historia da sociedade em portugal no seculo xv

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HISTORIA DA SOCIEDADE EM PORTUGAL 110 SEOULO X:""l\.T PO& I POP't'J,AÇÃO -ASPECTO DO PAIZ E DO SEU ESTAI>O SOCIAJ.-l'l<:SOS E .MEUII>AS_..:.._IIOEU.A.- 08 IIA\'ERES INDIVIDUAES LISBOA 1903 I j .

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  • HISTORIA DA

    SOCIEDADE EM PORTUGAL 110

    SEOULO X:""l\.T PO&

    ~ECO SOCIAJ.-l'lAS_..:.._IIOEU.A.-

    08 IIA\'ERES INDIVIDUAES

    LISBOA

    1903

    I j

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  • ADVERTENCIA

    O presente volume contm a primeira seclo de uma Hl8toria Social de Portugal no seculo xv, em que tra-balhamos.

    No organismo da sociedade, como elle se achava constitudo durante este seculo, o ultimo da idade m&. dia, opera1am-sc, logo nos principias do subsequente, radica.es alteraes, as qua.es se no podem entender sem o conhecimento do estado anterior: o exame d'este , portanto, uma introduciio indispensavel historia da idade moderna. Era sobre o seculo XVI que tencio-navamos escrever: a necessidade obrigou-nos a re-montar ao precedente.

    Na sequencia da narrativa occorret menlo de um ou outro facto, que no se documenta por ter de ser

    -desenvolvido em outra seco, onde ser devidamente auctorizado. Nenhum, porm, asseveramos, sem haver previamente colligido as provas da sua exactido. Ap6s esta, que destinada a apresentar um conspecto generico da sociedade, e, juntamente, certos factos funda.mentaes da su.a vida economica., o objecto de cada seco ser uma condio social distincta: mas, naturalmente, so todas mais ou menos interdepen-dentes.

  • 6 Advertencia

    Os manuscriptos allegados pertencem todos, salvo alguma excepo declarada, ao Arcldvo Nacional da Torre do Tombo. Quando casualmente succeda que a respectiva referencia se no encontre precisamente no folio citado, achar-se-ha no teor do ultimo docu-mento, ou diviso do documento com sua particular epigraphe, apontados por esse folio. A razo que, antes de comearmos a escrever, tivemos de compen-diar centenas de documentos, e nem sempre julg-mos necessario, ou seria mesmo possivel n'este caso, e quando elles so curtos, o estremar a parte que, do seu contedo, cabe a cada um dos folios, em que so escriptos.

  • SECO I

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    SECO I

    CAPITULO I

    O numero e movimento da populao

    O computo da populao do paiz o primeiro en-cargo do escriptor da historia social. A populao mede a fora e a riqueza das naes.

    Para esta averiguao, as manifestaes da vida social ou economca, que se no traduzem em algaris-mos, so muito fallaciosas. No proprio seculo xv no encontramos, porm, nenhum facto expressado em nu-meros, do qual possamos deduzir com segurana uma estimativa, quo pouco plausvel, da populao. A distribuio por concelhos dos quatro mil e oitocenios bsteiros do conto de todo o reino 1, vigente pelos fins do primeiro quartel do seculo xv no reinado de D. Joio I, de que alguns escript01es se teem servido, no nos fol'Dece nenhuma condio de acerto. Os bs-teiros do conto constituam apenas em cada concelho um contingente, ge1almente determinado pelo costume e muito arbitrario, da fora armada do paiz; e no possumos nenhum dado, que nos habilite a determi-

    t OrtlCRau Aj'OMiftfU, li v. 17 tit. Lx1x, 30.

  • 10 Pop1tlfufio

    nar a proporo entre esse contingente e o resto dos habitantes.

    Antes de apontarmos o fundamento do computo, que adoptamos, comearemos por assentar, que a grande escassez da populao nos fins do seculo XIV transparece dos documentos e das narrativas.

    Conta-nos Ferno Lopes 1 que, em 1884, durante a guerra com Castella, em uma sortida que fizeram os moradmes do Porto contra os castelhanos, armaram-se todos, ''em tanto que, do maior at ao mais pequeno, no ficou nenhum que se no armasse para sair fra ; e assim, com alguns fidalgos e escudeiros estranhos, ''eram por todos, com os da cidade, at setecentos homens. D'este facto se p6de bem inferir quanto havia de ser diminuta a populao de. cidade do Porto. N'esse mesmo anno, segundo elle tambem refere t, um poderoso fidalgo de Braga mandou deitar prego por esta cidade, que todos os moradores se juntassem logo no claustro da S, tanto ecclesiasticos como leigos, para fazerem homenagem ao rei de Castella, sob pena de degredo e de confisco de todos os bens. Claramente devia ser muito exgua uma populao de vizinhos, que, sob to graves penas, se devia congregar toda no claustro da cathedral.

    Em 1436, no conselho reunido por el-rei D. I>uarte para deliberar sobre a expedio contaa Tanger, dizia o infante D. Pedro, ((mas posto caso que passasseis e

    1 Cllronir.a de D. Joo I, parte 1, c. 120. 2 Ibid., parte 1, (', 69. Cf. Chror1ica dP. D. Fernarulo, c. 88.

  • r-

    Populao 11

    tomnsseis Tanger, Alcacer, Arzilln, queria, Senhor, saber o que lhes farieis, porque povo-las com Jeino. tAo despovoado e to minguado de gente, como este nosso, impossiveh 1 Sem dar s palavras do mesmo chronista maior ambito do que elle lhes queria cingir, de notar, que elle no nos offerece a ideia de grande povoado, quando, referindo-se a uma deliberao im-portante, que muito apaixonava os espiritos da cidade de J.Jisboa em 1439, nos falia ceda mr parte d'esta ci-dade junta na camara>> 1

    Na segunda metade do seculo xv so incontestaveis os indicios do augmento da populao. cc Ha dois annos -diz Aft'onso V na carta regia de 10 de julho de 1454 3 - foi-nos representado pelo povo de Lisboa, que, em consequencia do grande numero de atafonas e de aacaes (aguadeiros) que havia n'esta cidade, os servidores, os mantimentos, e as cavalgaduras, esta-vam em grande carestia: por isso prohibimos essas moendas. Agora, porm, attendendo falta de bom po e tambem aos muitos navios e gentes estrangeiras, que

    t Ruy de Pina, Clmmica. de ]). Dual'te, c. 19. 2 CAronica de D. .ff0fl80 V, c. 86. 3 .E.tretnadura, liv. vu, fl. 298.- Estes livros da Estremadura, Alem-

    Douro, Beira, Odiana, ~listi

  • 12 Populao

    sobrevm dieta cidade, revogamos a defesa. Este mesmo rei retornou, em 14 72, ao arcebispo e cabido

    de Braga, no muito a contento d'elles, a jurisdico temporal da cidade, de que seu av fizera o extremo por se apoderar, e recobrou as casas e logeas de Lis-boa, que tinham sido o preo da cedencia, simples-mente porque o rendimento d'estas havia augmentado . Foi elle tambem quem retirou primeira ordem dos bsteiros dos concelhcs, os aquantiados em cavallo, o privilegio de no pagarem jugadas, porque assim se perdia para o fisco a mr parte d'ellas '; signal de que avultra o numero dos proprietarios afazendados em todo o reino.

    Nas crtes de Coimbra de 14 72, quer dizer, no anno seguinte ao da conquista de Arzilla e Tanger, e quando as ilhas da Madeira e dos Aores progrediam em arro-teio e cultivo, e, portanto, em numero de emigrantes, queixavam-se os concelhos do 1eino do grande retar-damento dos processos nas casas do Civel e da Sup-plicao pela multiplicidade das demandas, devida ao c~escimento da populao 3 : e propunham um an-gniento das mesas de juizes.

    Em um oramento das despesas do Estado para o anno de 1478, elaborado, segundo julgamos provavel, pelas crtes de Montem6r-o-Novo celebradas no anno anterior, se presuppe como facto indnbitavel o au-

    t Vide o capitulo seguinte. 2 Ordmaes Mamteliflal, liv. n, tit. xvr, 16. J Pelos feitos serem muitos, a deus louvores pela jemte creceer em

    vosos Regno&. C6rtes, mao 2., n. 14, fi. 75.

  • -

    Populat;tio

    gmento de receita tesultante do

  • 14 Populao

    somma total do seu rendimento nos dois annos de 1480 e 1481, produziam ellas, em mdia por anno, oitocen-tos e trinta e oito moios de trigo, setenta e quatro

    toneis de vinho, e seiscentos e sessenta e cinco mil setecentos e quatro reaes em dinheiro 1 Posterior-mente, em nove annos, de 1493 a 14H9 e de 1603 a 1504, as jugadas do mesmo almoxa.rifado importaram annualmente em seiscentos e seRsenta e quatro moios de trigo, sessenta e oito toneis de vinho, e duzentos c vinte e tres mil setecentos e sessenta e seis reaes, re-sultantes da venda de cereaes'. Avaliando-se um moi o de trigo em mil e oitocentos reaes3, foi, n'este ultimo periodo, o rendimento total do imposto n'este geneto de setecentos e oitenta e oito moios. Como resultado final, em cincoenta annos, a cultura dos cereaes tinha quasi duplicado, e a cultura da vinha diminudo por mais de metade.

    Os vinhos de Sautarem no gozavam de boa no-meada 4 Eram de seu natural inclinados a azedar: S. Frei Gil era ahi o advogado contra esta molestia ;; . Os proprios agl'icultores indirectamente nos deixaram d'isso testemunho. Nas crtes de 1481 o povo de San-

    1 Estremad~tra, liv. lU, fl. 130. 2 Estremadura, liv. 18, fl. 195. 3 Vide adeante o ~ap. v. ~ Em 1522 diz Gil Vicente:

    Os de Obidos e ~antarcm

    Dem-ll1es de tanta pancada C'omo de maus vinhos tem.

    (Li v. v, Das obras varias: Prantos de Maria Parda). ~ Sousa, llixtoria de S. 1Jomi11gos, Iiv. n, c. 86.

    \ I

  • Populallo l

    tarem carpia-se, em capitulos especiaes, do procedi-mento dos rendeiros das jugadas. rrodos 08 que lavram vinho n'este termo -diziam elles- pagam jugada, mas os rendeiros recusam receber o vinho bica do lagar, e ob1igam a encub-lo; vm por elle, quando querem, e fazem-no pagar maior valia em dinheiro, ainda que o achem mau, ou vinagre, de modo que, por um almude, levam o valor de tres: assim no querem os lavradores plantat mais vinhas, e deixam perder as existentes. No , pois, de estranhar que di-minuisse em Santarem esta cultura, medida que no paiz se arroteavam outros terrenos que lhe eram mais propicios. O vinho superabtmdava em Portugal, e era um artigo de exportao ; no assim os cereaes, que apenas bastavam ao necessario: a substituio d'esta lavoira vinicultura denota um augmento de procura e de consumidores de po. Santurem, ao mesmo tempo que apontaya a diminuio da cultura vinicola, teste-munhava, nos referidos capitulos, a prosperidade da sua produco cerealifera, por isso que se denominava a si propria como uma uviJla que a frol do po des-tes reinos.

    Apontaremos algumas noticia!-~ desnltorias, que de per si s6 nenhum prestimo teriam, mas que so de molde a auctorizar os tesremunhos genericos, qut temos relatado.

    Na regencia do infante D. Pedro, e no reinado de Affonso V, o Estado augmentava a cultura das suas

    l {:UJJtuloB de Nafll.arem, CllaJiceUaria de JJ. Joo II, liv. m, fl. 8. Vide os Docummlos illUBtratitoB, no fim d'eate volume.

  • 16 Populao

    propriedades pelo arroteamento de maninhos e seca-mento de brejos 1

    No proprio termo de Santarem, a povoa do Cartaxo que pretendia isentar-se da jurisd.ico d'essa villa, allegava, em 1458, ao rei em favor do seu requeri-mento, que no havendo ali, no tempo de D. Joio I, mais de seis fogos, agora se numeravam mais de no-venta!.

