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História de Pernambuco

Características Gerais do Brasil Colonial

Professor Thiago Scott

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História de Pernambuco

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO BRASIL COLONIAL

As causas da Expansão Marítima

As atividades comerciais desenvolvidas a partir das Cruzadas eram desfavoráveis para o Ocidente, pois os produtos oferecidos por esses não apresentavam grandes valores, por não serem tão necessários aos muçulmanos, forçando um grande fluxo de metais ocidentais para o Oriente, especialmente a prata amoedada. Sendo assim, a busca de novas fontes de metais preciosos era necessária e urgente. (as minas européias esgotavam-se rapidamente).

A busca de novas fontes de metais se reforçava também em função da recuperação econômica européia, que saia do atoleiro do século XIV. Com o aumento da oferta,o preço dos produtos agrícolas sofreram uma grande queda, recuperando dessa forma o preço dos metais preciosos.

Já na primeira metade do século XV, grandes quantidades de ouro em pó vinham de algumas cidades, como Maghreb, no norte da África, que tinham sua origem na região subsaariana, classificada vagamente como Sudão. Outras cidades como Ceuta, Argel Oran e Tânger também serviam de base para os mercadores cristãos e árabes.

Alguns Estados da Europa mediterrânea habilitavam-se para empreender a busca deste ouro africano. Em primeiro lugar, estava Gênova, que mantinha há muito comércio com o norte da África, tendo inclusive feitorias nas cidades portuárias do Marrocos e, possivelmente, tendo atingido as ilhas Canárias no século XIV. Em segundo lugar, havia os aragoneses, senhores de uma poderosa rede de comércio ligando Barcelona, Valência e Palma de Mallorca com a Itália, a Sicília, a Sardenha, o Marrocos e a Tunísia. Por fim, surge no início do século XV, Portugal.

As bases da Expansão Marítima remontam no Renascimento comercial da Baixa Idade Média, como já foi trabalhado. Todavia, a crise geral do feudalismo, especialmente a partir do século XIV, forçaria a Europa Ocidental a expandir suas fronteiras geográficas e ampliar as populações a serem exploradas.

Portugal, por vários motivos, acabou tendo o pioneirismo no processo marítimo:

• o papel do Infante Dom Henrique (1394-1460) e de sua Escola de Sagres;

• autonomia, com tendência a voltar-se para fora: (Lisboa já se especializava, com a ajuda dos genoveses, em um grande centro comercial de longas distâncias, nos séculos XIII e XIV, que se aprofundou com as relações econômicas dos lusos com o mundo islâmico do Mediterrâneo);

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• Portugal se unifica e fica menos sujeito a disputas internas e a revoltas camponesas, ao contrário de França ou Inglaterra;

• A Revolução de 1383-1385:com a morte de Dom Fernando, em 1383, o último rei da dinastia Borgonha, não deixando herdeiro, abre-se uma profunda crise (1383-1385). D. Beatriz, casada com Dom João I, rei de Castela, apoiados pela grande nobreza lusa, invade Portugal, desencadeia uma guerra que ao mesmo tempo em que é de independência coloca Dom João, o Mestre de Avis, filho bastardo do Rei Pedro I, no poder do país, que se apóia nas camadas “populares”, contra uma tentativa feudalizante de Castela;

• Reagrupamento dos setores sociais em torno do Mestre de Avis: Dom João, meio-irmão do rei e mestre da Ordem de Avis, se articula em um partido “nacional”, tentando anular o poder da nobreza latifundiária, que se encontrava enfraquecida em decorrência da crise do feudalismo e, por isso, buscava apoio na nobreza de Castela;

• O gosto pela aventura, que dominava a mentalidade da época desde as Cruzadas;

“O ataque a África unia ambas as condições: a possibilidade de acesso ao ouro e às especiarias e a manutenção do espírito de cruzada. Ao mesmo tempo, surgia a possibilidade do acesso a terras conquistadas e a criação e distribuição de uma série de cargos civis, militares e religiosos que, ao lado de tenças, mercês e dotes, seriam distribuídos aos fidalgos”.

(Francisco Carlos Teixeira da Silva)

• O desenvolvimento das técnicas de navegação, a “nova mentalidade”, o aperfeiçoamento de instrumentos como o quadrante e o astrolábio, arquitetura naval mais apropriada (caravelas, a partir de 1441) e a nova mentalidade de humanistas portugueses (Duarte Pacheco Pereira, Diogo Gomes e Dom João de Castro), valorizando o conhecimento oriundo da experimentação;

• Atração pelo ouro e pelas especiarias:o ouro (moeda confiável e empregado, em larga escala, pelos aristocratas asiáticos na confecção de palácios e templos bem como na fabricação de roupa) e as especiarias (do latim, especia), substância, utilizada como condimento, remédio ou perfumaria. A noz-moscada, o gengibre, a canela, o cravo, a pimenta (a principal), o açúcar, o café, peixe, madeira, os corantes, as drogas medicinas, os escravos, entre outros;

• A ocupação da costa africana e as feitorias: segundo Magalhães Godinho, os principais interesses de Portugal no Marrocos seriam: ser uma zona cerealífera, tendo Portugal, nesse momento, problemas de abastecimento; ser uma área de criação de cavalos e cabras; a chegada, na região das rotas com o ouro sudanês e também pelo fato de Ceuta ser um núcleo mercantil importante, que negociava tecidos, utensílios de cobre, cera, mel, peixes secos, entre outros. A conquista de Ceuta, em 1415, é considerada por muitos o início desse processo (abrir caminho na busca do ouro do Sudão e controlar a pirataria árabe no litoral de Portugal, bem como uma grande expedição da nobreza, promovida pelo rei, em busca de saque e aventura).

Com a morte do infante Dom Fernando, a partir de 1437, Portugal encontrou uma forte resistência no norte da África. Tendo conhecimento que as rotas comerciais vinham do centro e do sul do continente africano, Portugal inicia a organização de expedições que visavam atingir, na origem, esses produtos.

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Durou 53 anos, da passagem de Gil Eanes, em 1434, pelo Cabo Bojador, até 1487, com Bartolomeu Dias ultrapassando o Cabo da Boa Esperança. Sem penetrar no interior, os portugueses fundaram as feitorias (postos fortificados de comércio, o que indica o caráter precário do comércio, que ainda depende da arma). Dirigida por um feitor, responsável pela compra e estocagem das mercadorias até a chegada dos navios portugueses, as feitorias estabeleceram o monopólio real sobre o ouro. Data desse período as primeiras trocas comerciais entre “nativos” e portugueses. Esses, traziam da região de Granada cavalos, trigo, tecidos, prata e sedas e trocavam por ouro, plumas, peles, marfim, entre outros produtos.

A partir de 1444, quando os portugueses ultrapassaram o cabo Verde e entraram em contato com populações mais organizadas da África, já islamizadas, o “comércio mudo” trocava sal português por ouro em pó.

A ocupação das ilhas do Atlântico

"Como bem destaca Lúcio de Azevedo: ´iniciada a passagem à África, as mesmas necessidades da conquista impunham o alargamento dela.’

Portugal era, ao mesmo tempo, obrigada a voltar-se para outro vetor de expansão: o Mar Oceano, a costa ocidental africana e as ilhas atlânticas. Impulsionado por dois motivos básicos mudava, ou ampliava, sua política de expansão: de um lado o relativo fracasso da conquista de Ceuta, após os lucros imediatos auferidos no saque e, de outro, a pressão constante do reino de Aragão pela ocupação das fabulosas 'Islã Afortunadas’, o arquipélago das Canárias.

Estas ilhas tinham sido visitadas por navios genoveses, por expedição de Dom Afonso IV (1325-1357) de Portugal e explorada regularmente por navegadores aragoneses, interessados na sua exploração, como nos explica Luís de Albuquerque, visando: produtos tintoriais, provenientes de vegetais da ilha; apresamento de escravos, que seriam vendidos na Europa e colonização agrícola”.

(Francisco Carlos Teixeira da Silva)

Portugal procurou implantar o cultivo de cereais panificáveis não somente em função do fracasso de Ceuta como também pelos problemas de desabastecimento do país. Nelas, o plantio em larga escala e o uso da mão-de-obra escrava (na Madeira, por volta de 1420, nos Açores, em torno de 1427, nas ilhas de Cabo Verde, em 1460, e na de São Tomé, em 1471). São Tomé, situada no Golfo da Guiné, se destacou, a semelhança do Brasil, em um importante centro produtor de açúcar. Com a crise do século XVII, essa colônia se transformou em um grande entreposto de escravos vindos do interior do continente.

“Portugal, com seus exíguos 89 mil quilômetros quadrados de terras nem sempre hábeis para a agricultura, possuía, no final do século XIV, um milhão de habitantes, com uma ampla população urbana concentrada em Lisboa e, bem menos, no Porto, Setúbal e Viana do Castelo.

A situação econômica de Portugal era precária, devastado pela guerra recente com Castela e exaurido pelas campanhas militares, desastrosas, de Dom Fernando I”.

(Francisco Carlos Teixeira da Silva)

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A chegada ao Brasil

Em junho de 1499, chegava a Portugal a primeira nau de regresso da Índia. A 9 de março de 1500, partia do Rio Tejo, em Lisboa, uma frota de 13 navios e 1500 homens a mando de Dom Manuel sob o comando de um jovem fidalgo, Pedro Álvares Cabral, com objetivo de consolidar a viagem de Vasco da Gama. Em 21 de abril, chegavam ao Brasil.

Os índios

Os dois principais grupos de índios brasileiros praticavam uma agricultura bastante adaptada ao intertrópicos, tendo como produto principal, a mandioca.

Por volta do ano mil antes de Cristo, os dois grupos se encontravam entre Rondônia, o Amazonas e a Bolívia. Mudanças climáticas podem ter iniciado os movimentos migratórios. Os tupis marcharam até o Paraná e, daí, iniciaram a caminhada para o norte, atingindo a Bahia no século XIII. Já os arawak foram para o norte, povoando a Amazônia, os primeiros degraus do planalto perúvio-boliviano e atingindo, mais ao norte, as Antilhas.

Quando chegaram ao litoral, os tupis-guaranis já desenvolviam a cerâmica, tendo domesticado a mandioca, feijão, abóbora, a batata-doce, o amendoim, a banana e o milho.

O plantio se desenvolvia em clareiras que, depois de esgotadas, entravam em um período de repouso.

Os índios, como todas as comunidades não-mercantis, não assimilavam a necessidade do trabalho duro para a produção de grandes excedentes, o que rendeu a esses povos a fama de “vagabundos” e indolentes. A resistência indígena ao processo de aculturamento não tardou. No Rio de Janeiro, os tamoios formaram forte resistência à penetração dos europeus no continente.

Na chegada dos portugueses havia no Brasil uma população indígena de cerca de dois milhões. As populações ameríndias já apresentavam uma grande uniformidade cultural e lingüística, podendo ser distinguidos dois grupos: os tupi-guaranis e os arawak (distribuídos pela Amazônia ocidental até os altiplanos da Bolívia e Peru). Os primeiros ocupavam praticamente toda costa brasileira. Os tupis ou tupinambás ocupavam do norte até o atual Estado de São Paulo; os guaranis, de São Paulo até o extremo sul. Os tapuias representam uma grande variedade de grupos (aimoré Tremembé ou goitacás).

