história das disciplinas escolares

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Revista Brasileira de Educação 57 Introdução Pesquisando dentro do campo conhecido como história das disciplinas escolares desde 1993, o grupo de pesquisadores ao qual estão ligadas as autoras deste artigo 1 já investigou a história de várias disciplinas: desde disciplinas básicas dos cursos de Formação de Professores, como didática e prática de ensino, até disciplinas consideradas estratégicas como canto orfeônico, geografia, educação moral e cívica, e as disciplinas língua portuguesa e língua inglesa. Atra- vés de um projeto de pesquisa intitulado “As discipli- nas escolares como forma de analisar a educação na escola”, 2 analisou a materialização do modo de pen- sar e de formar os indivíduos de uma comunidade, as Da história das disciplinas escolares à história da cultura escolar: uma trajetória de pesquisa Eurize Caldas Pessanha Maria Emília Borges Daniel Maria Adélia Menegazzo Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 1 Ao longo desses dez anos, o grupo de pesquisa “Profes- sores e Disciplinas Escolares” recebeu financiamentos da Pró- Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, do CNPq (bolsas PIBIC e Produtividade em Pesquisa e de Auxílio Integrado de Pesquisa) e da CAPES (bolsa de pós-doutorado). Ao longo dos trabalhos realizados, so- freu alterações na sua formação, tendo contado com a participa- ção, além das autoras deste artigo, de mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS: Carla Z. Maluf de Araújo (1995-1996), Júlio da Costa Feliz (1996-1998), Maria Cristina Lanza de Barros (1996-1998), Maria de Fátima Viegas Josgrilbert (1996-1998), Pedro Rauber (1996-1998), Elisângela Alves da Silva (1996-1998), Ana Paula Mancini (1996-1998), Glauce Soares Casimiro (2001-2003); professores pesquisadores: Horácio Braga (1998-2003), Fabiany de Cássia Tavares Silva (2003); alunos do curso de pedagogia da UFMS: Rosimeri da Silva Pereira (2000- 2002), Elaine Cristina Ferreira D’Ávila (2000), Mariceli Ferreira Gutierres (2000); bolsistas de Aperfeiçoamento de Pesquisa/CNPq: Kelly Glay da Silva Sena Sakihama e Maria Helena Santana Reis (1997-1998); bolsistas de Iniciação Científica PIBIC/CNPq: Sheila Denise Guimarães e Alessandra Fernandes B. Moroni (1997-1998), Débora Eiko Batista Takeuchi, Patrícia Menegheti e Denise Lamb (2002/2003), Jane Ferreira dos Santos e Kátia Costa (2002/2003); pesquisadora colaboradora: Paula Martini (1998). As autoras agra- decem às instituições e, principalmente, às pessoas citadas. 2 Projeto de pesquisa financiado pela Universidade Fede- ral de Mato Grosso do Sul, concluído em 2003.

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  • Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Revista Brasileira de Educao 57

    Introduo

    Pesquisando dentro do campo conhecido como

    histria das disciplinas escolares desde 1993, o grupo

    de pesquisadores ao qual esto ligadas as autoras deste

    artigo1 j investigou a histria de vrias disciplinas:

    desde disciplinas bsicas dos cursos de Formao de

    Professores, como didtica e prtica de ensino, at

    disciplinas consideradas estratgicas como canto

    orfenico, geografia, educao moral e cvica, e as

    disciplinas lngua portuguesa e lngua inglesa. Atra-

    vs de um projeto de pesquisa intitulado As discipli-

    nas escolares como forma de analisar a educao na

    escola,2 analisou a materializao do modo de pen-

    sar e de formar os indivduos de uma comunidade, as

    Da histria das disciplinas escolares histriada cultura escolar: uma trajetria de pesquisa

    Eurize Caldas PessanhaMaria Emlia Borges DanielMaria Adlia MenegazzoUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul

    1 Ao longo desses dez anos, o grupo de pesquisa Profes-

    sores e Disciplinas Escolares recebeu financiamentos da Pr-

    Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao da Universidade Federal

    de Mato Grosso do Sul, do CNPq (bolsas PIBIC e Produtividade

    em Pesquisa e de Auxlio Integrado de Pesquisa) e da CAPES

    (bolsa de ps-doutorado). Ao longo dos trabalhos realizados, so-

    freu alteraes na sua formao, tendo contado com a participa-

    o, alm das autoras deste artigo, de mestrandos do Programa de

    Ps-Graduao em Educao da UFMS: Carla Z. Maluf de Arajo

    (1995-1996), Jlio da Costa Feliz (1996-1998), Maria Cristina

    Lanza de Barros (1996-1998), Maria de Ftima Viegas Josgrilbert

    (1996-1998), Pedro Rauber (1996-1998), Elisngela Alves da Silva

    (1996-1998), Ana Paula Mancini (1996-1998), Glauce Soares

    Casimiro (2001-2003); professores pesquisadores: Horcio Braga

    (1998-2003), Fabiany de Cssia Tavares Silva (2003); alunos do

    curso de pedagogia da UFMS: Rosimeri da Silva Pereira (2000-

    2002), Elaine Cristina Ferreira Dvila (2000), Mariceli Ferreira

    Gutierres (2000); bolsistas de Aperfeioamento de Pesquisa/CNPq:

    Kelly Glay da Silva Sena Sakihama e Maria Helena Santana Reis

    (1997-1998); bolsistas de Iniciao Cientfica PIBIC/CNPq: Sheila

    Denise Guimares e Alessandra Fernandes B. Moroni (1997-1998),

    Dbora Eiko Batista Takeuchi, Patrcia Menegheti e Denise Lamb

    (2002/2003), Jane Ferreira dos Santos e Ktia Costa (2002/2003);

    pesquisadora colaboradora: Paula Martini (1998). As autoras agra-

    decem s instituies e, principalmente, s pessoas citadas.

    2 Projeto de pesquisa financiado pela Universidade Fede-

    ral de Mato Grosso do Sul, concludo em 2003.

  • Eurize Caldas Pessanha, Maria Emlia Borges Daniel e Maria Adlia Menegazzo

    58 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

    maneiras de receber, filtrar e reorganizar os dados da

    cultura sempre subjacente aos projetos pedaggicos,

    para encontrar mediadores da construo da mem-

    ria histrica, procurando compreender os processos e

    projetos culturais que a esto envolvidos e incorpo-

    rar anlise das disciplinas escolares a anlise da his-

    tria da cultura que as produziu e que vem sendo pro-

    duzida por elas. O objetivo deste artigo refletir sobre

    a trajetria de pesquisa que este grupo vem percor-

    rendo e sobre como, partindo de pesquisas sobre a

    histria das disciplinas escolares, foi levado ao estu-

    do da histria da cultura escolar como um caminho

    para analisar a histria do currculo.