    Ferno Loureno Ribeiro, cavalleiro e escrivo da camara de D. Joo II, representava em 1484 a este monarcha, que era possuidor no reguengo das Chantas, em termo de Santarem, de um valle maninho, a que chamam o valle de Cabreiros, bem como de outras tenas bravias, que elle pretendia arrotear em lavouras de cereaes e azeite: e, em razo do dispendioso d'este emprehendimento, pedia que do trigo no fosse obri-gado a pagar mais que um por nove alqueires, e do azeite o qu~nto: em abono citava o precedente de outros que, em caso igual, haviam alcanado de el-rei D. Af-fonso V este beneficio3 O requerimento foi deferido. No resta, pois, duvida de que no concelho de Santa-rem progrediam a agricultura e consequente povoa-mento. A populao no tem outro limite seno o da subsistencia: progresso de lavoura e progresso de po-pulao so termos identicos.

    de presumir que a melhoiia se estendesse a toda

    I Bulias de 17 de junho de 1452, em Rebello da Silva, Quadro ele-mentar da8 relailu dijJlomatictu, tomo x.

    2 Eltremadura, liv. x, fi. 232. 3 E.mmadura, liv. xm1 fl. 198.

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  • Populao 17

    a provncia da Est1emadura. Assim positivamente o affirma o concelho de Torres Novas em relao ao seu proprio alfoz. Raras vezes os povos, nas suas relaes com o governo, blasonam da sua crescente prosperi-dade; so pelo commum ptopensos a lamentaes, excepto quando as conveniencias lhes aconselham o contrario. Em 1498 os captulos em cOrtes do muni-cpio de Torres Novas declaram que a '\erra se tem continuamente povoado, de sorte que se extinguiram os porcos bravos e os veados nas matas da serra de Aire e de Boquilobo; e, porque n'essas matas ha muita madeira necessaria para os lagares de azeite, que continuamente se constroem, pedem o descouta-mento dellas ; o que lhes foi concedido '

    Quando se pesquisam na historia indcios do desen-volvimento do paiz, so-nos elles subministrados com mais seguro testemunho pelo alargamento de locali-dades insignificantes, desprovidas de incentivos de re-sidencia, do que pelo engrandecimento de cidades e villas, que oft'erecem maiores commodidades de vivenda, de ganho e de prazer. Assim pelo que succedia com os logares do Alemtejo, que vamos mencionar, se p6de com verosimilhana fazer conceito da expanso dos outros n'essa regio.

    Nos fins do seculo XIV a Vidigueira era um logar de cento e cincoenta vizinhos 1 : um seculo depois, pelo censo de 1527, de que nos temos de occupar, o nu-

    I E.tremadura, liv. x, ft. 288. z Fernlo Lopes, Chronica de D. Jollo I, parte u, c. 188.

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    18 Populao

    mero destes tinha-se elevado a trezentos e vinte e sete, mais do dobro.

    El-rei D. Fernando separou o logar de M.ontargil do termo de Santarem, erigiu-o em villa, e o doou a Ruy Pereira, alcaide do castello de Santarem 1 Havia ahi, pois, uma povoao. Mas veiu a desapparecet, prova-velmente pela devastao da guel'l"a com Castella, por-quanto, em 1449, por carta de 8 de novembro, Af-fonso V privilegiou trinta homens que viessem para ali morar, attendendo a que o sitio est em monte ermo, afastado de habitao, e logar caminhe.iro. Em 1487 tinha-se ali de novo formado um municpio, visto que essa carta confirmada. por D. Joo II ao

  • Populao 19

    annuido a contl'buil com a sua quota 1 Lagos evidenM temente crescia em riqueza, e de suppor que tambem em populao.

    Um facto que, no seculo xv, dava motivo a justos queixumes, lana um raio de luz sobre os progressos da populao em Portugal. Nos mais remotos tempos da monarcbia havia ella de ser extremamente rara. Nos logares acastellados, e todos de alguma importanM cia o eram, a populao christ, primitivamente, residia toda dentJ.o dos muros da alcaova. No seculo xm j ella irrompra para fra desse recinto, ao qual, para proteger a area extrajacente, se ajuntava em algumas dessas terras uma nova crca; esta por seu turno era ultrapassada pelos moradores. O governo procurava reter os habitantes no perimetro das muralhas, porque assim lhe convinha para o mais facil exerccio da sua auctoridade, sobretudo na percepo dos impostos. Mas debalde. Para aquelle fim concediam-se-lhes pri-vilegios especiaes. D. Affonso III desob1igava os mo-radores da almedina de Coimbra do servio militar, e da anduva, ou trabalhos de fortificao : j San-cho I tinha outorgado igual privilegio aos vizinhos da alcaova de Lisboa 1 Estas vantagens eram inef-:ficazes. Em 1375 D. Fernando, o qual foi um dili-gente reparador dos castellos, e fundador de novos ambitos de muralhas, no s em Lisboa, como em outras terras 3, conferia aos moradores de Coimbra,

    t Oha11Cellaria de D. Joo II, liv. x, fi. 114. Vide 01 Documento. iUu-trati'008.

    2 Herculano, Historia de PMtrlflal, tomo JV1 liv. nu, parte m. J Fernilo Lopes, OhrC~Ricu de D. Fernando, c. 88.

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    20 Populao

    que habitassem adentro da crca, a valiosa preroga-tiva de nilo pagarem nenhuns impostos de sisa 1 Nas crtes, que o infante D. Pedro reuniu em Torres Ve-dras em 1441, os procuradores de Lamego affirmavam que antigamente a mr povoailo era dentro dos mu-ros da cidade, e por ser ahi m a servido, diziam elles, fra a gente gradualmente deslocando-se para o arra-balde, de feilo que, havendo ali outrora at duzentos moradores dos melhores e mais ricos, agora no ha mais de trinta. Pediam elles que, para o effeito dare povoao, os habitantes do bairro interior fossem isen-tos do encargo de bsteiros do conto: o que lhes foi deferido'. O moYimento de transvasio era irresistivel, com quanto o governo continuasse a envidar todo o empenho para o cohibir. A parte de Leiria, includa na velha c1ca, dizia a carta regia de 20 de maro de 1518, vae-se despovoando, e at a muralha est j damnificada: ao peo, que for morar para dentro, damos os privilegio~ de escudeiro, e ao escudeiro os de cavalleiro, no ficando, porem, isentos da jugada 3

    Deste movimento de dilatalo para f6ra de um nu-cleo primitivo derivava o aggravo, que dava motivo lis queixas do povo, formuladas pelas crtes de 1481 em termos que demonstram que elle se tomra intole-ravel. Representavam ao soberano, que muitos Jogares gozavam do antigo privilegio de que as dignidades municipaes s6mente podessem ser exercidas pelos que

    t Eltremadura, liv. u, fl. 18. I Clumcellario. de D . .A.jfonBO V, liv. n1 ft. 87. I Etremaura, liv. lW1 fl, 29.

  • Populao 21

    habitassem adentro dos muros: com o tempo tinham-se formado gtandes arrabaldes, cujos habitantes sof-fl'iam mal a sua excluso das magistraturas conce-lhias, d'onde procediam continuas brigas entre as duas ordens de moradores ' Porfiando na tradicional poli-tica, o monarca revidou que se nlo podia estabelecer uma regra generica; que lhe fossem, pois, apontadas em particular as localidades que padeciam o gravame.

    Do conjuncto de todos os factos apontados inferi-mos que, por todo o seculo xv, a populao do reino foi sempre em augmento, semelhana do que succedia em outros paizes '. Mas este augmento foi necessalia-mente muito lento. A expanso da populao em nos-sos dias, durante o seculo XIX:, a qual em algumas naes mais que duplicou, e em todas remontou no longe desta proporo, um phenomeno extraordina-rio e peculiar deste seculo 3 Anteriormente o ascenso era muito vagaroso. No seculo x:v, e em toda a idade mdia, a causa mais effectiva deste retardamento devia de ser a peste. Nos sessenta e quatro annos, de 1432 a 1495, Portugal nlo esteve immune dos ataques

    1 Outroay Senhor allguua lugarea antygamente pera milhor aeerem poboradoa ouverom privillegio que 01 que nam viveaem dos muros ademtro nam foaem Juizes nem vereadores nem procurador nem almo-tace e deapoia oa di toe lugarea foram bem pobrados e ae fezeram gram-dea arrabal1dee em que vivem muitos e homrrados homea e ha antre ellea deferenaa e bandos: Veede Senhor eomo seria rrazam que em lixboa e em aamtarem nl ouvesem de teer os taea oficioe aenam 01 que vivem naa allcacevu a demtro: Crtu, mao 3.0 , D. , fi. 44.

    z Por enmplo, em Inglaterra : Thorold Rogera, HiMo'1J of gricul-lllre aad price in England, vol. Iv, Introduclo.

    3 Cf!fllo dt~ populao em Ponugal, de 18901 Introduclo, p. 66.

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  • 22 Populaao

    \ geraes ou parciaes d' essa epidemia, seno vinte e dois annos, nos dezasseis que se contam de 1441 a 1456, e a mais nos seis que vil.o de 1458 a1463. Em se-gundo logar as fomes, muito frequentes, haviam de causar grande mortandade. N'um paiz, que derivava quasi toda a sua riqueza da agricultura, com a diffi.-culdade de transportes, no s6mente do estrangeiro, mas ainda dentro do proprio territorio, e dado o con sumo total das colheitas sem reserva para os annos seguintes, qualquer intemperie das esta15es produzia logo uma deficiencia insupprivel de subsistencias.

    Quando, pois, signalamos o crescimento da popu-lao no decurso do seculo xv, no queremos dizer que ella progredisse uniforme e igualmente por toda a su-perficie do paiz. Haveria localidades, que fossem mais cruelmente aoitadas por aquelles flagellos, e em que a populailo descesse temporariamente. Uma carta regia de Affonso V, de 27 de maro de 14491, refe-ria-se, provavelmente, a um caso semelhante. Mem de Brito, fidalgo da nossa casa, -. diz este diploma-nos repte~:~enta que elle tem umas terras em termo de Aveiras de Baixo, no valle da Pedra, crca de Santa Maria das Virtudes, que sempre foram aproveitadas por caseirod, que n'ellas moravam, e haver certos annos, que se vieram a despovoar, como succedeu a outras muitas terl'as, po1 mingua de cultivadores; e

    t Pina, Chf'Oflicu de D. Duarte, D. AjfORMJ V, D. Joo II, nos res-pectivos annos; Gama Barros, Historia da administrao ptlblica, tomo n, cap . .un.

    z EIICremadura, liv. vm, fi. 227.

    l I

  • Populao 23

    agora alguns lavradores comarcos lhe mettem ali seus gados, sem nada lhe pagarem. Elle nos pede re-medio. Mandamos que os ditos vizinhos lhe lavrem eBSas herdades de dois ferros, e, quando o no quei-ram, lhe pagaro por cada cabea de gado vaccum que ahi for encontrada, a coima de um 1eal, e, por outro gado, meio real.

    Em 1450 o mesmo rei concede a outro :fidalgo da sua casa, Joo de Gouveia, que, visto como a sua quinta do Colmeal das Donas mui despovoada por mingua de achar para ella povoadores , seja coutada para trinta homisiados, com tanto que o crime no seja aleive, nem traio 1

    O mosteiro de Santa Cruz sollicitou, em 1458, li-cena regia para dar de sesmaria certas aldeias e Joga-res em muitas partes do reino, e herdades, terras, matos e maninhos, de que elle tem o senhorio, e que no so aproveitados, mas jazem em mortorio. O rei annuiu 1

    de advel"tir que a diminuio occasional de mora-dores em algumas terras no significa necessariamente diminuio da populao total do paiz. N'aquelles tempos era menos intenso o amor da :fixidade seden-taria, criado pelo costume e pela civilizao, que en-raiza o lavrador no solo da sua herdade; a imaginao mais irrequieta, mais vivo o prazer da vida errante, odiosa a vida monotona, mai01 a averso ao trabalho. Quanto aos caves e braceiros, cuj~ nubimento era

    1 Eatremad"ra, li v. 8, fi. 21)7. Z Eatrr.madura, liv. IV, fi. 256.

  • 24 Populao

    precario, miseraveis as alfaias dmesticas, a habitaio uma barraca de madeira, nada mais facil e frequente que a mudana de domicilio.