“Caçador de escravos”. Jean Baptista De Bret

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Em 1570, a Coroa publicou a primeira lei proibindo a escravidão indígena.

“O Brasil nunca pertenceu à zona nuclear do povoamento pré-colombiano, o que quer dizer que a densidade de sua população autóctone no momento do contato inicial era muito menor do que a então existente na Meso-América ou na Zona Andina Central. A falta de estudos como os que já existem para outras partes das Américas, ignoramos a magnitude da catástrofe demográfica no caso brasileiro. As epidemias, facilitadas em sua expansão pela concentração forçosa dos índios em aldeias na segunda metade do século XVI, a destruição do sistema social e cultural que conheceram até então, a escravidão e o desenraiza mento através do intenso tráfico interno de cativos, nas zonas costeiras cedo dizimaram a população indígena.

A densidade demográfica pré-colombiana bem inferior em média à do Indo – América nuclear, catástrofe demográfica irreversível em zonas tropicais baixas como a da costa brasileira: eis aí fatores de peso na explicação de que o Brasil colonial na sua maior parte integrasse o setor afro-americano das Américas, não o indo-americano, no tocante à população e às formas de trabalho.”

(Ciro Flamarem Santana Cardoso.)

Os períodos do Brasil Colonial

1. Da chegada de Cabral à formação do Governo Geral (1500-1549): reconhecimento e posse da terra e um pequeno comércio.

2. Do Governo Geral até o final do século XVIII (1549-1790): montagem da empresa colonizadora.

3. Da crise do Antigo Regime à Independência (1790-1822): crise do sistema colonial português.

Tentativas iniciais de exploração

A Terra dos Papagaios. Assim foi chamado o Brasil por informantes italianos, o que evidencia que a chegada não foi muito comemorada, como tinha ocorrido com a viagem de Vasco da Gama. Poderia ser apenas uma ilha, com animais exóticos e índios. O Rei Dom Manuel chamou as terras descobertas de Vera Cruz e logo de Santa Cruz. Em 1503, o nome Brasil começou a aparecer.

As primeiras tentativas de exploração do Brasil se basearam no sistema de feitorias, como na costa africana. Arrendado por três anos a um consórcio de comerciantes de Lisboa, liderado por Fernão de Loronha ou Noronha, durando até 1505. Essa fase inicial (1500-1535), a principal atividade econômica foi a extração do pau-brasil, conseguido principalmente a partir da troca com os índios, que ofereciam a madeira e, em menor escala, farinha de mandioca, trocadas por peças de tecido, facas, canivetes e outros objetos de pouco valor.

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“Na verdade, Portugal auferia enormes lucros decorrentes da carreira das Índias e da exploração do litoral africano, não se dispondo, assim, a transferir recursos, homens e navios para a ocupação da Nova Terra, cujo retorno imediato era dado apenas por madeira tintorial, papagaios e pimenta.

O sistema de feitorias caracterizava-se, fundamentalmente, pelo predomínio dos interesses da burguesia mercantil lusitana e, como nos diz Fernando Novais, se circunscrevia nos limites da circulação de mercadorias. O grande lucro dos portugueses dava-se na diferença entre os preços de compra e venda na raridade nos produtos fornecido à Europa, o que garantia seus preços compensadores. O processo produtivo seja das especiarias seja do ouro africano era desconhecido e, ao preço de aquisição, somava-se o cálculo dos gastos na armação das frotas e sua equipagem. Para a manutenção de tal esquema, onde as proporções dos lucros advêm das condições de circulação das mercadorias, era essencial que Portugal garantisse a exclusividade no fornecimento dos produtos orientais e africanos.”

(Francisco Carlos Teixeira da Silva.)

Início de colonização:

As Capitanias Hereditárias

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A expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1533) marca o início dessa nova fase. Patrulhar a costa, estabelecer uma colônia através da concessão não-hereditária de terras aos povoadores que trazia (São Vicente, 1532) e explorar a terra foram seus objetivos. Dom João III optou então pelo uso das Capitanias Hereditárias, 15 quinhões entregues aos capitães-donatários (pequena nobreza, burocratas e comerciantes, todos ligados com a Coroa. Entre os donatários, Martim Afonso, experiente navegador, Duarte Coelho, militar no Oriente, com êxito em Pernambuco, Jorge Figueiredo Correia, comerciante e escrivão e Pero do Campo Tourinho. Antes de 1532, Fernão de Noronha recebeu a primeira capitania no Brasil. Como o comércio com as Índias e com as ilhas do Atlântico era mais atrativo, a grande nobreza acabou não participando da ocupação inicial do território.

Recebendo a posse, e não a propriedade da terra, os donatários tinham extensos poderes econômicos (arrecadação de tributos) e administrativos.

“A instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também aos donatários. Do ponto de vista administrativo, eles tinham o monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias (extensão de terra virgem doada a um sesmeiro, com a obrigação – raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa), alistar colonos para fins militares e formar milícias sob seu comando. Assim, o sistema de capitanias hereditárias reproduzia algumas relações da sociedade medieval no Brasil, como o uso das banalidades, entre outros”.

(Boris Fausto)

As capitanias, imensos tratos de terra, foram distribuídas entre fidalgos da pequena nobreza – já que os grandes se interessavam mais pelas Índias ou por ter terras no Reino e suas ilhas adjacentes – e funcionários da burocracia monárquica, muitos de extração burguesa, e, mesmo, com estreitas ligações com cristãos-novos, judeus recém-convertidos.

A Carta de Doação e o Foral asseguraram, juridicamente, a ocupação da terra. A primeira cedia ao donatário 10 léguas a partir da costa, divididas em lotes, isentos de tributação, com exceção do dízimo. Possibilitava a fabricação de moendas e moinhos de água e garantia a posse da terra no restante da capitania.

O Foral tinha por objetivo definir o percentual do lucro do donatário em relação à exploração do solo e subsolo.

As Capitanias de São Vicente e Pernambuco

Doada a Duarte Coelho, com larga experiência no Oriente, a capitania de Pernambuco foi organizada com o capital proveniente da venda de suas terras em Portugal. Auxiliado por emigrantes portugueses com experiência agrícola, introduziu a cana-de-açúcar no Brasil. Por volta de 1570, 30 dos 65 engenhos brasileiros encontravam-se em Pernambuco.

Martim Afonso de Sousa introduziu o cultivo da cana na capitania de São Vicente. Contudo, por ser um ponto bastante avançado em direção ao sul, a região rapidamente estabeleceu fortes relações comerciais com a região do Prata, que comprava da capitania escravos índios, provavelmente usados nas minas do Peru e na plantação de mate, no Paraguai.

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Dois documento básicos conforme a tradição do povoamento de terras no Portugal da Reconquista, regiam o sistema de capitanias: a carta de doação e o foral, que garantiam os direitos do capitão-donatário e suas obrigações frente à Coroa, na seguinte forma: a) o capitão-donatário tinha o “senhorio”, conforme o costume medieval, das moendas de água, engenhos de açúcar e das marinhas de sal, cujo acesso obrigava os colonos ao pagamento de direitos; b) tinha o direito de escravizar e mandar vender, em Portugal, 24 peças – índios apresados – por ano; c) ficava com a vintena (5%) sobre o valor da exportação do pau-brasil, metade da dízima do pescado, a redízima (1/10) das rendas da Coroa, a dízima dos metais e os direitos de passagens dos rios, portos e “outras águas”.

Mais importantes, no processo de colonização, eram os amplos poderes de que dispunham os capitães no tocante à administração pública:

a) tinham o monopólio da alta e da baixa justiça;

b) visando promover o povoamento tinham o direito de doar sesmarias;

c) tinham, ainda, o comando militar e o direito de alistar os colonos e formar milícias.

A falta de recursos, desentendimentos internos, inexperiência, ataques dos índios e a descentralização administrativa acabaram levando ao fracasso desse modelo, com a sabida exceção das capitanias de São Vicente e Pernambuco. Aos poucos, as capitanias foram sendo recuperadas pela Coroa e, entre 1552 e 1554, o Marquês de Pombal completou a passagem do domínio privado para o público.

O Governo Geral

O aparecimento dos primeiros sinais de crise no comércio das Índias, as derrotas militares portuguesas no Marrocos e o fato da Espanha ter encontrado a grande mina de prata de Potosí, em 1545, levou Portugal a criar o Governo Geral, mandando para o Brasil Tomé de Souza, importante fidalgo com experiência na África e na Índia, em 1549, representando um passo importante na administração colonial, terminando assim a tentativa de exploração do Brasil controlada por particulares.

Com aproximadamente mil pessoas, entre elas quatrocentos degradados, foram criados alguns cargos importantes:

• ouvidor: administração e justiça;

• capitão-mor: vigilância da costa;

• provedor–mor: controle e crescimento da arrecadação.

Em 1588, a arrecadação proveniente do Brasil era de apenas 2,5% das rendas da Coroa, enquanto a Índia correspondia com 26%. Aumentar o peso do Brasil nessa proporção era fundamental.

Os primeiros jesuítas chegaram nesse momento, entre eles, Manoel da Nóbrega. A organização do clero se efetiva com a criação, em 1532, do bispado de São Salvador, sujeito ao arcebispo de Lisboa. A construção de salvador foi uma obra importante do primeiro governador geral, pois essa seria a capital do Brasil até 1763.

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Um grande esforço de centralização política foi feito nesse momento, que não atingiu o objetivo em função da precária comunicação entre as capitanias.

Conforme o Regimento de Tomé de Souza, os principais problemas a serem enfrentados eram a pirataria, sobretudo francesa, e os ataques indígenas. Porém, não menos desestabilizadores eram os conflitos entre os colonos: disputa entre comerciantes e lavradores, entre as autoridades prepotentes e colonos, e entre colonos.

O processo de colonização iniciado pelo governador geral passava principalmente pelo assentamento dos colonos, por isso o incentivo à implantação dos engenhos, a organização de feiras regulares, entre outras ações.

Trazidos de Cabo Verde, Tomé de Souza distribuía, como forma de pagamento de soldos, gado bovino (Garcia d`Ávila, criado do governador-geral, recebeu duas cabeças de gado e, dois anos depois, já possuía duzentos, o que iria lhe transformar em um dos maiores latifundiários da história da América).

Com a fundação de Salvador é introduzida a organização das câmaras, chamadas em Portugal de conselhos.

Vitor Meireles. A primeira missa no brasil. 1861 – 1879

O Trabalho Compulsório

A falta de trabalhadores europeus que pudessem migrar para a América levou Portugal a pensar uma forma de mão-de-obra conveniente para os fins da colonização. Inicialmente, o índio foi utilizado, mas, em seguida substituído lenta e parcialmente pelo negro. Essa substituição foi bastante heterogênea. Nos centros econômicos mais prósperos ela ocorreu de forma menos demorada (açúcar) e nos menos prósperos (São Paulo), apenas no século XVIII, com a descoberta do ouro, os índios foram substituídos pelos negros.

A escravização do índio (em decorrência das guerras justas, guerras defensivas, como punição pela prática da antropofagia, ou pela compra de prisioneiros de outras tribos) contou com uma grande rede de resistência dentro do quadro dos interesses coloniais: a inexistência do trabalho

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intensivo e da escravidão nas suas estruturas sociais; a facilidade das fugas em massa, por estarem em seus territórios e as catástrofes demográficas provenientes das epidemias (sarampo, varíola, gripe, etc.) que, entre 1562 e 1563 mataram, somente no litoral, 60 mil índios.