    Nossa proposta de pesquisa concebe a escola

    como o lcus dessa histria, isto , o espao e o tem-

    po em que as disciplinas escolares se construram his-

    toricamente. Mais do que apenas entender esses pro-

    cessos, o que se vem buscando situ-los dentro do

    movimento da cultura escolar no Brasil (Pessanha,

    2003; Menegazzo, 2001).

    Embora cultura escolar no seja um conceito sim-

    ples de delimitar, considera-se que na escola foram

    sendo historicamente construdas normas e prticas

    definidoras dos conhecimentos que seriam ensinados

    e dos valores e comportamentos que seriam inculca-

    dos, gerando o que se pode chamar de cultura escolar.

    Conhecimentos, valores e comportamentos que, em-

    bora tenham assumido uma expresso peculiar na

    escola, e, principalmente, em cada disciplina escolar,

    so produtos e processos relacionados com as lutas e

    os embates da sociedade que os produziu e foi tam-

    bm produzida nessa e por essa escola.

    Histria das disciplinas escolares

    Segundo Chervel (1990), a prtica escolar forne-

    ce informaes sobre a produo do conhecimento que

    no so encontradas no nvel de sua produo dentro

    da cincia ou em outras instncias da sociedade. Essa

    constatao fez com que seus estudos se dirigissem

    para a investigao da histria das disciplinas escola-

    res que lida com fontes primrias, como, por exemplo,

    os manuais didticos e os cadernos escolares, com

    milhes de pginas escritas que, segundo ele, podem

    revelar uma histria ainda no relatada nem analisada.

    A palavra disciplina, tal como se conhece hoje,

    uma criao recente. Na Frana, por exemplo, s

    registrada aps a Primeira Guerra Mundial, mas guar-

    da a idia de sua origem: disciplinar, ordenar, contro-

    lar. A disciplina escolar seria resultado da passagem

    dos saberes da sociedade por um filtro especfico, a

    tal ponto que, aps algum tempo, ela pode no mais

    guardar relao com o saber de origem. Para Chervel

    (1990), a disciplina o preo que a sociedade paga

    cultura para pass-la de uma gerao outra.

    Fica claro, portanto, que o referencial epistemo-

    lgico desse campo de investigao sustenta que as

    disciplinas escolares no so reflexo, vulgarizao ou

    adaptao pura e simples das cincias de referncia.

    medida que a histria de uma disciplina se

    desenrola, sofre transformaes no seu interior, as

    quais dificultam a anlise de sua relao com a socie-

    dade, dando a impresso de que s os seus fatores

    internos, ou aqueles relacionados com a sua cincia

    de referncia, foram responsveis pela sua histria.

    Encontrar os pontos principais desse processo, consi-

    derando as foras e os interesses sociais em jogo na

    histria de determinadas disciplinas, pode lanar mais

    luz sobre seus contedos e suas prticas com o obje-

    tivo de, se necessrio, modific-los para atender a

    novas necessidades, em vez de reproduzi-los como

    se fossem neutros e independentes.

    Mais especificamente, preciso analisar a cons-

    tituio de uma disciplina escolar como produto e

    processo que impem significado s prticas huma-

    nas (Menegazzo, 2001), isto , como cultura. Nesse

    sentido, preciso incorporar a essa discusso no

    apenas um nmero cada vez maior e diversificado de

    disciplinas, mas, principalmente, ampliar a discusso

    dessas histrias, incorporando a discusso sobre a

    cultura que as produziu e produto delas.

    Torna-se necessrio, por exemplo, analisar o pro-

    cesso que levou introduo e posterior eliminao

    da disciplina lngua latina dos currculos escolares,

    depois de ter sido considerada uma disciplina-chave

    na formao das mentes; o processo de substituio

  • Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Revista Brasileira de Educao 59

    dos manuais de lngua e civilizao francesa pelos

    manuais instrumentais de lngua francesa; como o

    ensino de lngua inglesa seguiu a trajetria de estudo

    de textos aquisio de habilidades discursivas, pas-

    sando pelo treinamento mecnico de estruturas bsi-

    cas; como o ensino de lngua portuguesa deixou de

    ser o ensino da gramtica que sistematizava e des-

    crevia a lngua consagrada pelos escritores represen-

    tantes dessa tradio, mas tambm devia enriquecer

    o esprito da mocidade com o legado respeitvel da

    boa e velha linguagem colhida nos provrbios popu-

    lares e com a influncia edificante dos princpios

    morais, que eles contm, e chegou virada pragm-

    tica a que se assiste agora (Daniel, 2001).

    Chervel (1990) prope algumas questes como

    ponto de partida para essa anlise: Qual a concepo

    de conhecimento daquela sociedade (delimitar: uma

    cidade, um grupo social)? Qual a sua concepo de

    diferenas culturais? Isto , quem o outro que preci-

    sa ser educado? Qual a sua concepo de professor?

    Isto , quem eram, como eram contratados e formados

    e o que se exigia dos professores? Quem era excludo/

    includo por essa cultura? Que instrumentos eram in-

    dicados para o professor? Como eles eram usados?

    As respostas a essas questes, mesmo sendo a

    base para o trabalho emprico sobre a histria das dis-

    ciplinas escolares, precisam ser analisadas como pro-

    cessos e produtos das prticas escolares, isto , da

    cultura escolar.

    Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Faria Filho (1996), ao descrever a histria da

    educao da cidade de Belo Horizonte, afirma que,

    no incio de sua histria, a cultura escolar era igual

    cultura da populao. Com a criao dos grupos es-

    colares, em substituio s escolas isoladas, criou-se

    no apenas um lugar fsico diferente, mas, principal-

    mente, um novo lugar simblico, capaz de operar uma

    mudana de sensibilidade, linguagem, comportamen-

    tos, costumes, e mesmo de projetos e perspectivas

    sociais, a comear pelas crianas. No grupo escolar,

    agora um lcus, a escola deixou o espao privado para

    entrar no pblico, espao de construo da cultura

    escolar.

    As pesquisas sobre a histria da educao pbli-

    ca no Brasil vm revelando que a escola (fsica e sim-

    bolicamente) foi consolidando-se como o lugar mais

    apropriado para a formao das novas geraes. Nela

    foi sendo construda uma cultura escolar distante da

    cultura de parcelas da populao que se pretendia

    modificar atravs das crianas: uma cultura escolar

    que no se articula em torno do conhecimento, mas

    da possibilidade de criar uma instituio ordenadora

    da vida social (Faria Filho, 1996). Foi principalmen-

    te durante as trs primeiras dcadas do sculo XX que

    este processo ficou mais claro nas escolas brasileiras.