    D. Joo I dirigiu, em 1392, uma carta aos juizes de Arronches, em que lhes diz ter chegado a seu co-nhecimento, que a villa se despovoa, e se vai embora a gente pobre, que a ella vem morar, por causa do cumprimento da ordenao, ultimamente feita pelas c1tes de Viseu 1, constrangendo morada e ao servio os jovens de ambos os sexos, pelo modo do antigo cos-tume; em virtude do qual os ricos e poderosos da villa demandam os pobres para seus serviaes. Deter-mina, portanto, que a dita ordenao se no execute em Arronches. Mandamos -conclue o rei- que cada um viva sua vontade, e no seja obrigado a m01ar com nenhuma pessoa, por qualquer f6rma que seja'.

    Tambem, em 1409, o concelho de Mouro se ag-grava ao mesmo rei, de que a villa se despovoa por mingua de servidores: logo que alli apparecem alguns, os juizes e alcaides os constrangem por alvars para servirem a certas pessoas. Manda o rei que ninguem seja forado a viver com pessoa qualquer, por pode-rosa que seja 3

    lagar de Podentes se despovoa -diz Affonso V em 145 7 - porque tem de dar dous bsteilos do conto: passem-se estes para Miranda, que maior povoao" '.

    1 Veja-se essa ord~alo nas Ordenagu A.ffonliruu, liv. n, tit. ut:a:, S. e seguintes.

    z Odiana, liv. vt1 ft. 282. l Odiana, liv. u, ft. 295. t Estremadura, liv. u, ft. 167.

    l I

  • Populao 25

    Nas crtes de 1490 um dos captulos especiaes de Torres Vedras enunciava o pedido de que o numero dos bsteiros do conto baixasse de trinta, que so, para vinte. A povoao da villa, asseverava-se ahi, muito menor que antigamente: principalmente porque el-rei D. Affonso V determinra, para augmentar o

    rendimento da jugada, que cada lavrador arasse, com quantos bois, e quantas terras quisesse, no pagando ao todo mais de vinte alqueires de jugada: d' onde muitos se deram lavoura, e nilo ha quem sirva para bsteiro do conto; os que ha so taes, que o anadel-m6r prefere no os arrolar. O rei assente 1 Estes la- ' vradores improvisados por sem duvida que abandona-riam a sua nova occupao com a mesma facilidade com que a tinham tomado.

    A guerra o agente mais destructivo da populao. Nos povos jovens e vigorosos, a perda de vidas, cau-sada pela fome e pela peste, rapidamentts reparada .. Mas a guerra no s destroe as vidas, mas o poder reproductivo; porque elimina sobretudo, nas batalhas e nas fadigas da campanha, os que esto na plenitude da vil'ilidade. A assoladora guerra da indep~mdencia, sustentada no seu territorio por Portugal contra Cas-tella e parte dos seus proprios naturaes, partidarios do rei estrangeiro, ceifou innumeras existencias, e de certo que atrasou o movimento da povoao. Os effeitos ainda se sentiam mais de cincoenta annos depois da sua te1minao. Os captulos especiaes de Pinhel nas

    t CAanceUaria de D. Jollo II, liv. xm1 ft. 1441 e o Novo Foral de Torres Vedras.

    I

    l l

  • 26 Populallo

    crtes de 1459 apontam que, no tempo de D. Joio I, s6 no arrabalde viviam rl'lais de quinhentos homens, e hoje, pela assolao da guerra, na villa e no arrabalde demoram pouco mais de duzentos 1 Crca de vinte annos antes, quando os est1agos deviam ser ainda mais perceptveis, affirma o concelho de Penamacor, que na villa e seu termo no existem mais de cento e quinze Yizinhos, onde i houvera mil e cem a mil e duzentos' Estes Jogares so junto da fronteira, e, por isso, mais sujeitos desolao. Mas n'esta mesma data Setubal declara que tem crca de quatrocentos vizi-nhos, e que j contra setecentos 3

    A guerra da independencia. tetminou de facto em 1399, tendo durado dezasseis annos. Desde ento, af6ra o espao de quatro annos, de 1475 a 1479, oc-cupados pela guerra da successo com Castella, e em que o nosso paiz foi, a m6r parte do tempo, o invasor, e no o invadido, Portugal esteve isento dos males da guerra estrangeira, e tambem das refregas e bandos c i vis, com excepo da breve atTemetida, que teve o seu desfecho em Alfarrobeira.

    Cremos, portanto, que do complexo de observaes, que havmos expendido, se p6de concluir, que, desde o anno de 1399, em que foram firmadas as treguas, que de feito poseram fim guerra com Castella, a ppulao do paiz cresceu, durante o seculo xv, len-tamente, mn~ sem intcrtupo de continuidade.

    I Btira, liY. n, fl. 217. 2 Btira, Jiv. u, fl. 103. l Odiana, liv. Yl1 fi.. 134.

  • Populao 27

    'fodas as precedentes noticias so de exguo pro-veito sem o conhecimento de um algarismo, que sirva de craveira para um aproximado avaliamento nume-rico. Como d'esta epoca no existe nenhuma contagem dos habitantes, nem conhecemos facto social, do qual eJla se possa deduzir, temos que recorrer. primeira resenha da populao realizada em Portugal. Foi estn feita em 1527, por ordem de D. Joo III. Conhecido o numero da populao n'este ultimo anno, poderemos, no com uma preciso absoluta, que nem mesmo se p6de esperar nos mais perfeitos recenseamentos mo-demos, mas com uma solida garantia de no nos ttantl-viaremos para mui longe da realidade, deduzir a somma aproximada dos habitantes, trinta e dois annos antes, ao tempo do fallecimento de el-rei D. Joo II em 1495.

    Em 17 de julho de 1527, D. Joo III expediu de Coimbra uma carta regia a cada um dos corregedores das seis provincias, ou comarcas como ento se desi-gnavam, em que se dividia o reino -Trs-os-Montes, Minho, Beira, Estremadura, Alemtejo e Algarve-em que lhe preceituava, que fosse encarregado um es-crivo da 1espectiva correio de fazer o anolamento de todos os moradores da provincia; indicava o pro-cesso que o mesmo escrivo havia de seguir; prescre-via a todas as auctoridades locaes a obrigao de lhe prestar o auxilio de que elle carecesse. O escrivo irilt pessoalmente a cada uma das cidades, villas e Joga-res, e ahi assentaria quantos moradores ha no corpo da cidade ou villa, quantos nos arrabaldes, quantos no termo; havia de especificar por seus nomes quantas aldeias no dito termo, quantos moradores em cada uma

  • 28 Populao

    d'ellas, e bem assim quantos vivem f6ra das megmas, em quintas, casaes e herdades; tinha de escrever quantas leguas tem de termo a area de cada concelho, e com que outros logares confina. Nos proprios Joga-res privilegiados, onde no entrava o corregedor, seria feito este recenseamento. O rei recommendava a ma-:xima diligencia, e ordenava que, logo que fosse con-cludo, lhe fosse enviado o caderno, cerrado e sellado.

    O censo da populao do Minho 1, effectuado no mesmo anno de 1527, o mais desenvolvido: -um documento historico de alta valia, no s pela enume-rao dos habitantes, seno que tambem incidente-mente nos d noticia de muitos factos da vida social, que na devida occasio aproveitaremos. Limitando-nos ao resultado geral, o recenseamento apresenta n'esta provncia a conta de cincoenta e cinco mil e noventa e nove fogos'. O recenseador, tomando sobre si um trabalho, que lhe no era imposto pelas iustruc5es da carta regia, registou af6ra parte os mancebos sol-teiros de dezoito a trinta annos ; ascende a totalidade d'elles a trinta e oito mil.

    O recenseamento da provncia de Trs-os-Montes3

    foi smeote levado a effeito em 1530, por expedio de novas ordens do rei. uma excepo, todos os

    t Gaveta 15, mao 24, n. 12. :a No ms. encontram-ae, em doia Jogares, addies desiguaes: a de

    55:010 e a de 55:766. uma dift"erena de 756 moradores. Exactidlo aritbmetica nos documentos d'esaes tempos quasi uma maravilha. Ti-vemos, pois, de fazer a addio total du sommu parciaea de todas as localidades, o que nos deu o algarismo que consignamos.

    3 Armario 17 do lmr:rior a caaa da coroa, Iiv. 44.

  • Populao 29

    outros foram acabados em 1527. Por elle se v que es~ provncia comprehendia aquella parte entre o Douro e o Tamega, que hoje geralmente se attribue ao Minho; findava na confluencia d'aquelles dois rios.

    A somma de todoR os vizinhos de Trs-os-Montes de trinta e cinco mil seiscentos e dezaseis. N'este nu-mero o arroJador entendeu dever destrinar o estado civil das mulheres com morada independente. So viuvas cinco mil trezentas e setenta e seis; solteiras, que vivem sobre si, com fazenda ou sem ella, umas honestas, outras que o no soJ dois mil cento e quatro. No mesmo numero total se comprehendem tambem seiscentos e quatorze clerigos e abbades: mas no se contam os f1ades.

    O censo da provncia da Estremadura 1, af6ra Lis-boa e seu termo, enumera. quarenta e oito mil trezen-tos e setenta e oito moradores. O de Lisboa, feito por Henrique da Motta, esc li vo da camara., perdeu-se : mas uma ementa, escripta no censo da Estremadura, declara que elle apurou na cidade treze mil e dez fogos 1, e, no termo todo, quatro mil e vinte e quatro. A somma total dos moradores da Estremadura , portanto, de sessenta e cinco mil quatrocentos e doze. E de notar que esta provncia se estendia at Villa da Feira inclusivamente, e comprehendia, alem da area que vulgarmente hoje se lhe attribue, com exce-

    1 Armario 17 do Itaterior da casa da coroa, liv. 47. a Gaepar Barreiros, que compulsou o ceDBO da cidade, e conversou o

    eacrivio, cwufirma o numero doa fogos apurado : foram trese mil e trinta, cfu: elle. ChorograpAia, Coimbra, l61, p. M.

    ,

    -! ! I I

  • 30 Popula4o

    po da parte transtagana, em geral todo o districto de Aveiro, Coimbra e aquella parte do seu districto, que correm entre o mar e o meridiano d'esta cidade.

    O recenseamento completo do Alemtejo, que contm dados do maximo valor para o regmen da proprie-dade d'aquella regio na epoca, a que se refere, e o recenseamento da Beira, desappareceram do Archivo Nacional antes do anno de 18 14, em que se deu pela sua falta 1 : encontram -se hoje no Museu Britannico 2

    A comarca de Entre 1,ejo e Guadiana, como ento se nomeava a provincia do Alemtejo, comprehendia todo o territorio entre o Tejo e o Algarve. Foram ahi contados quarenta e oito mil oitocentos e quatro mo-radores 3

    Na Beira, que abrangia as duas modernas divises de Alta e Baixa, foram arrolados sessenta e seis mil e oit-ocentos moradores 4

    I Joio Pedro Ribeiro, Nor:o additamerato a Memoria~ IObre o Real Arckir:o, naa Rl'jlexiieB hiBtoricas.

    2 Ali os examinmos. Os doia reeenstlamentos formam o ms. n.o 20:959 da collecio denominada Additior1al MatiUBCI'pt. Ao recenseamento da Beira faltam os trinta primeiros folio1. O do Alemtejo estl\ inteiro. No Archivo Nacional ha um recenseamento pa1eial, relativo s terras d'eata provncia, cuja jurisdico nio fta alienada, no armario 17 do Intffior do. caa da coroa, liv. 48.

    3 uEm todos os vz." damtretejo e odyana como vai neates its acima coremta e oyto mil oyto cemtos e quntrou: Addit. Mas. do Museu Bri-tannico n.0 20:959, Comto do numero da gemte que ell Rey nosso se-nhor mandou que se contaase na comarqua dantre Tejo e OdianR.

    I oAqui sacabam as cidades villas lugares da comarca da Beyra na ql. amtre cidades villas e lugares que tem jurdiio ha duzemtos e cin-coenta e seis concelhos entrando bouzella e bolfeiar

    i .i LVI noa quaea vi vem sessenta e seia mill e oyto eemtos moradores. Citado ma. do Museu Britannico.

  • '

    31

    Do recenseamento do Algarve no nos resta noti-cia 1: mas no ha duvida que elle foi executado. Um documento de 1535' declara o conto de vizinhos de todos os concelhos, que teem assento em crtes, o qual exactamente copiado dos recenseamentos, de que temos dado conta: e ahi vem enumerada a popula-o dos respectivos concelhos do Algarve. A informa-o do documento abrange todos os concelhos d'essa provincia, quer dizer, Castro Marim, Tavira, Faro, Loul, Albufeira, Silves, Lagos, com excepo dos in-significantes de Aljezur, com um pequeno termo, e Villa do Infante, Portimo e Alvor, que nenhum tinham 3 A populailo total d'aquelles concelhos fixada pelo referido documento em oito mil trezentos e tl'inta e tres fogos: a dos outros oramos ns conjec-turalmente em quatrocentos e sessenta e quatro' D'onde resulta para o Algarve uma populao de oito mil setecentos e noventa e sete moradores.