Em 1758, a Coroa determinou a libertação dos índios de forma definitiva.

Assim, em 1570 incentivou-se a importação de escravos africanos e, no final do mesmo século, o comércio de escravos já estava estruturado e lucrativo. Muitos escravos negros tinham suas origens em sociedades que já conheciam o uso do ferro e da criação de gado, o que facilitou o processo de aculturamento.

Calcula-se que, na primeira metade do século XVII o custo do escravo, na economia açucareira, era amortizado em 16 meses e, no século XVIII, quando seu custo subiu bastante, em 30 meses. Estima-se que entre 1550 e 1850 entraram no Brasil 4 milhões de escravos pelos portos, majoritariamente, jovens do sexo masculino

Escravo usando a máscara de flandres.

A Guiné (Bissau e Cacheu) e a Costa da Mina foram as regiões que mais forneceram escravos para o Brasil no século XVI. A partir do século XVII, as regiões mais ao sul, Congo e Angola, assumiram esse papel, pelos portos de Luanda, Benguela e Cabinda. Já no século XVIII, 70 % dos escravos negros tinham sua origem em Angola.

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Numa classificação reducionista costuma-se classificar os escravos negros em dois grupos: os sudanese (iorubas, jejes, tapas, hauçás) provenientes da África ocidental, Sudão egípcio e da costa norte do Golfo da Guiné e os bantos (angolas, bengalas, monjolos, moçambiques), da África equatorial e tropical, de parte do Golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique.

Os centros importadores mais importantes foram: Salvador, que contava com o fumo como forte moeda de troca, e o Rio de Janeiro, que recebeu principalmente escravos de Angola.

O Exclusivo Colonial

No sistema colonial o exclusivismo se manifestou de várias formas diferentes: grupos comerciais metropolitanos, companhias de comércio, exploração direta do Estado ou puramente o arrendamento. Contudo, o momento mais forte do monopólio somente se deu no século XVIII, quando o Marquês de Pombal, tentando diminuir a influência da Inglaterra na economia portuguesa, consolidou as práticas exclusivistas.

Durante o processo da colonização, Portugal não se comportou de forma homogênea na aplicação das práticas exclusivistas. Não somente o contrabando como também por outros elementos, diversos países também se beneficiaram do lucro decorrente do Brasil. No século XVI, os holandeses foram importantes “sócios” portugueses, transportando sal e vinho lusitanos e açúcar brasileiro, em troca de produtos manufaturados, como tecidos, queijos ou cobre, e, no século XVII, a Inglaterra se beneficiaria largamente com o comércio do Brasil.

Resumindo todo esse longo processo de oscilação do “exclusivo” colonial, podemos dizer que houve uma fase de relativa liberdade comercial de 1530 até 1571, data em que o rei Dom Sebastião decretou a exclusividade dos navios portugueses no comércio colonial, coincidindo, aliás, com os anos iniciais da grande expansão da economia açucareira. O período da chamada união das duas Coroas (1580-1640), quando o rei da Espanha ocupou também o trono de Portugal, caracterizou-se por crescentes restrições à participação de outros países no comércio colonial, visando especialmente a Holanda, que estava em guerra com a Espanha. Mesmo assim, há notícias de um tráfego regular e direto entre o Brasil e Hamburgo na Alemanha, por volta de 1590.

Após o fim do domínio espanhol, com a aclamação de Dom João IV como rei de Portugal, seguiu-se uma breve fase de “livre comércio”, com pouca regulamentação e ausência de controle sobre o mercado colonial de importação. Mas, em 1649, passou-se a um novo sistema de comércio centralizado e dirigido, por meio de frotas. Com capital obtido principalmente de cristãos-novos, foi criada a Cia. Geral de Comércio do Brasil. A partir de 1694, a Cia. foi transformada em órgão governamental.

Entretanto, a criação da empresa não impediu concessões feitas por Portugal à Holanda e especialmente à Inglaterra. Um bom exemplo disso é o tratado imposto por Cromwell em 1654, em que se garantia aos ingleses o direito de negociar com a colônia brasileira, exceto no tocante aos produtos monopolizados pela Cia. Geral de Comércio.

O sistema de frotas só foi abandonado em 1765, quando o marquês de Pombal resolveu estimular o comércio e restringir o crescente papel dos ingleses. Isso se fez através da criação de novas companhias (Cia. do Grão-Pará e Maranhão; Cia. de Pernambuco e Paraíba), que representaram as últimas expressões nítidas da política mercantilista no Brasil.

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A Grande Propriedade Agroexportadora

A monocultura voltada para o mercado externo, com o uso da mão-de-obra escrava caracteriza o plantation. Todavia, estudos recentes demonstram que a Coroa não estimulava apenas esse tipo de ocupação. A plantação voltada para o mercado interno também era incentivada. E mais, não se pode esquecer a importância de brancos e pequenos proprietários, bem como um campesinato.

Outro ponto geralmente esquecido pela historiografia tradicional é a acumulação urbana. A acumulação de capitais nas mãos de um reduzido, mas poderoso grupo, principalmente a partir do século XVIII, no Rio de Janeiro, por capitais investidos no tráfico de escravos. Esse importante grupo diversificava sua atuação em investimentos em prédios urbanos, na usura e nas operações de importação e exportação.

O Estado e a Igreja Católica foram as duas instituições básicas na administração do mundo colonial. Ao Estado coube o papel de garantir a soberania portuguesa sobre o Brasil, desenvolver sua administração e o povoamento, resolver os problemas decorrentes da mão-de-obra e consolidar o sistema colonial.

A Igreja, como educadora, teve um importante papel de veicular a idéia geral de obediência. Estando presente no cotidiano das pessoas, a igreja ficou subordinada ao Estado através do padroado real (ampla concessão da Igreja de Roma ao Estado português, em troca da garantia estatal na organização da Igreja nas terras colonizadas). Cabia também à Coroa nomear os bispos e criar dioceses.

O controle do Estado sobre a Igreja foi, de certa forma, limitado pela forte influência dos jesuítas na Corte, processo apenas controlado pelo marquês de Pombal.

As Instituições da Administração Colonial

“Entre as figuras de cúpula, destacavam-se os governadores das capitanias, especialmente os das mais importantes. Acima deles, ficava o governador-geral. A partir de 1763, quando a sede do governo foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro, tornou-se comum a outorga ao governador-geral, pelo rei, do título de Vice-Rei e Capitão-Geral do Mar e Terra do Estado do Brasil. Os vice-reis tinham extensas atribuições, dispondo do conjunto das forças armadas. Representavam e encarnavam, à distância, a pessoa do monarca português. Os demais órgãos administrativos podem ser agrupados em três setores: o Militar, o da Justiça e o da Fazenda. As Forças Armadas de uma capitania compunha-se de tropas de linha (contingente regular e profissional permanentemente em armas, quase sempre formado por regimentos portugueses), das milícias (tropas auxiliares, recrutadas entre os habitantes da colônia, para serviço obrigatório e não remunerado) e dos corpos de ordenança ( todo o resto da população masculina entre 18 e 60 anos, (exceto os padres).

Os órgãos da Justiça, às vezes com funções administrativas eram representados por vários juízes, entre os quais se destacava o ouvidor da comarca, nomeado pelo soberano por três anos. “Por sua vez, o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar a realização de despesas era a Junta da Fazenda, presidida também pelo governador de cada capitania.”

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As Câmaras Municipais

Eram compostas de membros natos, ou seja, não eleitos, e de representantes eleitos. Votavam nas eleições, que eram geralmente indiretas, os “homens bons” (proprietários residentes na cidade, excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros, mulatos e cristãos-novos). Nos primeiros tempos da colônia, Câmaras como a de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se, de fato, a principal autoridade das respectivas capitanias, sobrepondo-se aos governadores. Posteriormente, o seu poder diminuiu, refletindo a concentração da autoridade nas mãos dos representantes da Coroa.

As Câmaras possuíam finanças e patrimônios próprios. Arrecadavam tributos, nomeavam juízes, julgavam crimes, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio.

As Divisões Sociais

O princípio da pureza do sangue era o principal fator de distinção e discriminação social. Cristãos-novos, negros, mesmo livres, índios e muitos mestiços não podiam ocupar cargos de governo, receber títulos de nobreza ou participar de irmandades. Todavia, a principal forma discriminatória era a separação de pessoas e não-pessoas, livres e escravos, considerados juridicamente como coisas.

No fim do período colonial negros e mulatos representavam 75 % da população de Minas Gerais, 68% de Pernambuco, 79% da Bahia, 64% do Rio de Janeiro e 44% de São Paulo. Os cativos não eram todos usados na lavoura. Houve escravos alugados para prestação de serviços e, nos centros urbanos, havia os escravos de ganho, que prestavam serviços ou vendiam mercadorias, pagando para os seus senhores uma taxa diária ou semanal. Outro dado importante é a quantidade de africanos e afro-brasileiros livres ou libertos. No início do século XIX, 42% da população negra ou mulata eram formados por esses.

As pessoas livres da colônia dividiam-se em três grupos: nobreza, clero e o povo e na hierarquia das profissões o “ser senhor de engenho” correspondia, no Brasil, aos títulos de fidalgos do reino, enquanto as atividades comerciais eram colocadas em segundo plano.

No alto da pirâmide social, ficavam os grandes proprietários rurais, os comerciantes voltados para o comércio exterior e, ao longo dos anos, os grupos concentrados no Rio de Janeiro que se dedicavam, principalmente, ao tráfico de escravos, às inversões imobiliárias e à usura. Os grandes comerciantes desempenhavam, desde cedo, um papel estratégico na vida da colônia. Descreveram uma curva de ascensão social e política.

O Açúcar

No litoral nordestino deu-se o início da colonização brasileira, concentrando a vida social e econômica até meados do século XVIII, e tendo Salvador como capital, até 1763. O açúcar, até o século XV, era ainda uma especiaria usada como remédio ou tempero exótico. Teve sua origem na Índia, atingindo a Pérsia e, futuramente, levado pelos árabes para a costa oriental do Mediterrâneo, introduzido na Sicília e na península Ibérica.

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Todavia, apenas na década de 1530 e 1540 que a produção brasileira desenvolveu uma base sólida. Com tecnologia vinda da Ilha da Madeira, engenhos foram construídos em várias capitanias. O Engenho de São Jorge dos Erasmos provavelmente foi o maior de todos, sendo de propriedade do próprio Martim Afonso de Souza, em sociedade com estrangeiros. No Rio de Janeiro, até o século XVIII, a cachaça, e não o açúcar, foi o principal subproduto da cana, que foi utilizada como importante moeda de troca no comércio de escravos com Angola. Os maiores centros produtores do açúcar foram Pernambuco e Bahia, que combinavam os elementos naturais com a proximidade dos centros importadores europeus.

O Engenho

Formado pela casa-grande, carros de transporte, pastagens, gado, escravos, senzala e a plantação de cana, o engenho excluía o processo de refino, que não foi feito no Brasil e nem em Portugal.

