inquestionável. E o arauto, o profeta escolhido por Deus para tão importante informação era justamente Antônio Conselheiro. O fim do século não era coincidência para os fiéis que associavam o término do século XIX com o fim do mundo. Essa concepção chamamos de Milenarismo, que fortaleceu ainda mais a religiosidade popular no nordeste. Cabe aqui uma outra idéia: por que um beato e não um padre poderia der o profeta dos sertões? Os beatos eram vistos como pessoas abençoadas e bem mais presentes no dia-a-dia das camadas pobres do que os clérigos. A Igreja Católica não possuía uma presença significativa na vida desses sertanejos, mas missões esporádicas lembravam-nos que existia uma Igreja. Esta ausência levou a proliferação de vários profetas que passaram a pregar a doutrina cristã sem a autorização da Igreja, passando mesmo a serem combatidos pelos clérigos. 2.2 - O Imaginário do “Belo Monte”: os conselheiristas e a idéia do paraíso. Mas, o que queria o profeta e seus seguidores? No imaginário religioso das pregações do Conselheiro o objetivo das andanças pelo sertão era atingir uma terra de onde “corria um rio de leite e eram de cuzcuz os seus barrancos”, segundo o relato de um missionário que visitou o arraial pouco antes de sua destruição. O profeta e seus seguidores buscavam atingir uma terra bastante parecida com o paraíso que Deus revelara a Moisés na ocasião da fuga dos hebreus do Egito. Ou seja, baseado nas escrituras bíblicas, Antônio pregava a existência de uma nova Canaã no sertão, local aonde estaria o paraíso para os puros e seguidores fiéis da religião e das leis divinas. Lá, os conselheiristas deveriam construir uma cidade que chamaria-se “Belo Monte”. Portanto, as peregrinações tinham uma finalidade que era erguer uma comunidade em algum lugar do interior nordestino. O Belo Monte estava longe de ser pura imaginação da cabeça do profeta e de seus seguidores, era um lugar absolutamente real, bastava encontrá-lo. Nos primeiros dias de julho de 1893, Antônio Conselheiro e seu séquito de fiéis fixaram moradia em uma região chamada Canudos, que era uma fazenda abandonada em uma área extremamente árida localizada às margens de um rio quase seco, o Vaza-Barris, na freguesia do Cumbe, Bahia. Lá a comunidade começou a erguer uma cidade enorme que chegou a abrigar uma população de 25 mil habitantes, o que tornou o arraial a segunda maior cidade de toda a Bahia, inferior somente à capital, Salvador

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Estrutura Política na 1ª República

FAÇO IMPACTO - A CERTEZA DE VENCER!!!

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A Revolta de Canudos A Proclamação da República, em 1889, justificada por todo um discurso recheado de justiça, direitos, igualdade, não modificou a condição de vida da maioria da população brasileira, especialmente os residentes nas áreas rurais, que constituíam na ocasião a maioria da sociedade. O latifúndio ocupava a maioria das terras agricultáveis e que nem sempre eram cultivadas, a predominância era de propriedade improdutivas, pertencentes a oligarquias poderosas e muito importantes para o novo regime. Sob a autoridade do coronel, submetida à manipulação, havia uma população miserável, submissa, explorada até as últimas conseqüências. A legislação existentes no Império, e reforçada com a República, não garantia as mínimas condições de vida: salário, comida, remédios, justiça, eram coisas que existiam apenas para favorecer os ricos fazendeiros. Em casos de litígios pela posse da terra, invariavelmente, a lei ficava ao lado dos poderosos. A República, além de não resolver as menores questões sociais, ainda reforçou o poder das oligarquias quando estabeleceu o voto aberto, na Carta de 1891. Isolados, esquecidos, desprezados pelas grandes autoridades da República a massa rural muitas vezes rebelou-se e pela força das armas resistiu: na segunda metade do século. XIX, no Império e na República, bandos de cangaceiros, formados originalmente por excluídos da terra, assaltavam e pilhavam propriedades e até cidades no Nordeste, por outro lado, e não poucas vezes, milhares de miseráveis reuniam-se em volta de beatos, criando movimentos religiosos e ameaçando as estruturas formais de dominação social. O flagelo da seca, que matou milhares de pessoas entre 1877 e 1879, constitui outro componente dramático no quadro de sofrimentos da região: queda da produção agrícola, perda do gado, estagnação das ainda rudimentares formas de exploração econômica, aumento da exploração das massa rurais. Não são muitas as alternativas- a morte determinada pela seca ou a busca de melhores condições em outros lugares. No mesmo momento em que esse quadro terrível se passa no Nordeste, duas outras regiões explodiam em riquezas: o sudeste com as vastas plantações de café e a Amazônia, onde as imensas plantações nativas de seringueiras faziam surgir um novo "Eldorado".