    Em 1527 era, portanto, a somma total dos fogos

    t Joio Pedro Ribeiro, Rtjlt:Iiiu hiltorica, parto n, n. 1. I Armario 26, mao 8.0 , doe. 2, e transcripto em Visconde de Santa-

    rem, Memoria para a hiltoria 00. c8rtt, parte 11 Additamentos. J Que eate era o numero total dos concelhos v-se de OdiaM, liv. u,

    fi. 61 e liv. v, fl. 97. Eate ultin1o diploma menciona tamb11m Odemira, maa eata villa foi comprehendida no Alemtejo no recenseamento de 127.

    4 Tomando igual proporo que ezistia, em 1732, entre o numero de moradores d'esaes pequenos concelhos e o do reato do Algarve -997 e 17:876,- segundo o recenseamento em Silva Lopes, Chorographia do lganH", c. . Como a villa de Sagres nlo vem ahi eapeciBcada, tom'-moa os 150 fogos de uma que lhe havia de ser igual, a prozima Villa do Bispo. Esta conta hypothetiea pouco altera o resultado total; e todas eataa avaliaes alo podem ser mais que apro:limativu.

  • 32 Populacio

    em todo o reino de duzentos e oitenta mil quinhentos e vinte e oito. Dando a cada um d'estes o numero de quatro individuas, que a mdia que accusam a.ctual-mente os dados estatisticos 1, temos que a populao de Portugal seria n'aquelle anno de um milho cento e vinte e dois mil cento e doze almas. Este computo, baseado em uma contagem numerica, , em qualquer caso, um padro assentado em um ponto chronologico da historia, que premune contra o extravio de calcu-los phantasiosos. D'elle pretendemos ngora deduzir a importancia da populao em 1495.

    Se no curto periodo de 1495 a 1527 nenhuns factos se tivessem dado que podessem influir de um modo extraordinatio no movimento da populao, natu-ralmente concluiriamos que tinha continuado ininter-rupto o accrescentamento, que havemos notado. Mas no foi assim : e somos ob1igados a apreciar anteci-padamente importantes acontecimentos historicos, mas to s6mente nos seus effeitos sobre o numero dos habi-tantes.

    No contamos entre esses acontecimentos a peste, que era um flagello usual: n'este periodo de trinta e dois annos, vinte passaram sem ella, e em treze gras-sou geral ou parcialmente a epidemia'. A proporo do tempo da infeco qu~i a mesma, que nos sessenta e quatro annos at 1495, como atrs deixamos 1efe-

    1 .Mais e:nctamente, 8,928 para o continente, e 4,261 para u ilha adjaceutes. Ct.JW) da populao, de 1890, Introducilo, p. 101.

    2 Freire de Oliveira, Elemento para a hiltoria do municpio de L-boa, tomo 1, pp. 409 e 464.

    ----

  • Populao ss

    rido. A invaso de 1521 pintada como de excepcio-nal gravidade por Garcia de Resende e F1ancisco de Andrada: juntou-se com uma esterilidade geral em toda a. pennsula e na Africa, o que lhe ateou a viru-lencia. D'ella morreu el-rei D. Manuel. Garcia de Re-sende recorda com espanto a morte de duzentos ho-mens honrados, espanto que nos parece attenuar bas-tante as tetricas cres da sua descrip.o. Mas pouco mais durou essa praga que um anno:' e no podia ex-ceder em destroo a que, principiando em Lisboa em 1480: grassou pelo reino durante dezasete annos con-tnuos. Por outro lado, com excepo do ultimo anno, durante todo o reinado de el-rei D. Manuel foram asco-lheitas abundantes, nem houve falta de mantimentos 1 Em qualquer caso no foi a pestilencia de 1521 da violencia das que destroem familias inteiras, e no podia, portanto, a sua mortalidade alterar o recensea-mento de 1527, o qual, como vimos, no contou seno os fogos.

    O primeiro facto, peculiar do intervallo de tempo em questo, o procedimento de el-rei D. Manuel com os judeus e os mouros em 1497. Nos fins do anno an-tecedente publicra elle um decreto, expulsando de Portugal todos os judeus e mouros frros, sob pena de morte nutural e }lerda da fazenda em proveito do de-nunciador'. No se falia n'elle da nlternativa de con-

    1 Pina, OArtmicG de D . .AffORIO V, t~o 208; Garcia de Beaende, Milcel-lonea e variedade de laiatoriu; Andrada, CArortica. de D. Jol.o III, cc. 10 e 20.

    a Eate decreto constitue o tit. 4:1 do liv. u daa ~~ Ma.ue lilltJB.

    8

    -;: .. ~J:i'.t. . .

    ..

  • 34 Populao

    verso ao christianismo. Ostentava o 1ei grandiosa ma-gnanimidade, promettendo mandar pagar aos expuls~s quaesquer dividas de que no 1eino fossem credores, e dar-lhes todo o aviamento e despacho que cumpria para a sua saida, a qual se havia de effeituar at ao fim de outubro de 1497. Estas promessas eram uma burla para os banidos, e um apparato justificativo para o sobe-rano. De facto, os judeus foram instados para receber o baptismo: aos que se recusavam, foram-lhes arran-cados os filhos menores de quatorze annos: depois, vedando-se-lhes os portos primeiro des~gnados para o embarque, foram encurralados em Lisboa, e ahi, fora, aspergidos todos a monto com a agua baptis-mal1. Uns sete ou oito, de rigida consciencia e inaba-lavel tempera, insistiram pela sada, que lhes foi con-cedida 1 A isto o que D. Manuel chamava depois a geral converso dos judeus 3 O rei conhecia perfeita-mente que semelhante frma de sacramento era de todo o ponto invalida: pelas suas proprias OrdenaBes, nem mesmo um escravo de Guin, acima dos dez annos de idade, podia ser baptisado sem o seu consen-timento expresso 4: por isso, nos diplomas legaes, e nos escriptos destinados publicidade, a violencia., se bem que claramente se percebe como foi rematada,

    t Goea, CArot~ica de D. ll-fanuel, parte r, cc. 18 e 20; Amador Arraia, Dialogo, dia!. 3, c. 2; Mariana, Historia general de E1p4iia, tomo xm, liv. :un, c. 13; Herculano, Historia do estabelecimento da InquiBiao, tom. I, liv. u.

    2 Herculano, l. cit. 3 OrdenaJu Manuelinas, liv. u, tit. 41, S 5.0 ' OrdtJfi4eB Manuelinas, li v. v, tit. 99.

  • Populallo 85

    artificiosamente dissimulada pela recordaio, ex pressa ou implicita, de que alguns obstinados aban-donaram o reino 1 Nos escriptos secretos a verdade desvendada. D. Joo III, dando em 1533 instluces ao seu enviado junto da Santa S para sollicitar a ln quisio, dividia os christos novos em tres catego rias,- os convertidos fora, os de sua vontade, e os filhos baptisados na infancia '. No calor da contenda com o summo pontifice, que estava bem informado dos factos, e objectava a coaco original, nunca da parte do rei e seus letrados se allegou a minima liber-dade de escolha, dada por D. Manuel aos jude':ls, mas to s6mente que, em mais de trinta annos, os violen-tados, se alguns ainda viviam, podiam ter saido de Portugal 3 Alguns fugiram antes e depois d'aquelle baptismo: mas ha que ponderar as difficuldades que tinham de vencer. A sai da no se podia intentar seno por mar; em Castella fiammejavaj a Inquisio. Os po-bres no tinham meios, os ricos precisavam de realizar os seus haveres. Como ainda assim havia quem affron-tasse todos estes obstaculos, o alvar de 20 de abril de 1499 prohibiu a compra aos judeus de todos os bens de raiz, e o saque a seu favor de letras de cambio; e

    t A maior parte d'ellea (judeus), que em nouoa reinos quiseram ficar, ae converteram e tornaram noaaa santa f, e receberam a agua do santo baptismou. Ordeflaes Manuelinas, liv. u, tit. :nu, r..

    z Tomados cbristlos, alguns por fora, outros por saaa vontades, e outros que, depois nascendo doa sobreditos, foram baptiaados em sua iofancia: Info;rmaio para ae fazer a aupplicaio ao Papa da Inquiai-ilo, Corpo tliplomatico portugun, Relaes com a caria, tom. u.

    I Ibid., ~omo lll, pp. 3 e 98.

  • 36 Populao

    o de 21 de abril d'esse mesmo armo lhes vedou a saida definitivamente sob graves penas. Os annos passaram, os conversos resignaram-se sua sorte. Em abril de 1506 foi em Lisboa o horroroso alvoroto e morticnio, em que pereceram trucidados mais de dois mil. lias o soberano vindicou a majestade da justia. Os frades dominicanos, instigadores da carnificina, foram garro-tados, e os seus cada veres reduzidos a cinzas; enfor-cados, esquartejados, ou decepados os principaes cul-pados ; e cidade, remissa em cohibir a revolta, foram retiradas todas as franquias. D. Manuel, talvez pungido de remorsos, abrandou ento os rigores para com os israelitas .. Pela lei de 1 de maro de 1507 foram revogadas as defesas, que mencionmos, e foi permittida aos judeus a saida do reino, e a inverso dos seus haveres em letras de cambio. Mas elles, ou por anf~r terra natal, ou por confiana no futuro, ou pelas miserias que os esperavam em outro qualquer paiz, no se aproveitaram da licena 1 A anciedade dos christi.os novos serenra: a lei esteve em vigor at 1582. Depois sobrevieram inexoraveis defesas, em seguida as sevicias da Inquisio. No obstante, to grande repugnancia . expatriao dominava os conversos, que, apesar das cruezas do Sant9~cio, s6mente nos fins do seculo :xvx, e no subs~qu~, quando os Paizes Baixos lhes offereceram hospitaleiro valhacouto, e que na Inglaterra entibiaram os senti-mentos da intolerancia religiosa, que os christos

    I a Nenhuns ou qoaai nenhuns aairam do reino. Herculano, Historia. do estabelecimmto dtJ Inqu~o, tomo r, liv. u.

  • -.,

    Populao 37

    novos activaram a fugida para aquelles dois paizes, formando as communidades judaicas de Amsterdam e de Londres, que ainda hoje se prezam da sua ori-gem.

    Este summario dos acontecimentos leva-nos con-eludo, que a ordenao de D. Manuel, em relao aos judeus, pouca influencia podia ter exercido sobre a diminuio do numero dos habitantes. Ficaram quasi todos no reino: e as perdas, que occorreram, fo1am sem duvida suppridas pelo grande numero de conver-so&, que fugiam para Portugal da furia da Inquisio castelhana 1

    Examinemos agora o caso em relao aos mouros. Os mouros, comprehendendo sob este vocabulo toda

    a sorte de mussulmanos, foram um dos principaes ele-mentos da primitiva populao da monarchia portu-guesa 1 Mas, no ultimo qtiartel do seculo XIV, hemos de suppor que o seu nume1o era longe de avultado, se considerarmos que todos os habitantes da Mouraria de Lisboa, que era de muito a mais basta do paiz, ca-biam todos em um recinto, que no podia ser de largas dimenses 3 A causa principal d'este decrescimento havia de ser a sua encorporalo na massa do povo

    t Herculano, l. cit. a Herculano, Hutoria. H Porluga.l, tomo nr, liv. vu, parte 1. J Quando Henrique II de Caatella ps sitio a Lisboa em 1873, no

    reinad., de el-rei D. Fernando, OS mouros frros do arrabalde foram-se todos, com seus gasalhados, para o Curral doa Coelhos, junto com a fortaleza doa PR908 d'elrei, que em um alto monte, e ali estiveram em tendilhllea acoutRdos por sua defenaio. Femlo Lopes, Ckronica de D. Fema.ndo, c. 73.

  • 38 Populao

    por via dos consorcios. Nos fins do seculo xv achamos a gente mahometana muito diminuda.

    Ao norte do Tejo no demoravam elles seno em Lisboa e suas cercanias, e em Santarem.