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Sendo muito custoso a sua montagem, Portugal teve que, inicialmente, apelar para os investimentos estrangeiros, principalmente flamengos e italianos. Contudo, já no século XVII, essas fontes foram perdendo sua importância. Na Bahia, os investimentos das instituições religiosas e beneficentes (Misericórdia, a Ordem Terceira de São Francisco ou o Convento de Santa Clara do Desterro) passaram a ser mais importantes.

Os principais centros importadores estavam em Amsterdã, Londres, Hamburgo e Gênova, que influenciavam bastante a cotação do açúcar no mercado internacional, por maiores que fossem os esforços de Portugal para manter o monopólio.

Também foi na atividade açucareira que se deu de forma mais transparente a transição da mão-de-obra escrava indígena para a negra. Entre 1550-1560 praticamente ainda não havia negros na atividade, sendo a mão-de-obra formada por índios. Em 1574, os africanos participavam com 7% da força de trabalho. Contudo, em 1591, essa já era de 37% e, por volta de 1638, totalizavam a maioria.

Tendo diferentes origens (membros de família nobres, altos funcionários públicos, imigrantes com recursos, comerciantes, etc.) os senhores de engenho se transformaram numa aristocracia de poder e riqueza, vivendo com fortes contatos com o exterior pelo fato dos engenhos estarem localizados perto dos portos e também pela necessidade de ampliar o contato com o mercado internacional.

De forma intermediária entre senhores e escravos, temos os libertos e os trabalhadores brancos ligados aos serviços especializados (artesãos e mestres-de-açúcar), bem como os plantadores livres, que não possuíam engenhos mas vendiam seus produtos para terceiros, formando o maior contingente de homens livres no mundo colonial português.

As fases do açúcar

Entre 1570 e 1620, houve um grande momento de expansão determinado pela ausência de concorrência e pelo aumento do consumo nos mercados europeus. Porém, com a Guerra dos Trinta Anos (1618) e com as invasões holandesas, o comércio demonstrou sinais de debilidade. Na década de 1630 o nosso produto passou a contar com a concorrência das ilhas das Antilhas (Holanda, Inglaterra e França). Elevando os preços dos escravos, que também foram usados como fonte de trabalho nessas regiões, o Brasil jamais voltaria a viver os bons tempos do início do século XVII, mas o açúcar nunca perdeu o papel de importância na economia colonial, visto ser esse produto, ainda em 1760, correspondente a 50% do valor total das exportações, acompanhada pelo ouro, com 46%.

Segundo R. Simonsen, até o final do século XVIII, o valor da produção açucareira alcançava os 300 milhões de libras esterlinas, enquanto a mineração, no mesmo período, alcançou uma cifra de 200 milhões.

O açúcar sofreu as mesmas restrições impostas ao tabaco. Tanto o Conselho Ultramarino como os vice-reis muito se preocuparam com o crescimento exagerado das plantações de cana em detrimento da produção de alimentos voltada para o mercado interno.

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Se, na Bahia, essas restrições não foram eficazes, tornando a região dependente da compra de alimentos a partir de uma rede de abastecimento interno, o Rio de Janeiro, com suas freguesias de Majé, Iguaçu, Irajá e Macacu, atingiram a auto-suficiência de alimentos, abastecendo não somente as naus portuguesas como também cidades como Salvador e Recife e as colônias de Sacramento e Angola.

De qualquer forma fica, a nosso ver, evidente que o projeto plantacionista – quem diz Brasil diz açúcar, embora pudéssemos aplicar o princípio a outros produtos – era um projeto perseguido bem mais pela classe dominante colonial, senhores de engenho, lavradores, de cana e de tabaco, e da burguesia portuária local envolvida no tráfico destes produtos, do que um projeto da Coroa portuguesa, concebido em torno de um sentido único da empresa colonial.

O Fumo

O nordeste brasileiro, no ponto de vista econômico e social, não foi apenas açúcar, pois a região possibilitou uma diversificação significativa, com o fumo, por exemplo.

No final do século XVII, os esforços revitalizantes de Dom Pedro II expandiram o cultivo do tabaco na Bahia, em torno da Baia de Todos os Santos, em Cairu, Jaguaribe, Cachoeira e Boipeba, assim como no Rio de Janeiro. Em 1707, período de maior produção, as plantações do tabaco já se espalhavam até o Maranhão.

O destino do tabaco era bastante diversificado. Uma parte seguia em direção à metrópole, outra para o consumo interno e uma terceira era direcionada para a Costa da Mina e Angola, onde era trocado por escravos. Contudo, uma quantia significativa da produção caia nas mãos dos holandeses pela prática do contrabando, que se estabeleciam entre o litoral da Nigéria e Angola.

A maior parte da produção era proveniente da Bahia, de onde, entre 1698 e 1704, partiram 112 navios, carregando 36.965.368 arrobas de fumo, relançando a economia agrícola de grande parte do recôncavo, em particular de Cairu e Cachoeira.

O crescimento da produção possibilitou, no Rio de Janeiro, a criação do Contrato do Tabaco, em 1695. Segundo Jean-Baptiste Nardi havia no período quatro vetores importantes do tabaco: Brasil/Lisboa/Mercados europeus; Brasil/Índia/Macau; Brasil/África e o mercado interno brasileiro.

O rápido retorno e a necessidade de poucos investimentos do tabaco levaram muitos agricultores que, anteriormente estavam ligados à plantação de gêneros alimentícios, a abandonarem suas produções, em especial a mandioca, para se dedicarem ao plantio do fumo. Com isso, em 1686, a Coroa, por alvará régio, ordenou a erradicação das novas plantações que anteriormente estavam ocupadas por produtos alimentícios. Em 1704, a vila de Maragojipe teve suas plantações erradicadas por ordem do vice-rei.

No início do século XVIII, um importante anel de plantadores de fumo se desenvolveu em torno de Salvador, estendendo-se até o rio São Francisco.

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A Pecuária

Inicialmente desenvolvida nas proximidades dos engenhos, a pecuária foi sendo “empurrada” para o interior. Já em 1701, a Coroa proibia a criação numa faixa de oitenta quilômetros do litoral, o que contribuiu significativamente para o desbravamento do sertão (Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará).

Dando origem a grandes propriedades ainda no fim do século XVII, a concentração fundiária possibilitou a formação de fazendas com um milhão de hectares, maiores que Portugal. Além destes grandes núcleos, outros menores também se desenvolveram, como na ilha de Marajó, abastecendo Belém; os Campos de Goitacases, abastecendo o Rio de Janeiro e o sul de Minas, suprindo a área mineradora.

A expansão da pecuária no sertão nordestino se deu a partir da introdução do gado por Tomé de Souza, se espalhando ao redor de Salvador e Olinda, os mais importantes núcleos do litoral, que formaram dois importantes pólos irradiadores desta atividade.

A corrente baiana, a partir de 1590, depois da conquista de Sergipe, levou o gado até o rio São Francisco, onde a existência de barreiras salinas determinou uma rápida expansão das fazendas de criação, ocupando o que Capistrano de Abreu chamou de “sertão de dentro”, isto é, o território do atual Estado da Bahia. Atravessando o rio São Francisco, ela povoou sua margem esquerda, que pertencia à Pernambuco, e, procurando atingir a bacia do Parnaíba, desbravou o sul do Piauí, e do maranhão, de onde atingiu o Ceará. A corrente pernambucana, apesar de menos significativa, atingiu também o rio São Francisco, que se transformou em um condensador de populações a partir das primeiras décadas do século XVII. Por outro lado, a expansão pernambucana tomou também a direção norte, conquistando o sertão de Fora (costa da Paraíba e do rio Grande do Norte), atingindo o Ceará.

A pecuária do sul do país (de Curitiba ao Rio Grande do Sul) encontrou condições extremamente favoráveis – relevo suavemente ondulado, clima ameno, muitos rios e vegetação rasteira, formada principalmente por gramíneas e algumas leguminosas – quando comparada com a situação nordestina.

A pecuária foi responsável pela ocupação dessa região e de sua integração com ao território colonial, visto ser a área pertencente inicialmente a Espanha, segundo o Tratado de Tordesilhas.

As boiadas que chegavam à Bahia constavam de 100 a 300 cabeças de gado, conduzidas por brancos, mulatos, pretos ou índios ”que com este trabalho procuravam ter algum lucro”, em jornadas que vão a seis léguas, por vezes até vinte léguas. Antonil assim descreve as sucessivas etapas da condução da boiada, entre o produtor até o seu destino final: o produtor confia a boiada ao “passador”, que a leva de Jacobina, por exemplo, até a feira de Capuema, lugar distante oito léguas de Salvador, onde há bons pastos e se torna o ponto de encontro dos marchantes. Nessa jornada ganhavam os boiadeiros e guias um cruzado “por cabeça da dita boiada”, correndo os gastos da jornada por conta dos boiadeiros, bem como os riscos de perda do gado.

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As invasões holandesas

Sendo o maior conflito político-militar da vida colonial brasileira, as invasões holandesas representaram um grande esforço militar e financeiro não só de Portugal como também de forças locais.

A crise sucessória em Portugal, que levou ao fim da dinastia de Avis (1580), possibilitando a União Ibérica foi um fator decisivo nas invasões estrangeiras. Os holandeses iniciaram a pilhagem na costa africana (1595) e em Salvador (1604) demonstrando uma grande vontade política de atacar bases portuguesas no além mar. A Trégua dos Doze Anos (1609-1621) trouxe uma pequena estabilidade nas relações internacionais entre Espanha e Holanda. Todavia, com a criação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, constituída com capitais estatal e particular, a Holanda iniciava uma nova fase de ataque às áreas produtoras de açúcar, tentando também controlar as áreas fornecedoras de escravos.

Ocupando Salvador, em 1624, os holandeses desencadearam uma resistência por parte dos homens bons, que se refugiaram nas fazendas próximas à capital, sob o comando de Matias de Albuquerque e do bispo Dom Marcos Teixeira. Em maio de 1625, com a chegada de uma frota de 52 navios e mais de 12 mil homens, os holandeses se renderam.

Em 1630, era a vez de Pernambuco ser atacada, sendo Olinda conquistada. A chegada holandesa na capitania marcaria o início de um conflito que pode ser dividido em três momentos:

• 1630-1637: marcado por uma guerra de resistência, que acabou afirmando a dominação holandesa na região entre o Ceará e o rio São Francisco, contando com a participação de tropas portuguesas, castelhanas e mercenários napolitanos;

• 1637-1644: caracterizou-se por uma relativa paz nas mãos do príncipe holandês Maurício de Nassau, responsável pela implementação de várias realizações políticas e administrativas (venda à crédito dos engenhos abandonados pelos seus antigos donos, obrigação do plantio de mandioca para solucionar parcialmente o problema do desabastecimento, liberdade de culto para os criptojudeus, entradas de artistas – Frans Post -, melhoramentos no Recife, elevado à categoria de capital substituindo Olinda, entre outros). Nassau regressou para a Holanda em 1644, em função de problemas com a Cia. das Índias Ocidentais;

• 1645-1654: definiu-se pela reconquista.

Com o fim da União Ibérica, a partir da ascensão de Dom João IV ao trono de Portugal, os principais centros de resistência estavam em Pernambuco, destacando-se as figuras de André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, juntando-se também os negros Henrique Dias e o índio Filipe Camarão. Com as duas vitórias nas Batalhas de Guararapes (1648-1649), a crise da Cia. das Índias Ocidentais e o início da guerra entre Inglaterra e Holanda, em 1652, os holandeses foram definitivamente derrotados em 1654.