    Embora historiadores da educao no Brasil ve-

    nham alertando, h algum tempo, para a tendncia,

    que acabou proliferando entre os novos historiadores

    da educao, de privilegiar a dcada de 1930 como a

    dcada inaugural de todas as iniciativas na rea,

    preciso registrar que essa foi a dcada das inaugura-

    es: de ministrios, institutos, rgos, leis orgnicas

    e outros dispositivos que tiveram a tarefa mais do que

    simblica de evidenciar um discurso de que se estava

    fazendo a revoluo e a civilizao do Brasil, tal como

    a Repblica, que tentou instituir a ordem por decretos

    (Carvalho & Nunes, 1990).

    No caso especfico da educao, o livro de

    Romanelli (1983), Histria da educao brasileira,

    parece ter contribudo para a consolidao da percep-

    o de 1930 como marco divisrio de um perodo

    catico para um perodo de organizao, uma vez que

    sua coletnea de leis da educao, gestadas ou produ-

    zidas na dcada de 1930, foi organizada a partir dessa

    hiptese. Uma anlise histrica mais profunda leva-

    nos a concluir com De Decca (1988) que 1930 come-

    ou, no mnimo, em 1928, isto , ao escrever a hist-

    ria a partir do silncio dos vencidos, o autor mostra

    como os processos que culminaram com o perodo

    conhecido como ps-revoluo de 1930 apresentam

    razes nas lutas travadas na dcada anterior.

    Como disse Antonio Candido, o movimento de

    outubro [1930] no foi um comeo absoluto nem uma

  • Eurize Caldas Pessanha, Maria Emlia Borges Daniel e Maria Adlia Menegazzo

    60 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

    causa primeira e mecnica, porque na histria no h

    dessas coisas (1989, p. 181). O mesmo autor, teste-

    munha participante desses acontecimentos, nos diz:

    Quem viveu nos anos 30 sabe qual foi a atmosfera de

    fervor que os caracterizou no plano da cultura sem falar de

    outros. [...] foi um eixo e um catalisador: um eixo em torno

    do qual girou de certo modo a cultura brasileira, catalisando

    elementos dispersos para disp-los numa configurao nova.

    [...] Os anos 30 foram de engajamento poltico, religioso e

    social no campo da cultura. (p. 181-182)

    A busca da origem de algumas das disciplinas

    escolares j estudadas no Brasil chegou sempre aos

    anos de 1930 como marco importante. Quer como mo-

    mento de consolidao, como foi o caso da geogra-

    fia, que encontra nesse contexto histrico [anos de

    1930] o palco ideal para se desenvolver cientifica-

    mente e se consolidar enquanto disciplina escolar

    (Barros, 2000, p. 10), da didtica que aparece nos cur-

    rculos em meados da dcada, e da disciplina canto

    orfenico, uma das disciplinas estratgicas 3 do Esta-

    do Novo; quer como momento de profundas inflexes,

    como na histria da disciplina moral e cvica, exata-

    mente por ter sido excluda dos currculos escolares

    nesse perodo (Josgrilbert, 1998). Ou como perodo

    de gestao de experincias que se consolidariam na

    dcada seguinte, como aconteceu com a disciplina

    prtica de ensino, antes ministrada na forma de exer-

    ccios prticos, e que s foi caracterizar-se como dis-

    ciplina escolar, com contedo, professor e horrio de-

    finidos, com a Lei Orgnica do Ensino Normal, em

    1946 (Rauber, 1999).

    Se no final do sculo XIX a construo da ordem

    e a salvao das almas no exigiam dos professores

    nada que eles j no soubessem de bero, dispensan-

    do cursos de formao, provas sobre como ensinar ou

    a disciplina didtica (Pessanha, 2000), na dcada de

    1930 pelo menos parte da sociedade parece ter assu-

    mido a posio de que era preciso dar uma resposta

    convincente, ordenadora, ao movimento renovador dos

    anos de 1920, durante os quais a direo do desenvol-

    vimento no Brasil apresentou algumas possibilidades

    que provocavam temor nas elites (Ianni, 1989).

    A promulgao de leis, decretos e outros instru-

    mentos legais com o objetivo de organizar a educao

    no Brasil; a incluso de algumas disciplinas estratgi-

    cas como canto orfenico e a direo que se procurou

    dar a outras disciplinas parecem ter sido uma tentativa

    de ordenao e outra de colocar em prtica a insero

    da escola no processo de ajustamento dos indivduos

    sociedade, isto , na direo que o movimento vitorio-

    so em 1930 havia escolhido.

    Afirmar que a escola da poca foi o reflexo des-

    sas tentativas de ordenao e inculcao, e que a in-

    troduo da didtica nos cursos de formao de pro-

    fessores, exatamente na dcada de 1930, tivesse sido

    a resposta das elites a esse temor, seria negar a especi-

    ficidade dos processos sociais que se desenrolam na

    escola e a prpria existncia de uma cultura escolar.

    No entanto, a anlise da configurao da disci-

    plina, durante os anos 30 do sculo XX, e dos ma-

    nuais de didtica evidenciou como se tentou impor a

    marca da ordem e do controle (Arajo, 1997). Em

    contrapartida, a criao da disciplina canto orfenico,

    considerada explicitamente uma disciplina estratgi-

    ca, sob a inspirao e regncia de Villa-Lobos, teve

    como objetivo realizar com a msica o que as tropas

    no haviam conseguido: unir multides de brasilei-

    ros cantando a uma s voz, seguindo as instrues de

    um maestro (Feliz, 1998).

    A histria dessa disciplina apresenta caractersti-

    cas bem instigantes: embora a documentao analisa-

    da revele a existncia de, pelo menos, duas posies

    conflitantes em relao ao ensino de canto orfenico,

    apenas uma delas, a de Villa-Lobos,4 oficial e oficiali-

    3 Considera-se disciplina estratgica aquela cujos documen-

    tos legais explicitam os objetivos polticos de sua incluso no cur-

    rculo.

    4 Vale lembrar que Villa-Lobos um dos exemplos mais

    marcantes da cooptao de intelectuais que, de vanguarda nos anos

    20 do sculo XX, passaram a oficiais, sofrendo o processo que

  • Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Revista Brasileira de Educao 61

    zada, parece ter sido colocada em prtica nas escolas

    pblicas. Segundo as anlises de Feliz (1998), a esco-

    lha dos ritmos e andamentos musicais das obras reco-

    mendadas s escolas parecia obedecer a um padro

    que induzisse disciplina do corpo; assim, por exem-

    plo, a escolha do andamento dois por quatro, associa-

    do ao andar, marcha, seria destinada a regular ou

    acompanhar os movimentos de grande nmero de pes-

    soas, principalmente em sentido militar.

    Nesse sentido, as peas escolhidas no deveriam

    apresentar dificuldade para os cantores, deveriam ser

    simples, sem acidentes, sempre iniciando com a pri-

    meira voz e a segunda entrando em forma de cnones.