    No Algarve, onde, ao sul d'esse rio, elles mais abun-davam, existiam, em 1442, mourarias em Tavira, Faro, Loul e Silves 1 Quarenta annos depois no os encon-tramos seno em Faro, Tavira e Loul'. Loul era a estancia dos mais afazendados, ou mais numerosos, pois, no dize1 dos magistrados municipaes, possuiam no concelho, em 1484, tres quartas partes da propriedade territorial, e o outro quarto fra em tempo d'elles 3 Os pesados tributos, que solviam, montavam ao tempo do mandado de expatriao a vinte e dois mil quatrocen-tos e cincoenta e quatro reaes ' D'este concelho pode-mos desde j dizer que, qualquer que tivesse sido depois a sorte dos seus lart-adores mouros, a prosperi-dade da regio, que era abrangida pelo almoxarifado de que elle era a sde, no podia ter padecido enorme quebra: porque o almoxarifado de Loul, que era o menos fructuoso do Algarve, rendia, em 1512, duzen-tos e setenta mil seiscentos e oitenta l'eaes 5, e, em cada um dos annos de 1516 a 1518, trezentos e dezoito mil cento e cincoenta 6 A quota dos mouros era menos de

    I OdiantJ, liv. IV, fl. 239. a Odic&na, liv. u, fi. 64. 3 Odic&~~e~, liv. n, fl. 15. 4 Sousa, ProUGI da Historia Genealogica, tomo v11 p. 356. 5 Odiana, liv. vu, fl. 169. & Odiant~, liv. vn, fl. 191 e 195.

  • Populao 39

    uma duodecima parte d'esta somma. Os outros almo-xarifa.dos eram, pela ordem do rendimento, Lagos, Tavira, Silves e Faro.

    No Alemtejo, no conhecemos, pelos fins d'este se-culo, mourarias seno em Evora, Beja, Estremoz, Por-talegre, Elvas, Setubal t, e uma muito insignificante em Aviz.1

    Pelas poucas localidades, em que estanceavam, e considerando que, ~6ra alguns agricultores dispersos, elles habitavam pequenos bahTos nos arrabaldes, onde j,, como em Lisboa, viviam de envolta com os chris-tos, se avalia o modico numero dos crentes do islam: o que se confirma pela indift'erena dos outros mora-dores, pois que nenhumas queixas contra elles appare-cem nos capitulos geraes ou especiaes das cOrtes. Nos conselhos regios, em que se deliberou o decreto ex-pulsorio, ninguem se lembrou d'elles, toda a questo versava sobre os judeus.

    Mas foram com eft'eito lanados f6ra do reino todos os mouros, que no assentiram ao baptismo? D. Ma-nuel nas suas Ordenaes assim o significa: mas docu-mentos particulares, no destinados a ver a luz publica, e, por isso, mais :fidedignos, provam o contrario. O ponto era blasonar ao mundo de que em Pol'tugal, na phrase de Garcia de Resende, nohaviamaispagl.os>>; e, como os mouros no tinham sido convertidos pelo processo empregado com os judeus, apregoava-se que

    t Odiafta, liv. n, fi. 109. 2 Captulos de Aviz1 Characellaria de D. Jolln 11, liv. :uu1 fi. 68.

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  • 40 Populao

    clles haviam sido postos f6ra. D. Manuel confiscou-lhes as mesquitas, as alfaias do culto, os bens consagrados a usos pios, mas no os constrangeu expatriao. Damio de Goes, na sua empeada narrativa d'estes successos, a unica differena que nota entre o proce-dimento havido com os judeus renitentes e com os mouros, que a estes lhes foi permittido levar os filhos menores, quando sairam, e aos judeus no, pois que no tinham no mundo protectores; ao passo que os mussulmanos dominavam poderosos imperios, onde podiam os christos experimentar as represalias de vingana, - pungente e intencional ironia. sob color de ingenua simplicidade 1 : mas o facto que aos ju-deus, como vimos, no foi permittida, mas embar-gada a. saida. Igual repugnancia se havia de manifes-tar a respeito dos mouros. Que no foram expulsos todos os que no abjuraram a sua crena, indubita-vel.

    Em 1498 continuava residindo em Lisboa um mouro, Alie Azulejo, que derivava este appellido da sua profisso de fabricante de azulejos. Era mouro da rainha D. Leonor, o que significa, que e.ra seu servi-dor, artista ceramico, como muitos dos seus correligio-narios, industria em que primavam os arabes, o qual a viuva de D. Joo II empregava, quem sabe se no convento da Madre de Deus, que ella ento fundava. Reis e fidalgos tomavam por seus a artifices de diffe-rentes industrias, para lhes servirem quando requeri-

    l Goes, Chronica de D. Manuel, parte I 1 c. 20.

    1 I

  • Populai!o 41

    dos 1 Alle eta mouro livre. Em maro d'aquelle anno arrematou em hasta publica uma casa na Mouraria, propriedade do Hospital de Todos os Santos, pelo fro de quatrocentos e dez reaes e duas gallinhas. O emprazamento durava por tres vidas, sendo as duas primeiras a d' elle e a da sua mulher Alema, e a ter-ceira de livre nomeao. Havia a escriptura de rece-ber a approvao do governo dentro de um anno. O Alie foi remisso no cumprimento d'esta clausula, sem embargo do que lhe foi outorgada a confirmao em 30 de fevereiro de 1501 '

    O proprio alfaqui de Lisboa, ou capello dos mou-ros, como elle nomeado nos diplomas governativos, Mafamede Laparo, residia n'esta cidade com a sua mu lher Doaira em 1517, e cultivava fazendas, de que era dono, nas cercanias 3

    De que servia expulsar alguns mouros livres, quando no reino havia grande quantidade de escravos da mesma raa e religio, que ora augmentava com ou-tras capturas feitas na Herberia, ora diminuia com os resgates ou troca por christos sujeitos ali . mesma sorte ? E eram tantos relativamente, que mouro, s6 de per si, se entendia vulgarmente por um escravo, era necessario dizer mouro forro, ou apontar outra quali-ficao, para prevenir aquelle sentido. Estes ultimos,

    1 Ohancellaria de D. .4.ff0R10 }~ liv. xa, fi. 66, em Souaa Viterbo, Diccionario doa an:l&iltciM, vol. 1, p. 420; ibi., p. 461; Gil Vicente, Fara dM almocrevu.

    2 &tremadura, Iiv. n, fi. 93. 3 &tremadura, liv. xu, fi. 62.

  • 42 Populao

    em virtude da nova ordenao, ficaram de ali em deante submettidos lei commum: mas ninguem os importunava, eram pobres e humildes, addictos aos trabalhos mecanicos e ruraes, prestimosos, sem faze-rem sombra ou suscitarem invejas.

    Alguns, sem duvida, ou mais escrupulosos, ou mais ressentidos, se resolYeram a abandonar a terra do seu bero, e conseguiram o intento. D'elles foi um certo Alie Agudo, que tinha uma tenda de oleiro na Mou-raria, na rua que saa da porta de S. Vicente 1 A. cas.a era foreira ao Hospital dos Meninos Orphlos em cincoenta reaes e uma boa gallinha. No dia 18 de setembro de 1497 apresentou-se elle no Hospital em companhia do alfaqtti, acima referido, Mafamede La-paro, perante o mui honrado Estevo Mart~ns, mestre-escola e conego da S, provedor dos hospitaes e con-frarias de Lisboa, para o lavramento de uma escri-ptura, pela qual vendia ao alfaqui Mafamede essa sua casa por mil reaes. Foi-lhe deferido juramento no Mo-afo de que esse era o verdadeiro preo ajustado. Na escriptura acrescentou que se vae d'estes reinos, e, por isso, faz doao ao hospital de uma terra de trigo que tem em Alvalade pequeno. difficil explicar este lance de generosidnde, e suspeitamos que foi o preo por que logrou a licena da saida. O case-bre terreo, que, precedido de um pequeno quintal de trinta varas de superficie, media uma rea de treze varas quadradas, confinava com casas de Mafamede

    1 EBtremadura, liv. vu, fi.. 1M.

    1 I

  • Populao 43

    Lampada, com as da mulher do Algarvim, e com as da mulher d'elle proprio Alie, o que suggere a ideia de que esta no quiz acompanhar o marido, e que os mouros vizinhos lhe no seguiram tambem o exemplo. A escriptura no foi confirmada pelo rei seno em fevereiro de 1498 1

    Outra escriptura de 1499 nos informa que um Ro-drigo Affonso comprra varias herdades nos Olivaes, c1ue foram de mouros, e que o rei tinha ahi um cho da mesma proveniencia, que se compunha de um par-dieiro, uma horta, um olival, e um poo sco 'A data justifica a deduco de que esses mouros eram dos que sacrificaram sua consciencia a pattia, e o torro que lhes mantinha a existencia.

    Toda a politica de D. Manuel auctorisa o conceito de que, longe de compellir os mouros expatriailo, offereceria impedimentos ao seu egresso. Aos mou-risco& de Castella, que entravam em Portugal sob pre-texto de negocio, para se passarem para a Africa, elle, para mallograr esse designio, lhes vedava absoluta-mente o transpOr as fronteiras. Atrozes penas eram commioadas pelas suas Ordenaes a todos os auctores ou cumplices do transporte d'elles para alem-mar. A razio allegada era que iam engrossar as foras do inimigo da f e do reino,. Incidentemente, na mesma lei, se prohibe tambem a entrada em Portugal aos mouros que por ns d'estes reinos foram lana-

    I EBtremadura1 liv. 11 fi. 49. 2 EstremadurA, liv. u, fi. 212. J Ordenag8u manuelina~, liv. v, tit. u:un, 2 e 8.

  • 44 Populao

    dos 1 : mas temos semelhante clammla pela continua-ilo do fingimento adoptado no decreto de desterro, inserido, como apontmos, em um livro anterior das mesmas Ordena3es. De outra maneira como conciliar esta incongruencia com todas as provises draconia-nas, que teem por alvo o impossibilitar a passagem de quaesquer mouros ou christios-novos para terras mus-sulmanas 'l A mira nilo estava em limpar o reino de mouros, mas, pelo contrario, em os rete1. No seculo XVI todo o sobre-aviso curto para desvendar os rebuos da santimonia. O verdadeiro pensamento do legislador en~ontra-se no titulo precedente quelle que acabamos de analysar 1 N'elle se determina que ninguem possa forrar captho mouro, ou moura, seno por dinheiro ou mercadorias que o proprio escravo tenha f6ra do reino, ou pelo resgate de outro christo; com excepo d'aquelles mouros, ccque houverem nossa licena, para em nossos reinos viverem e morarem .. os quaes vi-verilo sempre em nossos reinos, e se nilo iro d'elles sem nossa especial licena. O desnudo sentido d'esta refolhada phraseologia manter a antiga lei 3, que no consentia a nenhum mouro a saida do reino sem licena regia.

    Propendemos a crer que o decreto de expulso no serviu seno para extorquir aos mouros sommas de dinheiro. Fundamos a imputao, que no desta do praticado com os judeus, em uma quitao passada

    t Jbidem, 2. z Orden~11 mat~uelina11, liv. v, tit. LXUI1 11 5 e 6. s OiafUJ1 liv. u 1 fi. 2M.

  • Populao 45

    por D. Manuel no seu Guarda-roupa em 28 de abril de 1499, onde se lem as seguintes verbas: cento e quarenta nove mil reaes de Fernando Affonso, rece-bedor, que foi, do dinheiro do quinto dos mouros em Lisboa; oitenta e sete mil e quinhentos reaes, de Diogo de Aleaova, do quinto dos mouros; um conto trezentos e cincoenta oito mil quinhentos e vinte qua-tro reaes, do quinto dos mouros 1 Este dinheiro nBo era o tributo usual, que os mo~ros pagavam, porque o de Lisboa era, por doaAo, percebido pelo Duque de Bragana, e importava em vinte e tres mil 1eaes 1 ; e o esprito da epoca no permitte suppor que, se elles tivessem sido expulsos, o rei, que teve de indemnizar todos os donatarios dos dinheiros pagos pelas moura-lias, se contentasse com um quinto dos bens dos infieis, quando a anterior legislaAo lhe adjudicava toda a fazenda do mouro que abandonava o reino sem o seu beneplacito. Pelo preo da quinta parte da sua fazenda, os mahometanos continuaram a viver em P01tugal.