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A expulsão dos holandeses fortaleceu o nativismo pernambucano, transformando essa região, até 1848, em um grande polo de contestação colonial.

A colonização do território

Norte

A realidade da região norte foi bastante diferente daquela vivida na região nordeste. Prevalecendo o trabalho escravo indígena e com pouca integração com o mercado europeu, a colonização da região aconteceu de forma lenta e gradual. O interesse de Portugal somente foi despertado com a invasão francesa no Maranhão, em 1612. A fundação de Belém data de 1616, sendo a cidade a base para a penetração a partir do rio Amazonas. Em 1690, os portugueses ocuparam a boca do rio Negro, perto de onde hoje se localiza Manaus. A Coroa, sob domínio da Espanha, criou o Estado do Maranhão e do Grão-Pará, separando a administração local da administração do restante da colônia.

A língua dominante no norte, até o século XVIII foi a “língua franca”, variante do tupi, denunciando uma forte miscigenação da população, fortalecida pela escassez de mulheres portuguesas. No mesmo período, a falta de moedas incentivava o comércio a base de escambo, ou utilizando pano de algodão ou cacau como moeda.

De forma geral, a economia nortista se baseou na extração das “drogas do sertão”, produtos como baunilha, salsaparilha e, principalmente, o cacau nativo, extraído por índios e mestiços ao longo dos rios e levados para troca em Belém. Com forte concentração indígena, a região acabou concentrando uma grande quantidade de ordens religiosas. Estima-se que cerca de 50 mil índios viviam, em 1740, em aldeias franciscanas e jesuíticas, destacando-se a atuação do padre Antônio Vieira. Os conflitos entre os colonos e os jesuítas levaram à expulsão dos últimos definitivamente em 1759.

A Amazônia portuguesa manteve-se durante toda época colonial como região pobre e subpovoada. Entre 1650 e 1750, sua economia baseou-se na coleta de recursos florestais –” as drogas do sertão “- e na escravização de índios na região do rio Negro, atual Estado do Amazonas, levando-os para o que é hoje o Estado do Pará.

Cacau selvagem, salsaparrilha e pau-cravo eram recolhidos na floresta amazônica por trabalhadores recrutados através de ordens administrativas nas numerosas missões espalhadas ao longo do Amazonas e do baixo curso de seus afluentes. Era proibida a repartição de índios entre colonos para tarefas agrícolas, mas isto se fazia correntemente. Havia, ainda, um setor agrícolasubsidiário constituído: por pequeno número de grandes propriedades (engenhos e fazenda de gado) que empregavam escravos e libertos índios e, ilegalmente, índios das missões repartidos; pelo setor agrícola das próprias missões; por um campesinato variado (pequenos proprietários ou posseiros livres, brancos, índios ou mestiços; atividades autônomas dos escravos índios nas parcelas que recebiam em usufruto no interior das fazendas.

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Sudeste e do Centro-sul

A colonização da Capitania de São Vicente manteve o modelo clássico da agroindústria. Todavia, essa atividade não prosperou em função de elementos trabalhados no texto anterior (concorrência nordestina). Como no norte, a concentração de índios atraiu os jesuítas, destacando-se os padres Nóbrega e Anchieta, que fundaram a povoação de São Paulo, transformada em vila em 1561.

A fragilidade da agroindústria, a forte presença de índios, a disputa entre colonizadores e missionários pelo controle daqueles e a escassez da moeda aproxima bastante essa região da região Norte.

O plantio de uva, do algodão e principalmente de trigo, combinados com outras atividades possibilitou uma forte interiorização da população. Criadores de gado subiram em direção ao nordeste, chegando, inclusive, ao vale do Rio São Francisco . No sul, atual Paraná, o gado paulista ocupou regiões até a Banda Oriental, atual Uruguai. Imigrantes do Arquipélago dos Açores e paulistas fundaram Laguna em Santa Catarina, em 1684.

Contudo, a maior contribuição deixada pelos paulistas fora as Bandeiras, expedições formadas pelos colonos e por milhares de índios, muitas vezes, que passavam meses e até anos, buscando metais preciosos e índios para serem escravizados. Nas bandeiras, o número de índios e de mamelucos foi sempre maior que o de brancos (a bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares, em 1629, era formada por dois mil índios, novecentos mamelucos e apenas 69 brancos). Tomando a direção de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, expedições como a de Raposo Tavares percorreu entre 1648e 1652, 12 mil quilômetros, contando, muitas vezes, com o apoio da Coroa.

Outro papel importante dos bandeirantes foi a repressão de populações não submetidas ao controle colonial. Domingo Jorge Velho e Matias Cardoso de Almeida, combateram, no Rio Grande do Norte, os indígenas na Guerra dos Bárbaros ( 1683-1713) e o primeiro também participou do combate final na destruição do Quilombo dos Palmares em Alagoas ( 1690-1695).

Domingos Jorge Velho. Calixto. 1903

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O destino final dos índios capturados era São Vicente e o Rio de Janeiro, consumidos na produção de açúcar do século XVII, sendo muitos também consumidos na própria capitania, especialmente na produção de trigo

A sociedade das minas

No final do século XVII, as tentativas de Dom Pedro II na busca de ouro foram vitoriosas. Por volta de 1695, o achado de Borba Gato confirmava a existência de ouro de boa qualidade na região próxima ao rio das Velhas, que daria origem a Vila Rica, atual Ouro Preto.

O movimento migratório em direção à Minas Gerais se intensificou a partir da mineração, construindo assim uma nova sociedade, não somente forma-da por mineradores e seus escravos como também por comerciantes, ad-vogados, fazendeiros, artesãos, buro-cratas e militares.

A vida social se concentrou nas cida-des, centro de negócios, residência e festas comemorativas e a formação de associações religiosas leigas (Ir-mandades e Ordens Terceiras) possi-bilitavam a construção de Igrejas bar-rocas mineiras, destacando-se a figura do mulato Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, filho ilegítimo de uma es-crava com um construtor português.

A base dessa sociedade era escrava, que apresentava, naquele momento, uma expectativa de vida de sete a doze anos. Sendo assim, o número de escravos exportados para o Brasil cresceu bastante entre 1720 e 1750, apesar da crise do açúcar. Dos 320 mil habitantes, os negros representavam 52,2%; os mulatos 25,7%; e os brancos, 22,1%.

Com a mineração de ouro e diamante, bem como devido à urbanização intensificada, e ainda em função da expansão e diversificação agrícolas (estas visíveis sobretudo na segunda metade do século XVIII), deu-se nesse período uma intensificação da escravidão e, conseguinte, do tráfico que alimentava. Calcula-se que 1.891.400 africanos tenham sido desembarcados em portos da América portuguesa entre 1701 e 1810.

No período inicial da mineração (últimas décadas do XVII e início do XVIII) a procura pelo ouro gerou falta de alimentos e uma inflação que atingiu toda a colônia. Contudo, com a descoberta de grandes quantidades de ouro a sociedade mineradora acabou por acumular riquezas nas mãos de poucos (grupos dedicados não só à extração mas aos vários negócios e oportunidades, como a contratação de serviços com a administração pública.

A fase do apogeu da mineração foi entre 1733 e 1748, começando, a partir daí, o declínio (Ouro Preto tinha, em 1740 uma população de 20 mil habitantes e, em 1804, o número caiu para 7 mil).

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Visando reter apenas as linhas mais importantes do impacto da mineração sobre o conjunto da economia colonial, poderíamos dizer que: a) a mineração alargou, de forma considerável, a faixa de ocupação do território brasileiro; b) a economia do ouro conseguiu atrair para si a pecuária sulina, através de São Paulo, e a nordestina, através do Rio São Francisco, integrando as “ilhas” de povoamento em que se converte a colonização portuguesa; e c) o surto do ouro alterou, profundamente, as bases políticas e administrativas da colônia, realçando o papel do Rio de Janeiro, capital colonial depois de 1763, e incentivando a vida urbana.

Vários fatores teriam se somado para dar a escravidão, na atividade da mineração, uma dinâmica própria: a escassez de mulheres brancas nas primeiras décadas (aumentando a mestiçagem), um maior controle estatal, a necessidade de uma rápida exploração, em virtude de ser temporária a autorização governamental de exploração, o que abriu a possibilidade de estímulo ao escravo para aumentar sua produtividade e o desenvolvimento urbano tornando a sociedade mais complexa.

A soma desses fatores deu ao mundo do trabalho da mineração características bem distintas, como uma incidência maior de alforrias.

O Sul

Até o século XVII, a ocupação portuguesa na região se estendia até Laguna, atual Estado de Santa Catarina e, mais ao sul, a Colônia do Santíssimo Sacramento do Rio da Prata (atual Uruguai), tendo um grande vazio demográfico entre as duas regiões.

A partir de 1737, a Coroa tentou povoar a região com soldados que criavam gado, com pessoas de Laguna e com colonos dos Açores (estabelecidos em pequenas propriedades).

Com a destruição das missões espanholas em território brasileiro no século XVII, o gado se espalhou, dando origem, no século seguinte, a uma grande quantidade de bovinos selvagens, que eram caçados por uma população pouco densa de mestiços brancos e índios e cavaleiros nômades, que comiam a carne dos animais mas exportavam o couro.

Com a mineração, a procura pelo gado aumentou, dinamizando um pouco mais a região. Logo em seguida, a criação de mulas para o transporte entre a região produtora de ouro e diamante e o litoral eforçou ainda mais este dinamismo. A partir do início do século XVIII, as “estâncias” já faziam parte da paisagem do Rio Grande do Sul, submetendo os mestiços que antes caçavam o gado ao trabalho de empregado.

As relações de trabalho no mundo colonial

Até a década de 1960, a historiografia brasileira foi tomada por uma “obsessão plantacionista” (tudo no Brasil era grande propriedade com mão-de-obra escrava), ao mesmo tempo em que se alimentava a idéia que, na pecuária, a quase inexistência desse tipo de trabalhador fosse uma verdade quase que absoluta. A colônia como um simples complemento da economia metropolitana e a propriedade da terra como elemento definidor da posição social completavam um número significativo de pontos inquestionáveis a cerca da História do Brasil Colônia.

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Contudo, trabalhos mais recentes de historiadores como Hebe Mattos de Castro, João Luís Fragoso, Sheila Melo e Francisco Carlos Teixeira demonstram que a realidade colonial era muito mais complexa que àquela denunciada por Caio Prado Júnior ou Fernando Novais. Esses novos estudos denunciam, por exemplo, que na Bahia, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, o número de grandes propriedades escravistas era reduzido, quando comparado com o número de pequenos proprietários.

Mesmo sendo necessários mais estudos, já se demonstrou, pelo menos para certos períodos e lugares, a inverdade de assertivas como a da ausência ou extrema raridade de famílias entre os trabalhadores escravizados. As relações familiares englobavam, em 1801, 53% dos escravos de Lorena (São Paulo), sendo alta, ali, a incidência de famílias nucleares de cativos (casas com filhos a eles ainda ligados, como se depreende de um artigo de Iraci da Costa, Robert Slenes e Stuat Schwartz.