    Feliz (1998) tambm chama a ateno para uma das

    marchas encontradas no manual de canto orfenico

    dirigido aos professores. A Marcha Escolar, destina-

    da a acompanhar a ida ao recreio, apresenta uma letra

    que fala em alegria, recreio:

    Todos em alas/ Como bons soldados/ Bem perfila-

    dos/ De cabea erguida,/ Posio correta,/ Vamos dois a

    dois/ Em linha certa,/ Todos aprumados,/ E bem ritmados, /

    Caminhemos, pois!/Todos em fila,/ Num alegre bando,/

    voz do comando,/ Marchemos, assim!/ No campo aberto,/

    como bom a gente/ Ir livremente,/ Recrear, enfim!/ Va-

    mos colegas,/ Findo o estudo/ Esqueamos tudo/ Vamos

    recrear/ J marchar, marchar!/ Todos alerta.

    A reconstituio da histria da disciplina geogra-

    fia no Brasil, realizada por Barros (2000), mostrou

    como tal disciplina tambm adquiriu uma funo es-

    tratgica durante o Governo Vargas na divulgao e

    na consolidao de sua poltica nacionalista, quando

    a geografia, dentro e fora da escola, atinge seu mo-

    mento de maior peso e influncia junto ao Estado e

    sociedade brasileira.

    Sem pretender esgotar as possibilidades de an-

    lise que a histria dessas disciplinas oferece, e consi-

    derando os riscos de reducionismo dessas anlises,

    percebe-se em suas histrias traos de uma socieda-

    de que tinha a ordem e a disciplina como valores,

    pelo menos entre as fraes de classe que a dirigiam.

    Valores a serem preservados e cultivados tanto na for-

    mao dos professores quanto nas disciplinas esco-

    lares. Provavelmente para se contrapor desordem

    e anarquia dos anos loucos, dos anos de 1920,

    quando foi possvel o surgimento de movimentos anar-

    quistas, comunistas e modernistas, cabia agora ofi-

    cializar, normalizar, rotinizar, ou reprimir su-

    mariamente, para que nada sasse dos trilhos, para

    usar uma metfora bem cara poca: a de que a so-

    ciedade devia entrar nos trilhos do progresso como

    as locomotivas (Candido, 1964).

    A anlise sistematizada dos resultados das pes-

    quisas sobre a histria das disciplinas escolares, rea-

    lizadas durante os dez anos de existncia do grupo,

    conduziu concluso de que o estudo da histria das

    disciplinas escolares estaria limitado caso se restrin-

    gisse apenas aos processos ocorridos internamente em

    cada disciplina.

    medida que se aprofundava a anlise das his-

    trias das disciplinas escolares pesquisadas, a noo

    de cultura escolar5 foi possibilitando articular essas

    histrias, e a histria da cultura escolar tornou-se o

    objeto de pesquisa do grupo.

    Cultura e escola

    A origem da noo de cultura escolar na qual

    os trabalhos do grupo se fundamentam est, obvia-

    mente, baseada nas concepes de cultura que assu-

    me. Termo polissmico, a palavra cultura vem sofren-

    Antonio Candido (1964) chamou de normalizao e rotinizao

    do que antes parecia estranho e de vanguarda, e que era preciso

    combater.

    5 Ao colocar entre aspas e usar propositadamente uma ex-

    presso to vaga como noo, estamos querendo enfatizar que

    no consideramos cultura escolar um instrumento de anlise, por

    se tratar de um conceito fluido, e que qualquer tentativa de opera-

    cionaliz-lo pode destruir suas implicaes tericas e reduzir a

    anlise da escola procura de elementos isolados que a descre-

    vam apenas na superfcie.

  • Eurize Caldas Pessanha, Maria Emlia Borges Daniel e Maria Adlia Menegazzo

    62 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

    do desgaste de sua utilizao em diferentes sentidos e

    na prpria dificuldade de explicit-la.

    Williams (1992) considera o termo cultura em

    dois sentidos. No sentido antropolgico/sociolgico,

    define o modo de vida global e o sistema de significa-

    es de um determinado grupo; no sentido mais espe-

    cializado, inclui a produo intelectual e as prticas

    significativas (artes, linguagem, filosofia, moda, pu-

    blicidade...). Essa idia aponta para o entendimento

    da cultura como um sistema de significaes realiza-

    do, voltado a abrir [...] espao para o estudo de insti-

    tuies, prticas e obras manifestamente significati-

    vas, mas no apenas isso, tambm para, por meio dessa

    nfase, estimular o estudo das relaes entre essas e

    outras instituies, prticas e obras (p. 207-208).

    Certeau (1995, 1998) analisa cultura como as

    prticas das pessoas comuns, as maneiras de fazer que,

    majoritrias na vida social, no aparecem muitas ve-

    zes seno a ttulo de resistncia ou inrcia em relao

    ao desenvolvimento da produo sociocultural; uma

    cincia prtica do singular que faz dos espaos pbli-

    co e privado um lugar de vida possvel. Um pouco

    mais explcito, Geertz (1978) considera cultura o te-

    cido de significados, expectativas e comportamentos,

    discrepantes ou convergentes, que um grupo humano

    compartilha e constri socialmente.

    Estudioso da cultura escolar, Viao-Frago des-

    creve cultura como um [...] mundo humanamente

    construdo, mundo das instituies e dos signos no

    qual, desde a origem, se banha o indivduo humano,

    to-somente por ser humano, e que constitui como

    que sua segunda matriz (apud Viao-Frago &

    Escolano, 1998, p. 168).

    Considerando que a noo de significado cons-

    titui o elemento fundamental do conceito de cultura,

    este grupo concebe cultura como produto e processo

    que impe significado s prticas humanas, concei-

    to adotado j h algum tempo, e que tem permitido

    ampliar a viso sobre os bens culturais e seus modos

    de produo. nesse sentido, tambm, que poss-

    vel se libertar das vises limitadas que s compreen-

    dem como cultura aquela chamada erudita e afeita

    s belas-artes, em detrimento dos outros modos de

    expresso (Menegazzo, 2001).

    Elemento fundante para o esprito de moderni-

    dade, um dos principais motores de triunfo da mo-

    dernidade (Pineau, 1999, p. 39), a escola tornou-se o

    local de transmisso de saberes, smbolos e valores.

    Nesse sentido, a escola sempre analisada como

    lugar de cultura, como lugar de formao, de repro-

    duo dos valores da sociedade. Williams, no entan-

    to, chama a ateno para o fato de que a metfora da

    reproduo, se forada em demasia, pode dissimu-

    lar os processos essenciais de autonomia relativa e de

    mudana, mesmo enquanto insista de maneira con-

    veniente em um carter geral e intrnseco (Williams,

    1992, p. 184).

    Na mesma direo, Antonio Candido (1971), com

    base nos estudos de Gurvitch, aponta que, numa pers-

    pectiva macrossociolgica, [...] a prpria vida interna

    da escola [...] reelabora, segundo a sua dinmica inter-

    na, as normas, valores, prticas comunitrias, dando-

    lhes uma colorao nova, mas nem por isso alheia ao

    encadeamento geral da sociedade [...] (p. 128).