    Se houve monarca que deixasse a sua memoria vin-culada a predileces mussulmanas, foi D. l'tfanuel. O caprichoso da fantasia oriental inspirou o estylo da sua graciosa architectura; e difficil conceber que em muitos dos edificios, que dito brilho ao seu reinado, como em Cintra e em Evora, no laborassem obrei-ros mouros. Entre os artistas da sua crte figura-

    I B%lnu, B.. 7 a Padrlo de teoc;a ao duque de Brapo~a, ClaaneelltJriG de D. Ma

    nud, li v. nu, ft. 66.

  • 46 Populao

    vam

  • Populao 47

    entender a propria linguagem do rei, quando, para outros propositos, se refere incidentemente a este facto .

    Nas cOrtes de 1563, no reinado de D. Sebastio, o estado ecclesiastico testifica a existencia de muitos mouros, uns christos, outros que o no so, de cujas crenas ninguem cuidava' O Santo Officio, em Por-tugal, no se embaraava com os mouros: provavel-mente porque no queria dar occasio a revindict.as exercidas sobre os christos captivos em Africa. Um exempl~ assombroso de quanto esta considerao mo-via at o esprito mais sanctificado pela.desg1aa, pela abnegao, pela f, encontra-se na paciencia, com que Frei Thom de Jesus, captivado no destroo de Alca-cer-Quibir, se refere aos mouros, algozes d'elle, e dos portugueses, seus companheiros na escravido; e no odio, que no tem outro nome, com que malsina os judeus que viviam na mesma 1egio, innocentes de todos os trabalhos que elles padeciam 3 Dos muitos renegados, que abraavam o islam, os que, arrepen didos, regressavam f christ e patria, eram aco-

    t Por quamto semtimdo o nos asay por servio de deos e noao e bem de nosos regnuos detremynamos que em eles nom ouveae judeus nem mouros. ChtUictllaria de D. Manuel, li v. xm, fi. 11; ibid., fi. 55.

    2 Visconde de Santarem, Memo-rial para a hiltoria du c6rtu, vol. r, Documentos.

    3 Compare-se nos Traballao1 tk Ju111 a carta Nalo Portuguesa, e o trabalho 19, da parte r, Dureza da gente jtulaica: aalargueime tanto no que estea 1\DDos, que estou cativo, aqui por experienciP.. n'eata dura gente (os judeus) vi, porque clara demona.tralo do que Christo, Nosao Senhor, com elles passou; e o que relata ter visto nlo mais que a inflexibilidade d'elles nas suas crenas.

    . '

  • 48 Populao

    lhidos sem reserva, nem penalidade, para no demover os demais de abjurarem a sua apostasia e abandona-rem o servio de um inimigo poderoso.

    Resta-nos mencionar a causa mais importante nos seus eft'eitos sobre o movimento da populao, super-veniente durante o periodo, de que nos occupamos. a corrente de gente para a lndia nas armadas, que sairam d' este reino, a comear pela primeira de V asco da Gama em 1497. A colonizao da Madeira e dos Ao1es j. se inicira anteriormente, e na dos outros dominios ultramarinos s6mente se entendeu depois. No decurso de trinta annos at 1527, que o anno que temos em mira, navegaram para a lndia trezentas e vinte naus, cada uma das quaes levava, em quanti-dade media, duzentos e cincoenta homens 1 Sio, por-tanto, oitenta mil homens, que embarcaram para a lndia durante este teiiJpo. Faria e Sousa calcul~ que s6 uma decima pal'te regressava metropole. Haveria, n'este caso, na populaio um desfalque de setenta t> duas mil almas, ou crca de duas mil e quatrocentas por anno.

    Mas o computo d'esta deficiencia modificado por termos co1rectivos, que se devem tomar em conta. Dos

    t Faricl e &UM&, Liata das armadu, no fim do 8. volume da .41i4 PM'tltflltaa, onde enumera u naus de cada uma du armadu at 1640. N'eate longo periodo de cento e quarenta e quatro annoa, o termo medio, que elle aaaigna a cada nau, de quinhentos homens: a razio que, depois do reinado de D. Manuel, o tamanho das nau augmentou conti-nuamente, sendo de 800, 900 e 1:000 toneladas, mu nos primeiros tem-pos nio p&~~&va de 400 toneladu, &verim de Faria, Not:ia1 de Por tugal, DiSClli"IIO 7. 0

  • 4p't .

    49

    embarcados, uma. gaande parte constava de crimino-sos, qne haveriam do morrer na forca, ou de terminar uma pmte ou o resto dos seus dias no degredo da Afaicn. ou nas cadeias. As possesses ultrnmnainas foram sempre para Portugal o ergastulo dos seus de-linquentes. l~m rclnito a estes, no ht\\ia novidade, que alterasse o numero anterior da\ populao. pmtc restante dos emigrados temos que contrapesar o in-fluxo que os propaios descobaimentos opci'Rram sobre a riqueza material. Ntlo discutimos ngorn. as conse-quencias finaps, que o regimen da expanso coloniul produziu sobre a fora vitnl do pniz: fnlnmos dos seus effeitos immedintos, em referencia a um breve espao de tempo. Pomos de parte os pro,entos do monopolio regio das especin1ias, que mais que triplicou o rendi-mento do Estndo, tnmbcm accresceram as despesas para o manter: mas a exportnito para o oriente dos gene1os ag1icolas, e o trafico de outras mercancins, locupletaram a agricultura, o commercio e a navega-iio. Por outro meio progrediu a agricultura, por via de um instrumento dep!ornvel, mas momentaneamente efficaz, o taabnlho servil dos negros dt\ Africa. claro que nito so estes contados no numero dos habitantes, nem esta a occasitlo de apreciar os miseaandos efft>i-tos, moraes e econo~icos, que a sua introduco causou a P01tugal; mas indubitavel, que ellcs n'esse tempo estenderam a porito do solo cultivado. Nas crtes de 14 72 os povos not"uvam com 1egozijo o gaande numero de escravos, que havia no reino, porque serviam para desbravar os matos, dcsangrnr os pantanos, e ouhos du1os b"abalhos, d'onde 1-eaulta"a a fundnlo de no-

    '

  • 50 Populao

    vos povoados 1 J, em 1466, havia em Evora tres mil eeomvos de ambos os sexos' Alas depois de cir-cumnavegada a Af1ica, com o incremento da rea da colheita e o da sua frequentao, a quantidade mes-ceu prodigiosamente. Quando, cm 1536, Garcia de Resende aponta, como um dos factos notaYeis do seu tempo, o arroteamento de terrus b1aviat~, a abertura de paules, a comel'So de charnecas em lavouras 3, uo pdc bave1 duvida de que a esse nlleantamento occul'l'ia o babalho da quantidade enorme de escm\"os, cuja impo1tno incessante lhe entristecia o nnimo. A multiplicao dn cspecie humana naturalmente inde-finida; o que a J'estlinge, abstrahindo das devastaes anormacs, , sohctudo, a misCJia: a populao cresce at t\s cxtaemas raias da subsistencia. II avia tnmbem que alimentar os escravos, mas o sustento d'cstes era misc1avel, a mortalidade enorme, e o vheiro da Afl'ica inexgotnvel. O progresso da agricultura nugmentava, portanto, a populao do paiz. A expcriencia de nossos tempos tem demonstrado que uma desmesurada cmi-grailo nilo empce ao crescimento do numero de lm-bitantes '

    1 Crtu, mao 2, n. 14, Capitulo~ mticol, n. 9. Vide, no fim do vo-lume, os Docummt01 illutralitw.

    2 JTiaju por Espalla de Jorge de Ehiflgen, dei baron Lr.on Rosrnithal de Dlatna, etc., traducidos por D. Antonio Maria }'abi, Madrid, 1879. Via ,em de Rotmithal: o texto, que est muito eorruptn, diz na cidade de Braga, maa evidentemente I! em Evora, pela sua situallo fJnsta no Alemtejo a trea milhas de Arraiolos, e por outras partieulnridades.

    I Mcellanea e tariedade de hitoriaa; cf. Brtll4 de Paulo III no Corpo Diplomalico Por~z, tomo m, p. 429.

    4 Em doze anno11, de. 1878 a 1890, cm ama populaio que, n'eSilc pc-riodo, 1ubiu aprozimadameate de quatro e meio milbl!e1 a claco, a

    --, I

  • PopulalJ.o l

    Do exposto deduzimos que a diminuio da gente eliminada pelas armadns da India, duaante a quad1a de tempo que fixmos, daria um resultado final insi-gnificante, ou nullo. O numeto dos nascimentos, e das existencias roubadas fome, preenchia a lacuna. E tanto mais que uma parte d' estes emigrados pertcn cia s ordens privilegiadas, que viviam do producto da tu~a, sem que a fecundassem pelo seu trabalho.

    Conjunctamcnte com esta ponderadas as oubas causas, que temos exposto, chegamos concluso, que o recenseamento de 1527 1epresenta aproximada-mente a quantidade de fogos existente em Portugal anteriormente a essas occurrencias.

    J

  • 52

    sop do monte de Santa Catbarina, uma povoao de pescadorea, que foi denunciada ao rei para o paga mento da dizima do pescado 1 Em 1520, D. Manuel, tomando em considerao que Matozinhos e Le~a vo em grande augmento, concede-lhes, por carta de 14 de janeia-o, nma cea-ta autonomia com dois juizes e um alcaide, escolhidos pela camara do Porto de u~a lista de candidatos n1>rcsentada por aquellas localidades, c com seis procuradores do povo' O censo de 1627 conta n'estas duas terras o numero de seiscentoa e se-tenta e sete fogos.

    O concelho de Ponte do Lima affirmava ao infante D. Pedro, durante a sua regencia, que no termo da villa no ba mais de seiscentos moradores 3 O mesmo termo apparece, em 1527, com mil cento e noventa e taes. Igualmente, os moradores da cidade da Guarda e seu termo, que pagavam fintas, eram, em 1465, crca de mil ': seguramente no minguaa a popula-o, quando, sessenta e dois annos depois, ella toda arrolada em dois mil trezentos e vinte e um morado-res. Sem duvida que a immune parte d'elles, por iseno regia, e pot acostamento igreja e nobreza, era muito consideravel: mas no poderia exceder, na Guarda, a metade da populao.

    Do extraordinario augmento de Lisboa, logo nos primeiros annos do seculo XVI, temoa provas incontro-

    I Alem-Doaro, liv. v, fi. 82. 2 km-Doaro, Jiv. v, fi. 88. I lem-Douro, liv. n, fi. 15. 4 &im, liv. 111 fi. ~8.

  • PopultujkJ 58

    versas: a capital do reino tornou-se o emp01io do comme1"Cio do oriente. Esta cidade, -diz D. Manuel em 1500-, louvores a Nosso Senhol", cada dia se acci-escenta, asl5im em povoalo, como em muitas outras cousas do seu ennobrecimento 1: e, posterior-mente, em 1515, a nossa cidade de Lisboa vae em gt"&.nde crescimento, a Deus graas, e ha n'ella sempre muita gente, assim de natmaea como de estrangeiros>> 1 ; e, cinco RDnos depois, as cousas do ennobrecimento d'esta cidade, louvores a Nosso Senhor, vilo em mui g1-ande crescimento, e cada vez com sua ajuda espe-ramos que mais cresam 3

    Em Santarem o movimento das jogadas, que atrs apontmos, de 1451 a 1504, nlo indica decadencia. No seu termo o Cartaxo, que, em 1458, se gloriava doa seus noventa e tantos vizinhos, inscreve-se, na re-senha de 1527, com duzentos e vinte e quatro.

    No Alemtejo, Evora declinou. De quatro mil e qui-nhentos mOJadotes, que contava. em 1495 ', baixou a dois mil oitocentos e treze, uma differena de mil seis-centos e oitenta e sete em trinta e dois annos. O des-canso foi gradual, e explica-se facilmente pela reti-rada de muitos e principaes fidalgos, que ali J"esidiam 11 , e que provavelmente se passaram para Lisboa. Em contrap08ilo, Beja feita cidade em 1521, em atten-

    t &~remadura, liv. 1, ft. 160. :t. Etremadura, llv. :m, ft. 20. s EtlremtuJura, liv. 'IIII, ii. 176. Garcia de Resende, Vida tk D. JoiMJ II, e. 20i. lbidewt.