Segundo Ciro Cardoso, é possível perceber quatro fases na história do trabalho durante o período colonial:

1. 1500-1532: economia extrativa baseada no escambo com os indígenas, com a construção de feitorias costeiras, onde se acumulavam pau-brasil, pássaros e animais da terra e uns poucos escravos indígenas que ficavam à espera das embarcações;

2. 1532-1600: época onde predominou a escravidão indígena, pois com o início da atividade açucareira e a exigência de alimentos para a população européia e africana, a relação inicial com os indígenas foi radicalmente alterada;

3. 1600-1700: consolidação do modelo “clássico” da plantation, que teria favorecido largamente os comerciantes estabelecidos no Rio de Janeiro e Salvador, muito mais do que àqueles estabelecidos em Lisboa;

4. 1700-1822: onde ocorreu uma maior diversidade econômica, principalmente em função da mineração, com o surgimento de uma rede urbana.

Não podemos achar que o mundo dos escravos se apresentava de forma homogênea. A primeira diferença aparecia entre os escravos recém-chegados, os“boçais” e os que já entendiam o português, os “ladino”. A segunda estaria relacionada com a atividade. Os mais desgraçados eram os escravos do campo, seguidos por aqueles que trabalhavam nos engenhos de açúcar, nos meses de moagem e preparação dos produtos.

Além dos engenhos, os “lavradores de cana” também eram importantes proprietários de escravos.

A crise do sistema colonial

O mundo passou por profundas transformações a partir do século XVIII (Independência das colônias inglesas, em 1776, a Revolução Francesa, em 1789 e a Revolução Industrial), o que contribuiu para a desintegração do sistema colonial português.

Em meados do século XVIII, Portugal era um país atrasado e dependente da Inglaterra. Em 1750, a chegada de Dom José I ao trono português transformaria de forma significativa a administração do mundo colonial. O seu ministro Sebastião José de Carvalho, futuro Marquês

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de Pombal, entre 1750e 1777, desenvolveu um grande esforço para tornar mais eficiente a administração portuguesa, mudando assim a relação Metrópole-Colônia. Tentando associar os princípios do absolutismo ilustrado com o mercantilismo, Pombal atuou a partir das seguintes práticas: criou as companhias privilegiadas de comércio: – a Cia. Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a Cia. Geral de Pernambuco e Paraíba (1759).

A primeira tinha por objetivo desenvolver a região norte, estimulando o cacau, o cravo, a canela, o algodão e o arroz e, a segunda, tentou reativar o nordeste; colocou membros das elites locais nos órgãos administrativos e fiscais do governo, na magistratura e nas instituições militares; em Minas Gerais, o imposto da capitação foi substituído pelo antigo quinto, tendo que render a região pelo menos cem arrobas ano do metal; tentou diminuir a dependência de Portugal e Brasil da compra de produtos manufaturados, estimulando a produção dos mesmos nas duas regiões; a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios com confisco de bens (1759), tendo por objetivo acabar com a administração paralela das ordens religiosas (“um Estado dentro do estado”). A maioria das terras confiscadas aos jesuítas foi arrendada por grandes fazendeiros e comerciantes e a expulsão da ordem causou uma forte crise no sistema de ensino da colônia, já bastante pobre. A política pombalina para as ordens religiosas fazia parte de um grande esforço para subordinar a Igreja ao Estado. Em 1773, o Papa Clemente XIV extinguiu a Cia. de Jesus, que somente voltaria a existir e 1814.

O Reinado de Dona Maria

Com a morte de Dom José, em 1794,e a queda de Pombal, assumi Dona Maria, transformando muitos dos esforços do governo anterior: extinção das companhias de comércio, fechamento das fábricas coloniais, exceto as de pano de algodão para uso dos escravos.

O reinado de Dona Maria e do Príncipe Regente Dom João, ao contrário do anterior, foi mais favorável em função da revitalização da atividade açucareira (insurreição de escravos em São Domingos) e o fortalecimento do cultivo do algodão (guerra de independência dos Estados Unidos).

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O processo de Independência do Brasil

A Inconfidência Mineira, a Conjuração dos Alfaiates e a Revolução de 1817 em Pernambuco representaram movimentos de revoltas regionais, sem o cunho nacionalista. A formação de uma relação de oposição à Portugal se construiu no momento em que os interesses metropolitanos se colocaram numa relação inversa aos interesses coloniais. O exato momento da formação dessa oposição ainda é palco de estudos. Formados pôr grupos heterogêneos, com idéias distintas, os agentes históricos (proprietários de terras, soldados, letrados, etc.) tiveram na Independência dos Estados Unidos e na Revolução Francesa dois pontos de referência.

A Inconfidência Mineira

Em 1787, dos dezenove estudantes brasileiros em Coimbra, dez eram de Minas Gerais. José Joaquim da Maia, em 1786, manteve contatos com Thomas Jefferson, então embaixador dos EUA na França, o que demonstra as influências externas no movimento de rebeldia colonial.

A crise na atividade mineradora durante as últimas décadas do século XVIII, marcada pela contínua queda na produção de ouro, o que aumentava as pressões da Metrópole no sentido de garantir para essa o tão necessitado metal. A maior parte dos revoltosos era formada a partir da própria elite local (mineradores, fazendeiros, padres, funcionários e advogados) possuindo um grande vínculo com as autoridades coloniais na capitania, com exceção de José Joaquim da Silva Xavier que, em 1775, depois de uma tentativa fracassada de comerciante, passou a ocupar o cargo de alferes, grau inicial no quadro de oficiais e, nas horas vagas, desenvolvia a atividade de dentista.

A chegada do governador Luís da Cunha Menezes, em 1782, afastando membros da elite local do poder para beneficiar amigos mais próximos, afetando, inclusive, Tiradentes, que perdeu o comando do destacamento dos Dragões que patrulhava a estrada da Serra da Mantiqueira, abalou profundamente um forte grupo local. Com a substituição de Cunha Menezes pelo Visconde de Barbacena, que recebeu ordens para garantir o envio de cem arrobas/ano de ouro para Portugal, podendo, inclusive, confiscar ouro e cobrar a derrama, um imposto a ser pago pôr cada habitante da capitania. Quando antigos contratos entre particulares e a Coroa foram reavaliados, a pressão nos principais devedores que não repassavam para Portugal os impostos cobrados, avolumando uma grande dívida que se ameaçava cobrar.

Nos últimos meses de 1788, os revoltosos começaram a preparar a rebelião, a qual teria o seu início com a cobrança da derrama, que acabou não acontecendo, pois foi suspensa pôr Barbacena, o qual recebia do delator Silvério dos Reis os nomes dos conspiradores. As prisões começaram no Rio e em Minas e o processo somente terminaria em 18 de abril de 1792. Tiradentes e outros foram condenados à forca, todavia, uma carta de clemência da Rainha Dona Maria transformava todas as penas em banimento, exceto a de Tiradentes que, na manhã de 21 de abril de 1792, foi enforcado e retalhado.

Aparentemente, a intenção da maioria dos inconfidentes era a proclamação de uma República, tomando como modelo a constituição dos Estados Unidos. O Distrito Diamantino seria libertado das restrições, os devedores, perdoados e haveria o incentivo do desenvolvimento manufatureiro. A questão da escravatura foi tratada de forma bastante heterogênea. Alguns, como Alvarenga Peixoto, um grande proprietário de escravos, defendia a libertação dos

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cativos, que se transformariam os grandes defensores da República. Já Álvares Maciel defendia o oposto, o que certamente levou a uma grande duplicidade dessa questão nos registros da inconfidência sobre a escravatura, que aparecem de forma dispersa e lacunosa.

A Inconfidência (a palavra significa falta de fidelidade) Mineira se configurou como um movimento regional sem, naquele momento, atingir um caráter mais abrangente. Nesse sentido, a Revolução Pernambucana de 1817, foi bem mais importante, pois se espraiou pôr uma grande área do nordeste brasileiro.

Tiradentes Esquartejado, em tela de Pedro Américo (1893)

A Conjuração dos Alfaiates

A Bahia, em 1798, foi palco de mais um movimento de contestação. Mulatos e negros livres e libertos, ligados a profissões urbanas como soldados e artesãos, destacando-se vários alfaiates e brancos pobres foram os principais atores desse movimento histórico brasileiro. As precárias condições de vida e trabalho de Salvador já tinham gerado vários motins, entre 1797 e 1798.

Os conspiradores pregavam a proclamação da República, o fim da escravidão, o aumento de salários, a punição de padres contrários ao movimento de liberdade e o livre comércio, principalmente com a França.

Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira (este com apenas 18 anos de idade), além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens. As ruas de Salvador foram tomadas pelos revolucionários

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Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas que iniciaram a panfletagem como forma de obter mais apoio popular e incitar à rebelião. Os panfletos difundiam pequenos textos e palavras de ordem, com base naquilo que as autoridades coloniais chamavam de "abomináveis princípios franceses". A Revolta dos Alfaiates foi fortemente influenciada pela fase popular da Revolução Francesa.

Uma rápida repressão aos revoltosos levou à morte os quatro principais líderes e aos demais pena de prisão ou banimento.

A violência exagerada da Coroa se explica pela origem popular do movimento. O medo de revoluções de escravos, como a ocorrida em São Domingos, colônia francesa nas Antilhas, em 1791, que levaria a criação do Haiti, apavorava o colonizador, principalmente pelo fato de 80% da população da capitania ser formada de negros e mulatos.

Sendo assim, a Confederação dos Alfaiates foi a primeira expressão de um movimento de raízes populares que associava os ideais revolucionários com reivindicações sociais.

A Vinda da Família Real

Quando Napoleão impôs o Bloqueio Continental, Portugal se transformou, pela sua dependência econômica com a Inglaterra, em um grande buraco no embargo econômico francês. Sendo assim, Dom João VI, regente português desde 1792, no momento que sua mãe, Dona Maria foi declarada louca, decide pela migração para o Brasil quando tropas francesas, em novembro de 1807, cruzaram a fronteira de Portugal com a Espanha. Cerca de 10 e 15 mil pessoas embarcaram em navios portugueses rumo ao Brasil (ministros, conselheiros, juizes da Corte Suprema, funcionários do tesouro, patentes do exército e marinha, membros do alto clero e várias bibliotecas além do tesouro real).

Em 28 de janeiro de 1808, Dom João decretou, ainda na Bahia, a Abertura dos Portos às nações amigas. No Rio de Janeiro, o príncipe regente revogou os decretos que proibiam o desenvolvimento manufatureiro no Brasil, deu livre comércio para a importação voltada para o desenvolvimento industrial e incentivou o desenvolvimento de maquinários.

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O porto do Rio de Janeiro transformou-se na porta de entrada dos produtos ingleses não somente para o Brasil como também para o Rio da Prata e a costa do Pacífico (200 comerciantes ingleses já ocupavam o Rio de Janeiro em agosto de 1808, possuindo um grande poder de mando nas alfândegas). Não se pode esquecer que a abertura dos portos também favoreceu os grandes proprietários exportadores principalmente de açúcar e algodão. Todavia, como os comerciantes coloniais foram abalados diretamente pelos ingleses, em junho de 1808 o comércio livre foi limitado aos portos de Belém, São Luís, Salvador e Rio de Janeiro; o comércio de cabotagem ficou restrito aos navios portugueses e o imposto de importação de 24% foi reduzido para 16%, caso o transporte fosse feito em embarcações portuguesas.