    Parece claro, portanto, que h uma especificida-

    de na vida interna da escola que autoriza a anlise de

    uma cultura escolar, mas que o uso da expresso cul-

    tura escolar no implica considerar a existncia de

    uma cultura oposta ou desvinculada da cultura da so-

    ciedade que a produziu e foi por ela produzida.

    Cultura escolar como objeto histrico

    O conceito de cultura escolar aparece sempre re-

    lacionado com um espao6 destinado/privilegiado para

    transmisso de conhecimentos e, principalmente, va-

    lores em determinado tempo (Forquin, 1993; Faria

    Filho, 1996; Julia, 2001; Viao-Frago & Escolano,

    1998; Viao-Frago, 2000; Silva, 2003).

    6 As origens das palavras disciplina e didtica parecem tra-

    zer tambm a idia de espao, ptio onde se reuniam estudantes, ou

    lugares (livros, estantes) onde se reuniam as idias (Hamilton, 2001).

  • Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Revista Brasileira de Educao 63

    Nesse espao foi constituindo-se a cultura esco-

    lar, atravs das normas e prticas que definiam os

    valores e comportamentos que seriam impostos e os

    conhecimentos a serem ensinados.

    No entanto, se o espao, ou seja, o lcus, o terri-

    trio comum para analisar a cultura escolar, a sua defi-

    nio como objeto de conhecimento no to simples.

    Para Julia (2001):

    [...] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um

    conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e

    condutas a inculcar, e um conjunto de prticas que permitem

    a transmisso desses conhecimentos e a incorporao desses

    comportamentos; normas e prticas coordenadas a finalida-

    des que podem variar segundo as pocas (finalidades religio-

    sas, sociopolticas ou simplesmente de socializao). (p. 10)

    Considerando que a cultura escolar no se arti-

    cula em torno do conhecimento, mas da possibilidade

    de construo de uma instituio (Faria Filho, 1996)

    cuja construo esteve freqentemente associada a um

    projeto poltico e noo de progresso (Julia, 2001),

    estudar a cultura escolar estudar os processos e pro-

    dutos das prticas escolares, isto , prticas que per-

    mitem a transmisso de conhecimentos e a imposio

    de condutas circunscritas escola.

    Parece claro, portanto, que ver a cultura escolar

    como objeto histrico implica analisar o significado

    imposto aos processos de transmisso de saberes e

    inculcao de valores dentro desse espao. Implica

    tambm definir a transmisso como elemento central

    desse processo, tendo-se cuidado de no fazer exclu-

    sivamente uma anlise ideolgica (idem).

    Segundo o mesmo autor, a constituio de uma

    cultura escolar exigiu trs elementos essenciais: um

    espao especfico, cursos graduados em nveis e cor-

    po profissional prprio. Esses elementos constituem

    a base para a anlise das prticas que permitiram a

    transmisso de conhecimentos e a inculcao de con-

    dutas e valores.

    A anlise da histria da cultura escolar fundamenta-

    se, como qualquer histria cultural, na histria de trs

    elementos indissociveis: os objetos em sua materiali-

    dade, as prticas e as configuraes dos dispositivos e

    das suas variaes.7 Elementos que podem ser recupe-

    rados apenas quando se vai s fontes primrias.

    Para analisar a cultura escolar, preciso analisar

    o conjunto das normas e prticas definidoras dos co-

    nhecimentos que aquela sociedade desejava que fos-

    sem ensinados, e os valores e comportamentos a se-

    rem impostos. Esses elementos nem sempre so

    visveis nos registros oficiais (relatrios, atas, bole-

    tins). Muitas vezes, preciso ler esses registros de

    forma diferente, alm de procurar outros menos for-

    mais, como: cadernos, planos de ensino, livros, pro-

    vas e material didtico em geral.

    Constituem fontes privilegiadas para a anlise da

    cultura escolar: cadernos, exerccios, planos de ensi-

    no, provas e exames, manuais didticos, relatrios de

    inspetores. Importando sempre analisar se, como e

    por quem eles foram usados, procurando as respostas

    para as questes levantadas. Essas fontes no so uti-

    lizadas freqentemente na historiografia tradicional:

    livros, cadernos escolares, provas, exames, fotos de

    formatura, boletins escolares, planos de ensino, atas

    escolares, diplomas, relatrios e depoimentos que,

    normalmente, no so mantidos nem conservados nos

    arquivos pblicos.

    Nunca demais enfatizar que a pesquisa histri-

    ca se alimenta de registros depositados em arquivos

    nem sempre organizados, nem sempre preservados,

    cabendo aos pesquisadores reconstituir prticas so-

    ciais no mais presentes ou ressignificadas nos dias

    atuais. As fontes primrias constituem, assim, o ele-

    mento mais importante para esclarecer lacunas de

    documentos, de memria, ou mesmo para alterar es-

    teretipos cristalizados e reproduzidos ad aeternum

    atravs da utilizao apenas de fontes secundrias.

    Como depositrias de fontes primrias, as escolas

    constituem praticamente um manancial pouco explo-

    rado. As sucessivas legislaes delegaram aos col-

    gios alguns poderes cartoriais, obrigando-os a man-

    7 A esse respeito ver Carvalho e Nunes (1993) e Valente

    (2001).

  • Eurize Caldas Pessanha, Maria Emlia Borges Daniel e Maria Adlia Menegazzo

    64 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

    ter sob sua guarda documentos que, embora tenham

    adquirido um carter de registro legal, podem trazer

    elementos fundamentais para se analisar as prticas

    escolares. Livros de atas, cadastro e termo de posse

    de professores, boletins, dirios de classe, pastas in-

    dividuais de alunos, registro de provas orais e escri-

    tas, so alguns dos documentos que as escolas eram

    obrigadas a manter como comprovantes. Embora um

    certo furor desburocratizante tenha levado muitas es-

    colas a incinerarem, a partir da dcada de 1980, com

    amparo legal, seus arquivos e, mais recentemente, a

    informatizao tenha alterado as formas de arquivar

    documentos, algumas escolas ainda mantm registros

    importantes para a histria da cultura escolar.

    Se escola cabia a guarda de documentos ofi-

    ciais, nem sempre possvel encontrar fontes no-

    oficiais como as provas mensais, os planejamentos

    dos professores, os cadernos escolares, a no ser quan-

    do, por alguma pendncia jurdica, eles se tornavam

    oficiais, como no caso de transferncias.