1- “O SERTÃO VAI VIRAR MAR E O MAR VAI VIRAR SERTÃO”: O MESSIANISMO EM CANUDOS “A bons seis meses que por todo o centro desta Província da Bahia chegado; (diz ele), da do Ceará infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antônio dos Mares: o que, à vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos Mares.”

(O Rabudo – Estância, 22 de novembro de 1874. Primeira notícia publicada em jornal sobre Antônio Conselheiro)

Desde o início da colonização portuguesa na América foi dada uma grande importância às práticas religiosas no Novo Mundo, até porque a Igreja estava unida ao Estado na conquista e colonização do território. Dessa forma, o cristianismo passou a se constituir em cultura erudita no mundo colonial e imperial, uma religião oficial que o Estado sempre protegei e incentivou. A proclamação da República em 1889, modificou bastante essa realidade. Preocupados com a chegada dos estrangeiros – muitos não eram católicos – o governo decretou por afirmar um regime leigo, ou seja, um Estado que passava a se desatrelar da Igreja Católica, quebrando, assim, uma relação de séculos de união através do padroado real. Entretanto, dizer que o Estado separou-se da Igreja institucionalmente não quer dizer que a população se apartou completamente da religiosidade cristã e passou a professar outros credos. A cultura erudita, ao longo de um processo de séculos de relações com outras religiosidades, constituiu-se em cultura popular, profundamente marcada pelo sincretismo

religioso. Enquanto nas regiões imigrantistas a liberdade de culto integrava ortodoxos, judeus, budistas, xintoístas, hindus, muçulmanos e outros demais pequenos credos, no interior do Brasil a religiosidade católica permaneceu firme e forte nas crenças e esperanças dos sertanejos. A região nordeste é um ótimo exemplo de como essas manifestações cristãs populares eram ativas e presentes no cotidiano de milhares de homens e mulheres. Assolada permanentemente por penosos surtos de secas, a região interiorana caracteriza-se, até hoje, pela condição de precariedade em que vivem os habitantes. Uma região castigada pela pobreza e por histórias de vida inseridas na miséria, na fome, no descaso das autoridades públicas, na marginalização social. Esse panorama não era diferente no fim do século XIX. Entre 1877 e 1879, o sertão nordestino foi castigado por uma das mais difíceis secas dos século XIX, que arrastou para as valas secas da miséria milhares de pessoas que perderam plantações, os poucos animais que ainda restavam e até a própria dignidade da vida. Essa “grande seca”, como foi chamada pelos sertanejos, levou muitos sertanejos a migrarem para a região sudeste, aonde a lavoura cafeeira se expandia e criava expectativas de dias melhores para os nordestinos que lá chegavam. Porém, os sertanejos pobres que permaneceram em sua terra natal passaram a fortalecer ainda mais suas esperanças com base na extrema religiosidade cristã que passou a se expandir pela região através de diversas pregações de profetas que antecipavam a destruição do mundo e seu renascimento.