As pressões inglesas levaram, em 1810, a assinatura do Tratado de Navegação e Comércio, que fixou a tarifa de produtos ingleses em 15%. O Tratado de Aliança e Amizade, firmado entre Portugal e Inglaterra, forçava o primeiro a limitar o tráfico de escravos, medida que, em 1815, com o Congresso de Viena, foi reforçada com a cessação do tráfico ao norte do equador. Contudo o tráfico cresceu no Brasil, principalmente em 1820.

Com a corte no Rio de Janeiro, toda política externa portuguesa passou a ser decidida no Brasil, ficando no Rio o Ministério da Guerra e Assuntos Estratégicos. A ação militar da Corte se concentrou na bacia da Prata, especialmente na Banda Oriental, atual Uruguai, onde o conflito com os espanhóis era constante. Duas campanhas militares (1811 e 1816) levaram à derrota de Artigos, principal referência da resistência uruguaia, o que possibilitou a anexação do território, em 1821, com o nome de província Cisplatina.

Outro aspecto importante é o florescimento cultural que o Rio de Janeiro passou, contando, em 1808, com o seu primeiro jornal e com a circulação de livros europeus, alimentado principalmente com o crescimento da população (passou de cerca de 50 mil a 100 mil pessoas). A chegada de cientistas e viajantes estrangeiros (o naturalista John Mãe, o zoólogo bávaro Seis, o botânico Martins, o naturalista francês Saint-Hilaire, o arquiteto Grandjean e os pintores Taunay e Debret) registraria nas diferentes formas estéticas o Rio de Janeiro.

A Revolução Pernambucana de 1817

A chegada da Corte no Brasil causou uma série de descontentamentos em diferentes setores coloniais. Em Pernambuco, as forças militares locais foram preteridas em relação aos militares que chegaram de Portugal, transformando-se em um importante foco de descontentamento na província.

Com o aumento dos impostos necessários para a manutenção das guerras na Cisplatina e para o sustento da Corte no Brasil, O Rio de Janeiro acabou assumindo o papel da antiga metrópole, Lisboa. O sentimento regionalista do nordeste somou-se ao antiluzitanismo, dando uma reação explosiva. Em março de 1817, militares, proprietários rurais, juízes, artesãos, comerciantes e um significativo

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número de sacerdotes (“a Revolução dos Padres”) iniciaram a revolução que, rapidamente se estendeu para Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.

“Não devemos imaginar, porém, que os diferentes grupos tivessem os mesmos objetivos. Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à idéia de igualdade, uma igualdade mais para cima que para baixo... (“ os cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam que éramos todos iguais e não haviam de casar senão com brancas das melhores”). Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização imposta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da colônia, pelo menos do nordeste”.

FAUSTO, Boris. História do Brasil.

Tomando a cidade do Recife e formando um governo provisório, os revoltosos proclamaram a República, declarando igualdade de direito e tolerância religiosa, sem tocar na questão da escravidão. Em maio de 1817, as tropas portuguesas ocupavam o Recife e já controlavam a revolta em Alagoas, prendendo e matando os líderes do movimento.

A Independência

Em dezembro de 1815, resistindo à idéia de retornar a Portugal, Dom João VI elevou o Brasil a categoria de reino Unido a Portugal e Algarves. Em 1820, irrompeu em Portugal a revolução do Porto. Liberal (considerava a monarquia absolutista ultrapassada e pregava a formação das Cortes) e ilustrada, a revolução representava o resultado das grandes contradições que vivia o país no momento (crise política causada pela permanência de D. João no Brasil e dos órgãos de governo; crise econômica gerada, em parte, pelo excesso de liberdade comercial do Brasil; crise militar em face da presença de militares ingleses em Portugal, que, inclusive, governava o país – marechal inglês Beresford).

Convocada as eleições para a formação das Cortes (200 deputados de todo império português, sendo 50 representantes do Brasil), a constituição do país estava a caminho.

O retorno de D. João VI para a Europa dividia as opiniões no Brasil.

“O retorno era defendido no Rio de Janeiro pela “facção portuguesa”, formada pôr altas patentes militares, burocratas e comerciantes interessados em subordinar o Brasil à Metrópole, se possível de acordo com os padrões do sistema colonial. Opunha-se a isso e ao retorno do monarca o ‘partido brasileiro’ constituídos pôr grandes proprietários rurais das capitanias próximas à capital, burocratas e membros do Judiciário nascidos no Brasil. Acrescenta-se a eles portugueses cujos interesses tinham passado a vincular-se aos da colônia.”

FAUSTO, Boris. História do Brasil.

As articulações políticas dos brasileiros foram fortemente orientadas pelas lojas maçônicas, participantes ativas da Rev. Pernambucana de 1817.

Não suportando a pressão, Dom João retorna para Portugal, em 1821, acompanhado de 4 mil portugueses.

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Formada as Cortes de Lisboa, tiveram início as tentativas de recolonização do Brasil. Os governos provinciais passaram a ser subordinados diretamente à Lisboa, não mais ao Rio de Janeiro; tentativas de revogar os acordos comerciais com a Inglaterra; em outubro, decidiu-se pela transferência para Lisboa das principais repartições instaladas no Brasil por D. João e a determinação do retorno de D. Pedro para a Europa. O “partido brasileiro” mobilizou-se para a permanência do regente (“Dia do Fico” – 9/10/1822). D. Pedro forma assim um novo ministério, composto por portugueses mas chefiado por um brasileiro, José Bonifácio de Andrada e Silva.

Nesse quadro político, a corrente conservadora defendia maior autonomia do Brasil com relação a Portugal, assumindo apenas em um segundo momento, a idéia da independência, desejando como forma de governo a monarquia constitucional. Já a corrente radical, bastante heterogênea (de monarquistas esclarecidos a republicanos radicais), optava pela ruptura imediata.

Em agosto, o príncipe regente declarou as tropas portuguesas no Brasil inimigas. Gonçalves Ledo e José Bonifácio dirigiram manifestações às nações amigas.

A chegada do despacho que ordenava o retorno de D. Pedro para Portugal e revogava os decretos do príncipe regente alimentou o grito da independência, em 7 de setembro de 1822, as margens do riacho Ipiranga.

LEITURA COMPLEMENTAR

A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL

Uma das grandes falhas da historiografia brasileira, no passado e ainda hoje, consiste em dissociar o processo da independência brasileira do conjunto em que se desenvolveu, seja pelo esquecimento das transformações operadas na Europa desde os fins do século XVIII, que se refletiram nas áreas coloniais e impulsionaram a solução da autonomia, seja pela omissão do que ocorreu na própria América. O processo de independência dos povos coloniais americanos, entretanto, foi único, embora tivesse encontrado diferenças e particularidades, confirme as condições dominantes nas diversas zonas, desde o Vice-Reinado do México até o do Brasil, passando por Nova Granada, Peru e Prata.

Tal processo tem inicio quando o desenvolvimento econômico assinala a transformação do mercantilismo em capitalismo, configurando o largo quadro conhecido como Revolução Industrial. O extraordinário aumento da população advindo da progressiva e acelerada substituição da manufatura pela maquina introduz modificações profundas na fisionomia dos povos, que aqueles em que ele apenas repercute, e que lhe sofrem as conseqüências, seja porque se comportem como mercados consumidores, seja pela simultaneidade dos dois casos – esta é, precisamente, a situação das áreas coloniais americanas.

A acumulação capitalista define plenamente, então, a ascensão da burguesia e vai romper os fundamentos que mantinham, embora em equilíbrio instável, a posição de povos e nações que não chegaram a superar o período mercantil e que se comportavam, em relação às áreas coloniais, como simples intermediários. A eliminação dos intermediários é uma das mais prementes exigências das árias de produção em que as relações capitalistas estavam na plenitude de seu desenvolvimento. Entre essas áreas, a Inglaterra tinha destacada posição.

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O que mantinha ainda a subordinação das áreas coloniais às metrópoles era o regime de monopólio comercial, levado, em alguns casos, como no do Brasil da fase mineradora, aos limites da clausura. Rompido o monopólio, a subordinação perdia o seu conteúdo, e surgia a autonomia como conseqüência inelutável. As exigências do processo capitalista traduziam-se em dois planos: abertura das áreas coloniais à troca internacional, em primeira urgência; eliminação do trabalho escravo, na segunda urgência.

(O que se deve ler para conhecer o Brasil. Nelson Werneck Sodré. 1973)

SOCIEDADE COLONIAL

O sistema produtor açucareiro colonial trouxe, desde sua montagem inicial, profundas con-sequências econômicas e sociais, que marcam a realidade brasileira até hoje. Com efeito, a colonização brasileira teve um cunho discriminatório, aristocrático e, por conseguinte, social-mente excludente. Para melhor compreendermos a dimensão social da colonização brasileira, devemos, em primeiro lugar, levantar o problema da origem classista dos nossos primeiros po-voadores. Noutros termos, qual setor social iria realizar os primeiros investimentos de capital na distante, desconhecida e aparentemente agreste terra brasileira? A burguesia mercantil lu-sitana mais próspera, que auferia altos lucros no comércio, não estava interessada em aplicar seus capitais numa aventura aparentemente incapaz de gerar o acúmulo de capitais. Também a nobreza lusitana não se mostrava particularmente disposta, pois, além de carente de recursos, preferia viver atrelada ao aparelho estatal ou, no máximo de sua ousadia mercantil, dedicar-se à exploração oriental. A inexistência de mercado interno na área colonial podava a participação dos pequenos e médios proprietários lusitanos. Além disso, a posse de terras no Brasil, onde elas existiam em abundância, carecia de importância, pois não funcionavam como propriedade imobiliária. No início do século XVI, a terra, por si só, nada significava. Só começaria a represen-tar alguma coisa, a ter função econômica, a partir do momento em que se tornasse objeto do trabalho humano. Em síntese: o valor imobiliário da terra brasileira iria depender da instalação de um sistema colonial de produção. Ciente de que só a colonização poderia garantir a preser-vação do controle político das terras brasileiras, a Coroa lusitana buscou despertar o interesse do capital privado para a árdua empresa de conquista e valorização econômica de sua zona americana. Ao contrário das Índias – onde já existiam sistemas produtivos e mercados relativa-mente prósperos – o Brasil, cujos habitantes indígenas viviam um estágio primitivo de civiliza-ção, nada oferecia de atraente às ambições imediatistas do mercantilismo português.

Para tornar rentável o processo colonizatório de suas possessões na América, Portugal precisa-ria montar, preliminarmente, uma estrutura produtora de gêneros agrícolas. Isto porque, em nosso país, a única forma possível de exploração econômica viria a ser o cultivo do solo. Por isso, o Reino procurou, desde o início, dar à colonização brasileira uma orientação adequada à necessidade de aqui se implantar um núcleo civilizacional baseado na produção agrária. Por exemplo: o rei português investiu Martim Afonso de Souza, em sua expedição pioneira de 1530, e, pouco depois, os donatários, do direito de conceder sesmarias às pessoas interessadas em “fazer lavoura”.