  • -

    Populao

    ito sua gloriosa historia, e a a como, louvores a Nouo Senhor, cada vez vae em maior crescimento,,. Elvas foi tambem por D. Manuel ele,ada mesma catego-ria 1 Nas cOrtes de 14 7 4! 3 se fala de .todo o concelho de Portnlegae juntamente at seiscentas pessoaso ter feito uma aeprcsentao a el-rei D. Duarte. Comquanto este modo de fular seja uma base de calculo demasiado fallivel, ~, todavia, de infea;r que a populao thesse augmentado at o nnno de 1527, quando o concelho contava mil quatrocentas e dezanove familins. Borba gaba-se, nas crtes de 1498, de que no haveria no reino out1"D. villa com to pequeno termo, e t.~o larga-mente npaoveitado! sobretudo em ,inhedos; e queixa-se, no da falta de b1aos, mas da insufficiencia de madeha para os seus apeiros, e de lenha para consumo ' Em capitulos, que dirigiu no rei ('fi 1487, a villa de Veiroa 5 contava os seus vizinhos em cento e sessentn; no entravam, entende-se, os moradores das ordens privilegiadas: em 1527, niTolava ao todo trezentos e sessenta e um. A pvoa de 'l'ancos, fra mas na raia do Alemtejo, recebe, em 1517, a graduao de ,.iJla, ccpor sabe1mos o accrescentamento, em que cada dia vae a povoao,, 6 SalvateaTa de Magosuo tinha ainda, em 1497, quarenta lavradores 7: em 1537, apuraram-se

    t Odiana, liv. vu, fl. 199. z Goes, Ohronica de D. Manuel, parte tv, c. 86. 1.n. us. 4 Odiana, liv. r, fi. 82. s Odiana, liv. v, fi. 280. & .&tremadura, liv. xu, fi. 79. 7 Otlia1U11 liv. 11 fl, 89.

  • -- --..

    Populat;llo 55

    abi cento e dezesete fogos 1 O Barreiro, em 1521, re-cebe o titulo de villa, considerando que O logar tio accrescentado,, 1

    De uma possesslo no termo da villa de Almada conhecido o respectivo endimento no principio d'este seculo .xv, e no do subsequente: a comparao paten-teia o progresso da agricultura na comarca adjacente, e ainda p6de servir de indicio do progesso material do paiz inteiro. Entre as mercs, feitas por D. Joiio I ao condestavel D. Nuno Alva1es Pereira, comprehen-diam-se todos os direitos regios da villa de Almada e seu termo. O condestavel entendeu que a doalo abrangia os esteiros de Col"l'oios e Arrentella, e come-ou a edificar no pimeiro azenhas de moagem. O procurador da cora denegava esse dileito, e embar-gou as obras. Seguiu-se uma demanda, que terminou por composilo amigavel, em virtude da qual rei, consider11ndo os riscos e damnos inherentes a um longo pleito, e que aquellas abras estavam de todo desapro-veitadas, fez d'ellas ce:ssilo plena ao condestavel, com a obrigao de que este lhe pagasse o fro de oito al-queires de trigo por cada uma das azenhas, que ahi levantasse. Nuno Alvares edificou na abra de Cor-roios tres d'essas moendas, e doou-as em 1404, junctamente com tvdos os seus direitos sobre este e o outro brao do Tejo, ao seu convento do Carmo, ao qual o rei quitou o fro 3 Em 1493 esses mesmos tres

    1 Gaveta 15, mao 28, n.0 15. Odiana, liv. vn, fi. 197. , SIUlt'ADDa, CAroni'CtJ doi Cannelital, tomo 11 Documentos 7, 11 e 12.

    ---., I

  • 56 Populotw

    moinhos, cujo rendimento para o senho1io fra primi-tivamente computado em vinte e quntlo alqueiaes de trigo, andavam aforados por oito moios, e, em 1505, }lOl' nove. Accresce que no mesmo esteiro se haviam consbuido mais cinco azenhas, e ap1oveitado em mari-nluts o ter1eno salgado 1

    O almoxal'ifado de Setubal cobrou, cm 1l94, taes contos cento e setenta mil reaes, e quinhcntns galli-nhas': em 1512, quatro contos bezentos e vinte mil l'enes, dezeseis aves e um carneiro 3 Sctuhal, e\idcn-temente, niio dccaira. Das ,illns de Alvito, Villa No,a da Hnronia e Oriolla, diz uma etuta 1egia de 1502, que slo bem povoadns, e que os dheitos reaes Cl'eRcem cada vez mais '.

    No Algmye, rravira el'igida em cidade, attenta n sua bencmcrencin. e

  • Populallo 6T

    com o seu nlfoz. Lagos, de cujo. polio surgham as ca-ra,elas do infunte D. Henrique, a.ttingiaa o cume da sua grandeza. Era. o entreposto do trafico africano: e, quando este foi tramsfcrido paaa Li~boa nos fins do seculo xv, a. sun prosperid11de ressentiu-se. Nos cinco annos precedentes a 149G foi, em cada um, o rendi-mento do seu almoxnl'ifndo, deduzidas as sommas pro-cedentes da \'enda. de cscra.\'os, de um conto duzentos c setenta. mil novecentos c sessenta. c oito reaes 1 : em 1&12, quando o tta.to ultl'nma1ino tinhn j. passado para Lisboa, o ten(limcnto bnixarn a um conto cento e quarenta c um mil c trcsentos ' Sem embatgo, o seu almoxarifndo, com pouca differena do de 'l'nvira, con-tinuou a sea o mais rico do Algane.

    O Alcmtejo c o Algarve emm, como dissemos, a paincipal cstnncia dos mouros. Os factos apontados no dalo fundamento no asserto, de que a ordenao, que os bnnin, produzidsc qualquer despovoamento n'a-quella regio.

    Em reln~lo a todo o paiz, o que as precedentes in-dioaes possam isoladamente tet de deficiente sup-prido pela reflexo sobre o desenvolvimento ulterior da historia.

    A extenso de juizes ordinarios a todas as aldeh1s, paovidencinda por D. Manoel 3, o ininterrupto accres-centamento de juizes de f1a e de empegados admi-nistrativos, a crialo de quatorze novas corregedoria&

    1 Od&ftCI, Jiy, 11 ft. 281. J OdiGM, liv. vn, fi. 169. s Orderw,giiu Me~reueliRC~B, liv. 11 tit. .

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    por D. Joilo m tI a addilo ao numero de desembar-gadores, a fundao de bispados, a multiplicaito dos concelhos, no se compadecem eom o 1etrocesso da populao. necessario, comtudo, qualificar o argu rnento pela considerao de que a grande quantidade de escravos complicava muito as elaes sociaes; pois, se bem que elles nilo eram julgados seno como objectos de propriedade, nlo podiam ser, nem nunca foram, tratados como brutos animaes.

    A populao estende-se mesmo em condies appa-rentemente minguantes da quantidade existente. Em uma das quadras mais calamitosas da nossa histmia moderna, de 1801 a 1835, em que o paiz foi devas-tado por tres invases estrangeiras, pelas guerras ci-vis, e por uma epidemia de cholera-morbns, accusam as estatsticas o additumento annual de treze em cada dez mil almas' do primeiro anno. As causas que diffi-cultavnm o desenvolvimento da populallo na idade media eram as pestilencias, a fome, o desabrigo da vida, a guerra incessante, a universal penuria. Em Portugal, nos seculos xv e XVI, a paz, com curtas e leves interrupes, foi mantida, at louca e fu-nesta campanha de D. Sebastio contra llarrocos. Todavia, qualque1 que fosse o incremento de habitan-tes n'aquelles seeulos, o qual no temos dados para. apreciar, no podia, pelas outras causas, ser seno muito lento.

    A considerao das circumstancias desfa.voraveis

    I Joio Pedro Ribeiro, Rf'jlezlJu hitorica11 parte n, n. 1. J Cer110 da populao em 1890, Introdaclo, p. 67.

    l

  • ~---

    -

    Populao

    vjda nRo consente nclmitth-se n'ultnda necessito no nosso pb.iz durante o seculo XVI. Mus que alguma houve, nilo padece duYida. Se em Portugal, quando prosperado pelo monopolio incontestado do commercio oriental, comeasse logo de rarear n populao com o despacho das pimeiras armadas para a India, como seria possivel que elle podesse continunr n expedir, du-rante mais um secu1o, levas de soldados para o oriente, e, simultaneamente, turmas de emigrantes para oBra-zil? Ao passo que, no reino, conjunctamcnte ci.escia em quantidade espantosa o numero de gente votada ao celibato. Nos fins do seeulo XIV o numero de comen-tos de um e outro sexo oraYa por cento e seis; pas-sado o seculo xv, subia a duzentos e trcs; e, ao findar o XVI, contava t1esentos e no,entn e seis . Comtudo, no bre'\'"e el'pao de tlinta e dois annos, no podia I'e-levnr o accrescentamento na somma de uma popu1a-ito t.~o mal apercebida, pela rudeza da sciencia e da civilisaito, contra as inclemencias mortieras da na-tureza.

    A conclusito, a que chegamos, de que, nesses trinta e dois annos, entre 1495 e 1527, no se deu ditfe-rena consideravel no numero dos moradores, con-tJasta uma opinio, j emittitla no meiado do seculo xvn 1, de que anteriormente ao reinado de D. }lanuel, e em consequencia dos factos que temos discutido, a populaito era muito maior. Quando se inquire do fun-damento historico d'esse juizo, no se depara outro,

    t Cardeal Saraiva, Obrtu, tomo 1, Ordena monaaticas e mosteiros. 2 Severim de Faria, NoticiGtl de Portugal, disclll'IO L

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    senlo a expresslo do abalo que causava, em 1586, a Garcia de Rezende a novidade, de que elle durante a sua vida foi testemunha quasi desde a oaigem, de se espalharem os poatuguezes pelas ilhas, pela lndia, e pelo Brazil, ao passo que o 1-eino se enchia de negros africanos. Se assim continuar, exclamava elle, serlo mais os esc1avos do que ns 1 Nito diz que a popula-Ao nativa diminuia, com quanto se comprehenda que elle tivesse app1-ehenses a este respeito: a corrente dos po1tuguezes para fra da patria era um facto sem precedente, que no podia menos de o sobresaltar, a elle e aos seus contemporaneos. Mas ns sabemos boje de certesa pela expeaiencia historica, que os seus temores eram infundados, e que a colonisaio no an-nulla a expansibilidade da populai.o da metaopole. As causas do seu retardamento, n'este e nos seculos se-guintes, si.o mui complexas, e teem de se procmar na contextura do regimen politico, social e economico: mas cremos que, ao todo, ella tem sempre progredido, mais ou menos lentamente, desde o principio do seculo :xv.

    Se indaga1mos qual a populao das outras naes da Europa pelos fins d'este seculo, ni.o encontra-mos, proporcionalment~, nenhuma dift'erena sensivel em relno a Portugal. Da Inglaterra, propriamente dita, com o principado de Galles, em um telTitorio que t1 quasi o dobro de Portugal e mais coroavel . cultura cerealfera, t1 orado o numero de individuo& entre dois e tres milhes 1

    t .Vicellanea e variedade de hi1toria1. z Thorold Roger~, Manual of Potic4Z Eoonomg, c. 8, di1 doia ;

    Hallam, Coueitulional HWI.ory ofB!Iglcwi, c. 1, dis trea milhha.

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    Florena, uma das mais industriosas cidades da Eu-ropa n'aquelle tempo, comprehendia dez mil visinhos 1

    Das dlla8 maiores cidades da Allemanha no meiado do seculo xv, Strasburgo e Nuremberg, no continlm cada uma mais de vinte e seis mil almas: nem era, em todo o imperio, grande o numero d'aquellns qur contavam entre dez e vinte mil 1

    }~m 1506 Vinccnzo Quirini, embaixador de V cneza em Hespanha, relatava ao senado dn sua republica, que o 1-uino de Castella, quer dizer, a Hcspauhn actual, escluidos os antigos reinos de Navarra e de A1"Rgo, no numerava, apeza1 das suas grandes di-menses, mais de duzentos c cincoenta mil fogos 3 Similhante avalinuo, que dmia t\ Cnstcl1n, em um tca-ritorio quatro vezes maior, uinda que propoacional-mente mais snfaro, uma populu~lo inferior de Por-tugal, no p6de ser exacta: mas demonstra a rnreza da povoao no reino vitsinho.