Canudos à oeste. Repare no tipo de moradia do arraial de Canudos. Casas precárias não escondiam a situação de extrema miséria dos habitantes da cidade. In: ALMEIDA, Cícero Antônio F. de. Canudos: Imagens da Guerra. Rio de Janeiro : Lacerda Editora/ Museu da República, 1997. Um rico imaginário bíblico lido pelos olhos de religiosos que não eram ligados à Igreja Católica passou a compor o dia-a-dia do sertão da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Ceará. A isso muito se deveu a peregrinação dos chamados “beatos”, espécie de profetas do sertão que, acreditava a população, eram homens santos mandados pelos céus, profetas que tinham o poder de prever o futuro, uma esperança da ressurreição de um novo sertão. A saída para a miséria do povo passou a estar nas esperanças geradas das pregações desses sacerdotes leigos. 2.1 - As pregações de Antônio dos Mares: o messianismo/milenarismo do “Conselheiro” no sertão nordestino. Um dos beatos mais famosos que destacaram-se no cenário seco do nordeste foi Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio dos Mares, Antônio Conselheiro, Bom Jesus Conselheiro, Santo Antônio Aparecido, Santo Conselheiro e outros demais nomes. Pelo sertão baiano, na região de Canudos, era mais conhecido como Antônio Conselheiro. Sua história hoje é bem documentada. Nascido na cidade de Quixeramobim (Ceará) em 1830, Antônio era filho de comerciantes. Casado por duas vezes, Antônio teve uma grande decepção amorosa que o fez desequilibrar sua vida familiar e, provavelmente, o

impulsionou para uma vida de andanças pelo sertão cearense. O fato é que em 1874 parece ter iniciado suas pregações nas zonas áridas da Bahia e de Sergipe, e desde logo já era seguido por centenas de pessoas. O Conselheiro parece ter iniciado sua “missão” através da construção de pequenas capelas, igrejinhas, muros de cemitérios e pequenos tanques d’água. É um benemérito dos sertões que rapidamente passa a pregar as escrituras bíblicas e arrastar uma multidão de pessoas que passam a segui-lo. O importante é que a população o via como uma espécie de “santo”, cuja missão era anunciar os tempos futuros. Nas pregações do Conselheiro sempre estavam presentes premolições catastróficas em relação ao mundo; a seca seria um sinal divino para anunciar o juízo final. Portanto, era tempo de purificação, de oração, de resignação para a espera do Messias. Aqui está o núcleo do que chamamos Messianismo. O fim do século estava se aproximando e com ele o dia em que o Messias, Jesus Cristo, iria descer à terra para o último julgamento. Essa crença no retorno do messias era apropriada pela população como uma verdade infalível, inquestionável. E o arauto, o profeta escolhido por Deus para tão importante informação era justamente Antônio Conselheiro. O fim do século não era coincidência para os fiéis que associavam o término do século XIX com o fim do mundo. Essa concepção chamamos de Milenarismo, que fortaleceu ainda mais a religiosidade popular no nordeste. Cabe aqui uma outra idéia: por que um beato e não um padre poderia der o profeta dos sertões? Os beatos eram vistos como pessoas abençoadas e bem mais presentes no dia-a-dia das camadas pobres do que os clérigos. A Igreja Católica não possuía uma presença significativa na vida desses sertanejos, mas missões esporádicas lembravam-nos que existia uma Igreja. Esta ausência levou a proliferação de vários profetas que passaram a pregar a doutrina cristã sem a autorização da Igreja, passando mesmo a serem combatidos pelos clérigos.

2.2 - O Imaginário do “Belo Monte”: os conselheiristas e a idéia do paraíso. Mas, o que queria o profeta e seus seguidores? No imaginário religioso das pregações do Conselheiro o objetivo das andanças pelo sertão era atingir uma terra de onde “corria um rio de leite e eram de cuzcuz os seus barrancos”, segundo o relato de um missionário que visitou o arraial pouco antes de sua destruição. O profeta e seus seguidores buscavam atingir uma terra bastante parecida com o paraíso que Deus revelara a Moisés na ocasião da fuga dos hebreus do Egito. Ou seja, baseado nas escrituras bíblicas, Antônio pregava a existência de uma nova Canaã no sertão, local aonde estaria o paraíso para os puros e seguidores fiéis da religião e das leis divinas. Lá, os conselheiristas deveriam construir uma cidade que chamaria-se “Belo Monte”. Portanto, as peregrinações tinham uma finalidade que era erguer uma comunidade em algum lugar do interior nordestino. O Belo Monte estava longe de ser pura imaginação da cabeça do profeta e de seus seguidores, era um lugar absolutamente real, bastava encontrá-lo. Nos primeiros dias de julho de 1893, Antônio Conselheiro e seu séquito de fiéis fixaram moradia em uma região chamada Canudos, que era uma fazenda abandonada em uma área extremamente árida localizada às margens de um rio quase seco, o Vaza-Barris, na freguesia do Cumbe, Bahia. Lá a comunidade começou a erguer uma cidade enorme que chegou a abrigar uma população de 25 mil habitantes, o que tornou o arraial a segunda maior cidade de toda a Bahia, inferior somente à capital, Salvador