    Os cadernos,8 por exemplo, so instrumentos

    usados pelos alunos desde o sculo XVI e chamados

    de livro branco no Ratio Studiorum. Mais recente-

    mente, uma pesquisa realizada na Frana pelo Institut

    National de Recherche Pdagogique (INRP) mostrou

    que dentro de duas classes pelo menos uma utilizava

    cadernos desde, pelo menos, 1883, mesmo em esco-

    las consideradas reacionrias para a poca (Hbrard,

    2001). O autor considera que o caderno, tanto por

    sua insero na histria da escola quanto pela preo-

    cupao de conservao da qual ele objeto, certa-

    mente um testemunho precioso do que pode ter sido e

    ainda o trabalho escolar de escrita (p. 121).

    Embora no haja nenhuma indicao sobre a con-

    servao institucionalizada de cadernos escolares no

    Brasil, como ocorre na Frana, pesquisas como as de

    Arajo (1997) j localizaram cadernos escolares bem

    conservados em arquivos pessoais, que se constitu-

    ram em valiosa fonte de pesquisa.

    Gvirtz (1995), baseando-se em Foucault, consi-

    dera que, enquanto dispositivo escolar, os cadernos

    so um conjunto de prticas discursivas escolares que

    se articulam de um determinado modo, produzindo

    um efeito. Esse discurso, produzido na e pela escola,

    mais do que um dispositivo escolar, constitui um dos

    processos e produtos mais significativos das prticas

    escolares, isto , prticas que permitiram a transmis-

    so de conhecimentos e a imposio de condutas cir-

    cunscritas ao espao escolar.

    Ao lado dos cadernos, livros, relatrios, atas e

    outras fontes, oficiais ou no, a constituio do espa-

    o fsico da escola tambm se constitui em importan-

    te fonte para a histria da cultura escolar.

    Os edifcios escolares, como qualquer outro edi-

    fcio, constituem-se como lcus medida que seus

    ocupantes experimentam e interpretam esse espao e

    dele apropriam-se, atribuindo-lhe significados e va-

    lores. Assim, a forma no apenas determina o uso e a

    experincia, mas tambm igualmente determinada

    pelos dois na medida em que interpretvel e, por-

    tanto, pode ser influenciada (Hertzberger, 1996). Des-

    se modo, o homem imprime, primeiro, um carter in-

    dividual nos edifcios que constri, atravs do uso de

    determinado material, forma e outras qualidades, e,

    ento, so esses atributos que passam a exercer sua

    influncia sobre o homem, ou seja:

    [...] sua capacidade de absorver e comunicar significado

    determina o efeito que a forma pode ter sobre os usurios,

    e, inversamente, o efeito dos usurios sobre a forma [...].

    Como as palavras e as frases, as formas dependem do modo

    como so lidas e das imagens que so capazes de suscitar

    para o leitor [...]. A capacidade de absorver significados

    e tambm de abandon-los sem mudar essencialmente, faz

    da forma um portador potencial de significado em suma,

    significvel [...]. (Hertzberger, 1996, p. 150)

    Assim, a produo do espao escolar, como de

    qualquer outro espao arquitetnico, se faz baseada em

    uma linguagem decodificada a partir dos sentidos, ca-

    paz de constituir um discurso que fala sobre o seu usu-

    rio, e, concomitantemente, dialoga com ele.

    8 Em sua origem etimolgica, do latim quatternus, guarda

    relao com quattor, quatro em latim, indicando o nmero de fo-

    lhas desse objeto (Gvirtz, 1995).

  • Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Revista Brasileira de Educao 65

    Viao-Frago (2000) tambm considera que:

    [...] esses lugares e tempos so determinados e determinam

    uns ou outros modos de ensino e aprendizagem. [...] Em

    sntese, o espao e o tempo escolares no s conformam o

    clima e a cultura das instituies educativas, mas tambm

    educam. (p. 99, traduo nossa)

    Espao e tempo constituem, assim, os dois ele-

    mentos-chave para a compreenso da cultura escolar.

    guisa de concluso, uma propostade pesquisa sobre cultura escolar

    Nessa direo, as pesquisas desenvolvidas atual-

    mente pelo grupo vm tendo como objetivo a anlise

    da histria da cultura escolar na cidade de Campo

    Grande, Mato Grosso do Sul.

    Embora o ensino pblico em Mato Grosso/Mato

    Grosso do Sul j tenha sido objeto de importantes

    pesquisas9 cujos resultados servem de base para ana-

    lisar a sua histria, as pesquisas a respeito da histria

    do ensino em Campo Grande, alm de escassas, no

    focalizam a cultura escolar como seu objeto. Mesmo

    as pesquisas realizadas no mbito deste grupo sobre a

    histria das disciplinas didtica e lngua portuguesa,

    apesar de localizarem a histria dessas disciplinas no

    mbito de escolas de Campo Grande, so mais des-

    critivas e apenas fornecem pistas para a anlise da

    histria da cultura escolar nesta cidade (Arajo, 1997;

    Daniel, 2001).

    Segundo os historiadores, a histria da educao

    escolar em Campo Grande comeou a ser escrita em

    1895, com um abaixo-assinado para angariar fundos

    destinados a auxiliar o professor Jos Rodrigues

    Benfica, gacho que participara da guerra contra o

    Paraguai, para que ele continuasse seu ofcio como

    primeiro mestre-escola da regio (Bittar & Ferreira

    Jr., 1999). No entanto, h registro de reclamaes de

    seus representantes de que o desenvolvimento da edu-

    cao, ao sul do estado de Mato Grosso, no figurava

    entre as prioridades dos governos estaduais.10 Motivo

    que levou Arlindo de Andrade, quando intendente, a

    enfrentar a administrao estadual e contratar a cons-

    truo do primeiro Grupo Escolar da cidade, situado

    na avenida Afonso Pena, transformado, posteriormen-

    te, na escola primria mais famosa da cidade: a Esco-

    la Joaquim Murtinho.

    O ensino secundrio, objeto de desejo da classe

    mdia em ascenso (Sposito, 1984, 1993; Pessanha,

    1994), foi inicialmente ministrado apenas em esco-

    las particulares: dois colgios catlicos um mascu-

    lino, o Colgio Dom Bosco, outro feminino, o Col-

    gio Auxiliadora, fundado em 1926 e uma escola

    no-confessional, o Colgio Oswaldo Cruz, aberta na

    mesma dcada.

    A origem do Colgio Dom Bosco foi o Instituto

    Pestalozzi, fundado em Aquidauana, em 1915, por

    Arlindo Lima, transferido para Campo Grande em

    1917, passando a se chamar Ginsio Municipal de

    Campo Grande (por ser subvencionado pela prefeitu-

    ra). A Misso Salesiana adquiriu a escola em 1930,

    mudando seu nome para Ginsio Municipal Dom

    Bosco. Reconhecido por decreto federal de 1934, pas-

    sou a ser denominado Colgio Dom Bosco, em 1948,

    atravs de outro decreto federal.