    Exguo era o numero dos habitadores. !Ias no ha que. medir a sua capncidade ene1gica pelo padro dos nossos tempos. Eram uma J'aa inculta, mas luctadora, f01te e audaciosa: homens capazes, pela sua pujana muscular, de envergarem urna armadma de ferto, e brandirem o montante ou a aclan de armas nas bata-

    1 Raoke, GucAicAleta dtr romanidua untl gem~anilc/,en VoelLer, 1. Bucb, S. Cap.

    J Aaamaun, Ge.cAichte du MiUelalter11 8. Aufl. 3. Abth. Deutach-laod, S. 629.

    a Non tiene, fra cit terre e ville, pio di dugento cioquanta miJa fuocchi. Alberi1 Relauioni ~ali amba1ciatori veneti al Senato, aerie t., tomo 1.

  • 62 Populallo

    lhas de uma longa campanha. Temos n6a hoje, no brando regao do refinamento, deixado adormecer as foras usuues e neccssarias n'aquelles tempos; com humildosa admirao olhamos pa1a essas imagens gi-ganteas, como um velbo ene1vndo par&& os exercicios

    .viris da mocidade>~ c. 'fresentos e tainta e um mil ho-mens, que tantos seriam os vares activos de Portu-gal', aobustecidos pelo combate incessante contra as calamidades onturaes, e contra as demazias da violen-cia, acostumQ.dos a se valerem a si proprios, inoonscios de duvidas sobre o seu destino e o caminho para elle, considerando a vida e o tempo como o limiaa da eter-nidade, no so compnrnveis a igual numeao decida-dos de uma sociedade policiada, emasculados pelas branduaas da civilisaq~lo, de quem o scepticismo tenha mollificado o esprito, e limitado o hqrisonte ao breve espao da vida terrena.

    I Schiller. J Doe quiu;;e aos aeueota e no\e anno, na propol'ilo encontrada

    para a actual poputaio pelo Ceoao de 1800, vol. n, p. 2.

    , I

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    CAPlTULO II

    Aspecto geral do paiz e do seu estado social

    O te1Titorio, que a communidade portugueza hnbi ta,a, era o mesmo que ena nossos dias, com cxcepc;o da praa e tem1o de Olivena, que nos foram conqtaiti-tados pela Hespanba em lHOl.

    O aspecto gmal dos lineamentos ph)siogrnphicos no tem mudado. No que se tenhnm conser,ado invariaveis, porque a face da terra est sendo com~tantemente tJ'I\nsformada pela aco dos agentes physi-cos: mas esta aco to lento, que o espao de cinco seculos no sufficiente para a deixar pe1ccbea no seu conjuncto. Historicamente, smente possivel averi-guar algumas alteraes parcines, que teeau deixado a sua memoria nos documentos, ou, po1 muito sensveis, indcios irrecusaveis na face da terra.

    Um sabio estrangeiao, que estudou diligentemente o aspecto physico e a formao geologica do Algarve, attribue o obstruimento dos portos de Alvor, Lagos, Aljezur, bem como de Odeseixe e Setubal, . invaso das areins arrojndas p('ln tremt>ndn vnga, alta de ses-senta ps, que, por occasio do teareototo de 1 de

  • 64 O paiz e seu estado social

    novembro de 1 7 55, estoirou &Obre a costa de Por-tugal.

    Da extensa linha de ilheus arenosos e mudaveis, separando do oceano a ria que cone parallela costa do Algane desde o Encilo at bal'l'a de Ta,ira, nos d noticia um documento de 1441 ': j ento, segundo a infQJ'mn.o dos mareantes do Porto, a barra de 'rn-vira eta muito baixa c perigosa, no medindo a ngua, na baixamar, mais de um cova do de profundidade, de sorte que os navios de maior porte, que ali iam bus-car carga de fructa, haviam de ancorar em Fmo, ou no local que denominavam a Foz Nova>>.

    N'aquella patte da costa de Portugal, onde a zona do litt01al muito baixa, as areias soltas e de grande mobilidade, e o solo facilmente desintcgra'\"el, os ,en-tos ajuntam grandes medcs de areia, e os propellem pa1a o interior. Assim, na cinta littoml de solo are-naceo, que se estende desde Aljezur at foz do Sado, se teem obstruido totalmente ns desembocaduras de alguns ribeiros, e determinado a fol'lltnfto dns lngons de S. Thiago de Cacem e de Melides; e, ao norte do Cabo Espichei, a de Albufeira.

    Igual processo vae em seguimento nns bocas da Ribeira de Quarteira no Algnne: e nas dn Lagoa de Obidos na Estremt~dua.

    Na faixa de areiaes, de largura variavel, que se es-tende desde a Pederneira at proximidade da bana

    t uMmoire aur le royaume de I' Algarve, nas Memoria da Acadtmia Real da Scincia, 2. aerie, tomo n, parte n.

    2 Capitulo& eapeciaee do Porto nas crtea de U41 1 C'hancellaria de D. A,lort10 Y, liv. n, fi. l

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    U paiz e seu estado social 65

    do Douro, este phenomcno manifesta-se com grande intensidade. A elle devido o estancamento das aguas nas lagoas de Tocha e de Mira, e o arenamento pro-gressho dos rios Liz e Vouga 1

    A povoao de Lavos tem por vezes sido mudada parn o interior, por effeito da invaso das areias, havendo desapparecido algumas ter1as de cultura, hortas e pomares 1

    Foi para livrar o campo de Leiria d'esta invaso que D. Diniz plantou o grande pinhal. Em 1286 o mesmo rei mandou po,oat a villa de Paredes, ao norte da Pederneira, a tres legou de Leiria, um porto bas-tante accomodado para a pesca e para o commercio. Esta vi11a foi em grande crescimento at ao reinado de D. Manuel. Ento os areaes, abalados pelos ventos, que n'a.quelle sitio cursam de todos os pontos, cobri-ram ns casas e entulharam o porto; de sorte que a villa '\eiu a despovom-se totalmente 3

    Em tempos primitivos as costas eram provavel-mente cobertas de fiorestas. Foi a destruio d'estas que franqueou o campo invaso das areias. Plantando o pinhal de Leiria, D. Diniz nito faria mais que res-tabelecer o estado primitivo.

    A causa ordinaria mais activa na alterao dos con-tornos

  • 66 ( J paiz e sen estado tocial

    reno procedem constantemente. Quando a fora da corrente dos rios, onde os detritos soltos se vem ajun-tar, nl1o assaz poderosa para os remover at ao mar, o alveo fluvial s6be de nivel, e as aguas e o seu con tedo inundam os campos ma1ginaes.

    O 1io de Portugal, onde atravcz dos seculos se tem manifestado mais calamitosamente este phen01ueno, o Mondego. Este rio, por ~i e seus affiuentes, recebe as aguas e os detritos da mais cstensa e elevada cor-dilheira do paiz. O rio Alva, o Dao, o Ceira, as torren-tes que se precipitam das searas do Aor e da Louzan, acarretam-lhe as alluvies e areias de uma dilatada superficie.

    Do alteamento do seu leito, e dos estragos por elle causados, a primeira noticia, que alcanamos, data dos fins do seculo xm. O mosteiro de Sant'Anna de Coim-bra, edificado junto da ponte nos principio& do mesmo seculo, foi, por esse motivo, ob1igado a mudar de sitio em 1285 1 Da continuao da mesma causa do tes-temunbo ns ruinas soterradas do convento de Santa Clara, e a memoria dos mosteiros desapparecidos, o de S. Francisco, outr'oaa assentado na varzea da mar-gem esquerda, c o de S. Domingos, junto ao rio, na margem direita; os quaes, nos fins do scculo xv, ainda permaneciam no sitio da sua primiti\a fundao. O mosteiro de Santa Clara, obra do anno de 1314, trans-feriu-se para a sua actual situao em 1649: o de S. Francisco, fundado em 124 7, mudou-se em 1602: o de S. Domingos, erigido em 1242, recolheu-se para

    t Fr. Antonio Brandio, .Uonarchia Lusitana, parte tv, liv. xn,

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    O paiz e seu estado social 67

    a rua de Santa Sophia cm 1546. D'este, ainda no meiado do seculo xvu, permanecia de p o campana-rio no seu primitivo assento 1

    Em relao ao seculo xv, enc?ntrnmos meno dos effeitos devastadores das cheias do Mondego em 1464. Na carta regia de 22 de setembro d'esse anno se re-latn, que os officiaes e homens bons de Coimbra ha-viam representado que o rio estava to obstruido de aa-eias, que, mais pequena cheia, fazia grande damno no campo at M.ontem6r, nos mosteiros ahi assentados, o no arrabalde da cidade. Pelo que o rei, D. Affonso V, mandra fazer uma estacada entulhada para minoraa os estragos, com grande dispendio e trabalho. A esta-cada. pouco aproveitra.. As auctoridades de Coimbra lembra,am, portanto, uma paovidencia, que, segundo a noticia que havia, se guardra nos tempos antigos, -que de Coimbra at Ceia nenhum fogo fosse posto nos matos dentro do espao de meia legua para cada uma das margens. D'esta maneira no correria mais areia para o rio, a que n'elle jaz se escoava arrastada pela corrente, e no seria o damno to grave como agora. O rei assentiu a esta p1oposta, impoz a pena de mil reaes a quem lanasse fogo, e deu aos juizes de Coimbra jmisdico para este caso sobre todo o per-metro designado '.

    A tradiilo sobre o arvoredo das margens do rio e1a ve1idica. Entre os privilegias conferidos a Coimbra desde 1368, um havia concedido pelo rei D. Fernando,

    I Idem, ibid., parte 1v1 liv. :~av, cap. 23. 2 E:rtremad11ra, Iiv. v, ft. l4:J.

  • 68 U plliz e se-u estado social

    pelo qual cidade se pcrrnittia o cmta1 madeira nRH matas e soutos reaes nas ribeiras do Mondego e do Ceira 1 A bacia do Ceira na serra do Aor, onde em nossos dias se encontravam ainda restevas de grandes matas, que tinham ensombrado esse rio 1

    O mandado e sancito penal de Affonso V foram baldados. Os fogos continuaram a desvastnr os matos nas ribanceiras do Mondego. Nas c1tes de 1490 o povo de Coimbra retorna a amesquinhar-se de que as areias alastram o campo, o que devido aos fogos que se p5em em ambas as ribas do Mondego. De si mesmo que elle se devia queixar, porque a carta regia, de que acabamos de fazer meno: lhe dava o meio de obstar a este pernicioso abuso. O povo pre-fere recorrer ao rei, e pede-lhe que prohiba os fogos at Linhares, junto Serra dn. Estreila. Pede tambem que sejam defesas as nassadas no rio para s. pesca das larnpreias, porque o menos que se p6de lanar no rio so dez ou doze mil pedras, em que se represa a areia, e no p6de correr, e se retem, e faz crescer a areia e a agua para os ditos campos, pelo que tudo se destroe 3,,, Em consequencia d'este requerimento, D. Joo li publicou no anno seguinte a carta regia de 5 de maro de 1491. N'ella se estatue que, Conside-rando o grande damno que o campo de Coimbra recebe pelas muitas areias, que n'elle recrescem por causa dos muitos fogos que se pem nas mattas c charnecas

    l E1tremadura1 liv. n, fi. 10. 2 Citado Rrlatoriu sobre a arborisno do paiz. 3 Clumcr.llaria de D. Joo 11, liv. xm, fi. 127. Vid(' os /Jocnmtnlo

    iUu8frati1.'08.

  • O paiz e seu estado social 69

    ao redor do Mondego, c dns muitas nassadas, que se deitam no 1io, para se tomarem lampreia& seja no-meado um couteiro dos ditos fogos e nassadas. Este offi.cial tem por encargo o velar por que se no ponha fogo, de um e outao lado do Mondego, aguas verten-tes, at Linhares, nem se armem nassadas no rio 1

    Todos estes mandados de prohibi.o foram letra morta, como se v pe1u. naiTativa ele frei Luiz de Sousa no primeiro quartel do seculo xvu. Ajuntamos aqui as suas palavras, porque continuam a hist01ia do pheno-meno at essa idade, c mostram a persistencia das ideias sobre a sua causa, como tambem que nunca se traduziram em obras. O que, porm, elle diz a respeito dos tempos antigos cmece de fundamento; um effeito da imaginao, ento iucontradictada, de que no pas-sado florescra toda a ras.o e virtude. Accontece em alguns dos arcos (