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“As casas acumulam-se em absoluta desordem, completamente isoladas, algumas entre quatro vielas estreitas, unidas outras, com as testadas voltadas para todos os pontos, cumeeiras orientadas em todos os sentidos, num baralhamento indescritível, como se tudo fosse construído rapidamente, vertiginosamente, febrilmente(...)”.

(Euclides da Cunha. Os sertões) No centro do arraial estava a Igreja Central e também moradia do Conselheiro, a Igreja do Bom Jesus, e ao redor dela se espalhavam centenas de pequenas moradias feitas de barro e taipa e cobertas com palha. Alguns cronistas que visitaram o arraial tiveram péssimas impressões de sua organização (ver quadro), entendendo que não existia qualquer organização; era a visão do caos completo. Lá a comunidade passou a sobreviver através de uma pequena plantação de mandioca, da criação de animais como cabras e bodes e a tecer cestos de palha que eram negociados com as vilas e povoados vizinhos. Quanto mais tempo o Belo Monte se sustentava mais atraía fiéis para o arraial. Começaram a chegar à cidade não somente pessoas pobres, mas também comerciantes começaram a aderir ao carisma de Antônio Conselheiro e até cangaceiros passaram a integrar a comunidade de Canudos, o que levou a uma maior complexidade das relações sociais e de trabalho dentro do arraial. Essa grande afluência de sertanejos começou a despertar problemas junto aos coronéis da região, o que representou o fator central do início da Guerra de Canudos. “Para que V. Sa. Saiba que é Antônio Conselheiro, basta dizer que é acompanhado por centenas de pessoas, que ouvem-no e cumprem suas ordens de preferência às do vigário desta paróquia (Itapicuru). O fanatismo não tem limites, assim é que, sem medo de erro e firmado em fatos, posso afirmar que adoram-no como se fosse um Deus vivo. Nos dias dos sermões e terço, o ajuntamento sobre a mil pessoas. (...) Cumpre dizer que Antônio Conselheiro, que veste uma camisola de pano azul, com barbas e cabelos longos, é malcriado, caprichoso e soberbo.” (Correspondência do Chefe de Polícia do Ceará ao chefe de polícia da

Bahia. IN: Aristides A. MILTON. “A Campanha de Canudos”. Revista Trismestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de

Janeiro, Imprensa Nacional, 1902, p.16) CANUDOS E O REPUBLICANISMO NOS SERTÕES: A QUESTÃO DA CIDADANIA O caso de Canudos também envolve uma questão muito importante, a religiosidade em confronto com a estrutura de poder local dos coronéis. Na realidade, a comunidade agreste do Belo Monte começou a despertar a preocupação dos mandatários locais, os coronéis, principalmente quando o arraial começa a tomar proporções de grande aglomeração urbana.

3.1 - Canudos como “desordem” para os coronéis baianos O crescimento de Canudos passou a ser vista pelos coronéis como o crescimento de um a grande desordem dentro do sertão baiano; um ajuntamento que não está subordinado às leis, às autoridades públicas e até mesmo não se subordina ao poder republicano. Para os latifundiários, o próprio Antônio Conselheiro era um criminoso que já habia sido preso anteriormente acusado do assassinato de sua própria mãe, em outras palavras, ao invés de “santo”, o Conselheiro seria um bandido a insuflar os ingênuos sertanejos à revolta, à desordem contra os poderosos da região (ver quadro ao lado). O crescimento populacional do arraial de Canudos se devia essencialmente à migração de trabalhadores das fazendas para o Belo Monte, o que passou a levar os latifundiários a criticar o Conselheiro. Era um agitador, um “malcriado”, um “soberbo”, por achar-se mais poderoso que o coronelismo baiano. Nesse sentido é que começou a se formar um ambiente de desordem em relação ao ajuntamento humano de Canudos, o que levou os coronéis baianos a comunicarem às autoridades públicas a alta “periculosidade” a que estava exposta a região sertaneja. Passou a ser prioridade para os coronéis dispersar os fiéis conselheiristas de sua cidade para evitar novos prejuízos para a lavoura e para o poder local.