    Em 1939, Maria Constana Barros Machado pro-

    ps ao interventor Jlio Muller e ao doutor Joo Ponce

    de Arruda, secretrio de Fazenda do Estado, a cria-

    o de um ginsio estadual que pudesse resolver os

    9 Para citar apenas algumas: Saboya Filho (1993), Arajo

    (1997), Alves (1984), Bittar (1999), Corra (1995), Rodrigues

    (1988), Alves (1998), Correia Filho (1969) e Marclio (1963).

    10 Paulo Coelho Machado registra que, com cerca de dez mil

    habitantes, em 1921, a cidade contava apenas com seis estabeleci-

    mentos estaduais com 197 alunos; trs municipais, com 67 alu-

    nos; dois colgios particulares, alm do Instituto Pestalozzi, sub-

    vencionado pela municipalidade, com 306 alunos; a Escola Repu-

    blicana, com 157; e onze escolas primrias particulares, espalha-

    das pela campanha, com 206 alunos. Na cidade, a freqncia total

    era de 727 alunos (cf. Bittar & Ferreira Jr., 1999).

  • Eurize Caldas Pessanha, Maria Emlia Borges Daniel e Maria Adlia Menegazzo

    66 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

    problemas dos que precisavam continuar a estudar e

    no tinham meios de pagar a escola (Machado apud

    Rosa, 1990).

    O primeiro ginsio pblico foi instalado em 1939,

    como resultado de mobilizao poltica dirigida pela

    professora cuiabana11 Maria Constana Barros

    Machado, que hoje d nome escola que fundou.

    As famlias brigavam para colocar seus filhos nes-

    sa escola (Bittar & Ferreira Jr., 1999), que, inaugurada

    com o nome de Liceu Campo-Grandense, funcionou

    no mesmo prdio do Joaquim Murtinho, tendo muda-

    do de nome para Ginsio Estadual Campo-Grandense,

    depois Colgio Estadual Campo-Grandense, sendo

    conhecido simplesmente como Colgio Estadual at

    receber o nome de sua fundadora. Em 1954 foi inau-

    gurado o edifcio onde funciona at hoje, projeto en-

    comendado a Oscar Niemeyer pelo ento governador

    para o Colgio Maria Leite de Corumb, e duplicado

    em Campo Grande (Arruda, 1999).

    A fundao do primeiro ginsio pblico na cida-

    de foi justificada porque muitas famlias no teriam

    condio de pagar para que seus filhos ampliassem

    sua escolaridade. Com um ginsio pblico, o nico

    obstculo seria o exame de admisso: aparentemen-

    te, a disputa por uma posio social deslocava-se das

    posses da famlia para o terreno da capacidade indi-

    vidual.12

    razovel supor que, como em outras cidades

    do pas, essa possibilidade alterou a cultura escolar

    da cidade, afetando inclusive o ensino nas escolas par-

    ticulares, e que a escola em questo tenha se tornado

    uma referncia de educao mesmo para as escolas

    mais antigas, podendo ser considerada a referncia

    mais importante para iniciar a anlise da cultura es-

    colar em Campo Grande.

    Assim como em Belo Horizonte a constituio

    do espao fsico dos grupos escolares como espao

    social da cidade (Faria Filho, 1996) um dos traos

    da cultura escolar da cidade, a mudana da escola

    Maria Constana do prdio do Joaquim Murtinho para

    um prdio projetado por Oscar Niemeyer, considera-

    do pelos historiadores da arquitetura regional como

    o marco da arquitetura moderna local (Arruda, 2000,

    p. 29), provocou alteraes na vida da cidade de Cam-

    po Grande, razo pela qual o estudo de sua cultura

    escolar no pode deixar de passar pela anlise da ar-

    quitetura dessa escola.

    No caso do edifcio do Colgio Maria Constana,

    chama particularmente a ateno o fato de ter sido

    um projeto encomendado para a Escola Maria Leite,

    em Corumb, duplicado em Campo Grande e cons-

    trudo num dos vazios da cidade (Ebner, 1999), entre

    o ncleo central e o Bairro Amamba, primeiro bairro

    da cidade, onde residiam os operrios que tinham tra-

    balhado nas obras dos quartis, e onde se instalou a

    Vila Militar. Segundo a autora, a legislao sobre ocu-

    pao urbana, de 1941, reflete tanto a segmentao

    das funes urbanas quanto das classes sociais.

    As instituies no podem ser analisadas isola-

    damente porque, no decorrer de suas histrias, se es-

    tabelece uma espcie de dilogo entre elas, dilogo

    considerado mais do que uma troca de fala entre os

    interlocutores, como um processo de autoconheci-

    mento e de conhecimento do outro, um exerccio de

    alteridade para a conscincia de si e do outro

    (Meserani, 1998, p. 66-67). A gnese de uma escola

    est, portanto, entrelaada gnese de vrias outras,

    contemporneas ou no. Assim, por exemplo, quan-

    do na cidade de Campo Grande foi fundado um gin-

    sio estadual, j existiam trs particulares. Realizou-

    se, ento, um dilogo interinstitucional, cujos efeitos

    sobre cada um dos estabelecimentos expressaram-se

    em suas prticas.

    11 recorrente, em depoimentos e documentos da poca, a

    importncia atribuda influncia das professoras cuiabanas na

    histria da educao em Campo Grande, na primeira metade do

    sculo XX (Arajo, 1997).

    12 A percepo de que o exame de admisso era um obst-

    culo levou o governador Arnaldo Estevo de Figueiredo a propor,

    em 1948, a criao de um curso de admisso para preparar alunos

    da 4 srie primria para realizarem esse exame, afirmando: O

    curso gratuito e se destina aos filhos dos funcionrios pblicos

    estaduais e de operrios de modestos proventos... (Alves, 1998,

    p. 144).

  • Da histria das disciplinas escolares histria da cultura escolar

    Revista Brasileira de Educao 67

    Quando a diretora desse ginsio estadual, a pro-

    fessora Maria Constana, revela em entrevista que

    Se um aluno se recusava a usar o uniforme, ou se compor-

    tava mal, o castigo eram as cpias. Depois vinham as sus-

    penses e por ltimo as transferncias. Felizmente nunca

    expulsei um aluno. Quando ele se tornava inconveniente,

    incapaz de viver bem com os colegas, depois de cham-lo

    inutilmente para admoestaes e conselhos, dava-lhe a guia

    de transferncia, que lhe permitia procurar outro estabele-

    cimento de ensino, sem interromper os estudos. (Machado

    apud Rosa, 1990, p. 65)

    Cabe uma pergunta: que outro estabelecimento? Cer-

    tamente uma outra escola da cidade, cuja cultura per-

    mitia aceitar alunos como esses.

    Conversas como essa provavelmente sero en-

    contradas na anlise das prticas escolares em geral,

    dos mtodos de ensino, dos livros adotados, dos exa-

    mes e das provas, possibilitando a reconstituio da

    histria da cultura escolar da cidade de Campo Gran-

    de no perodo estudado e da relao entre a histria

    da cidade e a histria da escola.