A doação de sesmarias não era uma forma genérica de transferência de terras: estava subor-dinada a uma estrita regulamentação jurídica. O sesmeiro tinha pleno direito de propriedade sobre seu lote, com algumas restrições, tais como os estancos (monopólios reais) e as servidões públicas de águas. Além disso, era obrigado a pagar tributos devidos à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, organismo encarregado da expansão marítimo-comercial portuguesa.

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As terras concedidas em sesmarias, segundo a livre vontade de seus proprietários, podiam ser alienadas ou transmitidas a herdeiros. O dono da sesmaria, no entanto, tinha a obrigação de aproveitá-la economicamente dentro de um prazo determinado. Esta disposição fazia parte da legislação portuguesa: as Ordenações Manuelinas. A violação deste estatuto acarretava a per-da da propriedade e o pagamento de uma multa em dinheiro.

A Coroa não doava sesmarias indiscriminadamente a todos os interessados na posse de terras. Na realidade, só se concediam sesmarias “a quem pudesse cultivar”, isto é, aos que comprovas-sem possuir os recursos necessários à tarefa de exploração econômica do solo.

Ao se examinar a legislação portuguesa que regulamentou a montagem da colonização do Bra-sil, verifica-se que seu significado básico não repousava na amplitude dos poderes delegados ou transferidos aos donatários ou aos colonos. Pode-se encontrá-lo, ao contrário, na forma es-tabelecida para a implantação da propriedade privada no território da colônia, elemento gera-dor das primeiras diferenciações classistas em nosso país.

• A Coroa só doava terras a quem tivesse recursos para cultivá-la.

• Só se outorgava o privilégio de montar engenhos a quem estivesse em condições financei-ras de fazê-lo funcionar.

Percebe-se assim, no início do processo de colonização, uma clara tendência discriminatória, que caracterizaria todo o empreendimento e determinaria o tipo de sociedade da zona açuca-reira, por exemplo: a necessidade de um investimento inicial impossibilitaria a participação na empresa colonizatória de cidadãos metropolitanos desprovidos de fortuna. A própria distribui-ção da terra obedeceu a um critério seletivo. Além disso, acentuando o caráter elitista da colo-nização, a montagem e a operação dos engenhos também se tornariam privilégios reservados a poucos reinóis.

Esse conjunto de fatores contribuiu para que se formasse no Brasil uma sociedade aristocrática, na qual o valor do trabalho diminuiu em função da importância social que o direito de proprie-dade conferia aos poucos cidadãos que o possuíssem.

Portanto, no Brasil, não se levava em conta a origem de classe dos primeiros povoadores, e sim, a posição de proprietários por eles ocupada: ela os transformava em aristocratas, inde-pendentemente de sua procedência classista. Em síntese: no Brasil, durante as fases iniciais da colonização, o fator do privilégio social era o capital necessário para montar a estrutura produ-tiva açucareira, mas esse mesmo privilégio se reproduzia enquanto estamento, uma espécie de “nobreza da terra”. Em termos bem simples, podemos dizer que os primeiros Albuquerques – família pernambucana tradicional – tornaram-se privilegiados em função dos investimentos por eles trazidos. Pouco a pouco, contudo, sua dominação social decorreria do próprio nome Albuquerque.

Olinda: a capital do açúcar

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A sociedade açucareira colonial

De maneira simplista, costuma-se ensinar que a sociedade colonial açucareira era bipolar: os latifundiários, no topo da pirâmide social, e os escravos, total e completamente marginaliza-dos. Essa visão da realidade colonial brasileira é bem expressa no título do famoso livro do antropólogo Gilberto Freyre: “Casa-Grande – Senzala”. Na verdade, a sociedade brasileira de então era mais complexa, pois, além dos capitais e rendas, existiam outros fatores de privilégio. Um deles consistia na localização da propriedade agrária. De fato, sendo o açúcar um produto destinado aos mercados externos, as terras situadas próximas do litoral passaram a ter maior valor econômico do que as localizadas em regiões interioranas. Os proprietários das primeiras auferiam mais lucros do que os das segundas. Outro elemento importante a ser considerado era a qualidade do solo. Se esse fosse de massapé, as safras apresentariam maior rentabilida-de do que as colhidas de solos inferiores. Dessa maneira, as sesmarias concentradas nas áreas litorâneas e nos vales dos rios – abundantes em solo fértil – tinham mais possibilidades de êxito econômico, privilegiando seus proprietários em relação aos latifundiários cujas sesmarias estavam mal localizadas. Finalmente, também era decisiva a posse de meios de beneficiamen-to – o engenho – para consolidar uma situação de privilégio social. Havia, basicamente, dois tipos de latifundiários: os que possuíam engenho e aqueles outros que somente se dedicavam à produção da cana-de-açúcar. Nesse contexto, surgiram as então denominadas “fazendas obri-gadas”; ou seja, os sesmeiros que eram apenas agricultores se viam forçados a transformar a cana em açúcar nos engenhos dos latifundiários vizinhos, pagando o serviço em espécie. Por exemplo, se a produção de uma “fazenda obrigada” (sem engenho) fosse da ordem de 100 to-neladas, o seu proprietário precisava pagar a operação do engenho entregando ao dono desse último, 50 toneladas. Do ponto de vista social, os latifundiários estritamente agricultores e os donos de engenho eram iguais; do ponto de vista econômico, não o eram. Progressivamente, os plantadores passaram a subordinar-se aos senhores de engenho, que eram efetivamente os únicos privilegiados. Em pouco tempo, o sistema colonial açucareiro gerou a concentração da propriedade fundiária, a aristocratização dos senhores de engenho e o desaparecimento dos plantadores independentes.

No nordeste brasileiro da época, onde as distâncias eram enormes, as fazendas relativamente isoladas e o poder público português quase inexistente, o sistema açucareiro gerou o mando-nismo político privado. Noutros termos, os grandes proprietários donos de engenho tornaram--se o verdadeiro núcleo do poder político-administrativo colonial, exercendo, de fato, as fun-ções de controle, de administração e de aplicação da justiça nas áreas circunvizinhas aos seus latifúndios. As competências que, no mundo moderno, cabem ao Estado, eram desempenha-das, entre nós, por particulares: a “coisa pública” tornou-se “coisa privada”. De fato, o poder político estatal só adquiriu importância, no Brasil, a partir do século XVIII. Até então, esteve nas mãos dos “homens bons”, denominação dada à “nobreza colonial”.

Resumo

“A transformação dos senhores de engenho em típicos aristocratas rurais ocorreu independentemen-te de sua origem social. Os membros da classe dominante colonial, mesmo que originariamente não pertencessem à nobreza, acabavam se aristocratizando, por concentrarem em suas mãos a posse da terra, dos escravos, da renda e do poder político. Esta aristocratização gerou também a mentalidade profundamente conservadora de nossas elites, fato que se verifica até hoje.”

Professor José Carlos Pires de Moura

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A sociedade colonial açucareira do nordeste brasileiro, pautada pelo ruralismo, já que as poucas vilas existentes não passavam de meras extensões do latifúndio e desconheciam qualquer forma de vida tipicamente urbana, foi caracterizada também por um alto grau de estratificação social, sendo praticamente impossível alterações verticais na pirâmide social, cujos componentes básicos eram:

Os segmentos sociais do Brasil açucareiro

Senhores – os grandes proprietários de engenho, terras e escravos, que exerciam a dominação econômica social e política.

Camadas intermediárias – em número pequeno e socialmente inexpressivo, formadas por padres, militares, agregados ao latifúndio, alguns poucos funcionários, rendeiros e, também poucos, pequenos proprietários. Esse setor social orbitava o latifúndio, pois uma economia marcada pela exportação, pela necessidade de importações de bens de consumo, pela existência do escravismo e pela carência de mercado interno entravava qualquer possibilidade de seu crescimento.

Escravos – base da estrutura social do Brasil Colônia, o trabalho compulsório dos negros vindos de África e de alguns poucos indígenas foi o elemento fundador da realidade brasileira. O seu papel e a sua importância, na época, são bem descritas por uma frase então bastante difundida: “os escravos são as mãos e os pés dos senhores de engenho”. Do ponto de vista jurídico, as Ordenações portuguesas definiam o escravo no mesmo capítulo dedicado ao “animal de carga”.

Um navio negreiro

O tráfico escravista: negros num navio “tumbeiro”

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História de Pernambuco – Características Gerais do Brasil Colonial – Prof. Thiago Scott

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A estrutura familiar

Uma sociedade rural, latifundiária e calcada no escravismo, que desvaloriza o trabalho, implica necessariamente:

Desimportância social da mulher – de fato, a mulher branca, filha e esposa do latifundiário, só desempenha um papel: a reprodução e a transmissão da propriedade. Destituída de qualquer função produtiva, ela passa a ser “protegida”, fechada numa “redoma social”. Nos velhos casarões do Brasil açucareiro, havia “gineceus”: quartos onde ficavam as moças solteiras, durante o dia, para não serem vistas pelos cobiçosos olhares masculinos. As moças das elites, extremamente reprimidas, eram obrigadas a contrair matrimônio com os filhos de outros latifundiários e, muitas vezes, no interior da própria família, casando-se com primos ou tios, o que gerou uma sociedade tendencialmente endogâmica. O círculo familiar era absolutamente restrito, o que pode ser comprovado pelo fato de que o próprio adultério tendia ocorrer no seio do clã. De fato, no Brasil Colônia, foi muito comum a relação adulterina entre sogras e genros.

Reverência filial – ser filho do senhor de engenho era fator de privilégio. Numa sociedade carente de oportunidades de desenvolvimento econômico, pelo escravismo e pela ausência de mercado interno, romper com o pai traria consigo a perda da dominação social. Dessa maneira, o respeito, a obediência e o culto subserviente ao genitor tornaram-se necessidades imperiosas.

Sociedade ociosa – numa realidade escravista, onde o trabalho é sinônimo de inferioridade social, o ócio se torna um fator distintivo das elites. Nas enormes varandas das casas-grandes, os latifundiários e seus filhos deitavam-se em redes, abanados por negros e agraciados com os “cafunés” das negras. Gilberto Freyre observa que “a rede quase atrofiou o pé do latifundiário”. Em suma, uma sociedade ociosa e quituteira, pois as principais “atividades” das elites eram a conversação e o prazer gastronômico, esse último facilitado pelo grande número de escravas na cozinha. Além disso, cultivava-se a hospitalidade, pois as visitas e festividades eram sempre formas de se “matar o tempo”.

Família patriarcal – em suma, a sociedade colonial brasileira gerou uma estrutura familiar patriarcal, pois o centro do clã era o pai: dono de terras, de engenhos, de escravos, do poder político e todo-poderoso em relação à família.

Sociedade miscigenada – na comunidade açucareira do Brasil Colonial, onde ao homem era tudo permitido e à mulher branca quase tudo era vedado, a iniciação e as práticas sexuais cotidianas dos elementos masculinos eram levadas a efeito com as escravas, gerando uma sociedade miscigenada. Embora o latifundiário e seus dependentes não reconhecessem os mulatos como filhos legítimos, sabiam que eles eram seus descendentes e por essa razão tendiam a protegê-los relativamente. De fato, os mulatos normalmente exerciam funções menos rudes do que as dos negros: eram feitores, “meninos de recados”, chefes da cozinha, etc. Por essa razão, havia um provérbio, bastante difundido na época, que dizia: “o Brasil é o Purgatório do branco, o Inferno do negro e o Paraíso do mulato”.

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