Canudos como “movimento” anti-republicano: Entretanto as disputas em torno da região de Canudos entre os coronéis e o Conselheiro passou por

uma outra grave acusação: Canudos poderia ser um reduto monarquista.

SOBRE A REPÚBLICA “É evidente que a República permanece sobre um princípio falso e dele não se pode tirar conseqüência legítima: sustentar o contrário seria absurdo, espantoso e singularíssimo; porque, ainda que ela trouxesse o bem para o país, por si é má, porque vai de encontro à vontade d Deus, com manifesta de sua divina lei. Como podem conciliar-se a lei divina e as humanas, tirando o direito de quem tem para dar a quem não tem? Quem não sabe que o digno príncipe, o senhor Pedro 3o, tem poder legitimamente constituído por Deus para governar o Brasil? “

(ANTÔNIO CONSELHEIRO. “Prédicas”) Essa idéia caiu como uma bomba entre os círculos políticos da Bahia e do próprio Rio de Janeiro, pois, não devemos esquecer que o regime republicano tinha sido proclamado recentemente, e o Conselheiro e seus “fanáticos” seriam agentes de forças políticas e militares favoráveis à restauração da monarquia e lutadores da destruição da república. Esses argumentos tinham bases fundadas nas próprias palavras do beato Conselheiro que, em alguns pronunciamentos públicos e em seus escritos sobre a religião e a política dos sertões (as Prédicas) criticava veementemente a República, associando-a ao anticristo, ou seja, ao demônio e à maldade (ver quadro ao lado). Para o Conselheiro, a República seria demoníaca por ter rompido os santos laços de fidelidade à Igreja Católica, separando-se dela e reduzindo seu papel social. Embora não fosse clérigo, “Antônio dos Mares” combatia a separação entre Igreja e Estado e principalmente as “novidades” criadas pelos republicanos, como por exemplo o casamento civil. Como poderia um sacramento religioso ser ministrado por juizes? Aos olhos do Conselheiro e da religiosidade popular dos sertanejos, isso era inadmissível.

SOBRE O CASAMENTO CIVIL “A religião santifica tudo e não destrói coisa alguma, exceto o pecado. Daqui se vê que o casamento civil ocasiona a nulidade do casamento, conforme manda a santa madre Igreja de Roma, contra a disposição mais clara do seu ensino“ (ANTÔNIO CONSELHEIRO. “Prédicas”) Por outro lado, o beato criticou publicamente o regime republicano por associar ao novo regime a culpa pelo aumento da miséria material dos sertanejos. Há u fato que ilustra bem isso: em 1893, na vila do Soure, nordste baiano, Conselheiro e seus seguidores despedaçaram tábuas municipais onde figuravam os impostos estabelecidos pelas autoridades locais. O ato de rebeldia foi também praticado em outras localidades. Os impostos, portanto, eram as culpas de uma República que ao invés de trazer a bonança trouxe somente mais e mais miséria para o povo. Daí em diante, o profeta e seus asseclas passaram a ser associados pelas autoridades públicas e militares como desordeiros e bandidos. A critica à República foi rapidamente apreendida pelos políticos locais e estaduais como uma defesa monarquista. Mas, será que o Conselheiro era mesmo monarquista? Certamente não! Suas falas estão marcadas por uma profunda religiosidade e não por disputas políticas. O discurso monarquista foi muito mais uma estratégia utilizada pelos poderosos da região para incentivarem a destruição do arraial entre 1896 e 1897.