    EURIZE CALDAS PESSANHA, doutora em educao pela

    Universidade de So Paulo, professora do Departamento de Edu-

    cao da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e do Pro-

    grama de Ps-graduao em Educao da mesma universidade.

    Publicou: Ascenso e queda do professor (So Paulo: Cortez, 1994;

    3 ed., 2001) e, em co-autoria, Histria da cultura escolar atravs

    dos exames: o caso dos exames de admisso ao ginsio (1939-

    1971), na Revista Intermeio (2002, n 16, v. 8, p. 4-15). E-mail:

    [email protected]

    MARIA EMLIA BORGES DANIEL, doutora em lings-

    tica pela Universidade de So Paulo, professora do Departamen-

    to de Letras do Centro de Cincias Humanas e Sociais e dos Pro-

    gramas de Mestrado em Educao e em Letras da Universidade

    Federal de Mato Grosso do Sul. Publicou, em co-autoria, Histria

    da cultura escolar atravs dos exames: o caso dos exames de ad-

    misso ao ginsio (1939-1971), na Revista Intermeio (2002, n 16,

    v. 8, p. 4-15). E-mail: [email protected]

    MARIA ADLIA MENEGAZZO, doutora em teoria liter-

    ria e literatura comparada pela Universidade Estadual Paulista,

    professora do Departamento de Letras do Centro de Cincias Hu-

    manas e Sociais e dos Programas de Mestrado em Educao e em

    Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Publicou

    em co-autoria: Alquimia do verbo e das tintas nas poticas de

    vanguarda (Campo Grande: Editora da UFMS, 1992); Memria

    da arte em MS (Campo Grande: Editora da UFMS, 1993); Estu-

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    Recebido em outubro de 2003

    Aprovado em abril de 2004

  • Resumos/Abstracts

    Revista Brasileira de Educao 209

    self-formation, which allow them to

    reflect on their practice, the creation of

    spaces for exchange and conviviality in

    which individuals can exercise

    criticality, creativity and a

    strengthening of the relations between

    practice/theory/practice, promoting the

    autonomous and systematic exercise of

    their actions, knowledge and powers.

    Key-words: adult and youth education;

    formation of teachers; between-places

    Lcia Velloso Maurcio

    Literatura e representaes da

    escola pblica de horrio integralO artigo apresenta o confronto entre o

    que se depreende da literatura produzida

    entre 1983 e 2001 sobre a escola pbli-

    ca de horrio integral e a representao

    social que usurios e trabalhadores

    construram sobre este tema. Aps an-

    lise temtica da literatura pertinente,

    realizou-se pesquisa de campo em qua-

    tro Centros Integrados de Educao P-

    blica (CIEP) de 1 a 4 srie, localizados

    em bairros populares, para identificar a

    representao social construda por alu-

    nos, pais, professores e funcionrios.

    Nem todas as questes colocadas pela

    literatura foram contempladas no cam-

    po. Entretanto, ficou evidenciada a exis-

    tncia de duas ticas distintas a respeito

    da funo social desta escola e dos fato-

    res mobilizadores para sua demanda. De

    um lado, a representao dos professo-

    res, centrada na necessidade do aluno

    como justificativa para essa escola,

    assemelha-se aos argumentos encontra-

    dos na literatura. De outro lado, a repre-

    sentao dos pais e alunos, centrada na

    satisfao, contempla as idias de lazer,

    futuro e educao.

    Palavras-chave: escola pblica de ho-rrio integral; representao social; ne-

    cessidade x satisfao

    Literature and representationsconcerning full-time public schoolingThis article compares the literature

    produced between 1983-2001 on full-

    time public schooling and the social

    representation that users and workers

    formed about it. After analysing the

    main themes of the relevant literature,

    four Integrated Centres of Public

    Education (CIEP) were selected, in

    working-class districts, in order to

    identify the social representations

    created by their students, parents,

    teachers and administrative staff.

    Although some of the questions raised

    by the literature could not be verified,

    the research indicated the existence of

    two different social representations

    about the full-time public school and

    the demand for it. One of them was the

    teachers view, based on the needs of

    children to justify the maintenance of

    these schools, which was similar to the

    arguments found in the literature. The

    other was the social representation of

    parents and school children and was

    formed around the notion of

    satisfaction, contemplating the ideas of

    leisure, future and education.

    Key-words: full-time public school; so-

    cial representation; needs x satisfaction

    Eurize Caldas Pessanha, Maria Emlia

    Borges Daniel e Maria Adlia

    Menegazzo

    Da histria das disciplinas escolares

    histria da cultura escolar: umatrajetria de pesquisaEste texto reflete sobre a trajetria que

    o grupo de pesquisa Professores e Dis-

    ciplinas Escolares da Universidade Fe-

    deral de Mato Grosso do Sul vem per-

    correndo e sobre como, partindo de

    pesquisas sobre a histria das discipli-

    nas escolares, o grupo chegou ao estu-

    do da histria da cultura escolar. Para

    essa reflexo, so analisados os pressu-

    postos do campo de investigao co-

    nhecido como histria das disciplinas

    escolares, conforme Chervel, e os

    conceitos de cultura e cultura escolar,

    de acordo com Wiliams, Forquin, Julia,

    Faria Filho, Viao-Frago e Escolano. O

    artigo argumenta que a investigao so-

    bre a cultura escolar de uma determina-

    da escola pode conduzir reconstitui-

    o da histria da cultura escolar de

    uma cidade.

    Palavras-chave: cultura escolar; curr-culo; disciplinas escolares

    From the history of school subjects

    to the history of school culture: aresearch trajectoryThis text is a reflection on the

    trajectory that a research group on

    Teachers and School Subjects, from

    the Federal University of Mato Grosso

    do Sul, has been pursuing and on how

    it arrived at the study of history of

    school culture, starting from research

    into the history of school subjects. For

    this reflection we analyse

    presuppositions from the field of

    investigation known as history of

    school subjects, according to

    Chervel, and concepts of culture and

    school culture, as posited by Williams,

    Forquin, Julia, Faria Filho, Viao-

    Frago and Escolano. We argue that

    research into the school culture of a

    determined school can lead to the

    reconstitution of the history of school

    culture in a specific city.

    Key-words: school culture;

    curriculum; school subjects

    Antonio Miguel e outros

    A educao matemtica: brevehistrico, aes implementadas e

    questes sobre sua disciplinarizaoEste trabalho foi elaborado em tpicos

    autnomos para discutir a configurao

    da educao matemtica como rea de

    pesquisa e, num panorama histrico, ex-

    pe e analisa como tm sido implementa-

    dos, efetivamente, esforos para sua con-

    solidao no Brasil. A partir da

    apresentao de alguns elementos relati-

    vos emergncia e organizao da pes-

    quisa em educao matemtica no pano-

    rama internacional (DAmbrsio), ele

    passa a esboar as motivaes e estran-