A GUERRA DE CANUDOS E O FIM DE UM SONHO... O crescimento de Canudos como um reduto monarquista caiu como uma bomba na capital da república. A imprensa ainda ajudou a colocar mais “lenha na fogueira” insuflando a opinião pública a acreditar que o Conselheiro fosse um agente perigoso que estaria pronto a derrubar o novo regime. Os “jacobinos” passaram a pressionar o presidente Prudente de Morais a tomar alguma providência para dispersar a população da região do Vaza-Barris. Era o início de uma das mais sangrentas páginas da história da Bahia... O governo começou a organizar uma série de campanhas militares que tinham como meta destruir a cidade do Belo Monte e levar a população canudense a retornar às suas terras. Entretanto, as campanhas mostraram-se frustradas frente à tenaz resistência dos

conselheiristas que por três vezes venceram as tropas legalistas, afirmando fama de independentes no sertão. Derrubar Antônio Conselheiro e seus seguidores passou a ser uma questão de honra para os coronéis, o governo baiano e o governo estadual. Vejamos uma síntese das três principais batalhas:

Primeira Expedição: organizada pelo governo da Bahia, essa expedição foi liderada pelo Tenente Manuel da Silva Pires Ferreira. Com uma força de aproximadamente 120 homens, a campanha foi surpreendida pelos conselheiristas no povoado de Uauá, onde a jagunçada colocou os soldados para correr em meio à vivas ao “Bom Jesus Conselheiro”;

Segunda Expedição: fruto da associação entre os governos da Bahia, Sergipe e Alagoas, essa campanha comportou aproximadamente 625 homens comandados pelo major Febrônio de Brito. Mais uma vez a tropa é surpreendida próximo ao arraial, em um local chamado Tabolheirinhos de Canudos depois da Lagoa do Sangue, sofrendo sua segunda derrota;

Terceira Expedição: os remanescentes da segunda expedição são fortalecidos com mais soldados provenientes das tropas federais sob a liderança do temível republicano o Cel. Antônio Moreira Cézar, conhecido por “corta cabeças”. Abrigou 1.300 homens, terceira derrota, com a morte do “corta-cabeças” decapitado pelos conselheiristas. A imprensa carioca noticia Canudos como um reduto monarquista;

Quarta Expedição: o governo federal reuniu a maior tropa proveniente de vários estados do país, inclusive do Pará, chegando ao numeroso contigente de 10.000 homens liderados pelo Comandante-em-chefe Arthur Oscar de Andrade Guimarães. Armados com instrumentos bélicos potentes de grande destruição, como os canhões alemães Krupp, o Exército arrasa o arraial completamente, levando a população masculina quase a extinção. O Conselheiro faleceu de problemas intestinais antes do término do conflito e teve seu corpo exumado das ruínas da Igreja do Bom Jesus na praça central da cidade. No fim da guerra, uma chacina. Degolamentos em grande número (a “gravata vermelha”). A opinião nacional que aprovava a luta com os supostos monarquistas condenou a mortandade dos sertanejos. A guerra demonstrou a existência de dois “brasis” dentro do Brasil, pois o abismo que existia entre a cidade e o campo foi ressaltada pelas imagens de pobreza e miséria no solo seco do interior da Bahia. Os canudenses, na realidade, são parte de uma história em que a República não conseguiu transformar a realidade de dificuldades sociais em que estavam inseridas milhares de pessoas pobres do interior do país.

A falta de cidadania é um elemento central na compreensão da história de Canudos. A marginalização social e material levou essas pessoas a fortalecer o único significado certo para eles, a religiosidade. A visão mítica e cristã serviu como um fator de solidariedade ao mesmo tempo que contribuía para a resignação diante do destino das secas e da miséria. O Conselheiro modificou essa forma de pensar ao vislumbrar uma terra prometida sem fome e sem miséria. Quantos milhares de pessoas ainda estão na mesma situação? Lutas e lutas pela terra ainda nos fazem ver Canudos como um marco na história brasileira do fim do século XIX... BIBLIOGRAFIA COSULTADA CALASANS, José. “Textos”. In: Dossiê Canudos. Revista da USP no. 20, Dez/Jan/fev 1993-94, São Paulo. QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de. “D. Sebastião no Brasil”. In: Dossiê Canudos. Revista da USP no. 20, Dez/Jan/fev 1993-94, São Paulo. ALMEIDA, Cícero Antônio F. de. Canudos: Imagens da Guerra. Rio de Janeiro : Lacerda Editora/ Museu da República, 1997.

Foto do cadáver exumado de Antônio Conselheiro, tirada por Flávio de Barros, quatorze dias após a morte do líder de Canudos. In: Op. cit.